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EIXO TEMÁTICO 01: HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA DA EDUCAÇÃO
A INSPEÇÃO DO ENSINO NA PROVÍNCIA DO RIO GRANDE DO
NORTE DURANTE O PERÍODO IMPERIAL
Anna Gabriella de Souza Cordeiro (UFRN)1
RESUMO
Na história da educação brasileira a Inspeção figurou, durante mais de um século, como
uma das principais iniciativas tidas como capazes de melhorar o ensino ofertado no país.
A partir desta perspectiva, objetiva-se apresentar uma representação da Inspeção da
Instrução Pública na província do Rio Grande do Norte durante o período Imperial. Com
base na concepção de representação do historiador francês Roger Chartier. É relevante
destacar a influência do poder disciplinar, conforme o entendimento de Michel Foucault,
no contexto da implantação da Inspeção Escolar. Realizou-se uma análise do discurso
presente na Legislação Educacional da província do Rio Grande do Norte, nas Mensagens
dos Presidentes da Província e na fala dos Diretores da Instrução Pública, a fim de
evidenciar as estratégias e práticas de controle do Estado no âmbito educacional do
passado, para entender a construção social da escola em suas várias nuances. Contudo,
concluiu-se que a Inspeção foi uma das principais preocupações do governo provincial
potiguar e representou o controle do Estado no exercício do poder disciplinar. Embora a
Inspeção tenha sido falha em alguns aspectos do seu propósito, contribuiu para a inserção
da fiscalização no imaginário social da época e perdurou no período seguinte, quando
contribuiu decisivamente para a consolidação da cultura escolar.
PALAVRAS-CHAVE: Inspeção; Representação; História da Educação.
INTRODUÇÃO
O período imperial brasileiro foi de grande importância para a consolidação do
Estado-nação. Neste momento a instrução pública passa a figurar como política de
Estado2. Assim sendo, muitas foram as iniciativas voltadas para a instrução pública nas
1 Anna Gabriella de Souza Cordeiro, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Rio Grande do Norte,
Brasil. E-mail: [email protected] 2 Para Hobbes o Estado é a instituição máxima da sociedade, responsável pela legislação e pela ordem que
dela deriva, pela transformação do homem natural no homem civil. É considerado um Estado burocrático
por este instituir leis, que tem por finalidade impedir que a sociedade faça uso de sua liberdade natural, o
que geraria o caos. Assim sendo, o Estado tem a missão ordenar que as leis sejam cumpridas pelos súditos
e para o representante deste Estado, a promulgação das leis devem bastar para a manutenção da ordem
social civil. Cabe também ao Estado de Hobbes a doutrinação de seus súditos. Esta doutrinação precisa ser
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províncias, a fiscalização do ensino foi uma delas. A Inspeção Escolar esteve presente
desde os primórdios da Legislação Educacional brasileira e é sobre esta temática que
versa a presente pesquisa. Deste modo, buscou-se responder a seguinte questão: Como
foi representada a inspeção da instrução pública na província do Rio Grande do Norte?
Conforme Chartier (2002), a representação compreende a percepção do social
através das continuidades e cristalizações presentes no âmbito da sociedade. Para
pesquisar uma representação, faz-se necessário entender que os discursos produzidos pela
sociedade, em um determinado período, revelam em suas nuances as estratégias e as
práticas que legitimam ou justificam as relações sociais nela estabelecidas. Thompson
(1987) entende a Legislação como um reflexo das relações de poder existente na
sociedade, o que levou a uma reflexão sobre a noção de Poder Disciplinar empreendida
por Michel Foucault (2012).
Chartier destaca a importância de um conjunto documental, composto por
distintos tipos de fontes, para que se possa construir uma representação do real. Com o
objetivo de apresentar uma representação da inspeção escolar na província do Rio Grande
do Norte, nos moldes propostos por Chartier, as fontes utilizadas para a realização desta
pesquisa foram: a Legislação Educacional da Província do Rio Grande do Norte; as
Mensagens do Presidente da Província; e a Fala dos Diretores da Instrução Pública.
Deste modo, abordar-se-á o ínício da legislação educacional no Brasil, a inserção
da inspeção no sistema de ensino e a promulgação do Ato Adicional em 1834, que
conferiu às províncias o direito de legislar e administrar a educação nelas ofertada. Por
conseguinte, realizar-se-á uma análise da inspeção, a partir da legislação elaborada pela
província do Rio Grande do Norte, em contraponto com os depoimentos dos Presidentes
da Província e dos Diretores da Instrução Pública que informavam sobre os resultados
práticos dessas leis. Destacando ainda a influência exercida pela Côrte nas terras
autoritária e eficiente para afastar o homem natural do homem civil que este mesmo Estado deseja governar.
De maneira que a inspeção do cumprimento da legislação educacional é fato inerente a este contexto.
Embora o Estado Leviatã jamais tenha existido na prática, ele evidencia a percepção que o Estado Moderno
português e, posteriormente, brasileiro tinha de si mesmo. Sendo mister elucidar que a capacidade de
legislar deste Estado torna-se evidente no âmbito educacional, apesar das muitas falhas no cumprimento
prático destas leis.
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potiguares. Por fim, será apresentada uma representação da inspeção nas considerações
finais.
A INSPEÇÃO DO ENSINO NA PROVÍNCIA DO RIO GRANDE DO NORTE
As representações sociais são determinadas pelos interesses dos grupos que as
constroem, a partir de um processo histórico-cultural. A produção dos discursos
relaciona-se diretamente com o pensamento de uma determinada época e de uma
determinada classe social. Chartier esclarece que “Dessas competências e usos culturais,
os próprios textos políticos ou administrativos fornecem uma representação, por vezes
explicita, na maioria dos casos implícita” (CHARTIER, 2002, p. 223-224).
