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947
JOSÉ OSWALDO FERNANDES CALDAS MORONE A INDÚSTRIA DE FUNDOS DE INVESTIMENTO O PODER REGULAMENTAR COMO GARANTIA AO INVESTIDOR E A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADMINISTRADOR DE FUNDOS MESTRADO EM DIREITO PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA São Paulo - 2005

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JOS OSWALDO FERNANDES CALDAS MORONE

AA IINNDDSSTTRRIIAA DDEE FFUUNNDDOOSS DDEE IINNVVEESSTTIIMMEENNTTOO

OO PPOODDEERR RREEGGUULLAAMMEENNTTAARR CCOOMMOO GGAARRAANNTTIIAA AAOO IINNVVEESSTTIIDDOORR EE

AA RREESSPPOONNSSAABBIILLIIDDAADDEE CCIIVVIILL DDOO AADDMMIINNIISSTTRRAADDOORR DDEE FFUUNNDDOOSS

MESTRADO EM DIREITO

PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICASo Paulo - 2005

II

JOS OSWALDO FERNANDES CALDAS MORONE

I - TTULO

AA IINNDDSSTTRRIIAA DDEE FFUUNNDDOOSS DDEE IINNVVEESSTTIIMMEENNTTOO

OO PPOODDEERR RREEGGUULLAAMMEENNTTAARR CCOOMMOO GGAARRAANNTTIIAA AAOO IINNVVEESSTTIIDDOORR EEAA RREESSPPOONNSSAABBIILLIIDDAADDEE CCIIVVIILL DDOO AADDMMIINNIISSTTRRAADDOORR DDEE FFUUNNDDOOSS

Banca examinadora da PUC/SP, sob a orientao do

PROF. DR. FERNANDO A. ALBINO DE OLIVEIRA

PUC/SP2005

III

II - BANCA EXAMINADORA

_______________________________

_______________________________

_______________________________

PUC/SP - 2005

IV

III - Dedicatria

Para

Emlia,

um pequeno tributo por uma luta tointensa, quanto maravilhosa; por acreditarsempre, sem recuar jamais; por ser, dentrode sua grandeza humilde, apenas minhaMe !

Para as minhas Filhas,

Renata, Adriana e Mariana,

e meus Netos,

Lucas e Pedro,

pela terna e eterna alegria de t-los.

V

Para a minha mulher,

Gisela,

pelo carinho, amor e dedicaoincansveis; seu estmulo foi o nico emaior responsvel por tornar exitosoeste pequeno manuscrito.

VI

IV - Agradecimentos

Ao meu Orientador

Prof. Dr. Fernando Albino,

pela magia de tornar compreensvel esimples o ininteligvel mercado, qualidadeinerente apenas grandeza e humildade deum grande e incomparvel Lente.

VII

Aos meus mentores,

Reynaldo Marques Ruggiro eJos Luiz Rosenberis Cunha;

e aos meus amigos da rea de Fundos de Investimentoda Caixa Econmica Federal,

Sandra Jesion, Wilson Risolia, MarceloBonini e Luiz Octvio Chaves,

exemplos mpares de profissionalismo e dedicao,

pelo apoio e incentivo constantes desde o incio destaempreitada e pelas sbias e experientes aulas prticasno nosso dia-a-dia, no objetivo nico de construir umaindstria de fundos cada vez melhor, mais segura, nadefesa intransigente da coisa pblica e do pequenoinvestidor.

VIII

V - RESUMO

A Indstria de Fundos de Investimento, de forma concisa e objetiva,analisa os fundos de investimento regulados pela Comisso de ValoresMobilirios, identificando os principais aspectos de gesto, administrao egovernana corporativa deste segmento to importante do Sistema FinanceiroNacional, concomitantemente indispensvel proteo do pequeno investidor eda responsabilidade do administrador.

Os fundos de investimento, na sua aparente simplicidade, so dosfenmenos mais complexos do mercado de valores mobilirios, pelo fato departiciparem de todos eles, muitas vezes de forma hbrida, na medida em querenem diversos ativos de risco e de diferentes remuneraes, visando a diluir orisco e obtendo um grau de mais valias, buscando sempre efeitos de escala paramelhor remunerar a aplicao de seus cotistas, mediante o acesso adeterminados mercados e produtos, o que no seria possvel ao investidorcomum que no possui a expertise e profissionalizao indispensveis. Assim, osgestores desses fundos possibilitam ao investidor comum o acesso, na proporode sua participao, a condies e mercados a que nunca poderia aceder.

A presente anlise no tem como mote a questo meramente econmica,mas dogmtica. Com efeito, o regime de proteo aos investidores, acomposio das carteiras dos fundos, a diviso dos riscos, dentre outros aspectosrelevantes, j esto conformados sob uma estrutura prvia, devidamentenormatizada pelo rgo regulador. E o sucesso dos fundos de investimento deve-se confluncia de vrios fatores; alm dos j acima mencionados, tm afinalidade de incentivar a poupana pelo contnuo apelo a novos investidores epela diversificao da formas de investimento.

Examina, nesse passo, a vulnerabilidade tcnica e ftica do investidorcomum, o qual assume todos os riscos e eventuais prejuzos causados,decorrentes das oscilaes do mercado, as normas de proteo ao investidor,bem assim a responsabilidade dos administradores e gestores dos fundos.Aborda, os tipos e classificaes dos fundos de investimento no Brasil,ressaltando os principais aspectos relativos constituio e registro dos fundos,a segregao dos ativos, seus prospectos e regulamentos, composio dacarteira e poltica de investimento, valorao das cotas, liquidez, assemblias decotistas, tributao dos rendimentos, controles e relatrios.

Finalmente, identifica a responsabilidade solidria do administrador e dogestor dos fundos de investimentos por eventuais prejuzos causados aosinvestidores em virtude de condutas contrrias lei, ao regulamento ou aos atosnormativos, por ao ou omisso, e sem deixar de enfrentar sob, a ticaeminentemente jurdica, a grave crise que assolou os fundos de investimento noano de 2002, sob o affair da marcao a mercado.

A Indstria de Fundos de Investimento trilha no objetivo de contribuirpara o crescimento desse importante instrumento de captao da poupananacional, propugnando pela indispensvel parceria entre os administradores defundos, rgo regulador e associao de classe para que, juntos, busquem asinovaes e diversificaes impostas pela prpria natureza do mercadofinanceiro, sem, jamais, perder de vista a preservao dos interesses e direitosdo investidor.

IX

VI - ABSTRACT

The Investment Fund Industry, concisely and objectively examinesinvestment funds regulated by Comisso de Valores Mobilirios, pointing out thekey management, portfolio management, and corporate governance aspects ofthis activity so important to the National Financial System, in parallel with theindispensable protection given to small investors and managerial responsibility.

In their apparent simplicity, investment funds are the most complexphenomena in the securities markets, due to the fact that they participate in allof them, often in a hybrid manner, inasmuch as they put together a number ofrisk assets with different compensations, with a view to diluting risks and toobtaining a degree of added value, always seeking effects of scale in order tobetter compensate investments by its quota-holders, by ensuring access tocertain markets and assets, which would not be possible for common investorswho are not in possession of the indispensable expertise and professionalism.Hence, these funds portfolio managers provide access by common investors, inproportion to their share, to conditions and markets to which they would neverhave access.

This analysis is not intended to view the economic issue, but rather thedogmatic issue. In fact, investors protection systems, fund portfolio composition,risk sharing, among other relevant aspects, are already in conformity with aprevious structure duly put in place by the regulating body. And success byinvestment funds is a result of a combination of a number of factors; in additionto those mentioned above, they are intended to encourage savings by means ofa continuous appeal to new investors and through the diversification of means ofinvesting.

In this respect it examines the technical and factual vulnerability ofcommon investors, who assume all kinds of risks and any likely losses broughtabout resulting from market fluctuations, the investor protection rules, as well asthe responsibility by fund managers and portfolio managers. It covers theinvestment fund types and ratings in Brazil, highlighting the key aspects withregard to organization and registration of funds, segregation of assets, theirprospectus and regulations, portfolio composition and investment policy, quotapricing, liquidity, quota-holders meetings, taxation of profits, controls andreports.

Finally, it points out the joint responsibility of investment fund managersand portfolio managers for any likely losses caused to investors owing to conductcontrary to the law, to regulations and to normative rulings, owing to actions oromissions, and from an eminently legal viewpoint, without forgetting to bring tolight the serious crisis which adversely affected investment funds in the year2002, in connection with the mark to market episode.

The Investment Fund Industry aims at the objective of contributing tothe development of this important national savings funding instrument, arguingin favor of an indispensable partnership between fund managers, regulatingbodies, and class associations, so that together they may search for innovationsand diversifications brought about by the very nature of the financial market,without ever losing sight of the preservation of investors interests and rights.

X

VII - SUMRIO

I O Sistema Financeiro Nacional . . . 02

II O Direito Regulatrio Brasileiro1. Introduo . . . . . . . . 202. A competncia reguladora da C. V. M.. . . 343. Gesto profissional de recursos de terceiros. . 50

3.1 A ANBID . . . . . . 57

III Os Fundos de Investimento - FI

1. Introduo . . . . . . . 63

2 Valor mobilirio . . . 68

3 Conceito de fundos de investimento. . 82

4. A legislao brasileira . . . . . 95

5. Os administradores dos F.I.. . . . 101

6. A Segregao da gesto e dos recursos. . 106

7. Os Controles Internos e Gesto de Riscos 1157.1 A proteo dos depsitos e o FGC . 121

8. A Indstria dos Fundos de Investimento8.1 Introduo . . . . . 1348.2 A Classificao dos fundos . . . 138

8.2.1 Fundos de Investimento. . 1558.2.2 FIDC-PIPS. . . . . 1758.2.3 Fundo Imobilirio - FII. . 185

IV Responsabilidade Civil dos Administradores 2201. Case: Marcao a Mercado - Crise de 2002. . 247

V Consideraes Finais. . . . . . 276

VI Bibliografia . . . . . . . 282

VII Anexo: Glossrio 288Legislao 335

1

I O Sistema Financeiro Nacional

2

Em virtude dos seguidos anos de inflao alta, o

sistema bancrio nacional havia alcanado dimenses gigantescas, para

se beneficiar das receitas inflacionria (float), por meio de um nmero

elevado de agncias, utilizadas para a captao de depsitos e

aplicaes, apesar dos elevados custos administrativos, bem assim os

impactos nos balanos em decorrncia dos altos ndices de imobilizao

desses ativos (imobilirios).

