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ARTIGO ARTICLE 265 A instituição da microbiologia e a história da saúde pública no Brasil Microbiology as an institution and the history of public health in Brazil 1 Casa de Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz, av. Brasil 4.365, Manguinhos, 21045-900 Rio de Janeiro, RJ [email protected] Jaime Larry Benchimol 1 Abstract This article deals with the institution of microbiology and its consequences to Brazil- ian public health during the last quarter of the XIXth century and the beginning of the XXth century. The author examines the work done by members of Escola Tropicalista Baiana and then by several constituents of another genera- tion of physicians who, in Rio de Janeiro and São Paulo, researched yellow fever and other diseases from the perspective of the germ theory, trying to discover both its specific microbe as well as effective therapeutic and immunobio- logical treatments to those diseases. The article also examines the transition of the etiologic is- sue to the question of the means of transmission not only of yellow fever but also of malaria, cor- relating it with the coming of age both of Pas- teurianism and Tropical Medicine. The adop- tion of Finlay’s theory in Brazil and the success- ful campaigns led by Oswaldo Cruz in Rio de Janeiro, while the Brazilian capital was re- shaped in accordance to a ‘haussmannian’ mould, initiates a new era in which Instituto Oswaldo Cruz and other medical institutions develop dynamic research programs in close syntony with European and North American Bacteriology and tropical medicine. Key words Bacteriology; Tropical Medicine; Yellow Fever; History of Public Health; Institu- to Oswaldo Cruz Resumo Este artigo analisa a instituição da microbiologia e suas conseqüências para a saú- de pública brasileira durante o último quarto do século XIX e o começo do atual. O autor examina o trabalho realizado pela Escola Tro- picalista Baiana, a trajetória de outra geração de médicos que, no Rio de Janeiro e em São Paulo, investigaram a febre amarela e outras doenças à luz da teoria dos germes, procurando descobrir tanto o seu micróbio específico como imunobiológicos e tratamentos eficazes. O arti- go examina também a transição da problemá- tica etiológica para a do meio de transmissão da febre amarela e da malária, correlacionan- do-as com o amadurecimento do pasteurianis- mo e da Medicina Tropical. A adoção da teoria de Finlay no Brasil e as campanhas sanitárias bem-sucedidas que Oswaldo Cruz empreendeu no Rio de Janeiro, enquanto a cidade era remo- delada de acordo com o molde “haussmaniano”, inauguram um nova era em que o Instituto Os- waldo Cruz e outras instituições biomédicas lo- gram desenvolver dinâmicos programas de pes- quisa em estreita sintonia com a bacteriologia e medicina tropical européia e norte-americana. Palavras-chave Bacteriologia; Medicina Tro- pical; Febre Amarela; História da Saúde Públi- ca; Instituto Oswaldo Cruz

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A instituição da microbiologia e a história da saúde pública no Brasil

Microbiology as an institution and the history of public health in Brazil

1 Casa de Oswaldo Cruz,Fundação Oswaldo Cruz,av. Brasil 4.365,Manguinhos, 21045-900Rio de Janeiro, [email protected]

Jaime Larry Benchimol 1

Abstract This article deals with the institutionof microbiology and its consequences to Brazil-ian public health during the last quarter of theXIXth century and the beginning of the XXthcentury. The author examines the work done bymembers of Escola Tropicalista Baiana andthen by several constituents of another genera-tion of physicians who, in Rio de Janeiro andSão Paulo, researched yellow fever and otherdiseases from the perspective of the germ theory,trying to discover both its specific microbe aswell as effective therapeutic and immunobio-logical treatments to those diseases. The articlealso examines the transition of the etiologic is-sue to the question of the means of transmissionnot only of yellow fever but also of malaria, cor-relating it with the coming of age both of Pas-teurianism and Tropical Medicine. The adop-tion of Finlay’s theory in Brazil and the success-ful campaigns led by Oswaldo Cruz in Rio deJaneiro, while the Brazilian capital was re-shaped in accordance to a ‘haussmannian’mould, initiates a new era in which InstitutoOswaldo Cruz and other medical institutionsdevelop dynamic research programs in closesyntony with European and North AmericanBacteriology and tropical medicine.Key words Bacteriology; Tropical Medicine;Yellow Fever; History of Public Health; Institu-to Oswaldo Cruz

Resumo Este artigo analisa a instituição damicrobiologia e suas conseqüências para a saú-de pública brasileira durante o último quartodo século XIX e o começo do atual. O autorexamina o trabalho realizado pela Escola Tro-picalista Baiana, a trajetória de outra geraçãode médicos que, no Rio de Janeiro e em SãoPaulo, investigaram a febre amarela e outrasdoenças à luz da teoria dos germes, procurandodescobrir tanto o seu micróbio específico comoimunobiológicos e tratamentos eficazes. O arti-go examina também a transição da problemá-tica etiológica para a do meio de transmissãoda febre amarela e da malária, correlacionan-do-as com o amadurecimento do pasteurianis-mo e da Medicina Tropical. A adoção da teoriade Finlay no Brasil e as campanhas sanitáriasbem-sucedidas que Oswaldo Cruz empreendeuno Rio de Janeiro, enquanto a cidade era remo-delada de acordo com o molde “haussmaniano”,inauguram um nova era em que o Instituto Os-waldo Cruz e outras instituições biomédicas lo-gram desenvolver dinâmicos programas de pes-quisa em estreita sintonia com a bacteriologia emedicina tropical européia e norte-americana.Palavras-chave Bacteriologia; Medicina Tro-pical; Febre Amarela; História da Saúde Públi-ca; Instituto Oswaldo Cruz

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Introdução

O objetivo deste artigo é analisar o modo co-mo se deu a instituição da microbiologia noBrasil e suas implicações para a história dasaúde pública, em fins do século XIX e iníciodo atual. Parto da Escola Tropicalista Baiana echego à instituição criada por Oswaldo Cruz,que alguns chamam de Escola de Manguinhos.Muita gente ainda crê que a medicina científi-ca brasileira começou aí. Até então, teriam rei-nado as crenças errôneas da higiene dos mias-mas, combatidas solitariamente por AdolfoLutz e Vital Brazil no Instituto Bacteriológicocriado, pouco tempo antes, em São Paulo. Coma fundação do instituto que viria a receber onome de Oswaldo Cruz e sua ascensão à chefiada saúde pública, esta teria abraçado definiti-vamente a teoria microbiana e adquirido a ca-pacidade de exercer, enfim, ações eficazes. Deacordo com esta representação, o grupo baia-no figura, lá atrás, como um lampejo efêmerode inteligência e antevisão, logo submergidopelo senso comum conservador e atrasado.

A problemática da medicina pasteuriana noBrasil tem de retroceder pelo menos uma gera-ção se quisermos dimensionar o sentido real-mente inovador das iniciativas de OswaldoCruz e seus coetâneos. Mas só conseguiremosenxergar a rica dinâmica da experimentaçãomédica no período decorrido entre as escolasda Bahia e de Manguinhos se abandonarmos asdicotomias êxito-fracasso, verdade-erro comocritérios para a seleção de atores e “actantes”(Latour, 1987) dignos de serem estudados. Aregra consiste em estar atento a quaisquer mi-cróbios, laboratórios, vacinas que tenham aflo-rado no período. Devemos examinar essas cria-ções com os olhos de seus criadores, como a-postas incertas que podiam dar certo. É essen-cial abstrair o veredicto proferido mais tardepara acompanhar seu devir e aquilatar a distân-cia que percorreram, as implicações que tiverampara o curso de ação e as idéias de outros atores,em outros domínios da vida social, assim comoa natureza e a abrangência das controvérsias quecausaram durante o seu tempo de vigência.

Quando mergulhamos nas fontes do séculoXIX com o espírito assim desarmado, aflorame avultam em nosso campo visual personagense eventos que tiveram ressonância considerávelem seu tempo, não obstante figurem nas fontessecundárias de passagem, em um parágrafo ouem uma simples nota de rodapé. Seguindo-seas trajetórias destas estrelas anãs, estrelas fuga-

zes ou astros já apagados no atual firmamentodas idéias e instituições científicas, verificamosque sua existência foi essencial para a gênesedas que ainda brilham.

Escola Tropicalista Baiana

O nome Escola Tropicalista Baiana foi cunha-do em 1952, por Coni, para designar um grupode médicos que se organizou em torno de umperiódico fundado em 1866, a Gazeta Médicada Bahia (1866-1915), à margem da Faculdadede Medicina existente na antiga capital do Bra-sil colônia. Coni buscava os precursores do co-nhecimento médico vigente à sua época e, porisso, destacou só os trabalhos “bem-sucedidos”daquele grupo relacionando certas doenças avermes e micróbios.1

Peard (1996, 1992) mostrou que os tropica-listas permaneceram na fronteira entre o para-digma miasmático/ambientalista e a teoria dosgermes. Preocupada em refutar o preconceitohistoriográfico de que a medicina brasileira eraimitação da européia, enfatizou, sobretudo, oafã do grupo de produzir investigações origi-nais sobre as patologias nativas daquela regiãoda “zona tórrida”, bem como suas posições in-dependentes face à medicina acadêmica euro-péia e ao establishment médico local.

Mais recentemente, Edler (1999) desenhouas ramificações institucionais e cognitivas dageografia médica no período, mostrando que osbaianos eram parte de um empreendimentoglobal, e que o fermento experimental agia,também, no Rio de Janeiro, no âmbito de insti-tuições não tão conservadoras quanto faziamcrer Coni e Peard.

Entre os tropicalistas baianos sobressaíramtrês médicos estrangeiros. Otto Wucherer (1820-1875), nascido em Portugal, de pais alemães,graduou-se em Tübingen, em 1841, trabalhoucomo assistente no Hospital de São Bartolomeu,em Londres, regressando em seguida ao Brasil,em 1843, para assumir a posição de médico dacomunidade alemã de Salvador. No mesmo ano,o escocês John L. Paterson (1820-1882), forma-do em Aberdeen (1841), tornou-se o médico dacomunidade britânica naquela cidade. Fez fre-qüentes viagens à Inglaterra e Escócia e traba-lhou com Lister, em Edimburgo, em 1869. Oportuguês José Francisco da Silva Lima (1826-1910) graduou-se na capital baiana, em 1851,mas fez também diversas viagens à Europa, nosanos seguintes.

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Em 1865, começaram a reunir-se informal-mente para debater questões médicas, e logofundariam o periódico que Silva Lima editariapor muito tempo. A Santa Casa de Misericór-dia foi o teatro das investigações clínicas, ana-tomopatológicas e microscópicas feitas pelosintegrantes do grupo. Wucherer, Paterson e Sil-va Lima congregaram estudantes e médicosmais jovens, alguns dos quais iriam se tornaratores políticos importantes nos movimentosabolicionista e republicano.

As idéias liberais e cientificistas, e o interes-se pelo positivismo e o evolucionismo compar-tilhados pelo grupo estavam se difundindo en-tre as camadas médias emergentes em Salvadore em outros centros urbanos do império escra-vocrata. Segundo Peard, foi o novo modelo ci-entífico, que deslocava a atenção do meio am-biente para etiologias parasitárias específicas,que deu uma “clara e poderosa” identidade aostropicalistas baianos. Essa identidade adveio,principalmente, das investigações de Wuche-rer,2 relacionadas à ancilostomíase e à filariose.

Como mostrou Edler, os tropicalistas fa-ziam parte de uma rede informal de médicosgeograficamente isolados nos domínios colo-niais europeus, com interesse crescente pelopapel dos parasitos como produtores de doen-ças. Correspondiam-se, trocavam espécimes,mantinham-se ao corrente dos estudos de cadaum por intermédio de periódicos, livros e en-contros ocasionais durante as viagens à Euro-pa. Os baianos interagiam com Davaine, Theo-dor Bilharz, Wilhelm Griesinger, Rudolph Leuc-khart, Spencer T. Cobbold, Le Roy Mericourt,Joseph Bancroft, Patrick Manson, nomes, en-fim, que meio século depois iriam compor opanteão da parasitologia e da medicina tropi-cal. A Gazeta Médica da Bahia dava muito maisimportância aos trabalhos desses pesquisado-res ainda desconhecidos do que aos expoentesda medicina acadêmica européia.

Peard enfatiza o antagonismo entre os inte-grantes baianos desta rede e os médicos da ca-pital do império, encastelados na Academia ena Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro.Enquanto estes encaravam o progresso comoimitação da ciência e das instituições euro-péias, os tropicalistas baianos investigavam asingularidade das doenças nos trópicos, a in-fluência do clima sobre as raças e sobre a gera-ção ou multiplicação de miasmas e germes.Queriam saber se os europeus podiam se acli-matar nesse ambiente adverso e se era possívelneutralizá-lo com políticas sociais progressis-

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tas e condutas médicas e higiênicas racionais. Abusca de patologias e, por conseqüência, deuma medicina nacional implicava a refutaçãoda crença de que os trópicos eram irremedia-velmente malsãos, degenerativos, impermeá-veis à civilização européia.

Edler (1999) rejeita a suposta irredutibilida-de entre os modelos de conhecimento dos mé-dicos da Bahia e do Rio de Janeiro. Mostra queestes estavam imbuídos da mesma preocupa-ção em criar um conhecimento original sobreas doenças da nação recém-constituída. Por in-termédio das sociedades e periódicos que ha-viam criado, defendiam, também, a necessida-de de investigar as patologias nativas e tinhama mesma preocupação de reabilitar a imagem eas perspectivas daquele Império encravado nostrópicos.3

Justamente com este espírito, José Maria daCruz Jobim (1841) elaborara o trabalho sobreas doenças que mais afligiam os escravos e in-digentes do Rio de Janeiro.4 Entre elas, sobres-saía uma vulgarmente conhecida por opilação,cansaço, caquexia africana e, na literatura es-trangeira, tropical chlorosis, mal de coeur etc. Àluz do paradigma climatológico, combinandoabordagens sofisticadas para a época (topogra-fia médica, estatística, anatomia patológica,exame dos componentes químicos do sangue),descreveu a doença que chamou hipoemia in-tertropical, já que sua lesão característica era aanemia, ou a “inferioridade... do sangue, pró-pria dos países que ficam entre os trópicos”. Se-gundo Edler, a nova entidade mórbida teveacolhida na rede hegemonizada pela geografiamédica francesa graças, sobretudo, à repercus-são do livro publicado em Paris, em 1844, porJosé Francisco Xavier Sigaud: Du climat et desmaladies du Brésil ou statistique médicale de cetempire. Esse livro enfeixava os resultados daprática científica coletiva desenvolvida emquinze anos de atividades da Academia de Me-dicina do Rio de Janeiro.

Baseando-se no trabalho de Jobim, OttoWucherer diagnosticou, em 1865, um caso adi-antado de hipoemia em um escravo, que fale-ceu em seguida. Na autópsia, encontrou vermesda espécie Anchylostomum duodenale, identifi-cados por Angelo Dubini em 1838. Theodor Bi-lharz e Wilhelm Griesinger haviam estabeleci-do em 1853 a relação causal entre este parasitae a clorose egípcia ou anemia perniciosa doEgito. Wucherer, que conhecia a obra de Grie-singer, concluiu em 1866 que a hipoemia e aclorose do Egito eram uma mesma doença.5

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As investigações sobre ela prosseguiram naBahia e no Rio de Janeiro após a morte prema-tura de Wucherer, em 1873, limitando-se osseus autores a negar ou confirmar a etiologiaparasitária, a explorar lesões anatomopatológi-cas e a propor novos tratamentos (Edler, 1999).As questões fundamentais relativas à biologia eaos hábitos do parasito seriam retomadas, numpatamar muito mais sofisticado, em meadosdos anos 1880, por outra cria da ciência alemã,Adolfo Lutz, autor de trabalho fundamental so-bre o ankylostoma duodenal e ankylostomiase.6

Outra contribuição duradoura dos tropica-listas baianos foram os estudos sobre o vermeda hemato-chyluria, que ajudaram a dar formaa um dos pilares da medicina tropical inglesa.A doença, caracterizada pela emissão de urinassangrentas ou lactosas, fora descrita em 1812,em Topographie Médicale de L’Ile de France porum certo doutor Chapotin. Em 1866, Griesin-ger pediu a Wucherer que investigasse pacien-tes hematúricos para confirmar, no Brasil, adescoberta do Distomum hematobium feita porBillarz, no Egito, em 1851. As amostras de san-gue examinadas por Wucherer nada revelaram,mas em coágulos da urina encontrou, não overme descrito por Bilharz, mas sim embriõesde um nematóide desconhecido.

