a (in)compatibilidade do enunciado nº 319 da...
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ISSN: 2236-3173
1-Procurador da Fazenda Nacional. Professor de Direito Processual Civil da Faculdade de Administração e
Negócios de Sergipe. Ex-membro do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte. Especialista em
Direito Processual Civil pela Universidade do Sul de Santa Catarina. Especialista em Direito Público pela
Universidade de Brasília. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco.
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A (IN)COMPATIBILIDADE DO ENUNCIADO Nº 319 DA SÚMULA DO
STJ COM O DEPÓSITO DA PENHORA DE PERCENTUAL DE
FATURAMENTO
Thiago Moreira da Silva1
RESUMO
Este trabalho possui por finalidade demonstrar que o administrador da empresa executada, seja
ele sócio ou não, possui o dever de assumir o depósito da penhora de percentual de faturamento.
Pretende-se, pois, superar o entendimento cristalizado na Súmula 319 do STJ, que não se
coaduna com os princípios norteadores do processo e da atividade jurisdicional do nosso Estado
Democrático de Direito.
Palavras-chave: Depósito. Administrador. Cooperação.
ABSTRACT
This work has aimed at demonstrating that the company administrator performed, whether a
partner or not, has the duty to take the deposit of garnishment percentage of revenues. It is
intended, therefore understanding overcome crystallized in Precedent 319 of the STJ, which is
not consistent with the guiding principles of the process and the judicial activity of our
democratic state.
Keywords: Deposit. Administrator. Cooperation.
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1 INTRODUÇÃO
No presente estudo, iremos abordar a problemática da nomeação do depositário da
penhora de percentual de faturamento positivada em nosso ordenamento por meio da Lei nº
11.382/2006, que deu nova redação ao art. 655, VII, do CPC e introduziu nesse diploma o art.
655-A, em cujo § 3º prevê a forma de nomeação e atribuições desse encargo.
A escolha do tema se deu, de forma fundamental, pelo contato diário com os processos
executivos fiscais no desenvolvimento de nossas atribuições como Procurador da Fazenda
Nacional junto à Divisão de Defesa de Execução Fiscal da Procuradoria Regional da Fazenda
Nacional da 5ª Região.
No exercício ordinário de nossas atribuições, temos nos deparados com várias decisões
que se recusam a nomear o sócio-gerente ou administrador da empresa executada para exercer
tal múnus, sob a alegação singela de que não são obrigados pela lei.
Defenderemos, nesses casos, que a nomeação deverá recair preferencialmente sobre tais
pessoas, como forma de emprestar aos citados dispositivos legais um entendimento que
consagre o direito fundamental à efetivação dos provimentos jurisdicionais em consonância
com o bem jurídico reclamado.
Temos que o Direito Processual Civil não pode se contentar com posições meramente
formais. O princípio da inafastabilidade (art. 5º, inciso XXXV,CF/88) impõe ao Estado-Juiz a
obrigação de entregar a tutela jurisdicional, mas não de qualquer forma; para isso, deverá
sempre buscar a máxima aproximação possível preconizada por Chiovenda (1969 apud
THEODORO JÚNIOR, 2012, p. 16), de modo que essa tutela seja efetiva e adequada à relação
jurídica substancial deduzida.
Tentaremos demonstrar que a concepção do processo como instrumento ético de solução
de conflitos impõe a efetiva colaboração das partes, de modo que, mais do que faculdade, a
assunção da condição de depositário nessas situações impõe-se como dever à empresa
executada, presentada por seus administradores.
Outrossim, destacaremos a natureza do processo como relação jurídica de direito
público como fator determinante para a legitimação da imposição de múnus às partes e
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especialmente ao devedor, que não pode se recusar ao cumprimento dos deveres daí decorrentes
sem sofrer consequências.
Além disso, tentaremos demonstrar que a nomeação do próprio dirigente da empresa
executada é medida mais consentânea com o princípio da execução menos gravosa, positivado
no art. 620 do CPC.
Nesse caminhar, portanto, iremos propor a superação do entendimento cristalizado no
Enunciado nº 319 da Súmula do STJ1 no que tange à penhora de percentual de faturamento.
Nos limitaremos, contudo, ao depósito na penhora de percentual de faturamento, tendo
em vista certas circunstâncias específicas deste instituto.
Caso provada a hipótese de que esse dever deriva dos princípios éticos do processo,
mostra-se bastante plausível a criação de uma mentalidade de cumprimento espontâneo das
obrigações processuais, já que será possível a imposição pelo Estado-Juiz de penalidades ou
outras medidas coercitivas sobre o devedor, a exemplo das medidas previstas no art. 14, V,
parágrafo único, arts. 17 e 18, art. 461 e §§, e arts. 600 e 601, todos do CPC.
A mudança desse paradigma poderá potencializar a arrecadação fiscal, uma vez que a
ausência de administrador da penhora de percentual de faturamento praticamente esvazia esse
instituto, além de contribuir para a compreensão do processo como instrumento ético de
resolução de conflitos.
