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DENISE RODRIGUES DE OLIVEIRA
A inserção do Patrimônio Heimtal na cidade de Londrina-PR pela
mobilidade de suas fronteiras rur-urbanas.
LONDRINA
2006
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DENISE RODRIGUES DE OLIVEIRA
A inserção do Patrimônio Heimtal na cidade de Londrina-PR pela
mobilidade de suas fronteiras rur-urbanas.
Monografia apresentada ao curso de Geografia, Habilitação Bacharelado, da Universidade Estadual de Londrina, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel. Orientadora: Profª. Ms. Rosely Maria de Lima.
LONDRINA
2006
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DENISE RODRIGUES DE OLIVEIRA
A inserção do Patrimônio Heimtal na cidade de Londrina-PR pela mobilidade de suas fronteiras
rur-urbanas.
COMISSÃO EXAMINADORA
_________________________ Profª. Ms. Rosely Maria de Lima
_________________________ Profª. Ms. Kumagae Kasukuo Stier
_________________________ Profª. Dra. Alice Yatiyo Asari
Londrina, 08 de dezembro de 2006.
4
DEDICATÓRIA
Aos meus pais, Ivanilde e Mauro, que, com sabedoria e simplicidade, me ensinaram a viver dignamente e lutar pelo que almejo.
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AGRADECIMENTOS
A Deus em primeiro lugar;
Aos meus pais, Ivanilde e Mauro, pela compreensão em todos esses
anos de graduação;
Ao meu noivo, Lucas, pela motivação e paciência durante toda a
realização deste trabalho;
A professora Rosely Maria de Lima, pela orientação, apoio e incentivo;
As professoras Alice Yatiyo Asari, Ruth Youko Tsukamoto, Kumagae
Kasukuo Stier e Rosely Maria de Lima, pela formação científica e
amizade em todos os momentos;
Ao grupo PET (Programa Especial de Treinamento), colegas e
professores, cuja participação foi primordial à minha formação
acadêmica.
As amigas Aline, Eveline e Janaína, pela amizade, confiança e
cumplicidade, essencial nesta jornada;
Aos amigos Mary Ellen, Renata, Cláudia e Arnaldo, pela amizade e
apoio, fundamental na permanência em “terra estranha” nos últimos
dois anos;
E a todos que colaboraram para a realização e finalização deste
trabalho.
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OLIVEIRA, Denise R. A inserção do Patrimônio Heimtal na cidade de Londrina-PR pela mobilidade de suas fronteiras rur-urbanas. 2006. 84p. Monografia (Bacharelado em Geografia) – Departamento de Geociências, Universidade Estadual de Londrina.
RESUMO O espaço urbano está em constante transformação, e um dos fatores responsáveis por isso é a expansão de seu território, ocorrida em diferentes velocidades nas cidades brasileiras. Esse crescimento urbano tem inúmeras conseqüências socioeconômicas, entre elas, a transformação territorial, pela mobilidade das fronteiras e a ocupação de solo agricultável. O objetivo desta pesquisa é analisar o processo de expansão da cidade de Londrina em direção ao Patrimônio Heimtal e suas conseqüências. O Patrimônio foi criado a 8km da cidade, com intuito capitalista, para comercializar os produtos agrícolas produzidos no local, a fim de oferecer infra-estrutura básica e fornecer insumos e bens de consumo para suprir as necessidades da população rural. Assim, estabeleceu-se uma relação cidade – campo. O Heimtal perde suas características iniciais no final do século XX, quando principia o processo de conurbação entre cidade – patrimônio. Buscou-se compreender, o processo de ocupação de Londrina e do Patrimônio Heimtal, planejados pela companhia colonizadora, fim de entender os processos de transformação e modernização pelos quais passaram ambos os locais até o presente momento, justamente por acreditar que são estes processos que os caracterizam atualmente. Para o Patrimônio Heimtal, a modernização do espaço ocorrido pela “aproximação” da cidade de Londrina, por um lado, foi positiva, no sentido de que melhorou a infra-estrutura para a população; por outro lado, o local perdeu sua especificidade de bairro rural, passando a ser visto simplesmente como periferia urbana, onde a qualidade de vida da população começa a diminuir pelo aumento da violência das grandes cidades. Palavras chaves: colonização, expansão urbana, transformação do território.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................................10
1. LONDRINA: CONSTRUÇÃO E EXPANSÃO........................................14 1.1. A expansão da zona norte de Londrina............................................27
1.2. As transformações espaciais do espaço (rur)urbano..........................35
2. A CRIAÇÃO DOS PATRIMÔNIOS PELA CTNP E A COLONIZAÇÃO DO HEIMTAL...................................................................................................43
2.1. O destino do Patrimônio Heimtal com a crise do café.........................52
3. A CONURBAÇÃO DO PATRIMÔNIO HEIMTAL E A CIDADE DE LONDRINA...............................................................................................56
3.1. Caracterização dos bairros do entorno do Heimtal.............................57
3.2. Caracterização do Patrimônio Heimtal................................................63
CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................72
REFERÊNCIAS...............................................................................................74
ANEXOS Anexo 01
O Heimtal em fotos ........................................................................................77
Anexo 02
Planta do Heimtal............................................................................................80
Anexo 03
Questionário....................................................................................................82
Anexo 04
Evolução da Escola Municipal Padre Anchieta................................................84
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LISTA DE QUADROS Quadro 01: Indicadores da modernização agrícola, no Estado do Paraná,
em 1970,1980 e 1985 .....................................................................................37
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 01: População urbana brasileira, de 1920 a 2000..............................24
Gráfico 02: Evolução demográfica do município de Londrina.........................25
Gráfico 03: Situação da casa dos Moradores dos Bairros Próximos ao
Heimtal............................................................................................................59
Gráfico 04: Tempo de residência dos habitantes do entorno do Heimtal em
anos................................................................................................................62
Gráfico 05: Renda Mensal Média dos Habitantes do Heimtal.........................65
Gráfico 06: Escolaridade dos Moradores do Heimtal......................................65
Gráfico 07: Situação da Casa dos Moradores do Heimtal .................................66
Gráfico 08: Tempo de Residência dos Moradores do Heimtal em Anos..........67
LISTA DE TABELAS
Tabela 01: Evolução demográfica do município de Londrina-PR - 1940 a
2000................................................................................................................24
Tabela 2: Evolução das principais formas de uso do solo na agropecuária
paranaense e sua participação sobre o total do estado entre 1970 e 1985.....38
Tabela 3: Principais produtos agrícolas do Município de Londrina..................39
Tabela 4: Mão-de-obra ocupada na produção agropecuária do município de
Londrina, por sexo e idade. 1980-1996............................................................39
Tabela 05: Renda Média dos Moradores dos Bairros Pesquisados.................58
Tabela 06: Escolaridade dos Moradores dos Bairros ao Redor do Heimtal.....61
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LISTA DE FIGURAS
Figura 01: Município de Londrina .........................................................................12
Figura 02: Bairros de Londrina..............................................................................13 Figura 03: Área das propriedades da CTNP ..................................................17
Figura 04: Localização de terra adquirida pela CTNP em meados da década
de 1920...........................................................................................................18
Figura 05: Modelo de estrutura agrária adotado pela CTNP............................18
Figura 06: Construção da ponte férrea sobre o rio Tibagi................................20
Figura 07: Primeiras infra-estruturas de Londrina............................................21
Figura 08: Planta de Londrina – 1930 e 1945..................................................21
Figura 09: Vazios urbanos em Londrina..........................................................31
Figura 10: Uso do solo de Londrina.................................................................32
Figura 11: Planta de Londrina – final de 1990.................................................34
Figura 12: Croqui de Londrina – 2006.............................................................46
Figura 13: Rua Benjamin Siebeneich, que separa o Heimtal do Jd. Leblon.....64
Figura 14: Av. Ludwig Ernest, avenida principal do Patrimônio Heimtal...........69
Figura 15: Vista a partir do Heimtal. Em segundo plano observa-se um
condomínio residencial.............................................................................................................70
Figura 16: Novos condomínios sendo construídos ao redor do Heimtal..............70
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INTRODUÇÃO
O presente trabalho busca analisar a dinamicidade da fronteira
urbana de Londrina – PR em sua porção norte, relacionando-a com a evolução
do Patrimônio Heimtal, visto que no final do século XX inicia-se o processo de
conurbação entre cidade e patrimônio. Logo, a área de pesquisa está
localizada na porção norte da cidade de Londrina, abrangendo o Patrimônio
Heimtal e os bairros de seu entorno (Figuras 1 e 2).
O tema do trabalho surgiu da curiosidade de conhecer mais
sobre o “pequeno bairro”, tão “velho” quanto à cidade de Londrina, tão próximo
à mesma e ao mesmo tempo tão distante. Próximo, territorialmente falando,
porque nos dias de hoje ambos “se uniram”, mas distantes porque o Patrimônio
nasceu e cresceu com características peculiares, dado seu processo de
colonização. Essas características foram se perdendo com o tempo, contudo
ainda são suficientes para diferenciar o local dos outros bairros da periferia da
cidade.
O Patrimônio Heimtal surge, não por acaso, em 1929, mesma
data do início de Londrina, distando 8 km do distrito sede, para suprir uma
necessidade do mundo capitalista – comercializar os produtos agrícolas
produzidos no local e oferecer uma infra-estrutura básica de oferta de bens de
consumo para abastecer a população rural, estabelecendo, assim, uma relação
cidade – campo.
Entretanto, com o passar dos anos, a realidade local muda,
como resultado da modernização ocorrida nos últimos tempos e, sobretudo, da
aproximação da cidade, trazendo conseqüências que transformaram a vida da
população ali residente. É por isso que, ao longo do trabalho procura-se
pontuar e analisar essas transformações, identificando seus prós e contras.
Para a realização do trabalho foi feito, inicialmente, pesquisa
bibliográfica acerca do processo histórico – evolutivo da cidade de Londrina e
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do Patrimônio Heimtal. Em seguida, foi aplicado questionário socioeconômico
com a população, a fim de conhecer melhor os habitantes da área de estudo.
O questionário foi pautado em duas importantes questões. A primeira diz
respeito à família: a composição familiar, escolaridade, renda média mensal da
família, emprego, a situação da casa, etc.; e a segunda refere-se as
características do bairro: a quanto tempo reside no local, como era quando
chegou, quais os progressos, etc. Essas questões fazem-se necessárias para
a análise e o entendimento da realidade do lugar.
Para a organização e estruturação do trabalho, buscou-se, no
primeiro capítulo, compreender o processo histórico de colonização da cidade
de Londrina, assim como, seu processo de expansão.
Num segundo momento, o capítulo dois apresenta o processo
histórico de colonização do Patrimônio Heimtal, marcado pela promessa da
Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP) aos imigrantes de ser uma
colônia alemã e da esperada prosperidade para todos, a qual não chegou a
ocorrer e que também não é percebida nem nos dias atuais.
Por fim, o terceiro capítulo traz uma análise da realidade atual
do Patrimônio Heimtal e dos bairros de seu entorno, mostrando as
transformações ocorridas no local utilizando-se de relatos da população ali
residente que conviveu com o ideário construído pela CTNP e hoje se depara
com a mais comum periferia urbana; com a pobreza e com a violência.
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A cidade de Londrina teve seu início no ano de 1929, quando
os integrantes da Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP), subsidiária
da empresa Paraná Plantations Ltd., de capital inglês, com sede em Londres,
abriram uma clareira na mata e instalaram sua sede para a venda de lotes,
transformando-se no seu maior centro comercial de compra e venda de terras.
A CTNP surgiu em 1925 e iniciou seus investimentos no Brasil
com a agricultura, produzindo algodão no interior de São Paulo, porém já
existia um interesse imobiliário nas terras do norte do Paraná.
Na década de 1920, o Estado do Paraná tem a necessidade de
garantir sua soberania sobre suas terras florestadas do interior, mas não
possui o capital nem infra-estrutura suficiente para tal tarefa. Por outro lado, a
Inglaterra enfrentava problemas econômicos pós-guerra, concorrência com
outros investimentos europeus e norte-americanos, além de movimentos de
libertação de suas colônias asiáticas e africanas (LIMA, 2001, p. 102; 109).
Essas questões levaram os ingleses a interessar-se pelo
mercado brasileiro, e dá-se início a “vinda de missões diplomáticas e
financeiras com o intuito de garantir o mercado brasileiro para as empresas de
capital inglês, além de serem as empresas detentoras dos títulos da dívida
pública brasileira” (MANCHESTER, apud LIMA, 2001, p. 109).
Assim, no final de 1923, chega ao Brasil a Missão Montagu,
composta por representantes do Governo e das grandes empresas inglesas,
dentre os quais estava Lord Lovat (assessor para assuntos de florestamento e
agricultura em áreas tropicais), que veio em busca de terras para o cultivo de
algodão, já que havia problemas no Sudão, onde investiam anteriormente. Em
pouco tempo – já em 1924 –, o grupo que investia no Sudão fundou a Brazil
Plantations Syndicate Ltd. para produzir algodão em propriedades no interior
de São Paulo (LIMA, 2001, p. 109 -110).
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Contudo, o interesse inglês em terras brasileiras mudou
rapidamente, de produção algodoeira à especulação imobiliária.