Em 1872, em Calcutá, Timothy Lewis (1841-1886) localizou esse nematóide no sangue dehematúricos, denominando-o Filaria sanguinishominis. Ele foi o primeiro a sustentar a hipó-tese da identidade entre a hemato-chyluria e aelefantíase dos árabes, ao constatar, no ano se-guinte, a presença dos mesmos entozoários nosangue, na urina e na linfa extraída de tumoreselefantóides. Os primeiros espécimes do vermeadulto apareceram três anos depois, num ab-cesso linfático examinado por Bancroft na Aus-trália (Edler, 1999).7

Patrick Manson concatenou essas observa-ções e desvendou boa parte do ciclo da filáriaem 1877-1878. A própria idéia de que os frag-mentos conhecidos pertenciam a um ciclo foideduzida a partir da constatação de que os va-sos de um cão podiam conter milhões de em-briões, os quais, se atingissem ali a forma adul-ta, alcançariam peso agregado superior ao dopróprio hospedeiro. Morrendo este, morreriamos parasitas antes de dar a luz a uma segundageração, e a espécie se extinguiria. Aquela ano-malia nas leis da natureza só podia ser evitadaadmitindo-se que os embriões abandonavam ohospedeiro e se desenvolviam fora dele. A pre-sença dos embriões no sistema circulatório e o

fato de serem destituídos de meios para aban-doná-lo o levaram a deduzir a intervenção deum animal sugador de sangue. Chegou assimao mosquito Culex, a espécie mais comum nasregiões onde reinava a filariose. Em 1879 com-provou que as microfilárias eram adaptadasaos hábitos noturnos do mosquito: cumprindouma “lei de periodicidade”, invadiam a circula-ção periférica ao cair da tarde e refluíam du-rante o dia. Dissecando o Culex em períodossucessivos, reconstituiu a metamorfose do em-brião em larva e, em seguida, na forma adultada Filaria sanguinis hominis, já equipada paraabandonar seu hospedeiro e levar vida inde-pendente. Na época, supunha-se que a fêmeado mosquito, após realizar a refeição de san-gue, se retirava para as vizinhanças da água, di-geria, punha ovos e morria. Segundo Manson,as filárias começavam vida independente naágua e, por intermédio dela, infectavam o ho-mem. Fechavam o ciclo se acasalando e repro-duzindo nos vasos linfáticos deste (Delaporte,1989, Busvine, 1993).

A descoberta de Manson consagrou um no-vo modelo de experiência e reformulou umasérie de questões no campo da patologia. Elasrequeriam novos saberes e dinâmicas de pes-quisa para dar conta dos complexos ciclos devida dos parasitos patogênicos, envolvendomudança de hospedeiros e numerosas adapta-ções e metamorfoses nos organismos parasita-dos e no meio externo.

As contribuições brasileiras a esse progra-ma seriam dominadas pelas pesquisas embrio-lógicas e patogênicas de Júlio de Moura e Pe-dro Severiano de Magalhães e as experiênciasterapêuticas com eletricidade de Moncorvo deFigueiredo e Silva Araújo.8 Destaco principal-mente os trabalhos de Adolfo Lutz, o mais pre-parado para implementar o modelo mansonia-no em áreas ainda não exploradas pelos hel-mintologistas brasileiros, inclusive no campoda veterinária.

Segundo Peard, os tropicalistas baianos dei-xaram de existir, como grupo, em meados da dé-cada de 1880, quando foram absorvidos peloestablishment médico e pelas lutas políticas queresultaram na extinção da escravidão (1888),na queda da monarquia (1889) e na consolida-ção da República. Eles não teriam conseguidoinstitucionalizar seu precoce programa de pes-quisas de maneira a formar discípulos que con-tinuassem sua obra. Edler documenta a ascen-são profissional dos principais integrantes dogrupo, sobretudo daqueles que se transferiram

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para o Rio de Janeiro. Mostra que permanece-ram envolvidos com as pesquisas em parasito-logia helmíntica nos anos 1880 e 1890 e que, àfrente de periódicos, de cadeiras na faculdade ede cargos políticos e honoríficos puderam, sim,influenciar a nova geração de médicos forma-dos na última década do século.

Peard vê quase total descontinuidade entrea Escola Tropicalista e a que Oswaldo Cruz cri-aria vinte anos depois; Edler vê um remanso deconsagrações institucionais interligando as du-as. Eu pretendo mostrar, agora, que nesse inter-valo transcorreu um processo denso e confliti-vo, envolvendo novos atores e interesses, novasdoenças e dinâmicas de pesquisa.

Os caçadores do micróbio da febre amarela

Seu mais controvertido ator foi, com certeza,Domingos José Freire.9 Tendo iniciado a car-reira médica como cirurgião na Guerra do Pa-raguai (1864-1870), obteve depois a cátedra dequímica orgânica na Faculdade de Medicina doRio de Janeiro. Viajou, então, para a Europa edurante o tempo em que lá permaneceu (1874-1876) enviou à Congregação da Faculdade qua-tro relatórios contendo um inventário argutodos progressos em curso na química, biologia emedicina, bem como um mapeamento deta-lhado do ensino médico nos locais que visitou(Bélgica, Viena, Paris, a Alemanha, a Suíça e aRússia). Os relatórios revelavam perfeita sinto-nia com o espírito que presidiu a reforma doensino médico na capital do Império (1880-1889): ênfase na ciência experimental e no en-sino prático em laboratório. Além de ser umdos mentores intelectuais da reforma, Freireintegrou a comissão incumbida de redigir a leique a instituiu. Dos vários laboratórios criadosentão, o que deu a floração experimental maisexuberante foi o seu, o de química orgânica.

“Ano de mangas, ano de febre amarela”,costumavam dizer os cariocas, expressando emlinguagem coloquial a relação que os médicosestabeleciam entre calor, umidade e epidemias.Em dezembro de 1879, quando as ruas e casasdo Rio de Janeiro reverberavam o sol incle-mente da “estação calmosa” ou submergiamdebaixo de suas chuvas torrenciais, Freire a-nunciou pelos jornais a descoberta de germesque julgava serem os causadores da febre ama-rela. Propôs, também, um remédio mais eficazcontra a doença: injeções subcutâneas de sali-

cilato de soda, um antisséptico e antipiréticoque a indústria alemã fabricava em grandequantidade. As controvérsias a respeito do ger-me e do germicida envolveram médicos con-vencidos de que a febre amarela era produto demiasmas, de algum outro envenenamento quí-mico ou ainda de fermentos inanimados; alo-patas e homeopatas que propunham tratamen-tos rivais; doentes que os endossavam ou criti-cavam; e cronistas que escreviam com muitohumor sobre as experiências feitas pelos médi-cos na capital brasileira.

No primeiro semestre de 1883, DomingosFreire desenvolveu a vacina contra a febre ama-rela, com o Cryptococcus xanthogenicus, umaplanta microscópica cuja virulência atenuoupor meio de técnicas recém-concebidas porPasteur.10 Circunstâncias inesperadas conduzi-ram Freire à presidência da Junta Central deHigiene Pública, em fins de 1883, tornando, as-sim, mais fácil a difusão de sua vacina peloscortiços do Rio de Janeiro. A surpreendente re-ceptividade que teve primeiro entre os imi-grantes e depois entre os nativos deveu-se aomedo que a febre amarela inspirava e, também,ao apoio dos republicanos e abolicionistas aosquais Freire era ligado. Nas imprensas médica eleiga e na Academia Imperial de Medicina hou-ve reações contraditórias, especialmente depoisque a vacina recebeu o apoio tácito de d. PedroII e a entusiástica adesão de um “discípulo” dePasteur, Claude Rebourgeon, veterinário fran-cês contratado pelo governo brasileiro para ini-ciar aqui a produção da vacina animal contra avaríola. Em 1884, Rebourgeon apresentou adescoberta de Freire às academias de Medicinae das Ciências de Paris, onde obteve reações fa-voráveis de parte de personagens importantesda medicina francesa, como Vulpian e Bou-ley.11

Pelo menos 12.329 imigrantes e nativos doRio de Janeiro e de outras cidades foram ino-culados com a vacina de Freire entre 1883 e1894. Durante todos esses anos, ele publicouestatísticas bastante sofisticadas em compara-ção com os métodos quantitativos usados naépoca para aferir a eficácia de outros profiláti-cos. Isso ajuda a explicar o alcance e longevida-de dessa vacina. Igualmente importante foi aexpansão da trama de relações pessoais e insti-tucionais que enredavam Freire a outros caça-dores de micróbios, associações médicas e cien-tíficas, autores de tratados sistematizando re-sultados alcançados pela microbiologia, inte-resses coloniais e comerciais etc. O mexicano

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Manoel Carmona y Valle era o mais notório ri-val do bacteriologista brasileiro. O micrococcustetragenus de Finlay foi concebido como alter-nativa à alga de Freire, e eles se corresponde-ram à época em que o cubano usava mosquitosinfectados em amarelentos como imunizantesvivos contra a doença. A vacina de Freire alcan-çou Porto Rico, Jamaica, as Guianas e outrascolônias da França (ver a esse respeito Benchi-mol, 1999).

Em sua segunda viagem à Europa (1886-1887), Freire submeteu duas comunicações àAcademia de Ciências de Paris, em co-autoriacom Rebourgeon e um pesquisador do Museude História Natural daquela cidade, Paul Gi-bier. Foi recebido também na Sociedade deBiologia, na Academia de Medicina e na Socie-dade de Terapêutica Dosimétrica. Estes e ou-tros fatos ocorridos em Paris repercutiram comforça na capital brasileira e, ao regressar a ela,Freire foi recebido como o herói da “ciência na-cional” por estudantes e professores das escolastécnicas e superiores do Rio de Janeiro, MinasGerais e São Paulo, jornalistas de diversos pe-riódicos, ativistas dos clubes republicanos e so-ciedades abolicionistas. Semanas depois, viaja-va para Washington, para participar do IXCongresso Médico Internacional, que aprovouresolução recomendando sua vacina à atençãode todos os países afetados pela febre amarela.12

Freire empataria o capital simbólico auferi-do nessas viagens nas polêmicas que iria susten-tar na década de 1890, período durante o qualas expectativas despertadas entre personalida-des e instituições estrangeiras retrocederampara o silêncio complacente ou a condenaçãoformal. A vazante começou com a conversão dePaul Gibier à hipótese sustentada por Koch e LeDantec, de que a febre amarela era causada porum bacilo similar ao do cólera. George Stern-berg, presidente da American Public Health As-sociation e, mais tarde, Surgeon General dosEstados Unidos, produziu então o mais consis-tente e demolidor inquérito sobre as teorias evacinas em voga no continente, ao mesmo tem-po em que buscava evidências em favor do ba-cilo X, o suposto agente da febre amarela.13 Se-gundo os autores que escreveram sobre a histó-ria da doença, este relatório foi aceito pela co-munidade científica internacional como provadefinitiva de que os sul-americanos haviamfracassado em suas tentativas de isolar o micró-bio e produzir uma vacina eficaz. Até o Institu-to Pasteur, que mantivera prudente reserva,corroborou o inquérito norte-americano. Con-

tudo, outras fontes mostram que Sternbergconduziu de forma muito inábil sua investiga-ção no Rio de Janeiro, ajudando a robustecer oprestígio de Domingos Freire junto aos nacio-nalistas, positivistas e republicanos.

Contudo, o apogeu de sua carreira profis-sional engendraria uma contradição fatal. Àmedida que as camadas médias urbanas ade-riam entusiasticamente à vacina, mais vulnerá-vel ela se tornava às críticas dos adversários, jáque se ampliava a defasagem entre a populaçãovacinada – nativos, negros e imigrantes já “acli-matados”, considerados imunes à doença – e apopulação dos suscetíveis à febre amarela,constituída principalmente pelos imigrantesrecém-chegados. As mudanças na composiçãosocial dos vacinados estão relacionadas às mu-danças na forma pela qual a vacina se difundia.Num momento de crescente pessimismo emrelação aos remédios para a febre amarela, e deceticismo quanto à viabilidade do saneamentodo Rio de Janeiro, a vacina de Domingos Freirese tornava componente muito bem-vindo narelação dos clínicos com seus pacientes, e dosestabelecimentos filantrópicos com seus desti-tuídos. A deposição do monarca e a proclama-ção da República aconteceram em meio a umaepidemia, e enquanto o novo governo negocia-va a federalização e a descentralização dos ser-viços de saúde, a vacina de Freire converteu-seem instituição governamental.

No Brasil, seu principal competidor eraJoão Batista de Lacerda, um médico que deixouregistro mais duradouro e positivo na historio-grafia por conta de suas pesquisas em fisiologiae antropologia. Sua vida profissional transcor-reu quase integralmente no Museu Nacional doRio de Janeiro, de que foi diretor por longotempo (1895-1915). Lacerda e Freire iniciaramas investigações sobre a febre amarela simulta-neamente, no verão de 1879-1880, mas o pri-meiro logo conquistou notoriedade em virtudede outra pesquisa: em 1881 anunciou que asinjeções de permanganato de potássio consti-tuíam antídoto eficaz contra a peçonha das co-bras (e possivelmente, também, contra os “ví-rus”, isto é, os venenos então associados à febreamarela e outras doenças). O fato é que duasou três décadas depois, custaria grande traba-lho ao Instituto Butantã desalojar o antídotode Lacerda, amplamente utilizado pelos clíni-cos brasileiros, em proveito dos soros antiofídi-cos desenvolvidos por Vital Brazil.14

Em 1883, quando Freire ultimava a prepa-ração da vacina contra a febre amarela, Lacerda

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incriminou outro micróbio como o verdadeiroagente da doença. Seu Fungus febris flavae e mi-crorganismos similares descritos na época ti-nham uma característica em comum: o poli-morfismo, isto é, a capacidade de mudar deforma e função por influência do meio, sobre-tudo dos fatores climáticos. Zoólogos, botâni-cos e bacteriologistas tinham opiniões confli-tantes a esse respeito. Pasteur e Koch, por e-xemplo, consideravam o polimorfismo incom-patível com a especificidade etiológica e comprocedimentos experimentais rigorosos, masoutros investigadores de renome reconheciamesta propriedade nos fungos, algas e bactériasque estudavam. A questão tinha a ver com osdebates sobre a evolução e, também, com osproblemas relacionados à classificação dos “in-finitamente pequenos”. Ela era ainda precária, eo termo genérico “micróbio” fora cunhado re-centemente com o propósito, justamente, decontornar as confusas categorias taxonômicasusadas nos textos científicos da época, prejudi-cando a discussão da teoria dos germes entreos não-especialistas.

Além de estabelecer uma problemática re-lação de continuidade entre os paradigmas am-bientalista e pasteuriano, o polimorfismo legi-timava o argumento de que a febre amarela eraum campo de investigações acessível apenas acientistas americanos, pois só aí, nesse meioparticular, a doença e seu agente se manifesta-vam com as características típicas. O polimor-fismo foi o cimento utilizado por Lacerda paracompor sua mais abrangente teoria sobre “Omicróbio patogênico da febre amarela”, apre-sentada à Academia Nacional de Medicina e aoCongresso Médico Pan-Americano em 1892-1893, à época em que George Sternberg divulga-va os resultados finais de seu inquérito. A tábu-la rasa criada pelo norte-americano no campoentão atulhado de fungos e algas abria caminhoaos bacilos que iriam competir pela condiçãode agente causal da febre amarela. O panteísmomicrobiano de Lacerda operava em sentidocontrário: todas as descrições produzidas atéentão davam conta apenas de diferentes fasesou formas de um fungo proteiforme, apto a fa-zer face ao novo ciclo da revolução pasteuriana.