2 DA PROBLEMÁTICA DA RECUSA IMOTIVADA DO DEPÓSITO DA PENHORA
DE PERCENTUAL DE FATURAMENTO PELO REPRESENTANTE LEGAL DA
EMPRESA EXECUTADA
Na atuação como Procurador da Fazenda Nacional, observamos que a ausência de uma
norma impositiva do dever de assunção do encargo pelo representante legal das empresas
devedoras, na grande maioria das vezes, leva à frustração da execução, seja por meio do
1 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula nº 319. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/sumulas/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&livre=319&b=SUMU&thesaurus=JURID
ICO>. Acesso em 31 out. 2013.
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arquivamento do feito (art. 40 da LEF), e posterior extinção por prescrição intercorrente, seja
pela própria ausência absoluta de bens penhoráveis.
É posição dominante nos tribunais que a penhora de percentual de faturamento é medida
excepcional, somente adotada quando frustrados diversos outros meios executivos2; ademais, a
própria posição do inciso VII no art. 655 do CPC indica sua ordem de preferência em relação
aos outros bens penhoráveis, de modo que podemos, para que seja formulado um pedido de
penhora de percentual de faturamento, já restaram esgotadas as tentativas de constrição dos
seguintes bens: dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira,
veículos de via terrestre, bens móveis em geral, bens imóveis, navios e aeronaves, ações e
quotas de sociedades empresárias.
De fato, conforme a redação do art. 655 do CPC, somente não precedem a penhora de
percentual de faturamento: pedras e metais preciosos, títulos da dívida pública da União,
Estados e Distrito Federal com cotação em mercado, títulos e valores mobiliários com cotação
em mercado e outros direitos, como marcas e patentes, por exemplo.
Sem olvidar dos óbices práticos quanto à avaliação, tais bens dificilmente despertam
interesse no mercado, além de ser rara a propriedade de referidos direitos e coisas por parte de
uma empresa que figura no polo passivo de uma execução, de modo que, quando se mostram
presentes os pressupostos fáticos e jurídicos para uma penhora de percentual de faturamento,
se essa não se concretiza, muito possivelmente a execução restará frustrada.
Em que pese a discussão doutrinária acerca da natureza do depósito, se integra a
penhora3 ou é apenas seu complemento4, certo é que, sem a indicação de um depositário, muitas
vezes a constrição sequer é deferida; e quando isso ocorre, a ausência de um administrador da
constrição esvazia o instituto.
Justamente tendo em conta esse panorama fático-jurídico que os administradores levam
em consideração para recusar o encargo do depósito em lide.
2 Vide os seguintes julgados do STJ: AgRg no REsp 1.320.996/RS, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 11/9/2012;
AgRg no Ag. 1.359.497/RS, Rel. Min. Arnaldo Esteves, DJ de 24/3/2011; AgRg no REsp 1.328.516/SP, Rel. Min.
Humberto Martins, DJ de 17/9/2012. 3 “O depósito não é complemento da penhora; algo externo e posterior a ela, como propõe alguns. Compõe a
penhora; algo interno e contemporâneo à sua constituição”. (BRAGA et al., 2009, p. 585) 4 “O depósito é ato complementar da penhora, realizando a função de conservar a coisa”. (ARENHART;
MARINONI, 2008, p. 283) .
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Essa posição de indiferença para com a atividade jurisdicional, para nós, é incompatível
com o paradigma de um Estado Democrático de Direito. É o que passaremos a defender a partir
do próximo tópico.
3 TUTELA EFETIVA E ADEQUADA COMO DIREITO FUNDAMENTAL – DEVER
DO OPERADOR JURÍDICO DE INTERPRETAR OS PRECEITOS LEGAIS À LUZ
DESSE DIREITO FUNDAMENTAL
Na esteira de evolução que levou o Estado a arvorar-se o monopólio da produção e
aplicação do direito, restou cristalizado na Carta Magna, em seu dispositivo do art. 5º, inciso
XXXV, que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
Consagrada como norma fundamental, referido dispositivo assegura a todos que se
encontram no País5 não só apenas o mero ingresso ao Judiciário, mas, precipuamente, em razão
do monopólio estatal da atividade jurisdicional, o comprometimento do Estado-juiz em prestar
uma tutela que seja adequada ao direito pleiteado, bem como a estruturação de um processo que
seja dotado de meios que proporcionem efetividade a essa tutela.
No Estado Democrático de Direito, tal atividade deve ser desenvolvida em estrita
obediência aos imperativos constitucionais e legais.
Outrossim, a produção e a aplicação do direito devem se coadunar com os objetivos e
princípios vetores de dado ordenamento jurídico, plasmados na Constituição. Nesse sentido,
lecionam Arenhart e Marinoni (2006, p. 37):
Se o Estado brasileiro está obrigado, segundo a própria Constituição Federal, a
construir uma sociedade livre, justa e solidária, a erradicar a pobreza e a
marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais, e ainda a promover o
bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras
formas de discriminação (art. 3º da CF), os fins da jurisdição devem refletir essas
ideias.
Vê-se que, além de seu escopo jurídico, entre nós, a jurisdição busca alcançar um alto
grau de pacificação social, traduzido pelos objetivos escolhidos pelo legislador constituinte, os
quais restaram veiculados no art. 3º da Carta Magna.
5 Alexandre de Moraes, nessa norma, inclui até mesmo o estrangeiro em trânsito pelo território nacional
(MORAES, 2007, p. 29-30.).