Essas estruturas bancrias, entretanto, no poderiam

sobreviver por muito mais tempo, posto que no eram condizentes com

o novo ambiente de estabilizao monetria que foi implementado com

o Plano Real.

Diante do quadro que se vislumbrava de estabilidade

macroeconmica, o sistema financeiro brasileiro teve de passar por

profundas modificaes, sendo redimensionado e reorientado para

novas formas de financiamento de suas atividades.

Nesse sentido, pde-se verificar a diminuio do

nmero de bancos na economia brasileira em decorrncia da liqidao,

incorporao, fuso e transferncia de controle acionrio de vrias

instituies bancrias, pela implementao do PROER, privatizao dos

bancos pblicos, em conjunto com as modificaes adotadas pelo Banco

Central referentes legislao e superviso bancria.

A partir de meados de 1996, a entrada de bancos

internacionais, a despeito das inmeras crticas e questionamentos,

ocasionou efeitos positivos tanto em relao concorrncia bancria,

quanto em relao qualidade das instituies financeiras presentes na

economia brasileira. Foi uma importante oxigenao no sistema

bancrio, o que obrigou os bancos nacionais a procurarem alternativas

rpidas e seguras para a melhoria de servios e diminuio dos custos

3

administrativos. A privatizao dos bancos estaduais contou, inclusive,

com a forte participao desse capital estrangeiro.

Nada obstante, causou grande celeuma entre os mais

renomados juristas ptrios a autorizao ento concedida para o

ingresso dos bancos estrangeiros no mercado nacional brasileiro, com

base no nico, do artigo 52, do Ato das Disposies Constitucionais

Transitrias.

Com efeito, o ento Ministro da Fazenda, Dr. Pedro

Malan, por meio da Exposio de Motivos 311, de 23 de agosto de

1995, ressaltou que o novo cenrio econmico, decorrente do ambiente

de estabilidade econmica vivido no Brasil, contribua para a

interrupo do necessrio e contnuo processo de atualizao

tecnolgica das instituies financeiras, em decorrncia do

desaparecimento dos ganhos inflacionrios.

Informava que as instituies financeiras no tm

condies de arcar, sozinhas e em face da drstica reduo dos seus

ganhos , com a necessria e urgente atualizao tecnolgica, de

forma a dispensar um atendimento cada vez melhor populao,

mediante a implementao de tecnologia de ponta.

Aduziu, por outro lado, que o capital externo j est

presente no sistema financeiro nacional, por intermdio de agncias e

sucursais de bancos estrangeiros, no havendo, assim, motivos

suficientes para impedir a instalao de novas instituies financeiras

estrangeiras no Pas.

Fundamentou sua exposio na necessidade

premente de capital externo pela colaborao que representa no

processo de abertura da economia brasileira, dentro dos planos de

governo tendentes a projetar o Brasil na economia mundial, reduzindo

4

assim o chamado risco Brasil pela maior globalizao do setor

financeiro nacional.

Por fim, entendendo presente o interesse do

Governo Brasileiro a participao ou o aumento do percentual de

participao de pessoas fsicas ou jurdicas, residentes ou domiciliadas

no exterior, no capital das instituies financeiras nacionais, props ao

Chefe do Executivo o uso da prerrogativa que lhe confere o pargrafo

nico, do artigo 52, do Ato das Disposies Constitucionais Transitrias,

seja autorizado o ingresso de capital de instituies financeiras

estrangeiras no Brasil, em face da eficincia operacional e capacidade

financeira por eles detidas que, certamente, daro maior concorrncia

dentro desse mesmo Sistema, com reflexos substancialmente positivos

nos preos dos servios e no custo dos recursos oferecidos sociedade

brasileira.

Com relao a essa deciso, verifica-se do artigo 52

do Ato das Disposies Constitucionais Transitrias:

At que sejam fixadas as condies a que se

refere o art. 192, III, so vedados:

I a instalao, no Pas, de novas agncias de

instituies financeiras domiciliadas no exterior;

II o aumento do percentual de participao, no

capital de instituies financeiras com sede no

Pas, de pessoas fsicas ou jurdicas residentes ou

domiciliadas no exterior.

Pargrafo nico. A vedao a que se refere este

artigo no se aplica s autorizaes resultantes

de acordos internacionais, de reciprocidade, ou de

interesse do Governo brasileiro.

5

Por sua vez, prev o artigo 192 da Constituio

Federal:

O Sistema Financeiro Nacional, estruturado de

forma a promover o desenvolvimento equilibrado

do Pas e a servir aos interesses da coletividade,

ser regulado em lei complementar, que dispor,

inclusive, sobre:

I a autorizao para o funcionamento das

instituies financeiras, assegurando s

instituies bancrias oficiais e privadas acesso a

todos os instrumentos do mercado financeiro

bancrio, sendo vedada a essas instituies a

participao em atividades no previstas na

autorizao de que trata este inciso;

II - ... ... ... ...

III as condies para a participao do capital

estrangeiro nas instituies a que se referem os

incisos anteriores, tendo em vista especialmente:

a) os interesses nacionais;

b) os acordos internacionais;

IV - ... ... ... ...

1 A autorizao a que se referem os incisos I

e II ser inegocivel e intransfervel, permitida a

transmisso do controle da pessoa jurdica titular,

e concedida sem nus, na forma da lei do sistema

financeiro nacional, ... ... ...

6

Um dos fatores que contribuiu para a concentrao

de liqidez foi a ausncia de um mecanismo de seguro de depsitos na

economia brasileira. Esse instrumento, embora previsto no artigo 192

da Constituio, que trata da regulamentao do sistema financeiro,

ainda no se encontra normatizado pelo legislador.

Os benefcios do ingresso desses bancos estrangeiros

no mercado financeiro domstico so diversos.

Por um lado, sabe-se que crises bancrias decorrem

da conjuno de fatores microeconmicos, determinados pelas

caractersticas individuais das instituies financeiras, e fatores

macroeconmicos, representados por choques que ocasionam presses

sobre o sistema financeiro de um pas. Dessa forma, quanto mais fortes

forem as instituies financeiras em uma economia, maior ser a

capacidade do sistema financeiro em absorver choques

macroeconmicos. Assim, a entrada de bancos estrangeiros para atuar

na economia brasileira vai ao encontro do desejo de fortalecer o

sistema financeiro domstico.

De outro, a entrada de bancos estrangeiros aumenta

a concorrncia no sistema financeiro, ocasionando uma reduo dos

spreads e das taxas dos servios bancrios. A reduo dos spreads

bancrios, por sua vez, leva a uma reduo das taxas de juros dos

emprstimos, contribuindo, assim, para o aumento do investimento na

economia.

E, ainda, conforme comentaremos em seguida, o

ingresso de bancos estrangeiros no Brasil tem ajudado a reestruturao

do sistema financeiro domstico, por meio da compra de ativos

financeiros de bancos em liquidao em poder do Banco Central e pela

compra de bancos brasileiros que estavam com desequilbrio

patrimonial. Ademais, esperava-se que bancos estrangeiros viessem a

7

participar ativamente do processo de privatizao de alguns bancos

pblicos, o que de fato ocorreu.

Como antes mencionado, e apesar do Ato das

Disposies Constitucionais Transitrias (artigo 52, incisos I e II) vedar

a instalao, no Pas, de novas agncias de instituies financeiras

domiciliadas no exterior e o aumento do percentual de participao no

capital de instituies financeiras com sede no Pas, de pessoas fsicas

ou jurdicas residentes ou domiciliadas no exterior, at que esta matria

seja definida por lei complementar, o pargrafo nico do mesmo artigo

52 estabelece que essa vedao no se aplica s autorizaes

resultantes de acordos internacionais, de reciprocidade ou de interesse

do Governo brasileiro.

Dessa forma, baseado nos benefcios discutidos

acima decorrentes da entrada do capital estrangeiro no sistema

financeiro brasileiro, o Ministrio da Fazenda editou a referida Exposio

de Motivos n 311, estabelecendo as diretrizes bsicas para a utilizao

da prerrogativa conferida pelo pargrafo nico do artigo 52 do Ato das

Disposies Constitucionais Transitrias.

E a Exposio de Motivos estabelece que do

interesse do Pas a entrada e/ou o aumento da participao de bancos

estrangeiros na economia brasileira.

O que pode explicar, talvez, o forte interesse dos

bancos estrangeiros na economia brasileira , dentre outros fatores, o

forte potencial de crescimento da atividade bancria no Brasil, no

presente mais nos pases desenvolvidos, onde o processo de reduo da

intermediao financeira tem crescido substancialmente.

Dessarte, quer nos parecer que os termos em que se

encontra consubstanciada a Exposio de Motivos 311 constituiu-se

8

numa correta interpretao do artigo 52 do ADCT, no que pertine mais

especificamente ao interesse do Governo Brasileiro, ante a previso de

que o sistema financeiro nacional no suportaria com a sua

estrutura pesada, arcaica e ineficiente , a reestruturao decorrente

da rgida implementao do Plano Real, tornando-se imprescindvel o

aporte de capital estrangeiro para possibilitar uma passagem segura

pelos momentos de maior turbulncia, at que o mercado financeiro

pudesse se adaptar aos novos rumos impostos pelo sistema bancrio

internacional, dentro da globalizao econmica.

A receita inflacionria que alimentava os bancos no

perodo anterior ao Plano Real vem sendo substituda tanto pelo

crescimento da receita proveniente da intermediao financeira

(diferena entre os juros recebidos e pagos - spread), quanto pela

receita de servios via cobrana de tarifas.

Ao contrrio dos pases desenvolvidos, o sistema

financeiro brasileiro ainda tem um forte potencial de crescimento tanto

nos servios de intermediao financeira, pois o mercado de crdito

domstico parte de uma situao de baixa alavancagem, quanto na

oferta de servios bancrios: administrao de portflio, custdia e

emisso de ttulos, custdia de aes etc.

No se pode negar que o Plano Real ocasionou

profundas mudanas na economia brasileira, com impacto direto no

sistema bancrio, dando incio a um amplo processo de reforma

estrutural que, apesar de estar ocorrendo de forma relativamente

rpida, ainda no se completou.