Apesar do sucesso da venda de terras, [...], o empreendimento não teve o desenvolvimento previsto, por problemas com a cultura do algodão, abandonada em 1928 sendo a Brazil Plantations incorporada, em 1937, pela Paraná Plantations. Já em 1925 deu-se o desmembramento das atividades do grupo, mantendo-se o cultivo do algodão na esfera da Brazil Plantations e, as novas atividades de colonização a cargo de uma nova empresa a Paraná Plantations Ltd., com sede em Londres, e sua subsidiária brasileira, a Companhia de Terras Norte do Paraná, com escritório central em São Paulo, tendo seus estatutos registrados em setembro de 1925. Desta forma, fica evidenciada a mudança de objetivos, que deixa de ser a produção de algodão e passa a ser a especulação imobiliária, pois havia necessidade de pagar o empréstimo feito para a implantação da Brazil Plantations (LIMA, 2001, p. 111). Assim é que, em 1925, da associação de interesses, econômicos e políticos, do Estado aos interesses da iniciativa privada – de capital inglês e capital paulista –, surgiu a CTNP, subsidiária da Paraná Plantations Ltd., objetivando reproduzir o capital com segurança e rapidez... (GARCIA, apud LIMA, 2001, p. 112).
Foi então, a partir de 1925 que a Companhia de Terras Norte
do Paraná começou a atuar no norte paranaense.
A partir de então, a CTNP começou a comprar terras no norte do Estado do Paraná, com objetivos claramente imobiliários. A perspectiva do negócio imobiliário parecia mais interessante que a produção de qualquer cultura, tanto que as fazendas [...] no interior de São Paulo para a produção de algodão foram praticamente abandonadas (BONI, 2004, p. 32).
Em dois anos (de 1925 a 1927), a CTNP comprou 515.000 alqueires paulistas de terras (cada alqueire paulista corresponde a 24.200 m2) para dar início ao seu projeto de colonização. Localizadas entre os rios Paranapanema, Tibagi e Ivaí, a maior parte dessas terras – cerca de 450.000 alqueires eram considerados terras devolutas (desocupadas e desabitadas) – foi adquirida diretamente do governo do Estado do Paraná, a preços relativamente baixos. O baixo valor das terras se justificava pelo interesse do governo em ocupar e desenvolver o Estado (BONI, 2004, p. 32).
Antes de adquirir as terras, a CTNP fez um reconhecimento da
região e só adquiriu as áreas de melhores condições de fertilidade e relevo.
As condições do relevo aliadas à altitude e ao clima
favoreceram essa Companhia, pois a oeste do rio Tibagi, o Terceiro Planalto
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Paranaense apresenta grandes extensões de relevo suavemente ondulado e
espigões que separam os vales de seus afluentes. A CTNP detém a posse da
terra roxa que recobre quase toda a extensão desses espigões, ou seja, as
melhores porções de terra do norte do Estado (figuras 03 e 04).
A CTNP realizou trabalho de planejamento no loteamento da
área adquirida: [...] estabelecendo uma estrutura fundiária caracterizada pela presença de propriedades de médio e pequeno porte, [...] todas demarcadas incluindo uma parte de baixada e uma de espigão, contando com água corrente e acesso por estradas de rodagem. (HIRATA; QUÍCOLI; SOUZA, 1985, p. 13).
Esta divisão caracteriza o modelo espinha-de-peixe de
estrutura agrária, configurando lotes estreitos e compridos (figura 05).
Figura 03: Área das propriedades da CTNP. Fonte: Lima, 2001, p. 116.
18
Figura 04: Localização das terras adquiridas no Paraná pela CTNP em meados da década de 1920. Fonte: LIMA, 2001, p. 116.
Figura 05: Modelo espinha-de-peixe utilizado pela CTNP. Fonte: LIMA, 2001, p. 125
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A fim de dividir a terra em lotes relativamente pequenos, a Companhia de Terras afirmou explicitamente que sua política visava “favorecer e a dar apoio aos pequenos fazendeiros, sem por isso deixar de levar em consideração aqueles que dispunham de maiores recursos”. E com esta subdivisão de terra, conseguiu a Companhia promover uma verdadeira reforma agrária sem intervenção do Estado e cuja conseqüência social mais importante se traduziu na oportunidade oferecida aos trabalhadores sem posse para adquirirem os pequenos lotes agrícolas, cujas dimensões e modalidades de pagamentos eram sempre amoldados de acordo com a posse dos compradores. Esse sistema de colonização estimulou fortemente a concentração da produção – sobretudo cafeeira –, a explosão demográfica, a expansão de núcleos urbanos e o aparecimento, no Norte do Paraná, de classes médias rurais (LONDRINA, s/d, p. 13).
Para garantir o desenvolvimento da região, a chegada da
ferrovia era um fator primordial, além de proporcionar a valorização das terras,
visto que era por meio dela que os produtores escoariam toda a produção e a
região seria abastecida.
A CTNP sempre agia a fim de alcançar seus objetivos, tais
como, valorizar suas terras e auferir maior lucro sobre o investimento feito no
Paraná, desta forma, esta construiu rodovias em direção a São Paulo e ao final
da década de 1920, comprou grande parte das ações da Companhia
Ferroviária São Paulo – Paraná. Em seguida, os trilhos já chegavam em
Jataizinho (1932), e em meados da década de 1930, Londrina já festejava sua
presença (BRAGUETO, 1996, p. 61).
Em apenas quatro anos, de 1929 a 1932, foram construídos
mais de 154 km de trilhos pela CTNP, ligando Cambará a Jataizinho, enquanto
que o trecho de Jataizinho a Londrina, com menos de 30 km, levou três anos
para ser construído (1933 – 1935). Essa demora se justifica, entre outras
coisas, pela dificuldade de transpor o Rio Tibagi. A ponte férrea tem extensão
de 294 metros, parte de sua construção pode ser vista na figura 06.
A fim de atrair um grande contingente populacional, a CTNP
realizou intensa publicidade sobre as terras do norte do Paraná, divulgando-o
como o novo “Eldorado”. Para isso ajudou a fundar o primeiro jornal de
Londrina, o Paraná Norte, em 1934, no qual havia um espaço reservado para
uso da Companhia em propagandas e, ainda, espalhou panfletos por diversos
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países europeus com depoimentos de imigrantes que já haviam se
estabelecido em Londrina.
Figura 06: Construção da ponte férrea sobre o rio Tibagi. Fonte: BONI, 2004, p. 131.
Aos poucos, a cidade foi sendo dotada de infra-estrutura: hotéis
para abrigar os compradores, restaurantes, serrarias, armazéns de secos e
molhados, estradas, escola, hospital, etc. (figura 07).
Com isso, o processo de colonização e urbanização de
Londrina ocorreu de forma rápida e intensa, ultrapassando o esperado pela
CTNP, que planejou a cidade num traçado ortogonal (como um tabuleiro de
xadrez) para abrigar somente 20.000 pessoas (figura 08). Ao seu redor, o
planejamento foi direcionado ao assentamento de chácaras e sítios, que
variavam em torno de 5 a 10 alqueires paulistas (LONDRINA, 1995). Seus
21
compradores eram, geralmente, pequenos proprietários paulistas que, muitas
vezes, tinham dinheiro para comprar a terra, mas depois, não conseguiam
mantê-las.
Figura 07: Primeiras infra-estruturas de Londrina. Em sentido horário observa-se o Hotel Luxemburgo, a Serraria Mortari, a Escola Alemã do Heimtal e a casa de secos e molhados do Sr. Alberto Koch Fonte: BONI, 2004, p. 67, 69 e 71.
Figura 08: Expansão urbana de Londrina de 1930 a 1945. Fonte: LIMA, 2001, p. 161.
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Decorrente da grande dificuldade por que passavam essas
pessoas viam-se “obrigadas” a lotear suas propriedades para “saírem do
sufoco”; e assim, começaram a aparecer as vilas no entorno da cidade.
Essa dificuldade é ilustrada por Maia em sua dissertação de
mestrado, onde ela aponta:
A exemplo da grande empresa colonizadora, a CTNP, a família Casoni, teve que lançar-se à especulação imobiliária. Esta situação, vivenciada pela citada família, pode indicar a transgressão das regras na modificação de um código oficial instaurado pela companhia colonizadora. No dizer do pioneiro: A Vila Casoni nasceu da necessidade. Loteei a chácara em 1937 (...) porque eu estava em situação crítica. Eu estava querendo vender o lote e voltar para Piraju. Isto tudo em função da situação financeira. Mas então, resolvi procurar os administradores da Companhia. (...) com a orientação deles, loteei uma parte e passei a vender os lotes mais baratos. Porque a Companhia vendia a 500 mil réis cada data e eu passei a vender a 375. Fiz concorrência com a Companhia de terras. Assim, fui tomando fôlego (...) Então comecei a firmar aqui... (MAIA apud TOMAZI, 2000, p. 205-206).
As primeiras vilas criadas foram: a Vila Agari, a Vila Casoni, a
Vila Nova e a Vila Conceição. Isto demonstra o início da instalação de uma
população com menor poder aquisitivo, que passa a residir “fora” da cidade.
Os lotes que envolvem a cidade foram muito valorizados, mas, de outro lado, são muito mais baratos que os da área urbana e é assim que começam a ser vendidas pequenas datas para construção, muitas delas cobertas pela lavoura cafeeira, que é, então abandonada ou logo derrubada. Cada lote vendido, vai constituir uma vila (PRANDINI, apud FRESCA, 2002, p. 03).
A configuração urbana de Londrina, deve-se a vários
importantes fatores, entre eles destacamos alguns citados por Nakagawara
(apud NAKASHIMA, 2003, p. 12):
Modelo de parcelamento de solos – rurais e urbanos, obedeceu a um esquema onde a proximidade física dos assentamentos, - 10,15 a 20 km – juntamente com o pequeno tamanho dos lotes rurais – predominando áreas de 10 20 alqueires – propiciou um grande adensamento populacional, principalmente na área rural; A forma de parcelamento dos solos e as condições de venda propiciaram aos ex-colonos paulistas, formadores de café, meeiros e mesmo imigrantes, a possibilidade de aquisição das terras, rurais e
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urbanas. Foram os trabalhadores na área rural paulista, os maiores compradores de lotes rurais; Um aspecto que não deve ser esquecido é a base territorial onde se efetivou esse Planejamento. As terras, constituídas de solos muito férteis, facilitaram o empreendimento “imobiliário-colonizador”, como também as condições topográficas, em sua maior parte com espigões de topos bem amplos, e suavemente inclinados. As condições climáticas e principalmente a fertilidade do solo, propícias à cultura cafeeira, favoreceram também esse empreendimento. A atuação da Cia de Terras, que se estendeu por uma área de mais de 500 mil alqueires paulistas, localizada na parte centro-oeste do Estado, atraiu novos empreendimentos de ocupação, tanto por iniciativa de particulares como de oficiais. A procura e a conseqüente valorização das terras atraíram outros tipos de investimentos, nas áreas comerciais, industriais e de serviços. No Norte do Paraná, formou-se uma densa rede urbana, comandada por Londrina, mas dentro da extensa área de interiorização e influência paulista.
Como resultado do grande marketing realizado pela CTNP
sobre as terras do norte do Paraná, grande contingente populacional foi atraído
para a região, tanto para a zona rural como para a zona urbana de Londrina,
ampliando-se o processo de expansão, que em 1947 já contava com 53 vilas
que se localizavam, quase todas, a norte e a leste da cidade.
Na década de 1960 houve a inversão em termos de distribuição
populacional; antes predominante na área rural, agora é urbana em todo o
Brasil (gráfico 01) e Londrina não fica de fora desse processo (tabela 01).
Neste momento a cidade tem a função de receptora de migrantes expulsos do
campo pela modernização da agricultura, provocando a proliferação dos vazios
urbanos e agravando a segregação urbana.
Entre os anos de 1940 e 1960 o contingente populacional do
Paraná teve um acréscimo de três milhões de pessoas, e estas se
concentraram principalmente na região norte do Estado, em torno dos
municípios de Londrina e Maringá.
24
Gráfico 01: População urbana brasileira, de 1920 a 2000.
Fonte: PORTELA; VESENTINI, 2006, p.6.
Tabela 01: Evolução demográfica do município de Londrina-PR - 1940 a 2000.
Ano Pop.
Urbana % Pop. Rural %
Pop. Total
1940 19100 25 56196 75 75296 1950 34230 48 37182 52 71412 1960 77382 57 57439 43 134821 1970 163528 72 64573 28 228101 1980 266940 88 34771 12 301711 1991 366676 94 23424 6 390100 2000 433243 97 13579 3 446822
Fonte: NAKASHIMA, 2003, p. 11.
Para melhor visualização, os dados serão apresentados em
forma de gráfico.
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Gráfico 02: Evolução demográfica do município de Londrina – PR, de 1940 a
2000.
Evolução Demográfica de Londrina, 1940 a 2000.
050.000
100.000150.000200.000250.000300.000350.000400.000450.000500.000
1940 1950 1960 1970 1980 1991 2000
TotalUrbanaRural
Fonte: IBGE. Censos Demográficos.
