a imutabilidade da causa de pedir e o fato ......resumo o presente trabalho volta-se para o estudo...
TRANSCRIPT
ANTONIO RUGERO GUIBO
A IMUTABILIDADE DA CAUSA DE PEDIR E O FATO SUPERVENIENTE NO PROCESSO CIVIL
BRASILEIRO
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial para
obtenção do título de MESTRE em
Direito (Direito das Relações
Sociais), sob a orientação do
Professor Livre-docente Doutor
Sérgio Seiji Shimura.
SÃO PAULO 2005
i
A Sílvia, minha esposa. e ao pequeno César, meu filho. Porque me inspiram a buscar o que há de melhor em mim.
iii
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, a meus pais, José Guibo e Maria
Amakaho Guibo, que desde cedo me ensinaram o valor do estudo e
do trabalho.
À minha esposa Sílvia, pelo irrestrito apoio ao longo
do curso de mestrado e por compreender e aceitar os momentos em
que o estudo privou-me do convívio famil iar.
Ao amigo Joaquim Portes de Cerqueira César, com
quem tive a honra de trabalhar na Assessoria Jurídica do Banco do
Brasil em São Paulo, que me incentivou a ingressar no curso de
mestrado e com quem muito aprendi e continuo aprendendo a
respeito da advocacia e da vida.
E, f inalmente, um agradecimento especial ao
Professor Sérgio Seij i Shimura, que muito me honrou ao aceitar-me
como seu orientando, pela generosa atenção e paciência com que me
auxil iou na elaboração deste trabalho, dando-me, assim, o privilégio
de contar com o seu incentivo fraterno, suas crít icas sempre
enriquecedoras e suas indicações sempre muito precisas.
iv
RESUMO
O presente trabalho volta-se para o estudo da tensão existente entre, de
um lado, o imperativo da estabilização da demanda, segundo o qual é vedado ao autor alterar a causa petendi, e de outro, o reconhecimento de que os fatos supervenientes devem ser tomados em consideração pelo juiz, influindo, assim, no julgamento da lide.
Busca-se, primeiramente, examinar a origem e evolução histórica da causa petendi, como elemento identificador da ação, para chegar ao estudo da temática da estabilização da demanda, tanto no direito comparado quanto no direito positivo brasileiro.
Passa-se, então, à análise do problema tal como se apresenta no ordenamento processual em vigor, quando se traça um paralelo com um instituto bastante correlato, porém distinto, que é o princípio da eventualidade. Examinam-se, ainda, as diferentes implicações decorrentes da eficácia preclusiva da coisa julgada, conforme se trate de fato superveniente que beneficie o autor ou o réu, bem como a relação da temática da estabilização da demanda com os princípios da congruência e da causalidade.
Por fim, coloca-se a questão sob a ótica da teoria dos recursos. O objetivo do presente trabalho é buscar uma sistematização dos conceitos
envolvidos, de modo a harmonizar as normas tendentes à estabilização da demanda, em face da necessidade de lidar com o fato superveniente. Sem prejuízo da discussão quanto aos aspectos teóricos, pretende-se não perder de vista o interesse prático na busca de critérios aptos a tornar operável, coerente e eficiente o conjunto formado pelos institutos mencionados, com vistas a delimitar o exato alcance do postulado da imutabilidade da causa de pedir no direito processual civil brasileiro, em face da ocorrência de fatos supervenientes.
v
ABSTRACT
The present work is related to the study of the tension between, on one side, the necessity of the steadiness of the dispute by which the claimant is not allowed to modify the cause of action, and on the other side, the recognition that the new facts have to be taken into consideration by the judge, thus interfering on the judgement of the lawsuit.
The main goal is to examine the origin and historic evolution of the cause of action as the identifying element of the lawsuit, to arrive at the study of the steadiness of the dispute theme in the comparative law, as well as in the Brazilian statutory law.
Further, the problem is analyzed as the way it is presented in the current civil proceeding’s system, where a parallel is made with a very similar but not identical institute, the contingency principle. Also the different implications of the preclusive characteristic of the res judicata are analysed, if it is related to a new fact which benefits the claimant and the defendant, as well as the relation of the steadiness theme of the lawsuit with the congruency and causality principles.
Finally, the question is posed from the appeal theory point of view.
The purpose of the present work is to seek a systematization of the concepts involved which allows the harmonization of the rules which will take to the steadiness of the lawsuit, due to the necessity of dealing with the new fact. Without prejudice to the discussion in respect to the theoretical aspects, it is intended not to lose track of the practical interest of seeking criteria capable of making operable, coherent and efficient the group formed by the above mentioned institutes, with the view to delimitate the exact reach of the immutability of the cause of action in the Brazilian civil proceeding’s system, due to the appearance of new facts.
vi
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO............................................................................................................................ 1
1. GENERALIDADES.................................................................................................................
6
1.1 A individuação da demanda......................................................................................... 6
1.1.1 Teoria da identidade da relação jurídica .......................................................... 7
1.1.2 Teoria da tríplice identidade................................................................................ 8
1.2 A causa de pedir como um dos elementos individualizadores da demanda........... 10
1.3 O conteúdo da causa de pedir ..................................................................................... 12
1.3.1 Teoria da individualização.................................................................................. 13
1.3.2 Teoria da substanciação..................................................................................... 18
1.3.3 O ponto de afastamento entre ambas as teorias.............................................. 21
2. COLOCAÇÃO DO PROBLEMA – A ESTABILIZAÇÃO DA DEMANDA E O FATO SUPERVENIENTE..............................................................................................................
23
2.1 A estabilização da demanda........................................................................................ 23
2.1.1 Alguns aspectos conceituais .......................................................................... 23
2.1.2 Fundamentos da estabilização da demanda ................................................... 26
2.2 Sistemas rígidos e flexíveis ........................................................................................ 28
2.3 A imutabilidade da ação e o fato superveniente........................................................ 31
3. CAUSA DE PEDIR – EVOLUÇÃO HISTÓRICA...................................................................
33
3.1 Direito romano.............................................................................................................. 33
3.2 Direito romano visigótico............................................................................................. 37
3.3 Idade média e direito comum...................................................................................... 38
3.4 Difusão do pensamento jurídico romano-canônico nos Estados Monárquicos da Península Ibérica – Espanha e Portugal..............................................................
41
4. A ESTABILIZAÇÃO DA DEMANDA SOB A PERSPECTIVA DO DIREITO COMPARADO...............
44
4.1 Nos países socialistas................................................................................................. 44
4.2 Direito inglês................................................................................................................. 45
4.3 Direito alemão............................................................................................................... 46
4.4 Direito italiano .............................................................................................................. 49
4.5 Direito espanhol............................................................................................................ 53
4.6 Direito português ......................................................................................................... 55
vii
5. A ESTABILIZAÇÂO DA DEMANDA E O CONTEÚDO DA CAUSA DE PEDIR NO DIREITO PROCESSUAL CIVIL BRASILEIRO..................................................................................................
60
5.1 Evolução legislativa.................................................................................................... 60
5.1.1 Ordenações Filipinas........................................................................................ 60
5.1.2 Regulamento 737............................................................................................... 61
5.1.3 Os códigos de processo civil estaduais......................................................... 61
5.1.4 O Código de Processo Civil de 1939............................................................... 63
5.1.5 O Código de Processo Civil de 1973............................................................... 64
5.2 Substanciação e individualização – posicionamento da doutrina brasileira quanto ao conteúdo da causa de pedir ...................................................................
65
5.2.1 A doutrina majoritária – adoção da teoria da substanciação....................... 65
5.2.2 A posição de José Ignácio Botelho de Mesquita........................................... 70
5.2.3 A posição de Ovídio Baptista da Silva............................................................. 71
5.2.4 A natureza do direito material envolvido, como critério para definir a necessidade de substanciação dos fatos.......................................................
72
5.3 O artigo 264 do Código de Processo Civil e a imutabilidade da causa de pedir .. 74
6. O CONHECIMENTO DO FATO SUPERVENIENTE NA SENTENÇA – ART. 462 DO CPC
77
6.1 Antecedentes............................................................................................................... 77
6.2 Fundamentos para a consideração dos fatos supervenientes na sentença.......... 79
6.3 Fato superveniente e direito superveniente............................................................... 81
7. HARMONIZAÇÃO DOS ARTIGOS 264 E 462 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL...........
85
7.1 Colocação do problema................................................................................................ 85
7.2 Verdade real e verdade formal...................................................................................... 86
7.3 A natureza instrumental do processo e a tensão entre os princípios dispositivo, da estabilização da demanda e da economia processual..........................................
87
8. ALTERAÇÃO DO FUNDAMENTO JURÍDICO DA DEMANDA............................................
92
8.1 Causa de pedir próxima e causa de pedir remota..................................................... 92
8.2 Definição de fundamento jurídico do pedido............................................................. 94
8.3 O fundamento legal da demanda................................................................................ 95
8.4 A mutabilidade do fundamento jurídico da demanda – iura novit curia e naha mihi factum dabo tibi ius............................................................................................
97
8.5 A máxima iura novit curia e o princípio do contraditório ....................................... 101
8.6 A apreciação de fundamento jurídico novo e o princípio da demanda................... 103
viii
9. ALEGAÇÃO DE FATOS SECUNDÁRIOS............................................................................ 107
9.1 Distinção entre fatos principais e fatos secundários................................................ 107
9.2 Os fatos principais e a imutabilidade da causa petendi........................................... 110
9.3 Os fatos secundários e o problema do conteúdo da causa de pedir...................... 111
9.4 Os fatos secundários e os poderes instrutórios do juiz........................................... 113
10. O FATO SUPERVENIENTE – CONHECIMENTO DE FATOS CONSTITUTIVOS, MODIFICATIVOS OU EXTINTIVOS DO DIREITO DO AUTOR – CPC, ART. 462............
115
10.1 Distinção entre fato novo e fato superveniente........................................................ 117
10.2 O fato superveniente e o problema da identificação da ação................................. 120
10.3 A relação jurídica como parâmetro para delimitar a possibilidade de conhecimento do fato superveniente.......................................................................
125
10.4 Classificação dos fatos supervenientes e considerações acerca de cada modalidade..................................................................................................................
127
10.4.1 O fato superveniente constitutivo................................................................... 128
10.4.2 O fato superveniente modificativo.................................................................. 133
10.4.3 O fato superveniente extintivo......................................................................... 134
10.5 O conhecimento do fato superveniente de ofício..................................................... 135
10.5.1 Conhecimento do fato superveniente de ofício e o princípio da imparcialidade ...............................................................................................
135
10.5.2 Conhecimento do fato superveniente de ofício e o princípio do contraditório...................................................................................................
137
11. SITUAÇÕES PECULIARES – CAUSA DE PEDIR NAS AÇÕES POSSESSÓRIAS E NA TUTELA ESPECÍFICA DAS OBRIGAÇÕES DE DAR, FAZER E NÃO FAZER................
139
11.1 A fungibilidade das ações possessórias e a alteração dos elementos objetivos da demanda ................................................................................................................
139
11.2 Alteração da causa de pedir na tutela específica das obrigações de dar, fazer e não fazer......................................................................................................................
141
12. O FATO SUPERVENIENTE E O PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA..................................
144
12.1 O princípio da congruência....................................................................................... 144
12.2 A alteração da causa de pedir e o princípio da congruência................................ 145
12.3 O fato superveniente e a mitigação do princípio da congruência........................ 146
12.4 Síntese das conclusões sobre o tema..................................................................... 148
13. O PRINCÍPIO DA EVENTUALIDADE E O FATO SUPERVENIENTE................................
149
13.1 Correspondência entre o princípio da estabilização da demanda e o princípio da eventualidade.........................................................................................................
150
13.2 Alcance da expressão “direito superveniente”..................................................... 153
13.3 A possibilidade de alegações incompatíveis entre si e o princípio da lealdade processual................................................................................................................
155
ix
13.4 O princípio da eventualidade e o princípio do contraditório ................................ 157
13.5 O princípio da eventualidade e o princípio da economia processual................... 159
14. DISTINÇÃO ENTRE O PRINCÍPIO DA IMUTABILIDADE DA CAUSA DE PEDIR E O PRINCÍPIO DA EVENTUALIDADE. RAZÕES QUE JUSTIFICAM TRATAR DE MODO DIFERENTE A POSSIBILIDADE DE ALEGAÇÃO DE FATO SUPERVENIENTE PELO AUTOR E PELO RÉU.........................................................................................................
161
14.1 O problema da identificação da ação....................................................................... 161
14.2 Diferenças entre as posições do autor e do réu em face da eficácia preclusiva da coisa julgada..........................................................................................................
162
14.2.1 Considerações gerais a respeito da eficácia preclusiva da coisa jugalda 163
14.2.2 A insuficiência da teoria da tríplice identidade em face dos problemas decorrentes da eficácia preclusiva da coisa julgada .................................
167
14.2.3 O maior rigor do artigo 474 do Código de Processo Civil em relação ao demandado.....................................................................................................
170
14.3 O conhecimento novo de fato velho. Possibilidade de alegação pelo réu e impossibilidade pelo autor, na mesma ação.........................................................
171
14.4 Matérias cognoscíveis de ofício e que podem ser alegadas pelo réu a qualquer tempo – art. 303, incisos II e III. Possibilidade de alegação pelo autor, somente se relativas a fato ocorrido após a estabilização da demanda
175
15. FATO SUPERVENIENTE E CAUSALIDADE. TENTATIVA DE SISTEMATIZAÇÃO DOS ARTIGOS 22, 462 E 303, INCISOS I, II E III, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
179
15.1 O artigo 22 do Código de Processo Civil e o princípio da causalidade............ 179
15.2 Distinção entre as hipóteses previstas nos artigos 22 e 462 do Código de Processo Civil .........................................................................................................
183
15.3 Condenação em custas e perda do direito aos honorários de sucumbência e as hipóteses previstas no artigo 303, incisos I, II e III do Código de Processo Civil...........................................................................................................................
185
15.3.1 O artigo 22 do Código de Processo Civil e o direito superveniente (art. 303, inciso I, do Código de Processo Civil)......................................
187
15.3.2 Incidência do artigo 22 do Código de Processo Civil nas hipóteses de alegação tardia de matérias que o juiz possa conhecer de ofício (art. 303, inciso II), ou que possam, por autorização expressa da lei, ser alegadas a qualquer tempo (art. 303, inciso III) ......................................
191
15.3.3 Distinção entre a inércia culposa prevista no artigo 22 e a litigância de má-fé prevista nos artigos 17 e 18 do Código de Processo Civil.....
195
16. DO CONHECIMENTO DO FATO SUPERVENIENTE EM GRAU DE APELAÇÃO...........
197
17. DO CONHECIMENTO DO FATO SUPERVENIENTE EM SEDE DE RECURSO EXCEPCIONAL..................................................................................................................
203
x
18. PROPOSTAS DE ABRANDAMENTO DA RIGIDEZ IMPOSTA PELO REGIME DA ESTABILIZAÇÃO DA DEMANDA E PELO PRINCÍPIO DA EVENTUALIDADE NO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO.......................................................................................
207
18.1 A necessidade de flexibilização............................................................................... 207
18.2 Sugestões formuladas pela doutrina....................................................................... 209
18.2.1 Inserção, no Código de Processo Civil, de dispositivo semelhante ao artigo 384 do Código de Processo Penal ...................................................
209
18.2.2 Valorização da audiência preliminar prevista no artigo 331 do Código de Processo Civil, como momento para fixação dos termos da controvérsia e estabilização da demanda ..................................................
210
18.2.3 Alteração consensual da causa petendi e do pedido.................................. 212
18.2.4 Releitura da visão tradicional de estabilização da demanda, à luz do reconhecimento da supremacia do princípio do acesso à justiça............
213
CONCLUSÕES..........................................................................................................................
219
BIBLIOGRAFIA.........................................................................................................................
233
xi
1
INTRODUÇÃO
O processo começa com a iniciativa do autor e se completa com a
citação do réu. Na petição inicial, o autor deve, desde logo, especificar o pedido,
bem como os fatos e os fundamentos jurídicos que o embasam. Feita a citação, o
autor somente poderá modificar o pedido ou a causa de pedir com o
consentimento do réu e, após o saneamento do processo, é vedada a alteração
de tais elementos.
Isso significa que, no processo civil brasileiro, vige o princípio da
imutabilidade da ação, uma vez que, após a fase de saneamento (art. 264 do
CPC), tornam-se inalteráveis seus elementos subjetivos e objetivos, com o que se
verifica o fenômeno conhecido como estabilização da demanda.
Dentre os elementos objetivos, encontra-se a causa petendi, que em
nosso ordenamento compreende tanto os fatos quanto os fundamentos jurídicos
do pedido. Daí decorre que, após a estabilização da demanda, é vedado, em
princípio, introduzir fatos jurídicos que não foram deduzidos no momento
apropriado.
O princípio da imutabilidade da ação e a conseqüente estabilização
da demanda guardam relação com o princípio dispositivo, pois, a partir dos
elementos constantes da petição inicial, delimita-se o exato campo sobre o qual
atuará a jurisdição. Diz respeito também ao princípio do contraditório, uma vez
que é quanto aos fatos alegados e ao pedido formulado na inicial que o réu
elaborará sua defesa. Relaciona-se, ainda, com a busca da celeridade da
2
prestação jurisdicional, já que a permissão de sucessivas idas e vindas no
procedimento, em virtude da introdução de fatos novos, tornaria mais demorado o
desfecho do processo.
Nada obstante o princípio da imutabilidade da ação atender a uma
necessidade até mesmo de natureza lógica do processo, concebido como uma
sucessão ordenada de atos que deve orientar-se para uma resposta do órgão
estatal em face da pretensão deduzida pelo autor, não se pode deixar de
reconhecer que a realidade social concreta, da qual se origina a lide e sobre a
qual deve incidir a tutela jurisdicional, não será imutável jamais.
Nesse sentido, uma vez que o processo se desenvolve ao longo do
tempo, é muito provável que haja transformações na realidade que interfiram
tanto no complexo fático que constitui a causa de pedir, quanto na efetividade da
futura prestação jurisdicional.
Em função disso, o legislador vê-se obrigado a lidar com o problema
do tempo no processo, o qual desafia a doutrina com importantes
questionamentos que podem ser desdobrados em duas ordens.
A primeira diz respeito às mudanças no contexto fático, que
ameaçam a efetividade da prestação jurisdicional. Nesse caso, lança-se mão das
chamadas tutelas de urgência, cujo alcance amplia-se a cada dia, para fazer
frente aos problemas crônicos de morosidade da justiça.
Já a segunda ordem de questões diz respeito às alterações no
mundo dos fatos que interferem no próprio julgamento da ação, quando adquire
3
relevância o estudo do assim chamado fato superveniente e suas implicações no
que se refere à estabilização da demanda.
Verifica-se, ainda, que a primeira ordem de questões tem sido objeto
de grande interesse por parte da doutrina atual, preocupada sobremaneira com a
temática da efetividade da tutela jurisdicional.
Por outro lado, diferentemente, a temática atinente ao fato
superveniente e à estabilização da demanda não tem sido tão freqüentada pela
doutrina mais recente. Entretanto, tais assuntos também parecem merecer
estudo, uma vez que se cuida de institutos antigos e basilares do Processo Civil,
que devem receber atenção sempre renovada.
Cabe observar ainda que, ao lado da questão da estabilização da
demanda e correspondentemente à vedação imposta ao autor de alterar a causa
de pedir, dado o princípio da imutabilidade da ação, justificou-se a formação, em
relação ao réu, do princípio da eventualidade, pelo qual todas as defesas, salvo
as exceções e os incidentes, deverão ser alegadas na contestação, sob pena de
preclusão.
Embora se trate de categorias muito próximas, a estabilização da
demanda e o princípio da eventualidade são institutos distintos, posto que, a rigor,
a defesa apresentada pelo réu não altera a demanda.
Todavia, muito embora o foco do presente trabalho seja o estudo da
estabilização da demanda propriamente dita, não se pode deixar de comparar as
soluções adotadas nesse campo, com as que se propõem em relação ao princípio
da eventualidade, dada a íntima correlação entre ambos.
4
Estabelecidas as mencionadas premissas, será possível abordar o
problema do fato superveniente, considerando, de início, que nosso ordenamento
estabelece que o juiz, no momento de proferir a sentença, deve considerar os
fatos supervenientes, constitutivos, modificativos ou extintivos do direito (art. 462
do CPC).
Surge então um aparente paradoxo, pois, se por um lado o autor é
impedido de alegar fatos novos após o saneamento do processo e o réu deve
exaurir seus argumentos de defesa na contestação, por outro, o juiz deve
conhecer dos fatos supervenientes, inclusive de ofício, no momento de proferir a
sentença.
Além disso, nossa lei processual consagra a eficácia preclusiva da
coisa julgada, fazendo com que sejam reputados, deduzidos e repelidos todos os
argumentos que as partes poderiam opor tanto ao acolhimento (afetando o autor)
como à rejeição (referindo-se ao réu) do pedido, quer tenham ou não sido
alegados (art. 474 do CPC). Em outras palavras, se por um lado é vedado às
partes alegar fatos novos após o saneamento do processo, por outro, tais fatos
são reputados como deduzidos e repelidos e não poderão ser opostos ao que vier
a ser decidido na sentença após seu trânsito em julgado.
O objetivo do presente trabalho é buscar uma sistematização dos
conceitos envolvidos, que possibilite harmonizar as normas tendentes à
estabilização da demanda, em face da necessidade de lidar com o fato
superveniente.
Parte-se do pressuposto de que a compreensão ampla do problema
torna necessário o exame das raízes históricas do instituto da estabilização da
5
demanda e, em especial, da imutabilidade da causa de pedir, o que conduz ao
estudo das teorias desenvolvidas ao longo de décadas, a respeito da individuação
das ações (relação jurídica x tríplice identidade) e ao conteúdo da causa de pedir
(substanciação x individuação).
Para uma abordagem mais crítica, pareceu de todo conveniente
estudar também a forma como outros sistemas jurídicos contemporâneos tratam
da questão da estabilização da demanda, o que levou a uma abordagem de
direito comparado.
A evolução histórica do instituto da estabilização da demanda,
acrescida do estudo de direito comparado, deve possibilitar a contextualização do
problema, tal como se apresenta hoje no direito positivo brasileiro.
Propõe-se, então, o estudo da evolução legislativa e do
posicionamento da doutrina no Brasil, a partir do que será possível analisar, de
modo mais minucioso, os diferentes aspectos do tema na legislação processual
civil brasileira atualmente em vigor.
Sem prejuízo da discussão quanto aos aspectos teóricos, pretende-
se não perder de vista o interesse prático na busca de critérios aptos a tornar
operável, coerente e eficiente o conjunto formado pelos institutos mencionados,
com vistas a delimitar o exato alcance do postulado da imutabilidade da causa de
pedir no direito processual civil brasileiro, em face da ocorrência de fatos
supervenientes.
6
1. GENERALIDADES
1.1 A individuação da demanda: 1.1.1 Teoria da identidade da relação jurídica; 1.1.2 Teoria da tríplice identidade – 1.2 A causa de pedir como um dos elementos individualizadores da demanda – 1.3 O conteúdo da causa de pedir: 1.3.1 Teoria da individualização; 1.3.2 Teoria da substanciação; 1.3.3 O ponto de afastamento entre ambas as teorias
1.1 A individuação da demanda
A individuação da rés in iudicium deducta sempre foi um dos temas
centrais da ciência processual. Embora os primeiros estudos a esse respeito
estivessem voltados para o problema da coisa julgada – a exceptio rei iudicate – a
identificação da ação se mostra importante também para a verificação da
ocorrência da litispendência e da conexão de ações.
A esse respeito duas teorias provieram das fontes romanas
conservadas no Digesto e tornaram-se clássicas: a da identidade da relação
jurídica, defendida por Savigny e a da tríplice identidade que remonta diretamente
às fontes romanas .
Traça-se, a seguir, um breve perfil dessas teorias.
7
1.1.1 Teoria da identidade da relação jurídica
Savigny, o grande expoente da Escola Histórica, defendia a
renovação da ciência do direito mediante o aproveitamento da experiência jurídica
dos romanos, com a devida adaptação à realidade do momento histórico por ele
vivido.
Nesse contexto, reportando-se ao pensamento do jurisconsulto
Juliano, Savigny visualizou na eadem questio o núcleo determinante da
individuação das ações.
Em primoroso estudo a respeito da exceptio rei iudicate, o
mencionado autor afirmou que uma ação futura poderia ser obstada se as duas
demandas tivessem em comum as mesmas pessoas e a mesma questão.
A partir dessa premissa, Savigny formulou dois critérios. Pelo
primeiro, se duas ações referem-se a questões jurídicas diferentes, a exceção de
coisa julgada não seria oponível, mesmo que ocorresse a aparente identidade
(partes, pedido e causa de pedir). Isso significa que uma ação possessória, por
exemplo, não teria o condão de prejudicar futura ação reivindicatória e vice-versa.
Pelo segundo critério, se duas ações dissessem respeito à mesma
questão jurídica, a exceptio seria admitida, mesmo que houvesse aparente
discrepância entre elas. Assim ocorreria quando, por exemplo, a segunda lide
tivesse nomenclatura diferente da primeira; ou quando as partes se encontrassem
em posição invertida; ou quando o direito que em uma ação fosse principal, em
8
outra fosse condicionada; ou, ainda, quando o objeto exterior do litígio não fosse o
mesmo nas duas ações.
Sob essa concepção, Savigny distinguia as ações pessoais das
reais, afirmando que, quanto às primeiras, nenhum problema subsistia, uma vez
que cada relação jurídica vinha individuada por uma determinada causa. Todavia,
quanto à segunda, independentemente do título de aquisição, admitia-se a
exceção de coisa julgada, dada a identidade objetiva de ambas as relações
jurídicas.
1.1.2 Teoria da tríplice identidade
Apesar do esforço de Savigny no sentido de superar a construção
clássica da tríplice identidade, a teoria da relação jurídica restou praticamente
circunscrita à Alemanha. A teoria da tríplice identidade – pessoas, causa de pedir
e pedido – por seu turno, prevalece na obra dos grandes processualistas do
passado e dos tempos atuais.
O dogma da tríplice identidade – tria eadem – deita raízes no direito
romano e veio expressamente consagrado nas legislações francesa e italiana,
tendo recebido, por via de conseqüência, o aval da grande maioria dos
estudiosos.
Nos ordenamentos processuais de tradição romano-germânica, é
evidente o predomínio da teoria da tríplice identidade. Com efeito, aceita-se que
9
cada ação tem uma individualidade que se infere dos elementos que a compõem.
Tais elementos permitem então identificar as ações, distinguindo-as umas das
outras. Segue-se que duas ações são idênticas quando, em ambas, os seus
elementos são os mesmos. Assim, duas ações são idênticas quando entre elas
há: a) identidade de partes (eadem personae); b) identidade de objeto (eadem
res); c) identidade de causa de pedir (eadem causa petendi).
Conforme anota Arruda Alvim, “na doutrina dos países latinos,
tradicionalmente, fala-se em teoria das três identidades, para que possam ser
identificadas as ações. O Direito brasileiro imediatamente anterior, embora sem
texto expresso, e o atual (agora explicitamente) também seguiram essa
orientação, pois se lê no art. 301, § 2º, in verbis: ‘Uma ação é idêntica à outra
quando tem as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido’”.1
Todavia, como se verá mais adiante, muito embora a teoria da
tríplice identidade seja comumente aceita para resolver a maior parte dos
problemas relativos à identificação das ações, há determinados casos nos quais
ela se mostra insuficiente, levando a doutrina a buscar soluções na teoria da
relação jurídica.
1 Manual de direito processual civil, v. 1, p. 484.
10
1.2 A causa de pedir como um dos elementos individualizadores da
demanda
Aceitando que as ações se identificam por intermédio das partes, do
pedido e da causa de pedir, colocamo-nos diante da dificuldade de conceituar de
forma precisa a causa de pedir com vistas à exata individualização da demanda.
José Ignácio Botelho de Mesquita observa que: “Na verdade, não
surgem problemas sôbre o que se deva entender por personae e por petitum. A
causa petendi, contudo, pela dificuldade que oferece à determinação do seu
conteúdo, tornou-se um dos pontos mais delicados do direito processual, e isto
por se achar no âmago do tema comumente designado por identificação das
ações, do qual dependem decisivamente vários institutos processuais”.2
Na mesma linha, José Rogério Cruz e Tucci adverte que “hoje é
tarefa praticamente impossível emitir um conceito unívoco e abrangente de causa
de pedir”, observando, contudo, que a evolução da ciência processual, em época
mais recente, orienta-se para o entendimento segundo o qual a locução indica “o
fato ou o conjunto de fatos que serve para fundamentar a pretensão (processual)
do demandante”.3
Usualmente, classificam-se os elementos da ação em subjetivos –
partes – e objetivos – pedido e causa de pedir. Na verdade, os elementos
objetivos da ação formam um todo indissociável, que constitui o objeto do
processo. Nesse sentido, José Ignácio Botelho de Mesquita observa que: “causa
2 A causa petendi nas ações reivindicatórias, Revista de Direito Processual Civil 6/185.
11
petendi e petitum, intimamente ligados, qual verso e reverso da mesma medalha,
ou alicerces e paredes do mesmo edifício, são por excelência os elementos
identificadores do objeto do processo, pois o petitum é condição de existência da
causa petendi e esta, por sua vez, não se limita a qualificá-lo ou restringi-lo, mas
o individua plenamente”.4
Ainda quanto à aptidão da causa de pedir, no sentido de individuar o
pedido, Nelson Nery Júnior lembra que, para que se possa analisar a presença da
condição da ação fundada na possibilidade jurídica do pedido, o termo “pedido”
deve ser tomado não em seu sentido estrito, mas conjugado com a causa de
pedir. E exemplifica mostrando que, embora o pedido de cobrança seja
admissível pela legislação brasileira, não será possível se tiver como causa
petendi a dívida de jogo.5
Especialmente quando empregada para aferir a presença da
possibilidade jurídica do pedido, fica evidente que a causa petendi é, dentre os
elementos da ação, o que constitui o ponto de contato mais direto entre o
processo e o direito material. A esse respeito, Fazzalari afirma que a causa
petendi, considerada como um dos elementos da ação, corresponde,
essencialmente, ao elo entre a norma de direito material supostamente violada e
o juízo, a partir do momento em que a situação substancial retratada na petição
inicial é submetida à cognição judicial.6
3 A causa petendi no processo civil, p. 24. 4 A causa petendi nas ações reivindicatórias, Revista de Direito Processual Civil 6/184. No mesmo
sentido, José Rogério Cruz e Tucci sustenta que a causa petendi possui dupla finalidade. A primeira é individualizar a demanda e a segunda é identificar o pedido, inclusive quanto à possibilidade deste (A causa petendi no processo civil, p. 158).
5 Condições da ação. Revista de Processo 64/37. 6 Note in tema di diritto e processo, p. 122.
12
Tendo em vista essa função de transportar para o interior do
processo as particularidades do direito material supostamente violado, Fazzalari
ressalta que a indicação da causa de pedir é imprescindível para o desenrolar do
processo de conhecimento, na medida em que “tal alegação representa, na
verdade, o parâmetro para determinação da jurisdição, da competência, da
legitimação para agir...”.7
1.3 O conteúdo da causa de pedir
Dentre os diversos problemas envolvidos na busca de uma definição
mais precisa do que seria a causa de pedir, um dos aspectos mais controvertidos
refere-se à definição do seu conteúdo.
Para determinar o conteúdo da causa de pedir, foram desenvolvidas
duas teorias, a saber, a da individualização e a da substanciação. A polêmica
entre ambas as teorias teve origem no direito alemão, dados os problemas que
decorreram da extrema rigidez com que se aplicou a regra da Eventualmaxime,
segundo a qual as partes eram obrigadas a formular, desde o início do processo,
todas as alegações que pudessem interessar ao deslinde da causa, sob pena de
não mais poder fazê-lo em momento posterior. Como resultado dessa exigência,
o processo ficava abarrotado de uma infinidade de provas e questões que as
partes aduziam simultaneamente, visando a evitar o risco da preclusão de suas
proposições. Conseqüentemente, na sentença, o juiz devia analisar muitas
7 Note in tema di diritto e processo, p. 47 e 115.
13
provas que não eram pertinentes, mas que não podiam ser rechaçadas de plano,
já que a obrigatoriedade da proposição contemporânea não permitia distinguir as
provas úteis e pertinentes das não relevantes para a solução do caso concreto.
Diante de tais problemas, a Eventualmaxime passou a ser questionada e, para
evitar a formação de um processo artificial, dominado por argumentos e questões
inúteis, tornava-se evidente a necessidade de estabelecer-se o conteúdo mínimo
da causa de pedir. Tal tema foi objeto de estudo, especialmente de autores
alemães e italianos, instaurando-se a acentuada polêmica sobre os elementos
que constituiriam o aludido conteúdo mínimo da causa petendi, originando as
teorias da substanciação (Substantiierungs theorie) e individualização ou
individuação (Individualisierung theorie) (...)”.
A seguir, com o objetivo de melhor compreender as razões de tal
polêmica e suas implicações, traça-se um breve perfil de cada uma dessas
teorias.
1.3.1 Teoria da individualização
Nada obstante as origens germânicas do debate em torno do
conteúdo mínimo da causa de pedir, a teoria da individualização goza de especial
prestígio na Itália,8 encontrando em Chiovenda um dos seus mais ardorosos
defensores.
8 Cândido Rangel Dinamarco observa que “oposto ao da substanciação (vigente no Brasil) é o
sistema da individuação, vigente em outros países. No sistema italiano reputa-se causa de pedir, para o fim de delimitar o âmbito da demanda e da sentença, a referência feita pelo autor
14
Para os seguidores da teoria da individualização, é necessário
distinguir as ações fundadas em direitos absolutos das demais ações fundadas
em direito obrigacional. Nesse contexto, Chiovenda entende que, nas hipóteses
envolvendo os assim chamados direitos absolutos, a causa de pedir deve conter,
antes de mais nada, a “afirmação da relação jurídica de que deriva o direito
afirmado pelo autor em confronto com o réu”. Todavia, reconhece que “essa
afirmação basta nos direitos absolutos, mas não é suficiente nos direitos de
obrigação”.9
Em outras palavras, para Chiovenda, nas ações de natureza real
basta afirmar a relação jurídica para que se preencha o conteúdo da causa de
pedir, isso porque a causa na reivindicação não decorre propriamente do modo de
aquisição, mas do fato atual da existência do propriedade.10
Por outro lado, segundo Chiovenda, nas ações fundadas no direito
das obrigações, não basta enunciar a relação jurídica para que se identifique a
ação, uma vez que pode haver relações jurídicas obrigacionais de conteúdo
idêntico, derivadas de diferentes obrigações. Por isso mesmo é que se faz
à categoria jurídica com fundamento na qual pretende a tutela jurisdicional pedida. O histórico de fatos, que ele traz ao demandar, não passa de meras circunstâncias de fato e pode ser alterado porque assim permite o procedimento flexível lá existente” (Instituições de direito processual civil, v. 2, p. 128, nota 20).
9 Instituições de direito processual civil, v. 1, p. 360. 10 A esse respeito, Chiovenda apresenta a seguinte conclusão: “Por conseguinte, a causa na
reivindicação não é um ou outro modo de aquisição, mas o fato atual da propriedade; a questão jurídica versa sempre sobre a existência do direito de propriedade, ainda quando a questão lógica se restrinja ao ponto, por exemplo, de se houve ou não compra e venda. Não há mudança de ação quando se passa de um título de aquisição a outro. Na citação, podemos limitar-nos a afirmar a propriedade; negada a propriedade no primeiro processo, não desaparece a exceção de coisa julgada só pelo fato de que no novo processo se alegue outro título (a menos que, entende-se, seja um título posterior ao julgado). O mesmo se pode dizer dos outros direitos absolutos: reconhecemos no fato atual da existência de um homem a causa dos direitos de liberdade ou de personalidade, sem pensar em sua origem senão como modo de provar-lhe a existência (Instituições de direito processual civil, v. 1, p. 437).
15
necessário indicar o fato constitutivo do qual decorre a relação jurídica, a fim de
diferenciar de outras possíveis relações jurídicas de idêntico conteúdo.11
Nessa mesma linha, Betti defende que “existem relações jurídicas
identificáveis pelos próprios elementos estruturais e pela típica qualificação
jurídica que lhes é própria, sem necessidade de recorrer-se ao fato de onde se
originaram”. Refere-se o mencionado autor às relações de direito real, de direito
de família e de estado da pessoa.12
Igualmente, Liebmann esclarece que, nas ações fundadas em direito
absoluto, basta indicar o direito que se afirma existente, ou, em outras palavras, a
relação jurídica, uma vez que esta é sempre a mesma, qualquer que seja o fato
constitutivo em particular. Explica o renomado professor de Milão que a
propriedade de um bem, por exemplo, é sempre o mesmo direito, tenha ela sido
adquirida por herança, compra e venda ou usucapião e, por isso, não há alteração
da causa de pedir pelo simples fato de haver referência a esse ou aquele modo
de aquisição.13
Tais ações fundadas em direitos absolutos constituem as assim
chamadas demandas autodeterminadas, uma vez que são identificadas pelo
próprio direito e não pelo título de aquisição, porquanto contempla potencialmente
todos os possíveis títulos.
Assim, conforme anota Cerino Canova, tais direitos, pelo seu
conteúdo, podem subsistir uma única vez entre as mesmas partes e “a
individuação do direito, e da demanda, através do conteúdo e dos sujeitos,
11 Instituições de direito processual civil, v. 1. p. 360. 12 Diritto processuale civile italiano, p. 178.
16
justifica-se precisamente pela unicidade e irrepetibilidade da mesma situação
substancial”.14 Nesse contexto, a alegação de fato constitutivo tem importância
somente no que diz respeito ao juízo di fondatezza, podendo ser alterada sem
que isso implique alteração da demanda.15 A esse respeito, no Brasil, José
Rogério Cruz e Tucci observa que, “segundo a denominada teoria da
individualização, a alegação dos fatos, nas ações que encerram um direito
absoluto, delineia-se apenas como condição de êxito da demanda, e não como
elemento identificador”.16
Por outro lado, nas demais ações que não são identificáveis, a não
ser pelo fato que lhes deu vida, compreendidas aqui as relações obrigacionais,
bem como as relações de direito potestativo ou de sucessão hereditária, é
necessária a indicação do fato constitutivo. Isso porque pode haver diversas
relações jurídicas de conteúdo idêntico, mas decorrentes de diferentes fatos.
Trata-se das chamadas demandas heterodeterminadas, que não são
individualizáveis apenas em função dos seus elementos estruturais – sujeitos e
conteúdo –, mas dependem da indicação do seu fato gerador.17
Assim, da ótica da teoria da individualização, apenas no caso de
demandas heterodeterminadas faz-se necessária a indicação dos fatos
constitutivos, uma vez que tantas serão as relações dessa espécie quantos forem
os fatos constitutivos.
13 Struttura del processo e modificazione della domanda, p. 161. 14 La domanda giudiziale ed il suo contenuto, p. 172. 15 Cerino Canova, La domanda giudiziale ed il suo contenuto, p. 185. 16 A causa petendi no processo civil, p. 116. 17 Cerino Canova, op. cit., p.178-9.
17
Posto isso, é possível constatar que a teoria da individualização
apresenta implicações mais significativas exatamente quanto às hipóteses de
ações decorrentes de direitos absolutos.18
Conseqüentemente, para os seguidores da teoria da
individualização, no que tange às demandas autodeterminadas ou, em outras
palavras, nas ações que se referem a direitos absolutos, a mudança do fato ou
dos fatos constitutivos ocorrida no curso do processo não implica alteração da
demanda.
Nessa mesma linha de raciocínio, conclui-se que a sentença que
decidir sobre a existência ou inexistência de determinada relação jurídica
projetará sua eficácia em relação a todos os fatos possíveis de serem invocados,
quer tenham ou não sido alegados no curso da ação.
Conforme assinala José Ignácio Botelho de Mesquita, a coisa
julgada que se forma em torno da relação jurídica que fora objeto da ação
fundada em direito absoluto torna “improponível nova demanda sobre a mesma
relação de direito, ainda que fundada em fatos não alegados na primeira”.19
É de se reconhecer, todavia, que no Brasil pouco se estudou a
respeito de tal teoria, uma vez que a quase totalidade da doutrina admite que teria
sido adotada entre nós a teoria da substanciação.20
18 Nesse sentido, no Brasil, Calmon de Passos observa que essa teoria tem sua importância
situada sobretudo no campo dos direitos absolutos, ou seja, no campo dos direitos reais e de família, e nas hipóteses de direitos relativos, ou seja, no caso das relações obrigacionais, das quais podem nascer diferentes obrigações de idêntica origem, mesmo os adeptos da teoria da individualização apontam a necessidade de se indicar o fato constitutivo para a sua distinção (Comentários ao Código de Processo Civil, p. 191).
19 A causa petendi nas ações reivindicatórias, Revista de direito processual civil 6, p.186. 20 A propósito, Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery consideram que a teoria da
individualização estaria superada, uma vez que, na própria Alemanha, o ZPO adotou a teoria
18
1.3.2 Teoria da substanciação
Ao contrário do que defende a teoria da individualização, para
os seguidores da teoria da substanciação, no que diz respeito à causa de pedir
não se deveria fazer qualquer distinção entre direitos reais e direitos
obrigacionais, sendo necessária a indicação do fato constitutivo do direito em
ambas as situações.
Na doutrina italiana, Zanzucchi, aduzindo aos direitos
absolutos e aos direitos obrigacionais, observa que “com relação a ambos a razão
da pretensão não é especificada pela simples enunciação do direito. Tem-se a
especificação apenas quando é indicado o fato do qual emergiu o direito, o fato
não em abstrato, mas em concreto”.21
O mesmo autor ilustra seu raciocínio por intermédio do
seguinte exemplo: se “A” age contra “B” para obter a entrega de determinada
coisa, com fundamento em um direito de crédito (direito obrigacional) decorrente
de depósito, e “B” alega já ter restituído o bem, e se diante disso “A” reconhecer a
procedência do argumento do demandado, mas afirmar que deu a coisa em
depósito uma segunda vez, resulta que o mesmo bem é demandado pela mesma
espécie de relação jurídica (depósito). No entanto, não se nega, mesmo para os
adeptos da teoria da individualização, que se está diante de modificação da
demanda, uma vez que se altera o fato (causa petendi), já que o pedido, agora,
passa a estar fundado no segundo contrato de depósito. Posto isso, Zanzucchi
da substanciação (Código de Processo Civil e legislação processual civil extravagante, nota 2 ao art. 282, III, do CPC, p. 487).