Desde o incio, como j dito, os bancos perderam

uma importante fonte de receita representada pelas transferncias

inflacionrias (float), e que era propiciado pela perda do valor real dos

9

depsitos vista e/ou pela correo dos depsitos bancrios em valores

abaixo da inflao.

Estima-se que dos anos 40 at o incio dos anos 90,

as transferncias do setor no bancrio para o setor bancrio tenham

representado, em termos anuais mdio, quase 2% do PIB.

A perda do float j era um indicador para o sistema

financeiro de que este teria de passar por profundas mudanas, para se

adequar nova realidade de estabilizao de preos. O nmero elevado

de agncias bancrias, que antes se viabilizava por essas transferncias

inflacionrias, no era mais economicamente vivel, levando a que

vrios bancos comeassem seu processo de ajuste pelo fechamento de

agncias. No entanto, esse ajuste, de fato, no se concretizou

imediatamente.

Uma das formas encontradas pelo sistema bancrio

para compensar a perda da receita inflacionria, antes de fechar

agncias e efetuar os ajustes que se faziam necessrios no modelo

operacional, foi expandir as operaes de crdito, lastreadas pelo

crescimento abrupto dos depsitos bancrios trazidos com o Plano Real.

Os depsitos a vista, por exemplo, mostraram crescimento de 165,4 %

nos seis primeiros meses do Plano Real, e os depsitos a prazo

crescimento de quase 40% para o mesmo perodo.

Antecipando-se ao possvel crescimento das

operaes de crditos que decorreria do quadro de estabilidade

macroeconmica, o Banco Central elevou, no incio do Plano Real, as

alquotas de recolhimento compulsrio dos depsitos bancrios. Esse

crescimento rpido dos emprstimos bancrios propiciou que, de incio,

a receita dessas operaes compensassem, em parte, a perda do float,

postergando o ajuste do sistema financeiro que ocorreu de forma mais

intensa a partir de 1995.

10

O grande problema em perodos de expanso rpida

dos crditos o aumento da vulnerabilidade das instituies financeiras,

pelo fato de que esses perodos so momentos de expanso

macroeconmica, quando os devedores esto transitoriamente com

folga de liqidez, dificultando, assim, uma anlise de risco mais rigorosa

por parte dos bancos. Nesses perodos, os bancos so levados a

aumentare a carteira de crdito atravs da incorporao de novos

clientes. Este problema maior, no incio da estabilizao, quando os

balanos do perodo antigo so pouco informativos e muitos dos

cadastros dos clientes tm de ser refeitos.

Embora o aumento dos crditos em atraso e em

liquidao do sistema financeiro no seja o fator determinante dos

problemas verificados em algumas instituies financeiras, a partir do

segundo semestre de 1995, ajudam a explicar a deteriorao adicional

na qualidade dos ativos daquelas instituies que j eram vulnerveis

antes do incio do Plano Real. Esses so precisamente os casos dos

bancos Econmico e Nacional, que deram incio ao perodo mais

delicado do ajuste do sistema financeiro brasileiro, a partir daquele

perodo.

Aps a interveno no Banco Econmico, em agosto

de 1995, iniciou-se um crescente clima de apreenso relativo sade

financeira dos demais bancos privados do Pas, prejudicando as

instituies financeiras menores com a concentrao da liqidez nos

grandes bancos pblicos e privados.

Diante desse quadro e da possibilidade do seu

agravamento com conseqncias negativas para a estabilidade da

economia, foi imprescindvel a participao direta do Governo por meio

de um arcabouo institucional que facilitasse a reestruturao do

sistema financeiro da maneira mais rpida e segura para a sociedade

11

brasileira. Assim, no incio de novembro de 1995, o Governo adotou um

conjunto de medidas voltadas reestruturao e ao fortalecimento do

sistema financeiro nacional, das quais pode-se destacar:

o estabelecimento de incentivos fiscais para a

incorporao de instituies financeiras (MP n 1.179 de 03/11/95),

permitindo que a instituio incorporadora contabilizasse como perda

crditos de difcil recuperao da instituio incorporada e a instituio

incorporadora pudesse contabilizar como gio a diferena entre a valor

patrimonial da participao societria adquirida e o valor da aquisio,

sendo essa diferena compensada nos exerccios fiscais posteriores.

instituio do Programa de Estmulo

Reestruturao e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional -

Proer (Resoluo n 2.208 de 03 de novembro de 1995). As instituies

financeiras que viessem a participar desse programa teriam acesso a

uma linha de crdito especial, poderiam diferir em at dez semestres os

gastos com a reestruturao, reorganizao e modernizao e

poderiam, ainda, ficar temporariamente fora das exigncias do limite

operacional do acordo da Basilia.

aprovao do estatuto e regulamento do Fundo de

Garantia de Crditos FGC1. Esse fundo estabeleceu uma garantia de

at R$ 20 mil para o total de crditos de cada pessoa contra todas as

instituies do mesmo conglomerado financeiro, abrangendo, inclusive,

todas as instituies financeiras que foram submetidas aos regimes de

interveno e/ou liquidao extrajudicial desde o incio do Plano Real.

Esse fundo seria administrado pelos prprios bancos, com a

contribuio mensal de 0,025% do montante dos saldos das contas

seguradas.

1 Resoluo BACEN n 2.211, de 16 de novembro de 1995

12

dificultou-se a constituio de novas instituies

financeiras e criou-se incentivo para os processos de fuso,

incorporao e transferncia de controle acionrio2. Essa norma

aumentou a exigncia mnima de capital para a constituio de novos

bancos, sem alterar o limite mnimo exigido nos casos de fuso,

incorporao e transferncia de controle acionrio.

Entre os princpios que devem ser seguidos para se

efetuar uma reforma saudvel do sistema financeiro, um dos mais

importantes evitar operaes de socorro para os bancos, sem que

haja a modificao do controle acionrio. Caso isso no acontea, corre-

se o risco de salvar bancos que foram administrados

irresponsavelmente, com a possibilidade de que, no futuro, o mesmo

fato volte a ocorrer. o que estamos assistindo hoje, com a decretao

de interveno no Banco Santos S. A.

Consciente desse problema, o Banco Central, ao

editar a Circular n 2.633, de 16 de novembro de 1995, deixou claro

que a autorizao para instituies financeiras participarem do PROER

seria concedida caso a caso, quando ocorresse mudana no controle

acionrio. Essa mesma Circular, no seu artigo 4, especifica que os

administradores das instituies financeiras que tivessem o controle

acionrio transferido no ficariam livres de responsabilidades nas

esferas penal e administrativa.

Dessa forma, o PROER no foi concebido para ser um

programa de socorro a banqueiros, mas sim um programa institudo

para garantir a estabilidade do sistema financeiro, evitando que

problemas de liquidez e/ou solvncia de alguma instituio financeira

ocasionasse uma crise sistmica, prejudicando todos os setores da

economia.

2 Resoluo n 2.212, de 16 de novembro de 1995

13

Definidas as linhas bsicas do programa de ajuste do

sistema financeiro, faziam-se necessrias mudanas na legislao que

permitissem ao Banco Central agir de forma preventiva quando os

bancos no estivessem cumprindo as normas exigidas ou estivessem

com srios problemas financeiros.

A Lei n 6.024/74, que dispe sobre a interveno e

liquidao de instituies financeiras, no permitia uma atuao

preventiva por parte do Banco Central, alm de limitar responsabilidade

dos controladores de instituies financeiras que no estivessem

diretamente envolvidos na administrao do banco.

Desde ento, o Banco Central vem adotando um

conjunto de medidas para melhorar a fiscalizao bancria, destacando-

se:

aumento do poder de interveno do Banco

Central nas instituies financeiras, por meio da Lei 9.447/97, que

permitiu ao Banco Central exigir das instituies com problemas de

liquidez novo aporte de recursos, transferncia do controle acionrio

e/ou reorganizao societria, atravs de incorporao, fuso ou ciso.

Os art. 1 e 2 dessa lei especificam que, nos regimes de interveno e

liquidao extrajudicial de instituies financeiras, os controladores

podem ser responsabilizados, mesmo que no participem da

administrao direta da instituio.3

instituiu a responsabilidade das empresas de

auditoria contbil ou dos auditores contbeis independentes em casos

3 Art. 1 A responsabilidade solidria dos controladores de instituies financeiras estabelecidano art. 15 do Decreto-lei n 2.321, de 25 de fevereiro de 1987, aplica-se, tambm, aos regimes deinterveno e liquidao extrajudicial de que trata a Lei n 6.024, de 13 de maro de 1974. Art. 2 O disposto na Lei n 6.024, de 1974, e no Decreto-lei n 2.321, de 1987, no que se refere indisponibilidade de bens, aplica-se, tambm, aos bens das pessoas, naturais ou jurdicas, quedetenham o controle, direto ou indireto das instituies submetidas aos regimes de interveno,liquidao extrajudicial ou administrao especial temporria.

14

de irregularidades na instituio financeira, forando os auditores

externos a informarem ao Bacen sempre que sejam identificados

problemas ou que o banco esteja negando a divulgao de informaes.

alterou a legislao que trata da abertura de

dependncias dos bancos no exterior e consolidou as demonstraes

financeiras dos bancos no Brasil com suas participaes no exterior

(Resoluo n 2.302 de 25/07/96).

Essa medida estabeleceu o aumento do capital

mnimo exigido para a constituio de bancos com dependncias no

exterior (agncias, escritrios de representao, filiais); o aumento do

capital mnimo exigido para a constituio de dependncias no exterior;

que o Banco Central passe a fiscalizar as operaes das dependncias e

empresas em que o banco tenha participao no exterior (Superviso

Global Consolidada). Caso essa fiscalizao no seja permitida ou

garantida pelo pas estrangeiro, implicar deduo de todas as

participaes do banco no exterior do seu patrimnio lquido, para fins

de apurao dos limites operacionais; e consolidao das

demonstraes financeiras no Brasil com as demonstraes financeiras

do banco no exterior (incluindo dependncias e participaes em

empresas financeiras e no financeiras das quais participe com, pelo

menos, 25% do capital social) para efeitos de clculo dos limites

operacionais do Acordo de Basilia.

permitiu a cobrana de tarifas pela prestao de

servios por parte das instituies financeiras (Resoluo n 2.303 de

25/07/96). Esta Resoluo permitiu que as instituies financeiras

passassem a cobrar tarifas pela prestao de servios, desde a emisso

de um segundo talonrio de cheque no ms, at a prestao de servios

mais sofisticados. Antes do Plano Real, devido ao alto valor da receita

inflacionria, os bancos no costumavam cobrar tarifas de seus clientes,

15

o que representava, portanto, um benefcio implcito para todos os

depositantes.