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Isso porque, como expressão do poder estatal, a jurisdição, além de estar comprometida
com seu objetivo jurídico, volta-se à realização dos fins almejados pela sociedade, cristalizados
na sua Carta Maior. Desta feita, a função jurisdicional deve servir, através da aplicação do
direito material aos casos em lide, à promoção da paz social, de modo a legitimar a existência
do próprio Estado.
De outra banda, é preciso deixar assente que o Estado não pode se escusar dessa
incumbência.
No ordenamento jurídico brasileiro, o direito subjetivo à tutela estatal está consignado
na Magna Carta, artigo 5º, inciso XXXV, conhecido como o princípio da inafastabilidade da
apreciação pelo Poder Judiciário ou do non liquet (DIDIER JR., 2010, p. 105).
Assim, em função do fato de ter o Estado monopolizado a atividade jurisdicional, surge
a necessidade de se dispor de mecanismos jurídicos, seja pela criação de institutos legais, seja
pela interpretação de regras e princípios do ordenamento, capazes de dotar a prestação
jurisdicional apta à efetivação do direito substancial violado no plano fático.
Marinoni (2010, p. 145-146) assim estabelece a questão:
Se o juiz não tem apenas a função de resolver litígios, porém a de zelar pela idoneidade
da prestação jurisdicional, sem poder resignar-se a aplicar a técnica processual que
possa conduzir a uma tutela jurisdicional inefetiva, é certo dizer que o seu dever não
se resume a uma mera resposta jurisdicional, pois exige a prestação de uma tutela
jurisdicional efetiva. Ou seja, o dever do juiz, assim como o do legislador ao
instituir a técnica processual adequada, está ligado ao direito fundamental à
efetividade da tutela jurisdicional, compreendido como um direito necessário para
que se dê proteção a todos os outros direitos.
[...]
Se o dever do legislador de editar o procedimento idôneo pode ser reputado
descumprido diante de determinado caso concreto, o juiz, diante disso, obviamente
não perde o seu dever de prestar a tutela jurisdicional efetiva. Por tal razão, o juiz
tem o dever de interpretar a legislação à luz do direito fundamental à tutela
jurisdicional, estando obrigado a extrair da regra processual, sempre com a
finalidade de efetivamente tutelar os direitos, a sua máxima potencialidade, desde
que – e isso nem precisaria ser dito – não seja violado o direito de defesa. (negrito não
presente no original)
Destarte, verifica-se que nosso ordenamento jurídico consagra, como fundamental, o
direito a uma tutela adequada e efetiva, o qual deve nortear a atividade do legislador ao traçar
as normas processuais. De igual modo, esse direito fundamental à tutela adequada e efetiva
deverá ser observado pelos magistrados, que possuem por dever constitucional interpretar as
normas cotejando os princípios desse sistema, tudo em consagração aos outros princípios
fundantes de um Estado Democrático de Direito, tais como o da dignidade da pessoa humana,
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da proibição da concorrência desleal e da justiça fiscal, sem os quais não é possível promover
uma organização social livre, justa e igualitária.
Dessa forma, faz-se necessário interpretar o conjunto de normas dos arts. 655, VII, e
655-A, § 3º, ambos do CPC, à luz do sistema constitucional que garante aos litigantes em geral
um tutela efetiva, no sentido de se impor ao representante legal da empresa devedora o dever
processual de assumir o encargo do depósito da penhora de percentual de faturamento.
Com efeito, as situações fático-jurídicas que autorizam o deferimento de tal constrição
delineiam uma situação limite na execução, em que já restaram frustradas as excussões de quase
todos os bens que, de ordinário, despertam interesse no mercado, passíveis, portanto, de
arrematação.
Outorgar ao devedor o direito potestativo de assunção do depósito, nessas situações,
significa, por um lado, negar ao credor o direito fundamental a uma tutela efetiva e, de outro,
desequilibrar a paridade que deve nortear o processo, o qual deve também refletir os preceitos
constitucionais.
Assim, tendo por fundo o paradigma do Estado Democrático de Direito, iremos analisar,
no próximo tópico, essa conduta de indiferença do devedor para com a jurisdição e o processo.
4 PROCESSO COOPERATIVO – INSTRUMENTO ÉTICO DE RESOLUÇÃO DE
CONFLITOS – COROLÁRIO DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
Para Cintra, Dinamarco e Grinover (2012, p. 155), a jurisdição é definida como a função
do Estado por meio da qual este se substitui aos titulares dos interesses em conflitos, para,
imparcialmente, solucionar a desavença que os envolvem, seja através da entrega de uma
sentença de mérito, impondo imperativamente um preceito, ou mediante a realização desse
preceito no plano fático, a chamada execução forçada.
Importante destacar que, sendo atividade estatal, a jurisdição, entre nós, deverá observar
os postulados do Estado Democrático de Direito.
Com efeito, a jurisdição somente será legítima se viabilizar a efetiva participação do
cidadão na formação da decisão que constitui o objeto de sua atividade.
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Conclui-se que a exigência da democracia repercute no modo de ser da jurisdição. Isso
porque, em nosso entender, o conceito de jurisdição deve ser entendido por meio da análise do
modo de ser dessa atividade, que deverá refletir os objetivos consagrados na Constituição,
notadamente em seu art. 3º.