Os trabalhos de Sternberg e Lacerda mos-tram que as técnicas da bacteriologia, os ins-trumentos e conceitos utilizados na exploraçãodo mundo microbiano estavam progredindorápido à medida que os anos 1880 cediam lu-gar aos 1890. Isso ajudava a erodir teorias esta-belecidas, a mudar não apenas a visão mas

também o ponto de vista daquele estranho uni-verso de seres vivos.

Naqueles mesmo anos, em meio a desafiossanitários sem precedentes enfrentados pelasociedade brasileira, uma nova geração de bac-teriologistas despontou em conflito aberto comos mestres que a haviam introduzido à teoriados germes. Francisco Fajardo, Eduardo Cha-pot Prévost, Carlos Seidl, Oswaldo Cruz e ou-tros jovens médicos haviam passado pelo labo-ratório de Freire. Os “discípulos” colidiram comele quando seus amigos republicanos, agora nopoder, o nomearam diretor do Instituto Bacte-riológico Domingos Freire, instituição federalque tinha atribuições tão amplas quanto aque-las conferidas pelo governo de São Paulo aoInstituto Bacteriológico criado concomitante-mente naquele estado (Benchimol, 1999). Sãoconhecidas as polêmicas que seu diretor, Adol-fo Lutz,15 travou com os clínicos locais a pro-pósito de febres que estes chamavam por diver-sos nomes, atribuindo-as às condições telúricaslocais, e que Lutz diagnosticava como febre ti-fóide, baseando-se na identificação do bacilode Eberth. As chamadas febres paulistas leva-ram-no a empreender o primeiro inquéritoepidemiológico sobre a malária em São Paulo.Ao mesmo tempo, no Rio de Janeiro, FranciscoFajardo e o grupo de jovens bacteriologistas deque fazia parte isolavam e estudavam o hema-tozoário de Laveran. Pois bem, o primeiro tra-balho original publicado pelo Instituto Bacte-riológico Domingos Freire colocou-o tambémno centro dessa controvérsia. No interior de SãoPaulo, Freire identificou a “febre biliosa dos paí-ses quentes”. Classificou-a como manifestaçãoespecífica da malária causada pelo bacilo queencontrou nos líquidos orgânicos dos doentes,bacilo muito similar àquele descrito por Klebs eTommasi-Crudeli (B. malariae, 1878), os doisprincipais adversários de Laveran. Fajardo eseu grupo trocavam cartas e preparados bioló-gicos com o bacteriologista francês e com Ca-milo Golgi. Com auxílio deles, refutaram enfa-ticamente o argumento de Freire, calcado emBoudin e em outras autoridades da geografiamédica francesa, segundo o qual a diversidadede climas acarretava diversidade de “espéciesinfecciosas” e, conseqüentemente, de microrga-nismos patogênicos, uma “lei biológica” queexcluiria a suposta universalidade do hemato-zoário de Laveran e da própria malária.16

Este foi apenas um dos episódios do confli-tivo processo transcorrido nos anos 1890, en-volvendo diversos atores sociais em desacordo

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sobre o diagnóstico, a profilaxia e tratamentode doenças que grassavam epidemicamente noscentros urbanos do sudeste já convulsionadospelo colapso da escravidão, a enxurrada imi-gratória, as turbulências políticas subseqüentesà proclamação da República e as turbulênciaseconômicas associadas às crises do café e a nos-sa revolução industrial “retardatária”.

Outro episódio já bem documentado pelahistoriografia foi a chegada da peste bubônicaa Santos, em 1899, e as controvérsias suscitadaspelo diagnóstico feito por Lutz, Vital Brazil,Chapot-Prévost e Oswaldo Cruz e contestadopelos clínicos e comerciantes daquela movi-mentada cidade portuária. Daí resultariam acriação dos institutos soroterápicos de Butantãe de Manguinhos. O primeiro, chefiado por Vi-tal Brazil, logo iria se desprender do Bacterio-lógico de São Paulo, singularizando-se pelostrabalhos fundamentais na área do ofidismo.Oswaldo Cruz assumiria a direção técnica doInstituto Soroterápico Federal, inaugurado emjulho de 1900, e em seguida, com afastamentodo Barão de Pedro Afonso, a direção plena dainstituição que o levaria à chefia da saúde pú-blica em 1903 (Benchimol & Teixeira, 1993).

Mas sua primeira prova de fogo ocorreuantes, com a epidemia de cólera que irrompeuem 1894-1895, por detrás das defesas sanitáriaslitorâneas da República, no vale do rio Paraíba,a coluna vertebral da economia cafeeira. Os-waldo Cruz, Francisco Fajardo e Chapot-Pré-vost, nos laboratórios que mantinham em suaspróprias residências, e os bacteriologistas deSão Paulo, no laboratório público, desempe-nharam papel crucial na campanha capitanea-da pelo órgão federal de saúde, o efêmero Ins-tituto Sanitário Federal. Os laudos produzidosnaqueles laboratórios, identificando a presençado bacilo vírgula nos doentes do vale do Paraí-ba, municiaram o rigoroso programa de desin-fecções, isolamento e quarentenas implemen-tado em cidades, portos e estações ferroviáriasdo Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais.

Como chefe de um instituto também ofi-cial, Domingos Freire apoiou os adversários docólera e da intervenção federal. Com o seu lau-do, respaldou os clínicos interioranos que diag-nosticavam diarréias determinadas por fatoreslocais, contestando a presença do bacilo deKoch ou mesmo sua condição de agente espe-cífico do cólera. O principal oponente de Kochna Europa era Max von Pettenkoffer. A teoriado higienista bávaro sobre o papel crucial dascondições climáticas e, sobretudo, telúricas na

ativação ou inatividade dos germes do cólera ede outras doenças exercia considerável influên-cia não apenas sobre a questão das diarréias dovale do Paraíba como sobre a compreensão dafebre amarela, já que permitia explicar o cará-ter sazonal e a especificidade geográfica dadoença. Tanto é assim que o saneamento do so-lo e a drenagem do subsolo do Rio de Janeirotinham constituído as medidas mais urgentesdentre aquelas votadas no Segundo CongressoNacional de Medicina e Cirurgia, em 1889, pa-ra anular as epidemias da capital brasileira. Eem 1892, Floriano Peixoto tentara contratarPettenkoffer ou outro especialista estrangeiropara que arrancasse a febre amarela do solo doRio de Janeiro.17

Novas descobertas incriminando baciloscomo os agentes da doença e propondo, agora,profiláticos similares ao soro antidiftérico re-cém-desenvolvido por Bhering and Roux aflo-raram dois anos após a crise do cólera. A maisimportante foi obra de Giuseppe Sanarelli, umexperiente bacteriologista italiano que traba-lhara com Golgi em Pavia, e Metchnikoff, noInstituto Pasteur, antes de ser contratado paraimplantar a higiene experimental Montevidéu.Com o auxílio dos jovens bacteriologistas doRio de Janeiro, pôs-se imediatamente no encal-ço do germe da febre amarela e em concorridaconferência na capital uruguaia, em junho de1897, anunciou a descoberta do bacilo icterói-de. Meses depois, iniciou os testes de campo deum soro curativo em São Paulo. Seus lances rá-pidos obrigaram diversos outros bacteriologis-tas brasileiros a destamparem os resultadosparciais ou finais alcançados no mesmo terri-tório de pesquisa.18

A opinião pública do Rio de Janeiro e deoutras cidades vitimadas pela febre amarela jáassimilara a noção de que ela era ocasionadapor um dos micróbios inscritos na agenda dodebate científico ou, quem sabe, não descober-to ainda. O relativo consenso fundamentado nateoria mismática a respeito do que se devia fa-zer para higienizar portos como o Rio de Janei-ro deu lugar a um impasse e a candentes con-trovérsias sobre os elos que deviam ser rompi-dos na cadeia da insalubridade urbana. As es-colhas variavam conforme os habitats e neces-sidades específicas de cada germe incriminado,e o ponto de vista dos vários atores sociais in-teressados na reforma do espaço urbano.

A nova safra de germes da febre amarela foirecebida com exasperação pelas categorias so-ciais e profissionais que pressionavam pelo tão

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esperado saneamento do Rio de Janeiro. A in-capacidade dos médicos de decidirem, intra-muros e interpares, quem havia encontrado omeio de desatar o nó górdio da saúde públicabrasileira levou, inclusive, à proposição, noCongresso e na imprensa, de tribunais onde aquestão pudesse ser dirimida.19 Mas não foramos procedimentos de validação acadêmicos quepuserem fim às controvérsias sobre a etiologiae profilaxia da febre amarela. Foi um desloca-mento radical na abordagem e enfrentamentoda doença, que levou a nova geração de bacte-riologistas para o proscênio da saúde pública,sob a liderança de Oswaldo Cruz.

Da etiologia à transmissão da febre amarela

As narrativas sobre a vitória da medicina cien-tífica sobre a febre amarela privilegiam ora osEstados Unidos ora Cuba, conforme o valoratribuído a dois episódios: a formulação da hi-pótese da transmissão pelo mosquito por Car-los Juan Finlay, em 1880-1881, ou sua demons-tração pela equipe chefiada por Walter Reed,em 1900. Uma questão crucial colocada pelosautores é porque decorreram vinte anos entreum e outro episódio, se a verificação da trans-missão pelo mosquito não requereu mais doque algumas semanas para se efetuar.

Para Nancy Stepan (1978), os ingredientesessenciais da teoria já estavam dados. O inter-regno se deve a obstáculos sociais e políticos: odesinteresse da metrópole espanhola pela ciên-cia, o ceticismo decorrente da convicção de quea doença estava enraizada no solo cubano; aprolongada guerra de independência e a ocu-pação de Cuba pelos Estados Unidos.

Para François Delaporte (1989), Finlay e osnorte-americanos tinham idéias diferentes so-bre o mosquito: para o primeiro, era um meiomecânico de transmissão; para os segundos,um hospedeiro intermediário vinculado a umprocesso biológico mais complexo. A decisãode Finlay de tomar o mosquito como objeto deestudo e o tempo descontínuo decorrido entrea proposição e a confirmação de sua teoria sãoenigmas cuja explicação se encontra na medi-cina tropical inglesa, nas relações de filiaçãoconceitual que ligam o médico cubano a PatrickManson, e Walter Reed a Ronald Ross. A hipó-tese de Finlay ficou no limbo durante vinteanos porque este foi o tempo necessário para seesclarecer o modo de transmissão da malária.

Os estudos sobre o plasmódio feitos porLaveran, Golgi e outros investigadores (ver no-ta 16) deixaram em aberto dois problemas: anatureza de formas dotadas de filamentos mó-veis encontradas no sangue extravasado que,para uns, eram corpos em vias de desintegra-ção, para outros, um novo estágio de desenvol-vimento do parasito; o segundo problema erao modo de propagação da malária. Embora seconseguisse induzi-la pela inoculação do san-gue de doentes, a doença não parecia ser conta-giosa. Uns afirmavam que os parasitos eram in-geridos com a água estagnada ou inalados comas poeiras dos pântanos; outros acreditavamque os parasitos existentes nos pântanos infec-tavam os mosquitos e, estes, o homem. Em1894, Manson articulou os dois problemas en-carando os filamentos móveis como parte deum ciclo análogo ao das filárias. Daí derivouum programa de pesquisa que consistia em en-contrar a espécie adequada, fazer o inseto picardoentes e examinar as metamorfoses do para-sito em seu estômago para ver se repetia o cicloda filária. No verão de 1897, Ronald Ross des-cobriu células pigmentadas na parede estoma-cal de mosquitos alimentados com sangue dedoentes quatro ou cinco dias antes. Na mesmaépoca, MacCallum verificou que estas célulastinham a ver com a reprodução do parasito: nocorvo, apresentavam-se sob duas formas, umamasculina (corpos hialinos), a outra feminina(corpos granulosos). Manson sugeriu que Rossinvestigasse o paludismo aviário. Para rastrearo desenvolvimento e a posição final das célulaspigmentadas no mosquito, Ross executou deli-cadas dissecações, verificando que até o oitavodia as células aumentavam de tamanho, depoisse abriam e liberavam os corpos filiformes. Porfim, surpreendeu-os nas glândulas salivares doinseto (Delaporte, 1989, Hughes, 1977).

As pesquisas bacteriológicas realizadas porFinlay após a proposição da teoria da transmis-são da febre amarela pelo mosquito o levaramao mesmo beco sem saída onde se acotovela-vam Domingos Freire e outros caçadores demicróbios e vacinas. Mas uma vez demonstra-do que o mosquito era o hospedeiro interme-diário do parasito da malária, tornava-se inevi-tável a suposição de que cumprisse idêntico pa-pel na primeira doença (cujo diagnóstico clíni-co, diga-se de passagem, freqüentemente seconfundia com o da malária).

De fato, desde o começo dos anos 1890, fo-ram se multiplicando na imprensa médica eleiga do Rio de Janeiro os dados e especulações

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sobre o papel dos insetos na transmissão dedoenças, inclusive a febre amarela. Eles eramvistos não tanto como hospedeiros de parasitosmas principalmente como agentes mecânicosde transmissão de germes. Suspeitavam-se demosquitos, percevejos, pulgas, carrapatos e, so-bretudo, das moscas que, passivamente, trans-portavam os micróbios até os alimentos e daí àboca, a “porta de entrada” do organismo hu-mano. O fato de serem insetos tão comuns nascidades parece haver facilitado sua incorpora-ção ao imaginário coletivo como fonte de peri-go, zunindo na atmosfera ainda enevoada pormiasmas. Da forma mais imprevista elas pou-saram na última teoria etiológica da febre ama-rela concebida por João Batista de Lacerda, àsvésperas já da entronização da teoria de Finlaypela saúde pública.20

A impressão que nos dão os artigos escri-tos a esse respeito é que as partes componentesdas teorias microbianas eram como que “iman-tadas” pelo campo de força da medicina tropi-cal. Novos elos vivos eram encaixados nos cons-tructos elaborados para explicar a transforma-ção extra-corporal do micróbio da febre ama-rela. Nas teorias existentes, o meio exterior eraum agente compósito, orgânico e inorgânico,urbano e litorâneo, quente e úmido, onde osfungos, algas e bacilos necessariamente cum-priam parte de seu ciclo vital antes de adquiri-rem a capacidade de infeccionar os homens,apenas em certas estações do ano e em certasregiões geográficas. As teias que percorriam,interligando solo, água, ar, alimentos, navios,casas e homens, acolhiam com dificuldade osinsetos postos em evidência pela medicina tro-pical.

As experiências realizadas em Cuba, em1900, formam, sem dúvida, um divisor de águasna história da febre amarela. Se não sepulta-ram, de imediato, os germes já incriminados,afastaram a saúde pública das intermináveiscontrovérsias sobre a etiologia da doença, via-bilizando ações capazes, por um tempo, de neu-tralizar as epidemias nos núcleos urbanos lito-râneos da América.

Stepan (1978) mostra que os norte-ameri-canos só se renderam à teoria de Finlay quandoficou patente sua incapacidade de lidar com afebre amarela em Cuba. Parece ter sido impor-tante, também, a confluência, naquela ilha, dosmédicos norte-americanos, voltados para umprograma de pesquisas bacteriológicas, com osingleses, que exploravam a fértil problemáticados vetores biológicos de doenças.

Em 1900, Walter Myers e Herbert E. Durham,médicos da recém-fundada Liverpool Schoolof Tropical Medicine, iniciaram uma expediçãoao Brasil para investigar a febre amarela. O en-contro com os médicos norte-americanos e cu-banos, em junho, foi uma escala da viagem queresultou na implantação de um laboratórioque funcionou intermitentemente na Amazô-nia até a década de 1930.21 Durham e Myers(1900) traziam uma hipótese genérica – atransmissão da febre amarela por um insetohospedeiro –, que ganhou maior consistênciacom as informações recolhidas em Cuba. Noartigo que publicaram em setembro, expressa-ram seu ceticismo em relação ao bacilo de Sa-narelli, elogiaram as idéias de Finlay e demar-caram incógnitas que deixavam entrever oscontornos do vetor animado da febre amarela.Se os norte-americanos não tivessem envereda-do por este caminho, talvez a teoria de Finlayhouvesse sido confirmada pelos ingleses, nonorte do Brasil.