A criao da Central de Risco de Crdito4 foi uma das

medidas adotada pelo Conselho Monetrio Nacional referente

mudanas na legislao do sistema financeiro. De acordo com esta

medida, as instituies financeiras devem identificar e informar ao

Banco Central os clientes (pessoas fsicas e jurdicas) que possuam

saldo devedor igual ou superior a R$ 50.000,00. Este sistema vai

permitir tambm que as instituies financeiras tenham acesso ao saldo

devedor de cada cliente junto ao sistema financeiro, e desde que o

cliente conceda autorizao especfica para esse fim. Esta medida vai ao

encontro da maior eficincia na fiscalizao das operaes bancrias e

na anlise de risco nas operaes de emprstimo.

Em resumo, o programa de ajuste do sistema

financeiro brasileiro no se restringiu s medidas voltadas para

administrao das transferncias de controle acionrio e incorporaes.

O Governo fortaleceu a legislao5 e a superviso bancria,

possibilitando que o Banco Central tenha, de fato, instrumentos que

permitam uma atuao preventiva.

O sistema financeiro no Brasil tem conseguido, com o

apoio do Governo Federal, ajustar-se satisfatoriamente ao ambiente de

estabilizao macroeconmica que tem caracterizado a economia

brasileira desde a implementao do Plano Real.

Conforme j comentado, a primeira fase do processo

de ajuste do sistema financeiro brasileiro foi dominada pelos processos

de transferncia de controle acionrio e intervenes efetuadas pelo

4 Resoluo n 2.390 de 22/05/975 Outra medida adotada durante a vigncia do Plano Real foi a Resoluo n 2.099, de 17 deagosto de 1994, conhecida como Acordo de Basilia, que estabeleceu o limite mnimo de capitalpara a constituio de um banco e limites adicionais de acordo com o grau de risco da estruturados ativos bancrio.

16

Banco Central, em conjunto com a modificao na legislao e

superviso bancria.

Aps este perodo, que vai de julho de 1994 at

meados de 1996, inicia-se uma nova etapa do processo de ajuste do

sistema financeiro brasileiro, caracterizada tanto pelo ajuste dos bancos

pblicos, quanto pela entrada e aumento de participao de bancos

estrangeiros no sistema financeiro domstico. A entrada desses bancos

na economia brasileira propicia tanto um aumento na competio entre

instituies financeiras, quanto o fortalecimento do sistema financeiro

brasileiro, sendo, portanto, de grande benefcio para a consolidao da

reestruturao iniciada aps o Plano Real.

Em resumo, as caractersticas expostas acima

permitem concluir que, embora a reestruturao e ajustes, tanto por

parte do Governo Federal, quando pelas instituies financeiras que tm

buscado diversificar seus produtos, reduzindo os custos no s

administrativos, como os financeiros, fornecendo aos clientes

alternativas mais baratas no que pertine s taxas de juros, pode-se

esperar que este processo resulte em um sistema financeiro mais

slido, alm de um ambiente favorvel expanso da atividade

bancria no Brasil.

E todos esses mecanismos tendem a incutir no

cidado no s os atrativos mediatos (prazos mais dilatados e juros

reduzidos nos emprstimos e operaes econmico-financeiras), como,

principalmente, o hbito de poupar; e, quando falamos em poupana,

nos referimos ao seu sentido mais amplo, poupana nacional,

indispensvel ao fortalecimento de nossas reservas, tanto quanto para

fazer frente (funding) aos projetos governamentais que buscam a

satisfao da nao quanto a habitao, saneamento, educao e

sade. Sem poupana, no h governo ou pas que tenha capacidade de

fazer frente aos anseios mnimos garantidos constitucionalmente.

17

E, nesse sentido, como veremos mais adiante, os

fundos de investimento vm se tornando um dos mais importante

instrumento de poupana nacional.

Inspido de incio, objeto de olhares desconfiados por

parte dos pequenos investidores, transformou-se, com o passar dos

anos, num dos mais importantes instrumentos de captao de recursos

para o Governo Federal e para as instituies financeiras.

E essa transformao decorreu de uma ao conjunta

entre governo, instituies financeiras e associaes de classe,

plenamente exitosa no af de proteger o investidor, capacitando e

profissionalizando os administradores e gestores de fundos,

concomitante ao eficaz dos rgos reguladores.

Lado a lado, o Banco Central do Brasil, a Comisso

de Valores Mobilirios, a Associao Nacional dos Bancos de

Investimentos ANBID, as instituies financeiras e demais

administradores e gestores, vm transformando radicalmente a viso

do investidor, fornecendo-lhe produtos de altssima qualidade, baixo

custo e satisfatria rentabilidade, em muito superior vetusta mas

ainda robusta , caderneta de poupana clssica.

E, ressalte-se, o maior atrativo desses fundos, alm

de sua rentabilidade diria, a sua liqidez imediata, tal como na

poupana. Alie-se, a tudo isso, informaes claras e precisas,

governana corporativa e profissionais altamente treinados.

18

O Estado, de harmonia com o texto

constitucional, ento, chamado a legislar no

sentido de assegurar a formao, a captao e a

segurana das poupanas, o que parece envolver

um amplo campo de aco que passa quer pela

regulao de organizao e funcionamento dos

mercados quer pelo acompanhamento da

qualidade e actividade dos agentes financeiros

envolvidos e dos servios por eles prestados.6

Mais adiante tornaremos ao assunto, procurando

esmiuar uma pouco mais detidamente esse fantstico mundo do

mercado financeiro chamado de Fundos de Investimento.

6 Eduardo Paz Ferreira, Sectores Estratgicos e Interveno do Estado no Mercado de ValoresMobilirios.

19

II O Direito Regulatrio Brasileiro

20

1 Introduo

Como asseverado, o Brasil, na ltima dcada, vem se

adequando a uma nova forma de modelo de Estado.

Ela baseada em um modelo mediador e regulador.

Assim ele se desprende das amarras do monoplio estatal, resqucio de

modelos interventores, de que so exemplos a poca de Getlio Vargas

e, num passado mais recente, o regime militar.

Alm do Brasil, o mundo tambm tem mudado muito

nos ltimos anos. Uma forte tendncia mundial est ajudando a

desenhar uma nova estrutura de Estado. Este deixa, aos poucos, o

antigo modelo interventor e passa a assumir um modelo de regulao

compartilhada com a prpria sociedade.

Entretanto, o Estado Regulador pode pender mais

para um lado liberal, ou mais para uma lado social, dependendo das

diretrizes que norteiam o modelo regulatrio adotado por cada pas.

Aqueles pases que adotaram um sistema regulatrio

como resultado da implantao de polticas liberais, acreditam nos

valores da liberdade econmica e de comrcio como fundamentais.

Estas idias liberais comearam a ser estudadas com mais afinco nos

tempos do iluminismo fase pr-revoluo francesa. O ressurgimento

das idias iluministas de livre mercado ocorrem no sculo XX com a

ascenso de dois lderes mundiais: na Inglaterra, Margareth Taetcher e,

nos Estados Unidos, Ronald Reagan. Estes dois nomes foram

fundamentais para implantao de uma nova concepo de Estado no

mundo que tinha a liberdade econmica como princpio fundamental.

Esta liberdade, diziam eles, levaria estes pases ao bem estar social. Ou

seja, ao invs de Estado prover diretamente o bem estar social (o

21

conhecido welfare state), este flexibilizaria leis e no interviria no

mercado, para que este, aos poucos, pudesse prover o bem estar

social.

O Prof. JOS AFONSO DA SILVA7, ao tratar da

estrutura normativa das constituies e eficcia das normas

constitucionais, assevera que dois so os elementos componentes das

constituies, na concepo de Carl Schmidt: de um lado, os princpios

do Estado de Direito para proteo da liberdade individual perante o

Estado; de outro, o elemento poltico, do qual decorre a forma de

governo.

Referindo-se forma de governo e s suas entidades

estatais, impossvel deixarmos de transcrever as consideraes a

seguir:

A constituio transformou-se, assim, num

conceito ao qual convergem diversas esferas da

realidade, razo por que os autores descobrem,

nela, um documento de estrutura complexa numa

unidade sistemtico-formal, integrado de vrios

elementos.

A propsito, j citamos, Pinto Ferreira, Posada e

Schmidt. Outros autores discutiram o tema,

bastando-nos aqui indicar a posio de Karl

Loewenstein, para quem uma constituio

autntica deve conter, como mnimo irredutvel,

os seguintes elementos fundamentais:

7 Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 1968. Ed. RT, So Paulo, p.167.

22

a) a diferenciao das diversas tarefas estatais

e sua atribuio a diferentes rgos estatais ou

detentores do poder, para evitar a

concentrao do poder nas mos de um nico e

autocrtico detentor do poder;

b) um mecanismo planejado que estabelea a

cooperao dos diversos detentores do poder;

dispositivos e instituies em forma de freios e

contrapesos, significando simultaneamente

uma distribuio e, portanto, uma limitao do

exerccio do poder poltico; ....

O assunto pertinente atuao do Estado no domnio

econmico est a exigir, sempre, precisa distino entre os chamados

servios pblicos e as atividades econmico-financeiras.

Estamos diante do droit du pralable, da

exigibilidade dos atos administrativos insculpidos na Constituio, da

posio privilegiada e de supremacia do Estado.

A Administrao, em face da sua desigualdade, cria

uma posio de supremacia capaz de lhe permitir a gerncia dos

interesses pblicos:

A manifestao da vontade do Estado,

internamente, se faz, de regra, de forma

unilateral, tendo em vista o interesse estatal,

como expresso do interesse do todo social, em

contraposio outra pessoa por ela atingida ou

com ela relacionada.

23

E, mesmo quando as situaes jurdicas se

formam acaso por acordo entre as partes de

posio hierrquica diferente, isto , entre o

Estado e outras entidades administrativas

menores e os particulares, o regime jurdico a que

se sujeitam de carter estatutrio.