Como é cediço, hodiernamente, a jurisdição não se realiza sem o processo (CINTRA;
DINAMARCO; GRINOVER, 2012, p. 309), o qual também deverá espelhar os preceitos da
Constituição.
Dentro desse contexto, doutrinadores como Mitidiero (2011, p. 50-51) e Alvaro de
Oliveira (2010, p. 22) defendem que estamos diante de um novo modelo de processo, o qual
denominam de processo colaborativo ou cooperativo, conforme o marco teórico do formalismo-
valorativo.
O processo cooperativo pressupõe, à evidência, o princípio da colaboração (ou da
cooperação) como norma cogente e fator de redimensionamento do contraditório, com função
de parâmetro de interpretação, de inibição do abuso do direito processual e de criação de
deveres anexos, entre eles, o de esclarecimento, de lealdade e de proteção (DIDIER JR., 2010,
p. 79).
Esse panorama teórico-jurídico também reserva importante papel ao princípio da boa-
fé processual, que passa a ser concebido em seu aspecto objetivo, de igual modo criador de
deveres anexos relacionados à lealdade e à confiança, que devem nortear a atividade de
interpretação e aplicação do direito processual no caso concreto.
A concepção do processo como instrumento ético de solução de conflitos impõe a
efetiva colaboração das partes, de modo que, mais do que faculdade, a demonstração da boa-fé
processual por meio da adoção de atos e condutas processuais, “independentemente da
existência de boas ou más intenções” (DIDIER JR., 2010, p. 62), mostra-se como exigência
indeclinável para todos aqueles inseridos na relação jurídica processual instaurada sob o pálio
do Estado Democrático de Direito.
Tomando por base essa premissa, Didier Jr. (2010, p. 78-79) concebe o processo
cooperativo como modelo a ser seguido em um Estado Democrático de Direito:
Os princípios do devido processo legal e do Estado de Direito imputam ao juiz uma
séria de deveres (ou deveres-poderes, como se queira), que o fazem também sujeito
do contraditório, como já se disse. O exercício da jurisdição deve obedecer aos limites
do devido processo.
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[...]
Eis o modelo processual civil adequado à cláusula do devido processo legal e ao
regime democrático.
Mas é preciso compreender qual é a eficácia normativa deste princípio.
O princípio da cooperação atua diretamente, imputando aos sujeitos do processo
deveres, de modo a tornar ilícitas as condutas contrárias à obtenção do “estado de
coisas” (comunidade processual de trabalho) que o princípio da cooperação busca
promover.
Mitidiero, em obra clássica acerca do processo colaborativo como novo modelo de
processo (2011, p. 105-107), assim pontua:
No modelo do processo cooperativo, que é necessariamente um “debido proceso leal”,
além de objetivar-se a boa-fé, somando-se a perspectiva subjetiva a objetiva,
reconhece-se que todos os participantes do processo, inclusive o juiz, devem agir
lealmente em juízo. É como está, aliás, no art. 14 do Código de Processo Civil...
(...)
A força normativa da boa-fé no processo civil no seu aspecto objetivo pode ser sentida
a partir de quatro grupo de casos: a) proibição de criar dolosamente posições
processuais; b) proibição do venire contra factum proprium; c) proibição de abuso de
poderes processuais e d) supressio (perda de poderes processuais em razão do seu não
exercício por tempo suficiente para incutir no outro sujeito a confiança legítima de
que esse poder não será mais exercido). São proibições oriundas da cláusula geral de
boa-fé processual contida no art. 14, II, CPC. (grifos do autor).
O presente trabalho, portanto, defende que a recusa injustificada do representante legal
da empresa devedora em assumir o depósito da penhora de percentual do faturamento não se
coaduna com o princípio da boa-fé objetiva processual e com os deveres de colaboração e
lealdade que conformam o processo cooperativo, novo modelo de processo dentro do
paradigma do Estado Democrático de Direito, tendo em vista seu inegável conteúdo ético a
condicionar a participação colaborativa dos sujeitos da relação processual na comunidade
dialética de trabalho, necessária para a validade da tutela a ser prestada pela atividade
jurisdicional.
Como referido acima, o processo cooperativo pressupõe o princípio da cooperação
como norma cogente, com função de parâmetro de interpretação e criador de deveres anexos,
entre eles, o de esclarecimento, de lealdade e de proteção (DIDIER JR., 2010, p. 79).
E justamente tendo em conta o dever anexo de lealdade, corolário do princípio da
cooperação, é que baseamos nossa afirmação de que o representante legal da empresa executada
está obrigado a assumir o encargo de depositário na penhora de percentual de faturamento.
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É inegável que, em nosso ordenamento jurídico, o processo constitui instrumento ético
de resolução de conflitos, de modo que a tutela jurisdicional a ser entregue no seu bojo não
pode ser obtida a qualquer custo.
A simples leitura dos arts. 14, 17, 18, 600 e 601, todos do CPC, indica a existência do
sistema concernente ao princípio da boa-fé objetiva processual, diretamente conectado com o
dever anexo de lealdade do princípio da cooperação (DIDIER JR., 2010, p. 65) 6.