A tabela 1 mostra a evolução demográfica do município de
Londrina entre os anos de 1940 e 2000, evidenciando que o crescimento
populacional na cidade é extremamente elevado visto que na década de 1940,
a cidade já apresenta certa importância regional, com cerca de 75 mil
habitantes; alcançando o número de mais de 100 mil habitantes na década de
1960 e com a população urbana maior que a rural. Na década seguinte, ela se
firma definitivamente como uma importante cidade do Estado e no Sul do país,
com mais de 200 mil habitantes, sendo que cerca de 72% concentrados na
cidade.
O rápido crescimento da cidade deve-se ao fato de ela estar
“localizada numa das áreas geoeconômicas mais dinâmicas do Brasil”
(NAKAGAWARA; ASARI, apud WADA, 1987, p. 84). Na década de 1970,
ocorre um decréscimo da população rural e vertiginoso crescimento da urbana
em todo o país, devido, entre outros fatores, da mecanização da agricultura e,
naquele momento, Londrina se destaca como uma região de grandes
perspectivas econômicas.
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A cidade de Londrina era, desde o início, a principal de uma
rede urbana criada pela CTNP, pois esta “traçou eficazmente os planos de
venda de terras e da ocupação do espaço” (ALVES, 1991, p. 38), dando
atenção especial à fundação de patrimônios a cada 15 km e cidades maiores a
cada 100 km.
O plano de ocupação da CTNP previa a construção de Londrina
(1934), Maringá (1943), Cianorte (1953) e Umuarama (1955) como centros
regionais. As duas últimas foram fundadas pela Companhia Melhoramentos
Norte do Paraná (CMNP), de capital nacional, devido à venda da CTNP na
década de 1940, dada a pressão inglesa pelos altos gastos da Inglaterra na
Segunda Guerra Mundial, e a política nacionalista de Getúlio Vargas. Um
grupo de empresários paulistas assumiu o controle da Companhia e após sete
anos, mudou sua razão social.
Estas cidades pólos contariam com escritórios da Companhia de Terras e serviriam de apoio para o desbravamento e ocupação de outras localidades que viessem a ser criadas. Elas centralizariam os negócios da região, servindo como base para armazenagem e escoamento da produção e compra de equipamentos e insumos para a agricultura e secos e molhados, principalmente roupas, querosene, sal e açúcar para consumo doméstico (BONI, 2004, p. 34).
Todas essas cidades foram dotadas de infra-estrutura como:
estradas, hospedagens, escolas e hospitais. “Por mais de uma década, a
CTNP foi o epicentro do desenvolvimento da região” (BONI, 2004, p. 36).
Desta forma, fica clara a ação da CTNP para o “sucesso” de
desenvolvimento da cidade de Londrina. NAKAGAWARA (apud WADA, 1987)
evidencia alguns dos fatores que levaram a tal desenvolvimento:
Ela já nasceu para ser o “cabeça” da região, há mais de 50 anos atrás, na década de 20. Além da favorabilidade do momento histórico, houve todo um modelo de assentamentos urbanos, apoiados por uma rede de circulação que recebia a produção da região para escoamento em direção a São Paulo e porto de Santos.
27
Por estar assentado estrategicamente numa excelente posição geográfica e numa região com potencialidade físico naturais favoráveis (sobretudo pela fertilidade do solo, topografia e clima), ao lado da potencialidade demográfica da área sob sua influência (mais de 4 milhões de habitantes) e também pelo seu desempenho econômico sobretudo no setor primário. Londrina cresceu mais do que as outras cidades da região. O fator de sediar esse empreendimento “imobiliário – colonizador” teve um importante peso no seu crescimento. Considere-se que toda área pioneira possui pólos geradores de crescimento, por comandar o processo de ocupação, gerando uma série de necessidades materiais e espirituais exigidos pela população, como também porque essas áreas representam uma área de economia periférica em formação, com extensão de um outro pólo econômico. No caso de Londrina, o pólo comandante foi São Paulo. Dos fins da década de 60 até 70, quando Londrina já tinha firmado o seu caráter urbano, com cerca de 72% da população na área urbana dos 203.000 habitantes, ela já se despontava no cenário nacional, alinhando-se como uma das mais importantes capitais regionais do Brasil (NAKAGAWARA apud WADA, 1987, p. 86-87).
Londrina se desenvolveu como um centro de atração social e
econômico do Norte do Paraná através da comercialização e beneficiamento
da produção regional e ainda pela criação de um núcleo prestador de serviços
médico-hospitalares e culturais.
1.1 A expansão da zona norte de Londrina
A expansão da cidade de Londrina se dá de forma muito
efêmera, de maneira que rapidamente o traçado ortogonal planejado pela
CTNP havia “transbordado”, decorrente de um grande contingente populacional
atraído para a região, que era divulgada como o “Eldorado”, pela fertilidade do
solo e clima favorável à agricultura, e também, pelo já existente deslocamento
populacional, praticado principalmente por pequenos proprietários que se
preocupavam com o futuro dos filhos.
Isso ocorre nas décadas de 1950 e 1960, quando a família se
dividia entre rural e urbano, ou seja, o pai continuava morando e trabalhando
na pequena propriedade enquanto a mãe e as crianças residiam na cidade
28
para poderem estudar. Nesta situação a mãe fazia o sacrifício de se deslocar
continuadamente para poder estar ora com o marido, ora com os filhos.
Entretanto, na década seguinte a situação começa a mudar, a
migração é diferente, quase forçada, e não somente de pequenos
proprietários, mas de trabalhadores rurais, pois, a população rural vê na cidade
a probabilidade de um futuro melhor, a partir de emprego no setor industrial, no
crescente setor de serviços terciários, a proximidade das escolas, assistência
médica etc., entretanto,
[...] a urbanização brasileira tem se processado num ritmo superior à industrialização e na medida que os setores secundários e terciários são incapazes de absorver a força de trabalho disponível, eleva-se a taxa de desemprego, restringindo o acesso aos fatores de atração urbana [...], incluindo-se a habitação, para a população desempregada (LONDRINA, s/d, p. 65).
Em Londrina, não foi diferente. O crescimento acelerado da
década de 1970 fez com que milhares de pessoas provenientes do campo
ficassem desempregadas e sem acesso à moradia, educação, lazer,
aumentando a população carente da cidade, ocorrendo um agravamento das
condições econômicas de grande parte dessa população.
O rápido processo de ocupação, a partir da década de 20 e transformações regionais ocorridas nas duas últimas décadas no setor agropecuário, trouxe uma série de problemas urbanos, materializando-se na baixa qualidade de vida, sobretudo para a população de baixa renda (até 3 salários mínimos) (NAKAGAWARA apud WADA, 1987, p. 88).
O grande êxodo rural proporcionou para a cidade um problema
de habitação, pois muitas famílias provenientes do campo foram morar em
casas de parentes, cortiços ou favelas resultando num grave problema social.
O crescente problema urbano habitacional fez com que o
governo federal buscasse soluções que oferecessem habitações em massa.
Assim, foi criado em 1964 o Banco Nacional de Habitação – BNH.
29
A construção de habitações em massa resolveria vários
problemas sociais, pois ainda proporcionaria emprego para a mão-de-obra não
especializada e movimentaria o comércio e a indústria de materiais de
construção.
Porém a localização das casas é uma questão importante
desse problema habitacional, visto que
[...[ a produção das unidades habitacionais pouco adianta para a melhoria das condições de vida das famílias, se não estiver interligada ao sistema produtivo e aos serviços que a cidade oferece, tanto os de transporte como os demais serviços de infra-estrutura e de educação, saúde, lazer e segurança (LONDRINA, s/d, p. 67).
Interligado ao processo de expansão, começaram a ocorrer
outros problemas, que se caracterizam, em parte, pela grande quantidade de
vazios deixados no perímetro urbano, como área de potencialização. Esses
vazios foram intensificados na implantação dos conjuntos habitacionais na
periferia da cidade. Pois estes eram instalados longe do centro, de forma que
imensos “buracos” eram deixados estrategicamente pelos promotores
imobiliários a fim de reter e valorizar esses terrenos.
Os vazios urbanos são responsáveis pelo aumento dos gastos
públicos com serviços de infra-estrutura, como transporte, rede de água,
esgoto e energia elétrica, encarecendo sua instalação e manutenção.
Em Londrina, desde o início de seu processo de expansão
Observa-se um parcelamento excessivo da área rural [...], que era incorporado à área urbana sem nenhum critério de demanda ou técnico, resultando em espaços fragmentados em termos de ocupação, entremeados de imensas áreas vazias aguardando valorização da área ou do terreno. [...] como por exemplo, a região norte acima da Av. Brasília, onde ao lado de chácaras e sítios com produções rurais (granjas, culturas temporárias ou perenes), pagando impostos rurais, são vizinhos de Conjuntos Habitacionais, bairros populosos (Parque Ouro Verde e Jardim Paraíso), bairros em fase de ocupação e principalmente grandes lotes rurais sem produção ou loteamentos sendo lançados (LONDRINA, 1995).
30
Segundo Linardi (apud Fresca, 2002), a partir desse processo
tornava-se mais acentuada a segregação urbana, uma vez que, crescente
parcela da população sujeita-se a conquistar um lugar na periferia. Aquele
“zoneamento” até certo ponto espontâneo, pois não era formalizado, esboçado
no modo de ocupação inicial da cidade, agora, tornava-se mais vigoroso; é
perceptível dentro da cidade a configuração das áreas “mais nobres”,
localizadas em áreas privilegiadas, enquanto outras se definem como
populares.
Em Londrina a construção dos conjuntos habitacionais teve
início na gestão de José Hosken de Novais (1963-1969), com a criação do
Fundo Municipal de Assistência para a Casa Própria e a constituição da
COHAB-LD. Em seguida, o processo obtém continuidade, mas é com o prefeito
Antônio Belinati (1977-1982) que a construção dos conjuntos habitacionais
ganha impulso, com a entrega de “aproximadamente quinze mil unidades
residenciais, em sua maioria casas de 43m2, 35m2 e 21m2 construídas em
terrenos de 215m2” (ALVES, 1991, p. 92) na zona norte da cidade. As unidades
foram entregues a trabalhadores de baixa renda, com vencimentos de até três
salários mínimos.
Em entrevista realizada em dezembro de 1989, o prefeito
esclarece: “Foi escolhida a Zona Norte de Londrina para construir os conjuntos,
primeiro porque tinha uma área boa e disponível, e o preço do terreno também
era muito mais barato” (ALVES, 1991, p. 93). A baixa valorização do terreno na
zona norte da cidade é explicada pela presença da agricultura e também da
ferrovia, sendo uma área destinada à classe de baixa renda. Desta forma, não
havia interesse em “investir naquele espaço, visto que o retorno desse capital
será lento e com uma taxa de lucro menor, do que o investido em outras áreas
da cidade” (ALVES, 1991, p. 95).
É necessário lembrar que os conjuntos habitacionais
construídos na zona norte de Londrina apresentavam uma distância de
aproximadamente 8 km do centro da cidade, sendo deixado um grande espaço
para especulação imobiliária e, “a partir da entrega dos conjuntos em 1978 e o
31
investimento em serviços públicos de consumo coletivo, as terras são
valorizadas” (ALVES, 1991, p. 96). Esses serviços são representados por
avenidas, serviços de transporte coletivo, água, luz, telefone etc..
Mesmo depois de mais de vinte e cinco anos da entrega do
primeiro conjunto habitacional na zona norte de Londrina e com a presença de
mais de vinte conjuntos ainda existem vazios urbanos nesta área da cidade
(figura 09 e 10).
Com a construção dos conjuntos habitacionais da zona norte de
Londrina, os chamados “Cinco Conjuntos” – referentes aos primeiros cinco
conjuntos construídos na década de 1970: Ruy V. Carnascialy, Milton Gavetti,
Parigot de Souza I e II, João Paz e Semiramis B. Braga – iniciou-se um grave
processo de discriminação social da população ali residente, caracterizando a
chamada segregação urbana residencial.
Figura 09: Observa-se em primeiro plano, parte do Conjunto Habitacional Maria Celina, zona norte, com um grande espaço vazio ao lado, ainda utilizado para a agricultura. Em segundo plano, pode-se ver outra área de vazio urbano. Fonte: Denise Rodrigues de Oliveira, nov. de 2002.
32
Figura 10: Uso do solo – 2000. Observa-se em laranja a quantidade de vazios urbanos existentes em Londrina. Fonte: http://www.uel.br/atlasambiental
33
“A segregação residencial é uma expressão espacial das
classes sociais” (CORRÊA, 1995, p. 61), ou seja, o espaço urbano é dividido
de acordo com a renda da população. Famílias de alto poder aquisitivo residem
em áreas nobres, de boa localização e elevada infra-estrutura, enquanto que
as famílias de baixo poder aquisitivo reúnem-se em áreas afastadas do centro
da cidade com pouca ou nenhuma infra-estrutura, formando uma
homogeneidade na produção do espaço urbano.
A segregação residencial é, em realidade, um processo que origina a tendência a uma organização espacial em áreas de ‘forte homogeneidade interna e de forte disparidade entre elas’, conforme aponta Castells (1983). É um produto da existência de classes sociais, sendo a sua espacialização no urbano (CORRÊA, 1995, p. 60).