Assim, ao empreender uma análise dos discursos contidos na legislação e nos
documentos oficiais do Governo Provincial, partiu-se da premissa de que esses discursos
pressupõe uma finalidade social, uma leitura e, por conseguinte, um resultado nas práticas
sociais vivenciadas ou apenas idealizadas. Busca-se evidenciar o modo como esses
discursos foram apropriados pela sociedade e refletiu sobre ela.
A produção legislativa das províncias, no tocante a instrução pública, atua na
elaboração das representações e revela as estratégias de poder dos Governos Provinciais.
Para Thompson “A lei é por definição, talvez de modo mais claro do que qualquer outro
artefato cultural ou institucional, uma parcela de ‘superestrutura’ que se adapta por si às
necessidades de uma infraestrutura de forças produtivas e relações de produção”
(THOMPSON, 1987, p. 349). A legislação se consolida, segundo o autor, como um
importante instrumento da classe dominante, nela encontra-se inclusive as pretensões
com relação à constituição da própria sociedade, como por exemplo, a necessidade de
regulamentação da instrução pública. É por meio da legislação e das normas que se institui
o poder disciplinar.
De acordo com o pensamento de Foucault (2012), o poder disciplinar se acha
incutido no seio da sociedade, já que se trata de uma tática ou uma técnica que é exercida
pelas relações de força e se torna parte integrante da cultura social. O poder disciplinar se
relaciona com a sociedade, no sentido de produzir um corpo social que seja “dócil e útil”
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para o Estado. Para o filósofo, “Esses métodos que permitem o controle minucioso das
operações do corpo, que realizam a sujeição constante de suas forças e lhes impõem uma
relação de docilidade-utilidade, são o que podemos chamar as ‘disciplinas’”
(FOUCAULT, 2012, p. 133).
A necessidade de disciplinar vai se manifestar na inspeção das práticas escolares
durante o período imperial, a fim de gerar uma convivência nos moldes da civilização
europeia. De modo que, na instrução pública do império, a inserção da inspeção foi uma
ação do Estado para disciplinar o ensino.
O dia 7 de setembro de 1822 marca o início do período imperial brasileiro3, data
que se comemora a independência do país com relação ao domínio exercido por Portugal,
desde 1500. A partir de então, inicia-se o processo de regulamentação da recém-nascida
nação, com a conturbada Constituição de 1824.
Neste momento, percebeu-se que a elite nacional não estava devidamente
preparada para atuar nas decisões do Estado e no preenchimento dos cargos públicos,
levando-se em conta que “[...] não só a burocracia do estado nascente carecia de
profissionais sistematicamente formados. Também necessitava deles a produção de bens
simbólicos para consumo das classes dominantes” (CUNHA, 1980, p. 63). Nesse
contexto, insere-se no âmbito da administração estatal a preocupação com a instrução dos
súditos, o que levou a promulgação da Lei de 15 de outubro de 1827, como consequência
desta nasceria4, enquanto política pública, o serviço educacional do Brasil. Até ser
aprovada, a Lei gerou uma intensa discussão na Assembleia Geral Legislativa.
O artigo primeiro, da referida Lei, determina que: “Em todas as cidades, villas e
logares mais populosos, haverão as escolas de primeiras letras que forem necessarias”
(BRASIL, 1827). Esta determinação propõe a nacionalização do ensino e atenta para
necessidade de formação, principalmente, da elite que governava as províncias. Para Mª
Inês S. Stamatto, a relevância desta norma não reside apenas no fato de ter sido a primeira
3 Embora o processo perdure até 1825. 4 A primeira Lei educacional do Brasil foi a Lei de 11 de agosto de 1827, que instituiu os cursos de Direito
em Recife e em São Paulo. No entanto, como esta pesquisa trata da inspeção na província do Rio Grande
do Norte, que não possuía ensino superior no período imperial, considera-se a Lei de 15 de outubro.
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e única Lei Geral da educação básica do período imperial, “mas, sobretudo, por ter se
tornado a matriz jurídica para as demais regulamentações da instrução elementar e da
carreira do professor até 1854” (2011, p. 134). A Lei de 15 de outubro será considerada
pela autora como um protótipo para as leis provinciais.
É relevante apontar que a inspeção escolar foi abordada pela primeira vez na
Legislação Nacional a partir da Lei de 1º de outubro de 1828. A inspeção do ensino foi
inicialmente de responsabilidade das Câmaras Municipais, no Artigo 70: “Terão
inspecção sobre as escolas de primeiras letras, e educação [...]” (BRASIL, 1828). Deste
modo, inaugurou-se a inspeção escolar no Brasil.
A primeira Constituição do Brasil, homologada no ano de 1824, durante toda a
sua vigência teve apenas uma emenda, esta ficou conhecida como Ato Adicional de 1834.
Foi aprovada pela Lei nº. 16 de 12 de agosto do referido ano5. O conteúdo dos seus 32
artigos propunha uma série de mudanças significativas, entre as quais, a extinção dos
Conselhos Gerais das províncias e à criação, em seu lugar, das Assembleias Legislativas
Provinciais. Estas Assembleias foram dotadas de plenos poderes para legislar sobre
economia, justiça, educação, entre outros, no âmbito de suas jurisdições.
O Ato Adicional de 1834 determinou que a regulamentação e a administração da
instrução pública, primária e secundária, seriam da competência das províncias.