Portanto, a autonomia da vontade s existe na

formao do ato jurdico. Porm, os direitos e

deveres relativos situao jurdica dela

resultante, a sua natureza e extenso so

regulamentados por ato unilateral do Estado,

jamais por disposies criadas pelas partes.

Ocorrem, atravs de processos tcnicos de

imposio autoritria da sua vontade, nos quais

estabelecem as normas adequadas e se conferem

os poderes prprios para atingir o fim estatal que

a realizao do bem comum.

a ordem do direito interno, nas relaes com

outras entidades menores ou com particulares. 8

A definio formal de igualdade bastante complexa

e indissocivel do conceito de interesse, na busca incessante da Justia.

8 Oswaldo Aranha Bandeira de Mello. Conceito de Direito Administrativo. Rev. da PUC. 1964.XXVII, p. 36, apud Celso Antonio Bandeira de Mello - Curso de Direito Administrativo. op.cit.p.20)

24

KARL LARENZ9 j afirmava que a questo da

determinao do modo como ser possvel ao juiz chegar deciso

justa dos casos, com a ajuda da lei ou, porventura, sem ela, ocupa em

boa verdade os autores modernos da metodologia jurdica.

O referido autor, ao discorrer sobre as bases em que

se encontra fundado um sistema normativo que, em princpio, deveria

estabelecer um valor o mais geral possvel, do qual se pudessem inferir

normas, imperativos, se reporta ao princpio da igualdade:

Distingue a justia formal enquanto tratamento

igual do que (essencialmente) igual e o seu

preenchimento material. No entanto, o reverso

do preceito de igual tratamento, a saber, o

tratamento desigual do que diferente, e

compreende portanto a igualdade desde o incio

tambm como proporcionalidade como suum

cuique , e como princpio de equivalncia.

Conseqentemente, a idia de justia formal

no vazia de contedo, mas exprime algo de

normativamente muito importante. Obriga-nos,

sendo ponderada enquanto princpio do

tratamento igual ou enquanto divisa suum cuique

ou enquanto princpio da equivalncia, a tratar

por igual o essencialmente igual e a tratar

diferentemente o que essencialmente diferente

e, nessa conformidade, a prestar cuidadosamente

contas de se e sob que pontos de vista requer

algo um tratamento igual ou diferente.

9 Metodologia da Cincia do Direito. 2 Edio. Ed. Fund. Calouste Gulbekian. p. 140

25

Alis, essa matria no exclusividade do direito

ptrio, mas j foi alvo de profundos estudos por renomados

constitucionalistas do mundo todo, ao tratarem dos direitos

fundamentais, tais como J.J., Gomes Canotilho e Jorge Miranda,

Bleckmann, Cerri, Cano Mata, Rubio Llorente, Riedel, Bethge, Schlink e

Hesse, dentre outros.

Reportando-se vasta bibliografia do direito

comparado, J.J. GOMES CANOTILHO, em acurado estudo sobre o

regime dos direitos fundamentais, esclarece no que respeita s pessoas

coletivas:

O conceito de pessoas colectivas abrange, sem

dvida, as entidades organizatrias susceptveis

de capacidade jurdica geral, mas no est

excluda a extenso da capacidade a outras

entidades dotadas apenas de subjectividade

jurdica parcial. ... ... ... ...

Ao reconhecer-se s pessoas colectivas direitos

compatveis com a sua natureza, pretende-se no

apenas que se tenha em conta a essncia da

pessoa colectiva em causa (pessoa colectiva

dotada de personalidade jurdica, ... ..., pessoa

colectiva de direito pblico ou de direito privado)

... ... ... ...

A titularidade de direitos por parte de pessoas

colectivas de direito pblico tem sido muito

discutida na doutrina. A tese negativa baseia-se,

fundamentalmente, em dois argumentos:

26

(1) os direitos fundamentais arrancam da idia

de uma esfera de liberdade perante os poderes

pblicos, no sendo concebvel gozarem as

corporaes, instituies ou fundaes de direito

pblico da titularidade de direitos fundamentais

no exerccio de tarefas pblicas;

(2) incompatvel considerar o Estado (as suas

corporaes, instituies ou fundaes) como

destinatrio dos direitos fundamentais, e,

simultaneamente, como titular dos mesmos

direitos fundamentais (argumento da identidade

ou da confuso). No caso de leso de direitos

de uma corporao pblica por parte de outra

entidade pblica estaramos perante conflitos de

competncias e no perante leses de direitos

fundamentais de pessoas colectivas pblicas.

... ... ...

Alm disso, estas mesmas pessoas podem

encontrar-se em tpicas situaes de sujeio e

no numa posio de proeminncia ou de

poder. 10

Trata-se, pois, da fixao de competncia, tpica

situao de sujeio ao poder do Estado, que lhes delimita o campo de

atuao dentro de seu livre arbtrio e exclusiva vontade poltica.

10 J.J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional,6 Edio, Liv. Almedina, Lisboa, 1993, pp.558/560.

27

Por competncia entender-se- o poder de aco

e de actuao atribudo aos vrios rgos e

agentes constitucionais com o fim de

prosseguirem as tarefas de que so constitucional

ou legalmente incumbidos.

A competncia envolve, por conseguinte, a

atribuio de determinadas tarefas bem como os

meios de aco (poderes) necessrios para a sua

prossecuo. Alm disso, a competncia delimita

o quadro jurdico de actuao de uma unidade

organizatria relativamente a outra.

... ... ...

Para converterem os seus poderes

(competncia) em actos, os rgos ou agentes

constitucionais devem obedecer a um

procedimento juridicamente regulado. O exerccio

das funes pblicas est sujeito a um iter

procedimental juridicamente adequado garantia

dos direitos fundamentais e defesa dos

princpios bsicos do Estado de direito

democrtico. 11

Normas constitucionais h que se destinam a regular,

especificamente, instituies pblicas e privadas, delimitando seus

campos de atuao.

11 Jorge Miranda, Funes, rgos e Actos do Estado, apud J.J. Gomes Canotilho, ob. cit., p.676/677.

28

Veja-se, mais uma vez, J.J. GOMES CANOTILHO, que

assim se expressa:

As normas que se destinam a proteger

instituies (pblicas ou privadas) so

designadas, pela doutrina, por normas de

garantias institucionais.

Andam, muitas vezes, associadas s normas de

direitos fundamentais, visando proteger formas de

vida e de organizao social indispensveis

prpria proteco de direitos dos cidados. 12

No se trata, pois, de norma programtica, mas de

norma de eficcia diferida.

As normas de eficcia diferida trazem j definida,

intacta e regulada pela Constituio a matria que

lhe serve de objeto, a qual depois ser apenas

efetivada na prtica mediante atos legislativos de

aplicao. No so promessas cujo contedo h

de ser ministrado ou estabelecido a posteriori pela

autoridade legislativa interposta, como ocorre

com as normas programticas stricto sensu.

As normas de eficcia diferida, para aplicarem a

matria a que diretamente se referem, precisam

apenas de meios tcnicos ou instrumentais. Desde

o primeiro momento, sua eficcia ou

aplicabilidade pode manifestar-se de maneira

imediata, posto que incompleta, ficando assim,

por exigncias tcnicas, condicionadas a

emanao de sucessivas normas integrativas. 13

12 Direito Constitucional, p. 17713 Paulo Bonavides, Curso de Direito Constitucional, 5 Edio, Ed. Malheiros, SP, 1994, p. 225.

29

Durante a maior parte dos anos do sculo XX,

vivemos sobre a gide da forte interveno estatal na vida da populao

e na economia que inibiam a livre iniciativa nacional e que tornavam o

pas fechado para a entrada de investimentos externos.

Antigamente, o Estado brasileiro, que somente agora

est conseguindo se livrar das amarras do poder estatal, tambm era

dono de inmeras empresas. Eram do Estado os monoplios da

explorao de petrleo, gerao e distribuio de energia eltrica e

servios de telefonia somente para citar alguns. A presena do

Estado se dava em incontveis reas.

E este excesso de presena estatal na economia

acaba por gerar mais impostos, pois o Estado deseja manter e

aumentar o nvel de investimento em suas empresas estatais, gerar

clientelismo e troca de favores.

A desregulamentao em certos setores e o incio do

processo de desestatizao foi fundamental para pas, pois o Estado

brasileiro no conseguia mais suportar o nvel de investimento

necessrio para gerar desenvolvimento.

Logo, nosso pas sai de uma fase extremamente

intervencionista e entra no novo sculo com vistas a consolidar um

novo modelo, o do Estado Regulador. Este sistema traz consigo, como

seus principais cones, as agncias e rgos (autarquias) de regulao.

O Estado delega para iniciativa privada a execuo

de algumas obras e servios que at pouco tempo eram de sua

exclusiva funo. Neste novo momento, o Estado aparece como

fiscalizador, e no mais como executor.

Neste momento surge o Direito Regulatrio, que a

juno das regras de direito pblico, constitucionais, econmicas e

administrativas, que regem as agncias de regulao e sua relao com

concessionrios, pemissionrios e usurios.

30

Portanto, alm de ser classificado eminentemente

como parte do Direito Pblico, o Direito Regulatrio, em funo de sua

ligao com as empresas privadas que executam estes servios, traz

tambm nuanas de Direito Privado.

No Brasil, face escassez de disponibilidade de

recursos do Estado para financiar o desenvolvimento, surgiram vrias

teorias econmicas que visavam a suprir esta lacuna. Entre elas, as

mais famosas foram as teorias de Mrio Henrique Simonsen, que

sugeria uma abrangente privatizao. Outra surgiu da equipe de

economistas, com nfase para aqueles egressos da PUC do Rio de

Janeiro, formada por Edmar Bacha, Prsio Arida e Andr Lara Rezende,

que sugeriam uma privatizao na margem, abrindo o mercado para

que houvessem empresas pblicas e privadas concorrendo entre si.

Uma terceira teoria surgiu com o professor Igncio Rangel, que sugeria

uma concesso dos servios pblicos, ao contrrio da privatizao, pois

a regulao do setor ficaria nas mos do Estado.

Nesta nova fase de prestao dos servios pblicos, o

estado brasileiro deixou de ser um estado executor, que atuava na

ordem econmica por meio de pessoas jurdicas a ele vinculadas

(interveno, monoplio) e passa a ser um Estado Regulador, que, de

acordo com a Constituio Federal de 1988, em seu artigo 174, fixa as

regras disciplinadoras da ordem econmica para ajust-la aos ditames

da justia social, exercendo o papel de fiscalizao .