Em Londrina, a classe trabalhadora residente nos “Cinco
Conjuntos”, além de sofrer a chamada segregação imposta pelo fato de não ter
status para optar por melhores locais, sofreu também uma grande
discriminação, sendo tachada de “bandidos e marginais”. Apesar de reduzido,
ainda hoje esse preconceito existe.
A história do crescimento territorial de Londrina pode ser muito
bem definida pelas palavras de Linardi (apud FRESCA, 2002, p. 05), na qual, a
cidade
[...] ganhava maior dimensão, cresciam os vazios urbanos, tornava-se mais acentuada a segregação urbana, maior parcela da população sujeitando-se a conquistar um lugar na periferia. Aquele “zoneamento” até certo ponto espontâneo – pois não era formalizado – esboçado no momento da ocupação inicial da cidade, agora tornava-se mais vigoroso; era perceptível dentro da cidade a configuração de áreas “mais nobres”, localizadas em áreas privilegiadas, enquanto outras áreas definiam-se como populares. O próprio leito ferroviário constituía o divisor de águas nesta segregação espacial. As vilas populares cresciam a partir deste leito, onde localizavam-se especialmente armazéns e indústrias de beneficiamento, comércio varejista [atacadista] expandia-se na direção norte da cidade... enquanto a área central ficava reservada para o comércio e os negócios, e algumas avenidas e ruas privilegiadas, como reduto da classe “A”. Vazios urbanos, especulação, segregação espacial, expansão da periferia, entre outros problemas ... faziam parte do repertório da nossa cidade...
34
Com esse processo de expansão, a cidade vai se modificando,
o que também ocorre com suas áreas limítrofes, ou seja, a cidade avança para
o espaço rural, transformando seu território (figura 11).
Figura 11: Planta da cidade de Londrina no final da década de 1990. Fonte: TAKEDA, 2004, p. 65.
35
1.2. As transformações espaciais do espaço (rur)urbano
Inicialmente é necessário destacar que campo e cidade estão
interligados por uma teia de relações contínuas, nos quais um depende e
influencia o outro. Por isso, pretende-se neste item fazer algumas
considerações sobre as transformações ocorridas no meio rural brasileiro e
suas conseqüências para o urbano.
A partir da década de 1960 e, com maior ênfase, durante a
década de 1970, a agricultura brasileira entra em processo de modernização,
tendo início o uso de equipamentos modernos no campo, substituindo a força
de trabalho animal e humana por máquinas. Essa modernização se dá
principalmente no Centro-Sul do país.
Moro (2000, p. 30) coloca que a modernização agrícola pode
ser avaliada através dos seguintes aspectos: mecanização, eletrificação,
irrigação e conservação do solo, uso de fertilizantes e agrotóxicos, além de
outros fatores.
O Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e
Social (IPARDES) define a modernização agrícola como:
[...] o conjunto de mudanças na base técnica da produção e maior controle das condições do solo e do produto, cujos indicadores mais comuns são o uso de tratores, adubos químicos, defensivos e sementes selecionadas, entre outras indicam o processo de modernização (apud MORO, 2000, p. 30).
O Estado do Paraná tem sua modernização como resultado
concreto da política oficial de modernização da agricultura brasileira a partir de
1960.
Isto é decorrente de um processo histórico em que, no final
década de 1950 e início de 1960, o mercado de café entra em crise, pelo
excesso do produto em relação à demanda do mercado. Diante desta crise no
36
mercado de café o governo brasileiro criou em 1961, o Grupo Executivo de
Racionalização da Agricultura (GERCA), que previa metas como:
• Erradicação, em dois anos, de dois bilhões de cafeeiros anti-econômicos;
• Diversificação de culturas nas áreas liberadas pela erradicação do café;
• Investimentos na industrialização de produtos agropecuários, para
solucionar o problema sócio-econômico resultante da liberação de mão-de-
obra empregada na cafeicultura.
De acordo com Moro (2000) o governo brasileiro colocou em
ação uma política de desestímulo à cafeicultura e de incentivo à cultura de
oleaginosas.
No Estado do Paraná, sobretudo na região Norte, principal área
cafeeira do Estado, outros fatores também condicionaram a aceleração da
erradicação de cafeeiros. Dentre esses, destacaram-se as constantes geadas
que ocorreram na região desde a segunda metade da década de 1960 e a
“ferrugem” que atacou os cafezais nos últimos anos da década. Esses fatores
aceleram fortemente o processo de modernização da agricultura no Norte do
Paraná, ocasionando a inversão de culturas de café pela soja e trigo.
Essa modernização traz, além de outras conseqüências, um
grande número de desempregos no campo. Isso pode ser bem especificado
quando Moro (2000, p. 33) diz: "à medida que aumenta o número de tratores,
reduzindo a área média por trator, inevitavelmente encolhe o número de
empregos no campo. A imigração cidade - campo intensifica-se, o êxodo rural
agrava-se".
Seguindo a lógica de Moro, na citação acima, pode-se perceber
claramente a proporção de pessoas que ficam sem emprego no campo através
do quadro 1, pois, como pode ser observado, nos anos de 1970 a quantidade
de arados no Paraná não chegava a 20.000 unidades e, em meados da década
de 1980 ultrapassa 95.000 unidades. O mesmo crescimento ocorre com
37
tratores e outras tecnologias como área irrigada, uso de agrotóxicos, consumo
de energia elétrica, óleo diesel, etc..
Além disso, neste processo de modernização agrícola, o uso da
terra passa por intensas transformações. Deste modo:
entre 1970 e 1985, as lavouras permanentes, representadas sobretudo pelo café, foram reduzidas em cerca de 59%. Em contraposição, as lavouras temporárias, assentadas sobretudo na associação soja e trigo, foram ampliadas na mesma proporção - 59% (MORO, 2000, p.35).
Quadro 1: Indicadores da modernização agrícola, no Estado do Paraná, em 1970, 1980 e 1985.
INDICADORES 1970 1980 1985
Arados - Tração animal 283.215 289.122 306.617
Arados - Tração mecânica 18.883 90.526 97.570
Área média por trator (ha) 785 200 165
Área irrigada (ha) 9.176 28.092 34.477
Consumo de energia elétrica - mil kwk 34.286 50.402 396.996
Consumo de óleo diesel - mil l 40.831 287.838 332.523Estabelecimentos com práticas de conservação do solo ... 114.926 149.792
Estabelecimentos com práticas de irrigação ... 4.497 6.030
Estabelecimentos com uso de agrotóxicos ... 336.664 340.245
Estabelecimentos com uso de fertilizantes 89.828 219.824 248.116
Estabelecimentos com uso de força mecânica 16.285 201.108 203.490
Máquinas de plantio e colheita ... 87.838 96.607
Tratores 18.619 81.620 100.919... Informação não disponível Fonte: MORO, 2000, p. 31.
38
Tabela 2: Evolução das principais formas de uso do solo na agropecuária paranaense e sua participação sobre o total do estado entre 1970 e 1985.
Formas de uso do
solo 1970 (ha) % 1975 (ha) % 1980 (ha) % 1985 (ha) %
Algodão 373287 4.04 203.421 1.92 263.731 2.16 499.300 3.89
Café 1.192.367 12.91 866.724 8.17 747.101 6.13 422.762 3.29
Cana-de-açúcar 30.035 0.33 32.480 0.31 62.092 0.51 144.412 1.12
Milho 2.121.208 22.97 1.848.380 17.42 1.862.670 15.28 1.940.642 15.10
Soja 395.484 4.28 1.615.302 15.23 2.075.657 17.03 2.079.973 16.18
Trigo 250.213 2.71 596.939 5.63 1.135.263 9.31 1.228.742 9.56
Pastagens 4.517.592 48.91 4.979.840 46.94 5.520.174 45.29 5.999.562 46.68
Outros 356.014 3.85 464.289 4.38 522.454 4.29 536.845 4.18
Total 9.236.198 100.00 10.607.375 100.00 12.189.143 100.00 12.852.238 100.00
Fonte: MORO, 2000, p. 36.
Resumindo,
a partir de meados dos anos 60, a cafeicultura regional entra, gradativamente, em retrocesso, devido a uma série de fatores, dentre os quais, as seguidas geadas tiveram grande importância. Assim, as lavouras de café, com emprego intensivo de mão-de-obra, que chegaram a ocupar cerca de 1,5 milhão de hectares, entram em decadência. As pastagens, com baixa utilização de mão-de-obra, seguidas pelo sistema de rotação soja - trigo, com alto grau de mecanização, concorrem para o elevado desemprego no campo (MORO, 2000, p. 46).
Em Londrina, este processo não se diferencia, havendo
também uma inversão na utilização das técnicas agrícolas e no uso do solo, no
qual o café perde espaço para o binômio soja-trigo, que tem seu auge na
década de 1990, além do crescimento de outras culturas como o milho e o
rami, em menor quantidade, (tabela 3).
39
Tabela 3: Principais produtos agrícolas do Município de Londrina (1948-1997).
Principais Produtos Agrícolas do Município de Londrina. 1948 - 1997
Área Colhida (ha) Principais Produtos
1948 1959 1975 1985 1990 1997
Café 115 39.060 24.308 10.096 12.786 4.185 Soja - - 16.632 20.940 30.000 23.500 Arroz 9.000 6.132 8.677 1.927 2.460 1.280 Rami - * * 1.471 2.705 320
Tomate 20 * * 223 75 70 Mandioca 1.290 * 47 159 150 201
Feijão 15.000 6.508 1.232 1.508 1.750 720 Milho 6.800 11.534 14.136 22.297 17.500 17.600
Cana-de-açúcar 220 * 280 612 36 - Trigo - 0,7 6.947 14.937 24.000 10.000
Algodão - 110 1.320 7.618 4.000 153 Uva 11 * 153 192 350 116
* Dados não disponíveis
Fonte: Atlas do Município de Londrina, 2000, p. 51. (grifo nosso)
Tabela 4: Mão-de-obra ocupada na produção agropecuária do município de Londrina, por sexo e idade. 1980-1996.
1980 1985 1996 Homens Mulheres Homens Mulheres Homens Mulheres
Menores de 14 anos 15.199 4.280 15.943 4.463 566 470
Maiores de 14 anos 13.706 3.462 14.877 3.795 8.715 2.452
Totais 28.905 7.742 30.820 8.258 9.281 2.922 Fonte: Atlas do Município de Londrina, 2000, p. 53. (grifo nosso)
A análise de OLIVEIRA & TSUKAMOTO (2002, p. 534) explicita
exatamente o que se pretende mostrar na tabela 3:
a área colhida de café atingiu seu auge no final da década de 1950 e início da década de 1960; em 1975 já estava em processo de decadência, enquanto que a soja começa a aparecer em maior quantidade; esse número vai crescendo até atingir seu apogeu na década de 1990.
40
Conseqüentemente, há uma grande diminuição da mão-de-obra
utilizada no campo (tabela 4).
Fica claro, portanto, que as transformações ocorridas na
agricultura encabeçam um processo que vai muito além, ocasionando também
mudanças socioeconômicas e espaciais, interligando cada vez mais o rural e o
urbano.
Na medida que a mão-de-obra é liberada do campo, esta busca
refúgio na cidade, aumentando assim sua dimensão territorial, que se estende
por uma área antes agricultável. Essas pessoas, em sua maioria, não são
absorvidas pelas atividades urbanas, mantendo hábitos predominantemente
rurais.
No meio rural ocorre também o aumento do acesso a novas
tecnologias, como o uso de: telefone, computador, internet, antena parabólica,
freezer, microondas, câmera digital etc.
Toda essa mistura, cria os termos chamados de ruralidade e
urbanidade. Neste momento pretende-se mostrar que há uma mescla de
características de rural e urbano num mesmo espaço. Produtos antes
encontrados apenas na cidade agora fazem parte da zona rural – urbanidade –
e, hábitos predominantemente da população residente no campo, agora estão
presentes na zona urbana - ruralidade. Não se pode esquecer que tudo isso é
resultado da ação do capitalismo.
As ruralidades,
[...] são uma das formas complexas de modificação do espaço, fruto de uma expansão capitalista no espaço. A entrada de capitalismo no campo, é um dos fatores que contribuiu fortemente para a expansão de ruralidades sobre o espaço, e um dos motivos é o grande número de pessoas que saíram do campo e foram para as cidades, levando consigo seus costumes e seus hábitos que se diferenciam com as características das cidades. O modo de vida das pessoas que eram acostumadas a viver no meio rural, e que agora residem na cidade é considerado como uma ruralidade (CASTILHO, 2004, p.63).
41
A referência ao modo de vida das pessoas do campo diz
respeito ao fato de dormirem cedo, realizarem as refeições também muito
cedo, entre outros, porém isso vai se perdendo com o tempo, sobretudo nos
grandes centros.
Há ainda inúmeros exemplos de ruralidade, como: pessoas que
fazem pequenas plantações nos quintais ou em terrenos vazios; indivíduos que
residem nas cidades, mas têm seu trabalho relacionado à agricultura –
fazendeiros, pequenos proprietários de sítios e chácaras próximos à cidade,
bóias-frias etc.