Observou-se ainda que “[...] algumas províncias passaram a reunir as aulas avulsas em
escolas de currículos seriados. Começaram a surgir os Liceus provinciais [...]” (CUNHA,
1990, p. 113). De fato, a primeira Lei educacional redigida na província do Rio Grande
do Norte, a Resolução nº 5 - de 17 de fevereiro de 1835, refere-se à união dos Lentes no
Atheneu, localizado na cidade de Natal.
A Resolução que foi assinada pelo Presidente da Província Basílio Quaresma
Torreão, em 30 de março de 1835, aprovou os estatutos do Ateneu da capital potiguar.
No estatuto que normatiza a escola, destaca-se o Artigo 3º, quando este determina: “O
5 Apenas por caráter informativo, é relevante destacar que o Ato Adicional de 1834, ocorreu no chamado
Período Regencial do Brasil, que estendeu-se do ano de 1831 ao ano de 1840, quando houve o Golpe da
Maioridade, que levou o ainda adolescente D. Pedro II ao poder. Esse período foi caracterizado pela
instabilidade política, devido as muitas revoltas.
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Diretor que será sempre o Presidente da Província fiscalizará o Atheneu, provendo-o do
necessário, e vigiando que os Lentes cumpram seus deveres; presidirá a Congregação, e
passará atestado de frequência ao Vice-Diretor” (RIO GRANDE DO NORTE, 1835) Vê-
se no artigo que o próprio Presidente da Província seria o responsável pela direção do
colégio, como também seria o responsável pela “fiscalização e vigilância” dos Lentes,
esses termos chamam a atenção por inserir mecanismos de controle no exercício da
instrução pública, simbolizando assim a inserção do que Foucault denominou de Poder
Disciplinar.
Pouco depois, na Legislação da Província, foi observado o surgimento da inspeção
escolar. A inspeção foi o meio encontrado pelo Estado, no período em questão, para
fiscalizar o ensino e acompanhar o funcionamento das escolas, a fim de garantir que a
atividade dos professores estivesse em conformidade com as recomendações da
legislação provincial.
A primeira regulamentação que instituiu, especificamente, a inspeção na instrução
pública do Rio Grande do Norte foi a Resolução nº 27 – de 5 de novembro de 1836, que
aprovou os Estatutos para as aulas de Primeiras Letras da Província. A anterior referia-se
apenas ao Ateneu, esta inspeção era feita pelo próprio Presidente da Província, ainda não
havia uma pessoa específica para fiscalizar, o que vai acontecer com o Regulamento de
1836. Embora ainda fique o Presidente da Província responsável pela fiscalização das
escolas da capital. Sobre a inspeção do ensino, a Resolução dispunha:
Art. 11 – O Presidente da Província fiscalizará as aulas da Capital, e as
outras serão fiscalizadas por Delegados nomeados pelo mesmo
Presidente, sob proposta em lista tríplice das Câmaras Municipais
respectivas, observando, entretanto, estas, se os mencionados
Delegados cumprem pontualmente a comissão, que foram
encarregados, devendo no caso de negativa, participarem ao Presidente
para os demitir, e mandar proceder a nova proposta, se julgar atendíveis
as participações.
Art. 12 – Aos Delegados compete:
§1º. Remeter ao Presidente da Província os mapas dos alunos na forma
do §3 do Art. 7º. (Cabe aos Professores – Art. 7º §3º. Dar aos delegados,
nos meses de janeiro, abril, julho, e outubro, o mapa dos alunos, no qual
farão menção da entrada, capacidade, frequência, progressos, e conduta
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de cada um, sob pena de perda do ordenado correspondente a oito dias,
havendo recibo do Delegado, para sua ressalva. Este será responsável
pela remessa dos mapas ao Presidente da Província em cada um dos
meses acima ditos.)
§2º. Da Parte das prevaricações, e negligências dos Professores e
Professoras, e também das infrações destes estatutos, corrigindo em
bons termos pela primeira e segunda vez ao prevaricador, e pela terceira
participando imediatamente ao Presidente da Província, que o demitirá
julgando atendível a representação do Delegado, e depois de ouvida a
Câmara Municipal respectiva, que poderá passar, e o Delegado será
obrigado imediatamente a dar parte ao Presidente da Província para este
providenciar a respeito os motivos por ele delegados. (RIO GRANDE
DO NORTE, 1936)
Fica clara a intenção da inspeção para a administração da instrução provinciana,
sendo estes delegados responsáveis por informar o andamento e a abrangência da
instrução através dos mapas dos alunos, que informavam a quantidade de alunos e as
respectivas capacidades ou nível de instrução. No tocante aos Professores, cabia ao
delegado adverti-los quando estes cometessem faltas, como também informar ao
Presidente da Província, a fim de que tomasse as atitudes necessárias para a correção do
profissional, ou realizasse a sua demissão. Na teoria, esta parece ser uma fiscalização
rígida do ensino, no entanto, devido às dificuldades geográficas e a precariedade dos
transportes, associada ao fato do Delegado não ser um funcionário público remunerado,
a fiscalização neste período não foi eficaz. Conforme se pode constatar no Discurso do
Governo Provincial de 1838:
He do rigoroso dever dos Professores, e professoras dar de trez em trez
mezes aos Delegados das Aulas, para estes remeterem ao Governo os
Mappas de seos Alunnos; mas apesar d’isso alguns Professores ou os
respectivos Delegados deixarão de cumprir esse dever no ultimo
trimestre d’abril á julho, e por esse motivo não pode o Governo
apresentar-vos no referido Mappa o número d’alunnos de primeiras
lettras, que aprendem nas vinte e seis Escolas providas. (DISCURSO,
1838)
É possível perceber neste primeiro momento que a inspeção não correspondeu as
expectativas da administração pública. O caos vivenciado pela instrução pública da
província foi justificado pela fiscalização falha e pelo pouco zelo dos professores no
desempenho de suas funções.