19
transpõe o mesmo raciocínio para o caso envolvendo direito de propriedade:
tendo “A” requerido a entrega do imóvel “X”, alegando direito de propriedade
sobre o referido bem, o réu “B” se opõe, dizendo que comprou de “A” o imóvel,
que, por sua vez, alega que adquiriu novamente o imóvel de “B”. Nesse caso,
segundo Zanzucchi, há igualmente a alteração do fato constitutivo do direito e,
substancialmente, do próprio direito. Em outras palavras, seria possível distinguir
o direito de propriedade decorrente do primeiro contrato e do segundo negócio.
Assim, Zanzucchi conclui que tanto nas ações fundadas em direitos reais quanto
obrigacionais, para individuar a causa petendi, “não basta apenas indicar o direito
e a sua natureza (de propriedade, de crédito etc...), mas é necessário revelar o
fato pelo qual o direito afeta uma determinada pessoa, e não o fato em abstrato
(depósito, compra e venda etc.) mas em concreto (tal depósito, tal compra e
venda etc.)”.22
Portanto, para a teoria da substanciação, mesmo no que diz
respeito às ações fundadas em direito absoluto, a causa de pedir deve
compreender o fato gerador do direito. Haverá então tantas demandas quantos
forem os diferentes fatos constitutivos invocados.
Segundo Luso Soares, daí provém a expressão
“substanciação” – “o que substancia ou fundamenta a ação igualmente a
individualiza”. 23
Tal concepção repercute diretamente sobre o tema da
extensão dos efeitos da coisa julgada. Arturo Rispoli defende que a modificação
21 Nuove domande, nuove eccezioni e nouve porove in appello, p.335-6. 22 Ibid. p.336-7. 23 Processo civil de declaração, Coimbra, Almedina, 1985, p. 587.
20
do título aquisitivo de um direito real enseja modificação da causa de pedir e
conseqüentemente da ação, de modo que a compra e venda, a doação, o
usucapião, seriam todas causas de pedir diversas, recaindo os efeitos da coisa
julgada somente sobre a causa específica identificada na ação.24
No mesmo sentido, Mário Bellavits, a despeito de não colocar
em dúvida a natureza erga omnes do direito de propriedade, advoga que a
sentença declaratória de existência de direito real proferida em favor do autor ou
do réu possui o condão de excluir a contemporânea existência de um outro direito
de propriedade, mas isso sempre com referência ao fato jurídico constante dos
autos, não podendo estender a sua eficácia a fato jurídico não deduzido no
processo.25
No Brasil, Moacyr Amaral Santos observa que “a teoria da
substanciação impõe que na fundamentação do pedido se compreendam a causa
próxima e a causa remota (fundamentum actionis remotum), a qual consiste no
fato gerador do direito pretendido. Não basta dizer ‘que é credor’, mas é preciso
dizer também porque é credor; por exemplo: ‘a título de mútuo’” não basta dizer
“que é senhor”, mas também porque o é: “conforme escritura de compra e venda
devidamente transcrita”.26.
Como bem sintetizado por Alexandre Alves Lazzarini,
enquanto para a teoria da individualização o fundamento jurídico é essencial para
identificar a ação, especialmente nas ações que versam sobre direitos absolutos,
tais como os direitos reais ou o direito de família, para a teoria da substanciação
os fatos é que são essenciais e não podem ser alterados, mesmo em se tratando
24 Ancora sul concetto di causa petendi, Archivo di ricerche giuridiche, 8(1954):116.
21
de direitos absolutos.27 Exatamente nesse ponto reside o particular interesse
quanto à discussão a respeito do fato superveniente, como se verá mais adiante.
1.3.3 O ponto de afastamento entre ambas as teorias
Comparando-se as implicações práticas de ambas as teorias,
observa-se que a distinção entre elas não é tão radical. Isso porque, mesmo
quando se adota a teoria da individualização, admite-se a necessidade de
especificar os fatos que se tornam imutáveis, quando se trata de direitos relativos,
o que abrange a maior parte das demandas. Por outro lado, ainda que seja
acolhida a teoria da substanciação, a importância atribuída aos fatos constitutivos
é atenuada consideravelmente nas ações que envolvem direitos absolutos.28
José Ignácio Botelho de Mesquita, citando Ernesto Heinitz,
observa que o ponto exato em que se afastam as duas concepções sobre a causa
de pedir é o fato de que “a teoria da substanciação se distancia mais do direito
material que a da individualização, e não tanto uma diversa valoração dos
elementos de fato e de direito, pois a própria teoria da individualização sustenta
25 L’identificazione delle azioni, p. 144-7. 26 Primeiras linhas de direito processual civil, v. 2, p. 140. 27 A causa petendi nas ações de separação judicial e de dissolução de união estável, p.20. Nesta
mesma obra, o autor distingue direito absoluto e direito relativo, in verbis: “O direito absoluto é aquele com eficácia universal e que deve ser respeitado por todos, podendo o seu titular opô-lo contra qualquer pessoa (é erga omnes), estando incluídos nesta categoria os direitos reais, de família e da personalidade. Já o direito relativo tem sua eficácia limitada a determinadas pessoas, com uma pessoa ficando obrigada a outra, como o direito de crédito e o contrato de compra e venda” (p.23). Observa contudo, que a questão não é pacífica, assinalando que no verbete “direito absoluto”, escrito pela Comissão de Redação da Enciclopédia Saraiva de Direito (São Paulo: Saraiva, 1977, v.25, p. 121), o direito de família puro é classificado como direito relativo, por tratar-se de obrigação extrapatrimonial (idem, nota 23).
28 A esse respeito, ver Guilherme Freire de Barros Teixeira (O princípio da eventualidade no processo civil, p. 190).
22
irrelevante o puro ponto de vista jurídico e atribui importância, na maioria dos
casos, ao fato constitutivo”. E prossegue ressaltando que “o erro fundamental da
teoria da substanciação reside, para Heinitz, no exagerado afastamento (distaco)
do direito subjetivo, esquecida a função do processo civil de realizar o direito
material; afastamento este a que teriam chegado os defensores da substanciação
do pedido por haverem encontrado dificuldade em definir o conteúdo da causa
petendi nas ações declaratórias negativas”.29
29 A causa petendi nas ações reivindicatórias, Revista de Direito Processual Civil 6/187.
23
2. COLOCAÇÃO DO PROBLEMA – A ESTABILIZAÇÃO DA
DEMANDA E O FATO SUPERVENIENTE
2.1 A estabilização da demanda: 2.1.1 Alguns aspectos conceituais; 2.1.2 Fundamentos da estabilização da demanda – 2.2 Sistemas rígidos e flexíveis – 2.3 A imutabilidade da ação e os fatos supervenientes
2.1 A estabilização da demanda
2.1.1 Alguns aspectos conceituais
É comum o uso da expressão estabilização da demanda para
designar tanto as vedações impostas ao autor, no sentido de impedir que se
alterem os elementos da ação, quanto as que se aplicam ao réu, no sentido de
evitar a dedução de novos argumentos de defesa após a contestação.30
30 Júnior Alexandre Moreira Pinto, por exemplo, estende o conceito para abranger tanto as
alegações do autor quanto as do réu, quando define a estabilização da demanda como sendo “o momento em que apresentadas todas as alegações pelas partes, estas não podem ser modificadas, preparando o processo para uma fase seguinte, a da realização das provas, em que cada litigante se incumbirá de demonstrar a veracidade de suas alegações, seja o autor provando o fato constitutivo de seu direito, seja o réu provando o fato modificativo, impeditivo ou extintivo do direito do autor” (Sistemas rígidos e flexíveis: estabilização da demanda. in Causa de pedir e pedido no processo civil - questões polêmicas, p. 55).
24
Contudo, parece-nos mais exato restringir o alcance da
expressão às vedações impostas ao autor, que não pode modificar os elementos
da ação inicialmente constantes do libelo, superada determinada fase processual.
A expressão demanda é muito próxima da noção de pedido,
posto que demandar é pedir judicialmente.31 Assim, aproxima-se da idéia de ação,
tanto que é comum o uso de ambas as expressões indistintamente, como
sinônimas.32
Quando se fala em estabilização da demanda, a rigor, está-se
fazendo referência somente à imutabilidade da ação, do que se depreende a
inalterabilidade dos seus elementos – partes, pedido e causa de pedir.
Conseqüentemente, não se abrange a inalterabilidade dos
argumentos de defesa, em momento posterior ao do oferecimento da
contestação.
Muito embora seja intenso o debate consistente em saber se
a contestação integra ou não o objeto do processo,33 não é essa a questão posta
nesse momento, pois, independentemente da corrente que se adote, é inequívoco
que a defesa não interfere nos elementos identificadores da demanda.34
31 Conforme De Plácido e Silva. Vocabulário Jurídico, vol. II, p. 492. 32 Na verdade, se for possível estabelecer distinção entre ação e demanda, esta será muito sutil.
Nesse sentido, De Plácido e Silva assinala que “a acepção de demanda é mais ampla que a de ação, pois indica a ação em curso ou já formulada em juízo e em processo, enquanto a ação revela o direito de agir ou o direito de ir pedir em juízo, o que fundamenta ou autoriza a demanda, indicativa do exercício da ação” (idem).
33 A respeito da controvérsia quanto a distinção entre objeto do processo e objeto litigioso, ver Arruda Alvim, Manual de Direito Processual Civil, vol. I, p. 483-484.
34 A esse respeito, Cândido Rangel Dinamarco observa que: “Na contestação, o réu nega os fatos alegados pelo autor, ou nega-lhes a eficácia jurídica afirmada por este, ou alega fatos novos que excluem o direito afirmado na petição inicial, ou ainda suscita razões relacionadas com o processo (carência de ação, incompetência absoluta) - gerando com isso questões a serem apreciadas quando o juiz expuser a motivação da sentença. Mas fica absolutamente inalterado o material a ser objeto do pronunciamento jurisdicional (pretensão, objeto do processo)” (Instituições de direito processual civil, vol. II, p. 190). No mesmo sentido, muito embora entendendo que a contestação integra o objeto do processo mas não o objeto litigioso, Arruda Alvim afirma que: “O réu, contestando o mérito, ou seja, o pedido formulado pelo autor,
25
Se a finalidade fosse abranger em um mesmo conceito tanto
a imutabilidade do libelo, quanto a proibição de deduzir novos argumentos de
defesa após a contestação, seria então o caso de falar-se em estabilização do
processo.
Contudo, como o processo é essencialmente dinâmico, tendo
em vista que significa exatamente o desenvolvimento em fases sucessivas, a
expressão pareceria incongruente.35
Ademais, até por razões teóricas que serão mais bem
examinadas adiante, parece preferível tratar separadamente as diferentes
situações.
Desse modo, quando se fala em estabilização da demanda,
faz-se referência à vedação imposta ao autor, que não poderá alterar os
elementos da ação, superado determinado momento processual.
A vedação imposta ao réu, no sentido de impedir a introdução
de novos argumentos de defesa, decorre do princípio da eventualidade, que não
se confunde nem com a imutabilidade do pedido e tampouco com a estabilização
da demanda.36
não enriquece ou aumenta juridicamente a lide, ou segundo terminologia também difundida entre nós, o objeto litigioso” (Manual de Direto Processual Civil, vol. II, p. 311).
35 Nesse sentido, com amparo na opinião de José Rogério Cruz e Tucci, externada em aula proferida no curso de pós-graduação da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, Guilherme Freire de Barros Teixeira observa que: “como o processo é essencialmente dinâmico, tendo em vista o seu desenvolvimento em fases sucessivas, parece incongruente utilizar a expressão estabilização do processo, pois, na realidade, o que se estabiliza são seus elementos objetivos e subjetivos, vedando-se a partir de determinado momento do iter procedimental, a alteração dos fatos e pedidos trazidos à apreciação judicial, bem como a modificação das partes” (O princípio da eventualidade no processo civil, p. 47, nota 41).
36 Anote-se que, para parte da doutrina, tanto a imutabilidade do libelo, quanto a proibição da alegação de novos argumentos de defesa após a contestação, decorreriam do princípio da eventualidade, que incidiria tanto sobre o réu, quanto sobre o autor. Defendendo com
26
Não se trata, como se procurará demonstrar, de mero
formalismo, mas de distinção que permite melhor compreender as diferenças de
tratamento dispensado ao fato superveniente, conforme se trate de alegação que
beneficie o autor, ou o réu.
Admitindo-se então que se trata de situações distintas, passa-
se à análise da estabilização da demanda, entendida como fenômeno decorrente
da imutabilidade da ação.
2.1.2 Fundamentos da estabilização de demanda
Como já antecipado, a estabilização da demanda afeta o
autor e decorre do princípio da imutabilidade da ação, do qual decorre a
inalterabilidade do libelo.
Adotando-se a teoria da tríplice identidade, segundo a qual a
ação é identificada pelo pedido, partes e causa de pedir, é certo que o princípio
da inalterabilidade do libelo pretende fazer com que, em determinado momento do
processo, esses elementos tornem-se imutáveis, evitando assim o risco de
ocorrerem modificações que importariam em ferimento à segurança jurídica. As
partes constituem o elemento subjetivo da demanda e o pedido e a causa de
pedir os elementos objetivos. Esse princípio vem a limitar que as partes, o pedido
e a causa de pedir sejam alterados (aditados ou modificados).
convicção esse entendimento, ver Guilherme Freire de Barros Teixeira, O princípio da eventualidade no processo civil.
.
27
A estabilização da demanda é uma decorrência também do
princípio do contraditório, uma vez que deve o demandado ter o conhecimento do
que está sendo processado e qual a prova a ser desenvolvida.37
Vicente Grecco Filho observa que o fundamento da
estabilização da demanda no processo civil é o interesse público da boa
administração da justiça, uma vez que esta deve responder de maneira certa e
definitiva à pretensão deduzida pelo autor.38
A solução adotada no âmbito do processo civil é diferente da
que se adota no processo penal, pois, neste, a legislação processual prevê a
adequação do pedido à verdade real (CPP, arts. 383 e 384). Como explica
Vicente Grecco Filho, a existência, no processo penal, de mecanismos de
adequação do objeto do processo ao fato justifica-se porque lá a atividade
jurisdicional se esgota sobre todo o fato da natureza e não somente sobre o que
constou do pedido inicial.39
37 Sistemas rígidos e flexíveis: estabilização da demanda, in Causa de pedir e pedido no processo
civil (questões polêmicas). José Rogério Cruz e Tucci e José Roberto dos Santos Bedaque (org.). São Paulo: RT, 2002, p. 56.
38 “O fundamento da estabilização do processo quanto ao pedido, causa de pedir, partes e ao próprio juízo assim que completa a relação processual pela citação é o interesse público da boa administração da justiça, que deve responder de maneira certa e definida à provocação consistente no pedido do autor. Um sistema legislativo que permitisse livremente a alteração dos elementos da ação geraria instabilidade na prestação jurisdicional e, conseqüentemente, nas relações jurídicas em geral. O juiz decide sobre o que foi pedido, como foi pedido. Se o autor tiver outro pedido a fazer que o faça em processo distinto” (in Direito processual civil brasileiro, v. 2, p. 59).
39 Direito processual civil brasileiro, v. 2, p. 59.
28
2.2 Sistemas rígidos e flexíveis
Conforme observa Cândido Rangel Dinamarco, cada ordenamento
jurídico opta por rigor maior ou menor, na exigência da ordem em que os atos do
procedimento devem ser realizados.40
A maneira como determinado ordenamento trata da questão da
estabilização da demanda define se o procedimento adotado é rígido ou flexível.
Considera-se que um modelo processual é rígido quando há um
momento em que a demanda se estabiliza, ou seja, um momento a partir do qual
os temas objeto do processo, que deverão ser resolvidos na decisão, não mais
poderão ser alterados.
Por outro lado, um sistema será considerado flexível quando, ao
longo de todo o curso da demanda, as partes ficam livres para apresentar novas
alegações.
É possível concluir, ainda, que a teoria da individuação41 induz à
adoção de um sistema flexível, uma vez que os fatos constitutivos, na medida em
que não integram causa de pedir, a qualquer momento podem ser alterados.
Por outro lado, a teoria da substanciação42 pressupõe a adoção de
um procedimento rígido, pois não faria qualquer sentido exigir-se que o autor
40 Instituições de direito processual civil, v. 2, p. 454. 41 A respeito da teoria da individuação, vide item 1.3.1 retro. 42 A respeito da teoria da substanciação, vide item 1.3.2 retro.
29
especificasse os fatos constitutivos do direito alegado, se, no curso da ação, eles
pudessem ser livremente alterados.43
Júnior Alexandre Moreira Pinto exalta as virtudes do modelo
processual flexível, ressaltando que ele privilegia a busca da verdade real como
fim do processo.44
Aduz-se que a possibilidade de as partes modificarem a demanda a
qualquer momento teria a desvantagem de trazer maior demora ao processo.
Todavia, Júnior Alexandre Moreira Pinto sustenta que se trata de uma meia
verdade, isto porque, se por um lado “é claro que um feito que possa ser mudado
durante o seu curso tende a consumir mais tempo”, por outro, “esta sentença
estaria solucionando situações que dependeriam de outro processo, que, em se
aceitando uma certa elasticidade, já teriam sido decididas no mesmo processo”.45
Segundo Dinamarco, o procedimento flexível caracteriza-se pela
possibilidade de retrocessos, pois “surgindo fato novo na causa e havendo
conveniência de esclarecê-los, novas audiências se fazem apesar de já
realizadas as que o sistema ordinariamente manda realizar. O juiz colhe
43 Nesse sentido, Júnior Alexandre Moreira Pinto ressalta que “a imposição de um critério de
preclusões constitui pressuposto da teoria da substanciação, exigindo a exposição de todos os fatos constitutivos, de forma simultânea, na petição inicial” (Sistemas rígidos e flexíveis: estabilização da demanda, in Causa de pedir e pedido no processo civil (questões polêmicas). José Rogério Cruz e Tucci e José Roberto dos Santos Bedaque (org.). São Paulo: RT, 2002, p. 64).
44 Segundo o referido autor, “a partir do momento em que a solução da demanda não está adstrita aos limites impostos pela petição inicial e pela contestação, pode o juiz, quando da prolação da sentença, utilizar, como pacificação da situação litigiosa, fatos, argumentos e circunstâncias surgidos no decorrer da demanda. É óbvio que um processo que possa se utilizar de todas estas variantes corresponde muito mais ao interesse da justiça do que aquele que deve ‘fechar os olhos’ diante de fatos que poderiam contribuir para o deslinde do caso, mas que, pelo fato de terem sido introduzidos em momento inoportuno, a técnica não permite que sejam considerados” (Sistemas rígidos e flexíveis: estabilização da demanda, in Causa de pedir e pedido no processo civil (questões polêmicas). José Rogério Cruz e Tucci e José Roberto dos Santos Bedaque (org.). São Paulo: RT, 2002, p. 79).
30
manifestações das partes quantas vezes for necessário, praticamente à
saciedade, sempre que sentir que elas ainda têm o que dizer em relação à
discussão da causa”.46
Dinamarco observa, ainda, que no procedimento flexível o juiz tem
grandes poderes de direção, maiores que os do juiz inserido no sistema de
procedimento rígido.47
É de se considerar, por outro lado, que o sistema rígido é mais
compatível com o princípio do contraditório. Com efeito, a regra da preclusão,
impedindo a alteração da demanda no curso do processo tem como elemento
norteador exatamente a efetivação do contraditório.48
Nesse sentido, Comoglio observa que o procedimento rígido tem a
virtude de evitar surpresas aos litigantes, na medida em que se garante que as
questões que serão decididas e que contribuirão para a formação do
convencimento do julgador já foram submetidas ao crivo das partes.49
O processo civil brasileiro adere tradicionalmente ao sistema de
procedimento rígido, caracterizado pela nítida distribuição dos atos processuais
em fases e pelo emprego acentuado do instituto da preclusão, destinado a
impedir retrocessos. Já na Europa, vemos exemplos expressivos de procedimento
flexível.
45 Sistemas rígidos e flexíveis: estabilização da demanda, in Causa de pedir e pedido no processo
civil (questões polêmicas). José Rogério Cruz e Tucci e José Roberto dos Santos Bedaque (org.). São Paulo: RT, 2002, p.80
46 Instituições de direito processual civil, v. 2, p. 454. 47 Ibid., mesma página. 48 Júnior Alexandre Moreira Pinto, Sistemas rígidos e flexíveis: estabilização da demanda, in
Causa de pedir e pedido no processo civil (questões polêmicas). José Rogério Cruz e Tucci e José Roberto dos Santos Bedaque (org.). São Paulo: RT, 2002, p.82.
49 Diritto processuale civile tedesco, p. 9
31
2.3 A imutabilidade da ação e o fato superveniente
Os sistemas rígidos que adotam a teoria da substanciação,
enfrentam o problema que consiste em lidar com a ocorrência de fatos
supervenientes.
Como foi visto, a teoria da substanciação pressupõe a necessidade
de especificar-se, já na petição inicial, os fatos constitutivos da relação jurídica
posta em juízo. Tais fatos integram a causa de pedir e tornam-se imutáveis após
a estabilização da demanda.
Como a causa de pedir identifica a ação, a alegação de fatos novos
implica em mudança da ação, o que é vedado nos sistemas processuais rígidos.
Todavia, após o momento fixado para a estabilização da demanda
podem ocorrer fatos que, embora não tenham sido deduzidos pelo autor no
momento apropriado, interfiram diretamente na relação jurídica posta em juízo, o
que recomenda sejam considerados na definição do resultado da demanda.
Pode acontecer também de tais fatos, embora tenham ocorrido
anteriormente, tornarem-se conhecidos somente após a estabilização da
demanda.
A esse respeito, como bem observa Ricardo de Barros Leonel,
“embora o enquadramento esquemático e linear do desenvolvimento da demanda
em juízo pareça simples, a realidade das coisas, a complexidade das situações
32
da vida deduzidas em juízo, e a dinâmica processual da atuação das partes, não
se mostram sempre tão claras” 50
Diante de tal problema, surge a necessidade de identificar critérios
que permitam disciplinar a assimilação dos fatos ocorridos posteriormente, ou de
que se tenha tomado ciência somente após a estabilização da demanda, de modo
que não seja desconsiderado o princípio da imutabilidade da ação, mas que por
outro lado, também não se transforme o processo num exercício totalmente
abstrato e afastado da realidade fática, da qual emerge a lide e sobre a qual deve
atuar, concretamente, a jurisdição. Este é o principal escopo do presente trabalho.
50 Objeto litigioso e direito superveniente no processo civil, p. 95
33
3. CAUSA DE PEDIR – EVOLUÇÃO HISTÓRICA
3.1 Direito romano – 3.2 Direito romano visigótico – 3.3 Idade média e direito comum – 3.4 Difusão do pensamento jurídico romano-canônico nos Estados Monárquicos da Península Ibérica – Espanha e Portugal.
3.1 Direito romano
José Rogério Cruz e Tucci adverte para o sério risco de
transplantar-se precipitadamente para o direito atual a concepção romana de
causa petendi, uma vez que os romanos não conheciam a distinção entre o direito
substancial e a actio, distinção essa detectada somente pela dogmática
moderna.51
Costuma-se dividir o processo civil romano em três grandes
períodos: o da legis actiones, o per formulas e o da extraordinária cognitio.
No período da legis actiones,52 que vai desde os tempos da
fundação de Roma até o final da República, a ordem jurídica romana consistia em
um sistema de ações. Todavia, como explica Pugliesi, a actio, naquela época,
51 A causa petendi no processo civil, p. 17. 52 José Rogério Cruz e Tucci observa que a denominação advém do fato de que ações nesse
período eram organizadas pela lei ou conformavam-se às palavras da lei (Lições de história e do processo civil romano, p. 197 ss).
34
indicava a titularidade do direito subjetivo material.53 Sobre a origem da actio
romana, Garrone observa que o instituto surgiu em substituição à autotutela,
mantendo a natureza de reação privada, só que representada segundo um rígido
modelo legal, perante o magistrado.54 Redenti salienta que “o agere,
originariamente, correspondia ao uso da própria força para recuperar ou para
obter alguma coisa de outrem. Quando o processo surge como exigência de
ordem e paz social, o agere passa a constituir um retorsão justificada (...) Nas leis
que se seguiram a tal momento, vinham definidas as causae que possibilitavam a
alguém o agere contra outros”.55 Portanto, no âmbito do processo romano arcaico,
causa seria o fundamento que legitimava o agere da parte ou, em outras palavras,
seria a “justificação da ação”.56
As legis actionis eram taxativamente especificadas na lei e tinham
caráter muito rígidos; uma simples variação literal levava à rejeição da demanda.
O processo era extremamente formal e devia obedecer a ritual solene e
predeterminado. Havia, ainda, a combinação do elemento laico (jus) com o
elemento religioso (fas).57
O período formular foi introduzido pela Lex Aebutia (149-126 a.C.) e
estendeu-se até a época de Diocleciano (294-d.C.), instituindo um processo
menos formalista e solene que o das ações da lei. Como é sabido, nessa nova
ordem jurídica o pretor passa a desempenhar papel bastante relevante e o iudex
(magistrado) passou a gozar de liberdade mais ampla. Enquanto o processo
judicial anterior era eminentemente oral, no período formular passa a ser
53 Actio e diritto subjetivo, p. 346. 54 Contributo allá teórica della domanda giudiziale, p. 16. 55 Breve storia semântica di causa in giudizio p. 5. 56 Cf. Anna Maria Giomaro, La tipicitá delle legis actiones e la nonimato causae, p .51.
35
predominantemente escrito. A fórmula consistia no documento redigido pelo
magistrado, com o auxílio das partes, no qual se fixava o objeto da demanda que
seria julgado pelo iudex popular. Segundo Gaio, a fórmula possuía quatro partes
principais, a saber: intentio, demonstratio, adiudicatio e condemnatio. Nesse
ponto, interessa-nos identificar que, na primeira parte, ou seja, na intentio,
enunciava-se a relação jurídica substancial deduzida em juízo, ou seja, o fato em
que o autor fundava sua demanda, o que significa, em outras palavras, a causa
petendi. No período formular surge também a preocupação em obstar a
propositura de nova ação, discutindo-se a mesma relação de direito material que
já havia sido trazida a juízo. Isso levou a jurisprudência clássica a buscar critérios
para estabelecer se havia ou não a repetição da mesma demanda (eadem res).
Como bem observa José Rogério Cruz e Tucci, nesse período, o autor poderia
limitar a ocorrência da preclusão decorrente da sentença, especificando na
fórmula, de modo preciso, a causa petendi, o que lhe possibilitava agir
posteriormente com base em causa de pedir diversa.58
O terceiro período, da extraordinária cognitio, inicia-se com o
advento do principado e estende-se até os últimos dias do Império Romano do
Ocidente.59 Nessa fase, o processo tornou-se totalmente público, desaparecendo
o procedimento bipartido típico dos períodos anteriores, de modo que, a partir
daquele momento, o procedimento desenvolve-se diante de uma única autoridade
57 José Rogério Cruz e Tucci e Luiz Carlos de Azevedo. Lições de história do processo civil
romano, p. 53-54. 58 A causa petendi no processo civil, p. 42. 59 José Rogério Cruz e Tucci observa que não houve uma ruptura abrupta com a sistemática
anterior, sendo provável que a cognitio extraordinária tenha surgido nas províncias imperiais, nas quais os delegados do príncipe passaram a julgar em nome do imperador, e não mais do cidadão romano, de modo que o processo formular e a cognitio extraordinária foram aplicados simultaneamente durante certo período. A expressão “extraordinária”, por seu turno, decorreria do fato de que a cognição era feita fora do sistema da ordo iudiciorum privatorum, daí ser extra ordniem (Jurisdição e Poder, p. 29-30).
36
estatal. No novo processo que se desenhava, a citação continuava sendo ato
privativo do réu, mas deixou de ser oral e passou a ser realizada por meio da
entrega de um documento ao réu que deveria conter o objeto do litígio (litis
denuntiatio). José Rogério Cruz e Tucci salienta que, nesse momento, ganhou
relevância o assim chamado princípio dispositivo, uma vez que os limites
objetivos da demanda deveriam ser estabelecidos exclusivamente pelo autor na
petição inicial.60 Nesse contexto, a causa petendi deveria estar contida na litis
denuntiatio, deduzida quoad factum (com base nos fatos). Anote-se que, segundo
a constituição dos imperadores Severo e Antônio, de 202, podia o autor, desde
que autorizado pelo juiz, modificar os termos da ação: “A demanda aforada
constitui apenas a demonstração futura do litígio. Por tal razão, com a permissão
do juiz, é possível ao autor emendá-la ou modificá-la”.
Como decorrência da hierarquização da estrutura judicial, os
recursos passaram a ser admitidos. Com isso, as decisões do magistrado inferior
podiam ser revistas por um magistrado superior, perante o qual havia renovação
da lide, possibilitando-se às partes a alegação de novos fatos, novas provas e
novas questões, constituindo, assim, na verdade, um novo juízo análogo ao
anterior.61
No período justinianeu, o demandante, desde que comprovasse o
erro cometido, poderia modificar a causa petendi. Com efeito, assim dispunham
as Institutas de Justiniano, em 4.6.35: “Quem pede uma coisa por outra, está
60 A causa petendi no processo civil, p. 44. 61 Giovanni Pugliese, Instituzioni di diritto romano, p. 204.
37
assentado não corra o menor risco; mas no mesmo processo, conhecida a
verdade, lhe permitimos corrigir o seu erro”.62
3.2 Direito romano visigótico
É de salientar-se a carência de fontes autorizadas acerca do período
marcado pela confluência entre o direito romano e o direito dos povos bárbaros,
com relação ao objeto do presente estudo. Assim, a brevíssima referência que
aqui se faz tem o escopo de tão-somente manter a continuidade da linha temporal
abrangida nesta pesquisa histórica.
As invasões nórdicas no Ocidente europeu trouxeram consigo os
ordenamentos jurídicos dos povos bárbaros. Embora tais ordenamentos tenham-
se mantido por um longo tempo, houve gradual assimilação das normas do direito
romano, que continuaram a reger os negócios e os litígios entre as populações
dominadas, sobretudo porque se tratava de um sistema muito mais aperfeiçoado
que o dos invasores bárbaros.
José Rogério Cruz e Tucci observa que a Lex Romana
Visigothorum, também conhecida como Breviário de Alarico, promulgada em 506
d.C. por Alarico II, rei dos visigodos, contém a determinação de que os juízes
conhecessem bem a causa (“iudex causam congnoscar”) antes de proferir a
decisão. O mesmo autor aponta referências à causa, também no Líber Judiciorum
62 A causa petendi no processo civil, p. 46.
38
de 654 e na lei antiqua, para concluir que os visigodos compreendiam
perfeitamente o significado processual de causa.63
No curso do século VI, a Itália foi ocupada pelos Longobardos, que
também acabariam, ao longo do tempo, assimilando preceitos do direito romano.
José Rogério Cruz e Tucci aponta, no assim chamado Edictum Longobardorum
(643 a.C.) regra segundo a qual as normas contidas em nova legislação não
seriam aplicáveis às causas já terminadas, devendo no entanto serem
observadas naquelas já ajuizadas e em curso.64
3.3 Idade Média e o direito comum
Durante a alta Idade Média, as fontes justinianéias e,
particularmente, o Corpus Júris Civile eram conhecidos e estudados. Os religiosos
contribuíram para preservar muitos princípios do direito romano, por intermédio do
conhecimento obtido dos manuscritos conservados nas bibliotecas dos mosteiros
e abadias, o que é visível na estrutura e na elaboração conceitual dos dogmas do
ordenamento jurídico da igreja.
Todavia, o estudo científico das fontes jurídicas romanas teve início
somente no século XI, na Universidade de Bolonha.65 Diferente dos clérigos da
alta Idade Média, os estudiosos bolonheses não se limitavam a conhecer o
63 A causa petendi no processo civil, p. 49. 64 Ibid, p. 48. 65 José Rogério Cruz e Tucci, Jurisdição e poder, p. 108.
39
significado dos textos, mas passaram a elaborar conceitos e regras novas, a partir
do cotejo destes com a problemática que aflorava da experiência cotidiana.66
Assim, ao longo da Idade Média, duas culturas jurídicas seguiram
caminhos diferentes. Enquanto o ius canonicum voltava-se para o estudo dos
textos romanos, buscando uma elaboração formal em torno de uma tradição já
sedimentada, o ius civile era marcado pela atividade dos legistas laicos, que
empreendiam a exegese do Corpus Júris Civile em forma de glosa, orientados
para a busca de soluções para os conflitos de interesses que emergiam da vida
em sociedade.
Com relação ao tema do presente estudo, observa-se que, no
âmbito do ius canonicum, a palavra causa era utilizada para designar o problema
decorrente do conflito de jurisdições ou da divergência entre os sistemas de
normas temporais e canônicas.67
Já nos estudos dos glosadores era evidente a importância atribuída
à causa petendi, na medida em que se discutia a necessidade de intitular a
demanda (nomem actionis exprimere) ou se bastava revelar a causa (exprimere
causam). Conforme aponta José Rogério Cruz e Tucci, a maioria dos glosadores
entendia que o nomem actionis não era essencial e que, para a petição ser
considerada válida, era suficiente in libello exprime causam.68
Contudo, foi no processo canônico que os clérigos insurgiram-se
contra a exigência do nomem iuris da ação, apontando a irrelevância deste e
defendendo que o juiz deveria valorar o fato deduzido e não a denominação
66 Pugliesi, Giudicato civile, p. 762. 67 A causa petendi no processo civil, p. 53.
40
atribuída à demanda, que poderia ser modificada no curso do processo, se
necessário.
Os intérpretes da Idade Média ocuparam-se também em distinguir
entre a fundamentação nas ações pessoais e reais. Eugenio Garrone observa que
o princípio segundo o qual spoliatus ante omnia restituendus (= o espoliado tinha
direito contra todos à restituição do bem) levou todo o movimento histórico
processual a afirmar que, nas ações reais, era dispensável a causa petendi, mas
critica essa concepção, afirmando que tal como aquele que deseja obter a tutela
de um direito pessoal, o que reivindica a coisa deve indicar o título que
fundamenta o seu direito de propriedade, ponderando entretanto que, nesse caso,
a causa petendi é o dominium puro e simples.69
Os glosadores e comentadores foram também gradualmente
estabelecendo parâmetros para a mutatio libellis, consagrando o princípio da
estabilização da demanda após a transmissão da petição ao réu e sobretudo após
sua resposta. Assim, se o autor tivesse pedido menos do que lhe era devido,
somente mediante um novo libellus é que poderia pleitear o restante.70 A vedação
à mutatio libellis não tratava da modificação somente da causa de pedir, mas da
pretensão em obter coisa diversa daquela que constituía o objeto da demanda, o
que, aliás, era considerado comportamento malicioso do autor.71 Por outro lado, à
semelhança do que ocorre até os dias de hoje, admitia-se a mudança do libelo
antes da citação do réu, ou após, se o réu concordasse com a mutatio libelli.
68 A causa petendi no processo civil, p. 54. 69 Contributo allá teórica della domanda giudiziale, p. 85-6. 70 Op.cit.,, p. 60. 71 Durante, Speculum iudiciale, p. 59.
41
Chiovenda ressalta que, dentre as contribuições mais importantes
do processo comum germânico, destacam-se os princípios da preclusão e da
eventualidade. 72
3.4 Difusão do pensamento jurídico romano-canônico nos Estados
monárquicos da Península Ibérica – Espanha e Portugal
Os estudos desenvolvidos na Universidade de Bolonha exerceram
grande influência sobre a maioria dos países da Europa Ocidental, o que inclui a
Península Ibérica.
José Rogério Cruz e Tucci observa que a difusão do direito romano-
canônico na Península Ibérica pode ser explicada pelas características desse
sistema jurídico, na medida em que os seus princípios e fundamentos contribuíam
para alargar o poder dos monarcas, o que atendia aos interesses hegemônicos do
reino de Castela.73
Contribuiu para a aludida expansão do conhecimento sobre os
textos justinianeus e eclesiásticos em solo hispânico a fundação da Universidade
de Salamanca em 1220.74 Os trabalhos elaborados nesse centro de ciência
jurídica foram o veículo de introdução do ius commune na vizinha nação
portuguesa.
72 Romanesimo e germanesimo nel processo civile. Saggi di diritto processuale civile, v. 1, p. 222. 73 Jurisdição e poder, p. 140. 74 Ibid, p. 63.
42
Em Portugal, no ano de 1290, foi criada a Universidade de Lisboa,
cujos estudos foram aos poucos abandonando as compilações castelhanas para
debruçarem-se diretamente sobre os textos do Corpus Iuris Civilis, da glosa de
Acúrsio, dos Comentários de Bartolo, do Decreto e das Decretais, tornando-se
preponderante a influência dos juristas bolonheses.75
No que diz respeito ao tratamento dado à causa petendi, é
particularmente interessante observar o trabalho dos juristas castelhanos,
consubstanciado nas regras contidas na legislação conhecida como Especulo,
promulgada em 1260, do qual se extrai que: a) os espanhóis distinguiam as ações
pessoais e reais mobiliárias das ações reais imobiliárias; b) qualquer que fosse a
ação, era imprescindível indicar a quantia exigida ou o bem pretendido; c)
tratando-se de reivindicação de imóvel, era facultado ao demandante especificar a
causa de aquisição (causa de pedir remota); d) caso não especificasse a causa
de aquisição e a ação fosse improcedente, não poderia mais reivindicar o mesmo
imóvel; e) mas se fosse especificada a causa na primeira demanda, podia ajuizar
uma segunda, com base em causa diversa.
No direito lusitano é digno de nota o tratamento dado, pelas
Ordenações Afonsinas de 1446, ao tema da causa de pedir.
Com efeito, quanto aos limites objetivos da demanda e ao
conhecimento da causa de pedir como parâmetro para a atuação dos sujeitos do
processo, esse importante diploma legal decretava que: “primeiramente os
Direitos Civis e Canônicos e os Doutores que tratam da ordem do juízo dizem que
no dito juízo são necessárias três pessoas, Juiz, Autor e Réu: o Autor para
75 A causa petendi no processo civil, p. 64.
43
demandar, o Réu para se defender e o Juiz para julgar. E convém
necessariamente a esse Juiz saber a causa ou a quantidade sobre que é movida
a demanda, e, bem assim, a razão porque se move; sendo tais coisas declaradas
na petição do Autor, ligeiramente poderá o Réu ser informado em que maneira
haverá de responder e outrossim o demandador saberá certamente o que há de
provar.” 76
Já no que diz respeito à mutatio libelli, é interessante observar que
as Ordenações Afonsinas previam um procedimento flexível que admitia
sucessivas alterações quanto aos elementos objetivos da demanda. Nesse
sentido, daquele diploma consta que se “alguém for citado, como deve, por
alguma coisa, e depois que a demanda é começada, o libelo dado e posto prazo
ao Réu para vir responder, se lhe depois é feita alguma adição na demanda, ou
libelo, mais do que primeiramente foi posto na citação, ou no libelo, haverá o Réu
outro prazo para responder...; e quantas vezes assim o Autor emendar a
demanda, tantas vezes haverá o Réu prazo para se aconselhar a responder o que
mais foi emendado”.77 Tal critério foi mantido nas Ordenações Manoelinas, de
1524, e, conforme esse diploma, o prazo a ser deferido ao réu ficava a critério do
Juiz.78 As Ordenações Filipinas de 1603 em nada alteraram o mencionado
preceito,79 salvo quanto à previsão expressa de que eventuais despesas
decorrentes seriam impostas ao demandante.80
76 Ordenações Afonsinas 3.20.1 e 2. 77 Ordenações Afonsinas 3.20.12. 78 Ordenações Manoelinas, 3.15.6 e 7. 79 Ordenações Filipinas, 3.20.7 e 8.. 80 Ordenações Filipinas, 3.1.7.
44
4. A ESTABILIZAÇÃO DA DEMANDA DA PERSPECTIVA DO
DIREITO COMPARADO
4.1 Nos países socialistas – 4.2 Direito inglês – 4.3 Direito alemão – 4.4 Direito italiano – 4.5 Direito espanhol – 4.6 Direito português
4.1 Nos países socialistas
Conforme observa Júnior Alexandre Moreira Pinto, nos países que
adotaram durante longo período o regime socialista, não há, em geral, rigidez no
procedimento, o que se expressa por meio do enorme poder do juiz de cambiar a
demanda.81
Nos sistemas socialistas, entende-se que quando uma relação é
deduzida em juízo, em qualquer hipótese, está em jogo não o interesse privado,
mas sim o interesse da coletividade. Assim, pode o juiz decidir ultra ou extra
petita.
Nesse sentido, verifica-se que o sistema processual civil russo
representa o máximo grau em flexibilidade de procedimento. Nele se privilegia
quase que ilimitadamente a descoberta da verdade real. Segundo Ferri, nesse
81 Sistemas rígidos e flexíveis: estabilização da demanda, in Causa de pedir e pedido no processo
civil (questões polêmicas). José Rogério Cruz e Tucci e José Roberto dos Santos Bedaque (org.). São Paulo: RT, 2002, p. 65.
45
sistema o juiz pode modificar ou introduzir, a qualquer tempo, circunstâncias não
alegadas pelas partes e relevantes à decisão de mérito.82
Também na Alemanha Oriental o procedimento é flexível, muito
embora, ao contrário do modelo russo, seja vedada a alteração do objeto do
processo, ou seja, o pedido do autor. A causa petendi, por sua vez, poderia ser
integralmente modificada.83
No processo civil polonês, também se adota a flexibilização do
procedimento, com a peculiaridade de que há limitação expressa no tocante à
competência. Segundo o Código de Processo Civil polonês, art. 193, § 1º, a
modificação da demanda é possível, desde que essa segunda demanda tenha a
mesma competência da primeira. Segundo Júnior Alexandre Moreira Pinto,
aspecto interessante do processo polonês é o fato de a competência sobrepor-se
aos princípios da economia processual e do contraditório.84
4.2 Direito inglês
O Direito inglês, muito embora concebido em um contexto
diametralmente oposto ao dos países socialistas, também adotou um sistema no
qual predomina a flexibilidade.
82 Struttura del proceso e modificazione della domanda, Padova: Cedam, 1975, p. 38. 83 Corrado Ferri, Struttura del proceso e modificazione della domanda, Padova: Cedam, 1975, p.