Já as urbanidades dizem respeito à presença de aspectos da
vida urbana no campo, devido à transformação que este tem passado desde a
modernização da agricultura. Isso ocorre, como dito anteriormente, pelo
aumento do uso de tecnologias, e também, pela inversão de atividades, no
qual a lavoura deixa de ser a única fonte de renda, com a diversificação
através de investimentos em atividades não agrícolas, como o turismo rural e
ecológico, pesque-pagues, a instalação de indústrias, a combinação de
serviços no campo e na cidade e o caso de pessoas que residem na área rural
mas trabalham na cidade mais próxima.
Graziano da Silva & Del Grossi (apud CASTILHO, 2004, p. 76)
colocam: “Em resumo, o que segurou gente no campo brasileiro não foram as
atividades agropecuárias stritu sensu, mas sim as ocupações não agrícolas”.
E ainda,
[...] o espaço rural tem sido foco de valorização para fins não agrícolas. Tanto as indústrias novas como as tradicionais vêm procurando transferir suas plantas para áreas rurais, como forma de minimizar custos (proximidade da matéria-prima, mão-de-obra menos onerosa e não sindicalizada, impostos etc.) ou externalidades negativas (poluição, fuga dos congestionamentos) (Graziano da Silva & Del Grossi apud CASTILHO, 2004, p. 76).
Graziano da Silva (1997) chama o mundo rural com essas
novas características de “Novo Rural”.
42
Com a nova realidade da temática campo-cidade verifica-se
uma tendência ao desaparecimento de práticas agrícolas tradicionais, como o
uso de arado movido pela tração animal, pois “o que vemos hoje é a maior
incorporação, do processo de urbanização sobre o campo, e esse tipo de
atividade rural, praticada sempre por pequenos produtores é engolida pela
urbanização” (CASTILHO, 2004, p. 78).
Essa incorporação do processo de urbanização sobre o campo
se dá de duas formas distintas: primeiro, com a “entrada” de produtos
modernos, maquinários utilizados na lavoura, que fazem parte do sistema
capitalista, formando uma teia de vínculos indissolúvel, no qual o produtor rural
fica preso e não consegue se soltar, completamente dependente do mercado,
no momento de vender sua produção (geralmente a um baixo custo) e na hora
de comprar um implemento agrícola (de alto custo). E a segunda, diz respeito
ao avanço da cidade sobre o campo, literalmente, quando esta se expande e
sua periferia ocupa antigos sítios e fazendas, onde são construídos
condomínios fechados de alto padrão, conjuntos habitacionais ou
assentamentos urbanos, evidenciando o dinamismo da zona urbana e a
mobilidade de suas fronteiras.
44
Como dito no capítulo anterior, a colonização do Norte do
Paraná se deu através de companhias colonizadoras; a principal delas, a
CTNP, iniciou suas atividades com a cidade de Londrina e se expandiu para o
oeste com a criação de inúmeros núcleos urbanos. Houve também a
concessão dada a Leopoldo de Paula Vieira, dando origem a Sertanópolis;
além de outras companhias, a exemplo da que implantou a cidade de Primeiro
de Maio.
A atuação dessas companhias na produção do espaço
geográfico evidencia a ação do capitalismo, efetivada na venda de lotes
urbanos e rurais. Para melhor desenvolver esse processo de reprodução do
capital foram criados pequenos povoados, denominados Patrimônios, que têm
o papel de intermediar a relação cidade-campo, visto que “embora
considerados rurais segundo critérios convencionais, os povoados constituíam
uma manifestação do fenômeno urbano, cuja feição particular está vinculada
ao seu papel [...] de circulação do produto excedente” (BECKER, apud
FERREIRA, p. 55, 1990/91).
Ferreira (p. 56, 1990/91), concorda com Becker sobre a
extração e mobilização do excedente e afirma que os povoados:
surgem como pontos de concentração de mão-de-obra mobilizada para a abertura da área, de modo a permitir a reprodução do excedente através da apropriação da terra, da exportação de produtos para e da região, bem como através da produção de alimentos baratos para a mão-de-obra urbana; Além disso:
são pequenos centros de mercado, pontos de coleta dos produtos exportados e pontos de suprimentos, bens e serviços para a população que nele reside; os interesses externos da classe mais poderosa são representados pelo dono da pequena loja, que geralmente exerce ambas as funções, de coleta e de distribuição.
Ciente dessas características, a CTNP criou vários patrimônios
no município de Londrina, entre eles, o Patrimônio Heimtal, para que a
45
população do campo se organizasse socialmente. Esses núcleos rurais
denominados Patrimônios eram,
[...] pequenos núcleos populacionais intermediários entre o meio rural e o meio urbano, além de garantirem a comunicação dos agricultores com as cidades, cumpriam as funções de abastecimento e de comercialização dos produtos agrícolas (ALMEIDA, 1997, p. 95).
Ou seja, os patrimônios tinham a função de comercializar os
produtos agrícolas produzidos no local e oferecer uma infra-estrutura de oferta
de bens de consumo para suprir as necessidades da população rural,
estabelecendo-se, assim, uma relação cidade – campo. Essa relação foi
facilitada pela intensa rede de comunicação criada pela companhia
colonizadora. O depoimento de Pierre Monbeig mostra a imensidão
surpreendente do investimento no norte do Paraná:
Graças a essa rede, que era excepcional não só pela densidade, mas também pela quantidade, não existe um lote sequer que não tenha articulação por um bom caminho e não há um só colono muito afastado de um centro comercial. (...) O sistema rodoviário do Norte do Paraná foi concebido de maneira a facilitar as relações entre os sítios e as cidades e do campo com as casas de comércio e as estações ferroviárias. Sua amplitude e sua qualidade são um bom exemplo da ação dos loteadores para proteger o pioneiro contra o isolamento e para amparar a economia totalmente orientada para o comércio (MONBEIG, apud ALMEIDA, 1997, p. 94-95).
Esses núcleos rurais contavam também com escola e Igreja, de
maneira que, ao mesmo tempo em que funcionavam como pequenos centros
comerciais e abastecedores intermediários, os patrimônios eram os locais onde
se desenvolviam as atividades educacionais e religiosas da população rural.
No momento de sua implantação, era a CTNP quem planejava
sua organização espacial. Eram previstos os locais para a construção da
igreja, da escola, do campo de futebol, da praça, os terrenos para as moradias
e a área comercial.
A colonização do Patrimônio Heimtal ocorreu em 1929,
juntamente com o início da cidade de Londrina, tendo seu núcleo situado ao
46
norte da mesma, afastado 8 km do distrito sede, com a instalação do pioneiro
Carlos João Strass, de origem alemã (figura 12).
Figura 12: Através da planta pode-se observar a distância entre o centro de Londrina e o Patrimônio Heimtal. Fonte: AQUI Londrina, 2006, s/p.
47
O imigrante alemão trabalhava como agenciador da CTNP e
empreiteiro de picadeiros – homens que faziam o desmatamento – para o
reconhecimento e abertura de estradas e lotes na região. Ele chegou ao Brasil
em 1924 fugindo do desemprego na Alemanha. Sua importância para o
Heimtal se dá porque, “além de ser funcionário da empresa inglesa, foi o
principal responsável pela ocupação inicial do Heimtal, tendo em vista que
intermediou a imigração de muitas famílias alemãs para a região” (ALMEIDA,
1997, p. 102).
Esse trabalho de agente era importante para a CTNP, pois o
agenciador intermediava a venda dos lotes com os imigrantes, de modo que o
agente, sendo de nacionalidade estrangeira, como era o caso do sr. Strass,
atraía seus conterrâneos mais facilmente, visto que estes acreditavam na
veracidade de suas palavras. E ainda, os agenciadores “além de ajudarem no
trabalho de propaganda da colonização, eram responsáveis pelo transporte
dos interessados até o local dos lotes, bem como por todo o encaminhamento
do processo até a efetivação da compra” (ALMEIDA, 1997, p. 104).
A partir daí foram vendidos inúmeros lotes de terras a
imigrantes alemães, dando origem a uma colônia alemã no município de
Londrina.
Quando chegaram, os novos proprietários passavam uns dias
em ranchos improvisados feitos de palmito, até terem condições de construír
suas casas.
No começo a companhia construiu um ranchão aqui. Era perto do nosso sítio, sem paredes, sem nada. E lá, coberto de palmito ficamos a semana toda e o sábado, até abrir um pouco mais a mata e serrar a madeira (o palmito) para fazer a casa, um ranchinho no sítio (Olga Strass, 78anos, apud ALMEIDA, 1997, p. 105).
Os alemães aprenderam a construir casas de palmito com os
brasileiros safristas, que criavam porcos e habitavam a região antes da
chegada da CTNP, chamados de caboclos; aprenderam também como viver
48
nessa nova terra, além de elementos naturais para a cura de doenças comuns
na época, como a diarréia.
Foram os caboclos que disseram que o polvilho de mandioca curava a diarréia e deram para os meus irmãos. Naquela época era difícil conseguir comprar remédio e um médico. Minha mãe colocava umas duas colheres daquele polvilho dentro de um copo de água bem limpinha, misturava e nós tomávamos(...). Era um santo remédio(...) (Júlia Brummer, 76 anos, apud ALMEIDA, 1997, p. 107).
O palmito foi de grande importância na vida dos imigrantes,
pois, além de servir como matéria-prima para a construção de suas moradias,
era utilizado na alimentação diária com grande intensidade: “a gente fazia
palmito cedo, no almoço e no jantar (...). Derrubava o palmito para fazer o
mangueirão dos porcos, a cocheira e aproveitava para comer (...)” (Júlia
Brummer, 76 anos, apud ALMEIDA, 1997, p. 109).
Os alemães viam o Heimtal como a “Terra da Promissão”, pela
fertilidade do solo, clima e as vias de acesso com o Estado de São Paulo,
crendo nas propagandas feita pela CTNP sobre o norte do Paraná, porém, a
realidade foi um pouco diferente,
[...] o imigrante era obrigado a conviver com a falta de infra-estrutura e saneamento básico: estradas e habitações precárias, águas de rio e poços artesanais, dificuldades de assistência médica, etc. Esses fatores resultaram em um elevado índice de mortalidade, especialmente entre as crianças (ALMEIDA, 1997, p. 106).
Essa realidade demonstrou a carência da população recém-
chegada ao Heimtal e justificou a necessidade de se construir o primeiro
cemitério de Londrina no Patrimônio Heimtal. Vale lembrar que essas pessoas
eram de origens pobres e mal tinham condições para pagar a primeira parcela
da terra adquirida, por isso, eram obrigados a plantar o café (orientados pela
companhia colonizadora) e realizar atividades paralelas como a criação de
suínos, a plantação de cereais e a produção de leite para a população de
Londrina, a fim de conseguirem pagar as prestações da terra adquirida.
49
Ao chegarem, os alemães plantaram café, entretanto, este só é
colhido após três anos de plantio, sabendo disso, os imigrantes associaram
culturas temporárias entre as fileiras de café, como o arroz, milho, feijão, além
da criação de animais, produzindo ovos, leite, queijo, frutas e verduras, que
eram utilizados para subsistência e o excedente vendido para a população
urbana a fim de arrecadarem dinheiro para o pagamento das terras.
Vários sitiantes caminhavam diariamente pelos 8 km que ligava
o Heimtal à Londrina, carregados de litros de leite e ovos, que eram entregues
diretamente nas casas.
Eu levava leite para a cidade de Londrina. No começo levava nas costas, todos os dias saia cedinho chegava lá, vendia e voltava a pé. Depois de algum tempo meu pai comprou uma éguinha magra que era cega de um olho. Eu levava o leite nela. Era uma sacola, com litros comuns. Colocava 8, 10, 11 litros (...). A sacola era costurada dos dois lados pra um litro não bater no outro. Assim, quando colocava sobre a cela os litros ficavam todos em pé (Arthur Patzer, 68 anos, apud ALMEIDA, 1997, p. 115 -116).
Este serviço é realizado por eles até fins da década de 1980, só
que agora, de automóvel. Essa não era somente a realidade dos alemães do
Heimtal, mas de todos os imigrantes que moravam nas redondezas da cidade
de Londrina, os italianos, os húngaros, os tchecoslovacos, os poloneses que
habitavam a Warta e todos os moradores dos sítios vendidos pela CTNP, como
minha família, de italianos, que chegou ao norte do Paraná no início da década
de 1940, vindos do interior de São Paulo.
Além disso,
[...] ao lado do trabalho em suas propriedades, os homens se dedicavam às atividades de derrubada da mata virgem, demarcações de lotes, construção de estradas, sob o comando do pioneiro Strass. Algumas moças trabalhavam como empregadas domésticas das famílias da pequena cidade de Londrina e também nas casas mais abastadas de Rolândia (ALMEIDA, 1997, p. 112).
Rolândia é uma cidade situada a 25 km de Londrina, também
de colonização alemã, porém, estes eram judeus refugiados do nazismo e
50
possuíam alta renda, ao contrário dos alemães do Heimtal, no qual muitos
eram de origem teuto-russa (alemães que viviam na Rússia), imigrantes por
razões econômicas e trouxeram muito pouco dinheiro para o Brasil. Por essa
diferença socioeconômica os imigrantes instalados no Heimtal foram
discriminados pelos alemães de Rolândia.
O Patrimônio Heimtal tem grande importância para a cidade de
Londrina, pois foi o primeiro núcleo implantado pela CTNP e suas funções
evidenciam o interesse da reprodução da capital, pois ele serve como ponto
estratégico e intermediário para a comercialização dos bens que abastecem a
população e a venda de sua produção rural.