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Mediante a situação da instrução na província do Rio Grande do Norte, a qual é
exposta com indignação nas Mensagens do Governo Provincial, a administração pública
buscou por meio da criação do cargo de Diretor da Instrução, através da Lei nº 135 – de
7 de novembro de 1845, melhorar o ensino ofertado até então. Segundo a Lei o Diretor
ficaria encarregado de inspecionar todas as aulas ofertadas pelos cofres provinciais e além
dele, continuam a existir os Delegados, ainda não remunerados, na quantidade que o
Presidente da Província determinasse, a partir da sua percepção da necessidade posta.
Conforme esclarece o Art. 2º, o Diretor deveria ser nomeado pelo Presidente da Província,
já os Delegados seriam nomeados pelo Diretor e não poderiam ter vínculo empregatício
com a Instrução Pública e ainda não eram remunerados para exercer tal atividade. Os
Delegados permaneceriam no cargo enquanto bem servissem aos propósitos do Governo
Provincial. Sobre esta Lei, encontra-se nas Mensagens do Presidente da Província à
Assembleia:
Direcção illustrada e inspecção severa sobre as escolas
constituem na ordem lógica a segunda necessidade de todo o ensino
publico. Sem ellas nem os Professores fracos terão necessidade de
habilitar-se para o ensino, nem haverá zelo nos mais habilitados, e toda
a refórma, todo o melhoramento se tornará impossível, assim como
frustrada e iludida a execução dos melhores Regulamentos.
Conheço, Senhores, a dificuldade da inspecção qualquer que seja
o systema que se adopte, e que pouco deve esperar infelizmente em
nosso Paiz toda a instituição, cujos resultados dependem do zelo;
todavia é necessário tentar o que se puder fazer.
A direcção e inspecção criadas pela Lei Provincial n. 135 de 7 de
Novembro de 1945 tiverão por fim satisfazer a este pensamento; porém
ele não foi ainda desenvolvido como era de mister: cumpre dar à direção
e a inspecção das escolas a necessária influência, arma-las das
faculdades precisas para manter o regimen das escolas, e corregir os
Professores ou despedir os incorregiveis, com aprovação da
Presidencia. Parece que estas atribuições não podiam ser dadas em um
Regulamento, e ele não apareceu como pedia a Lei citada.
(MENSAGENS DO PRESIDENTE DA PROVÍNCIA À
ASSEMBLÉIA, 1847)
Na Mensagem é evidente a desilusão do Presidente da Província ante a falta de
avanços obtidos pela Instrução Pública, mesmo com a implantação da Direção e de uma
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“inspeção severa”. É destacada a dificuldade de inspecionar o ensino, justificando que se
tentou fazer o que pode, embora os resultados esperados não tenham sido obtidos. Poucos
anos mais tarde, pela Resolução nº 253 – de 27 de março de 1852, é criado o cargo de
Inspetor da Instrução Pública. No documento lê-se:
Art. 9º - Haverá na Capital um Inspetor da Instrução Pública nomeado
pelo Presidente da Província dentre os indivíduos que não forem
empregados no ensino público, e em cada cidade, vila ou povoação,
onde houver alguma Cadeira de Instrução, um delegado nomeado pelo
inspetor, podendo esta nomeação recair com preferência nos Pároco,
nos lugares onde eles residirem (RIO GRANDE DO NORTE, 1852).
A Lei ainda argumenta que os professores só poderiam receber seus ordenados se
apresentarem um atestado que demonstrasse a sua frequência e que deveria ser passado
pelo Delegado e rubricado pelo Inspetor, que só assinaria mediante a constatação da
presença do mapa geral dos alunos que iam à escola do referido professor. O Inspetor da
Instrução recebia uma gratificação, anualmente, no valor de cem mil réis.
Ao final de cada semestre, deveria o Inspetor apresentar ao Presidente da
Província um mapa geral de todas as aulas, este mapa deveria conter o número e o nome
de todos os alunos atendidos pelo sistema de ensino público e precisaria ser seguido pelas
observações que o Inspetor julgasse necessária para o melhoramento do ensino. Ainda
segundo a Lei de 1852, tanto os Delegados quanto o Inspetor deveriam velar pelo bom
desempenho dos professores, punindo as suas faltas e informando-as ao Presidente da
Província. O Inspetor deveria indicar professores substitutos, no caso de vacância
temporária da Cadeira, os Delegados também poderiam fazê-lo com o consentimento do
Inspetor.
A ação do Inspetor não era delimitada apenas à esfera do ensino público, ele seria
responsável pela concessão de licenças para o funcionamento das escolas particulares,
para tanto, receberia as devidas informações do Delegado da região em que se pretendia
criar ou manter a escola.
Contudo, todos os esforços empreendidos em prol de uma inspeção eficiente do
ensino, mais uma vez, não obtiveram os resultados esperados, em mensagem, o Presidente
da Província Dr. Antônio Francisco Pereira de Carvalho lastimava o fechamento do Atheneu,
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que era o único empreendimento potiguar de ensino secundário, e atribuía o fracasso da
instrução pública aos baixos salários pagos aos professores. O que resultava no
desinteresse de aprimoramento dos professores e na falta de zelo para com as atividades
desempenhadas. Nas palavras do Dr. Antônio Carvalho “[...] como porem não seja por
ora exequível a idéa de aumento de ordenado aos professores, os planos os mais bem
combinados, os projetos os mais bem elaborados naufragarão na pratica, e ficarão
reduzidos á símplices, ou letras mortas [...]” (Falla dirigida á Assembléa Legislativa
Provincial do Rio Grande do Norte, 1853).