Nessa senda, a recusa vazia do administrador da empresa devedora em assumir o
encargo em lide está em total descompasso com os princípios éticos que norteiam o processo;
vamos além, constitui conduta de total indiferença para com a atividade jurisdicional, como se
fosse pessoa alheia à relação jurídica processual estabelecida entre as partes, de natureza
pública, não se olvide.
Aqui temos outro fundamento para embasar nossa afirmação.
Com a obra Teoria dos pressupostos processuais e das exceções dilatórias, publicada
em 1868, Oskar von Bülow firmou o entendimento, até hoje consagrado entre os
processualistas, de que o processo possui a natureza jurídica de uma relação jurídica, a qual,
diante do monopólio da atividade jurisdicional pelo Estado, é intrinsecamente de natureza
publicista (CINTRA; DINAMARCO; GRINOVER, 2012, p. 312).
Como toda relação jurídica, as partes nela envolvidas assumem diversas posições
jurídicas, sejam elas ativas ou passivas, representadas por deveres, direitos, faculdades,
sujeições e ônus (CINTRA; DINAMARCO; GRINOVER, 2012, p. 314-315).
Para o réu ou o devedor, não se olvide, o ingresso nessa relação jurídica se dá
independentemente de sua vontade, diante do princípio da inevitabilidade, assim traduzido por
Cintra, Dinamarco e Grinover (2012, p. 163):
O princípio da inevitabilidade significa que a autoridade dos órgãos jurisdicionais,
sendo uma emanação do próprio poder estatal soberano, impõe-se por si mesma,
independentemente da vontade das partes ou de eventual pacto para aceitarem os
resultados do processo; a situação de ambas as partes perante o Estado-juiz (e
particularmente a do réu) é de sujeição, que independe de sua vontade e consiste
na impossibilidade de evitar que sobre elas e sobre sua esfera de direitos se exerça
a autoridade estatal. (grifo não constante do original)
6 Sobre o assunto, mostra-se oportuno trazer à colação os ensinamentos do processualista baiano: “Além dessas
concretizações, o princípio da boa-fé objetiva impõe deveres de cooperação entre os sujeitos do processo”.
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Do exposto, podemos concluir que o devedor se encontra inserido, mesmo contra sua
vontade, numa relação jurídica de direito público, na qual possui diversos deveres e ônus, dentre
os quais o de lealdade e de cooperação, de modo que jamais poderemos concordar com a idéia
de que lhe seja facultado, mediante simples recusa vazia, a um encargo determinado pelo
Estado-Juiz no exercício da atividade jurisdicional, que, diante das normas constitucionais com
natureza de cláusulas pétreas, deve entregar uma tutela efetiva e adequada.
Ademais, o administrador poderá fazê-lo sem maiores transtornos, os quais certamente
surgiriam diante da nomeação de um terceiro. É o que se verá adiante.
5 DA OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA ECONOMIA PROCESSUAL E DA
EXECUÇÃO MENOS GRAVOSA – ATENDIMENTO AO PRINCÍPIO DA
PROPORCIONALIDADE
A nomeação de um terceiro para administrar a penhora de percentual de faturamento,
além de ser de difícil aplicação na prática, diante da escassez de profissionais dispostos a
assumir tal encargo e da carência de depositários judiciais nos quadros do Poder Judiciário,
certamente não se daria de forma gratuita.
Nessa senda, além da dificuldade de se encontrar um profissional habilitado para tal
função, haveria ainda a necessidade de se remunerar esse depositário, seja de forma antecipada
pelo credor, ou até mesmo já custeada pelo devedor quando da própria constrição mensal do
faturamento.
De todo modo, revela-se flagrante que a adoção de tal solução não encontra respaldo no
princípio da economia processual.
Ademais, tal medida seria mais gravosa ao devedor, que, além de suportar ao final o
ônus econômico pela nomeação do terceiro depositário, teria que suportar a ingerência de
pessoa alheia aos seus quadros no cotidiano de sua atividade empresarial, razão pela qual a tese
que defendemos ainda se escora no art. 620 do CPC, que consagra o princípio da execução
menos gravosa ao devedor.
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De fato, seja pela imposição legal7, seja por previsão contratual, o administrador, sócio
ou não, é o responsável pela administração da atividade econômica desenvolvida pela devedora.
A assunção desse encargo, portanto, não traria maiores transtornos ao representante legal, que
teria apenas a responsabilidade de promover o depósito em juízo de parte do faturamento da
empresa que ele próprio administra.
O ingresso de terceiro para realizar essa função, ao revés, é fato potencialmente lesivo
aos interesses da empresa, o que deve ser evitado a princípio.
A nomeação do administrador da empresa devedora, nessa situação, é medida que
atende ao princípio da proporcionalidade em suas vertentes de adequação, necessidade e
proporcionalidade em sentido estrito.
Com efeito, a adequação se revela diante do fato de que é diligência apta à concretização
da penhora; atende ao subprincípio da necessidade, pois é a medida menos gravosa diante do
cenário fático-jurídico que permite a adoção da penhora de percentual de faturamento; por fim,
trará maiores benefícios ao processo, pois viabiliza a entrega da prestação jurisdicional de forma
efetiva, dever do Estado e direito fundamental do credor, criando, com isso, um ambiente de
cumprimento espontâneo das obrigações impostas pelo Estado-juiz, em detrimento do
incômodo do administrador que somente teve ampliada suas responsabilidades ordinárias de
maneira episódica e temporária.