Em agosto de 1900, Lazear iniciou as expe-riências com os mosquitos fornecidos por Fin-lay, enquanto Carrol e Agramonte se dedica-vam à refutação do bacilo de Sanarelli, que ha-via sido confirmado por médicos do MarineHospital Service. Em setembro, Lazear faleceuem conseqüência de uma picada acidental.Walter Reed redigiu às pressas a Nota prelimi-nar, apresentada no mês seguinte à 28a reuniãoda American Public Health Association, em In-dianápolis. E tomou a si a tarefa de fornecer aconfirmação dos trabalhos de Lazear através deuma série de experiências destinadas a provarque o mosquito era o hospedeiro intermediá-rio do “parasito” da febre amarela; que o ar nãotransmitia a doença; e que os fomites não eramcontagiosos. Em seguida, a comissão norte-americana retomou as experiências relaciona-das ao agente etiológico, mas se deparou comambiente já desfavorável à utilização de cobaiashumanas. Foi isso, assegura Lowy, que a impe-diu de provar que o agente era um “vírus filtrá-vel”.22

Os resultados foram apresentados, oficial-mente, ao 3o Congresso Pan-Americano reali-zado em Havana, em fevereiro de 1901, ao mes-mo tempo em que William Gorgas dava inícioà campanha contra o mosquito naquela cida-de. Já a partir de janeiro de 1901, as comissõessanitárias que atuavam no interior de São Pau-lo incorporaram o combate ao mosquito ao re-pertório híbrido de ações destinadas a anulartanto o contágio como a infecção da febre ama-

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rela. Em Ribeirão Preto (1903), abandonaram-se as desinfecções, prevalecendo a “teoria hava-nesa” como diretriz soberana, ao mesmo tem-po em que Emílio Ribas, diretor do Serviço Sa-nitário de São Paulo, e Adolfo Lutz, diretor deseu Instituto Bacteriológico, reencenavam asexperiências dos norte-americanos para neu-tralizar as reações dos médicos alinhados coma teoria de Sanarelli. A primeira série de expe-riências estendeu-se de dezembro de 1902 a ja-neiro de 1903; a segunda, de abril a maio dessemesmo ano (Ribas, 1903; Cerqueira, 1954).

Para Nuno de Andrade (1902), diretor-ge-ral de Saúde Pública, a descoberta de Finlayacrescentava apenas um elemento novo à pro-filaxia da febre amarela. Seus defensores res-tringiam ao homem e ao mosquito todos osfios do problema. “Confesso que a hipótese dainexistência do germe da febre amarela nomeio externo me perturba seriamente,” – de-clarou Andrade – “porque os documentos cien-tíficos e a nossa própria observação têm amon-toado um mundo de fatos que serão totalmen-te inexplicáveis se as deduções da profilaxiaamericana forem aceitas na íntegra.” Ele apon-tava experiências que não tinham sido feitaspara excluir percursos alternativos do germe,para anular a possibilidade de que os mosqui-tos sãos se infectassem nos objetos contamina-dos ou para verificar as propriedades infectan-tes dos dejetos do Stegomyia. A indeterminaçãodo micróbio deixava a teoria havanesa expostaa outras dúvidas perturbadoras. O sangue inje-tado podia transmitir a doença imediatamente,mas sugado pelo mosquito, só depois de dozedias. Isso era explicado por meio de uma ana-logia com as transformações sofridas pelo pa-rasita da malária no Anopheles. O fato de seremos mosquitos vetores de ambos os germes nãoimplicava a identidade de seus ciclos vitais. Nu-no de Andrade considerava fato provado atransmissão da febre amarela pelo Stegomyia,mas as deduções profiláticas lhe pareciam arbi-trárias, e a guerra ao mosquito em Cuba, mera“obra de remate” das medidas sanitárias que asautoridades militares tinha executado antes.

Esse foi o cerne do confronto que se deu noV Congresso Brasileiro de Medicina e Cirurgia,realizado no Rio de Janeiro, em meados de1903.23 Os partidários da teoria havanesa, lide-rados por Oswaldo Cruz, chamados de “exclu-sivistas”, tudo fizeram para obter o aval da cor-poração médica à nova estratégia de combate àfebre amarela, com a exclusão da antiga, enfren-tando cerrada oposição dos “não convencidos”,

entre os quais se incluíam, diga-se de passa-gem, alguns antigos tropicalistas baianos.

A verdade é que as teses da comissão Reedainda estavam sub judice. A marinha norte-americana tinha enviado os drs. J. Rosenau, H.B. Parker e G. Beyer a Vera Cruz, no México. Deacordo com artigo publicado no começo de1901, em The Lancet e na Revista Medica de S.Paulo, Durham e Myers, os médicos de Liver-pool estacionados em Belém, tinham descarta-do os protozoários como agentes da febre ama-rela, encontrando só bacilos nos órgãos de ama-relentos mortos (ver também Gouveia, 1901).Os mais importantes aliados dos “exclusivistas”norte-americanos e brasileiros foram os trêspesquisadores do Instituto Pasteur de Paris quedesembarcaram no Rio de Janeiro em novem-bro de 1901. Durante os quatro anos de perma-nência na cidade, Émile Roux, Paul-Louis Si-mond e A. Tourelli Salimbeni (que se retiroumais cedo por motivos de saúde) puderam ob-servar de perto os fatos biológicos e sociais pro-duzidos na cidade que serviu como o primeirogrande laboratório coletivo para o teste de umacampanha calcada na teoria culicideana, sobcondições políticas que não eram as da ocupa-ção militar.24

Oswaldo Cruz

Em l903, Francisco de Paula Rodrigues Alves,um grande fazendeiro de café paulista, tornou-se o quarto presidente da República brasileira(1903-1906). Como presidente de São Paulo(1900-1902), apoiara as medidas adotadas porRibas e Lutz em prol da teoria de Finlay. Rodri-gues Alves assumiu a presidência do Brasil nu-ma conjuntura econômica favorável, o que lhepermitiu converter o saneamento da capital fe-deral em ponto básico de seu programa de go-verno. O engenheiro Francisco Pereira Passosfoi nomeado prefeito do Rio de Janeiro compoderes excepcionais, inclusive o legislativomunicipal suspenso para que colocasse emmarcha a reforma urbana inspirada naquelaque Haussmann executara em Paris quatro dé-cadas antes (Benchimol, 1992). O saneamentoficou a cargo de Oswaldo Cruz, que assumiu adireção da Saúde Pública com o compromissode derrotar a febre amarela, a varíola e a pestebubônica.

Gostaria de chamar atenção para um aspec-to contraditório da relação entre esses persona-gens que habitualmente são encarados como

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faces de uma mesma moeda. Os componentesdo plano de remodelação urbana começaram aser projetados em meados dos anos 1870, senãoantes, fundamentando-se na higiene dos mias-mas, que tinha como característica a desmedidaambição: cada doença a vencer requeria bata-lhas num leque muito amplo de frentes, contraas forças da natureza, a topografia das cidadese os mais variados aspectos da vida econômicae social. Parafraseando Latour (1986, 1984), opasteuriano Oswaldo Cruz, de posse do micró-bio ou hospedeiro específico a cada doença, pô-de assinalar as batalhas prioritárias, “os pontosde passagem obrigatórios”, capazes de conduziras hostes da higiene às vitórias que tanto alme-javam. Pereira Passos, os engenheiros do gover-no e, de resto, o senso comum predominantecontinuavam a usar o velho discurso da higie-ne para justificar as intervenções no espaço ur-bano, ao passo que Oswaldo Cruz elegia umnúmero limitado de doenças, focalizava os ve-tores da febre amarela e peste bubônica e davaênfase à vacina, que não fugia à imagem de umponteiro direcionado para o flanco específicoda varíola. Estas setas conferiram nitidez às a-ções de suas brigadas sanitárias no contexto ca-ótico, tumultuário, do “embelezamento” do Riode Janeiro. Conseguimos discernir as estraté-gias próprias à saúde pública por sobre ou emmeio à ofensiva comandada pelos engenheiroscontra muitos dos alvos que a higiene viera in-criminando no século passado. Ao combater afebre amarela em Belém do Pará, em 1909, Os-waldo Cruz não precisaria mexer no casco an-tigo da cidade.

No Rio de Janeiro, sua principal campanhacomeçou com a criação do Serviço de ProfilaxiaEspecífica da Febre Amarela, em abril de 1903.A cidade foi repartida em 10 distritos, com pes-soal médico próprio. A seção encarregada dosmapas e das estatísticas epidemiológicas forne-cia coordenadas às brigadas de mata-mosqui-tos, que percorriam as ruas neutralizando de-pósitos de larvas. A seção de isolamento e ex-purgo desinfetava, com enxofre e piretro, as ca-sas situadas na zona dos focos, providenciandoo isolamento domiciliar dos doentes mais abas-tados e a remoção dos pobres para hospitaispúblicos.

As pessoas vitimadas pela peste e outrasdoenças contagiosas eram conduzidas, comseus pertences, para o Desinfetório Central e,em seguida, isoladas. O esforço de desratizar acidade redundou em milhares de intimações aproprietários de imóveis para que removessem

entulhos, suprimissem porões e impermeabili-zassem o solo. A compra de ratos pela SaúdePública gerou ativa indústria de captura e atécriação dessa exótica mercadoria.

O combate à varíola dependia da vacina.Seu uso já fora declarado obrigatório no séculoXIX por leis nunca cumpridas. Em junho de1904, Oswaldo Cruz apresentou ao Congressoprojeto de lei reinstaurando a obrigatoriedadeda vacinação e revacinação em todo o país, comcláusulas rigorosas que incluíam multas aos re-fratários e a exigência de atestado para matrí-culas em escolas, acesso a empregos públicos,casamentos, viagens etc.

Recrudesceu, então, a oposição ao governo,tendo como alvos tanto o “general mata-mos-quitos” como o “bota-abaixo”. Os debates exal-tados no Congresso eram acompanhados porintensa agitação nas ruas promovida pelo Apos-tolado Positivista, por oficiais descontentes doexército, monarquistas e líderes operários, queacabaram se aglutinando na Liga contra a Vaci-na Obrigatória. A lei foi aprovada em 31 de ou-tubro; quando os jornais publicaram, em 9 denovembro, o esboço do decreto que ia regula-mentar o “Código de Torturas”, a Revolta daVacina paralisou a cidade por mais de uma se-mana (Sevcenko, 1984; Chalhoub, 1996; Car-valho, 1987).

A metamorfosedo Instituto Soroterápico

Ao assumir a direção da Saúde Pública, Oswal-do Cruz propôs ao Congresso que o InstitutoSoroterápico Federal fosse transformado “numInstituto para estudo das doenças infecciosastropicais, segundo as linhas do Instituto Pas-teur de Paris” (Benchimol, 1990). A propostafoi vetada, mas isso não impediu que ele pro-porcionasse a Manguinhos as condições técni-cas e materiais para que rapidamente sobrepu-jasse sua conformação original. À revelia do le-gislativo, com verbas de sua Diretoria, iniciou aedificação de um conjunto arquitetônico sofis-ticado para abrigar novos laboratórios, novaslinhas de pesquisa, a fabricação de mais soros evacinas e ainda o ensino da microbiologia.

O quadro funcional do instituto restringia-se ao diretor, a dois chefes de serviço e dois au-xiliares estudantes. Desde o início, Manguinhosfoi procurado por doutorandos que não en-contravam na Faculdade de Medicina do Riode Janeiro as condições adequadas para desen-

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volver trabalhos nas novas disciplinas da medi-cina experimental. O afluxo de estudantes cres-ceu durante as campanhas sanitárias. Algunsiriam integrar-se a Manguinhos, trabalhandocomo “freqüentadores voluntários” por longotempo, até serem incorporados a seu quadrofuncional. A maioria seguiria a clínica, cirur-gia, ou veterinária, ou engrossaria o contingen-te de sanitaristas do Rio de Janeiro e de Estadosonde os serviços de saúde pública ainda eramembrionários.

Não havia especializações definidas entreos pesquisadores nem separação entre as roti-nas de pesquisa, ensino e fabricação de produ-tos biológicos. Em fins de 1906, por exemplo,Figueiredo de Vasconcelos, o mais antigo dosdois chefes de serviço, cuidava da preparaçãodo soro e da vacina contra a peste, junto comEzequiel Dias. Preparava, também, a maleína eestudava o mormo e a transmissão da espirilo-se das galinhas por percevejos. Henrique daRocha Lima, o outro chefe de serviço, chegarahá pouco da Alemanha, onde havia se especia-lizado em bacteriologia e anatomia patológica.Trouxera culturas bacterianas, cortes e blocoshistopatológicos, que constituíram o núcleooriginal das coleções de Manguinhos. Além deinvestigar a anatomia patológica da febre ama-rela, estruturou o curso de especialização, comlições teóricas e práticas em bacteriologia, pa-rasitologia, anatomia e histologia patológicas.Cardoso Fontes era responsável pela conserva-ção das culturas microbianas e pelo preparodas tuberculinas (para uso terapêutico no ho-mem e diagnóstico de bovinos). Henrique Ara-gão fazia o diagnóstico da peste, preparava so-ro anti-estreptocócico, estudava a piroplasmo-se eqüina e se dedicava à classificação sistemá-tica de uma família de carrapatos, os ixodídeos.Alcides Godoy preparava os soros antidiftéricoe antitetânico e fazia a dosagem do antipestoso.Estava em vias de obter a primeira descoberta“sensacional” de Manguinhos, a vacina contrao carbúnculo sintomático, ou peste da man-queira, uma epizootia que dizimava de 40 a80% dos bezerros em vários estados brasilei-ros.25 Artur Neiva e Carlos Chagas eram os úni-cos que não estavam ligados à rotina da pro-dução; o primeiro fazia sistemática de mosqui-tos e experiências com espectrofotometria.Chagas, que iniciara os estudos sobre a hema-tologia e o parasito da malária no laboratóriode Francisco Fajardo, na Santa Casa de Miseri-córdia, estudava a vida e os hábitos dos culicí-deos, especialmente quanto à transmissão des-

sa doença, o assunto de sua tese de doutora-mento.

O ambiente de trabalho naquele lugar afas-tado da zona urbana diferia muito da ambiên-cia belicosa em que se davam as demolições ecampanhas sanitárias. Os pesquisadores preci-savam atender às demandas da saúde pública,mas tinham liberdade para escolher os seus ob-jetos de pesquisa. Oswaldo Cruz queria que osintegrantes de seu “jardim de infância da ciên-cia” – a expressão é dele –, todos com menos detrinta anos de idade, adquirissem confiança emsi mesmos para desenvolver trabalhos própriose originais.26 Uma vez por semana, reuniam-separa debater as novidades veiculadas nos pe-riódicos científicos estrangeiros. Os artigos e-ram resumidos e comentados conforme as vo-cações manifestadas pelos membros daquelapequena comunidade, que buscava a sintoniacom o que se estava fazendo nas fronteiras damicrobiologia e da medicina tropical. Em seusrelatórios, Oswaldo Cruz defendia o alarga-mento das atividades praticadas no Instituto,externando posição contrária ao imediatismo eutilitarismo que haviam sempre caracterizadoa visão do Estado e dos grupos dirigentes sobreo papel da ciência na saúde. Como mostraNancy Stepan (1976), esse condicionamentoque Oswaldo Cruz procurava contornar iria,em breve, provocar o colapso do Instituto Bac-teriológico de São Paulo.