33. 84 Sistemas rígidos e flexíveis: estabilização da demanda, in Causa de pedir e pedido no
processo civil (questões polêmicas). José Rogério Cruz e Tucci e José Roberto dos Santos Bedaque (org.). São Paulo: RT, 2002, p. 66.
46
Conforme observa Júnior Alexandre Moreira Pinto, o ordenamento
inglês costuma permitir maior debate entre as partes no curso do processo,
ressaltando, contudo, que, ao contrário dos sistemas de origem socialista, a
introdução de novos temas será sempre efetivada pelas partes e não pelo juiz.85
Entende-se que, além de evitar o julgamento precoce do processo, o
sistema flexível inglês aumenta as possibilidades de conciliação entre as partes.
Segundo Michele Tarufo, na experiência inglesa, mais de noventa por cento das
causas civis se resolvem na fase do pré-trial, sendo reduzidos os processos que
são realmente finalizados com uma sentença.86
4.3 Direito alemão
Como já foi mencionado anteriormente, a Alemanha é o berço da
discussão quanto a rigidez ou flexibilidade do sistema processual e os limites da
modificação da demanda.87
O processo civil germânico, em sua origem, foi marcado pela
aplicação rígida do princípio da Eventualmaxime, o que desde logo expôs o
inconveniente de estimular as partes a abarrotar o processo de alegações em
85 Sistemas rígidos e flexíveis: estabilização da demanda, in Causa de pedir e pedido no
processo civil (questões polêmicas). José Rogério Cruz e Tucci e José Roberto dos Santos Bedaque (org.). São Paulo: RT, 2002, p. 66.
86 Le preclusion nella riforma Del processo civile, p. 297. 87 Vide item 1.3 retro.
47
princípio irrelevantes, com o receio de não mais poderem formulá-las, acaso
viessem a tornar-se pertinentes no curso dos debates. 88
No momento seguinte, o processo alemão passou a caracterizar-se,
no que interessa ao presente estudo, pela possibilidade de apresentação de fatos
novos durante o iter procedimental.89 O ZPO não adota o princípio da
eventualidade, de modo que até o término da última audiência oral é possível
apresentar novas alegações, tanto de ataque quanto de defesa.
Tal sistema, se por um lado favorecia a busca da verdade real, por
outro dava ensejo a considerável alongamento do processo. Como adverte
Grunsky, “a parte que tenha interesse em ganhar tempo encontra a possibilidade
de prolongar o processo enunciando fatos segundo a técnica do estilicídio”.90
Por isso mesmo, em época mais recente, o legislador alemão,
inspirado na denominada regra da aceleração (Beschleunigungsprinzip), buscou
88 Guilherme Freire de Barros Teixeira ressalta que, “embora o princípio da eventualidade seja
originário do processo comum germânico, foram os próprios alemães que questionaram as supostas vantagens dele decorrentes. Posto à prova, seus resultados não foram considerados satisfatórios. A fim de possibilitar a celeridade, era sacrificado o resultado do processo e o procedimento tornou-se artificial, dando uma falsa representação da realidade jurídica extraprocessual. O processo ficava abarrotado por uma infinidade de provas e questões que as partes aduziam contemporaneamente, sob o risco da preclusão de suas proposições. Além disso, na sentença, o juiz devia analisar muitas provas que não eram pertinentes, mas que não podiam ser rechaçadas de plano, já que a obrigatoriedade da proposição contemporânea não permitia distinguir as provas úteis e pertinentes das não relevantes para a solução do caso concreto. (...) Assim, com a entrada em vigor da ZPO (Zivilprozessordung) alemã, em 01.10.1879 a Eventualmaxime foi questionada, especialmente pelos autores alemães e italianos, instaurando-se a acentuada polêmica sobre o conteúdo mínimo da causa de pedir, originando as teorias da substanciação (Substantiierungs theorie) e individualização ou individuação (Individualisierung theorie)” (O princípio da eventualidade no processo civil, p. 83-84.).
89 Diz o § 132 do ZPO: “Os escritos preparatórios que contenham fatos ou quaisquer novas alegações deverão ser transmitidos à outra parte pelo menos com uma semana de antecedência do debate ou com três dias quando se referirem a uma questão incidental”.
90 Wolfgang Grunsky, Il cosiddeto “Modelo di Stoccarda” el’accelerazione Del processo ciivle tedesco, Rivista di diritto processuale, 1971 (3):366.
48
introduzir mecanismos voltados a abreviar o processo, com o objetivo de conferir-
lhe, assim, maior efetividade.91
Conforme aponta José Rogério Cruz e Tucci, a partir da década de
sessenta e impulsionado pelas idéias do Professor Fritz Baur, reunidas em um
ensaio de 1966, intitulado “Caminhos para a concentração da oralidade no
processo civil”, instituiu-se informalmente um procedimento mais concentrado e
célere, que ficou conhecido como “modelo de Stuttgart” (Stuttgarter Modell), por
ter sido utilizado inicialmente pela 20ª Seção do Tribunal de Stuttgart.92
O modelo de Stuttgart pretende constituir-se como um “processo
modelo”, ou seja, um processo rápido, eficiente e justo.93 No que diz respeito ao
tema do presente estudo, observa-se que essa nova mentalidade, baseada nos
postulados da oralidade, concentração e eventualidade, apresenta-se como arma
eficaz contra a dedução tardia dos fatos. Basta, para tanto, advertir o demandante
e o demandado de que não haverá uma segunda audiência, para indicar que a
omissão acerca de algum fato pode ser decisiva, uma vez que não terão nova
oportunidade de alegá-lo.94
Tão positivos foram os resultados desse procedimento que a
Reforma do ZPO de 1976/77 acabou por incorporá-lo, em especial, por intermédio
dos parágrafos 271 e seguintes. Destaca-se, nesse sentido, a nova redação do
parágrafo 282 do ZPO, ao prescrever que cada litigante deve apresentar todas
91 A causa petendi no processo civil, p. 106. 92 Ibid, p. 107. 93 Nicoló Trocker, Processo civile e constituzione - problemi di diritto tedesco e italiano, Milano,
Giuffrè, 1974, p. 88. 94 José Rogério Cruz e Tucci, op.cit, p. 106.
49
suas alegações fáticas e jurídicas, de ataque e de defesa, em uma única
oportunidade.
Como conclui José Rogério Cruz e Tucci, no processo alemão
contemporâneo a causa petendi, na prática, deve ser tida como elemento
individuador da demanda e, em decorrência da maior rigidez do sistema, a
denominada teoria da substanciação encontra-se mais próxima e harmônica com
o direito positivo alemão.95
4.4 Direito italiano
O Códice di Procedura Civile de 1865 não acolhia o procedimento
rígido, permitindo às partes ampla liberdade de ação.
Posteriormente, o Códice di Procedura Civile de 1940, que entrou
em vigor em 1942, inspirado na teoria da substanciação, previa um sistema de
preclusões elásticas, no qual havia não apenas um termo preclusivo, mas vários
termos sucessivos ao longo do iter procedimental, nos quais as partes podiam
integrar novas deduções, desde que houvesse o consentimento do magistrado.96
Todavia, já em 1950, com o advento da reforma promovida pela Lei
n.º 581, amenizou-se profundamente aquele sistema, facultando-se ao litigante,
por ocasião da primeira audiência, modificar os limites objetivos da demanda e
das exceções deduzidas, tanto na petição inicial como na contestação. Tais
95 A causa petendi no processo civil, p. 108.
50
mudanças, se por um lado privilegiaram a busca da verdade real com o
predomínio da liberdade das partes de formular novas alegações,97 por outro
acarretaram extrema demora na prolação da sentença e na solução do litígio.
A Lei n.º 353, de 26/11/1990, que entrou em vigor na Itália em 1994,
introduziu profundas modificações no processo civil italiano e, em especial no
processo de conhecimento. Redigida com base na tendência contemporânea no
sentido de buscar maior celeridade procedimental, com vistas a diminuir a
duração do processo, a aludida reforma visava, de um lado, a assegurar a
efetividade da tutela jurisdicional e, de outro, a contornar algumas dificuldades
técnicas antigas no sistema processual civil italiano.98
As inovações trazidas pela reforma de 1994 tiveram o escopo de
racionalizar a fase postulatória, incentivando os demandantes a deduzir todos os
fatos e os pedidos que porventura tiverem conhecimento para alegar.
A reforma de 1994 foi inspirada nas regras da oralidade e
eventualidade. Procurou valorizar o procedimento de primeiro grau de jurisdição,
por intermédio da introdução de fases preclusivas bem nítidas, da proibição de
deduzir novos pedidos ou causas de pedir em graus de apelação, e a execução
provisória da sentença definitiva.99 Particularmente, as duas primeiras disposições
estão voltadas especificamente para a estabilização do objeto litigioso.
96 O princípio da eventualidade no processo civil, p. 107. 97 Cabe observar que, segundo Corrado Ferri, embora fosse permitida a emendatio libelli,
permanecia vedada a mutatio libelli (Strutura del processo, p. 86). 98 Ver Giuseppe Tarzia, O novo processo civil de cognição na Itália, Revista de Processo 79/ 52-
53. 99 José Rogério Cruz e Tucci, Diretrizes do novo processo civil italiano, in Devido processo legal e
tutela jurisdicional, São Paulo: RT, 1993. p. 217.
51
Tarzia explica que as eventuais exceções à regra da imutabilidade
da demanda a partir da audiência (parágrafos 4º e 5º do novo artigo 183)
justificam-se pela necessidade de respeito ao contraditório, pela exigência de
garantia da utilidade do assim chamado interrogatório livre e, enfim, da discussão
preliminar do assunto para uma precisa identificação do objeto litigioso.100
Fazzalari lembra, ainda, que não são atingidos, pela preclusão
ditada pela nova redação do artigo 183 do Código italiano, os assim chamados
fatos supervenientes, que tenham relevância para o deslinde da ação.101
Guilherme Freire de Barros Teixeira observa que “o art. 183, 4º
comma, do CPC, prevê a possibilidade da emendatio libelli, isto é, a modificação
dos pedidos e exceções já propostos, inclusive com a alegação de fatos novos.
Há uma alteração da demanda originária, incidindo sobre o pedido (no sentido de
uma extensão do pedido formal) ou sobre a causa de pedir (como uma diversa
qualificação jurídica do fato constitutivo do direito alegado). Contudo, a alteração
não implica uma substituição do pedido ou da causa petendi, mas apenas uma
variação que deixa substancialmente inalterados os elementos objetivos da
demanda. Em outras palavras, permanece vedada a mutatio libelli, que acarreta a
troca ou mudança do pedido ou da causa de pedir. Na prática, porém, nem
sempre é fácil distinguir os casos de emendatio e de mutatio libelli, até porque a
tendência jurisprudencial é no sentido de alargar o âmbito das variações
admitidas. Incumbe ao juiz estabelecer, em cada caso, se as modificações
100 Lineamenti del nuovo processo di cognizione, p. 66/68. 101 Il processo ordinário de cognizione e la Novella Del 1990, 20.
52
pretendidas pelo autor causam alteração do núcleo da causa petendi ou do
pedido”.102
Como já tivemos oportunidade de verificar, é bastante intenso, na
doutrina italiana, o debate entre os seguidores da teoria da individualização e os
adeptos da teoria da substanciação.103 Segundo José Rogério Cruz e Tucci, a
doutrina italiana moderna tende a superar o cerne da discussão, para adotar uma
via intermediária, reconhecendo que ambas as teorias não representariam mais
do que faces da mesma moeda, porquanto terminam, de uma forma ou de outra,
aludindo ao direito substancial.104
Nesse sentido, Gian Franco Ricci observa que, na Itália, ambas as
teorias perderam muito do prestígio original, quando submetidas à prática das
situações concretas. A teoria da substanciação logrou evidenciar certa
nebulosidade intrínseca, na medida em que o único aspecto claro que dela
decorre diz respeito aos efeitos da coisa julgada nos direitos reais. Já a teoria da
individuação, por seu turno, caracterizou-se por uma excessiva abstração, ao
reputar suficiente apenas a indicação do pedido sem qualquer alusão à causa
petendi, o que produz considerável incerteza quanto à razão deduzida em juízo,
com possíveis reflexos sobre a própria validade da relação jurídica processual.105
Conforme observa Guilherme Freire de Barros Teixeira, “o direito
italiano experimentou várias mudanças ao longo dos anos, às vezes com a
inclusão de regras preclusivas, outras com a repulsa a um sistema rígido,
102 O princípio da eventualidade no processo civil, p. 119. 103 Vide itens 1.3.1 e 1.3.2 retro. 104 A causa petendi no processo civil, p. 122. 105 Individuazione o sotanziazione nella riforma del processo civile, Rivista trimestrale di diritto e
procedura civil, 1995 (4): 1234, nt. 12.
53
variando no tempo a adoção ou não da Eventualmaxime. As regras do atual CPC,
decorrentes da Lei 531/1995 constituem um sistema misto, no qual as barreiras
preclusivas não são tão rígidas, permitindo-se certa liberdade às partes, mas
dentro de limites previamente estabelecidos, o que demonstra que, no estágio
atual, a Itália conseguiu imprimir uma feição bastante particularizada ao princípio
da eventualidade, com oportunas atenuações, que contribuem para reduzir os
inconvenientes da aplicação rigorosa desse princípio”.106
4.5 Direito espanhol
Na Espanha, o processo civil é regulado pela Ley de Enjuiciamento
Civil (LEC), cuja última versão foi introduzida recentemente pela Lei n.º 1/2000, de
7 de janeiro de 2000, que entrou em vigor em 8 de janeiro de 2001.
Como vimos, o texto anterior, de 1881, mesmo após as
modificações introduzidas com a Lei n.º 34 de 6/8/1984, continuava notadamente
influenciado pelo processo comum medieval, adotando assim um procedimento
bastante rígido, por intermédio da instituição de fases preclusivas bem marcadas,
exigindo a apresentação de todos os meios de ataque e defesa na fase
postulatória.
A literatura processual espanhola também procura superar as
disputas doutrinárias entre os adeptos da teoria da substanciação e da
106 O princípio da eventualidade no processo civil, p. 123.
54
individualização, buscando uma tese “sincrética”, segundo a qual a causa de pedir
deve ser “faticamente substanciada e juridicamente individualizada”.107
José Lois Esteves relega a segundo plano as divergências entre as
duas correntes mencionadas, para propor que a pretensão seja entendida como
integrada por um objeto e por uma causa.
Para a doutrina espanhola, a causa de pedir, no caso, identifica-se
com a interferência potencial que induz as partes ao processo. Assim, quando se
descrevem as duas condutas humanas em interferência recíproca e coloca-se o
equivalente jurídico que se ameaça desvirtuar, a pretensão restará univocamente
identificada.108
A nova LEC trouxe importantes modificações no processo civil
espanhol, visando a torná-lo mais ágil, simples e eficaz.109 Especificamente no
que diz respeito à regra da eventualidade, promoveu seu abrandamento,
possibilitando, na audiência prévia, a delimitação dos termos da controvérsia, por
intermédio do esclarecimento e da complementação das alegações das partes.
É na delimitação dos termos do debate que reside significativa
inovação no processo civil espanhol, o que possibilita uma mitigação do princípio
107 Fairen Guillém, La transformación de la demanda em el proceso civil, p. 73; também Eduardo
Gutierrez de Cabiedes, La litis-pendencia, Estúdios de derecho procesal, Pamplona, Universidad de Navarra, 1974, p. 335.
108 Problemas del objeto Del proceso em nuestro sistema legal, Anuário de derecho civil, 8-1 (1955):83.
109 Rafael Hinojosa Segovia observa que: “Il nuovo Codice di procedura civile, cosciente delle principali mancanze della giustizia civile (la lentezza, la complessità e l’inefficia), há stabilito delle misure il cui scopo è quel di agilizzare, semplificare e rendere efficace il processo civile” (Il nuovo Códice di Procedura Civile spagnolo (Legge 1/2000, Del 7 gennaio). Rivista di Diritto Processuale (2) / 375).
55
da eventualidade, com resultados positivos, evitando processos inúteis e atos
desnecessários.110
Ainda com relação à mitigação à rigidez procedimental, o processo
civil espanhol admite a alegação de fatos novos que tenham relevância para a
decisão do processo, por meio de petição denominada “ampliación de hechos”
(art.286, 2), assegurando-se o direito à produção de provas em relação a tais
fatos (art. 286, 3).111
Guilherme Freire de Barros Teixeira exalta as virtudes da nova LEC,
concluindo que esta deve servir de parâmetro para as reformas que estão sendo
implementadas no direito brasileiro, pois, embora não tenha rompido com o
princípio da eventualidade, atenuou significativamente a rigidez da regra da
inalterabilidade dos elementos objetivos da demanda.112
4.6 Direito português
Segundo José Rogério Cruz e Tucci, a revisão do Código
português encontra inspiração na doutrina contemporânea que preconiza a
efetividade do processo e, assim, visa declaradamente a contemplar o direito a
um processo judicial despido de inoportunas procrastinações.113
110 Conforme Juan Montero Aroca e outros, El nuevo proceso civil (Ley 1/2000). Valencia: Tirant lo
Blanch, 2000, p.408. 111 A esse respeito, ver Ignácio Díez-Picazo Gimenez e Andrés de la Oliva Santos, Derecho
procesal civil - el processo de declaración. Madrid: Centro de Estudos Ramón Areces, 2000, p. 271-272.
112 A causa petendi no processo civil, p .150. 113 Ibid., p. 137.
56
Convém destacar o reconhecimento da importância do processo civil
à luz da teoria dos direitos fundamentais, muito em voga em Portugal, o que tem
permitido revisar os modelos processuais mais antigos daquele país.114
A nova legislação processual portuguesa, introduzida pelos
Decretos-leis n.º 329-A, de 12/12/1995, e n.º 180, de 25/9/1996, avançam no
propósito declarado de consagrar o direito “a obter, em prazo razoável, uma
decisão de mérito e sua respectiva execução”.115
É curioso notar que no atual artigo 2º-1, do Código de Processo Civil
Português, há a referência direta e expressa à necessidade de abreviar a duração
do processo. Com efeito, dispõe o aludido dispositivo que: “A proteção jurídica
através dos tribunais implica o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão
judicial que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão regularmente
deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar”.
Conforme observa José Rogério Cruz e Tucci, quanto ao tema do
presente estudo, resta claro que o processo português continua prestigiando a
teoria da substanciação, chamando a atenção para os artigos 467-1 e 498-4 que
evidenciam essa opção.
Abrantes Geraldes faz referência à estabilidade do processo que
decorre do art. 268 e que visa a evitar a modificação dos elementos subjetivos e
objetivos da demanda pelas partes, em prejuízo do regular andamento da causa e
da celeridade da administração da justiça. Com efeito, para este autor, com a
114 Teresa Sapiro Anselmo Vaz, Novas tendências do processo civil no âmbito do processo
declarativo comum (alguns aspectos), Revista da Ordem dos Advogados, Lisboa, 55 (1995):925.
115 José Lebre de Freitas, Revisão do processo civil, Revista da Ordem dos Advgados, 55, p. 427.
57
citação do réu, “estabiliza-se a instância quanto às pessoas e quanto ao objecto
(pedido e causa de pedir), apenas se admitindo as alterações que a própria lei
preveja”.116
Não obstante se reconheça o declarado objetivo de evitar a
alteração da demanda, convém observar que a lei portuguesa prevê a
possibilidade de complementar a causa de pedir e do pedido no decorrer do
procedimento, mesmo após a citação em algumas situações específicas. Nesse
sentido, a legislação portuguesa distingue duas situações: uma, a prevista no
artigo 272 e que diz respeito à alteração mediante consenso dos litigantes, a
outra, consagrada no artigo 273, 1 e 6, que diz respeito à hipótese de modificação
objetiva da demanda sem concordância das partes.
Note-se, então, que não havendo consenso, a causa de pedir pode
ser alterada ou ampliada na réplica e não mais em qualquer momento do
processo. Impõe-se, ainda, que referida alteração não importe em modificação
intrínseca da demanda. Permite-se, contudo, a mudança ou a ampliação da causa
petendi como conseqüência de confissão do demandado aceita pelo autor.
Segundo Miguel Teixeira de Souza, com essa permissão de
alegação de fatos novos em determinadas situações específicas, mesmo após a
citação, o legislador português pretendeu desvencilhar-se do tradicional sistema
de preclusão que tinha o inconveniente de determinar a alegação desmedida de
fatos na petição inicial e na contestação.
116 Fase inicial do processo declarativo, Temas da reforma do processo civil, p. 88-89.
58
A doutrina registra que, sob a égide do sistema antigo, os litigantes
eram obrigados a alegar não só os fatos que entendiam necessários e
indispensáveis, mas também todos aqueles que imaginavam pudessem
eventualmente tornar-se necessários para conseguir uma decisão favorável.
Contudo, conforme alude Miguel Teixeira de Souza, tal regra não deve mais ser
prestigiada, na medida em que “a preclusão não pode afectar todo e qualquer fato
não invocado, mas tão só os factos necessários para a constituição da causa de
pedir (ou da exceção). Por exemplo: numa acção de divórcio instaurada com
fundamento na violação culposa do dever conjugal de fidelidade, o autor tem de
invocar o adultério que imputa ao outro cônjuge e as condições em que tal
ocorreu, mas não tem de temer que a omissão não negligente de qualquer
pormenor, conhecido ou imaginado, implique a impossibilidade da sua alegação
posterior”.117
Segundo Júnior Alexandre Moreira Pinto, andou bem o legislador
português de 1997 ao adotar uma espécie de preclusão mitigada, quando “ao
tratar no artigo 268 do novo Código de Processo Civil do princípio da estabilidade
da instância, permitiu, rompendo com os exageros da rígida regra da preclusão, a
alteração da causa de pedir e do pedido por acordo, ou até mesmo sem o
consenso da outra parte, desde que tal câmbio ocorra na réplica”.118
José Rogério Cruz e Tucci observa que o processo português atual,
embora sem abandonar a teoria da substanciação, procurou libertar-se da rigidez
117 Apreciação de alguns aspectos da “revisão do processo civil-projecto”. Revista da Ordem dos
Advogados, 55, p. 360. 118 Sistemas rígidos e flexíveis: estabilização da demanda, in Causa de pedir e pedido no
processo civil (questões polêmicas). José Rogério Cruz e Tucci e José Roberto dos Santos Bedaque (org.). São Paulo: RT, 2002, p. 70.
59
que caracterizava a fase postulatória dominada pelo princípio da eventualidade.119
Merece destaque, nesse ponto, a valorização da audiência preliminar prevista no
artigo 508º, que deve propiciar às partes a oportunidade de discussão visando à
delimitação dos termos do litígio, esclarecendo-se eventuais imprecisões
constantes da exposição da matéria de fato que ainda subsistam ou tornem-se
patentes na seqüência do debate.
Conforme observa Guilherme Freire de Barros Teixeira, o legislador
português rompeu com a rigidez de um sistema preclusivo, permitindo, por
exemplo, a alteração da causa de pedir ou do pedido na réplica, bem como em
qualquer fase, até mesmo em segunda instância, se houver acordo entre as
partes, o que revela a adoção de um sistema mais elástico, aumentando assim a
possibilidade de resolução definitiva das controvérsias, o que evita ações
posteriores envolvendo as mesmas partes.120
119 A causa petendi no processo civil, p. 141 120 O princípio da eventualidade no processo civil, p. 137.
60
5. ESTABILIZAÇÃO DA DEMANDA E CONTEÚDO DA CAUSA DE
PEDIR NO DIREITO PROCESSUAL CIVIL BRASILEIRO
5.1 Evolução legislativa: 5.1.1 Ordenações Filipinas; 5.1.2 Regulamento 737; 5.1.3 Os Códigos de Processo Civil estaduais; 5.1.4 O Código de Processo Civil de 1939; 5.1.5 O Código de Processo Civil de 1973 – 5.2 Substanciação e individualização – posicionamento da doutrina brasileira quanto ao conteúdo da causa de pedir: 5.2.1 A doutrina majoritária – adoção da teoria da substanciação; 5.2.2 A posição de José Ignácio Botelho de Mesquita; 5.2.3 A posição de Ovídio Baptista da Silva; 5.2.4 A natureza do direito material envolvido, como critério para definir a necessidade de substanciação dos fatos – 5.3 O artigo 264 do Código de Processo Civil e a imutabilidade da causa de pedir
5.1 Evolução legislativa
5.1.1 Ordenações Filipinas
Quando o Brasil tornou-se independente de Portugal, em
1822, nada existia em nosso território com relação a normas jurídicas próprias.
Assim, juntamente com as normas constitucionais, foram adotadas, por via de
61
decreto, as Ordenações Filipinas, como sendo o diploma a ser aplicado no Brasil,
em matéria processual.
Como já se examinou anteriormente,121 quanto à causa de
pedir, as Ordenações Filipinas de 1603 mantiveram a sistemática adotada nas
Ordenações Afonsinas e Manoelinas, que previam um procedimento flexível no
qual se admitiam sucessivas alterações quanto aos elementos objetivos da
demanda.
5.1.2 Regulamento 737
O Regulamento 737 de 1850 foi o primeiro código processual
elaborado no Brasil e passou a reger os processos de natureza cível após a
edição do Decreto n.º 763, de 1890.
Quanto à causa de pedir, observa-se que o aludido diploma
apenas conferiu redação mais moderna à lacunosa e obscura disciplina das
Ordenações Filipinas. O artigo 66 do Regulamento 737 previa que: “A ação
ordinária será iniciada por uma simples petição, que deve conter: § 1º O nome do
autor e do réu; § 2º O contrato, transação ou fato dos quais resultar, segundo o
Código, o direito do autor e a obrigação do réu; § 3º O pedido com todas as
especificações e estimativa do valor quando não for determinado; § 4º A indicação
das provas em que se funda a demanda”.
121 Item 3.4 retro.
62
Guilherme Freire de Barros Teixeira observa que, no
procedimento previsto no Regulamento 737, “oferecida a contestação, o autor
tinha dez dias para manifestação por meio da réplica, na qual podiam ser
deduzidas novas razões em apoio ao libelo. Em conseqüência, era assegurada a
tréplica ao réu, também no prazo de dez dias, podendo ser trazidos novos
argumentos em apoio às razões deduzidas na contestação (art. 101). Dessa
maneira a réplica do autor complementava o libelo, enquanto a tréplica
completava a contrariedade apresentada pelo réu. (...) A possibilidade da
dedução de novas razões na réplica e na tréplica, inclusive com alterações do
pedido e da contestação, demonstra que o Regulamento 737 não adotou o
princípio da eventualidade.” 122
5.1.3 Os Códigos de Processo Civil estaduais
A Constituição Federal de 1891, promulgada após a
proclamação da República, permitiu aos Estados-membros legislar sobre direito
processual, o que levou à edição de vários Códigos de Processo Civil estaduais,
caracterizando assim o chamado período da dualidade processual.
Júnior Alexandre Moreira Pinto observa que todos os códigos
estaduais acolheram um modelo rígido de procedimento. 123
122 O princípio da eventualidade no Processo Civil, p. 90. 123 Sistemas rígidos e flexíveis: estabilização da demanda, in Causa de pedir e pedido no processo
civil (questões polêmicas). José Rogério Cruz e Tucci e José Roberto dos Santos Bedaque (org.). São Paulo: RT, 2002, p. 77.
63
O Código de Processo Civil e Commercial do Estado de São
Paulo (Lei n.º 2.421/30), em seu artigo 209, trazia regra segundo a qual: “A inicial
só poderá ser alterada na substância, mediante nova citação do réo, antes de
proposta a acção”.
No mesmo sentido, o Código de Processo Civil e Commercial
para o Districto Federal (Decreto n.º 16.762/24) dispunha em seu artigo 113 que:
“O autor, depois de proposta a acção, não poderá variar, ou alterar a substância
do pedido, sendo-lhe, todavia, permitido fazer addições, ou emendas antes da
contestação”.
O Código de Processo Civil de Minas Gerais (Lei n.º 830/22)
possuía redação idêntica ao do Distrito Federal.
5.1.4 O Código de Processo Civil de 1939
O Código de Processo Civil de 1939 também adotou o
procedimento rígido. Aliás, havia determinação expressa no sentido de que, caso
fosse omitido pedido na petição inicial, somente em ação autônoma este poderia
ser ventilado.124
Enfatizando ainda mais a rigidez, o CPC de 1939 vedava em
caráter absoluto o aditamento da inicial, que não era admitido nem mesmo antes
da citação do demandado e ainda que com a concordância do réu. A respeito do
64
regime adotado pelo CPC de 1939 quanto à estabilização da demanda, Pontes de
Miranda aduzia que “a lei desconhece a adição do libelo, a integração do pedido
que se fêz deficiente ou defeituosamente. O artigo 157 é conseqüência do art.
154. Se os pedidos têm que ser interpretados restritivamente e cada pedido só
contém o que essa interpretação restrita mostra ter, claro que se exclui qualquer
faceta que o pedido omitiu ou, a fortiori, qualquer pedido que se omitiu entre os
pedidos.” 125
5.1.5 O Código de Processo Civil de 1973
O Código de Processo Civil de 1973 não adota procedimento
tão rígido quanto o de 1939, na medida em que admite a alteração do pedido
antes de citado o réu (art. 264, caput) e após a citação, mediante o consentimento
deste (art. 264, parágrafo único).
Mesmo assim, o Código de Processo Civil de 1973 está longe
de assumir um caráter flexível. Ao contrário, valoriza-se sobremaneira, no atual
sistema processual brasileiro, a imutabilidade da demanda.
124 O artigo 157 do CPC de 1939 determinava que: “Quando o autor houver omitido, na petição
inicial, pedido que lhe era lícito fazer, só em ação distinta poderá formulá-lo”. 125 Comentários ao Código de Processo Civil, t. II, p. 401.
65
5.2 Substanciação e individualização – posicionamento da doutrina
brasileira quanto ao conteúdo da causa de pedir
5.2.1 A doutrina majoritária – adoção da teoria da substanciaçâo
O artigo 282, inciso III, do Código de Processo Civil, exige
que a petição inicial indique “os fatos e os fundamentos jurídicos do pedido”.
Apesar da dupla referência, a doutrina amplamente
majoritária no Brasil afirma que o Código de Processo Civil vigente adotou a teoria
da substanciação, reconhecendo desse modo um predomínio dos fatos sobre os
fundamentos jurídicos.
Moacyr Amaral Santos, citando o escólio de Lopes da Costa,
afirma categoricamente que o Código, quanto aos fundamentos do pedido, filia-se
à teoria da substanciação, em oposição à teoria da individualização.126
Calmon de Passos lembra que “o art. 282, III, exigindo como
requisito da inicial a indicação dos fatos e fundamentos jurídicos do pedido, põe o
nosso sistema entre os que reclamam a substanciação da causa de pedir, aliás
como já o fazia o Código de 1939, dispondo em igual sentido o seu art. 158”.127
No mesmo sentido, Arruda Alvim observa que a Lei
processual atual manteve a regra do artigo 158 do Código de Processo Civil de
126 Primeiras linhas de direito processual civil, 2º vol. p. 140. 127 Comentários ao Código de Processo Civil, p.188.
66
1939, adotando assim a teoria da substanciação, ao exigir que a parte exponha
com clareza e precisão os fatos e fundamentos do pedido.128
Arakén de Assis chega a afirmar que “reina total harmonia na
doutrina brasileira, no reconhecimento da adesão do CPC à teoria da
substanciação”. 129
Arruda Alvim refere-se à teoria da individualização como uma
tendência do moderno direito alemão, cujo interesse seria apenas histórico.130
No mesmo sentido, Nelson Nery Junior e Rosa Maria
Andrade Nery consideram que a teoria da individualização estaria superada, uma
vez que na própria Alemanha o ZPO adotou a teoria da substanciação.131
Cândido Rangel Dinamarco, por seu turno, considera
dificílimo o problema da definição da causa de pedir em face das teorias da
substanciação e da individuação, reconhecendo, contudo, que embora o artigo
282, inciso III, do Código de Processo Civil exija a indicação não só dos fatos,
mas também dos fundamentos jurídicos do pedido, o nosso sistema é
tradicionalmente voltado para a substanciação, que para a identificação da
demanda considera apenas os fatos narrados.132 O consagrado autor explica,
quanto ao predomínio dos fatos sobre os fundamentos jurídicos, que “os fatos
narrados influem na delimitação objetiva da demanda e conseqüentemente da
sentença (art.128), mas os fundamentos jurídicos não” e arremata observando
128 Código de Processo Civil Comentado, v. 5, p. 176. 129 Cumulação de ações, p.117. 130 Direito processual civil, v.2, p. 86. 131 Código de Processo Civil e legislação processual civil extravagante, nota 2 ao art. 282, III, do
CPC, p. 487. 132 Cândido Rangel Dinamarco. Nota n. 124 na obra de Enrico Túlio Liebman, Manual de direito
processual civil, p. 194, por ele traduzida.
67
que, “tratando-se de elementos puramente jurídicos e nada tendo de concreto
relativamente ao conflito e à demanda, a invocação dos fundamentos jurídicos na
petição inicial não passa de mera proposta ou sugestão endereçada ao juiz, ao
qual compete fazer depois os enquadramentos adequados – para o que levará
em conta a narrativa dos fatos contida na petição inicial, a prova realizada e sua
própria cultura jurídica, podendo inclusive dar aos fatos narrados e provados uma
qualificação jurídica diferente daquela que o demandante sustentara (narra mihi
factum dabo tibi jus)”.133
Na mesma linha, Vicente Grecco Filho afirma que o Código
de Processo Civil brasileiro adotou a teoria da substanciação na medida em que
exige a descrição dos fatos dos quais decorre a relação de direito para a
propositura da ação, contrapondo-se, desse modo, à teoria da individualização,
segundo a qual bastaria a afirmação da relação jurídica fundamentadora do
pedido, para caracterizar a ação.134
Ada Pellegrini Grinover, Antonio Carlos de Araújo Cintra e
Cândido Rangel Dinamarco observam, tanto em relação ao processo civil quanto
ao processo penal, que “o direito brasileiro adota, quanto à causa de pedir, a
chamada doutrina da substanciação, que difere da individualização, para a qual o
que conta para identificar a ação proposta é a espécie jurídica invocada (coação,
crime de homicídio etc.), não as meras circunstâncias do fato que o autor alega”.
135
Alexandre Alves Lazzarini observa que, no Brasil, a eventual
adoção da teoria da substanciação e a conseqüente diminuição da importância
133 Instituições de direito processual civil, p. 127-128. 134 Direito processual civil brasileiro, v.1, p. 91.
68
dos fatos constitutivos seriam particularmente difíceis, sobretudo se
considerarmos o direito de família, tradicionalmente tido como um direito absoluto,
mas repleto de conceitos indeterminados, tais como “injúria grave, mútua
assistência, convivência duradoura, respeito e considerações mútuos etc.”.136
O mesmo autor observa que a discórdia básica entre as
teorias da individualização e da substanciação “está na necessidade de indicação,
na causa petendi, do fato constitutivo nas ações de direito absoluto, decorrendo
disso os demais efeitos que diferenciam as teorias”. 137 Sustenta também que, em
nosso ordenamento, sobretudo à luz do princípio do contraditório, há
preponderância dos fatos sobre os fundamentos jurídicos, observando que “(...)
não há como se negar que a controvérsia, em um primeiro plano, se dará na
discussão dos fatos elencados na causa petendi remota, eis que os fundamentos
de direito, ou a afirmação do direito, a causa próxima, são conclusão lógica dos
fatos elencados, com base na qual se formulará o pedido mediato, ou seja o bem
da vida”, 138 o que em outras palavras significa que “a causa petendi remota, ou
seja, os fatos relevantes é que possibilitam o exercício do princípio do
contraditório”.139 Conclui que “dada a efetiva predominância dos fatos
constitutivos sobre a relação jurídica, esta decorrendo daqueles, podemos afirmar
que o direito pátrio adotou a teoria da substanciação, amenizada pela exigência
da indicação dos fundamentos jurídicos do pedido”.140
Também na jurisprudência, predomina o acatamento da
teoria da substanciação, havendo julgados entendendo que a ausência da causa
135 Teoria Geral do Processo, p. 226. 136 A causa petendi nas ações de separação judicial e de dissolução de união estável, p. 44-46. 137 Ibid. p.43. 138 Ibid , p.48.
69
de pedir leva, inclusive, à anulação da sentença que foi proferida sem observar a
falta de tal requisito.141
139 Ibid , p.49. 140 A causa petendi nas ações de separação judicial e de dissolução de união estável, p. 50. 141 Nesse sentido, reproduz-se interessante acórdão do Primeiro Tribunal de Alçada Civil do
Estado de São Paulo, que de ofício, anulou a sentença por constatar a ausência da causa de pedir:
“ Ementa: Cobrança – Cheque - Inexistência de determinação da “causa petendi” da pretensão - Artigo 282, III, do Código de Processo Civil - Sentença anulada de ofício para determinar a emenda da inicial - Artigo 284, do Código de Processo Civil - Prejudicado o exame do recurso.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n. 688.689-9, da Comarca de Mogi-Guaçu, sendo apelante Nelson Firmino de Souza e apelada Doralice Almeida Correa Nonato: ACORDAM, em Décima Segunda Câmara do Primeiro Tribunal de Alçada Civil, por votação unânime, anular de ofício a sentença, prejudicado o exame do recurso.
Demanda com pedido condenatório, fundada em cheque, foi acolhida pela r. sentença de fls. 35/38, cujo relatório se adota.
Apela o réu, insistindo nas preliminares consistentes na perempção da ação e na impossibilidade jurídica do pedido. Também reitera a alegação de que o título foi obtido mediante fraude e a boa-fé da autora não foi demonstrada, tal como determinara o acórdão proferido nos autos de embargos à execução.
Recurso tempestivo, respondido e bem processado. É o relatório. O cheque é ordem de pagamento à vista, equiparado às cambiais. É dotado das mesmas
características, inclusive a abstração. No caso, todavia, decidido que o título não é apto para viabilizar a tutela executiva
(fls.21/23) está descaracterizada a sua natureza. Nessa medida, deveria ter a apelada deduzido a “causa petendi” da sua pretensão, ou
seja, os motivos por que se considera credora do apelante (cf. JTA (LEX) 139/160). Necessária a dedução da causa de pedir, constituída, no direito brasileiro, por elementos
da teoria da substanciação e da individuação, pois é necessária a descrição do fato - causa remota – e do fundamento jurídico - causa próxima. (cf. CPC, artigo 282, III; v. tb. José Rogério Cruz e Tucci, “A causa petendi” no processo civil”, RT, 1993, p. 121; Milton Paulo de Carvalho, “Do pedido no Processo Civil”, págs. 89/95).
O documento de fls. 6 não representa mais título desvinculado da causa que o gerou. A demanda tem fundamento no enriquecimento sem causa do emitente ou coobrigados
(Lei n. 7.357, de 02.09.85) devendo o autor, portanto, descrever a respectiva causa. Ainda que se considere o cheque prescrito mera confissão de dívida, a inicial deve se
enquadrar ao sistema processual. Esse ato jurídico não é dotado de abstração e autonomia, características inerentes aos títulos cambiais. Nessa medida, pedido de tutela jurisdicional com fundamento nele deve informar os motivos fáticos e jurídicos que o originam.
Se a causa da obrigação estivesse descrita na inicial, o apelante poderia impugná-la, submetendo-a ao contraditório. Admitir a propositura da demanda sem a correta descrição da causa de pedir, implicaria limitar de forma indevida a cognição em processo de natureza condenatória, justamente onde ela deve ser exauriente e sem qualquer base jurídico-substancial.
Por outro lado, deve ser cumprido o disposto no artigo 284 do Código de Processo Civil, podendo a apelada emendar a inicial, para adequá-la às exigências legais.
Para esse fim, anula-se de ofício a r. sentença, prejudicado o exame do recurso. Presidiu o julgamento o Juiz Campos Mello e Del, participaram os juízes Paulo Razuk
(Revisor) e Matheus Fontes. São Paulo, 12 de junho de 1997. ROBERTO BEDAQUE, Relator. (LEX – Jurisprudência dos Tribunais de Alçada Civil de
São Paulo, vol. 167, Jan.-Fev. 1998, p. 97/99).
70
Todavia, na verdade, não há unanimidade absoluta no
tocante a essa questão. Ao contrário, há algumas vozes muito respeitáveis que
defendem posição diferente, lançando mão de argumentos bastante consistentes,
como será visto a seguir.
5.2.2 A posição de José Ignácio Botelho de Mesquita
José Inácio Botelho de Mesquita, escrevendo ainda sob a
égide do Código de Processo Civil de 1939, divergia da corrente dominante, ao
defender o seguinte: “A nossa lei processual exige que conste da petição inicial a
indicação dos fatos constitutivos, mas isto, a meu ver, não leva à conclusão de
que tenhamos aderido àquela corrente doutrinária. Com efeito, nossa lei exige
igualmente que se indiquem na petição inicial os fundamentos jurídicos do pedido.
Estes, evidentemente, pelas razões já expostas, não são nem a norma da lei,
nem tampouco as deduções jurídicas, salvo quando, excepcionalmente, a norma
legal sirva, à falta de outros elementos, para individuar o direito particular feito
valer pelo autor no processo. Parece-me que se deva entender por ‘fundamentos
jurídicos do pedido’ a relação jurídica controvertida e o direito particular dela
decorrente. E não vejo nisto filiação à teoria da substanciação, mas,
diversamente, entendo que a lei processual brasileira adotou uma posição de
grande equilíbrio entre ambas as correntes conflitantes, dando importância tanto
aos fatos constitutivos, como aos elementos de direito, na medida em que sirvam
para individuar a pretensão do autor, como resulta da expressão legal ‘de maneira
71
que o réu possa preparar sua defesa’, empregada no inc. III, do art. 158, do
CPC”.142
Em artigo mais recente, já sob a égide do Código de
Processo Civil vigente, José Ignácio Botelho de Mesquita observou que: “A
demarcação da fronteira entre ambas essas teorias não obedece, porém, a
critérios assim tão rígidos, posto que há concessões, de parte a parte, entre seus
adeptos”. 143
5.2.3 A posição de Ovídio Baptista da Silva
Outro expoente da doutrina que se afasta da corrente
dominante é Ovídio Baptista da Silva, ao afirmar que nosso ordenamento jurídico
não se filia inteiramente nem à teoria da substanciação e nem à da
individualização, posições essas radicais e modernamente rejeitadas, mas, ao
contrário, teria optado por uma atenuação da teoria da substanciação, na medida
em que “a lei exige que os fatos sejam expostos como fundamento do pedido,
mas tão só os fatos essenciais”.144
5.2.4 A natureza do direito material envolvido, como critério a
definir a necessidade de substanciação dos fatos
142 A causa petendi nas ações reivindicatórias, Revista de direito processual civil, p. 197. 143 Conteúdo da causa de pedir, Revista dos Tribunais n. 564, p. 48. 144 Limites objetivos da coisa julgada no direito brasileiro atual, Sentença e coisa julgada. Porto
Alegre, Sérgio Fabris, 1979, p. 166.