6 DA ANÁLISE DOS PRECEDENTES QUE ENSEJARAM A SÚMULA 319 DO STJ –
NECESSIDADE DE SE PROMOVER A SUPERAÇÃO DO ENTENDIMENTO ALI
CRISTALIZADO
A Súmula 319 do STJ foi aprovada por sua Corte Especial no ano de 2005 (DJ
05.10.2005) e assim dispõe: “o encargo de depositário de bens penhorados pode ser
expressamente recusado.”8
7 Vide arts. 1.010 a 1.021 do CC/02. 8 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula nº 319. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/sumulas/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&livre=319&b=SUMU&thesaurus=JURID
ICO>. Acesso em 31 out. 2013.
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Como se vê, quando de sua aprovação, o STF ainda não tinha se posicionado pela
inconstitucionalidade da prisão do depositário infiel, quando, no julgamento do HC 90450/MG
(Relator(a): Min. CELSO DE MELLO; Julgamento: 23/09/2008; Órgão Julgador: Segunda
Turma)9, conferiu status constitucional à Convenção Americana de Direitos Humanos (art. 7º,
n. 7) e concluiu pela insubsistência de qualquer prisão advinda de depósito, necessário ou não,
tendo em conta que a única prisão civil admitida em nosso ordenamento é a do inadimplente de
pensão alimentícia.
Referido entendimento, não se olvide, já restou cristalizado na Súmula Vinculante de
nº 2510 e na Súmula do STJ de nº 41911.
Analisando os precedentes que deram origem à Súmula nº 319 do STJ12, percebemos
que a ratio decidendi de muitos deles foi justamente a possibilidade da prisão na hipótese de
ausência de lei expressa.
Dentre esses julgados, destacamos o Resp 161.068 (DJ 19.10.1998) 13 , em que se
realizou uma ponderação entre a liberdade individual e a ausência de lei expressa cominando a
obrigatoriedade de assunção do encargo, como também o HC 28.152 (DJ 12.08.2003)14, HC
9 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas-corpus nº 90.450. Impetrante: Demétrius Nicolaos Nikolaidis.
Impetrado: Presidente do Superior Tribunal de Justiça. Relator: Ministro Celso de Mello. Brasília, 23 de setembro
de 2008. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=573711>.
Acesso em 30 dez. 2013. 10 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula Vinculante nº 25. É ilícita a prisão civil de depositário infiel,
qualquer que seja a modalidade do depósito. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/jurisprudenciaSumulaVinculante/anexo/PSV_31.pdf>. Acesso em 30 dez.
2013. 11 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula nº 419. Descabe a prisão civil do depositário judicial infiel.
Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp>. Acesso em 30 dez. 2013.
12 Relacionados no sítio eletrônico do STJ: “http://www.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp”. 13 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 161.068. Recorrente: Fazenda do Estado de São
Paulo. Recorrido: Spig S/A. Relator: Ministro Adhemar Maciel. Brasília, 8 de setembro de 1998. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/processo/jsp/ita/abreDocumento.jsp?num_registro=199700934420&dt_publicacao=19-
10-1998&cod_tipo_documento=>. Acesso em 31 out. 2013. 14 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas-corpus nº 28.152. Impetrante: Ailton Luciano dos Santos.
Impetrada: Primeira Turma Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul. Relator: Ministro
Antônio de Pádua Ribeiro. Brasília, 24 de junho de 2003. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=415581&sReg=200300657155&sData=200
30812&formato=PDF>. Acesso em 31 out. 2013.
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14.647 (DJ 01.09.2003)15, HC 31.733 (DJ 26.04.2004)16, HC 20.789 (DJ 17.05.2004)17, RHC
15.891 (DJ 23.08.2004)18 e HC 34.229 (DJ 06.09.2004)19.
Nessa senda, diante da impossibilidade de prisão civil nesses casos, restou esvaziada a
força persuasiva de tais precedentes, que analisavam a questão à luz da liberdade individual do
devedor.
Por seu turno, o AgReg no Ag 199.378 (DJ 04.10.1999)20 invoca ensinamento de Pontes
de Miranda, segundo o qual o depósito teria natureza de negócio jurídico, cuja aceitação
depende da vontade do devedor.
Com a devida vênia que o ilustre jurista merece, a figura do depósito judicial como
negócio privado não se coaduna com o entendimento secular no sentido da natureza pública da
relação jurídica processual.
Na lição de Dinamarco (2013, p. 60), “o caráter público do processo hoje prepondera
acentuadamente, favorecido pelo vento dos princípios constitucionais do Estado social
intervencionista e pelo apuro técnico das instituições processuais”.
15 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Ordinário em Habeas-corpus nº 14.647. Recorrente: Fátima
Maria de Souza Nogueira. Recorrido: Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Relatora: Ministra Eliana Calmon.