As fronteiras de Manguinhos dilatavam-seem três planos distintos. Fabricação de produ-tos biológicos, pesquisa e ensino – vertentespeculiares ao Instituto Pasteur de Paris – defi-nem, ainda hoje, o perfil do grande conglome-rado que é a Fundação Oswaldo Cruz. Doençashumanas, animais e, em menor escala, vegetaisenfeixavam investigações que punham a insti-tuição em contato com diferentes “clientes” ecomunidades de pesquisa, reforçando suas ba-ses sociais de sustentação. A dilatação de fron-teiras tinha também conotação geopolítica, co-mo para os institutos europeus que atuavamnas possessões coloniais africanas e asiáticas.Com freqüência cada vez maior, os cientistasde Manguinhos iriam se embrenhar pelos ser-tões do Brasil para estudar e combater doenças,principalmente a malária. Ao colocarem suaexpertise a serviço de ferrovias, hidrelétricas,obras de infra-estrutura, empreendimentosagropecuários ou extrativos, iriam se depararcom problemas teóricos e práticos diferentesdaqueles vivenciados nos centros urbanos. Te-riam oportunidade de estudar patologias pou-

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co ou nada conhecidas, e de recolher materiaisbiológicos que dariam grande amplitude às co-leções biológicas do instituto e aos horizontesda medicina tropical no Brasil.

À medida que se aproximava o fim do go-verno Rodrigues Alves, uma grande euforia iase apoderando da opinião pública. As estatísti-cas comprovavam o êxito das campanhas con-tra a febre amarela e a peste bubônica. As novasavenidas e os palacetes edificados às suas mar-gens davam a impressão de que o Rio, enfim,civilizava-se. A rude plebe que animara a revol-ta da vacina fora subjugada e expulsa das áreasrenovadas, e boa parte dos adversários da re-forma e saneamento urbanos se rendia à retó-rica triunfante da “regeneração” do Brasil. Ape-sar do prestígio de Oswaldo Cruz, que lhe va-leu, inclusive, a confirmação no cargo de dire-tor da Saúde Pública no governo subseqüentede Afonso Pena (1906-1909), Manguinhos en-contrava-se numa posição bastante frágil doponto de vista institucional, por haver extrava-sado, sem respaldo jurídico, o arcabouço pri-mitivo do Instituto Soroterápico.

Sua transformação em Instituto de Medici-na Experimental foi novamente pedida ao Con-gresso, em junho de 1906. O projeto foi ataca-do na Câmara dos Deputados e no Senado, e es-teve a pique de naufragar sob o peso de emen-das e substitutivos que o desfiguravam comple-tamente. A oposição vinha sobretudo de repre-sentantes das oligarquias, que consideravamum desperdício os investimentos em ciência enas luxuosas instalações de Manguinhos; seto-res mercantis que não queriam o controle dafabricação de produtos biológicos por uma ins-tituição estatal, e políticos ligados à corporaçãomédica que não viam com bons olhos o ensinonuma instituição independente da Faculdadede Medicina. Em larga medida, a batalha foivencida num teatro distante da capital brasilei-ra. A Diretoria e o Instituto chefiados por Os-waldo Cruz foram as únicas instituições sul-americanas a participarem do XIV CongressoInternacional de Higiene e Demografia, e daExposição de Higiene anexa a ele, em Berlim,em setembro de 1907. A ida a Berlim era parteda estratégia de estreitamento dos laços cominstituições científicas européias e, de acordocom Oswaldo Cruz, Manguinhos possuía, en-tão, mais prestígio no exterior do que no Bra-sil, “onde apenas uma parte da classe médica oconhece e é completamente desconhecido en-tre os leigos, mesmo os mais cultos de nossa so-ciedade” (Cruz, 1906).

A presença das missões francesa e alemã(Otto & Neumann, 1904) no Rio de Janeiro de-ra ao instituto alguma visibilidade internacio-nal. Também foi importante a preocupação deseus pesquisadores de publicar em periódicosrespeitados e de remeter materiais relacionadosàs doenças tropicais a instituições como o Mu-seu Britânico, o Instituto de Higiene de Heidel-berg e o de Moléstias Infecciosas de Berlim, asEscolas de Medicina Tropical de Hamburgo,Londres e Liverpool e o Instituto Pasteur de Pa-ris. Este, por diversas vezes, foi chamado a cer-tificar a qualidade dos soros e vacinas de Man-guinhos. Os contatos com as instituições daAlemanha foram reforçados por Rocha Lima,quando ele visitou pela segunda vez aquelepaís, em 1906, para estudar as inovações técni-cas a introduzir em Manguinhos e inaugurar, aconvite de Fischer, a seção de estudos da pesteno Instituto de Higiene de Berlim. Sua presen-ça naquela cidade foi decisiva para o sucesso al-cançado pela mostra brasileira, assim como pa-ra o estreitamento subseqüente dos laços comos cientistas alemães.27

A mostra brasileira reunia mapas, estatísti-cas, fotografias e maquetes documentando acampanha contra a febre amarela no Rio de Ja-neiro e os prédios em construção em Mangui-nhos. Exibia também amostras de soros e vaci-nas, uma coleção de mosquitos e outros insetosbrasileiros, peças anatomopatológicas com aslesões da febre amarela e da peste bubônica. Foimuito bem recebida a comunicação de Henri-que Aragão (1907) “Sobre o ciclo evolutivo dohalterídio do pombo”, que elucidava parte ain-da desconhecida da evolução desse parasito,com importantes implicações para o estudo damalária.

A medalha de ouro conquistada em Berlimteve enorme repercussão no Brasil. O governo,que acabara de mandar para a Europa uma “co-missão de propaganda”, resolveu utilizar Os-waldo Cruz em missões diplomáticas destina-das a atrair imigrantes e capitais. Tal como a-contecera com Domingos Freire, vinte anos an-tes, uma recepção apoteótica foi preparada noRio de Janeiro para receber o herói nacionalque fizera a Europa se curvar ante o Brasil. E a“ciência” converteu-se em importante ingre-diente dos discursos com que as elites celebra-vam o novo cenário urbano onde desempenha-vam seus papéis de figurantes da cultura e civi-lização européias. O Rio de Janeiro, que se tor-nara a “Paris das Américas”, possuía, outra vez,um “Pasteur” para canonizar.28

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Manguinhos em seu novo arcabouço institucional

Ainda em Paris, Oswaldo Cruz redigiu o regu-lamento do Instituto de Patologia Experimen-tal, criado em dezembro de 1907, e rebatizadode Instituto Oswaldo Cruz em março de 1908.O regulamento sacramentava o tripé pesquisa,produção e ensino e retirava o instituto do or-ganograma da Diretoria Geral de Saúde Públi-ca, subordinando-o diretamente ao ministroda Justiça. Graças a isso, não houve desconti-nuidade em sua trajetória quando OswaldoCruz deixou a direção da Saúde Pública em1909. Igualmente importante foi a autorizaçãopara que auferisse rendas próprias com a ven-da de serviços e produtos biológicos. Isso per-mitiu enfrentar em condições mais vantajosasque outras instituições do Estado a tradicionalpenúria de recursos públicos para a saúde e aciência.

Em 1906, foi inaugurada a primeira filial,em Belo Horizonte, a recém-fundada capitaldo Estado de Minas Gerais.29 No mesmo ano,Carlos Chagas executou a primeira campanhaantipalúdica, em Itatinga, interior de São Pau-lo, onde se construía uma hidrelétrica. Os tra-balhos de saneamento eram impraticáveis ali.As medidas preventivas foram então direciona-das para os alojamentos dos operários e técni-cos (Chagas, 1905). O uso de telas e mosquitei-ros, a ingestão compulsória de quinina, o reco-lhimento obrigatório antes do crepúsculo, oisolamento dos portadores de gametas e a de-sinfecção sistemática com piretro foram asprincipais medidas da chamada profilaxia quí-mica e mecânica. A desinfecção domiciliáriaapoiava-se na observação de que os mosquitos,depois de se alimentarem com o sangue dosdoentes, adquiriam tamanho peso que perdiamalcance de vôo, permanecendo no interior dosalojamentos até digerirem o sangue sugado.30

Em 1907, Carlos Chagas e Artur Neiva exe-cutaram a profilaxia da malária na BaixadaFluminense, onde se fazia a captação de águaspara o abastecimento do Rio de Janeiro. Neiva(1910), que já tinha publicado trabalhos sobrea sistemática, os hábitos e a biologia dos anofe-linos transmissores da malária, comprovou alique as doses de quinina preconizadas não ape-nas eram insuficientes como faziam surgir ra-ças resistentes do plasmódio.31

Em 1908, ele atuou em outras localidadesdo país, ao passo que Chagas seguia, com Beli-sário Pena, para o norte de Minas Gerais, onde

a malária impedia o prolongamento dos trilhosda Estrada de Ferro Central do Brasil. Lá as in-vestigações de Chagas tomaram rumo impre-visto: sua atenção foi despertada para um inse-to hematófago que proliferava nas paredes depau-a-pique das casas, saindo à noite para su-gar o sangue de seus moradores e de animaisdomésticos. Atacava de preferência o rosto hu-mano, razão pela qual o chamavam de “barbei-ro”. Em março de 1909, Chagas completou adescoberta de uma nova doença tropical, aoencontrar no sangue de uma criança doente oprotozoário cujas formas viera rastreando noorganismo do transmissor e em outros hospe-deiros vertebrados.

O Instituto Pasteur acabara de fundar a fi-lial de Brazzaville (1906), capital da ÁfricaEquatorial Francesa (atual República do Con-go), com o objetivo de estudar outra tripanos-somíase humana, a doença do sono transmiti-da pela mosca tse-tse, e as tripanossomíasesanimais.

Com o apoio dos pesquisadores de Man-guinhos, Chagas desenvolveu um trabalhocompleto sobre a doença produzida pelo Tri-panossoma cruzi, que ficaria internacionalmen-te conhecida como Doença de Chagas. Estuda-ram os hábitos do barbeiro e das populaçõesque atacava, a biologia do tripanossoma e seuciclo em ambos os organismos infectados, ossinais clínicos e as lesões orgânicas que singu-larizavam a doença até então confundida coma malária ou a ancilostomíase.

A descoberta simultânea de nova espécie deprotozoário e nova doença foi a peça de resis-tência na Exposição Internacional de Higienerealizada em Dresden, em junho de 1911. Noano seguinte, Chagas obteve o prêmio Schau-dinn, conferido pelo Instituto Naval de Medi-cina de Hamburgo, por uma comissão que reu-nia a nata da microbiologia e da medicina tro-pical.32

Sua descoberta consolidou a protozoologiacomo uma das mais importantes áreas de pes-quisa do Instituto Oswaldo Cruz. Ela se deveuao talento de Chagas e, também, a certas quali-dades daquele coletivo, que havia acumuladoquantidade expressiva de trabalhos relaciona-dos à profilaxia da malária, à evolução de para-sitos em seus hospedeiros, à sistemática e bio-logia de insetos transmissores de doenças hu-manas e animais. Ao dilatar suas atividades,Manguinhos preparara pesquisadores versáteis,com cultura científica, bem adestrados tantonas técnicas bacteriológicas como naquela es-

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trutura mansoniana de experiência concebidadurante os estudos sobre a filariose e o impalu-dismo.

A partir de 1908, prevaleceu no InstitutoOswaldo Cruz a orientação de formar especia-listas, mas sem a polivalência, que perdurou,não teria sido possível consolidar a rede dealianças, as condições de trabalho e as habilida-des técnicas e teóricas que viabilizaram a Doen-ça de Chagas e a safra subseqüente de estudosoriginais sobre a patologia brasileira.

O salto de quantidade deveu-se à qualidadedos cientistas incorporados após o regulamen-to de 1908, que ampliou o quadro de pessoal epermitiu a contratação de um contingente su-plementar de técnicos e pesquisadores pagoscom as rendas próprias, em particular aquelaproveniente da venda da vacina contra a pesteda manqueira.

Entre 1909 e 1910, os membros da primeiraequipe fizeram estágios e estudos de aperfei-çoamento na Europa e nos Estados Unidos. Emjulho de 1908, dois professores da Escola deMedicina Tropical de Hamburgo fizeram o ca-minho inverso. Stanislas von Prowazek, suces-sor de Schaudinn e G. Giemsa, inventor do mé-todo de coloração mais utilizado para a obser-vação de hematozoários, foram contratadospor seis meses para dar cursos e publicar os re-sultados de suas pesquisas, em primeira mão,nas Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, re-cém-inauguradas. Prowazek estudou com Ara-gão a etiologia da varíola. Fizeram uma desco-berta que se revelaria falsa depois, mas quecausou um bocado de sensação na época (Ara-gão & Prowazek, 1908, 1909). Teriam consegui-do observar o germe da doença, ainda invisívelpara os microbiologistas que admitiam, então,duas hipóteses: a de ser ele um protozoário ouum “vírus filtrável”.

O episódio merece uma explicação. Na dé-cada de 1890, estruturas observadas no interiordas células de indivíduos acometidos por certasdoenças passaram a ser interpretadas como es-tágios no ciclo de vida de protozoários. Bemtarde se verificou que estes “corpos de inclusãoviral” são formados pela associação de um víruscom o material que a célula hospedeira produzem reação à sua presença. Em 1893, GiuseppeGuarnieri descreveu estas estruturas em célulasencontradas nas lesões da varíola e da doençada vacina. Supôs que fossem estágios do ciclodo protozoário causador da doença, e o classi-ficou entre os esporozoários com os nomes deCytoryctes variolae e Cytoryctes vaccinae. Tal in-

terpretação foi estendida em seguida a outrasdoenças, como a peste bovina e o herpes-zoster.Nesse período, estudava-se outra categoria deagentes patogênicos, os “vírus filtráveis” ou “ul-tramicroscópicos”, tão pequenos que atravessa-vam os filtros mais cerrados e ficavam fora doalcance dos microscópios mais possantes. O in-teresse por eles fora estimulado pela descober-ta feita por Friedrich Loeffler e Paul Frosch, emmarço de 1898, de que o agente da febre aftosatinha estas características. Sanarelli fora um dospioneiros no estudo dos “vírus”, conceito quecomeçava a ganhar sua acepção moderna, ten-do descrito as propriedades do agente invisívelda mixomatose dos coelhos.

No começo do século atual, os corpos deinclusão viral tornaram-se objeto de grandedebate entre os microbiologistas. “Constituíama evidência visível da presença do vírus oueram protozoários em um estágio intracelularde seu ciclo de vida? Ou, ainda, simplesmente,um material de reação celular?” Para Prowazek,autor da teoria dos “clamidozoários” (do grego,clamys, ‘manto’, animais providos de manto), asinclusões eram microorganismos filtráveis quese desenvolviam intracelularmente e que eramenvolvidos num manto formado por materialde reação celular. Inseguro, ainda, quanto à suaclassificação, considerava-os mais próximosdos protozoários do que das bactérias. (Hug-hes, 1977). Foi sob esta perspectiva que abor-dou, com Henrique Aragão, a problemática davaríola, durante a epidemia ocorrida no Rio deJaneiro em 1908.

Em maio do ano seguinte, o Instituto Os-waldo Cruz recebeu, por seis meses também,Max Hartmann, do Instituto de Moléstias In-fecciosas de Berlim. Ele participou da sistema-tização dos aspectos parasitários e anatomopa-tológicos da Doença de Chagas. Giemsa estevede novo em Manguinhos em 1912, estudandocom Cardoso Fontes e Godoy os parasitos depeixes e plâncton recolhidos na baía de Guana-bara.33 Naquele ano, veio Hermann Duerck,docente de anatomia patológica da Universida-de de Iena.

Novos pesquisadores brasileiros ingressa-ram no Instituto Oswaldo Cruz nesse mesmoperíodo. Em 1909, Gaspar Viana substituiu Ro-cha Lima na área de anatomia patológica. Alémde descobrir o valor do tártaro emético no tra-tamento das leishmanioses, do granuloma ve-néreo e da esquistossomose, investigou a evo-lução do tripanossoma cruzi nos tecidos do ho-mem e dos animais, a blastomicose e outras mi-

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coses, classificou como leishmaniose a úlcerade Bauru e as “úlceras bravas” do Amazonas.