72
Completando essa visão geral que se pretendeu traçar, do
posicionamento da doutrina brasileira quanto ao conteúdo da causa de pedir,
deve-se registrar que alguns autores têm enfatizado os muitos pontos de contato
entre ambas as teorias e ressaltado que, na verdade, independentemente da
opção pela substanciação ou pela individualização, o que importa mesmo para
definir o conteúdo mínimo necessário da causa petendi é a natureza do direito
material que se pretende realizar por intermédio do processo.
José Ignácio Botelho de Mesquita observa que: “Apreciando e
confrontando as duas teorias acima expostas, não será difícil de se ver que
ambas apresentam vários pontos de contacto. Em um ponto, porém, elas se
tornam irredutíveis. Esse ponto onde ambas se afastam é precisamente a
afirmação do que se deva entender por causa petendi nas ações propostas com
fundamento em um direito de caráter absoluto, assim denominados pela teoria da
individualização os direitos reais (propriedade, servidão, usufruto) e os direitos de
família, e os decorrentes do estado da pessoa”.145
A contrário sensu, pode-se concluir que não há diferença
entre as teorias da substanciação e da individualização, no que diz respeito a
direitos relativos, como os obrigacionais, por exemplo. Assim, independentemente
de adotar-se uma ou outra teoria, na grande maioria dos casos haverá a
necessidade de indicação precisa dos fatos constitutivos do direito do autor.
Por outro lado, mesmo nos casos envolvendo direitos
absolutos, em relação aos quais se verifica o ponto de divergência entre as
73
correntes acima expostas e inclusive nos sistemas que adotam a teoria da
substanciação, os fatos ficam relegados a segundo plano, havendo atenuação da
exigência de substanciá-los.
Tal circunstância levou Guilherme Freire de Barros Teixeira a
concluir que “o que determina a necessidade ou não da exposição dos fatos na
petição inicial, de maneira substanciada, é a relação jurídica material deduzida
pelo autor, não importando qual das duas teorias seja adotada pelo ordenamento
jurídico”.146 Importa então, para esse fim, saber se se trata de direitos absolutos
ou relativos.147
Nessa mesma linha, Ricardo de Barros Leonel observa que
“o modo como deverá ser elaborada a demanda judicial, com maior ou menor
fundamentação quanto aos fatos ou títulos constitutivos do direito do demandante,
estará diretamente ligado às peculiaridades, características e estrutura do direito
material feito valer em juízo” e prossegue esclarecendo que “essa conclusão é
decorrente da inevitável interação entre o direito material e o processo, e do
reconhecimento do caráter instrumental deste em relação ao primeiro”.148
145 A causa petendi nas ações reivindicatórias, Revista de Direito Processual Civil 6/190. 146 O princípio da eventualidade no processo civil, p. 194. 147 Cerino Canova distingue os direitos autodeterminados dos heterodeterminados, explicando
que os primeiros não se identificam pelo seu título de aquisição, mas pelas partes e pelo seu conteúdo, não podendo existir mais de uma vez, com o mesmo conteúdo entre as mesmas partes, tal como ocorre com o direito de propriedade, os direitos reais de gozo (superfície, usufruto, uso habitação, servidão), os direitos ao status de família, os direitos da personalidade e os direitos de crédito que versam sobre uma prestação específica. Já os direitos heterodeterminados podem existir simultaneamente mais de uma vez entre as mesmas partes e com o mesmo conteúdo, necessitando, para sua individualização, de referência ao fato gerador, como é o caso de crédito a uma prestação genérica, especialmente os créditos pecuniários, e nos direitos reais de garantia (La domanda giudiziale, p. 177-178). Vide no mesmo sentido, entre nós, José Rogério Cruz e Tucci (A causa petendi no processo civil, p. 117-118).
148 Objeto litigioso e direito superveniente no processo civil, p.101.
74
5.3 O artigo 264 do Código de Processo Civil e a imutabilidade da
causa de pedir
De acordo com a sistemática que decorre do artigo 264 do Código
de Processo Civil, o autor pode modificar livremente o pedido e/ou a causa de
pedir antes da citação do réu. Após a citação, somente poderá fazê-lo com o
consentimento do réu.149 E após o saneamento do processo não será permitida,
em nenhuma hipótese, a alteração do pedido e/ou da causa de pedir, o que se
justifica pela necessidade de evitar a surpresa processual.
Cândido Rangel Dinamarco ressalta que o artigo 264 deve ser
interpretado em conjunto com os artigos 294, 128 e 460 do CPC. Segundo
Dinamarco, esse conjunto de normas limita com bastante severidade as
alterações da demanda, refletindo a rigidez do modelo adotado pela legislação
processual brasileira, no sentido de evitar que o procedimento sofra retrocessos
que tornariam necessárias nova citação e nova oportunidade de defesa em razão
do princípio contraditório. O mesmo autor observa ainda que o momento da
estabilização da demanda no direito processual brasileiro coincide com a
angularização da relação jurídica processual, que ocorre com a citação do réu,
149 O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que se o réu não se manifestar contrariamente à
pretensão de modificação formulada pelo autor, presume-se que aceitou a alteração, conforme acórdão assim ementado: “Causa de pedir – Alteração – Réu – Ausência de objeção – Presunção de consentimento – Art. 264/CPC. Apresentada petição pelo autor, em que se altera a causa de pedir, e nenhuma objeção apresentando o réu que, ao contrário, cuida de negar-lhe o fundamento, é de admitir-se que consentiu na alteração. Incidência da ressalva contida no art. 264 do CPC” (REsp. 21.940-5-MG, STJ, 3ª Turma, rel. Min. Eduardo Ribeiro – j. 09/02/1993, DJU 08/03/1993).
75
sendo excepcional a alteração da demanda após esse momento, o que somente
é possível com a anuência do réu.150
Quanto à alteração dos elementos subjetivos da ação, há as
hipóteses excepcionais previstas no próprio Código, como, por exemplo, nos arts.
41 e 42. 151
O princípio da inalterabilidade da petição inicial consagrado no artigo
264 do CPC recomenda a distinção de duas figuras, às vezes confundidas: a da
adição do libelo e a da mudança do libelo.
Segundo Moacyr Amaral Santos, a adição do libelo consiste “na
alteração da inicial ajuizada com o acrescentamento, ao pedido nela formulado,
de novo ou novos pedidos. Essa alteração, ou seja, o aditamento do libelo, antes
150 Observa Dinamarco que: “Os arts. 264 e 294 do Código de Processo Civil, parcialmente
sobrepostos, são portadores de regra segundo a qual, angularizada a relação processual pela citação – e portanto integrado a ela o demandado – a demanda permanecerá imutável e a sentença a ser afinal proferida não poderá pronunciar-se fora dos limites que ela estabelece (arts. 128 e 460). A finalidade desses dois dispositivos é limitar com bastante severidade a possibilidade de alterações na demanda proposta. Esse é um reflexo da rigidez do procedimento no processo civil brasileiro, o qual se desenvolve em fases razoavelmente bem delineadas e não comporta retrocessos que seriam inevitáveis caso novos fatos, novos pedidos e novos sujeitos pudessem a qualquer tempo ser inseridos no processo pendente. Não sendo possível retroceder para citar outra vez o réu pelos sucessivos aditamentos e para permitir novos atos de defesa complementar, seria ilegítimo permitir essas alterações depois da citação, porque prejudicariam sensivelmente a efetividade das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Somados, esses dispositivos são responsáveis, nos limites do que autorizam e do que vedam, pela estabilização da demanda. Devendo o juiz pronunciar-se rigorosamente dentro dos limites da demanda proposta (partes, causa de pedir, pedido: art.128) e não podendo proferir em favor do autor sentença de natureza diferente da pedida ou por bem diferente ou valor acima do pedido (extra vel ultra petita, art. 460), os limites do pronunciamento judicial possível são estabilizados no momento em que o réu é citado – ressalvado seu consentimento, em alguma medida. Depois de saneado o processo é absoluto o veto a qualquer alteração subjetiva ou objetiva, mesmo com o consentimento do réu. (Instituições de direito processual civil, vol. II, p. 67-68).
151 A esse respeito, Cândido Rangel Dinamarco ressalta que: “Explicitamente, o texto portador de tal restrição endereça-a apenas às alterações objetivas (pedido e causa de pedir: art. 264, par.), mas o tumulto decorrente do ingresso de novos sujeitos seria o mesmo e por isso também as alterações subjetivas só podem ser aceitas antes do saneamento – ainda que o réu as aceite depois. Resolvidas as questões incidentes, fixados os pontos fáticos dependentes de prova e deferidos os meios probatórios a produzir (isso é sanear: art. 331, § 2º), o procedimento já terá chegado a um ponto tal, que retroceder seria tumultuar: como o processo não é um negócio em família e a jurisdição é uma função pública, o poder de
76
terminantemente proibida, tornou-se possível nos termos da nova redação do art.
294 do referido Código: “Antes da citação, o autor poderá aditar o pedido,
correndo à sua conta as custas acrescidas em razão dessa iniciativa”. Já a
mudança de libelo (mutatio libelli, mutatio actionis), por seu turno, consiste na
modificação dos elementos da ação – partes, causa de pedir, pedido – figura
diversa da adição do libelo. 152
Moacyr Amaral Santos afirma ainda que “é de mudança do libelo,
isto é, de sua modificação, que fala o art. 264”, e exemplifica: “Assim, na ação de
separação litigiosa, em que a causa de pedir é o adultério, e que se deseja
substituir pela consistente no abandono do lar; na ação em que se pede, sob o
fundamento de falta da área declarada na escritura (Cód. Civil, art. 1.136), a
rescisão do contato, e se queira substituir esse pedido pelo de complementação
da área”. 153
Portanto, no direito processual civil brasileiro vigora, como regra
geral, a proibição da mutatio libelli,154 diferentemente do que ocorre no processo
penal.
disposição das partes não pode chegar ao ponto de permitir que elas prejudiquem o bom exercício desta.”
152 Primeiras linhas de direito processual civil, 2º vol. p. 150. 153 Ibid., mesma págica.. 154 No Código de Processo Penal brasileiro não há referência à imutabilidade do objeto do
processo. Assim é permitida sua alteração, podendo o juiz dar ao fato definição jurídica diversa da que constar da denúncia ou queixa, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave (art. 383 do CPP), caso em que se está diante da figura da emendatio libelli. Conforme ensina Sérgio Seiji Shimura, “a emendatio libelli constitui-se conformação feita pelo juiz ao fato narrado pelo promotor” e prossegue observando que “neste caso, o fato permanece o mesmo, contra o qual o réu já se defendeu” e o que se altera é a definição jurídica, ou seja, a classificação do crime, que “é a subsunção do fato ao tipo, compreendendo-se que este possa ser alterado, pois não obstante a presunção legal de que a lei é conhecida por todos, a verdade é que o réu não se defende deste ou daquele delito definido no Código, mas sim do fato criminoso que lhe é imputado”. E conclui o raciocínio observando que “em suma, não há na emendatio libelli alteração do libelo, alteração da peça acusatória, mas simplesmente uma adequação da classificação do tipo legal” (Breves considerações sobre a “emendatio libelli” e a “mutatio libelli”, p. 237). Mas o juiz pode também admitir a variação dos fatos imputados na inicial – mutatio libelli – caso em que, em conseqüência das provas existentes nos autos ou de circunstância
77
6. O CONHECIMENTO DO FATO SUPERVENIENTE NA
SENTENÇA – Art. 462 do CPC
6.1 Antecedentes – 6.2 Fundamentos para a consideração dos fatos supervenientes na sentença – 6.3 Fato superveniente e direito superveniente
6.1 Antecedentes
O Código de Processo Civil de 1939 era omisso com relação ao
conhecimento de fatos supervenientes, que passaram a ser tratados
expressamente somente no Código de 1973.
Quanto ao advento do artigo 462 do Código de Processo Civil de
1973, Moacyr Amaral Santos observa que o legislador brasileiro tomou por
elementar não contida, explícita ou implicitamente, na denúncia ou na queixa, determinar-se-á a baixa dos autos, a fim de que a defesa se manifeste, no prazo de oito dias, podendo produzir provas e arrolar até três testemunhas (art. 384 caput do CPP). Se em decorrência da variação dos fatos houver a possibilidade de aplicar pena mais grave, o Ministério Público ou o querelante terão oportunidade de oferecer aditamento, seguindo-se a manifestação da defesa (art. 384, parágrafo único do CPP). Sérgio Seiji Shimura observa que “a situação se altera quando, no curso do processo exsurge uma nova circunstância elementar, não contida nem explícita, nem implicitamente, na peça inicial” e prossegue aludindo que, “alterando os fatos, que constituam circunstância elementar para uma outra definição jurídica, é preciso haver a alteração do libelo” (Breves considerações sobre a “emendatio libelli” e a “mutatio libelli”, p. 238). Cumpre destacar, contudo, que a mutatio libelli não se refere a fatos novos, que não guardem correspondência com os fatos imputados na denúncia ou queixa. A esse respeito Sérgio Seiji Shimura observa que “a pretexto de aditar a denúncia, o Promotor não pode incluir um fato novo, uma nova acusação. Se o Juiz entendeu que o réu praticou outros fatos delituosos, além dos que lhe foram atribuídos na denúncia, ‘em conseqüência de prova existente nos autos’ cabe-lhe dar notitia criminis, remetendo ao Ministério Público as cópias e os documentos necessários ao oferecimento da denúncia (art. 40 do CPP” (Breves considerações sobre a “emendatio libelli” e a “mutatio libelli”, p. 240). No mesmo sentido, Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró ressalta que: “o art. 384 disciplina as hipóteses de modificação do fato que está sendo objeto do processo, e não de surgimento de outro fato, ou novo crime. As situações são diferentes, porque na hipótese de um fato novo, não se aplica o art. 384, destinado apenas à situação de diversidade do próprio fato imputado. Em relação ao fato novo que origina um outro crime, não basta o simples aditamento da denúncia com reabertura limitada da instrução, sendo necessário que se instaure um processo normal,
78
modelo o artigo 663 do Código de Processo Civil de Portugal, de 1967, o qual
repetia a redação do código anterior, de 1961, e que dispunha: “1. Sem prejuízo
das restrições estabelecidas noutras disposições legais, nomeadamente quanto
às condições em que pode ser alterada a causa de pedir, deve a sentença tomar
em consideração os fatos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que
se produzam posteriormente à proposição da ação, de modo que a decisão
corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão. 2.
Só são, porém, atendíveis os fatos que, segundo o direito substantivo aplicável,
tenham influência sobre a existência ou conteúdo da relação controvertida. 3. A
circunstância de o fato jurídico relevante ter nascido ou se haver extinguido no
decurso do processo é levada em conta para o efeito da condenação em custas”.
155
Segundo Moacyr Amaral Santos, o artigo 462 do Código de
Processo Civil, de nítida inspiração portuguesa, pretendeu estender ao autor as
exceções previstas em relação ao princípio da eventualidade. Nesse sentido,
observa que: “as exceções à regra, do art. 303, conforme as quais o réu pode
formular novas alegações no curso do processo, em dadas e especiais
circunstâncias, refletiram-se de modo ampliativo no que tange à sentença, de
modo que esta constitua a decisão do mérito conforme o estado de fato da lide
por ocasião do encerramento da causa. Desse entendimento, de origem
doutrinária germânica, se valeu o Código de Processo Civil de Portugal, art. 663,
tomado por modelo pelo legislador brasileiro”.156
devendo ser percorrido todo o iter procedimental” (Correlação entre acusação e sentença, p. 190).
155 Comentários ao Código de Processo Civil, v. IV, p. 410. 156 Comentários ao Código de Processo Civil, vol. IV, p. 410.
79
6.2 Fundamentos para a consideração dos fatos supervenientes na
sentença
Do ponto de vista do direito positivo, nosso Código de Processo Civil
vigente trata do problema da superveniência no decorrer do processo em diversos
dispositivos e de maneira não muito sistemática.157
Uma vez que o processo se desenvolve ao longo do tempo, é muito
provável que haja transformações na realidade que interfiram no complexo fático
157 A esse respeito, Ricardo de Barros Leonel observa que. na temática do fato superveniente,
devem ser considerados os seguintes dispositivos do Código de Processo Civil: (a) o art. 264 do CPC e seu parágrafo único, estipulando que “feita a citação, é defeso ao
autor modificar o pedido ou a causa de pedir, sem o consentimento do réu, mantendo-se as mesmas partes, salvo as substituições permitidas por lei”, e que “a alteração do pedido ou da causa de pedir em nenhuma hipótese será permitida após o saneamento do processo”;
(b) o art. 282 III e IV, determinando que a petição inicial contenha a exposição dos “fatos e os fundamentos jurídicos do pedido”, e “o pedido, com suas especificações”;
(c) o art. 286, II. admite que seja formulado pedido “genérico” (que não seja certo e determinado), “quando não for possível determinar, de modo definitivo, as conseqüências do ato ou fato ilícito”;
(d) o art. 290 prevê que “quando a obrigação consistir em prestações periódicas, considerar-se-ão elas incluídas no pedido, independentemente de declaração expressa do autor...”;
(e) o art. 294, prevendo que “antes da citação, o autor poderá aditar o pedido, correndo à sua conta as custas acrescidas em razão dessa iniciativa”;
(f) o art. 300, estabelecendo que “compete ao réu alegar, na contestação, toda a matéria de defesa, expondo as razões de fato e de direito, com que impugna o pedido do autor e especificando as provas que pretende produzir”;
(g) o art. 303 I, II e III, prevendo que “depois da contestação só é lícito deduzir novas alegações quando: I - relativas a direito superveniente; II – competir ao juiz conhecer delas de ofício; III – por expressa autorização legal, puderem ser formuladas em qualquer tempo e juízo”;
(h) o art. 321, afirmando que “ainda que ocorra a revelia, o autor não poderá alterar pedido, ou a causa de pedir, nem demandar declaração incidente, salvo promovendo nova citação do réu, a quem será assegurado o direito de responder no prazo de quinze dias”;
(i) o art. 462, prevendo que “se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo, ou extintivo do direito influir no julgamento da lide, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a sentença”;
(j) o art. 517, estipulando que “as questões de fato, não propostas no juízo inferior, poderão ser suscitadas na apelação, se a parte provar que deixou de fazê-lo por motivo de força maior”. (Objeto litigioso e direito superveniente no processo civil, p. 239-240). A esse rol bastante abrangente, elaborado por Ricardo de Barros Leonel, acrescentaríamos ainda o artigo 22 do CPC, que estabelece que o réu será condenado
80
que constitui a causa de pedir, ou seja, durante o desenvolvimento do processo
podem ocorrer fatos que tenham relevância para o julgamento do mérito.
Entretanto, como foi visto, em razão do princípio da inalterabilidade
do libelo é defeso ao autor, no curso do processo, aditar pedido não formulado na
petição inicial, ou mudar a causa de pedir (CPC, arts. 264 e 294).
Por outro lado, como será visto em tópico próprio, mais adiante,
cumpre ao réu apresentar sua defesa em consonância com o princípio da
eventualidade, ou da concentração da defesa na contestação, segundo o qual
todas as defesas, salvo as exceções e os incidentes, deverão ser alegadas na
contestação (Cód. Proc. Civil, art. 301).
No tocante às defesas, entretanto, são elas admitidas
posteriormente à contestação, dentre outros casos, quando “relativas a direito
superveniente” (Cód. Proc. Civil, art. 303, no. I), o que abrange tanto os fatos
supervenientes, quanto a legislação nova que dê nova definição jurídica aos fatos
narrados na defesa.
Essa possibilidade conferida ao réu, de ver considerados os fatos
supervenientes, foi estendida a ambas as partes, pelo artigo 462 do CPC, que
prescreve o dever do juiz de tomar em consideração, no julgamento da lide, fatos
supervenientes à propositura da ação, quando constitutivos, modificativos ou
extintivos do direito.
É relevante notar que o artigo 462 do Código de Processo Civil não
diz que o juiz “poderá”, mas sim que “caberá” ao juiz tomar em consideração os
fatos supervenientes, inclusive de ofício.
nas custas a partir do saneamento, por não argüir na sua resposta fato impeditivo,
81
Segundo Moacyr Amaral Santos, os requisitos para o juiz tomar em
consideração tais fatos são: “1º ) que tenham ocorrido depois da propositura da
ação; 2º) que influam no julgamento da lide, isto é, que a lei material diga que o
fato novo constituiu, modificou ou extinguiu direito controvertido”.158
Referindo-se ao mencionado artigo 462 do Código de Processo
Civil, Arruda Alvim observa que, em função do enunciado ali contido, o juiz deve
decidir a causa da forma como ela se encontra, no momento da entrega da
prestação jurisdicional. Com efeito, esclarece que “o que se pretende firmar,
através da regra anteriormente enunciada, é que, pelo sistema do Código de
Processo Civil (em face do art. 462), os parâmetros (legais e fáticos), para a
decisão, devem ser aqueles existentes no momento da sentença, o que vale
como regra geral, se, entre o momento da postulação e o instante da sentença,
houver alteração de um e outro”. 159
6.3 Fato superveniente e direito superveniente
O Código de Processo Civil, ao cuidar do problema da
superveniência no curso do processo, faz referência ora a “fatos” (art. 462), ora a
“direito” (art. 303, I) e ora, ainda, a “questões de fato” (art. 517).
Esse tratamento complexo adotado pela legislação impõe ao
intérprete a tarefa de estabelecer até que ponto haveria uma efetiva distinção
entre fato superveniente e direito superveniente.
modificativo ou extintivo do direito do autor e, assim, dilatar o julgamento da lide.
158 Primeiras linhas de direito processual civil, v. 3, p. 24. 159 Manual de direito processual civil, v.2, p. 678.
82
Ricardo de Barros Leonel observa que, de uma perspectiva que
reconheça a dicotomia entre fato e direito, seria justificável concluir que os “fatos
supervenientes” diriam respeito somente ao autor (cf. art. 462 do CPC), ao passo
que o “direito superveniente” aplicar-se-ia exclusivamente em relação ao réu (cf.
art. 303 I do CPC). E, em sede recursal, apenas as “questões de fato” poderiam
ter curso, nos limites do art. 517 do CPC.160
Contudo, como se verá adiante, tal interpretação, embora mais
próxima do sentido literal dos dispositivos mencionados, não se mostra a mais
adequada no tocante à busca de solução para o tema da superveniência no
processo.
Segundo Guilherme Freire de Barros Teixeira, a locução “fato
superveniente” (ius superveniens) designa tanto os fatos supervenientes
propriamente ditos, quanto o direito superveniente, ou seja, as modificações
legislativas ocorridas após o ajuizamento da ação e que podem repercutir no
resultado final do processo. Acrescenta o referido autor que, na prática, não há
diferenciação entre as duas categorias, porque os efeitos sobre o processo são os
mesmos.161 Ainda segundo o mesmo autor, uma vez que a sentença deve refletir
o estado de fato no momento em que for proferida, tanto os fatos quanto as
alterações legislativas posteriores ao ajuizamento da ação, que tenham
repercussão sobre a relação jurídica discutida nos autos, não podem ser
ignorados pelo juiz.162
160 Objeto litigioso e direito superveniente no processo civil, p.106. 161 O princípio da eventualidade no processo civil, p. 249. 162 Nesse sentido, Guilherme Freire de Barros Teixeira oferece os seguintes exemplos: “suponha-
se que, sob a vigência da Lei 6.649/1979, tenha sido ajuizada uma ação revisional de aluguel, antes de completado o qüinqüênio, contado do acordo celebrado entre as partes. Neste caso, haveria carência da ação. Entretanto, se o processo estava em curso quando da edição da Lei 8.178/1991, que reduziu para três anos o prazo legal para a propositura da referida demanda, a carência da ação deve ser afastada, devido à superveniência de lei nova, que incide sobre
83
Quanto à incidência do direito superveniente, José Rogério Cruz e
Tucci faz importante ressalva no sentido de que a aplicação das novas regras
legais ao caso concreto não pode prejudicar o ato jurídico perfeito ou o direito
adquirido, ponderando, contudo, que essa seria uma “outra questão, que refoge
ao âmbito do direito processual”.163
Também a jurisprudência tem acolhido o entendimento segundo o
qual a regra do art. 462 do CPC incide sobre as alterações legislativas que devem
ser consideradas pelo juiz no momento de proferir a sentença.164
Nesse sentido, Ricardo de Barros Leonel conclui que os artigos 303,
I, 462 e 517 do CPC são relativos, todos eles, ao direito superveniente, “até
porque os ‘fatos’, o ‘direito’, e as ‘questões de fato’ neles tratados só terão
relevância na exata medida dos efeitos concretos (eficácia jurídica) que puderem
produzir”. 165
A partir desse entendimento, o referido autor define direito
superveniente como “a eficácia jurídica que se sobrepõe àquela deduzida
anteriormente, quando da propositura da demanda judicial”.166
os fatos constitutivos alegados pelo autor. As condições da ação devem estar presentes no momento em que for proferida a sentença, sendo de pouca ou nenhuma importância a sua ausência no momento da propositura da ação se, posteriormente, houver o implemento durante o curso do processo”. No mesmo sentido: “em uma ação de execução de dívida fiscal, a edição posterior de uma lei que anistia o débito não pode ser ignorada pelo julgador, que deve extinguir o processo. Neste caso, o ius superveniens age com causa extintiva do direito do autor da execução” (O princípio da eventualidade no processo civil, p. 251-252).
163 A causa petendi no processo civil, p. 176. 164 RT 661/137 e 713/156; RSTJ 12/290, 66/273 e 98/149.
Também nesse sentido, considerando como fato superveniente a edição de Medida Provisória, encontramos dois julgados: REsp 432561/RS, Superior Tribunal de Justiça, Primeira Turma, Rel. Min. José Delgado, j. 13/08/2002, d.j.u. 23/09/2002; REsp. 440094/RS, Superior Tribunal de Justiça, Primeira Turma, Rel. Ministro José Delgado, j. 27/08/2002, d.j.u. 04/11/2002.
165 Objeto litigioso e direito superveniente no processo civil, p. 116. 166 Objeto litigioso e direito superveniente no processo civil, p. 117.
84
Cabe observar, por fim, que o Superior Tribunal de Justiça já decidiu
que a mudança do posicionamento da jurisprudência da Turma Julgadora não
pode ser considerada um fato superveniente.167
167 EDcl no REsp 445.806/RS, Superior Tribunal de Justiça, 1ª turma, rel. Min. José Delgado, j.
26/11/2002, d.j.u. 16/12/2002. No mesmo sentido, EDcl no AgRg no AG 448895/PR, Superior Tribunal de Justiça, 1ª Turma,
rel. Min. José Delgado, j. 26/11/2002, d.j.u. 16/12/2002.
85
7. HARMONIZAÇÃO DOS ARTIGOS 264 E 462 DO CÓDIGO DE
PROCESSO CIVIL
7.1 Colocação do problema – 7.2 Verdade real e verdade formal – 7.3 A natureza instrumental do processo e a tensão entre os princípios dispositivo, da estabilização da demanda e da economia processual
7.1 Colocação do problema
Os artigos 264 e 462 do CPC, quando tomados em seu sentido
literal, sugerem uma contradição. Isso porque, se por um lado é vedado ao autor,
após o saneamento do processo, alterar a causa de pedir, o que abrange os fatos
constitutivos do direito alegado (causa de pedir remota), por outro, o juiz, no
momento de proferir a sentença, deve considerar certos fatos eventualmente
ocorridos após o saneamento.
Todavia, a interpretação literal, nessa hipótese, não se apresenta
como a mais adequada. O que se pretende ao longo deste trabalho, como já se
disse, é possibilitar uma visão sistemática dessas normas, em conjunto com
outras que se entrelaçam no que diz respeito à temática da estabilização da
demanda e do fato superveniente, para encontrar soluções que tornem tais
normas operáveis e eficazes.
86
7.2 Verdade real e verdade formal
Como já visto anteriormente, a vedação à mutatio libelli é típica do
processo civil, e no processo penal admite-se a inclusão de fatos novos, não
originalmente incluídos na denúncia.
Argumenta-se que tal diferença é devida ao fato de, no Processo
Penal, prestigiar-se a verdade real, ao passo que no Processo Civil, em razão do
princípio dispositivo e do rígido sistema de preclusões, predominaria a busca da
verdade formal.
Hoje, contudo, em decorrência, principalmente, da concepção
segundo a qual o processo civil é instrumento de realização do direito material,
esse predomínio da verdade formal sobre a verdade real tem sido bastante
questionado.
Conforme observa Guilherme Freire de Barros Teixeira, “não se
pode aceitar a afirmação de que a verdade material é típica do processo penal,
restando ao processo civil, especialmente nos casos envolvendo direitos
disponíveis, a apuração da verdade formal”. Arremata dizendo que “atualmente,
independentemente da natureza do processo, civil ou penal, deve-se buscar a
reconstituição dos fatos da maneira mais aproximada possível da realidade, isto é
da forma como eles aconteceram”.168
168 O princípio da eventualidade no processo civil, p. 32.
No mesmo sentido, Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart sustentam que “a distinção entre verdade formal e substancial perdeu seu brilho. A doutrina moderna de direito processual vem sistematicamente rechaçando esta diferenciação, corretamente considerando que os interesses objeto da relação jurídica processual penal não têm particularidade
87
7.3 A natureza instrumental do processo e a tensão entre os
princípios dispositivo, da estabilização da demanda e da
economia processual
De fato, na base do artigo 264 está o princípio dispositivo, segundo
o qual somente a parte tem possibilidade de provocar a jurisdição e
disponibilidade de fixar os limites daquilo que será discutido e pedido no
processo.
Como ensina Humberto Theodoro Júnior, a liberdade de pedir ou
não a tutela jurisdicional pertence às partes.169 Para José Frederico Marques, o
principal fundamento do princípio dispositivo diz respeito à imparcialidade do juiz,
pois evita-se que o magistrado se substitua às partes, mantendo-se eqüidistante
do conflito.170
Além do princípio dispositivo, Guilherme Freire de Barros Teixeira
vislumbra como fundamento da regra da estabilização da demanda o princípio da
lealdade processual e o interesse na boa administração da justiça. 171
nenhuma que autorize a interferência ou se deve aplicar a estes métodos de reconstrução dos fatos, diverso daquele adotado pelo Processo Civil. Realmente, se o processo penal lida com a liberdade do indivíduo, não se pode esquecer que o processo civil labora também com interesses fundamentais da pessoa humana – como a família e a própria capacidade jurídica do indivíduo e os direitos metaindividuais – pelo que totalmente despropositada a distinção da cognição entre as áreas” (Comentários ao Código de Processo Civil, v. 5, t. 1, p. 37). Também na mesma linha é o pensamento de Eduardo Cambi, para quem “a distinção entre verdade material e verdade formal não tem razão de ser, seja porque não se pode afirmar que a verdade do processo seja ontologicamente diversa da verdade histórica ou do mundo real, seja porque não se pode sustentar que a verdade material (ou pertencente ao mundo externo) está excluída do âmbito da fenomenologia processual” (Direito constitucional à prova no processo civil, p. 72-73).
169 Princípios informativos e a técnica de julgar no processo civil. Revista Forense 268, p. 104. 170 Instituições de direito processual civil, v. 2 , p.117. 171 Segundo o autor, “basicamente, há dois fundamentos para a regra da estabilização do
processo: de um lado, o princípio da lealdade processual, que não se restringe apenas ao
88
Por outro lado, o artigo 462 é manifestação clara da natureza
publicística do processo.
Com relação ao interesse público que as normas de direito
processual infundem na relação entre as partes litigantes, José Frederico
Marques observa que “é natural que a relação jurídico-privada sofra certo influxo
publicístico, e que também a atividade estatal se amolde, em dadas
circunstâncias, aos interesses particulares das partes em contenda. A natureza
instrumental do processo provoca essa recíproca influência de normas jurídico-
públicas sobre relações de direito privado, e de regras privatísticas sobre a
atividade estatal” 172.
José Roberto dos Santos Bedaque sustenta ser necessário o
abandono da posição de neutralidade e indiferença do processualista em relação
aos objetivos do processo.173
Inspirado nessas lições, Guilherme Freire de Barros Teixeira
observa que “o processo não é um instrumento formal de solução de conflitos,
nem um mero mecanismo colocado à disposição dos interessados para a solução
de seus conflitos de interesses. Para além da pura técnica, a ciência processual
tem um caráter ético, devendo a tutela jurisdicional ser adequada às
apego à verdade, abrangendo, também, a dedução clara e precisa dos fatos e fundamentos jurídicos por ambas as partes, de modo que cada uma delas conheça previamente os argumentos da outra e não seja surpreendida com a alegação de fatos novos ou provas imprevistas; de outro, a estabilização é interesse da própria administração da justiça, pois a possibilidade de livre alteração dos elementos da ação acarretaria instabilidade na prestação jurisdicional e nas relações jurídicas em geral” (O princípio da eventualidade no processo civil, p. 48).
172 Instituições de direito processual civil, v. 2 , p. 117. 173 Direito e processo. Influência do direito material sobre o processo, p. 18.
89
especificidades do direito material, de modo que o processualista moderno deve
estar comprometido com os resultados do processo”.174
Antonio Carlos de Araújo Cintra observa que o conhecimento dos
fatos supervenientes na sentença decorre do princípio da economia processual.175
No mesmo sentido é a lição de Arakén de Assis.176
Na doutrina italiana, Luigi Paolo Comoglio observa que a
possibilidade de acolher a alegação de fatos constitutivos, modificativos ou
extintivos que sobrevêm no curso da demanda é determinada pelo princípio da
economia processual.177
Em Portugal, Jorge Augusto Pais de Amaral, ao comentar o artigo
663º, 1, do Código de Processo Civil daquele país, afirma que esse dispositivo
privilegia a economia processual.178
Com efeito, não faria sentido extinguir determinada ação se outra
pudesse ser imediatamente proposta, com o mesmo pedido e a mesma
fundamentação.179
Ainda no que diz respeito à economia processual, é interessante
observar que tanto a estabilização da demanda (art. 264 do CPC), quanto a
174 O princípio da eventualidade no processo civil, p. 61. 175 Comentários ao Código de Processo Civil, vol. IV, p. 286-287. 176 Extinção do processo por superveniência do dano irreparável. In Doutrina e prática do
processo civil contemporâneo, p. 196. 177 Il princípio di economia processuale, t. 1, p. 238. 178 Direito processual civil, p. 176. 179 Nesse sentido, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça: “Locação – Ação revisional de aluguel
– Propositura antes de completado o qüinqüênio a contar de acordo celebrado entre as partes. Possibilidade se, por ocasião da sentença, estava em vigor a Lei 8.178/91 que reduzira o prazo de carência para três anos. Aplicação à espécie da norma do artigo 462 do Código de Processo Civil. Não faria sentido julgar-se o autor carecedor da ação se, em seguida, poderia ajuizar outra com pedido idêntico e com idêntica fundamentação”. (REsp. 31.595-9-MG - STJ – 5ª Turma – rel. Min. Assis Toledo – j. 05/05/1993).
90
possibilidade de conhecimento dos fatos supervenientes (art. 462 do CPC)
referem-se ao princípio da economia processual, só que em sentidos diversos.
O artigo 264, ao refletir a adoção de um sistema positivo (e de
posicionamento hermenêutico), favorece a economia “interna” na medida em que
se volta para a rápida solução do feito.
Já o artigo 462 volta-se para a economia “externa”, que visa a
solucionar definitivamente o conflito e a restringir a possibilidade de nova
demanda com fundamento na mesma crise de direito material em relação a
determinado processo.180
Posto isso, a preocupação central deste trabalho é com a busca de
uma solução de compromisso que permita a superação da tensão existente entre
os princípios dispositivo, da estabilização da demanda e da economia processual,
envolvidos na confrontação entre os artigos 264 e 462 do Código de Processo
Civil.
Note-se que não se vislumbra aqui uma colisão de princípios
propriamente dita, mas sim uma aparente contradição entre os artigos 462 e 264
do Código de Processo Civil, que pode ser solucionada por intermédio da
hermenêutica, não sendo necessário, pelo menos em princípio, socorrer-se do
princípio da proporcionalidade. 181
180 Ver a respeito, sobre as diversas perspectivas do problema, Luigi Paolo Comoglio, Il principio
di economia processuale, vol. I, p. 238-243, e ainda, do mesmo autor, Il princípio di economia processuale, vol. II, p. 18-36.
181 Nelson Nery Júnior (Princípios do Processo Civil na Constituição Federal, p. 161) observa que segundo o princípio da proporcionalidade, também denominado de “lei da ponderação”, na interpretação de determinada norma jurídica, constitucional ou infraconstitucional, devem ser sopesados os interesses e direitos em jogo, de modo a dar-se a solução concreta mais justa. A doutrina e a jurisprudência alemãs têm fornecido o principal referencial para os países da civil law, no tocante ao princípio da proporcionalidade. O princípio da proporcionalidade no direito alemão abrange três princípios parciais. O primeiro é o princípio da idoneidade do meio
91
Em primeiro lugar, parece-nos conveniente analisar os casos nos
quais a alteração da demanda é apenas aparente, como ocorre na mudança do
fundamento jurídico do pedido ou na alegação de fatos meramente secundários.
Feito isso, poderemos passar ao estudo do fato superveniente
propriamente dito, quando estabeleceremos a distinção entre fato novo e fato
superveniente e o critério segundo o qual se poderá admitir o conhecimento de
fatos ocorridos após a estabilização da demanda.
empregado para o alcance do resultado com ele pretendido; o segundo, o da necessidade desse meio; e o terceiro princípio parcial corresponde ao mandamento da ponderação. Esses três princípios parciais do princípio da proporcionalidade resultam, logicamente, da estrutura das normas dos direitos fundamentais e essas, novamente, pressupõem o princípio da proporcionalidade (Robert Alexy, Colisão de Direitos Fundamentais e Realização de Direitos Fundamentais no Estado de Direito Democrático. In Revista de Direito Administrativo n.º 217, jul./set.-1999 p. 77). A origem do princípio da proporcionalidade e o campo onde é mais evidente a sua incidência é o direito administrativo. Apesar de o BverfGR ter-se mostrado coerente com a extensão do princípio a outros ramos do direito, tem havido muita relutância por parte da doutrina, em se tratando de empregá-lo fora do seu campo tradicional de atuação, o direito administrativo e constitucional (Luis Francisco Torquato Avólio, Provas Ilícitas, Interceptações telefônicas e gravações clandestinas, p. 63). Mas, segundo Guerra Filho, a proporcionalidade pode ser considerada como constitutiva e, logo, imanente, em relação a setores inteiros do direito. Exemplo típico seria o fornecido pelo Direito Penal, ao se considerar que toda pena fere direitos individuais e só se justifica sua previsão para atender reclamos de bem-estar da comunidade. Neste trabalho, adotamos a premissa de que o confronto entre os artigos 264 e 462 do Código de Processo Civil não levam a uma colisão de princípios propriamente, mas que se trata, na realidade, de uma aparente contradição, passível de ser superada por meio da hermenêutica.
92
8. ALTERAÇÃO DO FUNDAMENTO JURÍDICO DA DEMANDA
8.1 Causa de pedir próxima e causa de pedir remota – 8.2 Definição de fundamento jurídico do pedido – 8.3 O fundamento legal da demanda – 8.4 A mutabilidade do fundamento jurídico da demanda – iura novit curia e naha mihi factum dabo tibi ius – 8.5 A máxima iura novit curia e o princípio do contraditório – 8.6 A apreciação de fundamento jurídico novo e o princípio da demanda
8.1 Causa de pedir próxima e causa de pedir remota
No Brasil, a doutrina majoritária classifica como causa de pedir
remota os fatos e como causa de pedir próxima os fundamentos jurídicos do
pedido.182
182 Cabe assinalar, contudo, que há divergência no tocante a essa nomenclatura. Araken de Assis
(Cumulação de ações, p. 135), Ernane Fidélis dos Santos (Manual de direito processual civil, v.1, p. 306), Humberto Theodoro Júnior (Curso de direito processual civil, p. 64), José Frederico Marques (Manual de direito processual civil, p.159), José Rogério Cruz e Tucci (A causa petendi no processo civil, p. 154), Milton Paulo de Carvalho (Do pedido no processo civil, p.81), Moacyr Amaral Santos (Manual de direito processual civil, v.1, p. 164) Vicente Grecco Filho (Direito processual civil brasileiro, v.1, p. 91), integram a corrente majoritária. Em sentido divergente, Nelson Nery Júnior inverte a classificação, entendendo que a causa de pedir remota seria o fundamento jurídico, ao passo que a causa de pedir próxima seria o fundamento de fato (Código de Processo Civil e legislação processual civil extravagante, notas 1, 3 e r no art. 282, III, do CPC; notas 3 e 4 do art. 103 do CPC). No mesmo sentido é o entendimento de Clito Fornaciari Júnior (Da reconvenção no direito processual brasileiro, p. 118).