O Heimtal com a venda, a escola, posteriormente a igreja,
assumiu um papel importante para a população, pois era ali que se organizava
a vida socioeconômica local. A venda do sr. Carlos João Strass era o ponto
onde todos abasteciam suas dispensas e também vendiam suas produções;
inicialmente a escola concentrava todas as atividades religiosas – luterana e
católica – e a sede do patrimônio, era o ponto de encontro para qualquer
atividade de lazer desenvolvida, assim, a comunidade assumiu uma estreita
relação sócio-cultural e de solidariedade, importante para a afirmação desse
povo em “terras estranhas”.
Todos se ajudavam, um ajudava o outro, porque ninguém tinha nada, todo mundo veio sem dinheiro. Então se tinha uma doença na família, todos ajudavam. Ajudava também na roça. Era diferente, todos eram unidos, era uma família só (...). Naquela época a gente ia no baile na escola, não tinha nem roupa direito, mas todos trabalhavam para organizar tudo. O dinheiro arrecadado ficava tudo para a escola (Olga Strass, 78 anos apud ALMEIDA, 1997, p. 129).
A união, a organização e a luta dos imigrantes para vencer e
prosperar fez com o Heimtal ficasse conhecido na região como o “Vale dos
Alemães”.
O crescimento da população local inicia-se em meados da
década de 1930 com a chegada de novos imigrantes de outras nacionalidades.
51
Eram húngaros, espanhóis, japoneses, italianos e brasileiros (principalmente
paulistas e mineiros), que vieram para desenvolver a cafeicultura e após uma
integração com a população pré-existente acabaram por transformar a
dinâmica da vida do Heimtal. Isso pode ser confirmado quando Almeida (1997)
afirma:
Apesar de os alemães terem adquirido alguma experiência com o café, quando passaram pelas fazendas de São Paulo, os novos migrantes estavam muito mais familiarizados com esse tipo de plantação, pois se dedicavam há muito mais tempo à cafeicultura, em seus Estados de origem. Além disso, eram, também, um pouco mais capitalizados, na medida em que haviam conseguido poupar algum dinheiro durante o tempo em que permaneceram como colonos nas grandes fazendas de café ou mesmo através da venda de suas pequenas propriedades. Assim, ao adquirirem seus sítios nas proximidades do Heimtal, intensificaram as plantações de café e, com elas, as culturas intercalares destinadas ao consumo doméstico mudando, gradativamente, o uso econômico e o próprio desenho das propriedades que circundavam o patrimônio (ALMEIDA, 1997, p. 139).
Essa heterogeneidade, além de influenciar na cultura, resultou
em transformações nas práticas sociais do patrimônio, na Igreja e nas festas.
Já os alemães começaram a ir embora, vendendo suas terras,
desanimados com a crise que se abateu sobre o Patrimônio, com a geada de
1942, agravada pelos efeitos da II Guerra Mundial. Além disso, ficaram
desgostosos com a presença dos italianos e brasileiros, pois acreditavam que
o Heimtal era para ser uma colônia alemã, que prosperaria, entretanto a
realidade foi diferente: a CTNP instalou outras nacionalidades no local e o
patrimônio não atingiu a prosperidade esperada.
E ainda houve a emancipação de outros patrimônios
pertencentes à Londrina, como Cambé (na época se chamava Nova Dantizg) e
Rolândia.
No começo havia muitos alemães aqui (...). Mas logo vieram os outros, os italianos, os paulistas e mineiros (...). Isso aconteceu mais depois da guerra. Antes a colônia era toda alemã, depois devagarinho começaram a ir embora, venderam tudo (...). Se sentiram enganados, pois era para ser uma colônia e não deu certo (...). Começou a violência, o Heimtal era para crescer mas foi Londrina que virou
52
cidade (...). Aquela propaganda que o Heimtal ia prosperar não aconteceu, outros patrimônios viraram cidade e o vale ficou abandonado (Ignácio Salomón, 76 anos, apud ALMEIDA, 1997, p. 166-167).
As terras vendidas pelos alemães eram compradas
principalmente por italianos e brasileiros. Esse processo se estendeu até a
década de 1950, quando o local deixa de ser visto como uma colônia alemã e
passa a um bairro rural, e assim, há um aumento de sua densidade
demográfica. “Seus espaços principais passaram a ser, aos poucos,
controlados pelos italianos e seus descendentes, originários dos estados de
Minas Gerais e São Paulo” (ALMEIDA, 1997, p. 171).
Nas décadas seguintes a transformação do local se intensifica
com a crise do café, pelo excesso do produto em relação à demanda no
mercado, no final da década de 1950 e início dos anos de 1960, e a década de
1970 é marcada pela forte geada de 1975, com isso, muda-se a estrutura da
produção e o Heimtal se caracteriza como vila de trabalhadores urbanos da
periferia de Londrina.
2.1. O destino do Patrimônio Heimtal com a crise do café A cafeicultura brasileira cultivada em larga escala em São
Paulo, no fim do século XIX e primórdios do século XX entra em crise com a
queda da bolsa de valores de Nova Iorque, Estados Unidos, em 1929, pois o
café, principal produto de exportação do país, deixa de ser comprado por não
ser um produto de primeira necessidade.
Isso faz com que os barões do café invistam seu dinheiro em
outro ramo de atividade, a indústria, aproveitando toda a infra-estrutura que era
utilizada na produção cafeeira, como, as ferrovias que ligavam o interior do
53
Estado ao Porto de Santos, o próprio porto, para importação de novos
equipamentos e a energia elétrica disponível na região.
Com essa adaptação da economia paulista para novos setores,
pois havia restrições no plantio de café neste Estado, o produto foi
basicamente transferido para o norte do Paraná, que estava sendo “aberto”,
sobretudo Londrina, implantada justamente em anos de crise da cafeicultura, e
mesmo assim, a companhia colonizadora incentivou sua produção, resultando
em desenvolvimento para a região, chegando até a ponto de a cidade ser
considerada a capital do café nos anos de 1950 – 1960.
Contudo, na década de 1960, a cafeicultura novamente entra
em crise em decorrência de sucessivas geadas e da oscilação do preço no
mercado internacional.
Nos anos sessenta e setenta a crise da cafeicultura, o colapso do populismo e seus desdobramentos, bem como os rearranjos na ordem capitalista internacional, produziram, a nível local e regional, transformações que despertaram a consciência dos homens para o fato de que a Idade do Ouro chegava ao seu fim (...) (Arias Neto, apud ALMEIDA, 1997, p. 192).
Idêntico ao processo paulista, o Norte do Paraná tem de se
adaptar as novas tendências econômicas. “A cafeicultura cedeu lugar às novas
tendências agropecuárias e industriais” (ALMEIDA, 1997, p. 192) e sua
produção intensifica-se em Minas Gerais.
Entre 1970 e 1985, as lavouras de café, foram reduzidas em cerca de 59%. Em contraposição, as lavouras temporárias, assentadas sobretudo na associação soja e trigo, foram ampliadas na mesma proporção – 59%. As pastagens foram ampliadas em torno de 32%” (MORO, 2000, p. 35).
Em relação às atividades industriais,
[...] em 1970, havia, na cidade de Londrina, 442 indústrias predominantemente de pequeno porte, voltadas para a produção de bens de consumo não duráveis. O parque industrial em desenvolvimento atuava numa faixa marginal do mercado, cujos consumidores pertenciam às faixas de menor poder aquisitivo, ou
54
naqueles setores que não eram atingidos pelas indústrias de São Paulo (Cesário, apud ALMEIDA, 1997, p. 192).
Essa nova realidade tem como conseqüência alterações nas
bases da produção, uma maior concentração fundiária e o aumento do êxodo
rural. No Heimtal não é diferente, inclusive este é local de atração dos
imigrantes do campo, visto que seus lotes são baratos, comparados aos
preços da periferia de Londrina.
As famílias que permaneceram no campo erradicaram os
cafezais, substituindo-os pelo binômio soja – trigo, em ascensão em todo o
Estado, com a mecanização da agricultura e a utilização de novos produtos
como fertilizantes e agrotóxicos, resultando na diminuição da mão-de-obra no
campo, o êxodo rural acentuado e o crescimento acelerado da cidade em
direção ao Heimtal.
Essa reorganização nas estruturas do Patrimônio leva as novas
gerações a concluírem o Ensino Fundamental na escola do Heimtal e partirem
direto para as escolas estaduais de Londrina a fim de completarem o Ensino
Médio e partir direto para a faculdade, ou então, após o término do Ensino
Médio, já se integram no mercado de trabalho urbano, deixando para trás a
tradição de ajudarem seus pais na lavoura. Desta forma os filhos dos
agricultores assumem funções completamente urbanas, e, aos poucos, o
“Eldorado” foi sendo esquecido, assim como as tradições trazidas pelos
primeiros imigrantes.
Com o rápido crescimento de Londrina na década de 1970,
foram construídos conjuntos habitacionais pela Companhia de Habitação –
COHAB-LD, na porção norte da cidade, próximo ao Heimtal, caracterizando
uma expansão urbana em direção ao referido Patrimônio, proporcionando
também maiores infra-estruturas como rede elétrica e linha de ônibus urbano.
Isso fez com que o Heimtal fosse procurado como local de residência por uma
população assalariada de baixa renda, surgindo casas muito precárias em ruas
laterais, não pavimentas e até mesmo sem nome (ALMEIDA, 1997, p. 197).
55
Ao final de todas essas transformações
A pequena vila e as famílias pioneiras vivenciaram um momento de redefinição tanto de seu espaço físico e geográfico, com a construção de novas casas e igrejas, surgimento de pequenas indústrias, bares, etc, quanto das suas relações interativas, com a intensificação dos contatos com a cidade, a proximidade dos conjuntos habitacionais e a presença de uma população recém-chegada composta, principalmente, por trabalhadores urbanos. A cidade, para muitos habitantes do patrimônio, não é mais o lugar da passagem, onde se vende e se compra, mas se transformou no local do trabalho e do estudo (ALMEIDA, 1997, p. 202).
Através da citação de Almeida fica claro que houve um
redirecionamento nas funções do Patrimônio, mesmo porque, há uma mudança
em toda a região, à medida que cresce a área urbana.
Londrina foi planejada para somente 20.000 habitantes,
entretanto, em 1980 já havia mais de 300.000 pessoas morando na cidade
(Perfil do município de Londrina, 2003). Isso proporciona progresso, mas
também uma desorganização, quando este crescimento é acelerado. Toda
essa dinâmica fez mudar os rumos da cidade planejada pela CTNP, assim
como, de seus Patrimônios, inclusive o Heimtal.
Em aproximadamente seis décadas, a cidade de Londrina e o
Heimtal já estavam conurbados. “A conurbação consiste na ocupação urbana
até os limites de dois municípios. A paisagem formada por dois municípios
conurbados constitui uma área contínua, cuja fronteira só pode ser percebida
por indicações de placas” (GUIMARÂES; KRAJEWSKI; RIBEIRO, 2003, p.200).
No caso do “objeto” dessa pesquisa, não se trata de dois
municípios, contudo, a palavra conurbação se emprega corretamente, visto
que ocorre a junção entre a cidade de Londrina e o Patrimônio Heimtal, que
anteriormente eram separados por aproximadamente 8 Km de distância e o
início do Heimtal é indicado por placa (figura 01 – anexo 01).
57
Com o rápido crescimento urbano, a cidade de Londrina não
tarda a se aproximar do Heimtal. No final da década de 1970 ocorre a
construção dos “Cinco Conjuntos” e a expansão não pára, de modo que no
final do século XX tem início o processo de conurbação, e este é completado
já nos primeiros anos do século XXI.
A união do Heimtal com os bairros citadinos o transforma
completamente, deixando para trás suas características rurais para obter
caráter urbano. São estas mudanças que serão analisadas neste capítulo.
3.1. Caracterização dos bairros do entorno do Heimtal
Após o processo de expansão da cidade de Londrina em
sentido norte, com a construção dos “Cinco Conjuntos”, a cidade se expandiu
também nas outras direções, mas o processo de crescimento não parou,
dando origem a inúmeros novos conjuntos habitacionais e loteamentos,
inclusive em direção ao Heimtal.
Na última década do século XX foram construídos vários
loteamentos ao redor do Patrimônio Heimtal, entre eles, os Jardins Leblon,
Campos Verdes, Itapuá, e Novo Horizonte, inseridos nesta pesquisa.
Durante o trabalho foi aplicado questionário socioeconômico a
fim de conhecer melhor esses bairros e seus moradores. O questionário foi
pautado em duas importantes questões. A primeira diz respeito à família: a
composição familiar, escolaridade, renda média mensal da família, emprego, a
situação da casa, etc.; e a segunda refere-se as características do bairro: a
quanto tempo reside no local, como era quando chegou, quais os progressos,
etc.
58
Quanto à renda familiar pode-se perceber que a população que
se dirigiu aos bairros implantados ao redor do Patrimônio Heimtal caracteriza-
se por ser de baixa renda, com salários que variam de R$ 300,00 a, no
máximo, R$ 1.500,00. O local é procurado por ser afastado do centro de
Londrina, apresentando assim, baixo custo.