A tradição helmintológica foi retomada porJosé Gomes de Faria, que inventariou diversasespécies novas de trematódeos, publicando, em1910, a descoberta do Ancylostoma braziliense.

A principal aquisição foi Adolfo Lutz, quedeixou o Instituto Bacteriológico de São Pauloem 1908. Ele daria grande impulso à zoologia,botânica e micologia médicas, e publicaria tra-balhos fundamentais sobre o ciclo de vida doSchistosoma manson.

Os ventos sopravam a favor daqueles médi-cos que haviam optado pelo laboratório em de-trimento da clínica, socialmente mais valoriza-da. Contudo, não foi nada tranqüilo o términodos anos aventurosos em que a pequena eaguerrida equipe de Oswaldo Cruz pusera todoo seu entusiasmo na tarefa de erguer Mangui-nhos de seu precário casulo original. As exigên-cias de uma instituição mais madura e compe-titiva, e as próprias estratégias individuais dereconhecimento profissional corroeram rapi-damente os ideais e sentimentos que haviamcompartilhado. O conflito estalou em 1910,quando foi feito o concurso para preencher avaga desocupada por Rocha Lima.

O enquadramento dos pesquisadores noquadro funcional regulamentado em 1908 nãofoi problemático. Rocha Lima e Figueiredo deVasconcelos foram reconhecidos como chefesde serviço, e as vagas de assistentes foram ocu-padas por Cardoso Fontes, Godoy, Neiva, Cha-gas, Aragão e Ezequiel Dias. Os pesquisadoresabsorvidos pela “verba da manqueira” foram,oficiosamente, enquadrados nas mesmas cate-gorias.

Já existiam relações de hierarquia no Insti-tuto, mas eram contrabalançadas pelo caráterinformal e voluntário das funções desempe-nhadas, pela divisão de trabalho igualitária, aausência de especializações e a solidariedadeface aos infortúnios e agruras materiais. Comas novas regras aprovadas em 1908 e a inaugu-ração das modernas instalações, por volta de1910, a hierarquia passou a ter caráter formal,passou a se expressar em desníveis salariais, naestratificação de atribuições, poderes e compe-tências, no uso de laboratórios desigualmenteequipados e na rotinização de uma série de há-bitos que fariam surgir das entranhas da comu-nidade primitiva um novo microcosmo, ondese combinavam, de maneira sui generis, o rigore o formalismo prussianos com a cordialidadee as relações de dependência típicas de uma so-

ciedade agrária recém-saída da escravidão(Benchimol, 1989).

A energia cinética daquela instituição quese transformava elevou-se com os dois feitosquase simultâneos a que nos referimos. Em 22de abril de 1909, Oswaldo Cruz comunicou àAcademia Nacional de Medicina a descobertada nova doença tropical; em 9 de julho, a su-posta descoberta do micróbio da varíola. Logoem seguida, Rocha Lima, o seu lugar-tenente,viajou para a Alemanha para assumir o postode assistente-chefe no Instituto de Patologia deIena, a convite de Hermann Düerck. Oito me-ses depois, ingressaria no famoso Tropeninsti-tut, o Instituto de Medicina Tropical de Ham-burgo (Lacaz, 1966).

Antes de sua partida, já se discutia quem iriasucedê-lo. Chagas era o mais talentoso para Os-waldo Cruz, e Aragão, para Rocha Lima. Porforça do prestígio deste e da dualidade de lide-ranças que prevalecera até então, o novo chefede serviço já era visto como provável sucessorde Oswaldo Cruz. Se vingasse a lógica burocrá-tica de outras instituições públicas, o critérioseria a antiguidade. A decisão de colocá-la emsegundo plano feriu um terceiro alinhamentode interesses, que unia Cardoso Fontes, um dosmais antigos assistentes, a Figueiredo de Vas-concellos, o sucessor “natural” de OswaldoCruz por tempo de serviço e idade. Tanto paraRocha Lima como para Oswaldo Cruz, o crité-rio devia ser a competência. Mas como aferi-la? Para o primeiro, pela lógica que presidira ocrescimento de Manguinhos: o novo chefe deserviço devia ser o pesquisador mais polivalen-te, o mais dedicado às múltiplas atividades doinstituto. Oswaldo Cruz propôs um concurso,hierarquizando as competências principalmen-te pela qualidade e quantidade de trabalhos pu-blicados, o que Rocha Lima considerou “imo-ral e prejudicial”.34

As regras foram ditadas aos candidatos na-turais, os seis assistentes de Manguinhos que,por ordem de antiguidade, eram Ezequiel Diase Cardoso Fontes; Alcides Godoy; HenriqueAragão e Carlos Chagas; por último ArthurNeiva. Junto com o diretor e o chefe de serviçoremanescente, eles se avaliaram uns aos outros.A delegação ao próprio corpo técnico da res-ponsabilidade de selecionar o novo chefe deserviço valorizava a autonomia do instituto,que, por longo tempo, conseguiu se manter fo-ra do alcance do clientelismo do Estado brasi-leiro, sob uma dinastia endógena de dirigentesvitalícios ou quase. Os três primeiros coloca-

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dos – Carlos Chagas, Cardoso Fontes e Henri-que Aragão – foram, nesta mesma ordem, ostrês diretores do Instituto após a morte de Os-waldo Cruz.35

Em novembro de 1909, meses depois deanunciar a descoberta de Chagas, ele deixou adireção da Saúde Pública numa conjuntura po-lítica tumultuada pela morte de Afonso Pena, ainterinidade do vice-presidente Nilo Peçanha ea campanha presidencial polarizada entre o “ci-vilista” Rui Barbosa e o marechal Hermes daFonseca. Embora fosse um ídolo nacional, Os-waldo Cruz não tinha conseguido realizar ne-nhuma das metas propostas para o seu segun-do mandato. A campanha contra a tuberculoseesvaíra-se por falta de recursos e apoio políti-co; a regulamentação da lei da vacina obrigató-ria continuava a ser protelada, apesar da epide-mia de 1908, a mais grave das que já tinhamocorrido no Rio de Janeiro. As oligarquias esta-duais, respaldadas na constituição federalista,bloqueavam qualquer ação sanitária do gover-no central, não obstante a febre amarela gras-sasse em muitas cidades do Norte e Nordeste doBrasil, pondo em risco o que fora feito na capi-tal. Os próprios serviços federais comandadospor Oswaldo Cruz continuavam a ser prorro-gados pelo Congresso, ano a ano, sempre embases provisórias.36

À margem, então, do órgão federal de saú-de pública, os cientistas-sanitaristas de Man-guinhos executariam suas ações mais espetacu-lares no interior do Brasil, financiadas por con-tratos privados, inclusive com órgãos do gover-no (Albuquerque et al., 1991).

Em 1910, o próprio Oswaldo Cruz desin-cumbiu-se de duas missões. A primeira foi aserviço de um ousado empreendimento na sel-va amazônica, a Estrada de Ferro Madeira-Ma-moré, conhecida como “ferrovia do diabo”, pe-la fama que tinha de consumir a vida de umoperário para cada dormente assentado (Fer-reira, s.d.). Em maio, fora inaugurado o pri-meiro trecho, com 90 quilômetros, que exigi-ram a mobilização de 88.000 trabalhadores deoutros países ou recrutados entre os nordesti-nos expulsos pela seca para a Amazônia. No re-latório entregue à companhia, em setembro,Oswaldo Cruz (1910) enfatizou a gravidade doberibéri e da pneumonia, direcionando, po-rém, as propostas profiláticas para a malária,que atacava de 80 a 90% do pessoal. Em outu-bro de 1910, Oswaldo Cruz desembarcou emBelém com médicos que haviam liderado suasbrigadas de mata-mosquitos para executar a

campanha contra a febre amarela contratadapelo governador do Pará. No princípio de 1911,foi contratado pela Light and Power para ins-pecionar a usina que a empresa canadenseconstruía em Ribeirão das Lajes, no Estado doRio de Janeiro, e dar seu parecer sobre as acu-sações de que a “represa da morte” era respon-sável pela grave epidemia de malária que gras-sava em localidades vizinhas.

Em 1912, construiu em Manguinhos umhospital onde se pudesse estudar os casos clíni-cos mais interessantes recolhidos no interior doBrasil. A intenção de Oswaldo Cruz era enviarpesquisadores e “abarracamentos hospitalaresmóveis” a diversas regiões do país para mapeara distribuição geográfica da Doença de Chagas.As circunstâncias favoreceram seu plano. Asplantações de seringueiras organizadas pelosingleses no Ceilão, Malásia, Sumatra, Java eBornéus estavam em vias de suplantar a indús-tria extrativista da borracha brasileira. Em ja-neiro de 1912, o Congresso, tardiamente, apro-vou o Plano de Defesa da Borracha com o in-tuito de modernizar não apenas a extração, be-neficiamento e comercialização do produto co-mo o processo de trabalho, através de medidasque reduzissem “o coeficiente de mortalidadeabsurdamente elevado” (Albuquerque et al.,1991).

De outubro de 1912 a março de 1913, Car-los Chagas, Pacheco Leão, João Pedro de Albu-querque e um fotógrafo percorreram grandeparte do arcabouço fluvial do extrativismo a-mazônico a bordo de um pequeno vapor equi-pado com o necessário para os estudos quetencionavam fazer. Nos seringais e povoadosque apareciam, a longos intervalos, na espessamuralha formada pela selva foram acolhidoscom espanto pelos moradores que, quase sem-pre, viam pela primeira vez um médico do lito-ral. Aí eles fizeram exames clínicos, registrarama história das epidemias e as práticas curativaslocais; revolveram entranhas de insetos, peixese animais em busca de parasitos; armazenaramplantas medicinais, inventariaram população,topografia e tudo quanto fosse necessário paraaferir a salubridade da região (Cruz, 1913).

Na mesma época, outras expedições do Ins-tituto Oswaldo Cruz percorriam o centro e onordeste do Brasil. Entre setembro de 1911 efevereiro de 1912, Astrogildo Machado e Antô-nio Martins visitaram os vales do São Franciscoe Tocantins com as turmas da E. F. Central doBrasil, que estudavam o traçado de uma linhaligando Minas Gerais ao Pará. Três outras equi-

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pes atuaram a serviço da Inspetoria de Obrascontra as Secas, um órgão do governo criadoem 1909 para implementar ambicioso progra-ma de estudos que orientasse a reconstituiçãode florestas, a abertura de estradas e ferrovias, aperfuração de poços e construção de açudes naregião árida do Nordeste.

A expedição de Adolfo Lutz e AstrogildoMachado visitou, entre abril e junho de 1912, ovale do rio São Francisco (Lutz & Machado,1915). A de João Pedro de Albuquerque e Go-mes de Faria atravessou, de março a julho, osEstados do Ceará e Piauí. De março a outubrode 1912, Artur Neiva e Belisário Pena percorre-ram a cavalo ou em lombo de mula sete milquilômetros pelos Estados da Bahia, Pernam-buco, Piauí e Goiás (Penna & Neiva, 1916).

A débâcle da borracha amazônica foi irre-versível, e a velha República dos coronéis nãoquis enfrentar a secular tragédia das secas nor-destinas. Nesse sentido, as comissões médico-sanitárias foram improfícuas. Mas se mostra-ram importantes sob outros aspectos. Aos la-boratórios do Instituto Oswaldo Cruz propor-cionaram um conjunto valiosíssimo de obser-vações e materiais concernentes às patologiasbrasileiras. Esses insumos alimentariam estu-dos aplicados à medicina e saúde pública, ecriariam, também, condições para a autonomi-zação de dinâmicas de pesquisa básica em sin-tonia com especialidades que começavam a sedefinir mais claramente no âmbito da zoologiae botânica médicas. Os relatórios escritos peloscientistas, ricos em observações sociológicas eantropológicas, e a extraordinária documenta-ção fotográfica que produziram constituem oprimeiro inventário moderno sobre as condi-ções de saúde e vida das populações rurais doBrasil. Ele teve grande repercussão junto aosintelectuais e às elites das cidades litorâneas,municiando os debates acerca da questão na-cional, que começava a ser redimensionada nostermos da visão dualista, de longa persistênciano pensamento social brasileiro. A exaltaçãoufanista da “civilização” do Brasil, insufladaapós a remodelação urbana do Rio de Janeiro,desmoronou com as corrosivas revelações so-bre aquele “outro” Brasil, miserável e doente.

Quando Oswaldo Cruz faleceu, em 11 defevereiro de 1917, Manguinhos era uma insti-tuição consolidada dentro e fora do país. Eratambém o centro de gravidade de uma comba-tiva geração de sanitaristas que iria protagoni-zar vigoroso movimento pela modernizaçãodos serviços sanitários do país, sob o lema da

“valorização do homem e da terra”, e sob a lide-rança de Carlos Chagas, o sucessor de OswaldoCruz na direção do Instituto de 1918 até suamorte, em 1934, e Belisário Pena, que se desta-caria como incansável publicista à frente da Li-ga Pró-Saneamento (Lima & Britto, 1996; Li-ma, 1999; Britto, 1995).

Conclusão

De acordo com Salomon-Bayet (1986), a revo-lução pasteuriana exauriu-se nesses anos. Du-rante a Primeira Guerra Mundial, realizou ofeito de minimizar a devastação das doençasinfecciosas, deixando os exércitos entregues sóao morticínio das armas, mas foi desarmadapela pandemia da gripe espanhola, que ceifoupelo menos 21 milhões de vidas, impunemen-te, em 1989 (Crosby, 1989; Brito, 1997). O sal-do trágico de óbitos no Brasil pôs a nu a inca-pacidade dos médicos de lidarem com aquelaespécie de inimigo ainda invisível aos micro-biologistas e explicitou a precariedade dos ser-viços sanitários e hospitalares, agravando a in-satisfação contra as oligarquias que tratavamcom tanto descaso a saúde coletiva.

O resultado mais imediato da crise foi acriação do Departamento Nacional de SaúdePública, em 1920-1922. Seu raio de ação, pelaprimeira vez, foi além das campanhas contraepidemias em algumas poucas cidades litorâ-neas. Iniciaram-se ações mais prolongadas, decaráter curativo e preventivo, contra doençasendêmicas nas zonas rurais e suburbanas (Hoch-man, 1998; Castro Santos, 1987). As insurrei-ções tenentistas, os movimentos pela reformade outras esferas da vida social, as cisões intra-oligárquicas desaguaram na Revolução de 1930e na criação de um Ministério da Educação eSaúde Pública, que iria, finalmente, transfor-mar a saúde em objeto de políticas de alcancenacional, com a ajuda da Fundação Rockefel-ler, poderoso enclave, com atribuições e prer-rogativas que rivalizavam com as do próprioEstado no tocante à saúde pública.

Muito do que havia parecido sólido come-çaria então a se desmanchar para dar lugar adinâmicas que os historiadores ainda conhe-cem mal.

As habilidades que haviam formado o per-fil multivalente dos cientistas de Manguinhostransformaram-se em esferas profissionais au-tônomas. As novas oportunidades econômicasque se abriam à ciência de laboratório coloca-

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ram-nos face ao dilema de se dedicarem exclu-sivamente à pesquisa em instituição pública oua atividades mais rendosas em laboratórios pri-vados. A crescente radicalização dos movimen-tos políticos e ideológicos no país interferirianas relações internas à instituição, que sofreriaduro golpe com supressão de sua autonomiaadministrativa e financeira pelo ministro Gus-tavo Capanema, no Estado Novo.

A febre amarela, o fio condutor da narrativaque nos trouxe até aqui, é ainda a pedra de to-que que usaremos para avaliar a transitoriedadedo que parecia aquisição sólida e definitiva.

Como vimos, a transmissão “exclusiva” dadoença pelo Stegomyia fasciata (depois chama-do de Aedes aegypti) foi o divisor de águas en-tre a era dos que se tinham desencaminhado nabusca do micróbio e a era de Oswaldo Cruz,que se converteu no mito da ciência brasileiraem larga medida graças ao experimento bem-sucedido que conduziu na cidade do Rio de Ja-neiro para provar a validade da teoria de Fin-lay. O saneamento e embelezamento da “cabe-ça urbana” do país consolidaram o regime oli-gárquico, alavancaram a modernização conser-vadora desejada pelos grupos do Sudeste liga-dos à economia cafeeira e formaram o lastrodas representações ideológicas com que elessustentaram sua hegemonia frente a outras fra-ções das classes dominantes e às classes subal-ternas.