93
Segundo José Rogério Cruz e Tucci, “a causa petendi remota (ou
particular) engloba, normalmente, o fato constitutivo do direito do autor associado
ao fato violador desse direito, do qual se origina o interesse processual para o
demandante”, ao passo que a causa de pedir próxima “se consubstancia, por sua
vez, no enquadramento da situação concreta narrada in status assertionis, à
previsão abstrata, contida no ordenamento de direito positivo, e do qual decorre a
juridicidade daquela, e, em imediata seqüência, a materialização, no pedido, da
conseqüência jurídica alvitrada pelo autor”. 183
Alexandre Alves Lazzarini, ao estudar a causa petendi nas ações de
separação judicial, adota uma interessante classificação da causa de pedir,
indicando qual seria, nessas ações, a causa de pedir próxima e subdividindo a
causa de pedir remota, quando se trata de conceito vago, o que é comum em
direito de família. Para o mencionado autor, a causa de pedir próxima, nas ações
de separação judicial, seria a existência do casamento, ao passo que a causa de
pedir remota seria subdividida em causas legais de separação, assim entendidos
os fatos abstratamente previsto em lei, bem como as causas jurídicas, quais
sejam, os fatos constitutivos mesmo. 184
183 A causa petendi no direito processual civil brasileiro, p. 154-155. 184 Segundo o referido autor: “(...)as causas jurídicas e as causas legais correspondem à causa
de pedir remota, sob a ótica do direito processual civil, eis que são os fatos constitutivos que possibilitam o exercício do direito de pleitear a dissolução da sociedade conjugal. Dessa afirmação, tira-se que a causa de pedir próxima será o casamento, ou seja, o fundamento jurídico é a existência do casamento cuja dissolução se pretende em razão dos fatos representados pelas causas jurídicas e legais referidas. Com a inclusão das causas jurídicas e legais (direito material) na causa de pedir remota (direito processual) e do casamento como causa de pedir próxima, ocorrem importantes conseqüências na questão da identificação da ação, em sua parte objetiva, com reflexos nos limites da coisa julgada e na litispendência. Sendo as causas legais conceitos indeterminados, estes são preenchidos, ou especificados, com as causas jurídicas. Isto implica dizer que, verificada a grave violação dos deveres do casamento (causa legal), será necessário que se diga qual o fato que constitui essa grave violação, que poderá ser o adultério (nome jurídico de uma forma de violação do dever de fidelidade) ou o abandono material (nome jurídico de uma forma de violação do dever de mútua assistência ou de sustento dos filhos), que são as causas jurídicas, por exemplo.
94
O referido autor observa ainda que essa interessante classificação
“pode ser utilizada sempre que se estiver em face de um conceito vago, pois
haverá uma tipificação legal, vaga, que é a causa legal, e o fato jurídico que a
preencherá, que é a causa jurídica”.185 E conclui que, “uma vez indicada a causa
jurídica, fixa-se a causa legal, e por conseqüência a causa de pedir remota,
impossibilitando a sua modificação, embora a causa legal seja genérica”. 186
8.2 Definição de fundamento jurídico do pedido
José Roberto dos Santos Bedaque observa, com precisão, que não
é tão clara a distinção entre fato, fundamento jurídico e fundamento legal da
demanda. Esclarece que “fundamento jurídico seria, portanto, a atribuição aos
fatos da vida de determinada conseqüência estabelecida no ordenamento. Ao
descrever o fato e pleitear o efeito jurídico a ele inerente, já estaria o autor
deduzindo o fundamento jurídico”.187
Assim, embora as causas legais acolham um espectro amplo de possibilidades, o fato constitutivo será limitado pela causa jurídica que servirá como fato identificador da causa de pedir remota. E melhor opção o legislador com certeza não teria, que não fosse a fixação da causa legal de forma indeterminada, pendente de sua limitação pela causa jurídica, tendo em vista que, diante da velocidade com que os costumes e valores estão se alterando, uma conduta que se qualificaria como desonrosa do cônjuge no futuro, poderá não sê-lo mais. Apesar disso, mantém-se a estabilidade da legislação” (A causa petendi nas ações de separação judicial, p. 63-64).
185 A causa petendi nas ações de separação judicial, p. 69 (nota 21). 186 Idib., p. 99. 187 Os elementos objetivos da demanda à luz do contraditório. Causa de pedir e pedido no
processo civil, p.33.
95
José Ignácio Botelho de Mesquita define “‘fundamentos jurídicos do
pedido’ como sendo a relação jurídica controvertida e o direito particular dela
decorrente”. 188
Conforme observa Moacyr Amaral Santos, “por fundamento jurídico
do pedido se entende a declaração da natureza do direito pleiteado”. Assim, se o
pedido é de pagamento de dívida (direito obrigacional), dir-se-á: “que sendo
credor (...)”; ou, nas ações em que o pedido se funda em direito real: “que sendo
senhor (...)”.189
Arruda Alvim ensina que o fundamento jurídico consiste na
demonstração de que os fatos jurídicos “levam necessariamente à conclusão ou
conclusões pedidas, isto é, à relação de causa e efeito (no plano lógico e volitivo
do autor) entre os fatos e o pedido”.190
A denominada causa de pedir próxima, que compreende os
fundamentos jurídicos do pedido, ou, mais precisamente, a relação jurídica da
qual decorre o direito afirmado pelo demandante, nada tem a ver com o
fundamento legal eventualmente atribuído pelo autor, como será observado a
seguir.
8.3 O fundamento legal da demanda
Segundo José Carlos Barbosa Moreira, também não há alteração da
causa petendi, quando o autor, sem modificar o fato ou o conjunto de fatos
188 Como visto anteriormente, a exigência do legislador brasileiro de especificação na inicial, não
só dos fatos, mas também os fundamentos jurídicos do pedido, levou José Ignácio Botelho de Mesquita a sustentar que no Brasil não haveria filiação à teoria da substanciação, mas sim, que ter-se-ia adotado uma posição de grande equilíbrio entre ambas as correntes (A “causa petendi” nas ações reivindicatórias, Revista de Direito Processual 6/197).
189 Primeiras linhas de direito processual civil, 2º vol. p. 140. 190 Manual de direito processual civil, p. 489.
96
narrados, naquilo que bastaria para produzir o efeito jurídico pretendido “(...)
invoca em seu favor norma jurídica diversa da primitivamente invocada, desde
que o efeito jurídico atribuído à incidência de nova norma sobre o fato ou o
conjunto de fatos seja idêntico ao efeito jurídico atribuído na inicial à incidência da
norma primitivamente invocada – v. g. a substituição da referência a um pela
referência a outro dentre os dispositivos legais que autorizam a declaração de
despejo”.191
No mesmo sentido é a lição de Arruda Alvim, ao observar que “a
fundamentação legal, isto é, a indicação do artigo de lei aplicável – segundo
entendimento do autor – à hipótese fático-jurídica deduzida é extrínseca à
identificação de ações. Nada tem a ver com ela”. E, a partir de tal raciocínio,
conclui que “há liberdade para o autor, sem alterar a estrutura da demanda, de
mudar a fundamentação legal (artigo de lei), a qual, rigorosamente, nem sequer
precisaria constar do petitório inicial; pela mesma razão, o juiz pode acolher a
demanda, fundando-se em lei diversa”.192 - 193
O mesmo autor ressalta, ainda, que “a invocação de outra norma
legal superveniente à petição inicial é irrelevante, para pretender-se pudesse
haver modificação do libelo, porque o juiz, em face do princípio iura novit cúria,
não está adstrito às indicações de normas legais feitas pelas partes”.194
Segundo Araken de Assis, a fundamentação legal ou o nomem iuris,
fornecidos pelo autor, “se ostentam inteiramente irrelevantes na caracterização da
causa petendi”.195
191 O novo processo civil brasileiro, p. 21. 192 Manual de direito processual civil, v. 1, p. 489. 193 No mesmo sentido, v. Arakén de Assis, Cumulação de ações, p. 119-120. 194 Ibidi, v. 2, p. 363. 195 Cumulação de ações, p. 51.
97
Também Dinamarco observa que “o fundamento legal – mera
indicação dos dispositivos da lei, seus artigos etc. – não integra a causa de pedir
e não concorre para individualizar a demanda. Não o exige o inc. III do art. 282 do
Código de Processo Civil nem seria razoável que o fizesse”. 196
José Rogério Cruz e Tucci lembra, ainda, que o juiz pode
fundamentar-se em normas jurídicas sequer cogitadas pelas partes, sem que o
julgamento seja considerado extra ou ultra petita.197
Portanto, embora o nomem iurus ou o fundamento legal possam
influenciar o raciocínio do julgador, sua declinação não é necessária e, do ponto
de vista da ciência processual, é até irrelevante, uma vez que não gera vinculação
alguma, de nenhum dos participantes do processo.
8.4 A mutabilidade do fundamento jurídico da demanda – iura novit
cúria – naha mihi factum dabo tibi ius
Em nosso Código de Processo Civil não há dispositivo legal que
trate expressamente das regras consubstanciadas nos aforismos iura novit cúria e
narra mihi factum dabo tibi jus. Contudo, a vigência de tais máximas é
reconhecida tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência.198
Sérgio Seiji Shimura observa que, “no direito pátrio, nas instâncias
ordinárias, vige o princípio do jura novit cúria, pelo qual presume-se que o juiz
196 Instituições de direito processual civil, v. 2 , p. 128. 197 A motivação da sentença no processo civil, p.105.
98
conhece o direito, isto é, tem incidência o brocardo narra mihi factum dabo tibi jus
(narra-me o fato e te darei o direito). O nomem juris que se dê a uma categoria
jurídica ou o dispositivo de lei que se invoque para caracterizá-la são irrelevantes
se acaso equivocadamente indicados. O que o juiz necessita são os fatos, pois o
direito ele conhece. A subsunção do fato à norma é dever do juiz; a categorização
jurídica do fato é tarefa do julgador”. 199
Resta claro, portanto, que o juiz não se vincula à qualificação
jurídica atribuída aos fatos pelas partes. 200 Com efeito, conforme observa José
Rogério Cruz e Tucci, “o juiz não só pode como deve, sem alterar os fatos
expostos, imprimir o enquadramento jurídico que o fato essencial mereça”.201
Tal circunstância decorre da adoção, pelo nosso sistema
processual, dos aforismos “iura novit curia” e “naha mihi factum dabo tibi ius”.
Assim, embora os fundamentos jurídicos integrem a causa de pedir, não são
delimitadores da decisão a ser proferida pelo magistrado e, portanto, não se
tornam imutáveis.202
198 Nesse sentido, afirmando que “cabe ao juiz dizer o direito que incidiu, ainda que diverso do
título jurídico da pretensão da parte que não vincula o julgador, v. REsp. 577.014/CE, Superior Tribunal de Justiça, 6ª turma, rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 21/09/2204, d.j.u. 13/12/2004.
199 Breves considerações sobre a emendatio libelli e a mutatio libelli. Revista de Processo 59/237. 200 A esse respeito, reconhecendo a possibilidade de “nova leitura da moldura fática”, já decidiu o
Superior Tribunal de Justiça, em acórdão cuja ementa a seguir reproduzimos: “Processo Civil. Proteção – Possessória. Causa petendi. Inocorrência de alteração, servidão de trânsito por destinatário Patris Famílias – Segundo esmerada Doutrina, causa petendi é o fato ou conjunto de fatos suscetível de produzir, por si, o efeito jurídico pretendido pelo autor.- Não se verifica alteração da causa de pedir quando se atribui ao fato ou ao conjunto de fatos qualificação jurídica diversa da originariamente atribuída. – Incumbindo ao Juiz a subsunção do fato à norma, ou seja a categorização jurídica do fato inocorre modificação da causa petendi se há compatibilidade do fato descrito com a nova qualificação jurídica ou com o novo enunciado legal. – Mostra-se sem vício a decisão que, após nova leitura da moldura fática, defere proteção possessória não sob o prisma da passagem de prédio encravado, mas sob o enfoque da servidão de trânsito por destinação do proprietário.” (REsp 2403-RS, STJ, Quarta Turma, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j.28/08/1990, d.j.u. 24/09/1990).
201 A causa petendi no processo civil, p. 171. 202 Conforme ensina Cândido Rangel Dinamarco: “No tocante à causa petendi, o art. 264 impede
que o autor imponha ao réu qualquer alteração dos fatos descritos na petição inicial à guisa de fundamento do pedido. Embora também os fundamentos jurídicos se reputem incluídos na
99
Conforme pondera José Carlos Barbosa Moreira, não há alteração
da causa petendi, quando o autor, sem modificar o fato ou o conjunto de fatos
narrados, naquilo que bastaria para produzir o efeito jurídico pretendido, “(...)
passa a atribuir ao fato, ou ao conjunto de fatos, qualificação jurídica diferente da
originalmente atribuída – v.g. chamando ‘dolo’ ao que antes denominara ‘erro’
(haveria, ao contrário, alteração da causa petendi se o autor passasse a narrar
outro fato, quer continuasse, quer não, a atribuir-lhe a mesma qualificação
jurídica)”. 203
É interessante mencionar, inclusive, que o Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo, nesse mesma linha, considera possível a alteração da
qualificação jurídica dada pela parte a determinado documento constante dos
autos, sem que isso implique em alteração da causa de pedir.204
causa de pedir e os exija a lei como requisito da petição inicial (art. 282, inc. III), eles não concorrem para a determinação dos limites do julgamento de mérito a ser feito afinal. O que deve permanecer integro é a narrativa de fatos, porque fora destes o juiz jamais poderá julgar (art. 128) e é dos fatos narrados que o réu se defenderá (regime da substanciação). Da causa de pedir, somente a narrativa de fatos se estabiliza, até porque, quanto aos fundamentos jurídicos, o próprio juiz pode trazer outros diferentes dos que o autor haja alegado (narra mihi factum dabo tibi jus). A proibição contida no art. 264 do Código de Processo Civil compreende exclusivamente os fatos constitutivos do direito alegado na petição inicial, ficando fora dela meras circunstâncias, ainda que de fato acrescentadas pelo autor como argumentação, reforço de argumentação ou ainda, como fonte indiciária de convencimento. Quanto a esses novos fatos o autor é livre para aduzi-los depois da citação e o juiz, para levá-los em conta mesmo contra a expressa oposição do réu. Exemplos: a) numa ação de separação judicial a autora traz como fundamento o abandono do lar conjugal pelo marido e, depois da citação, vem com a alegação de que ele passou a viver com outra mulher; b) no curso de um processo com pedido de anulação de contrato por erro, o autor acrescenta que fora induzido em erro pelo réu; c) numa ação civil pública por danos ambientais, o Ministério Público acrescenta que algumas ou muitas pessoas vêm contraindo moléstias em virtude da poluição causada pela ré, etc. Cada um desses fatos novos pode influir no convencimento do juiz, destinado ao julgamento do mérito da causa, mas nenhum deles é essencial para que esse julgamento seja proferido nos limites postos pelo autor ao demandar.” (g.n.) (Instituições de direito processual civil, v. 2, p. 71).
203 O novo processo civil brasileiro, p. 21. 204 A esse respeito, vide julgado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, cuja ementa
abaixo reproduzimos: Processo - Alegada alteração da causa de pedir pela inclusão de fato novo nas razões recursais - Inocorrência - Significado atribuído a determinado documento, por parte do sindicato apelante, que não implica em trazer dado novo, mas apenas na valoração específica sob sua ótica - Estabilidade do processo não atingida - Preliminar repelida - Conhecimento.
100
Cândido Rangel Dinamarco observa que, no sistema processual
brasileiro, em decorrência da adoção do sistema da substanciação, somente os
fatos narrados influem na delimitação objetiva da demanda e conseqüentemente
da sentença, mas os fundamentos jurídicos não. Segundo o mencionado autor, a
invocação dos fundamentos jurídicos não passa de mera proposta ou sugestão
endereçada ao juiz, que é livre, no entanto, para dar aos fatos o enquadramento
que julgar mais adequado.205
Nessa classificação, apenas a causa de pedir remota, ou seja, os
fatos, é que tornam-se imutáveis, uma vez que, em virtude do aforismo iura novit
cúria, o juiz não está vinculado à causa de pedir próxima, quais sejam, os
fundamentos jurídicos da demanda.206
Assim, o juiz pode rejeitar os fundamentos jurídicos apresentados
pelas partes e fundamentar-se em normas jurídicas sequer cogitadas nos autos,
(Apelação Cível n. 49.749-4 - São José dos Campos – TJSP - 5ª Câmara de Direito Privado - Relator: Marcus Andrade – j. 17.12.98 - v.u.).
205 “Vige no sistema processual brasileiro o sistema da substanciação, pelo qual os fatos narrados influem na delimitação objetiva da demanda e conseqüentemente da sentença (art. 128), mas os fundamentos jurídicos não. Tratando-se de elementos puramente jurídicos e nada tendo de concreto relativamente ao conflito e à demanda, a invocação dos fundamentos jurídicos na petição inicial não passa de mera proposta ou sugestão endereçada ao juiz, ao qual compete fazer depois os enquadramentos adequados - para o que levará em conta a narrativa de fatos contida na petição inicial, a prova realizada e sua própria cultura jurídica, podendo inclusive dar aos fatos narrados e provados uma qualificação jurídica diferente daquele que o demandante sustentara (narra mihi factum dabo tibi jus). Se o autor narra determinados fatos na petição inicial e com fundamento neles pede a anulação do contrato por erro, nada o impede – e nada impede o juiz também – de alterar essa capitulação e considerar que os fatos narrados integram a figura da coação e não do erro. O resultado prático será o mesmo, porque qualquer um desses vícios do consentimento conduz à anulabilidade do negócio jurídico e, portanto, autoriza a sua anulação (CC art. 171, inc. II). Mas os fatos o autor não pode alterar, nem pode o juiz apoiar-se em outros para fazer o seu julgamento. É claro que, se a nova capitulação jurídica atribuída aos fatos narrados não conduz ao resultado postulado, a pretensão do autor não poderá obter sucesso” (Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, vol. II, p. 128).
206 Nesse sentido, Calmon de Passos diz que “o juiz necessita do fato, pois o direito ele é que o sabe” (Comentários ao Código de Processo Civil, p. 190). Nesse mesmo sentido, v. REsp. 441.201/PR, Superior Tribunal de Justiça, 4ª Turma, rel. Min. Jorge Scartezzini, j. 16/12/2004, d.j.u. 28/02/2205, o qual afirma, em sua ementa que “O Tribunal a quo, ao dar parcial provimento, aos embargos infringentes, ensejando a prevalência do voto minoritário, tão-somente deu aos fatos narrados pelo autor, consoante as provas
101
sem que isso caracterize julgamento extra ou ultra petita. 207 A decisão judicial
encontra seus limites nos fatos narrados pelas partes – naha mihi factum, dabo
tibi ius).208
Todavia, como adverte Dinamarco, embora os fundamentos
jurídicos não vinculem o juiz, isso não significa que eles deixem de integrar a
causa petendi: “exige-os a lei expressa (art. 282, inc. III) e eles têm algumas das
utilidades que a lei associa à individualização das demandas – ao menos no
tocante à competência (p. ex., causas fundadas em direito pessoal ou real: arts.
94-95).”209
Nesse ponto, convém mencionar a preocupação que parte da
doutrina revela quanto ao risco de excessos na aplicação dos aforismos iura novit
cúria e da mihi factum, dabo tibi ius, especialmente no que diz respeito aos
princípios do contraditório e da demanda.
8.5 A máxima iura novit cúria e o princípio do contraditório
Carlos Alberto Álvaro de Oliveira ressalta que “a liberdade
concedida ao julgador na eleição da norma a aplicar, independentemente de sua
invocação pela parte interessada, consubstanciada no brocardo iura novit cúria,
constantes nos autos, o correto enquadramento legal, seguindo a máxima narra mihi factum, dabo tibi ius”.
207 José Rogério Cruz e Tucci, A motivação da sentença no processo civil, p. 105. 208 José Rogério Cruz e Tucci observa que “é portanto forçoso reconhecer que toda essa
concepção sintetizada pelo velho aforismo da mihi factum dabo tibi ius, está a revelar que, no drama do processo, a delimitação do factum e a individualização do ius correspondem, em princípio, a atividades subordinadas à iniciativa de diferentes protagonistas” (A causa petendi no processo civil, p. 162). A respeito da aplicação do aforismo da mihi factum dabo tibi ius ver ainda, o REsp n.o. 440.901-RJ, STJ, Sexta Turma, rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 20.04.2004, d.j.u. 21/06/2004.
102
não dispensa a prévia oitiva das partes sobre os novos rumos a serem imprimidos
ao litígio, em homenagem ao princípio do contraditório”. E conclui que “o diálogo
judicial torna-se, no fundo, dentro dessa perspectiva, autêntica garantia de
democratização do processo, a impedir que o órgão do poder judicial e a
aplicação da regra iura novit cúria redundem em instrumento de opressão e
autoritarismo, servindo às vezes a um mal explicado tecnicismo, com obstrução à
efetiva e correta aplicação do direito e à justiça do caso”.210
José Roberto dos Santos Bedaque sustenta que o brocardo iura
novit cúria deve ser interpretado considerando-se a supremacia do princípio do
contraditório, de modo que, se o juiz entender aplicável uma norma jurídica
diferente daquela aventada pela parte, deve possibilitar a prévia manifestação dos
litigantes a respeito, inclusive porque o novo enquadramento jurídico vislumbrado
pelo juiz pode ter conseqüências nunca imaginadas pelas partes.211
Marcelo Abelha Rodrigues afirma que o magistrado pode julgar com
base em fundamento jurídico diverso do apontado e desenvolvido pelo
demandante, desde que permita o exercício do contraditório ao demandado, para
evitar surpresa processual. Para sustentar tal argumento, apresenta elucidativo
exemplo: “o autor veicula pedido de rescisão da sentença de mérito transitada em
julgado com base em determinado fundamento do art. 485, e, o réu, exerce o
contraditório afastando a tese do autor, e, na hora de proferir a sentença, o
magistrado acolhe o pedido com base em fundamento diverso, que não foi objeto
de discussão no processo, apenas porque identificou na demanda que o fato
narrado e discutido referia-se a outro dispositivo do mesmo artigo. Há de se
209 Instituições de direito processual civil, vol II, p. 128. 210 Garantia do contraditório. Garantias constitucionais, p. 143. 211 Os elementos objetivos da demanda à luz do contraditório, p. 38-42.
103
lembrar que não se discutem no processo apenas questões de fato, mas também
questões de direito, motivo pelo qual não se poderia usurpar do demandado o
direito de participar e assim contraditar o outro fundamento que acabou sendo
acolhido pelo juiz”.212
Carlos Alberto Álvaro de Oliveira sustenta a necessidade de
modificar-se, à luz da dialeticidade do processo, o entendimento que vem sendo
dado ao brocardo da mihi factum, dabo tibi ius. 213
Nessa mesma linha, Ricardo de Barros Leonel conclui que, “embora
seja válida a acepção de que os fatos dependem das partes, e o ‘direito é
apanágio do juiz’, isso não pode ser visto de forma absoluta. O magistrado não é
absolutamente isento de poderes com relação aos fatos, e não possui ‘monopólio’
absoluto quanto ao direito. Tendo como pano de fundo a prática adequada do
contraditório, torna-se mais fácil fugir da ‘aritmética’ separação entre ‘fato’ e
‘direito’.214
8.6 A apreciação de fundamento jurídico novo e o princípio da
demanda
É preciso considerar que a apreciação de fundamentos novos
decorrentes de fatos não ventilados pelo autor conflita, evidentemente, com o
princípio da demanda.
212 Elementos de direito processual civil, v. 2, p. 164. 213 O juiz e o princípio do contraditório, p. 177. 214 Objeto litigioso e direito superveniente no processo civil, p. 253.
104
Contudo, embora o juiz não esteja vinculado aos fundamentos
jurídicos apresentados pelas partes, também haverá violação ao princípio da
demanda se o juiz, ainda que considerando os mesmos fatos, desprezar as
normas jurídicas invocadas pelos litigantes e levar em consideração outras
normas que produzam conseqüências diferentes das que decorreriam das normas
originariamente alegadas.
Nesse sentido, Milton Paulo de Carvalho chama a atenção para o
problema que denomina de “autonomização do objeto litigioso em relação ao
direito material”, advertindo para o risco de que, “sob o pretexto de que o tribunal
conhece o direito, pode chegar-se a invadir os limites do objeto litigioso fixados
soberanamente pelas partes a partir do pedido do autor”.215
Com referência a essa preocupação, Fritz Baur sustenta que: “A
dicção iura novit cúria não significa que o tribunal disponha do monopólio da
aplicação do direito, desconhecendo ou desprezando as conclusões das partes
tendo em vista as normas jurídicas invocadas pelos litigantes”. 216
O mencionado autor lembra que o aforismo, em sua origem,
“entendia-se, provavelmente no sentido de que as normas jurídicas não precisam
de prova, dado que o juiz deve conhecê-las”217 e adverte para o fato de que, se
inexiste a obrigação formal de indicar a norma legal que a parte pretende ver
aplicada, existe a obrigação material de se fornecerem ao juiz todos os elementos
de convencimento do direito pleiteado, sob pena de suportar as “conseqüências
215 Do pedido no processo civil, p. 83. 216 Da importância da dicção iuria novit cúria, p. 177. 217 Ibid., p. 169.
105
origináveis da circunstância de o juiz não ‘descobrir’ essa norma, ou, então, se ele
a descobre mas não interpreta corretamente”. 218
Na verdade, é preciso que a nova qualificação jurídica decorra do
fato essencial descrito pelo autor e leve aos efeitos jurídicos por ele pretendidos e
que consubstanciam o pedido. 219
Admite-se assim, por exemplo, com base nos mesmos fatos
narrados e tendo em vista o mesmo efeito pretendido, passar-se de erro para dolo
ou coação.
Contudo, não se admite a introdução de novo fato essencial, ainda
que se busque manter a qualificação jurídica original. Nesse sentido é elucidativo
o exemplo apresentado por Guilherme Freire de Barros Teixeira: “Se (...) o autor
descreveu os fatos envolvendo um acidente de trânsito e utiliza como fundamento
jurídico de seu pedido de indenização a responsabilidade subjetiva do réu,
baseada em ato culposo, não pode, posteriormente, alterar a qualificação jurídica
dos fatos, pretendendo a indenização com base na responsabilidade objetiva.
Neste caso, diversamente da variação de erro para dolo ou coação, haverá
modificação na substância do conjunto de fatos narrados, incidindo as regras
referentes à estabilização da demanda. Porém, se, a despeito de o autor fazer
expressa menção à responsabilidade subjetiva, narrar os fatos sob a ótica da
responsabilidade objetiva, permitindo que o réu defenda-se dos fatos, à luz da
218 Ibid, p. 171. 219 Nesse sentido, ver o acórdão do STJ cuja ementa abaixo se reproduz:
“Sentença – adequação a causa de pedir. Inexiste dissenso entre o julgado e o libelo quando considerados exatamente os fatos descritos na inicial, não importando que lhes tenha sido emprestada qualificação jurídica não mencionada expressamente na inicial. Provas – Lícito ao juiz determinar de ofício sua produção sem que, com isso, haja ofensa ao artigo 330,I do Código de Processo Civil.” (REsp 1844-SP, STJ, Terceira Turma, rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 10/04/1990, d.j.u. 07/05/1990)
106
qualificação jurídica correta, nada impede que o juiz acolha o fundamento jurídico
diverso do constante da petição inicial”.220
No mesmo sentido, José Roberto dos Santos Bedaque observa que,
“ao formular o pedido de tutela jurisdicional, o autor atribui aos fatos por ele
narrados a aptidão para produzir determinada conseqüência jurídica. Desde que
se atenha a esses limites objetivos, ou seja, os fatos e os efeitos jurídicos
pretendidos, o juiz pode aplicar regra diversa da invocada”.221
220 O princípio da eventualidade no processo civil, p. 177-178. 221 Os elementos objetivos da demanda examinados à luz do contraditório, p. 33.
107
9 . ALEGAÇÃO DE FATOS SECUNDÁRIOS
9.1 Distinção entre fatos principais e fatos secundários – 9.2 Os fatos principais e a imutabilidade da causa petendi – 9.3 Os fatos secundários e o problema do conteúdo da causa de pedir – 9.4 Os fatos secundários e os poderes instrutórios do juiz
9.1 Distinção entre fatos principais e fatos secundários
Outra possibilidade de alegação de fato que não altera a causa
petendi é a que diz respeito a fato secundário ou simples.
A doutrina costuma distinguir os fatos jurídicos, também chamados
de principais, dos fatos simples, também denominados secundários. 222
Fatos jurídicos são aqueles dos quais decorre a relação jurídica que
fundamenta a ação, ou, para utilizar as palavras de Milton Paulo de Carvalho, são
os que se apresentam “como causa eficiente de uma pretensão processual”.223
222 É interessante observar que, em Portugal, Miguel Teixeira de Sousa, ao comentar o art 264º
do Código de Processo Civil português, classifica os fatos em três categorias: a) fatos essenciais ou principais são os que integram a causa de pedir e a exceção e cuja falta inviabiliza a ação ou a defesa; b) fatos instrumentais, probatórios ou acessórios são os que indicam os fatos essenciais e podem ser utilizados como prova indiciária destes últimos; e c) fatos complementares ou concretizadores, que são aqueles cuja falta não implica a inviabilidade da ação ou da defesa, mas participam da causa de pedir ou da exceção, tornando-as complexas; são indispensáveis à procedência da ação ou da exceção (Aspectos do novo processo civil português, Revista de Processo 86, p. 174-184).
223 Do pedido no processo civil, p. 126.
108
Chiovenda ressalta que “a vontade da lei, conforme se viu, torna-se
concreta, vale dizer, dá lugar a relações jurídicas, em virtude de fatos que se
verificam”, e explica que os fatos jurídicos são exatamente aqueles “de que deriva
a existência, a modificação ou a cessação de uma vontade concreta de lei”. 224
Fatos simples, por outro lado, são todos os demais fatos, que em
regra servem apenas para corroborar os fatos jurídicos.225
Conforme Chiovenda, os fatos simples, também chamados de
motivos, são aqueles “que só têm importância para o direito enquanto possam
servir a provar a existência de um fato jurídico”.226
Para ilustrar a mencionada distinção, Proto Pisani lança mão dos
seguintes exemplos: a) em acidente de trânsito, a culpa do condutor que
trafegava em excesso de velocidade é o fato jurídico ou principal; a velocidade
excessiva imprimida poucos minutos antes do acidente e o hábito do condutor de
trafegar em excesso de velocidade são fatos meramente secundários; b) em
indenização por ato ilícito, o fato principal (ou essencial) é a lesão física
224 Instituições de direito processual civil, p. 7. 225 Arruda Alvim distingue os fatos jurídicos (também chamados principais) dos fatos simples
(também chamados secundários), observando que: “por fatos jurídicos entendemos os de que dimanam conseqüências jurídicas. Distinguem-se eles, como categoria mental, dos chamados fatos simples, os quais, de per si, são insuficientes para gerar conseqüências jurídicas. Levam estes, apenas ao conhecimento pleno dos fatos jurídicos (qualificados aqueles como tais), os quais não poderão, de forma alguma, ser mudados durante a demanda (salvo modificação do libelo – art. 264, caput, se admitida), o que já não ocorre com a simples” (Manual de direito processual civil, v. 1, p. 490). José Rogério Cruz e Tucci, por seu turno, observa que os fatos essenciais para configurar o objeto do processo são exclusivamente aqueles que têm o condão de delimitar a pretensão e que, além de constituir o objeto da prova, são pressuposto inafastável da existência do direito submetido à apreciação judicial (A causa petendi no processo civil, p. 153). A esse respeito, Dinamarco afirma que “os fatos que necessitam ser alegados, sob pena de não poderem ser conhecidos são exclusivamente aqueles que dão corpo à causa petendi ou à causa excipiendi. Eventuais fatos circunstanciais, ou fatos simples, podem ser levados em conta - como p. ex. a circunstância de o réu estar ausente do país no dia da ocorrência do dano que lhe imputa o autor, ou a incapacidade física do autor para gerar o filho de sua mulher, na época em que ele foi concebido (CC, art. 1.599)” (Instituições de direito processual civil, v. 3, p. 282).
226 Op. cit , p. 7.
109
provocada por facadas; já a luta entre os antagonistas, a posse de uma faca
compatível com o ferimento, as manchas de sangue na roupa do agressor, a
impressão digital no cabo da faca encontrada na cena do crime são todos fatos
simples (ou secundários).227
No Brasil, Arakén de Assis fornece vários exemplos de fatos
secundários: “se o adultério se consumou de manhã, ou à noite; se o dia estava
ensolarado, ou chovia; se o marido embriagou-se nesta ou naquela bodega; se o
acidente ocorreu no início desta rua, ou no fim daquela; se numa sexta-feira ou
num sábado”. E explica que se trata, no caso, de “circunstâncias da causa
petendi”, que a completam, a esclarecem, mas não a constituem, nem a
distinguem.228
Alexandre Alves Lazzarini observa que a distinção entre fatos
jurídicos e fatos simples adquire relevância se adotada a teoria da substanciação.
Nesse contexto, apresenta o exemplo de ação de separação fundada na alegação
de injúria grave decorrente de agressão praticada pelo cônjuge, para assinalar
que a agressão constitui injúria grave tanto na forma real (agressão física) como
na forma verbal (insultos, palavras ofensivas), mas que a forma por si só é fato
simples, podendo então variar.229
Guilherme Freire de Barros Teixeira observa que nem sempre é
clara a distinção entre os fatos principais e os simples, pois um mesmo fato pode
ser essencial em certa demanda e secundário em outra. Em caso de adultério,
por exemplo, a identificação da terceira pessoa, dependendo da argumentação
adotada na inicial, pode ser fato simples ou secundário, uma vez que, quando
227 Lezioni di diritto processuale civile, Napoli, Jovene, 1994, p. 448-9.
110
conhecida a pessoa, esta se insere dentre os fatos principais, mas se
desconhecida, passa a ser fato secundário, sendo essencial o relacionamento
extraconjugal com pessoa não identificada. O mesmo autor ressalta ainda que há
hipóteses nas quais a defesa apresentada pelo réu pode influir na classificação de
um fato como essencial ou secundário e exemplifica com o caso em que, numa
ação de indenização por danos decorrentes de acidente de trânsito, o autor
alegue que o evento tenha ocorrido em um sábado, o que constitui, em princípio,
um fato secundário, mas a defesa apresentada pelo réu baseia-se na afirmação
de que este não sai de casa aos sábados em virtude de preceito religioso, o que
torna o fato essencial.230
9.2 Os fatos principais e a imutabilidade da causa petendi
Os fatos jurídicos que se tornam imutáveis são, portanto, aqueles
em virtude dos quais entende o autor ser justificável seu acesso ao Judiciário para
pleitear uma dada providência prevista pelo ordenamento e precisamente a que
decorre dos efeitos jurídicos daqueles fatos.
A alegação de fatos meramente secundários, que apenas
corroboram os fatos propriamente jurídicos, não altera a causa de pedir. 231
228 Cumulação de ações, p. 139. 229 A causa petendi nas ações de separação judicial, p. 71. 230 O princípio da eventualidade no processo civil, p. 167. 231 Cabe registrar que Proto Pisani propõe um meio termo entre as teorias da substanciação e da
individualização, buscando mitigar os extremos de ambas as doutrinas por intermédio da utilização do conceito de fattispecie, que constitui o objeto substancial da demanda. Segundo tal concepção, a causa de pedir é delimitada pelos elementos de fato e de direito da fattispecie da qual deriva o direito substancial deduzido em juízo. Assim, haverá modificação da causa petendi quando se alterarem os elementos de fato e os elementos de direito da fattispecie da
111
Por outro lado, se o autor narra outro fato principal, diverso do
afirmado na petição inicial, haverá alteração da causa de pedir, incidindo as
regras proibitivas referentes à estabilização da demanda.232
Nesse sentido, Vicente Grecco Filho observa que não são
consideradas como modificações de causa de pedir, nem ensejam demanda
diferente, as circunstâncias de fato que, perante o direito material, não sejam
suficientes ou adequadas a justificar o pedido.233
9.3 Os fatos secundários e o problema do conteúdo da causa de
pedir
Guilherme Freire de Barros Teixeira, com apoio na lição de Calmon
de Passos, entende que tanto os fatos principais quanto os fatos simples são
componentes do conjunto fático que forma a causa de pedir remota. A diferença
entre eles reside na constatação de que, enquanto os primeiros são
imprescindíveis e atuam como pressupostos necessários para a subsistência do
qual emerge o direito deduzido. Por outro lado, não haverá tal modificação se forem alterados os elementos de fato, dos quais derivam os elementos de direito da fattispecie constitutiva do direito deduzido em juízo e tampouco quando se alterarem os fatos não coligados com o direito deduzido (Dell’esercizio dell’azione, Comentário Del Códice di Procedura Civile, Torino, Utet, 1973, p. 1062).
232 Guilherme Freire de Barros Teixeira, O princípio da eventualidade no processo civil, p. 169. 233 Direito processual civil brasileiro, v.1. p. 92.
No mesmo sentido é a orientação do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em acórdão cuja ementa abaixo reproduzimos: “Indenização - Fundamentos de fato - Alteração - Emenda da inicial, mantendo-se a causa de pedir - Admissibilidade - Pedido e objeto nele contido que permaneceram íntegros, bem como o fato jurídico constitutivo - Preliminar rejeitada”. (JTJ 208/79).
112
direito, os últimos não são essenciais, podendo ser inclusive modificados no
decorrer do processo, sem que haja alteração da causa de pedir remota.234
Em sentido contrário, Milton Paulo de Carvalho sustenta que a
causa de pedir remota é formada somente pelos fatos com relevância jurídica e
não pelos fatos simples.235
Portanto, uma vez que os fatos simples ou secundários não
integram a causa de pedir, poderiam ser alegados no curso da demanda, sem
que isso representasse violação ao princípio da imutabilidade da causa petendi.236
A afirmação de que os fatos simples não integram a causa de pedir
refere-se ao problema da identificação da ação, o que não significa que as partes
possam alegar tais fatos livremente, ou seja, a qualquer momento, sem qualquer
limitação.
234 O princípio da eventualidade no processo civil, p. 170. 235 Do pedido no processo civil, p. 94. 236 Arruda Alvim observa que “haverá modificação causal (da causa petendi, ou do fundamento
da pretensão), se for substituído o fato em que se baseava o pedido, e mercê do qual foi feito. Ou melhor, se forem substituídos os fatos que servem à própria identificação da ação, ou à identificação da relação jurídica material. Fatos secundários, que servem para completar o quadro dos fatos narrados, se modificados ou retificados, não alteram a demanda. O que não é possível é modificar o acontecer histórico que dá base à demanda. Assim, é possível ao autor corrigir, ainda que já realizada a citação, equívocos ou erros e, se for o caso, esclarecer dúvidas constantes da inicial, sem que isto queira significar a modificação vedada pelo artigo 264” (Manual de direito processual civil, v.2, p. 363). No mesmo sentido, Barbosa Moreira afirma que: “não há alteração da causa petendi quando o autor, sem modificar o fato ou o conjunto de fatos narrados, naquilo que bastaria para produzir o efeito jurídico pretendido (...) se limita a reformular a narração de circunstâncias acidentais, suprimindo, acrescentando ou modificando alguma – v.g., em ação de separação com fundamento em adultério, o autor, que já caracteriza na inicial, em substância, o fato das alegadas relações adulterinas, aduz ao propósito outros pormenores, no curso do processo“ (O novo processo civil brasileiro, p. 21). O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, já decidiu que os fatos simples podem ser alterados no curso do processo, embora tenha empregado a expressão “circunstâncias acidentais”, conforme se verifica na seguinte ementa: “Causa de pedir – Narrativa feita após a contestação para esclarecimento da petição inicial – Não configuração de alteração da causa de pedir. Ação de cobrança. Alteração da causa de pedir. Inocorrência. Não-explicitação satisfatória na inicial. Narrativa de circunstâncias acidentais. Recurso desacolhido. A narrativa de circunstâncias acidentais feita após a contestação com o intuito de esclarecer a petição inicial, sem modificação dos fatos e dos fundamentos jurídicos delineados na peça de ingresso, não importa em alteração da causa de pedir” (REsp 55.083-SP, STJ, 4ª Turma, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 20/05/1997, DJU 04/08/1997).
113
Nesse sentido, Calmon de Passos observa que “admitir-se a prova
de fato simples não articulado na inicial será legitimar-se a cilada processual e
fazer-se tábula rasa do princípio indeclinável da contraprova, decorrente da
necessária bilateralidade do processo”.237 O princípio em jogo, nessa hipótese, é
o do próprio contraditório.
9.4 Os fatos secundários e poderes instrutórios do juiz
A distinção entre fatos essenciais, também chamados jurídicos, e
fatos secundários, também chamados simples, revela-se de suma importância
também no que diz respeito à compatibilização do artigo 131 do Código de
Processo Civil com o princípio dispositivo, na medida em que se considera que o
juiz pode tomar em consideração, de ofício, tão-somente os fatos simples, e os
fatos jurídicos dependem de alegação da parte.238
237 Comentários ao Código de Processo Civil, p. 81. Corroborando esse entendimento,
encontramos Alexandre Alves Lazzarini (A causa petendi nas ações de separação judicial, p. 58-59), José Rogério Cruz e Tucci (Questões práticas de processo civil, p. 280).
238 A esse respeito, é esclarecedora a lição de Arruda Alvim: “A petição inicial, que se constitui na forma a ser obedecida pelo que deve tomar a iniciativa da propositura da ação em nosso Direito, encerra um silogismo do qual falaremos na devida oportunidade. Uma das partes desse silogismo (premissa menor) é constituída pelos fatos. O relato dos fatos na petição inicial, bem como na generalidade dos sistemas jurídicos, é feito pelo autor. Em nosso Direito, não há absoluta adstrição do juiz aos fatos alegados pela parte (art. 131). Há, todavia, que se entender isto dentro dos princípios informadores do nosso processo, e, em especial, tendo em vista o princípio dispositivo, estampado no art. 128. Impõe-se, agora, uma distinção essencial, cujo escopo reside em diferenciar o fato jurídico dos fatos simples. Os fatos simples gravitam em torno do fato jurídico e não têm maior relevância, a não ser que sejam considerados sempre com referibilidade àquele. Assim, o fato jurídico é aquele em que, essencialmente, se baseia o autor. Desta forma, quando alguém pede a procedência da demanda de anulação de casamento, por exemplo, baseado em coação, o fato jurídico é a coação. Fatos simples são aqueles que levam à conclusão de que efetivamente ocorreu o fato jurídico. Em si mesmos, os fatos simples não têm maior relevância e não são sequer objeto de qualificação jurídica pelo autor, nem necessitam sê-lo pelo juiz na sentença. Já, porém, quanto ao fato jurídico, é essencial que seja ele juridicamente qualificado pelo autor, quando da
114
Nesse sentido, Arruda Alvim esclarece que ”o art. 131, que dá direito
ao juiz de apreciar livremente a prova, impondo-lhe o direito-dever de atender ‘
aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas
partes’, só tem o sentido de que os fatos (leia-se, no art. 131, fatos simples)
hajam de ser considerados na linha do fato jurídico. Assim, se alguém solicita
separação contenciosa por adultério, é claro que todos os fatos simples,
conducentes à comprovação de tal fato jurídico, hão de ser tidos como relevantes,
mesmo os que não alegados expressamente. Entretanto, não poderá o juiz, com
base no artigo 131, tomar em consideração uma tentativa de homicídio, pois tal
importaria colocar, no fato jurídico do autor, outro fato jurídico, modificando-lhe
arbitrariamente o fundamento do pedido”. 239
Aliás, Proto Pisani ressalta que os fatos secundários adquirem
relevância no processo na medida em que o demandante, não conseguindo
provar de forma direta o fato principal, socorre-se da comprovação do fato
secundário para gerar presunção apta a possibilitar um juízo de verossimilhança
acerca do fato principal.240
propositura da ação. A adstrição do juiz ao fato jurídico é decorrente do princípio dispositivo, mercê do qual há, no processo, que se respeitar a vontade e as informações que a parte deseje trazer ao processo. Desta forma, os fatos que o juiz pode livremente considerar, mesmo independentemente de alegação da parte, são os fatos simples. Deve fazê-lo para poder dar pela procedência ou não da demanda do autor, mesmo que ele não os alegue. Todavia, a consideração destes fatos simples pelo juiz encontra limite absoluto no(s) fato(s) jurídico(s) e no(s) pedido(s). Existencialmente, porém, não há separação entre fato simples e fato jurídico, pois este é aquele, só que devidamente qualificado” (Manual de direito processual civil, v. 1, p. 465/466).