Brasília, 5 de agosto de 2003. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=417347&sReg=200301153322&sData=200
30901&formato=PDF>. Acesso em 31 de out. 2013. 16 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas-corpus nº 31.733. Impetrante: Adriane Marangoni. Impetrado:
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Relator: Ministro Francisco Peçanha Martins. Brasília, 9 de março de
2004. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=459147&sReg=200302057401&sData=200
40426&formato=PDF>. Acesso em 31 out. 2013. 17 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas-corpus nº 20.789. Impetrante: Luiz Sérgio Marrano e outro.
Impetrado: Sexta Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Relator: Ministro
Francisco Falcão. Brasília, 18 de março de 2004. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=462487&sReg=200200138493&sData=200
40517&formato=PDF>. Acesso em 31 out. 2013. 18 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Ordinário em Habeas-corpus nº 15.891. Recorrente: Darci
Batista. Recorrido: Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Relator: Ministro Luiz Fux. Brasília, 17 de junho de
2004. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=483570&sReg=200400437745&sData=200
40823&formato=PDF>. Acesso em 31 de out. 2013. 19 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas-corpus nº 34.229. Impetrante: Emerson Tadao Asato. Impetrado:
Sétima Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Relator: Ministro Humberto
Gomes de Barros. Brasília, 18 de agosto de 2004. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=491632&sReg=200400332914&sData=200
40906&formato=PDF>. Acesso em 31 out. 2013. 20 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 199.378. Agravante:
Banco do Brasil S/A. Agravado: Agnelo Malaquias da Costa. Relator: Ministro Nilson Naves. Brasília, 24 de
junho de 1999. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/processo/jsp/ita/abreDocumento.jsp?num_registro=199800580360&dt_publicacao=04-
10-1999&cod_tipo_documento=>. Acesso em 31 out. 2013.
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Os outros julgados se fundamentam na possibilidade de recusa do devedor simplesmente
diante da ausência de lei específica, com espeque no art. 5º, II, da CF/88 (Resp 276.886 - DJ
05.02.200121; Resp 214.631 – DJ 20.09.199922; Resp 263.910 – DJ 16.11.200423; e Resp
505.942 - DJ 06.06.200524).
A referida alegação foi combatida neste trabalho. Acreditamos que, a despeito da
inexistência dispositivo legal específico, abundam normas, sejam extraídas de regras legais,
sejam de princípios, que cominam a obrigação do representante legal em assumir o encargo de
depósito da penhora de faturamento.
O entendimento acolhido nos julgados, em nosso sentir, reflete o pensamento em vigor
no Estado Liberal, segundo o qual o Estado-Juiz não poderia invadir a esfera de liberdade do
indivíduo para obrigá-lo a cumprir determinada prestação contra sua vontade. Assim, vigorava
o princípio da tipicidade dos meios executivos, não mais observado em nosso ordenamento
(ARENHART; MARINONI, 2008, p 50-51).
A doutrina de Cambi (2011, p. 86) também fundamenta o que ora se defende, ao
propugnar a superação da legalidade restrita, vigente no Estado Liberal, pela nova ótica
constitucional, assentada em princípios dotados de normatividade:
As Constituições modernas, ao ocuparem o lugar dos Códigos, acabam por superar a
identificação plena do direito com a lei (legalismo), fruto da concepção liberal do
direito. O princípio da supremacia da lei não mais prevalece, pois a lei não é mais
vista como produto perfeito e acabado, submetendo-se à Constituição e devendo ser
conformada pelos princípios constitucionais de justiça e pelos direitos fundamentais.
21 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 276.886. Recorrente: Manap Manufatura Nacional
de Plásticos S/A. Recorrido: Fazenda do Estado de São Paulo. Relator: Ministro José Delgado. Brasília, 14 de
novembro de 2000. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/websecstj/cgi/revista/REJ.cgi/IMGD?seq=265195&nreg=200000918873&dt=20010205&
formato=PDF>. Acesso em 31 out. 2013. 22 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 214.631. Recorrente: Spig S/A. Recorrido: Fazenda
do Estado de São Paulo. Relator: Ministro Garcia Vieira. Brasília, 10 de agosto de 1999. Disponível em: <
https://ww2.stj.jus.br/processo/jsp/ita/abreDocumento.jsp?num_registro=199900427572&dt_publicacao=20-09-
1999&cod_tipo_documento=>. Acesso em 31 out. 2013. 23 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 263.910. Recorrente: Merak Indústria Mecânica
Ltda. Recorrido: Fazenda do Estado de São Paulo. Relator: Ministro Castro Meira. Brasília, 5 de outubro de 2004.
Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=503133&sReg=200000610992&sData=200
41116&formato=PDF>. Acesso em 31 out. 2013. 24 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 505.942. Recorrente: Transportadora Tegon Valenti
S/A. Recorrido: Fazenda Pública do Estado do Paraná. Relatora: Ministra Denise Arruda. Brasília, 3 de maio de
2005. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=563727&sReg=200300050718&sData=200
50829&formato=PDF>. Acesso em 31 out. 2013.
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Do exposto acima, podemos concluir que os princípios, no atual cenário jurídico,
integram o bloco da legalidade, tendo em vista sua posição de proeminência no ordenamento
jurídico, em que foram alçados a fonte primária do Direito, funcionando como parâmetro de
sua interpretação e aplicação, além de, por si próprios, possuírem a capacidade de criar
obrigações, já que também ostentam natureza coercitiva, integrando, eles também, o conceito
de norma jurídica.