A principal mudana para a populao com este

recm-chegado modelo, a nova maneira de prestao de servios

pblicos, que podem se dar de duas formas, direta ou indireta. O

processo de desestatizao se caracterizou pelo incremento da

prestao indireta, pois aumentaram as delegaes destes servios. A

forma indireta se caracteriza, basicamente, por quatro diferentes

modalidades: concesso, permisso, autorizao e terceirizao.

31

Nestas formas, as empresas atuam como uma longa

manus do poder estatal, atuando em setores de responsabilidade do

Estado.

Sobre todas os mtodos paira um mais abrangente,

que diz respeito aos demais, chamado de desregulamentao que

visava desburocratizao, mas que acabou por gerar novas

regulamentaes. Em resumo, nesta nova fase, o Estado no mais o

nico provedor de servios pblicos, pois com a quebra do monoplio

estatal, estes foram delegados iniciativa privada.

H uma outra forma de retirada do Estado da

prestao de servios pblicos, a chamada privatizao. No pode

ser considerada uma forma de delegao, porque no uma prestao

indireta do Estado, pois nesta modalidade, o Estado se retira por

completo da prestao do servio, no restando responsabilidade

indireta ou residual.

Portanto, utilizar o termo privatizao como um

termo geral, que designe todo o processo de retirada do Estado da

prestao de servios e obras pblicas, nem sempre o mais

adequado. Poderia se chamar este processo de desestatizao, que

engloba todas as modalidades. Vale lembrar que o Estado brasileiro no

se retirou do cenrio da prestao de servios pblicos, quando da

delegao iniciativa privada. As empresas privadas, concessionrias

ou permissionrias, atuam como uma longa manus do poder estatal.

A responsabilidade constitucional da prestao destes servios

concedidos, na maioria das vezes, continua com o Estado, portanto, ele

est simplesmente delegando a execuo para a iniciativa privada, visto

que continua a ser definido por lei como um servio pblico.

Os conceitos de regulao no Brasil passam por trs

momentos distintos, onde, por conseqncia passa o direito, pois esses

mudam de acordo com a legislao vigente.

32

A criao de agncias reguladoras resultado direto

do processo de retirada do Estado da economia. Estas foram criadas

com o escopo de normatizar os setores dos servios pblicos delegados

e de buscar equilbrio e harmonia entre o Estado, usurios e

delegatrios.

Na Alemanha, este novo conceito chamado

economia social de mercado. Logo, se h uma regulao, no o

liberalismo puro; tambm no correto afirmar que este modelo se

aproxima dos conceitos socialistas, pois h concorrncia entre a

iniciativa privada na prestao de servios. Portanto, a idia a de um

capitalismo regulado, que visa evitar crises. Entretanto, no deixa de

ser um modo de interferncia do Estado na economia.

No discurso de posse do Ex-Ministro Srgio Motta no

Ministrio das Comunicaes, em 1995, j se verificava que este novo

modelo estava por ser implantado:

(...) Dentro dos limites constitucionais,

pretendemos avanar nas parcerias. Mas no nas

parcerias inadequadas, que vo apenas buscar o

capital do empresrio privado. Queremos tambm

a capacidade de gesto do empresrio para a

melhoria da produtividade. No queremos uma

soluo falsa, mas uma soluo real para as

parcerias. Vamos busc-las dentro dos limites

constitucionais e brigar com a Constituio para

que se retire o que um atraso, o que foi

aprovado de 1988 para c.

"Isso no significa afastar o Estado do poder

controlador e fiscalizador. As infovias, por

exemplo, so vias que devero ser

regulamentadas pelo Estado, para que

33

democraticamente sejam usadas por todos. O

modelo institucional uma rea na qual vou

investir fortemente. A funo das agncias

delimitada, porm, dentro de um espectro de

dimenses grandes. A mbito de atuao passa

por diversas reas, sendo as mais importantes as

de fiscalizao, regulamentao, regulao e por

vezes, arbitragem e mediao, porm, sempre

dentro dos limites que a lei impe. Para possuir

estes poderes, quando concebidas, a agncias

foram dotadas de personalidade jurdica de direito

pblico.

"Espera-se que no futuro, as agncias liberem

mais o mercado, incentivando a livre

concorrncia, ou seja, sendo cada vez menos

interventoras. Vale lembrar que a constituio das

agncias reguladoras vem seguindo um mesmo

modelo, o de autarquias de regime especial, como

bem lembra a Dra. Maria Sylvia Zanella Di Pietro

em sua obra intitulada Direito Administrativo, na

seo destinada s agncias reguladoras:

Embora no haja disciplina legal nica, a

instituio dessas agncias vem obedecendo mais

ou menos o mesmo padro, o que no impede

que outros modelos sejam idealizados

posteriormente .

34

2 A Competncia Reguladora da C.V.M.

A Lei n 6.385/76, ao criar a CVM, conferiu-lhe ampla

competncia para o exerccio do poder de polcia no mbito do mercado

de valores mobilirios, incumbindo-a de:

a) administrar registros de emisso e distribuio de

valores mobilirios no mercado, bem como os registros de companhias

para negociao dos ttulos de sua emisso em bolsa e no mercado de

balco, demandando a concesso desses registros a elaborao de

prvio estudo econmico-financeiro do desempenho das empresas,

visando averiguao de que os prospectos por elas divulgados

espelham efetivamente a situao ftica das companhias.

b) disciplinar a organizao, o funcionamento e as

operaes das bolsas de valores, promovendo o acompanhamento

dirio e simultneo das operaes que se realizam no mercado burstil,

com o objetivo de avaliar a adequao das operaes, por ocasio da

sua realizao, s normas legais e regulamentares que as balizam.

Alm do acompanhamento das operaes rotineiras que se efetuam nas

bolsas de valores, compete tambm a CVM autorizar ou conceder

registros para a execuo de operaes especiais com aes de

companhias abertas, tais como alienaes ou aquisies de controle

acionrio, negociaes com blocos de aes, operaes relativas a

incorporaes, fuses, cises e liquidaes de companhias abertas, bem

como reorganizaes societrias.

c) regular, autorizar e fiscalizar a administrao de

carteiras de custdia de valores mobilirios, a auditoria das companhias

abertas, os servios de consultoria e anlise de valores mobilirios, os

35

fundos de aes e sociedades de investimentos, e a negociao e

intermediao de valores mobilirios.

d) fiscalizar permanentemente as pessoas

integrantes do sistema de distribuio, as companhias abertas, as

sociedades beneficirias de recursos oriundos de incentivos fiscais, os

fundos e sociedades de investimento, as carteiras de depsito de

valores mobilirios, os auditores independentes, os consultores e

analistas, bem como outras pessoas naturais ou jurdicas que

participam do mercado.

No mbito da fiscalizao interna, isto , de

acompanhamento das atividades do mercado e das companhias abertas

e beneficirias de incentivos fiscais, a CVM procede requisio e ao

exame de demonstraes financeiras e de outras informaes

relevantes, as quais devem ser periodicamente enviadas pelos

administradores.

Compete a CVM analisar tais documentos, com vistas

correo de possveis desvios ou irregularidades.

A CVM dispe, como se v, de amplo poder de

polcia, previsto em lei, o qual exercido de forma continuada, regular

e permanente, luz dos princpios gerais da Administrao Pblica,

previstos no caput do artigo 37 da Constituio Federal, dos quais no

pode aquela autarquia se afastar, sob pena de desvio de finalidade,

como visto.

O poder regulador atribudo pela lei CVM, no

mbito do mercado de valores mobilirios, tal qual outro poder estatal,

constitui verdadeiro poder-dever que, como pacificamente reconhecido

pela doutrina e pela jurisprudncia, no comporta digresses acerca da

sua utilizao ou no pela autoridade administrativa, j que,

relembrando o saudoso Professor Hely Lopes Meirelles, o poder tem

para o agente pblico o significado de dever para com a comunidade e

36

para com os indivduos, no sentido de que quem o detm est sempre

na obrigao de exercit-lo.

No que concerne especificamente s ofertas pblicas

de valores mobilirios no mercado, assim entendidas as operaes

definidas na Lei n 6.385/76, bem como aquelas estabelecidas em

normas especficas expedidas pela CVM, o registro obrigatrio naquela

autarquia, tem por escopo o atendimento da poltica de disclosure,

que consiste exatamente na divulgao de

informaes amplas e completas a respeito da

companhia e dos valores mobilirios por ela

ofertados. 14

Constata-se, portanto, relativamente alienao de

aes de titularidade de sujeitos de direito pblico, que h ntida

identidade entre o interesse pblico, consagrado como fim precpuo da

Administrao, e o disclousure que incumbe CVM resguardar, por

expressa disposio legal.

relevante a atuao preventiva e fomentadora da

CVM no mbito do mercado de valores mobilirios, expressamente

prevista em lei (Lei n 6.385/76, art. 4), a qual, inclusive,

reconhecida pelo prprio mercado, no sendo demais reproduzir o

entendimento predominante no meio:

..., deve ser destacado que fundamental para a

estabilidade do mercado acionrio, assim como para

o sucesso de um programa de privatizao que

pretenda alcanar uma valorizao crescente do

patrimnio pblico, assim como uma ampla

democratizao dos bens de capital, atravs da

disperso, entre o grande pblico poupador, de

14 Nelson Eizirick, Aspectos Modernos do Direito Societrio.

37

aes de emisso de empresas que atuam em

diferentes setores de atividade econmica, a

existncia de uma agncia estatal forte, tcnica e

financeiramente independente, que possa ter um

quadro de tcnicos de alto nvel profissional e

indiscutvel qualidade tica, contribuindo para que as

operaes de mercado sejam realizadas dentro de

padres exemplares, tudo com vistas busca da

eficincia do prprio mercado, com o que estar

preservado o interesse maior, que o de v-lo

cumprir adequadamente sua funo econmica.

Dentro dessa linha, chegada a hora de se fazer

uma verdadeira cruzada, em cada trincheira

alcanvel, para sensibilizar a classe poltica, bem

como as autoridades federais, sobre a importncia

que tem, em nosso processo de crescimento

econmico, a Comisso de Valores Mobilirios que,

apesar de todas as dificuldades com que se tem

defrontado, vem cumprindo satisfatoriamente o seu

papel, graas dedicao de um quadro de

competentes e dedicados tcnicos. 15

As instrues baixadas pela CVM decorrem do seu

poder-dever de regulao do mercado de valores mobilirios, de cujo

exerccio no pode aquela autarquia deixar se desincumbir, por fora da

Lei n 6.385/76 e pelo prprio mandamento constitucional, como visto

acima.