239 Manual de direito processual civil, v. 1, p. 466. 240 A causa petendi no processo civil, p. 153.
115
10. O FATO SUPERVENIENTE – CONHECIMENTO DE FATOS
CONSTITUTIVOS, MODIFICATIVOS OU EXTINTIVOS DO DIREITO
DO AUTOR – CPC., ART. 462
10.1 Distinção entre fato novo e fato superveniente – 10.2 O fato superveniente e o problema da identificação da ação – 10.3 A relação jurídica como parâmetro para delimitar a possibilidade de conhecimento do fato superveniente – 10.4 Classificação dos fatos supervenientes e considerações acerca de cada modalidade: 10.4.1 O fato superveniente constitutivo; 10.4.2 O fato superveniente modificativo; 10.4.3 O fato superveniente extintivo – 10.5 O conhecimento do fato superveniente de ofício: 10.5.1 Conhecimento do fato superveniente de ofício e o princípio da imparcialidade; 10.5.2 Conhecimento do fato superveniente de ofício e o princípio do contraditório
Nada obstante tenha o legislador consagrado um momento para que
ocorresse a estabilização da demanda, com a conseqüente imutabilidade da
causa de pedir, podem ocorrer alterações na realidade fática que interfiram no
resultado da demanda241, ou em sua eficácia.242
241 José Rogério Cruz e Tucci observa que: “O nosso sistema processual, como já frisado, ao
traçar as fronteiras da regra da eventualidade nos arts. 264 e 294 do Código de Processo Civil, não permite que o autor modifique os elementos objetivos da demanda (causa petendi e
116
Tendo em vista esse aspecto, o artigo 462 do CPC estabelece que sejam
conhecidos os fatos supervenientes. Contudo, a exata definição de fato
superveniente e a delimitação do que pode e do que não pode ser considerado
pelo juiz no momento de proferir a sentença, e que não tenha sido alegado na
petição inicial, não é tarefa simples.
Conforme já examinado anteriormente, a alteração do fundamento jurídico
ou legal da demanda,243 bem como a alegação de fatos simples ou
secundários,244 não tem o condão de alterar a causa petendi.
Contudo, quando se trata de fatos constitutivos, modificativos ou extintivos
do direito do autor, os aspectos envolvidos são, em geral, mais complexos.
Pretende-se, a seguir, buscar uma visão sistematizada de tais aspectos.
petitum). Tampouco o réu pode aduzir nova argumentação defensiva (causa excipiendi) depois de ter apresentado sua resposta (art. 300 CPC). Todavia, durante o curso do processo a realidade fática levada pelos litigantes à cognição judicial pode sofrer profunda alteração, chegando até mesmo a influenciar o resultado da controvérsia. Assim, sobrevindo um fato, voluntário ou involuntário, ao ajuizamento da demanda, que tenha o condão de colocar em crise a estabilidade do litígio, não poderá ele deixar de ser apreciado pelo órgão jurisdicional. É, aliás, o que reza o art. 462 do Código de Processo Civil: ‘Se depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento da lide, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a sentença’. A experiência demonstra que o fato superveniente constitutivo faz nascer, para o autor, o interesse de agir, enquanto o fato extintivo o fulmina, impondo ao juiz, a teor do art. 267, VI, do Código de Processo Civil, a extinção do processo sem julgamento de mérito. Saliente-se, nesse particular, que a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em acórdão relatado pelo Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira (REsp. 12.673-0), patenteou que, segundo os termos do ‘art. 462 da instrumental, o julgado deve refletir o estado de fato da causa no momento da decisão, devendo o magistrado levar em consideração o direito superveniente advindo da ocorrência de fato constitutivo, modificativo ou extintivo de direito. E isso vale tanto para juiz singular quanto para tribunais’. (Tempo e processo, p. 45-46).
242 Ainda segundo José Rogério Cruz e Tucci: “É possível, no entanto, que, com o passar do tempo, haja uma substancial modificação da controvérsia dirimida pela sentença em virtude da superveniência de algum fato ou de norma jurídica nova. E essa particular circunstância poderá trazer conseqüências para a eficácia de precedente decisão” (José Rogério Cruz e Tucci. Tempo e processo, p. 49).
243 Vide item 8 retro. 244 Vide item 9 retro.
117
10.1 Distinção entre fato novo e fato superveniente
Arruda Alvim distingue o fato novo do fato superveniente,
observando que “o juiz não pode conhecer de fato novo ocorrido posteriormente à
propositura da ação, caso este venha a alterar a causa petendi, e/ou o pedido.
Pois por fato novo entenda-se aquele que, rigorosamente, se ajusta à causa
petendi e ao pedido. É fato novo só quanto à circunstância de sua ulterior
ocorrência, relativamente à época da postulação da inicial, e não no sentido de
inovar o petitum e sua(s) causa(ae) petendi, pois já daí deve constar. Já no que
diz respeito ao fato superveniente, o mesmo autor assinala que “o juiz pode e
deve, ex officio, configurados os pressupostos, levar em consideração a sua
ocorrência pois isso está estabelecido no art. 462”.245
Quando o legislador refere-se a “fato constitutivo, modificativo ou
extintivo do direito”, capaz de “influir no julgamento da lide”, não está-se referindo
à possibilidade de alegar-se qualquer fato novo. Refere-se, sim, exatamente aos
fatos jurídicos, que, segundo Liebman, “são os fatos aos quais o direito associa a
constituição, modificação ou extinção de uma relação ou estado jurídico”.246
Portanto, o fato superveniente que o legislador pretende seja
tomado em consideração pelo juiz, até mesmo de ofício, é o fato que altera a
essência da demanda original, em virtude do que dispõe o próprio direito material,
o que, visto de outro ângulo, significa que a possibilidade do conhecimento do fato
superveniente na sentença representa, em última análise, o reconhecimento de
118
que a relação jurídica de direito material, por ser essencialmente dinâmica, está
sujeita a variações.
Nesse sentido, Moacyr Amaral Santos explica que os “requisitos
para o juiz tomar em consideração tais fatos são: 1º. que tenham ocorrido depois
da propositura da ação; 2º que influam no julgamento da lide, isto é, que a lei-
material diga que o fato novo constituiu, modificou ou extinguiu o direito
controvertido” (grifo nosso).247
No mesmo sentido, observa José Rogério Cruz e Tucci que “a causa
superveniens apenas será considerada na hipótese de guardar íntima relação
com o fato inicialmente apontado como representativo do fundamento jurídico do
pedido que é a causa de pedir, seja constituindo-a, seja modificando-a, seja
extinguindo-a. Pois se não participar de nenhuma dessas formas será demanda
diversa, incidindo, in caso, a proibição legal já examinada (art. 264, parágrafo
único, do CPC).”.248
Guilherme Freire de Barros de Teixeira observa que “para que o
direito ou o fato superveniente possam ser considerados, é imprescindível que
participem do fato inicialmente apontado como causa petendi, constituindo-o,
modificando-o ou o extinguindo. Não participando de nenhuma dessas formas, a
causa superveniente será nova causa petendi, a ser discutida em nova ação,
incidindo a proibição do art. 264, parágrafo único, do CPC”. E prossegue
explicando que: “como decorrência da relação com os fatos originariamente
narrados na petição inicial, o fato ou o direito superveniente deve exercer
245 Manual de direito processual civil, v.2, p. 678. 246 Manual de direito processual civil, p. 165. 247 Comentários ao Código de Processo Civil, vol. IV, p. 411.
119
influência sobre a relação jurídica debatida em juízo e, conseqüentemente, sobre
a decisão a ser proferida. O ius superveniens pressupõe que a lei nova ou o fato
novo possuam efeito constitutivo, modificativo ou extintivo sobre a relação jurídica
controvertida. Havendo alteração nos fatos descritos na petição inicial, a própria
relação jurídica material é afetada. Logo, há relevância do fato ou do direito
supervenientes, que devem ser considerados na sentença. Caso contrário, são
causas irrelevantes, que não influem na demanda e, por isso, não merecem
consideração”.249
Solução semelhante é adotada no Direito português, conforme
dispõe o artigo 273º, 6, do CPC, ao admitir na réplica a modificação simultânea do
pedido e da causa de pedir, desde que não haja convolação para relação jurídica
diversa da controvertida.250
Portanto, para que se caracterize o fato superveniente em sentido
técnico, não basta que ele tenha ocorrido posteriormente ao ajuizamento da ação
ou à estabilização da demanda, mas é necessário que, além disso, tenha ele o
condão de constituir, modificar ou extinguir a relação jurídica originalmente
descrita na petição inicial. Enfim, é o que se pretende designar quando se fala em
íntima relação com a causa de pedir originalmente deduzida.
248 A causa petendi no processo civil, p. 177. 249 O princípio da eventualidade no processo civil, p. 255-256. 250 Antonio Montalvão Machado e Paulo Pimenta advertem, contudo, que “a possibilidade de
alterar o pedido ou a causa de pedir na réplica constitui uma função simplesmente acessória
120
10.2 O fato superveniente e o problema da identificação da ação
Como visto, a norma contida no artigo 462 do CPC sugere uma
contradição em relação ao postulado da imutabilidade da causa de pedir, tal como
consagrado no artigo 264 do CPC.251
José Carlos Barbosa Moreira reconhece a dificuldade em discutir se
o artigo 462 do Código de Processo Civil representa ou não uma exceção à regra
da imutabilidade da causa de pedir, afirmando, no entanto, que o fato
superveniente deve ser conhecido, porque se trata de norma expressa.252
Observa-se que a lei fala em “fato constitutivo, modificativo ou
extintivo do direito”, capaz de “influir no julgamento da lide, o que indica já de
deste articulado, não podendo o mesmo ser apresentado apenas para esse efeito” (O novo processo civil, p.185).
251 A esse respeito, adverte Dinamarco: “Como regra de caráter bem amplo, o art. 462 do Código de Processo Civil interfere na interpretação do veto às alterações da causa petendi, contido no artigo 264. Dizendo ele que na sentença o juiz levará em conta fatos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito do autor, existe forte corrente jurisprudencial no sentido de que estariam incluídos nessa autorização os fatos supervenientes que alterem a causa de pedir – sem embargo da regra de estabilização da demanda e da necessária correspondência entre a sentença e os elementos desta (art. 128). No Superior Tribunal de Justiça repetem-se julgados dizendo que somente se excluem fatos já ocorridos antes do ingresso em juízo e omitidos na petição inicial, mas admitindo os supervenientes, ainda quando isso venha a causar aquela alteração. O mero confronto entre os artigos 264 e 462 pareceria autorizar essa interpretação, dado que o segundo deles alude expressamente a fatos constitutivos do direito – e o conjunto de fatos constitutivos é justamente a causa de pedir. Mas essa impressão deve ser desfeita diante das supremas razões político-constitucionais que impelem à estabilização da demanda e à correspondência entre a sentença e esta. Citado, o réu defender-se-á da alegação dos fatos narrados, mas não pôde defender-se quanto aos fatos a cujo respeito não fora citado e dos quais sequer conhecimento teve – agravando-se ainda a situação pelo teor do artigo 462, o qual manda que o juiz os tome em consideração, mesmo de ofício. Acima do art. 462 do Código de Processo Civil paira a garantia constitucional do contraditório, que impede aquela interpretação ainda quando restrita a fatos supervenientes. O poder-dever de considerá-los, aparentemente outorgado pelo artigo 462, iria além dos limites democráticos do legítimo exercício do poder estatal, representado pela cláusula due process of law. (Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, vol. II, p. 72).
252 Com efeito, observa o consagrado autor que o fato superveniente constitutivo deverá ser levado em consideração pelo juiz, “ao sentenciar, nos termos do artigo 462. Impossível discutir aqui a questão de saber se esse dispositivo abre ou não abre exceção à regra da inalterabilidade da causa de pedir (art.264). Há, de qualquer modo, a norma expressa, a que se tem de atender”.(Comentários ao Código de Processo Civil, v. 5, p. 94).
121
início que o dispositivo não cuida de fatos meramente secundários, até porque,
como também já foi visto, os fatos secundários ou simples sequer integram a
causa de pedir, não sendo portanto imutáveis, o que tornaria desnecessário um
dispositivo para autorizar que fossem eles considerados na sentença.
Precisa é a lição de Moacyr Amaral Santos: “Atende o art. 462 à
hipótese de surgimento, no curso do processo, de fatos constitutivos,
modificativos ou extintivos do direito, capazes de influir no julgamento da lide.
Fatos constitutivos têm a eficácia de constituir a relação litigiosa; os extintivos
acarretam a extinção dessa relação; os modificativos lhe dão nova feição. Em
razão de tais fatos supervenientes à propositura da ação, e que na fase
postulatória não podiam ser formulados, a lide se alterou, cumprindo ao juiz tomá-
los em consideração, quer para julgar a ação procedente, quer improcedente, ou
ainda apenas tomar em consideração a condenação em custas” (grifo nosso).253
Portanto, seguindo o raciocínio de Moacyr Amaral Santos, o
conhecimento de fatos supervenientes à propositura da ação leva a uma
alteração da lide, que deverá ser considerada pelo juiz no momento de proferir a
sentença.
Todavia, o conceito de lide é bastante específico e não se confunde,
a rigor, com a causa de pedir. Assim, cabe indagar se haveria realmente, no caso
da assimilação do fato superveniente, uma alteração na causa de pedir.
Entendendo que há alteração da causa de pedir, pelo menos
quando se diz respeito ao conhecimento de fato superveniente constitutivo ou
modificativo do direito do autor, Guilherme Freire de Barros Teixeira assinala que,
122
“tratando-se de fatos supervenientes constitutivos ou modificativos do direito do
autor, haverá, em princípio, alteração da causa de pedir, que o juiz, a despeito da
regra do artigo 264 do Código de Processo Civil, deve levar em consideração no
momento de proferir a sentença”, observando também que “deve haver relação
com os fatos inicialmente apontados como representativos do fundamento jurídico
do pedido, permanecendo vedada a mutatio libelli, isto é, a alteração substancial
dos elementos objetivos da demanda”.254
O mesmo autor reconhece expressamente ser possível “a
modificação dos elementos objetivos da demanda”, desde que se assegure o
contraditório, “conjugando os interesses privados das partes, com o interesse
público na definição do objeto da lide e na correta prestação jurisdicional”.255
Todavia, parece possível extrair conclusão em sentido oposto, ou
seja, que o conhecimento do fato superveniente não significa, a rigor, alteração na
causa de pedir.
Partindo-se do pressuposto de que a causa de pedir seria, em si,
uma categoria abstrata – que desse modo não se confundiria com os fatos tal
como se dão no mundo concreto e nem com o direito deles decorrente, que a
sentença, aliás, dirá se existem ou não –, é possível conceber tratar-se de
elemento que permanecerá estável ao longo do processo, nada obstante haja
fatos supervenientes que interferirão no acolhimento da demanda nela fundada.
253 Comentários ao Código de Processo Civil, v. IV, p. 411. 254 O princípio da eventualidade no processo civil, p. 258. 255 Ibid., p. 303.
123
Em outras palavras, se a causa de pedir existe in status assertionis,
o acolhimento da alegação de fato superveniente não tem o condão e nem a
necessidade de modificá-la.
Nessa linha, Elio Fazzalari observa que é por meio da causa petendi
que o autor introduz na demanda a situação substancial, deduzida in status
assertionis.256 Conforme explica o consagrado autor italiano, a situação
substancial deve ser consignada na petição inicial como mera afirmação – a ser
verificada posteriormente com o desenvolvimento do processo – da existência de
um dever, do direito subjetivo correspondente, do inadimplemento do primeiro e
da lesão ao segundo, ou, de modo sintético, a ocorrência do ilícito civil.257
Também nesse sentido, e com grande acuidade, José Ignácio
Botelho de Mesquita ressalta que “uma coisa é o direito verdadeiro e próprio,
atualmente existente, e outra coisa é o direito afirmado pelo autor na petição
inicial, que entra no processo apenas como razão da ação e que a sentença dirá
se existe ou não”. Ilustra tal conclusão observando que “o direito de propriedade,
enquanto efetivamente existente, não pode incidir, a um só tempo, mais que uma
única vez sobre a mesma coisa; mas a afirmação da propriedade em juízo, por
parte do interessado no reconhecimento de seu direito sobre determinada coisa,
essa pode dar-se tantas vezes quantas se queira”. A partir desse raciocínio, o
consagrado autor conclui que, “neste caso, o elemento identificador da ‘richiesta
fatta dall’attore’ será a afirmação do fato constitutivo do direito de propriedade, a
indicação do título de aquisição da coisa demandada em concurso com os demais
elementos já apontados, enquanto necessários a identificar o pedido do autor,
256 Note in tema di diritto e processo, cit., p. 122.
124
formando uma pretensão processual única e totalmente diversa de quaisquer
outras”.258
Na mesma linha, Ricardo de Barros Leonel observa que, “buscando
a aproximação entre direito material e processo, e recordando o caráter
instrumental deste com relação àquele, deve-se ter em conta que a pretensão
processual reflete o direito material deduzido, afirmado, ou feito valer pelo autor
ou réu (nas oportunidades em que este formule pedido). Não a real existência do
direito material – pois a conclusão sobre esta depende do desfecho do processo,
e do julgamento do mérito, mas sim sua dedução in status assertionis”.259
Carlos Alberto Álvaro de Oliveira, no mesmo sentido, ressalta que o
fato superveniente deve integrar a causa de pedir no seu sentido abstrato, como
“categoria jurídica”, ou como “acontecer histórico”, pois solução diferente
“importaria afastar a possibilidade de invocação de fato superveniente constitutivo
ou modificativo, com intolerável e injustificado prejuízo à economia processual.
Dessa forma, em prol da maior eficiência do instrumento processual chega-se a
uma solução de compromisso no aparente conflito entre os princípios dispositivo,
da estabilização da demanda e da economia processual”.260
Nessa mesma linha, Ricardo de Barros Leonel observa que o
surgimento posterior de fatos constitutivos significa, em última análise, a
configuração superveniente de causa de pedir afirmada originariamente, porém a
princípio inexistente. E, nesse sentido, o mencionado autor entende que a
257 Processo civile (diritto vigente) Enciclopedia del diritto, v. XXXVI, cit., p.148/149, e Instituzioni
di diritto processuale, p. 271/273. 258 A causa petendi nas ações reivindicatórias, Revista de Direito Processual Civil 6/194. 259 Objeto litigioso e direito superveniente no processo civil, p. 100. 260 Do formalismo no processo civil, p. 181.
125
superveniência de fato constitutivo não altera a configuração objetiva da
demanda, ou seja, a causa petendi e o petitum.261
Contudo, o entendimento segundo o qual o conhecimento do fato
superveniente não altera a causa de pedir conduz a um outro problema, referente
ao princípio da congruência entre a sentença e o libelo. Isso porque, ao admitir-se
que o fato superveniente não altera a causa petendi, estar-se-ia, por via de
conseqüência, admitindo a possibilidade de julgamento extra petita. Tal idéia será
mais bem desenvolvida adiante, no tópico relativo ao princípio da congruência.262
10.3 A relação jurídica como parâmetro para delimitar a
possibilidade de conhecimento do fato superveniente
De todo modo, quer se opte por essa ou aquela solução, a
discussão parece evidenciar um conflito entre os postulados das teorias da
individualização e da substanciação, em face do que se demonstra insuficiente a
teoria da tríplice identidade.
Com relação a tal problemática, José Rogério Cruz e Tucci observa
que “perante várias situações concretas, a teoria da tríplice identidade delineia-se
insuficiente para desempenhar o papel que lhe é reservado no confronto de duas
ou mais ações. E a despeito de sua adoção expressa pelo nosso Código, não
pode restar dúvida de que a doutrina e a jurisprudência devem procurar soluções
para determinadas questões que extravasam os lindes daquela” e acrescenta que
261 Objeto litigioso e direito superveniente no processo civil, p.242
126
“diante de tais situações excepcionais, que revelam a insuficiência da teoria dos
tria eadem, duas regras devem ser observadas quanto à sua incidência prática: a)
não constitui ela um critério absoluto, mas, sim, uma “boa hipótese de trabalho”,
até porque ninguém se arriscou a apontar outra que a superasse; e b) quando for
inaplicável, perante uma situação concreta, deve ser relegada a segundo plano,
empregando-se, em seu lugar, a teoria da identidade da relação jurídica”.263
Ao que parece, tal situação pode ser mais bem explicada se dermos
razão à parte da doutrina que sustenta que no Brasil não se adotou a teoria da
substanciação em caráter absoluto, mas que, na verdade, o legislador preconizou
um meio termo entre a substanciação e a individualização.264
Desse enfoque, a admissão de fato superveniente na mesma ação
seria possível sempre que se tratasse da mesma relação jurídica. Isso,
naturalmente, desde que respeitado o princípio do contraditório. Assim, seria
possível prestigiar os princípios da instrumentalidade das formas e da economia
processual, sem vulnerar o devido processo legal.
262 Vide item 12 infra 263 A causa petendi no processo civil, p. 213. 264 Vide item 5.2 retro.
127
10.4 Classificação dos fatos supervenientes e considerações acerca
de cada modalidade
O artigo 462 do Código de Processo Civil faz referência a fato
constitutivo, modificativo ou extintivo do direito, ocorrido depois da propositura da
ação, mas capaz de influir no julgamento da lide.
Aliás, é interessante notar que o artigo 462 não faz menção a fatos
impeditivos que possam influir no julgamento da lide. Dessa circunstância,
Cândido Rangel Dinamarco entende ser possível auferir que somente se tomam
por fatos supervenientes aqueles ocorridos após o oferecimento da inicial ou da
contestação, uma vez que o fato impeditivo é, por definição, sempre anterior ou
concomitante ao fato constitutivo original.265
Todavia, parece razoável cogitar-se de fato superveniente que faça
desaparecer o fato impeditivo do direito do autor, alegado pelo réu, e que
mereceria também ser apreciado pelo juiz. Há, nesse sentido, interessante
acórdão do Superior Tribunal de Justiça, considerando que a maioridade do
alimentando seria fato superveniente que faria desaparecer o fato impeditivo à
265 Segundo Dinamarco: “o modo como está redigido o art. 462 confirma esse entendimento. É
respeitável indício dessa intenção a circunstância de ali não estar incluída a possibilidade de serem levados em conta os fatos impeditivos do direito do autor, porque esses ou são simultâneos aos constitutivos (incapacidade do contratante, vício de consentimento, etc...) ou lhes precedem no tempo (moléstia preexistente ao contrato de seguro). A rigor não há fato impeditivo posterior ao constitutivo sobre cuja eficácia ele atua – e foi por isso que o art. 462 não inclui essa categoria, em demonstração de que só pretendeu mandar que sejam tomados em consideração os fatos ocorridos depois” (Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, vol III, p. 284).
128
conversão da separação em divórcio consistente na existência de parcelas
vencidas em relação ao filho.266
10.4.1 O fato superveniente constitutivo
Cândido Rangel Dinamarco sustenta que, em função do
princípio do contraditório, dever-se-ia excluir a possibilidade de conhecimento de
fato superveniente constitutivo do direito do autor, para tornar efetiva a máxima
chiovendiana segundo a qual a sentença deveria produzir os mesmos efeitos que
produziria se houvesse sido proferida no momento em que a demanda foi
proposta.267
De fato, em homenagem ao princípio do contraditório, não se
poderia admitir o conhecimento de fato constitutivo de direito novo, que não fora
alegado na propositura da demanda, o que significaria a alteração da causa de
pedir, vedada pelo artigo 264 do Código de Processo Civil.
266 “Civil Separação. Conversão em divórcio. Impugnação calcada no descumprimento de
obrigação alimentar. Lei 6.515/77. Maioridade do alimentado. Atraso nas parcelas, óbice inoponível. Relação jurídica hoje de titularidade distinta. I. Correto o entendimento firmado no acórdão a quo, de não constituir obstáculo à conversão da separação em divórcio, a existência de parcelas vencidas relativas à pensão de filho hoje maior de idade e, portanto, único titular e gestor da verba alimentar. Relação jurídica que, pelo fato superveniente, agora se aparta daquela antes existente entre os cônjuges. II. Recurso especial não conhecido.” (REsp. 278906/SP, Superior Tribunal de Justiça, 4ª Turma, rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, j. 25/09/2001, d.j.u. 04/02/2002).
267 Nesse sentido, Dinamarco ressalta que: “A exclusão dos fatos constitutivos supervenientes constitui projeção da sábia máxima chiovendiana, de que a sentença deve produzir os efeitos que produziria se houvesse sido proferida no momento em que a demanda foi proposta” (Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, vol. II, p. 72).
129
Contudo, o artigo 462 estabelece que o juiz deverá, até
mesmo de ofício, considerar os fatos constitutivos que influam no julgamento da
lide.
Como já dito anteriormente, a possibilidade de compatibilizar
esses dispositivos aparentemente contraditórios decorre exatamente do critério da
relação jurídica envolvida.
O que se indaga então é como saber se determinado fato que
se pretende introduzir na demanda possui íntima relação com o fato originalmente
alegado, capaz de justificar sua dedução no mesmo processo e não por
intermédio de nova ação.
A doutrina aponta algumas situações nas quais se admite a
causa superveniens constitutiva: por exemplo, quando alguém reivindica o
domínio de determinado imóvel, antes de haver logrado o registro na matrícula do
referido bem, com a resistência do demandado alegando que o autor não é
proprietário. Se no curso do processo o autor consegue o registro, o juiz não
poderá deixar de levar em conta o fato superveniente constitutivo (registro), pois a
improcedência por esse motivo seria lamentável desperdício, uma vez que outra
ação seria incoada, com a sentença de procedência ao final.268
268 O exemplo é de José Rogério Cruz e Tucci: “Configura-se aí, como já escrevemos, o fenômeno
da conversão legal da demanda, decorrente do câmbio da causa petendi: se, por exemplo, quem reivindica o domínio de bem imóvel, ainda não o adquiriu por não haver logrado o registro na matrícula do respectivo título, é justo que o ocupante apresente resistência. No curso do processo, entretanto, o autor consegue o registro, e, com isso, a defesa do réu passa a ser injustificada. Ora, ao prolatar a decisão não poderá o juiz ou tribunal deixar de levar em conta o fato superveniente, constitutivo do direito do autor. Julgar o pedido improcedente, porque não era o demandante proprietário ao tempo em que a ação foi ajuizada, seria um lamentável desperdício, uma vez que, em imediata seqüência, outra demanda seria incoada, cujo pedido certamente seria tido como procedente” (José Rogério Cruz e Tucci. Tempo e processo, p. 47).
130
Também a complementação de prazo legal para a separação
judicial, na pendência do processo, importa em fato superveniente constitutivo de
direito que deve ser levado em consideração pelo juiz.269
Outro exemplo de fato superveniente constitutivo que aparece
em diversos julgados é a posterior apresentação de certificado de conclusão de
curso de segundo grau, em sede de mandado de segurança no qual foi concedida
liminar para garantir a matrícula em curso superior, na pendência de certificação
da conclusão de ensino médio.270
269 Essa situação foi estudada por Barbosa Moreira: “Desse modo, a superveniência de fato
constitutivo, como, por exemplo, a complementação de prazo legal para a separação judicial na pendência de processo, importa em modificação da causa petendi, mas deverá ser levada em consideração pelo juiz ao sentenciar, nos termos do artigo 462. Impossível discutir aqui a questão de saber se esse dispositivo abre ou não abre exceção à regra da inalterabilidade da causa de pedir (art. 264). Há, de qualquer modo, a norma expressa que se tem de atender” (Cf. Barbosa Moreira, Comentários ao Código de Processo Civil, v. 5, 8ª, ed. Rio de Janeiro, Forense, 1999, p. 94). A esse respeito, ver também o julgado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, cuja ementa abaixo reproduzimos: “Divóricio - Direto - Admissibilidade - Separação de fato há quatro anos - Autor que vive com outra mulher, com a qual tem uma filha - Ré que alega separação há mais de um ano e menos de dois - Redução do biênio que serviria para desatender o mandamento constitucional ínsito no § 6º do artigo 226 da Constituição da República de 1988 - Inadmissibilidade - Hipótese que acorre em prol do autor o direito superveniente (CPC artigo 462) - Fluxo processual que alcançou lapso temporal indispensável à configuração da separação fática, como pressuposto do divórcio direto - Divórcio decretado - Recurso provido.” (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, relator: Ney Almada - Apelação Cível 148.298-1 - São Paulo - 25.07.91)
270 Nesse sentido, ver o acórdão cuja ementa segue transcrita abaixo: “Administrativo. Recurso Especial. Curso superior. Segundo Grau não-concluído à época do vestibular. Fato superveniente. Regularização com a apresentação do certificado. Aplicação do art. 462 do CPC. Vastidão de precedentes. 1. A conclusão de Curso de 2º Grau, com apresentação do competente Certificado, deve ser aceito como fato superveniente a sanar a irregularidade porventura existente quanto à apresentação de Certificado apresentado anteriormente, mormente quando o aluno já logrou aprovação no Vestibular e encontra-se no meio do Curso Universitário. Deve-se, neste caso, aplicar-se o disposto no art. 462 do CPC. 2. Por força de liminar concedida em mandado de segurança, o impetrante efetivou sua matrícula em curso superior antes de ser certificado no ensino médio. Na hipótese, ainda que, à época da matrícula, não tenham sido comprovados os requisitos necessários ao ingresso na Universidade, a subseqüente conclusão do segundo grau impõe a aplicação da teoria do fato consumado, que deve ser considerada quando a irreversibilidade da situação decorre da demora no julgamento da ação.” (REsp. nº 611797⁄DF, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ de 27⁄09⁄2004) 3. “As situações consolidadas pelo decurso de tempo devem ser respeitadas, sob pena de causar à parte desnecessário prejuízo e afronta ao disposto no art. 462 do CPC. Teoria do fato consumado. Discussão acerca da matrícula em curso superior na hipótese de ausência de
131
Nesses casos todos, o critério possível parece ser o da
identidade de relação jurídica. Em outras palavras, se estivermos diante de fatos
que redundem na constituição de relação jurídica com conteúdo idêntico ao da
relação originalmente alegada, será o caso de admitir-se o fato constitutivo
superveniente. Contudo, se a relação jurídica for diversa, o fato constitutivo só
poderá ser deduzido por intermédio de nova demanda.
Ainda com relação a essa questão, como bem observa
Ricardo de Barros Leonel, a possibilidade de conhecimento ulterior de fato
constitutivo do direito do autor significa a ocorrência, no curso da ação, do fato já
alegado quando de sua propositura. O mesmo autor pondera que tal situação
normalmente está relacionada à configuração superveniente de condição da ação
(possibilidade do pedido, legitimidade e interesse de agir).271
Guilherme Freire de Barros Teixeira observa que o fato
superveniente constitutivo pode fazer surgir o interesse de agir que não existia no
momento da propositura da ação. É o que se verifica no mencionado exemplo da
separação consensual proposta quando não se havia cumprido o prazo, cuja
complementação, todavia, ocorrera no curso da ação.272
Nelson Nery Júnior observa que o exame da presença ou não
das condições da ação deve ser feito pelo juiz logo no recebimento da petição
inicial. Contudo, “caso o magistrado não tenha feito esse exame inicial e, no curso
conclusão do 2º grau à época, cujo direito de matrícula foi assegurado por força de liminar. Situação consolidada. Segundo grau concluído.”(REsp. nº 365771⁄DF, Rel. Min. LUIZ FUX, DJ de 31⁄05⁄2004). 4. Vastidão de precedentes das 1ª e 2ª Turmas e da 1ª Seção desta Corte Superior. 5. Recurso especial não provido. (REsp. 677.217-PE, STJ, Primeira Turma, rel. Min, José Delgado, j.04/11/2004, d.j.u. 13/12/2004)
271 Objeto litigioso e direito superveniente no processo civil, p. 244. 272 O princípio da eventualidade no processo civil, p. 258.
132
do processo venha a ser preenchida condição da ação inexistente no momento da
propositura da ação, deverá julgar o mérito. A recíproca é verdadeira: presentes
as condições da ação quando do ajuizamento e houver carência superveniente, o
magistrado deverá extinguir o processo sem julgamento de mérito. Conclui-se,
portanto, que todas as condições da ação deverão estar presentes no momento
da prolação da sentença de mérito”.273
A esse respeito, Ricardo de Barros Leonel distingue as
pretensões que se referem propriamente ao mérito, daquelas de cunho
eminentemente processual, para afirmar que quanto às últimas, a ocorrência de
fatos supervenientes seria evento corriqueiro que não deveria gerar maiores
dificuldades. Em abono a tal observação, o referido autor cita como exemplos
vários casos relativos à existência de pressupostos processuais ou condições da
ação, tais como a integração da capacidade postulatória no curso da ação, a
configuração superveniente do interesse de agir pelo vencimento da dívida na
cobrança e, ainda, o decurso do prazo legal mínimo para ação de separação ou
divórcio, dentre outros.274
Guilherme Freire de Barros Teixeira, por sua vez, observa
que o fato constitutivo superveniente pode atuar como causa concorrente em
relação à causa petendi originariamente descrita.275 É o que ocorre quando se
reconhece conduta desonrosa do cônjuge réu havida após o ajuizamento da
273 Condições da ação. Revista de Processo 64/37-38.
Nessa linha, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo vem reconhecendo a perda superveniente do interesse de agir. RECURSO - Perda do objeto - Fato superveniente - Ocorrência - Desaparecimento do interesse de agir - Artigo 462 do Código de Processo Civil - Processo extinto sem julgamento do mérito. O interesse deve existir no momento em que a sentença for proferida. Se ele existir no início da causa mas desapareceu naquela fase, a ação deve ser rejeitada por falta de interesse.(TJSP, Relator: Leire Cintra - Apelação Cível n. 212.187-1 - Sertãozinho -29.06.94).
274 Objeto litigioso e direito superveniente no processo civil, p. 98. 275 O princípio da eventualidade no processo civil, p. 259.
133
demanda e que seja admitida como causa concorrente para a decretação da
separação judicial.276 A esse respeito, Arakén de Assis observa que se admite o
conhecimento do fato superveniente constitutivo como causa concorrente quando
a conduta da parte se acomoda à causa de pedir originária ou a confirma, o que
ocorre por exemplo quando “o ulterior concubinato de Maria com João robora o
pretérito adultério”.277
10.4.2 O fato superveniente modificativo
Quanto aos fatos supervenientes modificativos do direito do
autor, parecem aplicáveis as mesmas considerações relativas ao fato constitutivo,
no tocante à compatibilização com a vedação da alteração da causa de pedir,
contida no artigo 264 do CPC.
Note-se que quando se consideram os fatos modificativos,
não se trata de substituir uma causa de pedir por outra, mas, ao contrário, cuida-
se de modificação ocorrida no mundo dos fatos, que altera a realidade descrita na
própria causa de pedir originária.
Com efeito, a causa de pedir é a mesma, só que alterada em
sua substância, em decorrência de fatos supervenientes que a modificam.
276 Nesse sentido, há julgado do Superior Tribunal de Justiça expressando o seguinte
entendimento: “Separação judicial ajuizada pelo varão – Alimentos postulados pela mulher – A matéria probatória não pode ser reexaminada no âmbito angusto do recurso especial. Não ofende o art. 128 do CPC aresto que admite como causa concorrente para a separação a conduta da mulher após ajuizada a demanda – CPC, art. 462, jus superveniens. Não receberá alimentos o cônjuge que deles não necessitar – Lei 6.515, art. 19” (STJ – 4ª Turma, REsp 11.086-SP – rel. Min. Athos Carneiro – j. 12/08/1991 – DJU 09/09/1991).
134
Portanto, quando o juiz considera o fato superveniente que
tenha o condão de modificar o fundamento jurídico do pedido, não estará
conhecendo de causa de pedir diferente, mas da mesma causa de pedir original,
alterada em sua essência pelo fato superveniente.
10.4.3 O fato superveniente extintivo
Os fatos supervenientes extintivos não alteram a causa
petendi e, quanto a isso, concordam inclusive os autores que vislumbram que a
alteração ocorre nas hipóteses de fatos constitutivos ou modificativos do direito do
autor. É o caso de Guilherme Freire de Barros Teixeira, ao afirmar que, havendo a
ocorrência superveniente de fatos extintivos, não há que se falar em modificação
da causa petendi.278
Realmente, não há alteração da causa de pedir, uma vez que
não há modificação dos fatos alegados na petição inicial, mas sim a apreciação
de fato superveniente que leva à extinção do processo.279
277 Extinção do processo por superveniência de dano irreparável, Doutrina e prática do processo
civil contemporâneo, p. 197-198. 278 O princípio da eventualidade no processo civil, p. 261. 279 Ibid., p. 261.
135
10.5 O conhecimento do fato superveniente de ofício
O art. 462 do Código de Processo Civil é claro ao estabelecer que o
fato superveniente pode ser conhecido de ofício ou a requerimento da parte.
Contudo, a possibilidade de conhecimento do fato superveniente de
ofício leva a indagações acerca dos reflexos no tocante ao princípio da
imparcialidade do juiz e aos limites impostos pelo princípio do contraditório, o que
se pretende analisar neste tópico.
10.5.1 Conhecimento do fato superveniente de ofício e o
princípio da imparcialidade
Guilherme Freire de Barros Teixeira sustenta que, em
decorrência do princípio da lealdade processual, as partes deveriam comunicar ao
juiz a ocorrência de fatos supervenientes capazes de influenciar no julgamento da
demanda, sob pena de violar os incisos I e II do art. 14 do Código de Processo
Civil.280
Todavia, conforme dispõe o artigo 462 do Código de
Processo Civil, o fato superveniente pode ser conhecido de ofício, o que significa
que, embora as partes não informem a ocorrência de fato superveniente, o juiz
280 O princípio da eventualidade no processo civil, p. 263.
136
deverá considerar tal fato, se dele tiver conhecimento, independentemente de
provocação.
Diante de tal regra, questiona-se se não haveria violação ao
princípio da imparcialidade.
Nesse ponto, Guilherme Freire de Barros Teixeira sustenta
que o juiz violaria o princípio da imparcialidade apenas se, deliberadamente,
agisse com o intuito de auxiliar qualquer das partes, o que seria inaceitável.
Contudo, é plenamente cabível que o julgador, “voltando sua atuação para a
busca da verdade real, participe ativamente do desenvolvimento da relação
jurídica processual, inclusive no que diz respeito à delimitação do thema
decidendum. Com isso, privilegia-se a economia processual, devendo o julgador
estar preparado para uma atuação menos formalista, abandonando a concepção
de que ele deve ser um mero espectador”.281
Volta-se, assim, à discussão em torno da busca da verdade
real no Processo Civil.282
Contudo, como visto anteriormente, hoje, sobretudo em
decorrência da concepção segundo a qual o processo civil é um instrumento de
realização do direito material, esse predomínio da verdade formal sobre a verdade
real tem sido bastante questionado.
Tendo em vista tais considerações, parece razoável
entender-se que o fato superveniente, tanto o favorável ao autor, quanto o
281 O princípio da eventualidade no processo civil, p. 299. A respeito da participação mais ativa do
juiz no processo, ver Cândido Rangel Dinamarco (A instrumentalidade do processo, p. 285) e José Roberto dos Santos Bedaque (Poderes instrutórios do juiz, p. 78).
282 A esse respeito, vide item 7.2 retro.
137
favorável ao réu, pode ser conhecido de ofício, sem violação ao princípio da
imparcialidade e em homenagem à busca da verdade real.
10.5.2 Conhecimento do fato superveniente de ofício e o
princípio do contraditório
Como já assinalado, o artigo 462 do Código de Processo Civil
é expresso ao estabelecer que o fato superveniente deve ser considerado
inclusive de ofício, pelo magistrado.283
De todo modo, cumpre ressaltar que se o juiz tomar em
consideração a ocorrência de fato superveniente, deve, antes de decidir,
possibilitar a manifestação das partes, inclusive com a produção de provas, se for
o caso.284
O fato de o juiz proferir decisão sem possibilitar a prévia
manifestação dos interessados, ainda que seja possível o exame de ofício,
283 A esse respeito, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
“Processo Civil. Recurso Especial. Mandado de Segurança. Direito Superveniente à propositura da ação. Consideração, de ofício, pelo julgador. art. 462 DO CPC. O direito superveniente à propositura do mandado de segurança, que tenha evidente influência no julgamento da lide, impondo restrições ao direito dos impetrantes, deve ser levado em consideração de ofício, pelo julgador, quando do julgamento da causa (art. 462 do CPC), Precedentes. Recurso conhecido e provido.” (REsp. 438623/RS, Superior Tribunal de Justiça, 5ª Turma, rel. Min. Felix Fischer, j. 10/12/2002, d.j.u. 10/03/2003).
284 Guilherme Freire de Barros Teixeira (O princípio da eventualidade no processo civil, p. 263). No mesmo sentido, Antonio Carlos de Araújo Cintra (Comentários ao Código de Processo Civil, vol. IV, p. 287) e Araken de Assis (Extinção do processo por superveniência de dano irreparável, in Doutrina e prática do processo civil contemporâneo, p. 198).
138
significaria negar às partes o exercício do direito de defesa e, em conseqüência,
violar-se-ia a garantia constitucional do contraditório. 285
Aos interessados deve ser assegurada a possibilidade de
influir na formação do convencimento do juiz, ainda que se trate de matéria que
possa ser conhecida pelo juiz, independentemente de provocação.286
285 A esse respeito já decidiu o Superior Tribunal de Justiça que “Viola a Lei decisão que,
desconsiderando as exigências do contraditório, tem em conta, para acolher o pedido do autor, fato que não integra a causa de pedir deduzida na incial.” (REsp 33945-RJ, STJ. 3ª Turma, rel. Min. Waldemar Zveiter, j. 22/06/1996, d.j.u. 16.08.1993).