A situação do ensino no restante do país não diferia muito da vivenciada pela
província do Rio Grande do Norte. No ano de 1850, no seu relatório anual, o Ministro do
Império Visconde de Mont’Alegre6, abordava a situação lamentável da Educação Geral
no Império. Sobre as dificuldades:
[...] as quais principalmente consistem na deficiência de pessoal
habilitado para este gênero de instrução; mesquinha remuneração e
nenhum futuro dos Professores; na falta de edifícios apropriados para o
ensino, e na falta de inspeção nas escolas das Freguesias mais distantes.
(BRASIL, 1851, p.5)
As considerações do Ministro fomentaram a elaboração de uma série de medidas
que tiveram como resultante a criação e da Inspetoria Geral de Instrução Primária e
Secundária do Município da Corte e a Primeira Reforma da Educação do Império em
1854. O Decreto nº 1331 A, de 17 de fevereiro de 1854, tinha como objetivo atender as
necessidades da Instrução Pública primária, propondo então soluções para as
especificidades do ensino brasileiro, porém, com orientação advinda dos países tidos
como civilizados, conforme explicitou seu organizador, o Ministro Luis Pedreira do
Couto Ferraz.
Para Ferraz, a execução de uma Inspeção “forte e sistemática” ajudaria
consideravelmente na resolução de boa parte dos problemas apresentados. Em 1855, o
Inspetor e Conselheiro Euzébio de Queiroz fez a diferença no tocante à inspeção, sua
atuação se fez sentir na organização do Relatório; no aprofundamento das questões; na
6 José da Costa Carvalho
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modificação dos cargos; nas nomeações e na exigência de um orçamento no mínimo
adequado (BRASIL, 1856).
Segundo afirmou José Ricardo Pires de Almeida7 “O nome do Ministro e
Visconde de Bom Retiro8 deve, com justiça, ser posto em primeiro lugar nessas páginas
como aquele homem verdadeiramente devotado à pátria. A instrução pública, com efeito,
e por consequência à civilização do Brasil muito lhe devem” (ALMEIDA, 2000, p. 99).
Na fala do autor é evidente a relevância da atuação do Ministro e da reforma proposta por
ele no período em questão. De fato, esta reforma influenciou diretamente no
desenvolvimento da instrução brasileira.
A notícia dos avanços obtidos na Corte do Rio de Janeiro, no que tange a Instrução
Pública após a Reforma que ficou conhecida como Reforma Couto Ferraz, espalhou-se
pelas províncias, que também ansiariam pelo desenvolvimento da Instrução Pública.
Outro ponto que é válido destacar diz respeito à organização da Inspetoria Geral e à
atuação de Euzébio de Queiroz à frente das escolas da Corte, o que incentivou o
investimento na fiscalização escolar nas províncias.
A partir deste momento, a Inspeção adquiriu um novo caráter, de acordo com
Stamatto “Até então, o controle da profissão era moral e ideológico, feito a partir da
conduta da vida particular do mestre, dos livros empregados, da observância às práticas
religiosas vigentes. A partir de agora, o controle seria exercido também sobre suas
práticas profissionais” (2011, p. 137). A Lei nº 430, de 13 de setembro de 1858,
comprovou esta afirmativa. Por essa Lei, a província foi dividida em cinco Distritos
Literários, para melhor organizar a fiscalização das escolas. Além dos Delegados, então
responsáveis pela inspeção, foi implantado também o cargo de Visitadores9, indicados
pelo Presidente da Província10.
7 José Ricardo Pires de Almeida (1843 – 1913) foi um entusiasta das reformas educacionais pretendidas
por meio da Legislação Imperial, versou sobre a evolução do ensino primário em sua obra História da
Instrução Pública no Brasil (1500 - 1889). 8 Luís Pedreira do Couto Ferraz. 9 O cargo de Inspetor, exposto na Legislação anterior, é substituído pelo de Visitador. 10 Os Agentes Visitadores eram indicados pelo Presidente da Província, diferentemente dos Delegados
que eram indicados pelo Diretor da Instrução Pública.
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Estes Visitadores teriam a obrigação de percorrer cada um dos Distritos Literários
e de, segundo o Art. 74 que versa sobre suas atribuições - no §2º, “Informar
circunstanciadamente acerca do modo que os professores desempenham suas funções,
não só no que se respeita à disciplina e método de ensino, mas também ao aproveitamento
dos alunos e moralidade dos mesmos professores.” (RIO GRANDE DO NORTE, 1858).
Além do mais, diferentemente dos Delegados, que possuíam um cargo apenas honorífico,
os Visitadores poderiam receber gratificações, desde que não excedam o valor de
200$000 réis anuais por Distrito e ainda contariam com uma ajuda de custo para cobrir
as despesas das prováveis viagens. Aos Visitadores ainda era atribuída à fiscalização dos
próprios Delegados. Sobre o desenvolvimento da Instrução potiguar, o presidente da
Província Antônio Marcelino Nunes Gonçalves, no Relatório de 1858, afirmou:
Sendo da mais palpitante conveniência que a Administração
tenha minucioso conhecimento da maneira por que é dissiminada a
instrucção, assim pública como particular, no interior da Provincia, e
confiando muito na proficuidade da instituição dos Agentes
Visitadores, creados pela Lei de 13 de setembro e respectivo
Regulamento, nomeei para o desempenho de tão importantes
commissões em todos os Districtos Litterarios indivíduos que me
pareceram com as precisas habilitações e idoneidade. Para o Districto
Litterario da Comarca de São José foi designado o Promotor Publico da
mesma Comarca Bacharel José Alexandre de Amorim Garcia, para a
Comarca da Maioridade tambem o Promotor Publico Bacharel Miguel
Joaquim de Almeida Castro, para a Comarca do Seridó o Juiz Municipal
Bacharel Antonio d’Alcoria, para o da Comarca do Assú o Bacharel
José Maria de Albuquerque Mello, e para o da Capital resolvi aproveitar
a ilustração e o zelo do próprio Director Geral da Instrucção Pública
Bacharel José Moreira Brandão Castello-Branco.