A constituio da Comisso de Valores Mobilirios

(CVM), em 1976, se deu como uma das medidas adotadas com o

objetivo de promover a expanso econmica do pas, sob a premissa de

que o mercado de valores mobilirios desempenha funo estratgica

38

para o financiamento da atividade produtiva e, conseqentemente, para

o aumento da capacidade das empresas de gerar riquezas e

oportunidades de emprego.

A lei reserva CVM competncia para estabelecer,

aos participantes do mercado, padres de conduta. De outro lado, a

CVM fiscaliza as atividades e os servios do mercado, bem como a

veiculao de informaes relativas s pessoas que dele participem e

aos valores nele negociados.

A Lei 4.728/65 e a Lei 6.404/76 proporcionaram um

arcabouo legal que permitiu s empresas e instituies financeiras

participantes da conjuntura econmica e financeira dessas pocas,

ampliar seu desenvolvimento tcnico e, por conseguinte, aumentar a

eficincia de alocao de recursos em todo o sistema financeiro.

Tendo em vista que o mercado financeiro e de

capitais um ambiente de negcios extremamente dinmico, a

regulamentao de suas atividades deve acompanhar de perto sua

evoluo, de forma a permitir o constante aperfeioamento das

instituies, dos profissionais, das companhias e, fundamentalmente,

proporcionar proteo aos investidores.

importante frisar que as caractersticas mais

relevantes das legislaes societrias dos mais diversos pases so

muito parecidas entre si. A grande diferena que se percebe no

tratamento dado aos acionistas no controladores, no nmero de

companhias abertas e no grau de eficincia do mercado de capitais,

est fortemente relacionada ao estgio de desenvolvimento econmico

e financeiro da sociedade em questo, e eficincia do sistema legal de

fazer cumprir as normatizaes existentes.

15 Luiz Leonardo Cantidiano, Direito Societrio e Mercado de Capitais..

39

Uma grande massa de investidores comeou a

investir em aes, aps as reformas promovidas no sistema financeiro

pela Lei de Mercado de Capitais de 1965.

Entre outros benefcios, a referida lei possibilitou aos

investidores, o acesso a novos instrumentos para a aplicao do capital,

visando ao desenvolvimento global do mercado e o estmulo poupana

e suas aplicaes no mercado nacional.

Entretanto, com a queda da Bolsa em 1971, foi

interrompido o processo de crescimento do nmero de investidores

individuais no mercado de aes, que vinha crescendo desde a poca da

publicao da lei mencionada. As cotaes das aes em bolsa e a

participao dos investidores no mercado foram se recuperando ao

longo da dcada de 70.

Os aspectos mais relevantes da dcada de 70, no

tocante ao Mercado de Capitais, foram:

regulamentao dos fundos mtuos de

investimento em 1970;

boom da Bolsa em 1971;

novas regras sobre auditores independentes em

1972;

regulamentao dos investimentos estrangeiros

no mercado de capitais;

criao da Comisso de Valores Mobilirios em

1976;

nova lei das Sociedades por aes em 1976; e

regulamentao das entidades de previdncia

privada em 1977.

40

A partir da entrada em vigor das Leis 6.404/76

que estabeleceu novos paradigmas para a atuao das sociedades

annimas , e da Lei 6.385/76 que criou a CVM e definiu suas

atribuies e competncias, cresceu o nmero de empresas que se

utilizaram do mercado de capitais para captar recursos, da mesma

forma que, tambm, aumentou o nmero de investidores em fundos de

investimento.

Conforme Andrezzo e Lima16 e segundo a exposio

de motivos que acompanhou a Lei, esta visava basicamente

criar a estrutura jurdica necessria ao

fortalecimento do mercado de capitais de risco no

Pais, imprescindvel sobrevivncia da empresa

privada na fase atual da economia brasileira. A

mobilizao da poupana popular e o seu

encaminhamento voluntrio para o setor

empresarial exigem, contudo, o estabelecimento

de uma sistemtica que assegure ao acionista

minoritrio o respeito a regras definidas e

eqitativas, as quais, sem imobilizar o empresrio

em suas iniciativas, ofeream atrativos suficientes

de rentabilidade e segurana.

Assim, foi preciso considerar, simultaneamente, dois

aspectos:

- ampliar a gama de valores mobilirios, a fim de

que os mesmos fossem utilizados na medida das necessidades das

sociedades por aes; e

- dotar o investidor de suficiente confiana de que

obteria um grau de segurana e rentabilidade compatveis com as suas

16 Mercado Financeiro: aspectos histricos e conceituais, p. 338.

41

perspectivas de investimento e com o grau de risco que aceitasse

tomar.

O mercado se desenvolveu satisfatoriamente at o

final dos anos 80, poca em que se observou uma tendncia de queda

do nmero de investidores individuais e da participao relativa do

mercado de capitais na economia, em vista, principalmente, da

acelerao do processo inflacionrio, da prtica de altas taxas de juros

e do grau de concentrao dos negcios nos mercados de bolsa e de

balco.

Em janeiro de 1991, em consonncia com o

desenvolvimento dos mercados de capitais em diversas economias, foi

divulgado, em conjunto, pela Secretaria do Planejamento e a CVM, o

Plano Diretor do Mercado de Capitais, com o objetivo de fomentar e

desregulamentar o mercado.

Conforme Alves17, o diagnstico apresentado

contrapunha a tendncia de expanso do mercado de capitais

internacional, por meio de aplicaes de formao de portflio,

inclusive em pases emergentes, e crescente securitizao das dvidas,

com a debilidade do mercado de capitais domstico. Este documento

apontava a existncia oficial de 912 companhias abertas em 1990,

sendo que, na verdade, existiam apenas 200 realmente efetivas,

enquanto o potencial era de 3.000 companhias abertas.

Este plano apresentou cinqenta medidas de

desregulamentao e fomento para fortalecer o mercado acionrio.

As principais diretrizes foram:

a. Incentivar a participao dos empregados no

lucro da empresa, aliado ao objetivo de se constituir alguma forma de

poupana e/ou patrimnio liquido individual do trabalhador;

42

b. Maior controle e participao na gesto das

empresas por parte dos scios acionistas, mediante a emisso crescente

de aes ordinrias, valorizao das preferenciais, melhoria na poltica

de dividendos e proteo ao minoritrio;

c. Aumento da transparncia das empresas,

incluindo-se as estatais e fechadas de grande porte;

d. Maior eficincia na administrao de recursos,

mediante a flexibilizao das aplicaes dos investidores institucionais;

e. Aperfeioamento do sistema de intermediao,

incluindo bolsas e mercado de balco;

f. Agilizao e reduo dos custos de colocao

dos valores mobilirios;

g. Reavaliao das funes de desenvolvimento e

fiscalizao do mercado de capitais, e reestruturao da CVM;

h. Agilizao da Justia;

i. Flexibilizao do mecanismo de captao da

poupana externa, caminhando gradualmente para a abertura do

mercado ao exterior.

Portanto, as novas regulamentaes deveriam seguir

essas diretrizes. Porm, o cenrio do mercado de capitais brasileiro

piorou ainda mais nos anos 90, em razo direta de polticas monetrias

fundamentadas em patamares elevados de juros, aliado grande

concentrao de negcios em um nmero cada vez menor de

instituies, falta de disperso dos valores mobilirios observada nas

emisses primrias, e inexistncia de balanceamento da relao entre

custo e benefcio de se tornar, e permanecer, como companhia aberta,

17 Mercados dinmicos, princpios eternos: as bolsas, competitividade, futuros e derivativos, 290p.

43

o que acarretou no decrscimo do nmero de empresas com aes

negociadas em bolsa.

Ao final da dcada de 90, o movimento de

globalizao das economias e dos mercados financeiros, em especial,

chegou at o Brasil. Nesse perodo o governo promoveu o processo de

privatizao de inmeras empresas estatais, no mbito do mercado de

capitais brasileiro.

Nessa nova conjuntura foi sancionada a Lei

9.457/97, que permitiu uma grande flexibilidade na atuao do governo

brasileiro com vistas a vender suas posies acionrias em diversas

companhias.

A opo escolhida para a venda dessas aes se

fundamentou na realizao de leiles em bolsa, cujos participantes

deveriam atender a uma srie de pr-requisitos para se candidatarem

compra dessas participaes.

Cabe, aqui, mencionar um dos maiores cases de

sucesso na pulverizao de aes para o pequeno investidor, quais

sejam, os Fundos Mtuos de Privatizao FMP PETROBRAS e VALE.

Desde que o governo permitiu a aquisio das aes

da Petrobras e da Vale com a utilizao dos recursos do Fundo de

Garantia do Tempo de Servio (FGTS) e tambm com os prprios

recursos do investidores no leilo das aes excedentes ao controle da

estatal, quem aderiu oferta pblica e no saiu do investimento tem

acumulado ganhos expressivos.

Na aquisio das aes, o investidor obteve um

desconto de 20% sobre o preo de compra. No entanto, os recursos

deveriam permanecer nos fundos pelo perodo de doze meses. No caso

do resgate antecipado, o investidor teria de pagar a "taxa de resgate".

No caso de desistncia antes de seis meses, vencimento ocorrido em

44

fevereiro de 2001, a taxa era de 20%. Efetuando o saque entre 6 e 12

meses, a taxa seria de 10%.

A partir de 17 de agosto 2001, ficou facultado aos

investidores retornarem para o FGTS, mudar para os fundos carteira

livre de FGTS ou ficar onde esto. Mas, os analistas so unnimes em

afirmar que a pior opo voltar para o FGTS.

E o administrador lder nessa rea , sem dvida, a

Caixa Econmica Federal, que detm, hoje, aproximadamente 50% dos

recursos aplicados nesses fundos. Mais de 310 mil trabalhadores

brasileiros aplicaram, poca, at 50% do saldo de suas contas do

FGTS na compra das aes. Nesse perodo, as aes renderam 72%,

contra 4,80% do rendimento padro do FGTS, que rende 3% ao ano

mais TR.