O regresso da febre amarela ao Rio de Ja-neiro, em 1928-1929, foi encarada como umdos derradeiros sintomas da incompetência dasoligarquias para gerir os destinos da nação. Nocomeço do século, Oswaldo Cruz contara comas condições políticas e jurídicas necessáriaspara implementar um modelo profilático dra-coniano. Não obstante procurasse angariar oconsenso dos médicos e da população, as cam-panhas contra a febre amarela, varíola e bubô-nica foram executada na marra, com os instru-mentos de coação que o regime lhe proporcio-nara. Os conflitos suscitados pelo saneamentoe reforma urbana foram subjugados e estigma-tizados como manifestações de atraso coloniale incultura científica. Na epidemia de 1928-1929, Clementino Fraga, diretor do Departa-mento Nacional de Saúde Pública, reativouparte daqueles dispositivos de origem militarque formavam o travejamento das campanhassanitárias, mas sem dispor mais das condiçõespolíticas e ideológicas que favoreceram seu uso.Uma primeira avaliação das notícias publica-das na imprensa mostra que, pela primeira vez,

as grandes empresas, as associações de classe eoutros componentes da sociedade civil colabo-raram ativamente no esforço de mobilizar apopulação contra os alvos que a saúde públicadesejava atingir.

A capital brasileira tinha se modificado.Oswaldo Cruz combatera a febre amarela nomiolo do Rio de Janeiro, que abrigava, então,cerca de 800 mil habitantes. Em 1928-1929, acidade, remaquilada pelos sucessores de Perei-ra Passos, possuía mais de um milhão e meiode habitantes, grande parte dos quais habitavaos subúrbios que constituíram o teatro dosprincipais entreveros com a febre amarela. En-tre as duas conjunturas, as relações entre urba-no e rural, centro e periferia tinham sofridodisjunções fundamentais que afetavam toda aproblemática da saúde pública no país.

Para os médicos da virada do século, a fe-bre amarela era um mal associado aos navios,aos imigrantes europeus, às cidades portuárias,às baixadas litorâneas, quentes e úmidas, queformavam o habitat dos miasmas, depois dosfungos, algas e bacilos, por último do Aedes ae-gipty. Em 1928-1929, o “lugar” da doença sedeslocou para a periferia suburbana, para osmigrantes nativos e as pobres povoações inte-rioranas de onde provinham. A geografia e epi-demiologia da febre amarela expressava, agora,um novo padrão de acumulação de capital, no-vas relações entre cidade e campo.

As certezas sustentadas de forma inflexívelpor Oswaldo no Congresso Médico de 1903desabaram no vale do Canaã, no interior doEspírito Santo, em dezembro de 1930, quandoos sanitaristas da Rockefeller confirmaram asuspeita de que a febre amarela possuía um oumais vetores indeterminados e tinha conexãocom o trabalho dos homens que se infectavamnas matas. A partir de 1931, o Serviço de FebreAmarela instalou postos de viscerotomia emtodo o país e iniciou estudos sobre a distribui-ção da imunidade à febre amarela por meio da“prova de proteção” (Franco, 1969). As necróp-sias parciais feitas nos “caipiras” e as provas deimunidade efetuadas por técnicos em laborató-rios citadinos foram as bússolas do grande in-quérito que se prolongou até 1935. O novo ma-pa epidemiológico que emergiu desse inquéri-to inverteu os termos da equação sustentadapor Oswaldo Cruz: a febre amarela silvestre eraa modalidade comum da doença, e a urbana,apenas uma manifestação anormal, que tende-ria a se extinguir quando se exaurisse a massade indivíduos não imunes.

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Esta, porém, já é outra história que foge aoescopo do presente artigo, uma história absolu-tamente atual que segue se desenrolando naspáginas dos jornais e no cotidiano de todos nós.

Notas

1 Coni (1952) identifica três fases na evolução da medici-na brasileira, personificadas por Piso, médico holandês,da Corte de Nassau; Wucherer, fundador da Escola Tro-picalista Baiana, e Oswaldo Cruz. Quadros similares fo-ram propostos por Santos Filho (1991), Nava (1947) eBacellar (1963).

2 O único com formação consistente em parasitologiahelmíntica, Wucherer estudou também a febre amarela, atuberculose, o cólera e o ofidismo. Contrapondo-se àcrença de médicos brasileiros e europeus de que a tuber-culose não descia abaixo do Equador, sustentou a tese deque a doença estava se tornando um flagelo tropical. Oberibéri foi estudado por Silva Lima e Pacífico Pereira(1846-1922). Este último chegou a aventar uma etiologiamicrobiana, mas João Batista de Lacerda, do Rio de Ja-neiro, anunciaria antes a descoberta do suposto bacilo doberibéri (1883). Peard (1992).

3 O mesmo ponto de vista orienta os trabalhos de Ferrei-ra (1999, 1996). As ambivalências do processo de cons-trução da identidade nacional foram exemplarmenteanalisados por Süssekind (1990) e Ventura (1991).

4 Sobre este médico formado em Paris (1802-1878), se-guidor entusiasta de Broussais, ver Edler (op. cit.) e Fer-nandes (1982).

5 Seu mérito foi, assim, o de ter feito a primeira confir-mação dos estudos de Griesinger, sem excluir a climato-logia médica. Edler mostra que, ao elaborar o diagnósti-co do escravo hipoêmico, descartou outro tipo de ane-mia, a cachexia palustre, baseando-se no fato de ele nãoresidir em lugar sujeito a miasmas. Ao estabelecer a etio-logia verminótica da hipoemia, Wucherer também se ba-seou no fato de muitos curandeiros africanos tratarem-na com leite da gameleira, vegetal classificado como an-thelmíntico por von Martius em Systema Materiae Medi-cae Vegetabilis Brasiliensis. Wucherer explicou o modo deinfecção (ingestão dos ovos dos vermes com alimentossólidos ou água) por analogia com outros casos descritospor Davaine em Traité des entozoaires (1860). Ver Edler(1999) e Farley (1991).

6 Os seus estudos foram publicados com o título “UeberAnkylostoma duodenale und Ankylostomiasis”, na cole-ção de lições de clínica médica de Volkman, editada emLeipzig (1885). Os artigos foram depois publicados no 1o

e 2o volumes de O Brazil médico e na Gazeta Médica daBahia (1887, 1888). Foram reunidos em A opilação ouhypoemia intertropical e sua origem, ou Ankylostoma duo-denale e Ankylostomiase (Rio de Janeiro, Typ. Machado,1888). O helminto e a doença eram examinados sob os

aspectos histórico e geográfico, morfológico e biológico,clínico e patogênico, terapêutico e profilático. A doençaganhara relevância maior para os europeus ao provocar amorte de dezenas de operários na perfuração do túnel deSão Gotardo, entre a fronteira italiana e os Alpes suíços(1880-1882). Lutz mostrou que o parasito encontrado noBrasil diferia do europeu. Posteriormente ele foi descritopor C. Wardell Stiles como espécie à parte (Necator ame-ricanus). A esse respeito ver Foster (1965); Comissão doCentenário de Adolfo Lutz (1956), Neiva (1941). Este tra-balho traz em apêndice bibliografia organizada por Her-man Lent em 1935. Ver ainda Deane (1955).

7 Segundo Edler, o trabalho de Lewis, publicado no Lan-cet em 1873, foi imediatamente resumido pela RevistaMédica (1873). Em visita ao hospital de Nettley, na Ingla-terra, Silva Lima confirmou a identidade das fïlárias en-viadas por Lewis com aquelas descritas por Wucherer.

8 Edler relaciona os trabalhos publicados pelos médicosda Bahia e do Rio de Janeiro em periódicos locais e nosArchives de Medicine Navale, confirmando ou completan-do as descobertas de Wucherer e dos médicos ingleses,franceses e alemães. Mostra que dos 35 artigos sobre pa-togenia e terapêutica verminótica publicados entre 1873e I890, em quatro periódicos médicos (Revista Médica,Progresso Médico, Gazeta Médica Brazileira e União Médi-ca), nove referiam-se à hipoemia e 26 à hemato-chyluriaou elefantíase dos árabes; quatro outros tratavam de ti-pos diferentes de helmintíase (Edler, 1999).

9 As trajetórias de Freire, João Batista de Lacerda e outrosbacteriologistas atuantes no último quarto do século XIXsão analisadas, em detalhe, em Benchimol (1999). Ver-sões mais resumidas encontram-se em Benchimol (1996,1995). Sobre a reforma do ensino médico, ver Edler,(1996, 1992) e Santos Filho (1991).

10 Excetuando-se a vacina anti-variólica, não havia aindaoutro profilático dessa natureza para doenças humanas.O médico espanhol Jaime Ferrán desenvolveria vacinaigualmente controvertida contra o cólera em 1883-1885(Bornside, 1991). As realizações de Pasteur nessa área res-tringiam-se ainda às vacinas contra o cólera das galinhas(1880) e o antraz ou carbúnculo hemático (1881). Seu in-gresso nas patologias humanas, com a vacina anti-rábica,envolveria complexas injunções sociotécnicas superadassó em 1886, como mostram, entre outros, Debré (1995);Salomon-Bayet (1986); Dagognet (1967) e Delaunay(s.d.). A técnica usada na produção da vacina anticarbun-culosa e o “teatro da prova” montado por Pasteur emPoully-le-Fort para demonstrar sua eficácia exerceramforte influência sobre Freire e outros convertidos ao pas-

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teurianismo e à conseqüente busca de vacinas. Ver a esserespeito Latour (apud Salomon-Bayet, 1986).

11 A comunicação intitulava-se “Pathologie expérimen-tale – Le microbe de la fièvre jaune. Inoculation préventi-ve. Note de MM. D. Freire et Rebourgeon, présenté paraM. Bouley”. Comptes Rendus des Séances de l’Academie desSciences, t. XCIX, séance du Lundi 10/11/1884, no 19, p.806. A tentativa feita por Pasteur em 1881 para identificaro micróbio da febre amarela foi malsucedida, como mos-tra Vallery-Radot (1951). Igualmente frustrados foram osesforços feitos por d. Pedro II para convencê-lo a vir aoBrasil para decifrar aqui, conclusivamente, a etiologia eprevenção da doença. A questão é analisada em Benchi-mol (1999). Parte da correspondência entre Pasteur e d.Pedro II acha-se em Vallery-Radot (1930). As cartas aí re-produzidas e outras encontram-se no Museu Imperial,Setor de Documentação e Referência, Arquivo da CasaImperial (Petrópolis). Sobre as relações de d. Pedro II ePasteur, ver também Franco (1969); sobre a história davacina anti-variólica no Brasil, Fernandes (1999).

12 As comunicações apresentadas em Paris foram: “Thé-rapeutique. Résultats obtenus par l’inoculation préventi-ve du virus atténué de la fièvre jaune, à Rio de Janeiro.(En collaboration avec mm. Gibier et C. Rebourgeon)”,Comptes Rendus des Séances de l’Academie des Sciences,avr. 1887, t. 104, pp. 1.020-1.022; e “Médecine expérimen-tale. Du microbe de la fièvre jaune et de son atténuation”.Deuxième note de mm. Domingos Freire, Paul Gibier,Claude Rebourgeon”, Comptes Rendus Hebdomanaires desSéances de l’Academie des Sciences, 21.3.1887, t. 104, pp.858-860; “Conférence sur la fièvre jaune, prononcée de-vant la Société de Thérapeutique Dosimétrique de Paris”,Repertoire Universel de Médicine Dosimétrique. Paris, mai.1887. A comunicação lida em 7 de setembro, na 15a seçãodo Congresso de Washington (Public and InternationalHygiene), intitulava-se “Vaccination avec la culture atté-nuée du microbe de la fièvre jaune”. Foi resumida em Me-dical News (17.9.1887, v. 51, pp. 330-334), no Jornal doCommercio, O Paiz e Gazeta de Noticias (22-23.8.1899) eBrazil-Medico (no 33, 1.9.1899, p. 319). Freire escreveumais de uma centena de trabalhos sobre química, medici-na e saúde pública, sob forma de relatórios, compêndios,livros, monografias e comunicações. Boa parte dessa pro-dução está relacionada em Benchimol (1999).

13 United States Marine Hospital Service. Report on theEtiology and Prevention of Yellow Fever by George M.Sternberg, Lieut. Colonel and Surgeon, U. S. Army. (Was-hington, Government Printing Office, 1890). Publicado apedido da Secretaria do Tesouro, de acordo com o Ato doCongresso aprovado no dia 3 de março de 1887.

14 Lacerda relata parte de sua trajetória na instituiçãonos Fastos do Museu Nacional (1905). A melhor fontebio-bibliográfica ainda é a coletânea publicada pelo Mu-seu Nacional em 1951. Ela omite, no entanto, os traba-lhos sobre a febre amarela e outras frentes da bacteriolo-gia, que são analisados em Benchimol (1999).

15 Nascido no Rio de Janeiro, em 1855, de pais suíços,Lutz diplomou-se em medicina em Berna, em 1879, de-pois freqüentou importantes laboratórios na França, Ale-manha e Inglaterra onde conheceu Lister e Pasteur. De1882 a 1886 exerceu a clínica no interior de São Paulo,

sem deixar de publicar em revistas alemãs artigos sobreparasitos do homem e de animais e sobre a ancilostomía-se, a hepatite amebiana e a lepra. Trabalhou com o der-matologista Paul Gerson Unna, em Hamburgo e, por in-dicação deste, dirigiu o leprosário da ilha Molucai, noHavaí, de novembro de 1889 a julho de 1892. Lá se casoucom a enfermeira inglesa, Amy Fowler, e iniciou os estu-dos sobre moluscos que mais tarde seriam de grande pro-veito para as suas pesquisas sobre a esquistossomose man-sônica. De início, foi sub-diretor do Instituto Bacterioló-gico fundado em São Paulo, em julho de 1892, mas emmarço de 1893 assumiu a direção abandonada por Felixle Dantec, que regressou à França com os materiais querecolhera para estudar a febre amarela. Ver a esse respeitoCorrêa (1992), Silva (1992,) e Lacaz (1966).

16 Em 1880, na Argélia, Charles Louis Alphonse Laverandescobriu nos glóbulos sangüíneos de doentes o hemato-zoário que causava a malária (Plasmodium). Apesar de adisenteria e a surra (doença animal) terem sido relacio-nadas também a protozoários, não havia provas conclu-sivas de que esses animais unicelulares causassem doençahumana importante. A demonstração de uma etiologiadessa natureza era dificultada pela complexidade dos ci-clos de vida dos animais deste sub-reino, a ausência deum sistema de classificação preciso e a dificuldade de seobterem meios artificiais para seu cultivo. Nos anos se-guintes, Camillo Golgi e outros investigadores elucida-ram o ciclo de reprodução vegetativa das células; suamultiplicação no sangue por esporulação e a relação dis-so com o aparecimento da febre; a presença de três varie-dades do parasito no organismo humano, responsáveispelas febres quartã, terçã e irregular ou perniciosa. O tra-balho que Freire publicou em 1892 intitulava-se Sur l’ori-gine bactérienne de fièvre bilieuse des pays chauds (1892).O primeiro trabalho de Fajardo sobre malária, em frontaldesacordo com Freire, chamava-se “O micróbio da malá-ria” (1892-1893). A controvérsia está documentada emBenchimol (1999). Sobre as pesquisas e controvérsias in-ternacionais relacionadas à malária ver Busvine (1993) eHarrison (1978).