Uma das formas da classe trabalhadora resolver seu problema de morar é, [...] comprando um lote em áreas da periferia pobre e geralmente em loteamentos clandestinos. Como os salários são baixos, só nestes lugares é possível comprar um lote (RODRIGUES, 1988, p. 29).
A casa, muitas vezes, resultado de autoconstrução, acomoda
várias pessoas em poucos cômodos, sendo construídos apenas um quarto e
cozinha para “fugirem” do aluguel.
A moradia construída pelo próprio morador – fruto do próprio trabalho e da solidariedade de amigos, parentes vizinhos, em especial nos finais de semana e feriados – é outra modalidade importante de habitação popular nas grandes cidades. Essas moradias, muitas vezes, significam a realização do sonho da casa própria. Só que em geral localizam-se distante do trabalho, o que implica maiores gastos com transporte e a perda de horas com deslocamentos (PORTELA; VESENTINI, 2006, p. 57).
Tabela 05: Renda Média dos Moradores dos Bairros Pesquisados.
Renda Média dos Moradores dos Bairros ao Redor do Heimtal
n.º absoluto %
Até R$ 500,00 4 14,29
De R$ 501,00 a R$ 800,00 8 28,57
De R$ 801,00 a R$ 1.500,00 12 42,85
Não declararam 4 14,29 Fonte: Pesquisa “in loco”, julho de 2005.
Através da tabela acima pode-se constatar que o salário da
população residente não alcança um patamar elevado, chegando, no máximo,
a R$ 1.500, 00. Das famílias pesquisadas, 14,29% responderam receber, em
59
média, uma renda de 300,00 a 500,00 reais; 28,57% apresentam renda média
de 501,00 a 800,00 reais e 42,85% ganham em torno de 801,00 a 1.500,00
reais; do total, 14,29% não responderam.
Apesar da maior porcentagem, 42,85% dos entrevistados,
apresentarem renda média de 800,00 a 1.500,00 reais, em geral, as famílias
são numerosas, de até seis pessoas (60,72%), sendo que em 53,58% dos
casos somente uma pessoa trabalha para garantir o sustento de todos.
É importante lembrar que se calcularmos as gastos com água,
luz, telefone, supermercado, farmácia, escola, vestuário, transporte, etc., as
despesas são elevadas, sem contar a prestação do imóvel, que em 89,28% é
próprio e o aluguel, que custa em média, de R$ 100,00 a 160,00.
Gráfico 03: Situação da casa dos Moradores dos Bairros Próximos ao Heimtal.
89%
11%
Própria
Alugada
Fonte: Pesquisa “in loco”, julho de 2005.
A maioria dos moradores dos Jardins Leblon, Campos Verdes,
Itapuá, e Novo Horizonte (64,28%) caracterizam-se por ser londrinenses dos
bairros mais antigos da zona norte da cidade, como os Conjuntos
Habitacionais Maria Cecília S. de Oliveira, Violim, Luiz de Sá, João Paz e
60
Parigot de Souza, implantados no primeiro governo do prefeito Antônio Belinati
(1977- 1982).
Como dito anteriormente, os bairros em questão são
procurados por essa população, de baixa renda, visto que o custo do terreno é
baixo, assim, podem comprar seus lotes e construir as casas de acordo com
seu poder aquisitivo. Geralmente, as casas são “improvisadas” (com poucos
cômodos) e as famílias entram na mesma antes do término da construção para
deixarem de pagar aluguel. É por esse motivo que se tem uma porcentagem
tão elevada de casas próprias, como mostra o gráfico número 03. Outra
situação existente é quando o casal morava com os sogros e sonhavam com a
casa própria.
O restante dos habitantes é proveniente de outras regiões de
Londrina (28,58%) ou da cidade de São Paulo (7,14%) que procuram o interior
do Paraná, cansados da violência da metrópole paulista.
Segundo os entrevistados, a única relação estabelecida entre o
Heimtal e as pessoas que residem no seu entorno é que algumas crianças
estudam ou já estudaram na escola do Patrimônio. Nenhum dos entrevistados
afirmou exercer atividades remuneradas ou lazer no local.
Em relação à escolaridade, constatou-se que a maioria dos
entrevistados apresenta baixa escolaridade, tendo concluído, no máximo o
Ensino Médio; apenas um entrevistado respondeu ter cursado o Ensino
Superior, como pode ser observado na tabela 06.
Nota-se que apenas 28,27% dos entrevistados terminaram o
Ensino Médio, completando 11 anos de estudos; 7,15% passaram apenas 4
anos na escola, tendo cursado somente o Ensino Fundamental I; 14,28% não
completaram o Ensino Fundamental II, e 32,15% concluíram essa fase,
inteirando 8 anos na escola. Dos entrevistados, 3,57% cursaram o Ensino
61
Superior. Com a análise dos dados acima percebe-se que 53,58% dessa
população não ficaram nem dez anos de sua vida na escola.
Tabela 06: Escolaridade dos Moradores dos Bairros ao Redor do Heimtal
Escolaridade dos Moradores dos Bairros Próximos ao Heimtal
n.º absoluto %
EF I 2 7,15
EFII incompleto 4 14,28
EFII completo 9 32,15
EM incompleto 4 14,28
EM completo 8 28,57
Ensino Superior 1 3,57 Fonte: Pesquisa “in loco”, julho de 2005.
• EF I – Ensino Fundamental I ( 1ª a 4ª série) • EFII – Ensino Fundamental II (5ª a 8ª série) • EM – Ensino Médio
A situação socioeconômica dos moradores dos bairros em
questão evidencia a condição de vida da periferia brasileira, onde a população
pertence à classe social de baixa renda. Em conseqüência, a qualidade de vida
dessa população é afetada, pois as pessoas não conseguem morar
dignamente – as famílias, geralmente numerosas, se apertam em poucos
cômodos. É importante ressaltar que as crianças não terminam os estudos,
pois precisam ajudar os pais em trabalhos informais, não tem estímulo à
leitura, não tem acesso a lazer. A vida dos habitantes da periferia da cidade de
Londrina não se diferencia das de outras cidades brasileiras.
No Estado do Paraná, a intensidade dos deslocamentos internos [...] mostram a tendência da concentração urbana. Estes centros urbanos, ao receber grande contingente populacional, não conseguem atender a demanda da população recém chegada, e como conseqüência surgem áreas de pobreza, devido à falta de oferta de emprego e serviços de infra-estrutura básica como água, esgoto, transporte, atendimento médico e moradia. Quando possui as condições de utilização, estas são precárias. Estas áreas são consideradas como um segmento social excluído de projetos da sociedade que estabeleçam a cidadania, tornando-se passível de discriminação,
62
devido à posição socioespacial que ocupam (DORES; GÓES, 2002, p. 453).
A área pesquisada caracteriza-se por um local de recente
expansão urbana, por isso os loteamentos ou bairros em questão constituem,
ainda, poucas unidades residenciais, existindo muitos lotes vazios, na maioria
das vezes, mal conservados, com gramíneas que crescem e servem de local
de proliferação de insetos e roedores, incomodando os poucos moradores.
Outro fator a ser considerado é o tempo de residência destes
habitantes, que, neste caso, não ultrapassa dez anos, como pode ser visto no
gráfico 04. Este é um item importante uma vez que as condições de infra-
estrutura dos bairros foram consideradas de acordo com os relatos dos
moradores.
Gráfico 04: Tempo de residência dos habitantes do entorno do Heimtal em
anos.
21%
40%
32%
7%
até 11,1 a 33,1 a 6mais de 6
Fonte: Pesquisa “in loco”, julho de 2005.
De acordo com a população local “esses bairros são bons para
se viver porque são tranqüilos”. Todos os entrevistados alegaram que não há
elevados índices de violência na região. A reclamação dos moradores gira em
torno do baixo índice populacional: “falta gente”, “tem muito mato” e da falta de
63
infra-estrutura como rede de esgoto, iluminação ruim, poucos ônibus, falta de
escola e posto de saúde.
Na medida em que a densidade demográfica da região
aumenta, as infra-estruturas vão sendo conquistadas, é por isso que os atuais
moradores esperam a chegada de novos vizinhos. Além disso, a quantidade de
terrenos vazios deverá diminuir e, com isto, também diminuirão as ervas
daninhas, os insetos, os ratos, etc.
Quando questionados sobre as mudanças ocorridas no local, a
população lembrou majoritariamente do aumento do número de casas e de
pequenos comércios com a abertura de açougue, padaria e sacolão.
3.2. Caracterização do Patrimônio Heimtal
A população residente no Patrimônio Heimtal atualmente é
bastante diferente daquela de seu início, dos colonos alemães e italianos. Aos
poucos, os colonos foram vendendo suas terras e indo embora, decepcionados
com o destino que o Patrimônio tomou – a falta de progresso.
Esses colonos foram sendo substituídos por pessoas que viam
no Heimtal a única possibilidade de ter a casa própria, visto que este, agora,
faz parte da periferia da cidade pela união entre o Patrimônio e a cidade de
Londrina.
64
Figura 13: Rua Benjamin Siebeneich, que separa o Heimtal (à direita) do Jd. Leblon (à esquerda). Fonte: Denise Rodrigues de Oliveira, julho de 2005.
A população residente no Heimtal nos dias de hoje é bastante
homogênea. Com a realização da pesquisa pode-se perceber que os
habitantes mais antigos do local, com período de residência superior a 20
anos, possuem um padrão de vida melhor, se comparado aos habitantes mais
recentes, da última década do século XX.
Através do gráfico 05 pode-se notar que 37% dos entrevistados
apresentam renda mensal entre 1.500,00 a 3.000,00 reais; coincidentemente
essa é a parcela da população que possui maior escolaridade – Ensino Médio
completo e Ensino Superior (gráfico 06)– e casa própria (gráfico 07),
representando os moradores mais antigos do Patrimônio.
65
Gráfico 05: Renda Mensal Média dos Habitantes do Heimtal.
27%
18%
9%
37%
9%
até 500,00
501,00 a 800,00
801,00 a 1500,00
1501,00 a 3000,00
não declararam
Fonte: Pesquisa “in loco”, julho de 2005.
O restante pertence à parcela das pessoas que chegaram no
Heimtal na última década, atraídos pelo baixo preço do imóvel e do aluguel
(em média R$ 150,00). Apesar de parte dessa população ter casa própria, a
escolaridade é muito baixa: 46% apresentam somente a primeira fase do
Ensino Fundamental. Isso reflete na qualidade do emprego dessas pessoas. Gráfico 06: Escolaridade dos Moradores do Heimtal.
9%
46%
9%
18%
18%
AnalfabetoEF IEF IIEMES
Fonte: Pesquisa “in loco”, julho de 2005. EF I – Ensino Fundamental I ( 1ª a 4ª série) EFII – Ensino Fundamental II (5ª a 8ª série) EM – Ensino Médio ES – Ensino superior
66
Gráfico 07: Situação da Casa dos Moradores do Heimtal
0
20
40
60
80
Própria
Alugada
Fonte: Pesquisa “in loco”, julho de 2005.
A trajetória dos habitantes até a chegada ao Heimtal não foi
muito longa. Todos pertenciam à região, eram moradores dos sítios ao redor
do Patrimônio, inclusive da propriedade rural onde hoje está implantado o
Jardim Maria Cecília – bairro de grande proporção na zona norte de Londrina.
Dos moradores do Patrimônio Heimtal, 55% residem no local a
mais de 20 anos, como mostra o gráfico 08. Estes acompanharam as
mudanças ocorridas no local.
Quando questionados sobre a realidade local no momento em
que chegaram, as respostas são interessantes, pois retratam a história do
lugar.
“Quando cheguei, tinha somente umas dez casas; 90% dos
moradores eram alemães e a avenida principal era de terra” (Elpídio Cantagalli,
chegou ao Heimtal na década de 1960).
“Era tudo terra e mato; quase não tinha casa acima da avenida
principal” (Dona Jandira, moradora há 32 anos).
67
Gráfico 08: Tempo de Residência dos Moradores do Heimtal em Anos.
27%
9%
9%37%
18%
até 5 5,1 a 1010,1 a 2020,1 a 30mais de 30
Fonte: Pesquisa “in loco”, julho de 2005.
“Só tinha ônibus três vezes ao dia; quando chovia ele não
passava; não tinha asfalto, estava terminando de construir os Cinco Conjuntos;
as compras eram feitas em Londrina; não tinha assaltos, e acima de tudo,
havia muita solidariedade entre os vizinhos, hoje isso já não existe mais” (Dona
Dejanira, moradora há 27 anos).
“Era terrível. Não tinha asfalto; eram poucos moradores; a
escola era pequena; a maioria dos moradores era de origem alemã” (Dona
Neide, residente há 30 anos).
“Era um lugar muito bom, de família. Conheciam-se todos os
moradores, não havia violência. Para ir para o centro da cidade, tínhamos que
pegar ônibus no Milton Gavetti, mas apesar das dificuldades o local era muito
bom pra se viver” (Dona Joana, moradora há 30 anos).
Nota-se uma disparidade entre as opiniões sobre o Heimtal há
trinta anos, isso se deve pela diferença do “olhar” das pessoas sobre o local e
sobre a sua própria vida. Provavelmente os habitantes que consideravam o
lugar bom, mesmo sem nenhuma infra-estrutura, moravam em locais ainda
“piores”.