Mais da metade de todos investimentos foram feitos

na Caixa Econmica Federal e uma pesquisa mostrou que 87% desses

investidores querem continuar no investimento e 5% querem migrar

para fundos com perfil diferenciado.

Essa pulverizao de aes pelo pblico investidor,

fundamentalmente o pequeno investidor individual, possibilitou a

abertura desse mercado, franqueou aos pequenos investidores a

possibilidades de participarem da Bolsa de Valores, bem assim

auferirem rendimentos jamais imaginados.

E quando falamos em pequenos investidores em

Fundos Mtuos de Privatizao, no estamos nos referindo a

investidores da classe mdia alta ou da classe alta, assduos

freqentadores do mercado financeiro e de capitais.

Referimo-nos, sim, ao trabalhador brasileiro, na

ampla acepo da palavra: aqueles que tm carteira de trabalho e,

45

quando muito, na minoria dos casos, possuam uma poupana e, vez ou

outra, conta-corrente numa instituio financeira.

Uma vez que os grandes investidores demandam

pouca ou nenhuma tutela do Estado para dirimir suas dvidas a respeito

da situao econmica e financeira de uma empresa ou defender os

seus direitos, a atuao a ser promovida pelo rgo de regulamentao

e fiscalizao do mercado, entende-se prioritria para o pequeno

investidor.

Portanto, a atuao da Comisso de Valores

Mobilirios de vital importncia para o crescimento do mercado, de

forma segura e transparente.

Exemplo disso digno de reconhecimento e

aplausos pelos operadores do mercado , a recente edio da

Instruo CVM 409, que rene, num nico texto, toda a regulao dos

fundos de investimento de renda fixa e varivel, antes repartida em

inmeras e intrincadas resolues e circulares do Banco Central do

Brasil (no que se referia aos fundos de renda fixa) e outras tantas

instrues da prpria CVM, relativas aos chamados fundos de renda

varivel (as famosas instrues da Srie 300)

Logo, em vista da inteno de ampliao do mercado

financeiro e de capitais pela insero de um maior contingente de

investidores, conforme se encontra disposto no plano diretor do

mercado, e de forma a poder se entender quem esse investidor a

quem se est fazendo referncia, destaca-se, a seguir, uma coletnea

importante de dados sobre o investidor individual, que contm a

definio das caractersticas mais importantes.

Para que se possa definir a atuao da CVM, no

perodo de sua existncia, na esfera de proteo aos investidores,

necessrio perceber sua ao na promoo do encontro da regulao e

o contexto vivido pelo mercado de capitais a cada momento histrico; a

46

promoo de atendimento a consultas de diferentes instituies

financeiras, o que lhes permitem uma maior eficincia; alm do

fomento de novos produtos e servios, sempre cercados de uma

eficiente ao fiscalizadora.

E no h como negar que, concomitantemente

rgida atuao da CVM, assim como da prpria ANBID, na busca

contnua do aperfeioamento das normas dos fundos de investimentos,

da profissionalizao dos administradores e gestores de fundos de

investimentos, bem assim na proteo do investidor, o nmero de

investidores cresceu geometricamente nos ltimos anos.

Indstria de Fundos no Brasil

ANO MERCADO CAIXA2004 14,51% 23,97%2003 43,78% 49,75%2002 2,35% -6,45%2001 16,76% 14,27%

Tx. Crescim. Anual

At novembro/2004

47

Dessa forma, a CVM promoveu, dentro das limitaes

existentes no mercado financeiro nacional, e em especial no espao do

mercado de capitais brasileiro, a aglutinao de esforos no sentido de

que fossem atendidas as diretrizes formuladas pelos poderes da Unio;

as exigncias dos investidores no controladores, no sentido de se

encontrar novas e melhores prticas de governana corporativa.

Os investidores, especialmente os individuais,

representam o elo mais fraco. Requerem, conseqentemente, certo

grau de proteo, tanto no mercado, enquanto investidores, quanto na

empresa, enquanto acionistas.

Essa proteo no deve ser, entretanto, entendida

como paternalismo. Procura-se evitar abusos contra os investidores,

mas no os proteger de seus prprios erros. No mercado de aes, o

investidor deve ser soberano.

A legislao promulgada ao final de 1976, e formada

pelas Leis 6.385 e 6.404, assim como a Lei 10.303, de 31 de outubro

de 200118, procurou reduzir os riscos associados ao investimento em

aes aqueles inerentes ao comportamento do mercado e aos

resultados das empresas. Objetivou, com isso, aumentar a atratividade

do investimento no mercado.

A regulao do mercado financeiro e de capitais, em

todos os seus nveis, fornece o arcabouo bsico dentro do qual se d o

relacionamento entre os diversos participantes.

Mais especificamente, buscou atingir dois objetivos

primordiais para a expanso desse mercado, ou seja, (a) promover a

ampla divulgao de informaes fidedignas a respeito das empresas e

18 Altera e acrescenta dispositivos na Lei no 6.404, de 15 de dezembro de 1976, que dispe sobreas Sociedades por Aes, e na Lei no 6.385, de 7 de dezembro de 1976, que dispe sobre omercado de valores mobilirios e cria a Comisso de Valores Mobilirios.

48

dos fundos de investimento e de seus valores mobilirios, e (b) impedir

o emprego de prticas no eqitativas.

A atuao da CVM no mercado norteia-se por alguns

princpios bsicos: estmulo auto-regulao, alto nvel de padres

ticos por parte dos intermedirios das negociao ou administradores

de fundos de investimento, e ampla e pronta divulgao de

informaes.

O princpio de ampla divulgao de informaes

padro dos rgos reguladores do mercado em todo mundo. Entre a

opo de permitir ou no o acesso de uma dada empresa ao pblico

investidor, o rgo regulador, no nosso caso a CVM, deixa a escolha

para o prprio investidor, procurando munici-lo das informaes

necessrias para bem decidir quanto oportunidade do investimento.

A proteo do investidor no mercado decorre da

pronta divulgao de informaes fidedignas sobre a empresa ou sobre

a composio da carteira e rentabilidade dos fundos de investimento, e

de fundamental importncia para a deciso desses investidores em

comprar ou vender seus ttulos ou cotas de fundos.

Alm disso, a CVM busca proteger o investidor contra

prticas no eqitativas como a criao de condies artificiais de

mercado, ou a negociao com base em informaes privilegiadas.

Quer tenha sido pela promoo de maior eficincia de

todo mercado de capitais, por meio da promoo de regulamentaes

que permitissem o seu desenvolvimento, ou pela atuao fiscalizadora e

de fomento, a CVM contribuiu de maneira decisiva para o estgio atual

de desenvolvimento do mercado financeiro e de capitais brasileiro.

De maneira clara e objetiva o investidor brasileiro

encontra em nosso mercado uma gama de produtos atualizados e uma

estrutura de negcios que se mostra pronta para atender a novos

49

perodos de desenvolvimento do pas e de nossas empresas e seus

investidores.

Nesse passo, auguramos que o Governo Federal

continue na busca e implementao das condies para o fortalecimento

do mercado, de forma a se fortalecer, cada vez mais, o atual mercado

financeiro e de capitais, um dos mais importantes meios para a

consecuo da to necessria formao da poupana nacional,

indispensvel ao crescimento do Pas em bases slidas.

Entre essas aes, encontram-se a prticas de

menores taxas de juros, o aumento da importncia relativa do mercado

financeiro e de capitais, quer por meio de incentivos fiscais a serem

concedidos a investidores e companhias abertas ou ainda por definio

de polticas de dividendos que se faam regulares e duradouras, alm

de novas e melhores prticas de governana corporativa.

Certamente, tanto o investidor, quanto a CVM e as

demais instituies financeiras estaro aptas a desempenhar seu papel

na promoo de um mercado que se torne relevante instrumento de

formao de poupana e eficiente em sua alocao.

50

3 - A Gesto Profissional de Recursos

de Terceiros

J ficou patente, nos dias de hoje, que a gesto

profissional de recursos uma espcie de derivativo do prprio mercado

financeiro e de capitais, e no s deve ser defendida, como

aperfeioada seguidamente, na busca incessante do timo.

Torna-se imprescindvel, outrossim, perceber a

evoluo da economia do Pas, para que possamos especular sobre

quais so os caminhos possveis para a indstria de gesto profissional

de recursos e sobre que alteraes fazer em termos de regulamentao

para que se possa promover, ou ao menos no atrapalhar, o

desenvolvimento dessa to importante atividade para o nosso

desenvolvimento econmico e social.

A evoluo das formas como as sociedades se

organizaram para transformar as poupanas de suas unidades

superavitrias em investimento e/ou financiamento do consumo das

unidades demandadoras de recursos, passou pelo surgimento de

inmeros intermedirios, desde o Monte-Socorro da Corte19, casas

bancrias, bolsas de valores e de futuros e de toda uma intrincada rede

de agncias, postos, correspondentes bancrios, leis e regulamentos.

19 Em 12 de janeiro de 1861, Dom Pedro II criou a casa de penhor Monte Socorro da Corte e aCaixa Econmica da Corte, duas instituies financeiras que acabaram se fundindo. Desde apoca imperial, portanto, damas brasileiras e alguns nobres sem fortuna passaram a recorrer essa modalidade de emprstimo; empenhando jias. Esta instituio, mais tarde se tornaria aCaixa Econmica Federal.

51

Esse processo aumentou a possibilidade de que tanto

poupadores, quanto investidores, encontrem uma forma de aplicao

financeira que melhor atenda suas necessidades em termos de

rentabilidade, risco e liqidez.

Em contrapartida, a complexidade e ampla variedade

de alternativas de investimento passaram a justificar a necessidade da

gesto profissional de recursos de terceiros.

Em boa parte dos pases desenvolvidos, com o

passar do tempo e com a maior sofisticao das sociedades, o

investimento direto dos poupadores se difundiu, tornando-se um

mecanismo de investimento capaz de canalizar importantes parcelas da

poupana para as empresas, viabilizando seu crescimento, a riqueza

desses investidores e a prosperidade dessas naes.

Nosso Pas, no incio do sculo recm encerrado,

ainda tinha uma economia agrria voltada para a exportao de

produtos primrios. Durante o sculo XX, passamos por um intenso

processo de urbanizao, de diversificao da produo de bens e

servios no qual ocorreu o surgimento de um ativo mercado financeiro e

de um incipiente mercado de capitais.

Tais particularidades refletem uma interessante

mistura do pensamento liberal