Não me lisongeio de deixar a Instrucção Pública em estado já
satisfactorio. Acompanha-me, porém, a convicção de que não poupei
esforço algum para eleva-la ao gráo de prosperidade que é para desejar.
Do complexo de medidas que adoptei para tira-la do abatimento e do
descredito em que se achava, experimentam-se já proveitosos
resultados, e outro ainda mais apreciáveis espero que tenham de seguir-
se no futuro. (RELATÓRIO, 1858)
De acordo com o Relatório do Presidente da Província, os avanços obtidos na
Instrução potiguar deviam-se, em grade medida, à atuação dos Agentes Visitadores.
Conforme visto no texto, todos os Agentes eram Bacharéis e atuavam como Juízes ou
Promotores nos Distritos Literários que lhes eram atribuídos.
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Contudo, em 1862, a Lei nº 530 – de 28 de abril não fez referência aos Visitadores,
mas, novamente aos Inspetores e aos Delegados, conforme disposto no Artigo 14 – “A
inspeção das escolas e dos diversos estabelecimentos de instrução da Província será feito
pelo Diretor, por Inspetores municipais em cada termo ou município e por delegados
destes em cada localidade, onde houver uma ou mais escolas” (RIO GRANDE DO
NORTE, 1862).
Já no Regulamento nº 21 – de 9 de dezembro de 1865, os Inspetores também foram
suprimidos, restando apenas os Delegados. O Regulamento ainda deixa claro, no Artigo
7º, que “O lugar do Delegado da Instrução Pública é simplesmente honorífico, e sem
vencimento algum. Para ele serão preferidos os bacharéis formados, os sacerdotes e
pessoas mais inteligentes e moralizadas do lugar” (RIO GRANDE DO NORTE, 1965).
Deste modo, falta de remuneração dos Delegados pode ter comprometido o trabalho de
Inspeção nas escolas da província. É importante também destacar o fato de que a inspeção
estava a cargo das pessoas mais capacitadas de cada localidade.
Em 1867, o Presidente da Província, Gustavo Adolfo de Sá, alude que “Parece-
me hoje deficiente, em face do estado progressivo da civilização da província, o
regulamento da instrucção publica actualmente em vigor” (FALLA, 1867). Para ele,
apenas o aumento da instrução, especialmente a primária, seria capaz de desenvolver a
civilização e o progresso no Rio Grande do Norte, após ter admitido as falhas da
Legislação vigente. Na fala do Diretor Interino da Instrução Pública, Aleixo Barbosa da
Fonseca Tinoco, foram ressaltados os problemas da instrução pública da província e da
inspeção escolar, segundo ele:
É bem pouco lisonjeiro o estado da instrucção primaria nesta província.
A pouca aptidão da maior parte dos professores, a negligencia de muitos
no cumprimento dos seus deveres, a falta de uma inspeção regular e
severa, a incuria de alguns pais, e a mingoa de recursos de muitos são
em minha opinião as causas que determinão esse estado lamentável em
que por nossa infelicidade jaz todo o centro da província, e até esta
capital em seus subúrbios. [...] A inspecção das aulas publicas e
particulares da província é exercida por um director geral e por
delegados. A maior parte dos delegados pouco se dedicão ao
cumprimento de suas obrigações, e dahi o desleixo e negligência de
alguns professores. Essa falta de dedicação dos delegados provém
talvez de não serem eles estipendiados. É este um mal que não póde
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totalmente remover, por isso que a província não pode pagar tantos
delegados. Poder-se-ia porém obter algum melhoramento nomeando-se
em cada comarca um inspector de aulas, ou arbitrando-o uma
gratificação de trezentos mil réis. [...] A creação dos inspectores não
deverá impedir a continuação dos delegados com os quaes poderão
aquelles corresponder-se. Aleixo Barbosa da Fonseca Tinoco Director
Interino da Instrução Pública. (RELATÓRIO 1867)
Na opinião do Diretor, o desleixo dos professores foi decorrente da inspeção
deficiente que ocorreu nas escolas, principalmente, pela incapacidade da província de
prover o pagamento dos Delegados em exercício. Para a melhoria do sistema de ensino,
Aleixo Tinoco sugeriu a criação do cargo de Inspetor de Comarca, gratificado, sendo
atendido em sua solicitação através do Regulamento nº 24, de 19 de abril de 1869, que
resolveu:
TÍTULO I
Da Direção e Inspeção do Ensino
CAPÍTULO ÚNICO
Art. 1º - A inspeção dos estabelecimentos públicos e particulares de
instrução primária e secundária desta província será exercida:
§1º - Pelo Presidente da Província.
§2º - Pelo Diretor Geral da Instrução Pública.
§3º - Pelos Inspetores de Comarca.
§4º - Pelos Visitadores Paroquiais. (RIO GRANDE DO NORTE.
Regulamento nº 24 – de 19 de abril de 1869)
No documento é marcante a hierarquização da Inspeção do Ensino, onde os
Visitadores Paroquiais se reportavam aos Inspetores de Comarca, que por sua vez
prestavam contas ao Diretor Geral da Instrução Pública que era o responsável por
informar ao Presidente da Província os dados relativos à instrução ofertada pelo Estado.
Pode-se destacar o desaparecimento dos Delegados em detrimento da implantação do
Inspetor da Comarca, desta vez, gratificado.