286 José Roberto Bedaque sustenta que o modelo processual constitucional, ao consagrar o princípio do contraditório, impede o juiz de tomar qualquer decisão sem ouvir as partes a respeito de questões a serem abordadas no provimento, não se podendo conceber o contraditório real e efetivo sem que as partes possam participar da formação do convencimento do juiz, mesmo nas questões de ordem pública, cujo exame independe de provocação. Assim, para o referido autor, o debate anterior à decisão é fundamental para conferir eficácia ao princípio do contraditório, ainda que se trate de matéria cognoscível de ofício (Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência, p. 98). No mesmo sentido é o entendimento de José Rogério Cruz e Tucci, que defende a necessidade de participação conjunta e recíproca de todos os protagonistas do processo, com vistas a evitar que as partes sejam surpreendidas por uma decisão baseada em fundamento não debatido (Lineamentos da nova reforma do CPC, p.101-102). Também na mesma linha, Paulo Henrique dos Santos Lucon sustenta enfaticamente que: “é preciso pôr fim, definitivamente, ao processo civil de armadilhas, no qual o julgador surpreende a parte com decisão terminativa a respeito de matéria sobre a qual não se desenvolveu um mínimo de contraditório, violando o preceito constitucional constante do inciso LIV do art. 5º da CF. Na legislação comparada, com a preocupação de preservar o contraditório, o art. 16 do CPC Francês foi claro ao impor o dever de submeter às partes até mesmo as questões releváveis de ofício (Litisconsórcio necessário e eficácia da sentença na lei de improbidade administrativa. Improbidade Administrativa (Questões polêmicas e atuais), p. 301, nota 2.
139
11. SITUAÇÕES PECULIARES – CAUSA DE PEDIR NAS AÇÕES
POSSESSÓRIAS E NA TUTELA ESPECÍFICA DAS
OBRIGAÇÕES DE DAR, FAZER E NÃO FAZER
11.1 A fungibilidade das ações possessórias e a alteração dos elementos objetivos da demanda – 11.2 Alteração da causa de pedir na tutela específica das obrigações de dar, fazer e não fazer
11.1 A fungibilidade das ações possessórias e a alteração dos
elementos objetivos da demanda
Em determinados casos, a lei admite que o juiz, até mesmo de
ofício, conceda tutela diversa daquela originalmente pleiteada pelo autor.
Como observa José Rogério Cruz e Tucci, “sem embargo do ônus
imposto ao autor de individualizar, na inicial, os fatos e os fundamentos jurídicos
do pedido, deve ser aduzido que o legislador, considerando as peculiaridades de
algumas situações de direito material, abriu margem para que, no curso do
processo, pudesse o juiz analisando a causa petendi originária e sua subseqüente
variação, alterar a extensão da pretensão deduzida pelo demandante”.287 É o que
ocorre nas ações possessórias, em relação às quais vigora o princípio da
fungibilidade, consagrado no artigo 920 do Código de Processo Civil.
287 A causa petendi no processo civil, p. 181.
140
Na verdade, a razão de tal princípio reside menos na preocupação
em possibilitar a correção de erros de enquadramento e mais no reconhecimento
de que a relação jurídica de direito material, por ser essencialmente dinâmica,
está sujeita a variações.
Assim, na prática, a ameaça, por exemplo, pode transformar-se, no
curso do processo, em turbação ou esbulho, justificando, com base nos fatos
novos, a concessão de medida diversa da originalmente pleiteada.288
Antonio Carlos Marcato observa que “por vezes o autor promove
ação em razão de determinada conduta do réu e esta vem a ser modificada no
curso do processo, impondo ao juiz, demonstrada tal circunstância, a concessão
da proteção possessória pertinente”.289
Portanto, o ponto de interesse no caso da fungibilidade das ações
possessórias é exatamente o fato de tratar-se de hipótese em que a lei, de modo
expresso, estabelece que a causa petendi e o pedido devem adaptar-se à relação
jurídica de direito material, que por sua vez é dinâmica, por definição.
288 Conforme Guilherme Freire de Barros Teixeira. O princípio da eventualidade, p. 213. 289 Procedimentos especiais, p.115-116.
141
11.2 Alteração da causa de pedir na tutela específica das obrigações
de dar, fazer e não fazer
Nessas ações, embora o pedido feito inicialmente seja o de
obtenção da tutela específica, pode haver variação na causa petendi, se for
impossível o cumprimento da obrigação.
Conforme observa Eduardo Talamini, a causa petendi do pedido de
indenização por perdas e danos é normalmente mais ampla que aquela que
ampara o pleito de resultado específico. Isso porque a conversão da tutela
específica em perdas e danos pode levar o juiz à apreciação de novos elementos,
tais como: “a) a definição da existência, extensão e valor dos danos que
apresentem nexo de causalidade com a transgressão (ressalvada, no que tange à
quantificação, a hipótese de prévia liquidação convencional do dano); e b) quando
a conversão em tutela genérica se der por impossibilidade, o exame da culpa do
réu (ressalvado o caso de responsabilidade objetiva)”.290
Todavia, Eduardo Talamini pondera que o autor não pode, no curso
do processo, modificar o pedido e/ou a causa de pedir, requerendo a conversão
em perdas e danos, quando ainda seja possível obter a tutela específica. Assim, a
possibilidade de alteração do pedido e da causa de pedir somente deve ser
admitida quando haja impossibilidade superveniente do cumprimento da própria
obrigação inadimplida.291
290 Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer, p. 331. 291 Ibid., p. 336-337.
142
Ainda a esse respeito cabe assinalar que, segundo Cândido Rangel
Dinamarco, “há no art. 461 do Código de Processo Civil e em seus parágrafos
transgressões a dois dogmas instalados muito solidamente no sistema do
processo civil moderno, que são (a) o da necessária correlação entre a sentença
e a demanda e (b) o do exaurimento da competência do juiz a partir do momento
em que publica a sentença de mérito”.292
Especificamente quanto à violação ao princípio da correlação,
Dinamarco ressalta que “é mais do que razoável, também para a efetividade da
promessa constitucional de tutela jurisdicional e acesso à justiça, superar a regra
da correlação entre sentença e demanda (arts. 128 e 460), com vista à efetividade
dessa tutela”.293
Na mesma linha, Ricardo de Barros Leonel observa que, no caso da
tutela específica, “há clara violação à proibição de que o juiz inove no processo de
conhecimento após proferir a sentença, quando ele, v.g.: a) determina a fixação
de multa que não tenha sido anteriormente fixada; b) altera o valor da multa fixado
na sentença (para majorá-lo ou reduzi-lo); c) ou determina medidas para o
cumprimento da decisão”. E arremata ressaltando que, “de outro lado, há clara
violação dos “princípios” ou regras da demanda e da congruência, quando v.g. : a)
se permite ao juiz conceder medida equivalente ou providências que assegurem
aquilo que era pretendido pelo autor, fazendo-o de ofício; b) quando o juiz, de
ofício, determina a imposição de multa, ou mesmo a fixa em valor superior ao que
foi pedido pelo autor.”294
292 A reforma da reforma, p. 226. 293 Ibid., p. 228. 294 Objeto litigioso e direito superveniente no processo civil, p. 142.
143
Portanto, é possível concluir-se que no caso da tutela específica, o
legislador fez uma série de concessões em relação ao princípio da demanda e da
congruência, para garantir, como valores preponderantes, o acesso à justiça e à
efetividade da tutela jurisdicional.
144
12. O FATO SUPERVENIENTE E O PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA
12.1 O princípio da congruência – 12.2 A alteração da causa de pedir e o princípio da congruência - 12.3 O fato superveniente e a mitigação do princípio da congruência – 12.4 Síntese das conclusões sobre o tema
12.1 O princípio da congruência
Como corolário do princípio da estabilização da demanda, nosso
ordenamento jurídico consagra também o princípio da congruência entre a
sentença e os elementos objetivos da demanda.295
De acordo com o princípio da congruência, a causa petendi
deduzida na petição inicial deve, necessariamente, encontrar ressonância na
motivação da sentença que deve explicitar as razões de decidir, ou seja, as
circunstâncias fáticas e jurídicas que justificam a decisão.296
A esse respeito, Cândido Rangel Dinamarco alude à existência
de uma linha imaginária que une, de um lado, a causa de pedir da
295 Sobre o princípio da estabilização da demanda, vide item 2 supra. 296 José Rogério Cruz e Tucci. A motivação da sentença no processo civil, p. 15.
145
demanda à motivação da sentença e, de outro, o pedido formulado pelo
autor ao dispositivo da decisão.297
Por força de tal princípio, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu
inclusive que “é rescindível a sentença proferida em desconformidade com a
causa de pedir”.298
12.2 A alteração da causa de pedir e o princípio da congruência
Convém observar que compreender as implicações do princípio da
congruência no que diz respeito à causa de pedir remete à indagação
anteriormente referida, no sentido de saber se o conhecimento do fato
superveniente significa, ou não, alteração da causa petendi.
Desse modo, se admitirmos que o conhecimento do fato
superveniente conduz à modificação da causa de pedir, não haverá que se falar
em violação ao princípio da congruência, uma vez que a sentença será proferida
com base na causa de pedir, só que modificada.
Contudo, se entendermos que a causa petendi é, na verdade, uma
categoria abstrata colocada na petição inicial in status assertionis, será
necessário reconhecer, nesse caso, uma exceção ao princípio da congruência,
uma vez que, ao considerar o fato superveniente, a sentença estaria afastando-se
da causa petendi, tal como inicialmente exposta pelo autor.
297 Capítulos da sentença, p. 58 e 61.
146
Portanto, se entendermos que a causa petendi permanece
inalterada quando se considera o fato superveniente, haverá violação ao princípio
da congruência. Nesse sentido, a permissão contida no artigo 462 poderia ser
tomada como demonstração de que o princípio da congruência entre a demanda
e o provimento jurisdicional não seria absoluto.
12.3 O fato superveniente e a mitigação do princípio da congruência
Da afirmação de que o princípio da congruência não seria absoluto,
não seria razoável deduzir-se que haveria a possibilidade ampla e genérica de
admitir fatos não contidos na inicial, o que equivaleria à própria negação do
princípio da congruência.
O que se revela necessário, à luz da instrumentalidade do processo,
é na verdade o abrandamento das conseqüências da violação ao princípio da
congruência, especialmente no que diz respeito à teoria das nulidades.
Desse modo, será possível admitir-se, em determinadas situações,
que o julgador considere os fatos supervenientes, sem que isso represente um
julgamento extra petita, ou, mais precisamente, extra causa petendi.
298 Theotônio Negrão. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, 28 ed., São
Paulo: Saraiva, 1997, nota 9ª ao art. 264, p. 241.
147
Aliás, nesse sentido é o entendimento de José Roberto Bedaque, ao
defender a mitigação do princípio da congruência, desde que observado o
contraditório.299
Vallisney de Souza Oliveira, em abrangente estudo a respeito do
princípio da congruência, observa que, “quando a sentença altera a causa de
pedir, invocando acontecimentos não suscitados no processo, para julgar com
base neles, advirá nulidade por violação ao princípio da congruência, cabendo ao
tribunal reconhecer a situação na via recursal”. Afirma, ainda, que “se o juiz
considerar outros fatos, não cogitados no processo e, ignorando os suscitados,
julgar de acordo com a pretensão de uma das partes, sua sentença será extra
petita (ou melhor, extra causa petendi)”.
Contudo, temperando a rigidez do princípio da congruência, o
mesmo autor observa que “se o juiz ignorar os fatos formadores da causa de
pedir e invocar outros, haverá julgamento extra causa petendi, que não acarretará
299 José Roberto Bedaque observa que: “A exposição minuciosa dos fatos e a formulação precisa
da pretensão permitem ao réu saber exatamente o que deve apresentar como matéria de defesa. O que importa, pois, é que os fatos sejam submetidos ao devido processo legal, ainda que sua introdução não tenha observado as exigências legais. Sustenta-se mesmo, talvez com certa dose de exagero, que o princípio da congruência encontra-se em crise e tende a desaparecer do sistema. Nessa linha, chega-se a sugerir, de forma ampla e genérica, a possibilidade de o julgador considerar fatos não propostos na inicial. Tal solução se revela inadequada, porque elimina completamente importante mecanismo técnico destinado a preservar a efetividade do contraditório. Preferível, portanto, conservar a regra, minimizando, todavia, as conseqüências decorrentes de sua não observância, em conformidade com os princípios informativos do sistema das nulidades processuais. Daí por que eventual transgressão às regras da correlação entre a demanda e o provimento somente deve ser considerada como fator de nulidade do processo se impedir a realização plena do contraditório. Caso isso não ocorra, a atipicidade do ato processual torna-se irrelevante, pois não obsta a que os objetivos visados pela técnica sejam alcançados, ainda que o ato não corresponda ao modelo legal. Essa conclusão representa, em última análise, aplicação da regra da instrumentalidade das formas” (José Roberto dos Santos Bedaque, Tutela Cautelar e Tutela Antecipada: Tutelas Sumárias e de Urgência, tentativas de sistematização, p. 97).
148
a nulidade do julgamento, se esses outros fatos foram anteriormente carreados
para os autos”.300
Portanto, para Vallisney de Souza Oliveira, “um fato ocorrente no
curso do processo pode autorizar a quebra do princípio da estabilidade do pedido
e atenuar o princípio da congruência, porque o juiz aceitará, para fins de exame, o
novo pedido à luz dos novos fatos, havendo então a divergência da sentença com
a demanda (inicialmente) proposta. Nessas circunstâncias, a decisão não
incorrerá na nulidade ultra, extra ou citra petita”.301
12.4 Síntese das conclusões sobre o tema
Postas tais premissas, em síntese, o princípio da congruência se
coloca da seguinte forma em face do problema da imutabilidade da causa petendi:
a) se considerarmos que o conhecimento do fato superveniente modifica a causa
de pedir, não haverá que se falar em violação ao princípio da congruência, uma
vez que a sentença, a rigor, estará fundamentada na causa de pedir (modificada);
b) todavia, se entendermos que a causa de pedir é uma categoria abstrata,
tomada in status assertionis, de tal modo que o fato superveniente não tenha o
condão de alterá-la, haverá, então, quando do conhecimento do fato
superveniente na sentença, uma violação ao princípio da congruência;
c) entretanto, se for respeitado o princípio do contraditório, tal violação não
acarretará em nulidade do julgado.
300 Nulidade da sentença e o princípio da congruência, p.254-255..
149
13. O PRINCÍPIO DA EVENTUALIDADE E O FATO
SUPERVENIENTE
13.1 Correspondência entre o princípio da estabilização da demanda e o princípio da eventualidade – 13.2 Alcance da expressão “direito superveniente” – 13.3 A possibilidade de alegações incompatíveis entre si o princípio da lealdade processual – 13.4 O princípio da eventualidade e o princípio do contraditório – 13.5 O princípio da eventualidade e o princípio da economia processual
Como aludido anteriormente, a doutrina majoritária costuma distinguir o
princípio da imutabilidade da demanda, tal como consagrado no artigo 264 do
Código de Processo Civil, do princípio da eventualidade, decorrente do artigo 300
do mesmo código.
Segundo tal entendimento, o primeiro princípio diria respeito ao autor, ao
passo que o segundo teria como destinatário o réu.
Observou-se, ainda, que razões de ordem teórica e prática parecem
justificar o tratamento distinto de ambas as situações.302
Partindo de tais premissas e com o objetivo de explicitar melhor as idéias
até então delineadas, passa-se ao exame do princípio da eventualidade, que é
301 Ibid., p.303.
150
absolutamente correlato ao princípio da estabilização da demanda, mas que com
ele não se confunde.
13.1 Correspondência entre o princípio da estabilização da demanda
e o princípio da eventualidade
Como já mencionado, a grande maioria da doutrina trata do princípio
da eventualidade na parte referente à resposta do réu.303
Nesse ponto, é preciso reconhecer que a redação do artigo 300 do
Código de Processo Civil acolheu a definição restritiva de eventualidade,
sugerindo que o mencionado princípio seria aplicável somente ao réu, tanto que
vem inserido na parte em que o Código trata da contestação.
Todavia, a questão não é pacífica. Já na obra de Liebman, verifica-
se entendimento segundo o qual o princípio da eventualidade diria respeito
também ao autor. Nesse sentido, Liebman observava que nosso sistema
processual herdou dois importantes postulados do processo medieval: “o de uma
ordem legal necessária das atividades processuais, como uma sucessão de
estádios ou fases diversas, nitidamente separadas entre si; e o princípio da
302 A esse respeito, vide item 2.1.1 retro. 303 Ver, nesse sentido Moacyr Amaral Santos (Primeiras linhas de direito processual civil, v. 2, p.
211); Humberto Theodoro Júnior (Curso de direito processual civil, v. 1, p. 378); Arruda Alvim (Manual de direito processual civil, v. 2, p. 317); Cândido Rangel Dinamarco (Instituições de direito processual civil, v. III, p. 469); Vicente Grecco Filho (Direito processual civil brasileiro, v. 2, p. 117; Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery (Código de Processo Civil comentado e legislação processual civil extravagante em vigor, p. 773-774); Luiz Rodrigues Wambier, Flávio Renato Correia de Almeida e Eduardo Talamini (Curso avançado de processo civil, v. 1, p. 367); Marcelo Abelha Rodrigues (Elementos de direito processual civil, v. 2, p. 267.
151
eventualidade, que obriga as partes a propor ao mesmo tempo todos os meios de
ataque ou de defesa ainda que contraditórios entre si”.304
Guilherme Freire de Barros Teixeira defende, com veemência, que
por força dos artigos 282, III; 264 caput e parágrafo único do Código de Processo
Civil, o princípio da eventualidade recairia também sobre o autor, não se
justificando a limitação apenas no tocante ao réu.305
Dessa forma, Guilherme Freire de Barros Teixeira define a
eventualidade como “o princípio que impõe ao autor a alegação, na petição inicial,
dos fatos essenciais, dos fundamentos jurídicos e dos pedidos deles decorrentes,
sob pena de não mais poder deduzi-los ou formulá-los posteriormente, e, ao réu,
a apresentação concentrada e simultânea de todas as alegações e exceções em
sua resposta, ainda que de natureza diversa ou incompatíveis entre si, para a
eventualidade de não ser acolhido algum dos argumentos utilizados, sob pena de
preclusão”. 306
Nessa mesma linha, José Rogério Cruz e Tucci sustenta que o
princípio da eventualidade, na medida em que impõe um sistema rígido de
preclusões, seria, inclusive, “pressuposto da teoria da substanciação, ao exigir a
exposição simultânea, na petição inicial, dos fatos que fazem emergir a pretensão
do demandante (causa petendi remota) e do enquadramento da situação
concreta, narrada in status assertionis, à previsão abstrata, contida no
304 Notas às instituições de direito processual civil de Chiovenda, 2ª ed., trad. Port. J. Guimarães
Menegale, São Paulo, Saraiva, v. 3, 1965, p. 158, NT. 1. 305 O princípio da eventualidade no processo civil, p. 27-28. Também divergindo da corrente
majoritária, encontramos José Rogério Cruz e Tucci (A causa petendi no processo civil, p. 88-90); Everardo de Sousa (Do princípio da eventualidade no sistema do Código de Processo civil, Revista Forense 251/110-111); Calmon de Passos (Comentários ao Código de Processo Civil, v. III, p. 251); e Carlos Alberto Álvaro de Oliveira (Do formalismo no processo civil, p. 172).
306 O princípio da eventualidade no processo civil, p. 50.
152
ordenamento de direito positivo, e do qual decorre a juridicidade daquela (causa
petendi próxima).”307
Contudo, nada obstante a sólida argumentação dos que integram a
corrente minoritária, nesse ponto, como já assinalado, parece correta a doutrina
majoritária.
Com efeito, há razões de ordem teórica que tornam preferível tratar
separadamente a imutabilidade dos elementos objetivos da demanda e o princípio
da eventualidade, reconhecendo tratar-se de fenômenos distintos.
Nessa linha, Moacyr Amaral Santos ilustra com precisão as
diferentes origens do princípio da eventualidade e da inalterabilidade do libelo,
indicando que se trata de categorias que, embora correspondentes, são
ontologicamente distintas: “Do princípio da imutabilidade da ação decorre o
princípio da inalterabilidade do libelo, conforme o qual ao autor é vedado aditar,
no curso do processo, pedido não formulado na inicial (adição do libelo) (art.294),
ou mudar a causa de pedir (mudança do libelo). Correspondente a essas
vedações em relação ao autor, justificou-se a formação do princípio da
eventualidade ou da concentração da defesa na contestação, pelo qual todas as
defesas, salvo as exceções e os incidentes, deverão ser alegadas na
contestação, com caráter preclusivo, sendo ao réu vedado produzi-las
posteriormente, no curso do processo (art. 303) “.308
Portanto, trata-se de institutos correlatos, porém distintos. À
vedação imposta ao autor em razão do princípio da imutabilidade da ação,
corresponde o princípio da eventualidade em relação ao réu, impondo-se a este a
307 A causa petendi no processo civil, p.151.
153
concentração da defesa na contestação, o que significa que todas as defesas,
salvo as exceções e os incidentes, deverão ser alegadas na contestação, sob
pena de preclusão.
Desse modo, quando se fala em princípio da eventualidade, faz-se
referência à vedação imposta ao réu, no sentido de impedir a introdução de novos
argumentos de defesa, o que não se confunde nem com a imutabilidade do
pedido e tampouco com a estabilização da demanda, que são vedações impostas
ao autor, o qual não poderá alterar os elementos da ação, após decorrido
determinado momento processual.
Não se trata de mero formalismo, mas de distinção que permite
melhor compreender as diferenças de tratamento dispensado ao fato
superveniente, conforme se trate de alegação que beneficie o autor, ou o réu,
como se verá mais adiante.309
13.2 Alcance da expressão “direito superveniente”
Como examinado anteriormente, o Código de Processo Civil, ao
cuidar do problema da superveniência no processo, refere-se ora a fato, ora a
direito superveniente e, ainda, a questões de fato. 310
No que diz respeito ao princípio da eventualidade, o artigo 303 do
Código de Processo Civil enumera exceções específicas, as quais prevêem
308 Comentários ao Código de Processo Civil, vol. IV, p. 410. 309 Item 14 infra. 310 Vide item 6.3 retro.
154
serem admissíveis novas alegações quando: “I – relativas a direito superveniente;
II – competir ao juiz conhecer delas de ofício; III – por expressa autorização legal
puderem ser formuladas em qualquer tempo e juízo”.
Ricardo de Barros Leonel observa que a expressão “direito
superveniente” leva a pensar, em um primeiro momento, nas “leis” em sentido
lato, elaboradas após dado momento, por entes políticos aos quais a ordem
constitucional outorgou o poder de legislar. Adverte, contudo, que tal concepção
conduziria, a rigor, ao problema do direito intertemporal, o que não parece ser o
encaminhamento que melhor se coaduna com a busca do sentido do artigo 303,
inciso I, do Código de Processo Civil. 311
Nelson Nery Júnior ensina que a expressão “direito superveniente”,
contida no art. 303, inciso I, do Código de Processo Civil, não se trata de uma
nova regra de direito positivo promulgada no curso do processo e que tem
incidência sobre a matéria nele controvertida. Seria, na realidade, o direito que a
parte adquire, no curso do processo, pela ocorrência de um fato sobre o qual
incide o jus superveniens.312
No mesmo sentido, Milton Paulo de Carvalho entende que a
expressão “direito superveniente”, tal como consta do artigo 303, inciso I, do
Código de Processo Civil, refere-se “não a regras novas do direito positivo que se
promulguem no correr do processo e tenham incidência sobre a matéria nele
controvertida, mas aos fatos ocorridos nesse tempo e que possam influir, criando,
modificando ou extinguindo o fundamento jurídico da pretensão”.313
311 Objeto litigioso e direito superveniente no processo civil, p. 102. 312 Separação judicial – direito superveniente. Revista de Processo 25/218. 313 Do pedido no processo civil, p. 156.
155
Por outro lado, José Rogério Cruz e Tucci sustenta que a distinção
feita por Milton Paulo de Carvalho não teria relevância do ponto de vista prático,
uma vez que fato superveniente ou direito superveniente capaz de dar ao fato um
efeito diferente significariam a mesma coisa.314
Na verdade, a posição de José Rogério Cruz e Tucci parece
oferecer a melhor solução do ponto de vista da finalidade da norma, qual seja, a
possibilidade de o réu introduzir no processo alegações que não pôde apresentar
no momento da contestação, sendo razoável entender-se que a permissão refere-
se tanto a alterações legislativas que dêem aos fatos conseqüências jurídicas
diversas, quanto aos fatos supervenientes propriamente ditos.
Portanto, consoante com o que já se disse anteriormente a respeito
da exegese da expressão fato superveniente com relação ao artigo 462 do
Código de Processo Civil,315 bem como com relação ao direito superveniente
aludido no artigo 303, inciso I, entende-se que as expressões significam, na
prática, a mesma coisa.
13.3 A possibilidade de alegações incompatíveis entre si e o
princípio da lealdade processual
O princípio da eventualidade impõe ao réu o ônus de concentrar na
contestação todas as alegações de defesa disponíveis, para que o juiz, se rejeitar
uma delas, passe à análise das demais.
314 A causa petendi no processo civil, p. 176, nota 82. 315 Vide item 6.3 retro.
156
Se a matéria de defesa não for alegada no momento da
contestação, ocorrerá, quanto a ela, a preclusão, o que leva a doutrina a defender
que devem ser admitidas, inclusive, alegações incompatíveis entre si.
Cabe observar que tal aspecto reforça a distinção entre o princípio
da eventualidade e o da imutabilidade da causa de pedir. Isso porque, quando se
trata do autor, não há quem sustente que se possam admitir, na petição inicial,
alegações incompatíveis entre si.
Como se verá melhor mais adiante, tal solução diferenciada decorre
exatamente do fato de que, se por um lado o réu, ao deixar de alegar determinada
matéria de defesa, não poderá mais fazê-lo em decorrência da eficácia preclusiva
da coisa julgada, por outro lado o autor, embora não possa sustentar sua
pretensão por meio de alegações incompatíveis na mesma ação, poderá ajuizar
nova ação fundada na alegação não deduzida na primeira demanda.
Portanto, enquanto na contestação a admissão de alegações
incompatíveis encontra abrigo no princípio da eventualidade, na petição inicial, a
apresentação de alegações incompatíveis pode acarretar até mesmo, conforme o
caso, o indeferimento da petição inicial por inépcia.
Para Guilherme Freire de Barros Teixeira, a afirmação de que o
princípio da eventualidade implica a admissão simultânea de todas as alegações
e exceções, ainda que incompatíveis entre si,deve ser lida com certo
temperamento, pois, além do princípio da ampla defesa, há os deveres de
veracidade e lealdade processual, o que exigiria um mínimo de coerência e
homogeneidade na defesa.
157
Ilustrando tal observação, o autor cita o clássico exemplo: “primeiro,
não me deste dinheiro algum; segundo, já o devolvi faz um ano; terceiro, disseste
que era um presente; e, por fim, a dívida já prescreveu”. 316
No mesmo sentido, Cândido Rangel Dinamarco adverte que a
incompatibilidade lógica entre as defesas apresentadas pelo réu não pode chegar
ao ponto extremo, capaz de caracterizar malícia ou litigância de má-fé e observa
que tal faculdade atribuída ao réu representa a necessária contrapartida à eficácia
preclusiva da coisa julgada. 317
13.4 O princípio da eventualidade e o princípio do contraditório
O princípio da eventualidade está intimamente relacionado com o
princípio do contraditório, e tem como escopo garantir o normal desenvolvimento
do processo, evitando tanto as surpresas, quanto as manobras protelatórias.318
316 O princípio da eventualidade no processo civil, p. 247. 317 Segundo Cândido Rangel Dinamarco: “A garantia constitucional da ampla defesa abre portas
ao réu para cumular defesas em ordem sucessiva, ainda que logicamente incompatíveis entre si, desde que essa incompatibilidade não chegue ao ponto extremo de caracterizar malícia ou litigância de má-fé. Tal é o chamado princípio da eventualidade, que visa a assegurar a efetividade da defesa ampla, cujos fundamentos serão depois apreciados pelo juiz. Essa faculdade bastante larga repercute depois nos limites da eficácia preclusiva da coisa julgada, pela qual a sentença passada em julgado fica imune a qualquer alegação que pudesse pôr em dúvida a estabilidade de seus efeitos. Ao impedir o conhecimento de qualquer questão referente a processo já extinto, quer as que ali foram suscitadas e discutidas, quer as que não o foram embora pudessem sê-lo (o deduzido e o dedutível), o art. 474 do Código de Processo Civil transmuda em autêntico ônus do réu o exercício das faculdades inerentes à eventualidade da defesa – porque, ou ele alega todas as defesas que tiver, ou não poderá alegá-las mais, depois que o mérito for julgado e a sentença ficar coberta pela coisa julgada” (Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, vol, III, p. 469).
318 A esse respeito, José Rogério Cruz e Tucci observa que: “Os litigantes, a seu turno, participando do contraditório, também têm o dever de colaborar com o órgão jurisdicional para o normal desenvolvimento do processo. E por isso, os sistemas que adotam um procedimento informado pela concentração das alegações (Eventualmaxime) são marcados pela exigência de economia e celeridade processual. Com efeito, o denominado princípio da eventualidade assegura o pleno exercício do contraditório, evitando a possibilidade de uma das partes surpreender o antagonista com a
158
Com efeito, assim como por força do artigo 264 caput do Código de
Processo Civil, cabe ao autor concentrar na petição inicial todos os argumentos
que entender cabíveis para sustentar o seu direito. Também cabe ao réu, por
força do artigo 300 do mesmo Código, alegar todas as suas razões de defesa319
na contestação.320
O princípio da eventualidade relaciona-se ainda com a ciência
bilateral dos atos e termos do processo, uma vez que contribui para que os
alegação de fatos sobre os quais este não mais poderá se pronunciar, bem como refreia as manobras protelatórias” (Tempo e processo, p.39).
319 A esse respeito, Moacyr Amaral Santos observa que: “no sistema brasileiro, a contestação é o instrumento formal normal da defesa do réu. E o é porque, conforme o Código de Processo Civil, toda a defesa do réu, a não ser as referentes às exceções do art. 304 e às defesas incidentes, deverá ser alegada na contestação. A que não o for não mais poderá ser deduzida em outra fase do processo. Com a contestação dá-se a preclusão das alegações que o réu poderia oferecer em sua defesa. Quer dizer que o Código adotou o princípio da concentração da defesa na contestação, o que, na lição de ALFREDO BUZAID,‘“exige que toda a defesa do réu, salvo as exceções e incidentes, seja alegada na contestação, com caráter preclusivo, de modo que, transcorrido o prazo,não lhe seja mais lícito aduzi-las’. O princípio da concentração da defesa na contestação, denominação que lhe deu JOSÉ ALBERTO DOS REIS, é o mesmo princípio da eventualidade, em relação ao réu: todas as defesas devem ser formuladas de uma só vez, ’como medida de previsão - ad eventum - para o caso de que a primeira oferecida seja rejeitada’ (ALSINA, PEREIRA, GABRIEL DE REZENDE FILHO, FREDERICO MARQUES). O réu, assim, terá que formular desde logo, na contestação, concomitantemente, todas as defesas, inclusive as suplementares que devem ser apreciadas no caso de as primeiras serem repelidas” (Primeiras linhas de direito processual civil, 2º vol, p.211).
320 Sobre a importância da contestação e o princípio da eventualidade, Cândido Rangel Dinamarco observa que: “O Código de Processo Civil dá tanta importância à contestação como peça básica de resistência, responsável pela fixação dos limites do litígio, do conhecimento judicial e da instrução processual a fazer, que procura confinar nela todas as defesas que o réu tiver, dando por excepcionais as hipóteses em que alguma defesa omitida possa ser suscitada depois. Seu art. 303, expressão da natureza rígida e preclusiva, que é um dos elementos identificadores do modelo processual civil brasileiro, diz que novos fundamentos defensivos só podem ser trazidos depois da contestação ofertada (a) quando relativos a direito superveniente, (b) quando competir ao juiz conhecê-los ex officio ou (c) quando a lei o permitir de modo específico. A extinção da faculdade de formular defesas omitidas em contestação caracteriza-se como preclusão consumativa. Está no inc. I do art. 303 do Código de Processo Civil a permissão de alegar defesas não contidas na contestação, quando ’relativas a direito superveniente’. Esse dispositivo associa-se ao art. 462, que manda o juiz levar em conta fatos supervenientes. Interpretado em harmonia com este, o inc. I do art. 303 revela-se como autorização a alegar depois o que não pode alegar antes – quer se trate de fatos verdadeiramente posteriores, quer acontecidos antes mas seguramente desconhecidos pelo réu quando contestou a demanda. A locução direito superveniente, contida no inc. I do art. 303 do Código de Processo Civil, não alude a eventual edição de norma jurídica nova, pois a regência da aplicabilidade desta é tema de direito intertemporal disciplinado pela Lei de Introdução ao Código Civil (art. 6º). A permissão de alegar depois refere-se a situações jurídicas novas, criadas pela superveniência ou descoberta de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos, benéficos às pretensões do Réu” (Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, vol. III, p. 469).
159
litigantes tenham a necessária informação e, conseqüentemente, a possibilidade
de reagir aos atos desfavoráveis.321
13.5 O princípio da eventualidade e o princípio da economia
processual
A eventualidade está relacionada também com o princípio da
economia processual.
Nesse sentido é oportuno lembrar a lição de Chiovenda, segundo a
qual: “O princípio da economia processual, que mais não é que a aplicação do
princípio do menor esforço à atividade jurisdicional, e não só em cada processo,
mas igualmente em referência a vários processos relacionados entre si: importa
obter o máximo resultado na atuação da lei com o mínimo emprego possível de
atividade processual”.322
Todavia, Guilherme Freire de Barros Teixeira pondera que “a
eventualidade, aplicada em sua formulação originária, que exige a apresentação
concentrada e simultânea dos meios de ataque e de defesa na petição inicial e na
contestação, respectivamente, pode gerar resultados opostos, não apenas
abarrotando o processo com questões desnecessárias expostas pelas partes, de
modo a não correrem o risco de serem atingidas pela preclusão, mas também
podendo excluir alegações, pedidos e exceções que os litigantes não tenham
apresentado ou formulado, culminando na resolução apenas parcial do conflito de
interesses e deixando margem a novas demandas entre as mesmas partes, para
321 Guilherme Freire de Barros Teixeira. O princípio da eventualidade no processo civil, p. 57.
160
que sejam resolvidas questões que já poderiam ter sido solucionadas no processo
anterior”.323
O mesmo autor ressalta ainda que, “não raro, a situação fática não
se apresenta claramente delimitada logo no início da demanda, o que pode
acontecer somente durante a tramitação do processo, acarretando a resolução
apenas parcial do conflito de interesses existente entre as partes, deixando aberta
a porta para novas demandas entre elas, de modo a serem resolvidas questões
não abordadas ou não decididas no processo anterior”.324
Portanto, quanto à relação entre o princípio da eventualidade e a
economia processual, é preciso considerar que muitas vezes é inútil apressar a
resolução de determinado processo em específico, se dessa aceleração resulta a
subsistência do conflito, o que dará ensejo ao ajuizamento de um novo processo.
Enfim, é preciso cuidar para que, no afã de propiciar a economia
processual a partir do ponto de vista interno de determinado processo, não se
deixe de enxergar a necessidade de obtenção da economia processual em
sentido externo, ou abrangente, que preconiza, em última análise, a solução
efetiva da lide. 325
322 Instituições de direito processual civil, p. 131. 323 O princípio da eventualidade no processo civil, p. 63. 324 Ibid., p. 55. 325 A respeito das propostas de flexibilização da regra da eventualidade, tendo como escopo a
busca da economia processual em sentido externo, vide item 18 infra.
161
14. DISTINÇÃO ENTRE O PRINCÍPIO DA IMUTABILIDADE DA CAUSA DE PEDIR E O PRINCÍPIO DA EVENTUALIDADE. RAZÕES QUE JUSTIFICAM TRATAR DE MODO DIFERENTE A POSSIBILIDADE DE ALEGAÇÃO DE FATO SUPERVENIENTE PELO AUTOR E PELO RÉU
14.1 O problema da identificação da ação – 14.2 Diferenças entre as posições do autor e do réu, em face da eficácia preclusiva da coisa julgada: 14.2.1 Considerações gerais a respeito da eficácia preclusiva da coisa julgada; 14.2.2 A insuficiência da teoria da tríplice identidade em face dos problemas decorrentes da eficácia preclusiva da coisa julgada; 14.2.3 O maior rigor do artigo 474 do Código de Processo Civil em relação ao demandado – 14.3 O conhecimento novo de fato velho. Possibilidade de alegação pelo réu e impossibilidade de alegação pelo autor, na mesma ação – 14.4 Matérias cognoscíveis de ofício e que podem ser alegadas pelo réu a qualquer tempo – art. 303, incisos II e III. Possibilidade de alegação pelo autor, somente se relativas a fato ocorrido após a estabilização da demanda
14.1 O problema da identificação da ação
Como já observado, parece mais adequado tratar do princípio da
eventualidade como instituto ligado à resposta do réu, enquanto a estabilização
da demanda diria respeito à fixação dos elementos objetivos da demanda, pelo
autor, na petição inicial.
162
Do ponto de vista teórico, o aspecto mais significativo dessa
distinção refere-se ao fato de a causa excipiendi nada ter a ver com a
identificação da ação.
Com efeito, segundo a teoria predominantemente aceita entre nós,
o que identifica a ação são as partes, o pedido e a causa de pedir, tal como
delineados na petição inicial.
Nesse sentido, Ricardo de Barros Leonel observa que “a dedução
de ‘direito superveniente’ (cf. art. 303 I, do CPC) pelo réu, após a contestação,
embora inove, não interfere diretamente na configuração do objeto litigioso
(pedido, delimitado pela causa de pedir), pois este é fixado pelo autor”.326
Portanto, quando se fala do conhecimento de alegações feitas pelo
réu, em momento posterior à contestação, não se coloca em jogo a identificação
da ação, já que o réu defende-se, sempre, da mesma causa de pedir. Em outras
palavras, a alteração das alegações de defesa em nada interfere no problema da
estabilização da demanda.
14.2 Diferenças entre as posições do autor e do réu, em face da
eficácia preclusiva da coisa julgada
Outro dispositivo referente tanto ao princípio da imutabilidade da
causa de pedir, quanto ao princípio da eventualidade é o art. 474 do Código de
Processo Civil, que consagra a eficácia preclusiva da coisa julgada.
163
O exame conjunto dos artigos 264, 300 e 474 do Código de
Processo Civil, a partir de uma exegese meramente literal, conduz a uma solução
aparentemente paradoxal.
Se, por um lado, o autor não pode alegar fatos novos após o
saneamento do processo e o réu deve concentrar todos os argumentos de defesa
na contestação, por outro, reputam-se deduzidas e repelidas todas as alegações
e defesas que a parte poderia ter apresentado, mas tenha deixado de fazê-lo.
Por esse motivo, Arakén de Assis refere-se, com razão, ao artigo
474 do CPC como “fonte de tormentas” e “campo de ensaio inexaurível”.327
Pretende-se, nesse ponto, buscar uma sistematização de tais
dispositivos, do que decorrerá a evidência de que a eficácia preclusiva da coisa
julgada não atinge de igual modo o autor e o réu. Entretanto, convém,
preliminarmente, tecer algumas considerações de ordem genérica, a respeito da
eficácia preclusiva da coisa julgada.
14.2.1 Considerações gerais a respeito da eficácia preclusiva da
coisa julgada
Liebman, ao comentar o artigo 287 do Código de Processo
Civil de 1939, que é precursor do artigo 462 do Código de Processo Civil de 1973,
explicava que: “... se uma questão podia ser discutida num processo, mas de fato
326 Objeto litigioso e direito superveniente no processo civil, p. 244.
164
não o foi, não obstante isso a coisa julgada se estende mesmo a ela, no sentido
de que não poderá ser utilizada para se negar ou contestar o resultado a que se
chegou no processo. Por exemplo: se o réu, em defesa, poderia opor uma série
de argumentos, e não o fez, vindo a ser condenado, não mais poderá deles se
valer para contestar a coisa julgada, pois a tanto se opõe a finalidade prática
desse instituto, que exige o respeito à coisa julgada ainda quando importantes
questões tenham sido discutidas por acaso de modo incompleto”.328
Segundo Moacyr Amaral Santos, “proferida a sentença de
mérito e tendo ela produzido coisa julgada, resulta particular preclusão quanto às
alegações e defesas tendentes ao acolhimento ou à rejeição do pedido, que
hajam sido omitidas. Encerrado o processo, com o trânsito em julgado da
sentença de mérito, nada mais há a alegar. A sentença passada em julgado, com
autoridade de coisa julgada, é imutável e indiscutível (Cód. Proc. Civil, art. 467). A
imutabilidade e indiscutibilidade da sentença passada em julgado tornam
preclusas todas as alegações e defesas, que a parte poderia ter oposto, e não
opôs, assim ao acolhimento como à rejeição do pedido (....). As alegações e
defesas omitidas ‘reputar-se-ão deduzidas e repelidas’, não mais podendo ser
aventadas em futuro processo sobre a mesma lide, nada obstando, entretanto,
sejam discutíveis e sujeitas a decisão em outro processo referente à lide diversa à
daquela em que se operou a coisa julgada”.329
327 Cumulação de ações, p. 122. 328 Limites objetivos da coisa julgada. Estudos sobre o processo civil brasileiro, p. 129. O artigo
287 do Código de Processo Civil de 1939 tinha a seguinte redação: “Art. 287. A sentença que decidir total ou parcialmente a lide terá força de lei nos limites das questões decididas. Parágrafo único. Considerar-se-ão decididas todas as questões que constituam premissa necessária da conclusão”.