Entre nós, como corolário do direito fundamental à tutela adequada e efetiva, vige a
cláusula geral de efetivação positivada no art. 461, § 5º, do CPC, segundo a qual o juiz poderá
“determinar as medidas necessárias” para entregar a tutela específica ou o resultado prático
equivalente.
De fato, para a entrega da prestação jurisdicional, o juiz poderá adotar quaisquer
medidas necessárias, independentemente de previsão legal, desde que observado o princípio da
proporcionalidade.
Dentre essas medidas, vislumbramos a possibilidade de o Estado-Juiz impor ao
representante legal da empresa devedora o dever de assumir o encargo de depositário da
penhora de percentual de faturamento, em atendimento aos princípios da efetividade da
prestação jurisdicional, corolário do non liquet, da cooperação, da boa-fé objetiva, da economia
processual e da execução menos gravosa, tudo em consonância com o princípio da
proporcionalidade.
Defendemos, portanto, a necessidade de se proceder à superação (BRAGA; DIDIER
JR.; OLIVEIRA, 2010, p. 396) do entendimento cristalizado na súmula 319 do STJ, que não se
coaduna com os princípios e as normas legais que devem nortear o processo e a atividade
jurisdicional em um Estado Democrático de Direito.
Ademais, o STJ já parece caminhar nesse sentido, como indica o julgamento da MC
16751, verbis:
PROCESSO CIVIL - MEDIDA CAUTELAR – (...) - ART. 655, § 3º, DO CPC -
NOMEAÇÃO DE DEPOSITÁRIO-ADMINISTRADOR - MUNUS QUE DEVE
RECAIR EM PRINCÍPIO NO REPRESENTANTE LEGAL DA PESSOA
JURÍDICA EXECUTADA - HIPÓTESE DE DEPÓSITO NECESSÁRIO - ART.
647, I, DO CPC - PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO - IMPOSSIBILIDADE -
SÚMULA VINCULANTE Nº 25/STF - MEDIDA CAUTELAR IMPROCEDENTE.
(...) 2. Em atenção ao princípio da menor onerosidade da execução para o devedor e
da necessidade de pronta satisfação do direito de crédito, levando-se em conta ainda
o bom senso, o encargo atribuído ao gestor da pessoa jurídica é caracterizado como
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depósito necessário, conforme art. 647, I, do Código Civil, visto que a ele cabe
igualmente a gestão da empresa e do seu passivo (cf. arts. 1.016, 1.018 e 1.020 do
Código Civil), tendo melhores condições do que qualquer outra pessoa de apresentar
plano consistente para saldar o débito incidente sobre o faturamento ou apresentar
solução menos gravosa ao objeto social que, ao mesmo tempo, exonere-o da obrigação
legal. 3. Medida cautelar improcedente. (MC 201000618597, DIVA MALERBI
(DESEMBARGADORA CONVOCADA TRF 3ª REGIÃO), STJ - SEGUNDA
TURMA, DJE DATA:23/11/2012)25
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste trabalho, procuramos defender a tese de que o administrador da empresa
devedora, seja sócio ou não, possui o dever de assumir o encargo de depositário da penhora de
percentual do faturamento, determinada nos termos dos arts. 655, VII, e 655-A, § 3º, ambos do
CPC.
Para isso, pugnamos pela superação do entendimento plasmado na Súmula nº 319 do
STJ, o qual, para nós, reflete o pensamento do Estado Liberal de não ingerência na esfera
individual do devedor.
Mostramos que a recusa vazia de assunção do encargo, na grande maioria das vezes,
resulta na frustração da execução e, portanto, importa a negação do direito fundamental a uma
tutela adequada e efetiva, extraído do art. 5º, XXXV, da CF/88.
Restou ressaltado, ainda, que tal conduta de indiferença não condiz com o modelo de
processo cooperativo que deve ser observado em um Estado Democrático de Direito, em que o
processo, e por conseguinte a própria atividade jurisdicional, deve ser norteado por princípios
éticos, representados pelo dever de lealdade, corolário dos princípios da colaboração e da boa-
fé objetiva processual.
Defendeu-se, outrossim, que a nomeação do representante legal da empresa devedora é
medida que se coaduna com os princípios da economia processual e da execução menos
gravosa, além de atender ao princípio da proporcionalidade em suas três vertentes, de modo que
25 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Medida Cautelar nº 16.751. Requerente: Ablafex S/A. Requerida:
Fazenda do Estado de São Paulo. Relatora: Ministra Diva Malerbi (Desembargadora convocada do Tribunal
Regional Federal da 3ª Região). Brasília, 13 de novembro de 2012. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1194097&sReg=201000618597&sData=20
121123&formato=PDF>. Acesso em 03 jan. 2014.
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se mostra plenamente válida a adoção dessa medida com apoio na cláusula geral de efetivação
do art. 461, § 5º, do CPC.
Ademais, a superação do entendimento cristalizado na Súmula nº 319 do STJ poderá
servir como instrumento de conscientização dos devedores, como medida pedagógica no
sentido de se tornarem mais prestativos às determinações jurisdicionais, o que potencializará a
recuperação de créditos públicos, cujo recolhimento interessa a toda sociedade.
REFERÊNCIAS
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