Nesse cenário, os Inspetores de Comarca que eram os Promotores Públicos, com
gratificação de 300$000 réis pela atividade extra, deveriam visitar pelo menos duas vezes
ao ano todas as escolas particulares e públicas que existiam sob sua jurisprudência. Nas
referidas visitas, os Inspetores de Comarca deveriam observar os professores, se eles
procediam com “inteligência, zelo, moralidade e prudência na educação civil e religiosa
da mocidade” (RIO GRANDE DO NORTE. Regulamento nº 24 – de 19 de abril de 1869).
Bem como se o local onde existia a escola era apropriado e se era bem localizado, se o
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número de alunos condiz com o número de escolas e as proporções que estas eram
frequentadas, inclusive com relação à população e ao aproveitamento dos alunos,
métodos de ensino, dentre outros aspectos.
Depois de realizadas as visitas, o Inspetor deveria apresentar um relatório
“minucioso”, contendo todas as informações que foram observadas. Ainda eram da
competência do Inspetor de Comarca: elaborar um orçamento que abordasse as
necessidades e despesas de cada escola; informar o número de escolas existentes;
inventariar os bens de cada escola; nomear os Visitadores Paroquiais e avisar sobre os
resultados obtidos por estes; punir e repreender os professores que não cumpriam as suas
obrigações e dar parte deles ao Diretor da Instrução Pública imediatamente; Empossar os
professores públicos e passar atestados para que estes pudessem receber os devidos
vencimentos. Pode-se observar que com a gratificação oferecida aos Inspetores de
Comarca, suas atribuições tornaram-se mais complexas.
A seção terceira do Regulamento nº 24, trata da inserção dos Visitadores
Paroquiais, não remunerados, geralmente eram representados pelo padre responsável pela
paróquia. De modo que, cabia aos Visitadores Paroquiais: visitar todas as escolas de sua
paroquia mensalmente e informar ao Inspetor da Comarca; Avisar o Inspetor da Comarca
sobre as participações, reclamações e requerimentos dos professores; notificar o Inspetor,
para este comunicasse ao Presidente da Província sobre qualquer impedimento dos
professores; penalizar os professores em caso de infração (comunicando ainda ao Inspetor
da Comarca); e compor a comissão de exames anuais dos alunos.
É relevante destacar que as atribuições dos agentes da fiscalização tornaram-se
mais complexas, o que reflete a busca pela melhoria do ensino através da Inspeção, para
que assim o Governo da Província pudesse ter subsídios para melhor intervir no ensino.
No Relatório de 17 de fevereiro de 1870, o Presidente da Província Cavalcante de
Albuquerque, afirmou ter colocado ao lado do professor público:
[...] o visitador parochial, pondo a tarefa de immediata fiscalização á
cargo do parochiano, que mais interesse deve ter na profundidade do
ensino, podendo também ser mais de perto testemunha do modo por que
é ele transmitido. Além dessa inspecção, parece-me conveniente a de
um funccionário estipendiado, e que, estranho aos pequenos interesses
da parochia, reunisse maior somma de aptidão e de atribuições. São
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esses os inspectores de comarca, cujo cargo annexei aos promotores
públicos, no intuído de conseguir mais sevéra fiscalização, attrahindo
ao mesmo tempo para esses últimos lugares bachareis formados.
(RELATÓRIO, 17 de fevereiro de 1870)
Todas estas iniciativas foram propostas em prol do desenvolvimento do ensino na
província, entretanto, algumas dificuldades para realização da inspeção, nos moldes do
Regulamento de 1869, foram expostas posteriormente na fala do Diretor da Instrução
Pública Jeronymo Cabral Rapozo da Câmara. Em seu relatório, o Diretor declara que:
“Acoroçonva-me a esperança, de que as informações, que poderia colher, visitando-as;
me seriam ministradas pelos Inspectores de Comarca nos relatórios, á que pelo § 1 do art.
5 do citado Regulamento são obrigados” (RELATÓRIO, 1870). O Diretor acrescentou
que mesmo tendo empregado os meios que estavam à sua disposição para cobrar dos
Inspetores os mencionados relatórios, teve como resultado o “silencio de uns, e promessas
não realisadas d’outros” (RELATÓRIO, 1870). Sobre a inspeção, o Diretor Geral
Jeronymo Câmara ainda acrescenta:
Ha 6, como se vê do quadro sob n. 7. Acham-se em exercicio 5, faltando
somente o de Mossoró, que ainda não foi nomeado. Não encontro
utilidade na conservação dessas identidades literárias. Estou, porém,
que serviço proveitoso prestariam, se não tivessem á seu cargo outras
funções. O cumprimento de deveres, a que reclama a promotoria á que
esta annexo ao cargo de Inspector de comarca, os inhibe da visita ás
escolas, de que se não pode prescindir, e da qual resulta
necessariamente o conhecimento de suas necessidades. Para isso mui
poderosamente influe a disseminação das escolas collocadas á grandes
distâncias da residencia dos referidos Inspectores, que por essa causa
não podem desempenhar umas funções sem prejuizo de outras. E’
justamente por essas considerações, que não hesito em pronunciar-me
contra sua conservação, que no entretanto seria de grandes vantagens,
se não fossem os inconvenientes indicados. (RELATÓRIO 1870)
Destarte, segundo a percepção da época é evidente que, em grande medida, a
ineficiência da instrução pública se deveu à uma fiscalização ineficiente do ensino e ao
descaso dos Inspetores da Comarca, tendo em vista que os cargos exercidos por eles não
os permitiam desenvolver eficazmente a atividade de inspeção escolar. O Diretor
Jeronymo Câmara afirmou que a gratificação atribuída, para tal fim, se mostrou uma
despesa inútil para a província e que não via necessidade da manutenção deste, mediante
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aos insatisfatórios resultados obtidos, embora tenha reconhecido a grande utilidade da
inspeção do ensino.