17 Foram sondados também o engenheiro sanitário in-glês Edmund Alexander Parkes; Émille Duclaux, sucessorde Pasteur; Rubner, diretor do Instituto de Higiene deBerlim e Friedrich Löffler, descobridor do bacilo da dif-teria. Segundo a boden theorie (teoria do solo) de Petten-koffer, para que ocorresse uma epidemia eram necessá-rios quatro fatores: além do germe específico, determina-das condições relativas ao lugar, ao tempo e aos indiví-duos. Por si só, o germe não causava a doença, o que ex-cluía o contágio direto. A suscetibilidade individual eraimportante, mas ela e o germe, sozinhos, tampouco en-gendravam a doença. As condições de tempo e lugareram indispensáveis para explicar tanto os acometimen-tos como as imunidades, i.e., o fato de certos períodos elugares permanecerem refratários à doença. As variáveissazonais e locais agiam sobre o germe, que amadurecia ese transformava em matéria infectante. O cadinho datransformação, análoga à que convertia a semente emplanta, era o solo. Para os partidários de Pettenkoffer noRio de Janeiro, a equação correta da insalubridade urba-na era “pântano abafado” + matéria orgânica em putrefa-ção + oscilações do lençol d’água subterrâneo = epide-mias. Sobre esse assunto ver Benchimol (1999) e Hume(1925).

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18 A conferência foi publicada em O Paiz (10.6.1897) econdensada em O Brazil-Médico (22.6.1897). Sanarellisubmeteu duas comunicações aos Annales de L’InstitutPasteur (1897). Foram publicadas também nos Annaesda Academia de Medicina do Rio de Janeiro (1897). As ex-periências com o soro foram relatadas em conferênciana Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, em8/3/1898. Seguindo os seus passos, Wolf Havelburg apre-sentou seus resultados ao Instituto Pasteur e em confe-rência no Rio de Janeiro. Os resultados de outros con-correntes, como Chapot-Prévost, Johannes Paulser e JoãoBatista de Lacerda, e as controvérsias suscitadas por estestrabalhos acham-se em Benchimol (1999). Neste am-biente competitivo, o alinhamento mais conspícuo opu-nha Sanarelli e Freire, que também proferiu concorridaconferência na Faculdade de Medicina para contestar oitaliano.

19 Em maio de 1897, às vésperas da conferência de Sana-relli, o deputado Serzedelo Corrêa, da bancada paraense,propôs à Câmara a instituição do “Prêmio Pasteur”, a serconcedido a quem apresentasse parecer favorável e unâni-me da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, do Insti-tuto Koch de Berlim e do Instituto Pasteur de Paris. (Con-gresso Nacional, Annaes da Câmara dos Deputados, 1897,vol. 1, pp. 354-357). Em junho, o deputado Alcindo Gua-nabara apresentou projeto alternativo: o governo nomea-ria uma comissão com profissionais de reconhecida com-petência para estudar a vacina de Freire. Se verificasse queera eficaz, ele receberia o prêmio. Se concluísse que nãoera inteiramente satisfatória, mas estava em vias de sê-lo,o executivo lhe forneceria o que necessitasse para com-pletar a instalação de seu Instituto Bacteriológico, e lhepagaria até trinta e seis contos anualmente, a título desubvenção, durante cinco anos. Na última hipótese, a va-cinação pública seria suspensa até que novo exame aaprovasse. (Congresso Nacional. Annaes da Câmara dosDeputados, 1897, vol. 1, pp. 400-401). A esse respeito verBenchimol (1999).

20 A transmissão da filária pelo Culex, do hematozoárioda febre do Texas por carrapatos e do protozoário da na-gana, outra doença de bovinos e equinos, pela mosca tsé-tsé fora divulgada no Brasil antes da descoberta de Ross eGrassi, em 1897. Em 1898, podia-se ler nos jornais que osinsetos disseminavam os micróbios do carbúnculo, da of-talmia do Egito, do botão de Biskara, do piã (bouba) e domormo. Yersin teria verificado que moscas mortas carre-gavam o bacilo da peste e podiam, portanto, infectar aságuas de beber. E Joly confirmara que depositavam os ba-cilos da tuberculose nos alimentos e bebidas, carregan-do-os consigo mesmo depois de mortas e dessecadas,idéia já sustentada por Utinguassú e Araújo Goes, naAcademia de Medicina, em outubro de 1885. Ver a esserespeito, Benchimol (1999). Na conferência de Montevi-déu, Sanarelli (1897) formulou a hipótese de que existiriaum mofo com poder “específico” de estimular o desen-volvimento das colônias do bacilo icteróide nas regiõesonde a febre amarela era endêmica. Lacerda (1900) apre-sentou então o aspergillus icteroide: seus esporos seriamas “muletas” com que o bacilo deixava as atmosferas con-finadas para proliferar à distância. Ao mecanismo de pro-pagação acrescentou em seguida as moscas, por haver en-contrado suas dejeções misturadas às colônias de bolor ebacilos (Benchimol, 1999).

21 Myers faleceu em Belém, em 29/1/1901, vítima dadoença que fora estudar. Outro investigador de Liverpoolencerrou a carreira ali. Harold Howard Shearme Wolfers-tan Thomas morreu em Manaus, em 8/5/1931, depois depassar vinte anos no “The Yellow Fever Research Labora-tory”. Antes disso, estudara tripanossomíases na África,verificando, em 1904, o valor terapêutico do atoxyl, pri-meira substância capaz de inibir a ação dessa espécie deprotozoário em animais. Em abril de 1905, junto com oAnton Breinl, iniciou a 15a expedição ultramarina da Es-cola de Liverpool. Ao chegarem à Amazônia contraíram afebre amarela. Breinl regressou à Inglaterra; Thomas alipermaneceu até 1909. Reabriu o laboratório em 1910 e sósaiu de lá mais uma vez, para obter fundos de pesquisa econtratar três assistentes que trabalharam com ele entre1920 e 1923: Miller (1998), Smith (1993) e Benchimol(1999).

22 Apesar de haver demonstrado que o soro filtrado deum doente podia contaminar um voluntário saudável,pelos critérios estabelecidos por Loeffler e Frosch, só atransmissão em série provaria que o agente etiológico eraum vírus ultramicroscópico. A transmissão isolada nãoexcluía a possibilidade de que a doença fosse induzida pe-lo veneno secretado por uma bactéria (Löwy, 1990,1991). A etiologia viral só foi estabelecida em 1927, portrês investigadores da Fundação Rockefeller, Adrian Stoc-kes, Johannes A. Bauer e N. Paul Hudson, que consegui-ram infectar macacos Rhesus (gênero Macaca), na Áfricaocidental francesa. Sobre as transformações sofridas peloconceito de “vírus”, ver Hughes (1977).

23 Participaram 192 médicos, dos quais 149 eram da ca-pital (77,20%), 13 de São Paulo (6,74%) e 6 da Bahia(3,11%) e 12,95%, de outros estados. Os itens que enca-beçavam a agenda do Congresso diziam respeito à febreamarela. Os outros eram: formas clínicas mais freqüentesde paludismo no Rio; profilaxia da malária; concomitân-cia da caquexia palustre e ancilostomíase; das manifesta-ções mais freqüentes da filariose no Rio; patogenia da di-senteria; tratamento e profilaxia do beribéri; permanên-cia da peste no Rio; causas das nefrites nesta cidade; com-paração da tuberculose no Brasil e em outros países; le-gislação sobre exercício da medicina e da farmácia noBrasil; codificação das leis sanitárias no Brasil.

24 Os cientistas do Instituto Pasteur produziram quatrorelatórios que foram publicados nos Annales de L’InstitutPasteur (1903, 1906). Foram publicados em O Brazil-Me-dico (1903) e na Revista Medica de S. Paulo (1904, 1906).Escreveram também sobre a espirilose das galinhas(1903) e febre amarela e malária em Vera Cruz (1906).

25 A epizootia fora estudada por João Batista de Lacerda,que chegou a preparar e distribuir uma vacina contra adoença no Museu Nacional. Depois da vacina contra ocarbúnculo sintomático, outros produtos veterinários fo-ram desenvolvidos em Manguinhos: as vacinas contra ocarbúnculo verdadeiro e a diarréia dos bezerros ou pneu-moenterite e o Protosan, empregado contra o “mal dascadeiras”, uma doença de cavalos. Entre 1907 e 1918, apauta industrial evoluiu de 11 para 26 produtos. EzequielDias (Dias, 1918) calculava em 3.932:031$701 o valor emmoeda corrente de toda a produção até 1918. A maiorparte dos soros e vacinas era fornecida gratuitamente ahospitais e serviços sanitários. Além das vantagens eco-

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nômicas para o Estado, Dias ressaltava a vitória “moral”que significara a completa substituição da importação deimunoterápicos (Benchimol, 1990).

26 Um detalhe que ilustra o desejo de Oswaldo Cruz dedistanciar-se da “tradição” bacteriológica inaugurada pe-la geração anterior encontra-se no depoimento de Eze-quiel Dias sobre a entrevista que precedeu a sua admis-são no Instituto. A pergunta decisiva teria sido: “O Se-nhor conhece alguma coisa de bacteriologia?” Ao contrá-rio do que imaginava o assustado acadêmico, seu “não”lhe abriu as portas do emprego. Mais tarde, escutou deOswaldo Cruz a explicação: “porque se você soubesse al-guma coisa da matéria, devia ser muito pouco, só servin-do para lhe dar presunção, e, portanto, dificultar o seuaprendizado. E eu prefiro certos ignorantes.” (Dias,1918).

27 Em carta ao biógrafo Salles Guerra (1940), OswaldoCruz escreveu: o Rocha Lima, com as excelentes relaçõesque tem aqui, obteve-nos os melhores lugares e fez uma pro-paganda lenta pela palavra e, sobretudo, com o exemplo detrabalho... Nosso material era, graças ao trabalho de Vas-concellos, da melhor qualidade.... Colocamo-nos, o RochaLima e eu, ao lado da Exposição e, como cicerones interes-sados informávamos aos visitantes de tudo... O Instituto foise levantando a olhos vistos... O Rubner, presidente do Júri,tinha sido professor do Rocha Lima e... influiu com sua au-toridade sobre os demais juízes.... Assim foi ganha a bata-lha... E eu, em tudo isso, representei papel de “medalhão”,colhendo os frutos sazonados e saborosos da sementeira fei-ta por aqueles cujos nomes foram esquecidos.

28 A decisão de regressar ao Brasil incógnito forneceu achave para compor a imagem ideal do “sábio”: diferente-mente de Freire, exibido e vaidoso, este era retraído, aves-so a manifestações públicas. Além de cumprir as missõesde que o encarregou o ministro das Relações Exteriores,Oswaldo Cruz visitou o Instituto Pasteur e o Instituto dePesquisas Médicas fundado por Rockefeller em NovaYork. Entrevistou-se com Theodore Roosevelt, dando-lhegarantias de que a esquadra norte-americana, em mano-bras de guerra, poderia desembarcar seus tripulantes noRio de Janeiro, sem temer a febre amarela. Participou, emseguida, da Convenção Sanitária realizada no México, emdezembro de 1907, na qual os governos da América Cen-tral subscreveram, como queria a Casa Branca, o com-promisso de criarem legislações e serviços para erradicara febre amarela de seus territórios.

29 Em agosto de 1914, Neiva viajou para o Rio Grandedo Sul para tratar da fundação de mais uma filial em Pe-lotas, por solicitação dos pecuaristas e das autoridadeslocais. Outra, de existência efêmera, foi inaugurada emSão Luiz, no Maranhão, em 1919. Em 1936, a filial minei-ra seria transferida para a administração estadual, com adenominação de Instituto Biológico Ezequiel Dias, crian-do-se em compensação o Instituto de Patologia Experi-mental do Norte, com sede em Belém, custeado pelo Es-tado do Pará e dirigido por Evandro Chagas, filho deCarlos Chagas.

30 Segundo Chagas Filho (1993), a importância da teoriadomiciliária só foi reconhecida no Congresso Internacio-nal de Malariologia, realizado em 1923, em Roma, e só ad-quiriu plena eficácia quando se generalizou o uso do DDT.

31 As intervenções no meio ambiente contra os vetoresalados da malária já incluíam o emprego de peixes paradestruir as larvas do anófele. Esse artifício seria depoisutilizado pela Fundação Rockefeller para destruir as doAedes aegypti, o transmissor da febre amarela (Chagas Fi-lho, 1993).

32 Encontram-se as referências mais importantes sobre adescoberta de Chagas, o relato de sua trajetória científicae sua produção científica na magnífica biblioteca virtualresidente em http://www.prossiga.br/chagas/. O PrêmioSchaudinn, destinado ao autor da mais importante des-coberta na área em que atuava o descobridor Treponemapallidum, morto prematuramente em 1906, era conferidopor um júri em que predominavam cientistas da França,Alemanha, Inglaterra e Itália: Blanchard, Laveran, Metch-nikoff, Roux, Celli, Golgi e Grassi, Koch, Ehrlich, VonHertwig e Boetschli; Patrick Manson, Nutall, Ray Lankas-ter, Ronald Ross. Vinham em seguida o Japão (Kitasato eIshikawa); Áustria (A. von Heider e Paultauf); Rússia(Shewiakoff e Wladimoroff) e Estados Unidos (G. Novye E. B. Wilson). Portugal era representado pelo alemãoKopke, organizador da Escola de Medicina Tropical deLisboa, e o Brasil, por Oswaldo Cruz, graças aos trabalhosexpostos em Berlim, em 1907.

33 O conjunto arquitetônico original de Manguinhos in-cluía um aquário, com piscinas para cultura de animaisde água doce e salgada, esta em comunicação direta com omar. Foi uma construção precursora em seu gênero, pre-cedida apenas pelo aquário de água salgada, o primeiroda América do Sul, instalado por Pereira Passos no Pas-seio Público, em 1904, e demolido em 1938. O de Man-guinhos, veio abaixo em 1945, por ocasião da abertura daavenida Brasil, que interrompeu sua ligação com o mar.Entre 1913 e 1918, Aristides Marques da Cunha e Olym-pio da Fonseca Filho publicaram os primeiros estudossistemáticos sobre o plâncton da costa Atlântica, efetua-dos na Estação Biológica da Marinha, na Praia Vermelha.Em 1916, quando ela foi desativada, parte de seu acervo epessoal foi transferida para a Ilha do Pinheiro, no Institu-to Oswaldo Cruz, possibilitando a continuação deste pro-grama de pesquisas que hoje é revalorizado pelos estudio-sos da ecologia (Benchimol, 1990; Fonseca Filho, 1974).

34 Carta de Rocha Lima a Neiva, Moses e Farias (c. 1910).Arquivo Arthur Neiva. Correspondências. Fundação Getú-lio Vargas/CPDOC. Sobre o concurso e seus desdobramen-tos, ver Benchimol & Teixeira (1993); Chagas Filho (1993).

35 A seleção levou em conta também a antigüidade e osserviços prestados ao Instituto. Os trabalhos publicadosforam hierarquizados em três categorias. Os que se limi-tavam a descrever espécies sem estudos biológicos e ex-perimentais, as notas preliminares e as sínteses e resenhassem contribuição pessoal valiam de 1 a 3 pontos. As tesesde doutoramento feitas no Instituto, os trabalhos origi-nais com contribuição experimental e os de sistemáticacom biologia das espécies descritas valiam de 4 a 6 pon-tos. Por fim, de 7 a 9, valiam os “trabalhos de alto valorcientífico que apresentem descobertas importantes oumétodos novos de grande valor prático”. Nos trabalhos decolaboração cada autor auferia metade dos pontos, e aostotais apurados para cada candidato seriam acrescenta-dos “o número de anos de serviços oficiais prestados aoInstituto, assim como as comissões exercidas” (1 ponto

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cada ano e cada comissão). O livro em que estão enca-dernados os documentos relativos ao concurso é uma pe-ça documental interessantíssima (Carlos Chagas – Docu-mentos. Arquivo Carlos Chagas. COC). Revelam a com-plexa engenharia subjacente aos critérios de avaliaçãoque acabaram por predominar na seleção do novo chefede serviço.

36 A chefia da DGSP passou a outro pesquisador deManguinhos, Figueiredo de Vasconcelos, que se demitiupouco tempo depois em protesto contra a política de saú-de de Hermes da Fonseca, eleito presidente em março de

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