68
Através dos relatos percebe-se que não havia infra-estrutura
nenhuma para os moradores. Inicialmente sentiam dificuldades de
relacionamento, pela maioria ser alemã; na área de educação, pois a escola
era pequena; na área de saúde, abastecimento, etc.. Enfim, tinham de recorrer
a Londrina em tudo o que necessitavam, porém o acesso à cidade era penoso.
Entretanto, o tempo foi passando e as dificuldades foram
diminuindo. Com o progresso e a expansão da cidade, o Heimtal deixa de ser
isolado e a população passa a ter maior acesso à Londrina e aos seus serviços
e assim vão ocorrendo as mudanças.
A infra-estrutura básica foi implantada no local. Houve o
aumento do número de casas, de pessoas; o comércio cresceu; a quantidade
de ônibus durante o dia aumentou, agora passa um coletivo a cada 34 minutos;
a escola foi ampliada; algumas ruas foram pavimentadas (somente em 2004);
foi construída a Igreja Católica e um salão para a realização de festas (figura
02 – anexo 01); o local é assistido semanalmente por uma unidade móvel de
saúde (figura 03 – anexo 01); enfim o Patrimônio progrediu.
É através da Escola Municipal Padre Anchieta que se observa
uma das maiores influências dos bairros vizinhos no Patrimônio Heimtal. A
escola foi construída em 1931 e era constituída de apenas um salão onde
eram realizadas as aulas e os eventos religiosos – católicos e luteranos – aos
fins de semanas e de lazer, pois era na escola que se davam os bailes dos
sábados. Em 1945 ela é transferida do local de origem, próximo à praça, para
as atuais instalações, em frente ao campo de futebol, com duas salas de aulas.
Na década de 1990 houve outra ampliação para dez salas, ou seja, a data da
última ampliação coincide com o período que os novos bairros vão “se
aproximando” do Heimtal (anexo 04). Além disso, apenas 30% dos alunos são
provenientes do Patrimônio, o restante, 70% vêm de diversos bairros da
região, por exemplo, o Jd. Leblon, Jd. Itapuá, Jd Campos Verdes, CH Maria
Cecília, Jd. Marieta, CH Violim, Condomínio Catuaí, e da favela Marieta. Ao
todo, a escola tem 260 alunos no período da manhã, com aulas de 5ª a 8ª
69
séries, e 325 à tarde, com o ensino de 1ª a 4ª séries do Ensino Fundamental.
Para o próximo ano são esperados mais 80 alunos dos residenciais que estão
sendo construídos perto da escola, o Benzina I e II.
A população ainda clama por maiores melhorias, como o
término da pavimentação das ruas, a construção de creche e posto de saúde,
entretanto não demonstram muito entusiasmo em relação a preocupação da
prefeitura em realizar tais obras. O local não tem posto de saúde, mas é
assistido com uma unidade móvel de saúde uma vez por semana.
Contudo, da mesma forma que as transformações, ocorridas no
decorrer do tempo, são benéficas à população, também trazem alguns
transtornos. A proximidade do Heimtal com a cidade de Londrina, devido a
conurbação, fez com que o Patrimônio pacato mudasse suas características. O
tráfego de carros é intenso na avenida Ludwig Ernest, que dá acesso à rodovia
Carlos João Strass, que faz a ligação entre Londrina e as outras cidades ao
norte do Estado, como Bela Vista do Paraíso, Alvorada do Sul, Sertanópolis e
Primeiro de Maio.
Figura 14: Av. Ludwig Ernest, avenida principal do Patrimônio Heimtal. Fonte: Denise Rodrigues de Oliveira, julho de 2005.
70
Apesar dos habitantes do entorno afirmarem que os bairros são
tranqüilos, que o índice de violência é baixo, os moradores do Heimtal
reclamam que após a conurbação com a cidade a violência aumentou
excessivamente no local, culpando os bairros vizinhos por tal fato.
Figura 15: Vista a partir do Heimtal. Em segundo plano observa-se um condomínio residencial. Fonte: Denise Rodrigues de Oliveira, julho de 2005.
Figura 16: Ao fundo observa-se o mesmo condomínio residencial da figura 15, porém com outro residencial sendo construído rapidamente, confirmando a elevada velocidade da expansão urbana ao redor do Heimtal. Fonte: Denise Rodrigues de Oliveira, outubro de 2006.
71
Por meio das figuras 15 e 16 pode-se observar o rápido
crescimento da periferia da cidade, incorporando o Patrimônio em seu
território. Na primeira, datada de julho de 2005, vê-se um condomínio
residencial ao fundo no canto direito da imagem; pouco mais de um ano
depois, em outubro de 2006, tem-se o mesmo condomínio, porém com a
presença de novos prédios à frente, os residenciais Benzina I e Benzina II.
Pela análise dos dados mostrados nesta pesquisa, fica evidente
que nas últimas décadas ocorreu a transformação do território na zona norte
de Londrina, refletindo diretamente na vida da população.
72
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao finalizar a pesquisa, algumas considerações são
imprescindíveis. Primeiro, a importância do assunto. Mesmo com o fato de a
ocupação do território norte paranaense ser bastante estudada pelos
pesquisadores e alunos dos cursos de graduação, cada um faz sua análise,
observando diferentes aspectos, e nem por isso, os trabalhos deixam de ser
autênticos ou perdem seu valor.
Inicialmente o objetivo estabelecido para o trabalho era estudar o
processo de expansão urbana na zona norte da cidade de Londrina, entretanto,
com o desenvolvimento do mesmo percebeu-se a riqueza de dados e detalhes
que os Patrimônios têm a “contar” da história da cidade, já que estes surgiram
paralelamente à Londrina e fazem parte de sua história.
Neste contexto tem-se a participação do Patrimônio Heimtal que
surge, assim como Londrina, em 1929, por meio de uma companhia colonizadora
(CTNP), visto a falta de recursos do Estado em povoar suas terras, e ao mesmo
tempo, a sua necessidade, para “garantir” seu território.
Pela investigação, através de pesquisa bibliográfica e trabalho
empírico, constatamos como ocorreu o processo de ocupação de Londrina, seu
rápido crescimento e a ocupação do Heimtal, analisando, sobretudo as
transformações territoriais e suas conseqüências para a população residente no
Heimtal.
Percebeu-se também que a criação de diversos núcleos rurais, os
patrimônios, ao redor da cidade de Londrina pela CTNP não passou de um mero
interesse capitalista, para o escoamento da produção e a comercialização de
produtos básicos para as famílias de colonos imigrantes que habitavam as
propriedades rurais recém vendidas.
73
Alguns desses patrimônios progrediram e viraram cidades, a
exemplo de Nova Dantizg, hoje Cambé e Rolândia. Todavia, não foi o que ocorreu
com o Heimtal.
Desta forma, pode-se concluir que os primeiros colonos,
imigrantes alemães, foram “enganados” pela CTNP quando lhes disseram que o
Patrimônio seria uma colônia alemã. Além de isso de não acontecer, com a venda
de terras para descendentes de outros países e também brasileiros, o local não
se desenvolveu, gerando uma grande decepção aos mesmos, que resolveram
deixar o local.
Paralelamente ao processo evolutivo do Heimtal, Londrina
também passa por mudanças, mas estas trazem crescimento e modernidade para
a cidade, que se expande rapidamente por territórios outrora rurais, configurando
a mobilidade de suas fronteiras em espaços (rur)urbanos.
Essa mobilidade de suas fronteiras fez com que ocorresse a
conurbação entre cidade e patrimônio, configurando de vez as mudanças das
características do Heimtal e dos costumes de seus habitantes.
A colônia alemã deixou saudades, assim como os jogos de futebol
da comunidade, os bailes, o “conhecer todas as pessoas”, os costumes rurais
sempre presentes, a solidariedade entre os vizinhos, para dar lugar à solidão e a
violência da vida urbana.
Conclui-se enfim, que a urbanização é benéfica e maléfica ao
mesmo tempo. Benéfica, pois proporciona conforto e comodidade à população
por meio de infra-estruturas implantadas, mas também é maléfica porque junto
vem o cotidiano agitado da grande cidade, onde as pessoas deixam pra trás o
ritmo de vida pacato, assumindo o “corre-corre” citadino e a violência aumenta,
caracterizada por furtos e tráfico de drogas.
74
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BARROS, M.V.F.; ARCHELA, R.S.; BARROS, O.F.; THÉRY, H.; MELLO, N.A.; GRATÃO, L.H.B. Atlas urbano ambiental de Londrina. [on-line]. Disponível em: http://www.uel.br/atlasambiental. Acesso em 04 de novembro de 2006.
BONI, Paulo César. Fincando estacas! A história de Londrina (década de 30) em textos e imagens. Londrina: Ed. Do Autor, 2004. 394p. BRAGUETO, Cláudio R. A inserção da microrregião geográfica de Londrina na divisão territorial do trabalho. 1996. 323p. Dissertação (Mestrado em Geografia). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – USP, São Paulo. CASTILHO, Francisco J. V. O “novo rural” e o “novo urbano”: as transformações do espaço no mundo contemporâneo. 2004. 131p. Monografia (Bacharelado em Geografia). Universidade Estadual de Londrina – UEL. Londrina. CORRÊA, Roberto L. O espaço urbano. 3 ed. São Paulo: Ática. 1995. 94p. DORES, Júlia L. P.; GÓES, Eda M.. Assentamentos urbanos de Londrina/PR: retrato de exclusão social? (apontamentos preliminares). In: FERREIRA, Y. N.; FUSCALDO, W. C.; MARANDOLA Jr, E. (org.). Geografia, Ciência e Filosofia – interdisciplinaridade e interfaces de conhecimento. Londrina: Humanidades. 2002. p. 452-455. FERREIRA, Yoshiya N. O papel dos distritos na estruturação da fronteira e o seu significado urbano. Geografia. Londrina. v. 6, p. 55-66. 1990/91. FRESCA, Tânia M. Mudanças recentes na expansão físico-territorial de Londrina. Londrina, 2002, inédito. 34p. GRAZIANO DA SILVA, J. O novo rural brasileiro. In: Nova economia. Belo Horizonte. v.7, n°.1. p. 43-51, mai. 1997. GUIMARÃES, Raul B.; KRAJEWSKI, Ângela C.; RIBEIRO, Wagner C.. Geografia – pesquisa e ação.São Paulo: Moderna. 2ª ed. 2003. 322 pg.
75
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77
ANEXO 01
O HEIMTAL EM FOTOS
Figura 01: Pela conurbação entre patrimônio e cidade, o início do Heimtal precisa ser identificado com placa. Fonte: Denise Rodrigues de Oliveira, julho de 2005.
Figura 02: Igreja Católica do Heimtal, tombada como Patrimônio Histórico por ser construída de tijolo e barro (substituindo o cimento). Fonte: Denise Rodrigues de Oliveira, julho de 2005.
78
Figura 03: O local não tem posto de saúde, mas é assistido com uma unidade móvel de saúde uma vez por semana. Fonte: Denise Rodrigues de Oliveira, julho de 2005.
Figura 04: Em primeiro plano observa-se a rua ainda não pavimentada. Ao fundo percebe-se a expansão urbana de Londrina, com o Jardim Campos Verdes. Fonte: Denise Rodrigues de Oliveira, julho de 2005.
79
Figura 05: Estrada de terra que liga o Heimtal aos bairros do entorno, evidenciando a proximidade entre eles. Ao fundo Residencial Bezina I e II. Fonte: Denise Rodrigues de Oliveira, outubro de 2006.
Figura 06: Visão do Conjunto Habitacional José Molina e Jardim Campos Verdes, no entorno do Heimtal. Observa-se que são poucas as unidades residenciais. Fonte: Denise Rodrigues de Oliveira, julho de 2005.
82
ANEXO 3
QUESTIONÁRIO
(APLICADO NO HEIMTAL E BAIRROS DO ENTORNO)
1. Endereço
Rua:
Bairro:
2. Nome:
3. Idade:
4. Profissão:
5. Escolaridade:
6. Número de pessoas na família:
7. Número de pessoas que trabalham:
8. Onde trabalham?
9. Renda mensal familiar:
10. Situação da casa:
( ) própria ( ) alugada ( ) doada
11. Quantos cômodos tem na casa?
12. Há quanto tempo mora no local?
13. Onde morava antes?
14. Por veio morar aqui?
15. Como era o lugar quando chegou?
16. Houve alguma mudança? Qual?
17. O que acha do bairro como é agora?
18. Alguém da família trabalha ou estuda no Heimtal?
83
QUESTIONÁRIO
(APLICADO NO HEIMTAL)
1) Quais as transformações ocorridas no Heimtal nos últimos anos?
2) Essas mudanças foram importantes para o Heimtal?
3) Você considera o turismo gastronômico bom ou ruim para o Heimtal?
Porquê?
4) Você freqüenta os restaurantes do Heimtal? ( ) sim ( ) não Porquê?
5) Essa atividade gera empregos para os moradores do Heimtal?
6) A expansão da cidade de Londrina até as proximidades com o Heimtal
trouxe alguma vantagem para seus moradores? Porquê?
7) Onde sua família compra as mercadorias de necessidade básica?
(suprimentos, remédios, roupas, sapatos, etc.)