Durante todo o século XIX, a instrução pública encontrou dificuldades na
província do Rio Grande do Norte, apesar do muito que se legislou e se discutiu nesse
sentido. Ao final do período imperial, o Presidente da Província, Dr. Satyro de Oliveira
Dias, forneceu algumas razões para a situação em que se encontrava a instrução pública,
segundo ele: “Entre outras causas attribuo esse mal ás habilitações deficientes da maioria
do professorado, á falta de conveniente fiscalização, á carencia absoluta de livros,
methodos de ensino, mobília e utensilios para as escolas” (RELATÒRIO, 1882). A fala
do presidente alertou, dentre outras necessidades, a urgência de uma inspeção
conveniente do ensino para o melhoramento da instrução pública. A importância da
inspeção, enquanto mecanismo de controle do Estado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS: A REPRESENTAÇÃO DA INSPEÇÃO DURANTE
O PERÍODO IMPERIAL
A legislação possuiu um importante papel na consolidação do sistema de ensino
brasileiro. Com a formalização da instrução pública, a partir da Lei de 15 de outubro de
1827, muitas foram as iniciativas voltadas para a consolidação e a disseminação do
ensino, nesta época, a fiscalização consolidou-se como uma das mais importantes. A
inspeção foi formalizada inicialmente pela Lei de 1º de outubro de 1828 e adquiriu novas
perspectivas com o Ato Adicional de 1834, que dava plenos direitos às províncias de
legislar sobre o que se refere a sua própria administração, incluindo-se a instrução pública.
Ao estudar a província do Rio Grande do Norte foi observado, tanto na Legislação
quanto nos depoimentos que se referiam a estas normas elaboradas pelos Presidentes da
Província e pelos Diretores da Instrução Pública, que a inspeção do ensino figurou
constantemente nos discursos como sendo um importante instrumento para o
desenvolvimento educacional.
Nesse contexto, a inspeção tinha como incumbência fiscalizar: os professores,
seus métodos de ensino e condutas; os alunos, sua quantidade, capacidade e
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desenvolvimento; os utensílios; a estrutura das escolas, dentre outros elementos, para
assim informar ao Presidente da Província do andamento das atividades. No entanto,
poucos foram os Agentes da inspeção que realmente cumpriram com as suas funções e
enviaram os seus relatórios.
Conforme foi exposto, a inspeção da instrução pública não conseguiu cumprir com
os objetivos propostos e, mesmo com todas as modificações, ainda manteve-se deficiente
devido mormente ao fato dos seus Agentes não serem remunerados ou de possuírem
outras atribuições no âmbito administrativo, o que desmotivava o profissional e
dificultava as visitas às escolas. Faz-se relevante perceber que o Agente da inspeção11
deveria ser primordialmente bacharel ou pessoa mais instruída da localidade, fazer parte
da elite intelectual da época era pré-requisito para exercer a função.
Por fim, a partir dos discursos analisados percebeu-se que a inspeção representou
na legislação provincial o controle do Estado sobre a instrução nele ofertada, mesmo com
as falhas expostas pelas falas dos seus representantes, todavia procurou exercer o poder
disciplinar na sociedade escolar da época. Sendo importante perceber que a ideia de
inspecionar o ensino foi incutida no imaginário social através da legislação, no período
seguinte a inspeção terá grande contribuição na consolidação da cultura escolar potiguar.
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2012.
11 Seja Delegado, Inspetor de Comarca, Visitador ou Visitador Paroquial.
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Paulo: Martin Claret, 2008.
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de Primeiras Letras da Província do Rio Grande do Norte. Pernambuco, Typographia de Santos
& Companhia, 1836. (Collecção de Leis Provinciaes do Rio Grande do Norte, 1835 – 1842)
20
RIO GRANDE DO NORTE. Lei nº 135 – de 7 de novembro de 1845: Regulamenta a função de
Diretor de Instrução Pública. Pernambuco: Typographia Santos & Companhia, 1845. T. 1, p. 41
– 42. (Colleção de Leis Provinciaes do Rio Grande do Norte, 1840 – 1842)
RIO GRANDE DO NORTE. Resolução nº 253 – de 27 de março de 1852: Extinguindo o
Atheneu da Capital, dando nova forma à Instrução Pública, e autorizando o Presidente da
Província a formular Estatutos para a mesma. Pernambuco: Typographia de M. e F. de Faria,
1853. T. 12, p. 25-29. (Collecção de Leis Provinciaes do Rio Grande do Norte, 1850-1859)
RIO GRANDE DO NORTE. Lei nº 430 – de 13 de setembro de 1858: Maranhão: Typographia
da Temperança, J. P. Ramos, 1859. p. 113 – 117. (Colleção de Leis Provinciaes do Rio Grande
do Norte, 1859)
RIO GRANDE DO NORTE. Lei nº 530 – de 28 de abril de 1862: Natal: Typographia do Dous
de Dezembro, 1862. P. 74 – 79. (Collecção de Leis Provinviaes do Rio Grande do Norte, 1862)
RIO GRANDE DO NORTE. Regulamento nº 21 – de 9 de dezembro de 1865: (Collecção de
Leis Provinciaes do Rio Grande do Norte, 1865)
RIO GRANDE DO NORTE. Regulamento nº 24 – de 19 de abril de 1869: Rio Grande do
Norte: Typographia Conservadora, 1869. 17 p. (Collecção de Leis Provinciaes do Rio Grande
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21
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