329 Primeiras linhas de direito processual civil, v. 3 , p. 62.
165
Barbosa Moreira afirma que, nesses casos, “o que se passa
com a solução de semelhantes questões, após o trânsito em julgado da sentença
definitiva, é o mesmo que se passa com a das questões que o juiz tenha
apreciado unicamente para assentar as premissas da sua conclusão: nem a umas
nem a outras se estende a auctoritase rei iudicatae, mas todas se submetem à
eficácia preclusiva da coisa julgada. Nesse sentido, e só nele, é exato dizer que a
res iudicata ‘cobre o deduzido e o dedutível’”. E especificamente quanto à
finalidade do instituto, sustenta que se trata “menos, com efeito, de reputar
‘deduzidas e repelidas’ as ‘alegações e defesas’ capazes de influir no resultado
do processo, do que de proibir que tais ‘alegações e defesas’ deduzidas ou não,
se venham a usar como instrumento de ataque àquele resultado”.330
Na mesma linha, Marcelo Abelha Rodrigues explica que não
se trata de estender os efeitos da coisa julgada às questões decididas, uma vez
que, como se sabe, a coisa julgada incide sobre a decisão do mérito da causa.
Trata-se, sim, de um dos efeitos da sentença, que impede utilizar as questões
deduzidas ou não no curso do processo para atacar a coisa julgada. E uma vez
que, a rigor, a preclusão é um fenômeno eminentemente endoprocessual, o
mencionado autor prefere chamar esse fenômeno de “eficácia preclusiva pan-
processual da coisa julgada”. 331
330 Eficácia preclusiva da coisa julgada material no sistema do processo civil brasileiro, Temas de
direito processual civil, 1. série, p. 100 e 102. 331 Nesse sentido, explica Marcelo Abelha Rodrigues: “Destarte, o art. 468 deve ser interpretado
em conjunto com o art. 474 do CPC. Quando o art. 468 afirma que a sentença tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas e quanto ao art. 474 menciona que,‘“passada em julgado a sentença de mérito, reputar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas, que a parte poderia opor assim ao acolhimento, como à rejeição do pedido’. Isso significa que o legislador deu à sentença de mérito transitado em julgado (coisa julgada material) uma força tal que nenhuma questão (ventilada ou não ventilada no processo, debatida ou não debatida) poderá ser rediscutida em outro processo, com a finalidade de ofender o conteúdo da sentença sobre a qual paira autoridade de Coisa Julgada.
166
Barbosa Moreira apresenta exemplo da eficácia preclusiva da
coisa julgada, caracterizando com clareza essa categoria: “Em ação proposta por
X contra Y, para revogação de indenização por ingratidão, com fundamento em
que o donatário, não obstante pudesse ministrar-lhos, recusou ao doador os
alimentos de que necessitava (Código Civil, art. 1.183, IV), é obviamente capaz
de influir no resultado do processo a alegação de que Y recebera vultosa herança,
caso provada, tal alegação forneceria um dos pressupostos da procedência do
pedido, a saber, a possibilidade de Y alimentar X. Se porém se rejeitou o pedido,
e a sentença transitou em julgado, a questão perde toda a relevância, quer haja X
deduzido, quer não haja deduzido o fato. Nesta última hipótese, não aproveitará a
X, em novo processo, eventualmente instaurado com o mesmo objeto,
argumentar que no feito anterior não se levara em conta a herança deixada a Y
e, se se a houvesse levado em conta, seria outra a conclusão do juiz: do ponto de
vista prático, não há diferença entre essa situação e a que ocorreria caso X
tivesse alegado, no primeiro processo, o recebimento da herança por Y, e o órgão
judicial tivesse desprezado a alegação, v.g. por não a julgar provada”.332
Portanto, a finalidade do instituto é impedir que o julgado seja
atacado com fundamento no argumento de que determinada questão não foi
Em outros termos, significa dizer também que sobre as questões (deduzidas ou dedutíveis) não paira a autoridade da coisa julgada, porque esta está reservada ao conteúdo meritório da decisão proferida. Contudo, há um fenômeno que incide sobre tais questões, que impede a sua discussão quando se pretenda utilizá-lo para atacar a autoridade da coisa julgada. A esse fenômeno a doutrina deu o nome de eficácia preclusiva da coisa julgada. Entretanto, como a preclusão é um fenômeno endoprocessual, e o que ocorre com as questões extrapola o próprio processo, preferimos dizer que se trata de uma eficácia preclusiva pan-processual da coisa julgada. É o que se dá quando o réu não alega a prescrição e contra si é dada uma sentença condenatória. Não poderá em ação posterior, em ação declaratória de inexistência de relação jurídica com o credor, pretender atacar a coisa julgada com fundamento na prescrição do crédito” (Elementos de direito processual civil, volume 1; 3ª Edição, p.349).
332 Temas de direito processual civil, 1a. série, p. 103.
167
apreciada, o que não significa que tal questão não possa ser apreciada em outro
processo, no qual seja diferente a lide.333
14.2.2 A insuficiência da teoria da tríplice identidade em face
dos problemas decorrentes da eficácia preclusiva da
coisa julgada
As questões atinentes à coisa julgada, na maior parte das
vezes, podem ser resolvidas à luz da teoria dos tria eadem. Como se sabe, a
coisa julgada pressupõe a identidade de partes, pedido e causa petendi, de modo
que, se houver, entre duas ações, a variação de um desses elementos, essas
ações não serão consideradas idênticas. Assim, se a segunda demanda for
proposta com base em causa de pedir diversa, não será o caso de incidência da
eficácia preclusiva da coisa julgada, uma vez que se trata de outra ação e a coisa
julgada material não vai além dos limites da demanda proposta.
Segundo Sérgio Gilberto Porto, “pelo fato de a mudança da
causa representar alteração dos parâmetros da demanda, resulta impossível
aceitar o entendimento que admite a preclusão de todos os fundamentos no
333 Nesse sentido já decidiu o Superior Tribunal de Justiça: “Também não constitui óbice ao aqui
afirmado a invocação do que se contém no art. 474 do CPC. Aí se dispõe que a sentença de mérito transitada em julgado, faz com que se considerem repelidas não só as alegações apresentadas no processo, como as que o poderiam ser. As deduzidas e as dedutíveis, costuma-se dizer. Isso significa apenas que a intangibilidade da coisa julgada não poderá ser afetada pela circunstância de alguma questão haver deixado de ser suscitada no processo. Na medida em que necessário para manter-se o decidido, é como se as partes houvessem apresentado todas as questões. Ainda aquelas que não o foram e que, eventualmente, pudessem conduzir, se acolhidas, a resultado diferente. Não se pode pretender infringir o julgado, com base em que não apreciada determinada questão, o que não significa não possa
168
acolhimento ou na rejeição de determinado pedido, mesmo quando não postos
em causa, consoante estabelecido no art. 128 do CPC, salvo se adotada
expressamente a teoria da individualização, que identifica o conteúdo da causa de
pedir na simples afirmação da existência de relação jurídica”. E conclui que:
“Nesse diapasão e nessa medida é que deve ocorrer a fixação da extensão da
eficácia preclusiva, que diz com os limites causais do litígio, considerando como
se tivesse sido deduzido tudo em torno da causa que dá suporte à pretensão, ou
seja, entendendo consumidas todas alegações e defesas relativas à causa
deduzida, mas não todas as causas que poderiam ensejar a mesma pretensão,
sob pena de – se assim não for – suprimir-se da apreciação do Poder Judiciário
ameaça ou lesão a direito, o que se constituiria em verdadeira violação de
garantia constitucional, tal qual a coisa julgada”.334
No entanto, como observa Guilherme Freire de Barros
Teixeira, a teoria dos tria eadem nem sempre é suficiente para delimitar o alcance
da eficácia preclusiva da coisa julgada, havendo a necessidade de se recorrer,
em determinadas hipóteses, à teoria da identidade da relação jurídica. O autor
cita o exemplo dos embargos do devedor, fundados, por exemplo, em novação
ocorrida anteriormente à sentença proferida no processo de conhecimento, mas
neste não alegada. Mesmo sendo diferentes a causa de pedir e o pedido dos
embargos do devedor, em relação ao processo de conhecimento, uma vez que se
trata de causa anterior à formação do título executivo, a novação não pode ser
alegada por estar acobertada pela coisa julgada. Assim, como demonstra o
mencionado autor, a coisa julgada pode incidir sobre uma questão que não foi
ser examinada em outro processo, em que outra a lide” (REsp. 11.315-0, STJ, 3ª Turma, rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 31/08/1992, RSTJ, n.37, p. 413).
334 Comentários ao Código de Processo Civil, vol. 6, p. 232-233.
169
debatida pelas partes em determinado processo, mas que foi decidida em outra
ação.335
José Maria Tesheiner vai mais além, para considerar que,
embora possa haver diferença entre os elementos objetivos da demanda, incidirá
a eficácia preclusiva da coisa julgada nas hipóteses em que os fatos sejam da
mesma natureza e conduzam ao mesmo efeito jurídico.336
De todo modo, parece ser correto reconhecer que o problema
da eficácia preclusiva da coisa julgada por vezes não se resolve pelo critério da
tríplice identidade, levando o intérprete a buscar solução na teoria da relação
jurídica.
335 O princípio da eventualidade no processo civil, p. 283-284. 336 O autor distingue quatro situações: a) fatos da mesma natureza que produzem o mesmo efeito
jurídico; b) fatos de natureza diversa, mas que produzem o mesmo efeito jurídico; c) fatos da mesma natureza que produzem efeitos jurídicos diversos; e d) fatos de natureza diversa e que produzem efeitos jurídicos também diversos. Com base nesse quadro, exemplifica sua conclusão afirmando que, se o autor pede o despejo, alegando dano nas paredes do imóvel, não pode propor outra demanda, alegando danos nas portas, salvo se ocorridos após o encerramento da instrução, não sendo vedada, no entanto, a propositura, concomitante ou posterior, de ação de despejo fundada, por exemplo, em locação não consentida, tendo em vista que se trataria de fato de natureza diversa. Por outro lado, se o pedido fosse de indenização pelos danos causados, nada impede que seja ajuizada uma ação pleiteando indenização pelos danos havidos nas paredes e posteriormente outra, com base nos danos nas portas. Nesse caso, os fatos são de idêntica natureza, mas produzem efeitos jurídicos próprios, ainda que iguais. O mesmo ocorre em caso de dissolução da sociedade conjugal, quando há dois adultérios, com diferentes parceiros, pois constituem fatos da mesma natureza, de modo que se o autor alegou apenas um dos adultérios e restou vencido, não poderia propor outra ação para alegar o outro adultério, salvo se superveniente (Eficácia da sentença e coisa julgada no processo civil, p. 161).
170
14.2.3 O maior rigor do artigo 474 do Código de Processo Civil
em relação ao demandado
José Roberto dos Santos Bedaque sustenta que, embora a
regra do art. 474 do Código de Processo Civil incida sobre ambas as partes, é
mais rigorosa para o demandado. Nesse sentido observa que “tal como
estabelecido no art. 474, o réu não pode mais apresentar argumentos de defesa,
pois a coisa julgada os torna preclusos. Já o autor pode deduzir outra demanda,
com nova causa petendi. A eficácia preclusiva atinge com mais intensidade a
causa excipiendi. Justificar-se-ia esse tratamento diferenciado porque, na nova
demanda, o réu poderá deduzir todos os argumentos de defesa relacionados com
aquela causa de pedir”.337
Portanto, há uma diferença vital entre as posições do autor e
as do réu, em face do problema da eficácia preclusiva da coisa julgada.
Para o autor, se determinada alegação deixou de ser feita
em momento oportuno, tratando-se de fato distinto do alegado na petição inicial,
nada impede que ele venha a pleitear, por intermédio de uma nova ação, o seu
direito fundado agora na causa de pedir omitida na primeira ação.338
337 Os elementos objetivos da demanda examinados à luz do contraditório. In Causa de pedir e
pedido no processo civil (questões polêmicas), p. 27. 338 A esse respeito, Cândido Rangel Dinamarco salienta que: “Os efeitos da sentença só se
tornam firmes entre as partes, mediante a autoridade da coisa julgada material, nos limites do objeto e da causa de pedir. Fatos constitutivos não alegados e por isso não considerados ao julgar, constituem causa petendi, não integrante da demanda julgada e conseqüentemente sua alegação em outra demanda é plenamente possível, não obstante a coisa julgada material. Uma só diferença entre a demanda julgada e a nova, seja em relação às partes, os fatos ou o pedido, é suficiente para excluir a proibição de proferir nova sentença de mérito (art. 301, §§ 1º a 3º). Isso significa que, com ou sem o art. 462 do Código de Processo Civil, ou mesmo que ele não fosse efetivamente aplicado em algum caso, o não-conhecimento do fato superveniente não comprometeria de morte o eventual direito do autor, uma vez que a
171
Contudo, em se tratando do réu, a situação é bem mais
grave. É que se o mérito for decidido contra ele, não lhe restará mais nada a
fazer, pois a eficácia preclusiva da coisa julgada impedirá que a rediscussão da
matéria seja oponível ao que ficou estabelecido na decisão transitada em
julgado.339
14.3 O conhecimento novo de fato velho. Possibilidade de alegação
pelo réu e impossibilidade de alegação pelo autor na mesma
ação
Um ponto que comporta larga controvérsia diz respeito exatamente
ao alcance da expressão fato superveniente, no sentido de saber se esta
designaria somente os eventos ocorridos após o oferecimento da inicial ou da
contestação, ou se compreenderia, também, os fatos ocorridos antes, mas
conhecidos apenas após a estabilização da demanda.340
sentença fará coisa julgada somente nos limites dos fatos alegados na petição inicial. Essas razões conduzem a limitar o espaço de incidência do disposto no art. 462, porque o autor não sofreria dano irreparável; ele terá a necessidade de voltar a juízo com outra demanda, alegando o fato que antes não alegara mas não estará impedido de fazê-lo” (Instituições de direito processual civil, vol. III, p. 283).
339 Como observa Cândido Rangel Dinamarco, “quanto à defesa do réu, vige a regra geral de que a eficácia preclusiva da coisa julgada cobre todas as possíveis defesas, quer alegadas ou não” (Instituições de direito processual civil, vol. III, p. 285).
340 A esse respeito, Cândido Rangel Dinamarco observa e indaga o seguinte: “o art. 462 do Código de Processo Civil estabelece uma norma relevantíssima, pertinente ao tema da correlação entre a tutela jurisdicional e a demanda, ao dispor que ‘se depois da propositura da ação algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito de influir no julgamento da lide, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte’. Da confusa redação desse texto, resultam na doutrina e entre os tribunais duas dúvidas muito sérias, relacionadas entre si. Só fatos ocorridos depois da propositura da demanda ou da defesa comportam essa absorção ou também fatos precedentes, só depois descobertos e provados? Só fatos circunstanciais ou também aqueles que possam alterar a causa petendi ou a causa excipiendi?” (Instituições de direito processual civil, vol. III, p. 283).
172
Em Portugal, a doutrina chega a distinguir os fatos supervenientes,
classificando-os em objetivos e subjetivos. Jorge Augusto Pais de Amaral,
comentando o artigo 506º do Código de Processo Civil português, observa que a
superveniência dos fatos pode ser objetiva, quando estes ocorreram após a
apresentação do articulado, ou subjetiva, quando, embora ocorridos antes, a parte
só tomou conhecimento deles posteriormente.341
Guilherme Freire de Barros Teixeira sustenta que o ius superveniens
diz respeito somente aos fatos ocorridos ou normas que tenham entrado em vigor
posteriormente à propositura da ação, não se admitindo como fatos
supervenientes os preexistentes, ainda que a apuração ocorra apenas no curso
do processo.342
Todavia, o mesmo autor entende que em decorrência do art. 517 do
Código de Processo Civil, admite-se a alegação de fato velho, mas de
conhecimento novo, desde que a parte prove que deixou de produzir a alegação
em momento oportuno por motivo de força maior.343
É bem verdade que o art. 517 do Código de Processo Civil refere-se
especificamente “às questões de fato, não propostas no juízo inferior”, que
“poderão ser suscitadas na apelação, se a parte provar que deixou de fazê-lo por
motivo de força maior”.
Na Espanha, Ignácio Díez-Picazo Gimenez observa que “hechos que no pudieron aducir em su demanda o em su contestación, bien por tratarse de hechos novos, es decir, hechos acaedidos con posteridad, o bien por tratar-se de hechos anteriores desconocidos, es decir, hechos que, aunque acaecidos com anterioridad a la demanda y a la contestación, las partes aleguen y acrediten que no habían tenido noticia de los mismos (Derecho procesal civil - el processo de declaración, p. 271).
341 Direito processual civil, p.177. 342 O princípio da eventualidade no processo civil, p. 256. 343 Ibid., p. 258.
173
De fato, em uma interpretação literal do dispositivo, poder-se-ia
concluir que a norma diria respeito à possibilidade de alegação do fato de
conhecimento novo tão-somente na apelação, e não no juízo de primeiro grau.
Contudo, essa interpretação meramente literal não parece
adequada. A esse respeito, diz Calmon de Passos que: “se a força maior (...)
autoriza a argüição do fato velho de conhecimento novo, na segunda instância,
como não autorizá-lo na primeira, dando-se ao julgador os elementos de fato em
sua totalidade, para que decida com acerto? A força maior devidamente
comprovada autorizaria, por conseguinte, a dedução do fato de conhecimento
superveniente, ainda quando a respeito silencie o art. 303”.344
No mesmo sentido, Arakén de Assis observa que o conhecimento
novo de fato velho “só é admitido alegada e provada a força maior, ainda que em
primeiro grau, conforme dispõe, no concernente à alegação em segundo grau, o
art. 517”.345
Todavia, se é pacífico o entendimento quanto à possibilidade de
alegação, pelo réu, do conhecimento novo de fato velho, o mesmo não ocorre em
relação ao autor.
Tomando por base as já aludidas diferenças entre as posições de
autor e réu, quanto às implicações da eficácia preclusiva da coisa julgada, parece
sustentável dizer que, para o autor, em que pese o disposto no artigo 517 do
Código de Processo Civil, a permissão da alegação de fato superveniente
restringe-se tão-somente aos fatos que tenham ocorrido após o momento de
344 Comentários ao Código de Processo Civil, vol. III, p. 289.
174
estabilização da demanda, até porque resta ao autor a alternativa de propor uma
nova ação para pleitear o direito que decorra do fato omitido na inicial.346
O autor, ao contrário do réu, pode alegar em outra demanda o fato
não referido na primeira ação, fundando assim a pretensão em uma nova causa
petendi.347
Já quanto ao réu, parece razoável entender-se de modo diverso,
para admitir que se deduzam inclusive os fatos ocorridos antes da estabilização
da demanda, mas só conhecidos após aquele momento,348-349 justamente
porque, se o réu não puder apresentar esse argumento de defesa, não poderá
345 Extinção do processo por superveniência de dano irreparável. Doutrina e prática do processo
civil contemporâneo, São Paulo: RT: 2001. 346 Nesse sentido, afirma Cândido Rangel Dinamarco: “em princípio justifica-se, portanto, em
relação ao autor, a interpretação menos ampla do art. 462, não se reputando superveniente o fato já existente, ainda quando só apurado no curso do processo (STJ). Preserva-se por esse modo a correlação entre a sentença e a causa de pedir, assim como o respeito às razões que estão à base do art. 128 do Código de Processo Civil. Preserva-se também a integridade da estabilização da demanda, ditada em seu artigo 264 (Instituições de direito processual civil, vol. III, p. 284).
347 Nesse sentido já decidiu o Superior Tribunal de Justiça: “Coisa julgada. Limites objetivos. A imutabilidade própria da coisa julgada alcança o pedido com a respectiva causa de pedir. Não esta última isoladamente, pena de violação do disposto no art. 469, I, do CPC. A norma do art. 474 do CPC faz com que se considerem repelidas também as alegações que poderiam ser deduzidas e não o foram, o que não significa haja impedimento a seu reexame em outro processo, diversa a lide” (REsp. 11.315-RJ, STJ, 3ª turma, rel. Min. Eduardo Ribeiro – DJU 28/09/1992).
348 Segundo Cândido Dinamarco, tendo em vista os desdobramentos da eficácia preclusiva da coisa julgada, “quanto ao réu é sistematicamente adequada a interpretação mais ampla e liberal dos disposto no art. 462 do Código de Processo Civil. Os fatos modificativos ou extintivos do direito do autor devem ser considerados na sentença, ainda quando ocorridos antes da contestação, desde que só depois dela tenham vindo ao conhecimento do réu – ou também em caso de dúvida seria razoável sobre essa última circunstância” (Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, vol. III, p. 286).
349 Em sentido contrário encontramos o entendimento de Moacyr Amaral Santos, segundo o qual: “Admitem-se defesas novas, posteriormente à contestação, quando fundadas em direito superveniente à própria contestação, isto é, direito que somente se constituiu ou se integrou posteriormente a esta. Assim, por exemplo, os aluguéis, as rendas, as prestações periódicas em geral, que se tornarem exigíveis somente depois da contestação” (Primeiras linhas de direito processual civil, 2º vol. p. 217).
175
mais fazê-lo, caso a ação seja julgada procedente, tendo em vista a já
mencionada eficácia preclusiva da coisa julgada. 350
Sendo diferentes as conseqüências da não-admissão da alegação
do fato superveniente, conforme se trate de argumento que favoreça ao autor ou
ao réu, parece sustentável que a regra da imutabilidade da causa de pedir,
relativa ao autor, deva ser vista com mais rigor, ao passo que o princípio da
eventualidade, referente ao réu, deva ser tomado com certo temperamento.351
14.4 Matérias cognoscíveis de ofício e que podem ser alegadas pelo
réu a qualquer tempo – art. 303, incisos II e III. Possibilidade de
alegação pelo autor, somente se relativas a fato ocorrido após a
estabilização da demanda
Enquanto a alteração da causa de pedir sofre as restrições
referentes à estabilização da demanda, decorrentes dos artigos 264 e 294 do
350 É bem verdade que tal posição pode acabar por transformar a exceção em regra, como
observa Cândido Rangel Dinamarco: “O resultado das permissões de alegações posteriores à contestação, contidas principalmente no inc. II do art. 303 do Código de Processo Civil, acaba sendo o de transformar em regra geral a possibilidade de alegá-las, passando as proibições ao campo da excepcionalidade. Em resumo, salvo situações particulares, são estes os fundamentos de defesa inadmissíveis depois da contestação: a) a compensação, (b) a incapacidade relativa do agente como vício dos negócios jurídicos, (c) o erro, (d) o dolo, (e) a coação, (f) a fraude, (g) a simulação, (h) a convenção de arbitragem e (i) as nulidades processuais relativas. A prescrição também depende de alegação pelo réu, mas lei expressa permite que seja alegada a qualquer tempo ou grau ordinário de jurisdição (CC, art. 193)” (Instituições de direito processual civil, vol.III, p. 471).
351 Segundo Cândido Rangel Dinamarco: “diante dessas razões divergentes, na interpretação do disposto no art. 462 do Código de Processo Civil, é indispensável distinguir entre: (a) fatos que beneficiam o autor, ou seja, constitutivos de seu direito e (b) fatos favoráveis ao réu, que são os modificativos ou extintivos do direito do autor. Em relação ao réu, uma série de concessões deve ser feita. Como para ele a conseqüência da omissão é mais grave (art. 474) e como há fatos que sequer dependem de ser alegados na
176
Código de Processo Civil, a modificação ou a adição da defesa, relativas a
matérias cognoscíveis de ofício ou que não estejam sujeitas à preclusão, podem
ser feitas mesmo depois de superados os limites temporais estabelecidos nos
mencionados artigos. 352
Guilherme Freire de Barros Teixeira estabelece interessante relação
entre a intensidade na aplicação do princípio da eventualidade e a possibilidade
de cognição de ofício, de determinada matéria, observando que, “em relação ao
réu, o maior ou menor grau de intensidade do princípio da eventualidade varia
conforme a possibilidade de o juiz conhecer ou não de ofício determinada matéria.
Caso a lei possibilite o conhecimento ex officio, a eventualidade é minorada ou
atenuada, pois não se pode cogitar da preclusão, já que tanto o réu pode fazer a
alegação posteriormente, como o juiz deve conhecer a matéria
independentemente de provocação do interessado. Por outro lado, se não é
possível a cognição de ofício, a eventualidade assume maior intensidade, pois a
falta de dedução da defesa pelo réu, em regra, levará à preclusão da alegação e
à presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor, ressalvadas as
hipóteses em que a natureza da relação jurídica de direito material, por envolver
direitos indisponíveis, impeça a mencionada preclusão (arts. 302, I, 351 e 320, II,
do CPC)”.353
defesa, a regra liberalizadora contida no artigo 462 encontra campo bem mais fértil para se estender e assim ocupar maior espaço”. (Instituições de direito processual civil, vol III, p. 285).
352 Guilherme Freire de Barros Teixeira que sustenta que a imutabilidade da causa petendi seria uma manifestação do princípio da eventualidade, defende que “a eventualidade é mais rígida para o autor, já que a alteração do pedido ou da causa de pedir sofre as restrições referentes à estabilização da demanda, estabelecidas nos arts. 264 e 294 do CPC, enquanto a modificação e a adição de defesa, com relação às matérias cognoscíveis de ofício, podem ser feitas mesmo após superados os limites impostos nos dispositivos mencionados” (O princípio da eventualidade no processo civil, p. 230).
353 O princípio da eventualidade no processo civil, p. 235.
177
De todo modo, convém notar que o artigo 462 do Código de
Processo Civil, que se aplica tanto ao autor, quanto ao réu, diz que o fato
superveniente pode ser conhecido inclusive de ofício pelo juiz.
Assim, da interpretação sistemática dos dispositivos acima
mencionados, é possível concluir que, para o réu, as matérias cognoscíveis de
ofício poderão ser alegadas a qualquer tempo, uma vez que quanto a elas não
ocorre a preclusão. Quanto ao réu, tal regra independe do fato de a matéria
cognoscível de ofício ser nova ou preexistir ao momento da contestação.
Por outro lado, no que se refere ao autor, como o que está em jogo
não é a preclusão, mas sim a estabilização da demanda, tais matérias, ainda que
cognoscíveis de ofício, só poderão ser alegadas se disserem respeito a fato
ocorrido após a estabilização da demanda.
Isso porque, se, por um lado, o próprio artigo 462 diz que o fato
superveniente será conhecido de ofício pelo magistrado, por outro, com base nas
observações quanto ao sentido da expressão ‘fato superveniente’ quando se diz
respeito ao autor, somente se admite como tal o fato ocorrido após a estabilização
da demanda, afastando-se, assim, o chamado conhecimento novo de fato velho.
Portanto, ainda que se diga respeito a matéria cognoscível de ofício,
se esta, por si só, tiver o condão de fundamentar o pedido, o autor somente
poderá alegá-la por intermédio de nova ação, salvo se decorrente de fato havido
após a estabilização da demanda.
Enfim, pode-se concluir que, embora nosso sistema processual
tenha adotado um sistema rígido, tal rigidez é sempre maior em relação ao autor
da ação, tanto por conta da necessidade de garantir a integridade da
178
estabilização da demanda, quanto pelo fato de que ao autor sempre é facultado o
acesso à justiça por intermédio de nova ação. Por outro lado, quanto ao réu, a
rigidez do sistema sofre, necessariamente, certo temperamento, pois em virtude
da eficácia preclusiva da coisa julgada, a impossibilidade de alegar determinados
fatos pode ter conseqüências muito mais graves.
179
15. FATO SUPERVENIENTE E CAUSALIDADE. TENTATIVA DE
SISTEMATIZAÇÃO DOS ARTIGOS 22, 462 E 303 INCISOS I, II E III, DO
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
15.1 O artigo 22 do Código de Processo Civil e o princípio da causalidade – 15.2 Distinção entre as hipóteses previstas nos artigos 22 e 462 do Código de Processo Civil – 15.3 Condenação em custas e perda do direito aos honorários de sucumbência e as hipóteses previstas no artigo 303, incisos I, II e III do Código de Processo Civil: 15.3.1 O artigo 22 do Código de Processo Civil e o direito superveniente (art. 303, inciso I, do Código de Processo Civil); 15.3.2 Incidência do artigo 22 do Código de Processo Civil nas hipóteses de alegação tardia de matérias que o juiz possa conhecer de ofício (art. 303, inciso II), ou que possam, por autorização expressa da lei, ser alegadas a qualquer tempo (art. 303, inciso III); 15.3.3 Distinção entre a inércia culposa prevista no artigo 22 e a litigância de má-fé prevista nos artigos 17 e 18 do Código de Processo Civil
15.1 O artigo 22 do Código de Processo Civil e o princípio da
causalidade
Outra norma positivada em nosso ordenamento, que apresenta
grande relevância para o estudo da superveniência no processo, é o artigo 22 do
Código de Processo Civil.
180
Referido artigo estabelece que, se o réu dilatar o julgamento da lide
por não argüir na sua resposta fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito
do autor, será condenado nas custas a partir do saneamento e perderá, ainda que
vencedor, o direito de haver do vencido os honorários advocatícios.
Segundo Arruda Alvim, “o sentido prático do citado artigo 22 é o de
criar um ônus, de caráter econômico, para o réu, consistente em que, não
argüindo determinados fatos, na sua resposta, se o fizer depois do saneamento
arcará com as custas do processo e perderá o direito à verba honorária, mesmo
que seja o vencedor da causa”.354
Comentando o artigo 22, Celso Agrícola Barbi pondera que: “o
réu, na resposta, deve alegar as objeções que tiver, relativas a validade,
desenvolvimento e modificação da relação processual, e as relativas ao
direito substancial pretendido pelo autor. Se não o fizer, ou o fizer mais tarde,
ainda assim o juiz deverá conhecer desses fatos. Mas o réu será condenado
nas custas devidas a partir do saneamento do processo, apesar de vencedor
na causa. E a sentença não poderá condenar o autor vencido a pagar os
honorários do advogado do réu. Logo, o autor vencido só pagará as custas
até o saneamento do processo. A sanção prevista na lei não depende de
intenção do réu. É imposta pela sua negligência, ou falha, o que, de qualquer
modo, pressupõe culpa”.355
Faz sentido preconizar-se a condenação do réu nas custas a
partir do saneamento, pois, se em virtude daquele fato alegado tardiamente
pelo réu, o processo poderia ter-se encerrado com julgamento antecipado da
354 Código de processo civil comentado, p. 200.
181
lide e não o foi, é justo que, a partir do saneamento do processo, seja o réu
condenado nas custas, que nesse caso, assumem uma posição
manifestamente de sanção.356
Já a perda do direito de reclamar os honorários advocatícios do
vencido homenageia o princípio da causalidade.357
O artigo 22 do Código de Processo Civil é expressão do princípio
da causalidade, eis que a parte, mesmo vencedora, fica obrigada pelo
pagamento das despesas relativas aos atos inúteis a que deu causa,
perdendo o direito a haver honorários do sucumbente.358
355 Comentários ao Código de Processo Civil, p. 206. 356 José Manoel de Arruda Alvim. Código de processo civil comentado, p. 202. 357 Cândido Rangel Dinamarco observa que “a doutrina está consciente de que a sucumbência
não é, em si mesma um princípio, senão apenas um indicador do verdadeiro princípio, que é a causalidade (Chiovenda, Piero Pajardi, Yussef Cahali)” e arremata ressaltando que “responde pelo custo do processo aquele que haja dado causa a ele, seja ao propor demanda inadmissível ou sem ter razão, seja obrigando quem tem razão a vir a juízo para obter ou manter aquilo que já tinha direito” (Instituições de direito processual civil, vol. II, p. 648).
358 Sobre o tema tratado, acerca do critério adotado pelo sistema processual pátrio, transcrevemos abaixo parte de venerando Acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, que bem elucidou a questão: “A ratio do princípio da sucumbência está na causação, sem justo motivo – ainda que de boa fé – de um processo. Normalmente, o fato da sucumbência demonstra resistência injustificada à pretensão da parte contrária: aquele a quem o juiz acabou por não dar razão pode, de ordinário, ser considerado o responsável pela instauração do processo, e, assim, a posteriori, ser condenado nas despesas (Liebman, Manuale, ed. 1968, vol. I/166/167). Casos há, porém, em que a aplicação do princípio puro da sucumbência (senz’altro, adverte Sérgio Costa) não tem nenhuma razão de ser e fere o da eqüidade. Daí dizer Liebman (ob. cit.) que, em tais hipóteses, a obrigação de pagar as despesas judiciais desaparece sempre que a parte, embora vencida, demonstre, com seu comportamento, di non aver causato la lite. Tal entendimento, resultante da interpretação do art. 91 do Código Italiano, que, como o nosso, adota o princípio da sucumbência, encontra guarida no Direito pátrio no art. 22 do Código ‘Buzaid’, do qual se infere que a parte, mesmo vencedora, que por sua conduta no processo, fizer com que este se prolongue desnecessariamente, e, com isto, acarretar despesas injustificadas, com elas arcará. A contrário sensu, se as despesas acarretadas pela parte vencida com a instauração do processo (tratando-se do autor) foram despesas justificáveis, nelas não deverá ser condenada. De tudo, vê-se que, no Direito brasileiro, como no italiano, domina o princípio da causalidade para a aferição da responsabilidade pelas despesas do processo, posto que inexista sequer menção a ele nos textos legais respectivos. E não se veja nele um corretivo ou um sub-rogado do princípio da sucumbência, mas, antes, o verdadeiro elemento informador da responsabilidade pelas despesas do processo, do qual a sucumbência é simples indici rivelatori, como parece a Angelo Gualandi (Spese e danni nel processo civile, ed. Giuffre, 1962 – Milano, p. 251, nota 11)”.
182
O mencionado dispositivo diz respeito também ao escopo da
celeridade processual e contempla o reconhecimento de que a demora na
prestação jurisdicional prejudica o autor, bem como de que as alegações
serôdias ocasionam dispêndio inútil de tempo e recursos ao Estado, cuja
atividade não pode sujeitar-se a meros caprichos do réu.359
A norma ora examinada prestigia ainda os princípios do
contraditório e da lealdade processual, na medida em que visa a evitar a
surpresa processual.
Quanto a esse aspecto, Edson Prata é enfático no seguinte
trecho de seus comentários ao artigo 22 do Código de Processo Civil:
“Qualquer fato impeditivo, modificativo, ou extintivo do direito do autor será
imediatamente alegado pelo réu. Desapareceu do nosso direito a surpresa
final, antigamente reservada pelo litigante, que, à última hora, como um
mágico feliz, apresentava seu trunfo até então guardado cuidadosamente no
bolsinho do paletó. Agora, o réu alega desde logo esse fato, ou será punido.
Não se concebe mais o processo como um jogo, nem tampouco como um
duelo observado por um juiz displicente”.360
Todavia, em que pese o salutar entusiasmo de Edson Prata no
trecho acima reproduzido, parece correta a observação de Cândido Rangel
Dinamarco, no sentido de que, na prática, o artigo 22 do Código de Processo
Civil é de difícil aplicação. Atento aos aspectos práticos e à realidade do
processo, Dinamarco faz a seguinte ponderação: “Posto que eticamente
sadio, porque visa favorecer a celeridade processual e portanto a
359 Edson Prata, Comentários ao Código de Processo Civil, p. 147.
183
tempestividade da tutela jurisdicional, reprimindo deslealdades, esse
dispositivo é de difícil aplicação porque o art. 303 do Código de Processo
Civil restringe a possibilidade de alegar fatos novos depois da resposta à
inicial; só se cogita de aplicar tais sanções, portanto, nos casos em que a
inovação seja permitida e, ao inovar, o réu causasse a necessidade de ouvir
o autor sobre os fatos novos (art. 326), retardando-se com isso a marcha do
procedimento. Além disso, os regimentos de custas não costumam dividir as
custas ou a taxa judiciária pelas fases do procedimento”.361
De todo modo, parece justo reconhecer que a doutrina não tem
dado a devida atenção ao artigo 22 do Código de Processo Civil, no que diz
respeito às implicações referentes ao tema do fato superveniente.
Procuraremos, a seguir, delinear algumas premissas que se tem
fixado a respeito desse artigo, na tentativa de sistematizar as diversas normas
que se entrelaçam no tocante aos limites impostos ao réu para alegar fatos após
a contestação e a incidência do artigo 22 do Código de Processo Civil.
15.2 Distinção entre as hipóteses previstas nos artigos 22 e 462
do Código de Processo Civil
O primeiro aspecto que parece interessante examinar diz respeito à
circunstância de que o artigo 22 do Código de Processo Civil refere-se
360 Comentários ao Código de Processo Civil, p. 148-149. 361 Instituições de direito processual civil, v. II, p. 655-656.
184
expressamente a fato impeditivo, enquanto o artigo 462 do Código de Processo
Civil não usa tal expressão, fazendo referência, por sua vez, a fato constitutivo.
Como já se disse anteriormente, em virtude de o artigo 462 não
fazer referência aos fatos impeditivos, e uma vez que tais fatos são, por definição,
sempre anteriores ou concomitantes à constituição do direito cuja realização se
busca no processo, é possível depreender-se que, por fato superveniente,
entende-se somente o fato ocorrido após o ajuizamento da demanda.362
Assim, uma primeira conclusão possível seria a de que o artigo 22
do Código de Processo Civil não trata apenas dos fatos supervenientes, mas
alcança também os fatos anteriores ao ajuizamento da demanda e que não
tenham sido alegados pelo réu em momento oportuno, mas que, por força das
exceções ao princípio da eventualidade previstas no artigo 303, incisos II e III,
poderá o réu (mas não o autor), alegá-los a qualquer tempo.363
Desse modo, a circunstância de o artigo 22 dirigir-se somente ao réu
e fazer referência aos fatos impeditivos confirmaria a assertiva, também já feita
anteriormente, de que apenas o réu pode alegar, após o momento próprio que
seria a apresentação da defesa, fato ocorrido antes do ajuizamento da demanda,
mas de que teve conhecimento somente após o oferecimento da defesa, o que
abrange os fatos impeditivos.364
Em outras palavras, o artigo 22 não se dirige ao autor e não se
refere a fatos constitutivos, exatamente porque nem sequer se cogita da
possibilidade de o autor apresentar fatos constitutivos ocorridos anteriormente ao
362 Vide item 10.4 retro. 363 Vide itens 14.3 e 14.4 retro.
185
ajuizamento da demanda, no mesmo processo, ainda que deles tenha tomado
conhecimento somente após o ajuizamento da demanda, e isso vale mesmo em
se tratando de questão cognoscível de ofício ou em relação à qual não se opere a
preclusão.
Tal solução harmoniza-se com o que já foi dito a respeito das
diferenças entre as posições de autor e réu, quanto à eficácia preclusiva da coisa
julgada. Como já aludido, a vedação da alegação de fatos após o momento
apropriado é muito mais intensa em face do autor, do que em relação ao réu,
porque, como também já observado, se os fatos não alegados constituírem nova
causa de pedir, o autor poderá, simplesmente, pleitear o mesmo direito por
intermédio de nova ação. Já quanto ao réu, a eventual omissão de algum fato
relevante é muito mais séria, pois, ao deixar de alegar a matéria de defesa ao
longo de determinado processo, não mais poderá utilizar-se da alegação omitida
para opor-se ao julgamento proferido, em decorrência da eficácia preclusiva da
coisa julgada.
15.3 Condenação em custas e perda do direito aos honorários
de sucumbência e as hipóteses previstas no artigo 303,
incisos I, II e III do Código de Processo Civil
O caráter assimétrico da legislação pertinente ao tema gera certa
dificuldade quanto a especificar os casos em que cabe a condenação em custas e
364 Vide item 14.3 retro.
186
a perda do direito aos honorários de sucumbência, tal como previsto no artigo 22
do Código de Processo Civil.
Pergunta-se, então, se em qualquer caso de alegação de fato
impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, feita após o oferecimento
da contestação, o réu estaria sujeito às conseqüências impostas pelo artigo 22 do
Código de Processo Civil, ou se haveria situações nas quais tal solução não seria
cabível.
Nesse ponto, cumpre lembrar que o artigo 303, em seus incisos I, II
e III, permite expressamente que o réu alegue em seu favor, após a contestação,
a matéria relativa a direito superveniente, ou da qual o juiz possa conhecer de
ofício, ou, ainda, a que por expressa autorização legal possa ser formulada a
qualquer tempo.365
A harmonização do artigo 303 com o artigo 22 do Código de
Processo Civil não é tarefa simples. Nesse ponto, parece conveniente tratar a
situação prevista no inciso I – direito superveniente, separadamente das situações
retratadas nos incisos II e III – matérias que podem ser conhecidas de ofício, ou
que por expressa autorização legal puderem ser formuladas em qualquer tempo e
juízo.
365 Vide itens 14.3 e 14.4 retro.
187
15.3.1 O artigo 22 do Código de Processo Civil e o direito
superveniente (Art. 303, inciso I, do Código de Processo
Civil)
Como observado anteriormente, adota-se neste trabalho o
entendimento segundo o qual a expressão direito superveniente designa tanto as
alterações legislativas que emprestem aos fatos pretéritos novas conseqüências
jurídicas, quanto os fatos jurídicos ocorridos após o ajuizamento da demanda.366
Fixado esse ponto, cumpre então indagar se o artigo 22
incidiria com relação à hipótese do inciso I do artigo 303. Nesse ponto, a resposta
parece ser negativa, por dois motivos.
Em primeiro lugar, cabe anotar que a sanção prevista no
artigo 22 do Código de Processo Civil volta-se para o desestímulo à inércia
culposa do réu.
Nesse sentido é a lição de Arruda Alvim: “No fundo o sentido
e função do art. 22 é o de albergar e configurar uma forma de culpa do réu, que
afeta a regra geral do Código, de que o vencedor tem sempre direito às custas e
honorários. Na exata medida em que esse vencedor agiu com inércia culposa,
deixando de argüir oportunamente, o que poderia ter feito, a lei lhe retira o direito
às custas e honorários”.367
366 Vide item 13.2 retro. 367 Código de processo civil comentado, p. 200.
188
Assim, não seria razoável falar-se em incidência do
mencionado dispositivo no que diz respeito a fatos ocorridos após a contestação,
exatamente porque é evidente que a não-alegação no momento da apresentação
da defesa nada tem a ver com culpa. Se o fato efetivamente ocorreu após o
oferecimento da contestação, não haveria mesmo como alegá-lo naquele
momento.
Em segundo lugar, cabe observar que o entendimento
segundo o qual as conseqüências previstas no artigo 22 do Código de Processo
Civil incidiriam sempre que o réu alegasse fato superveniente modificativo ou
extintivo do direito do autor368 após a contestação, seria de difícil sustentação
quando se compara tal solução com o tratamento dado ao autor, no tocante à
possibilidade de alegação dos mesmos fatos.
Isso porque, se, por um lado, ao autor seria lícito alegar fato
superveniente por força do artigo 462, independentemente de qualquer reflexo
quanto aos ônus de sucumbência, por outro lado, o réu, se alegasse em sua
defesa o fato superveniente, ao amparo tanto do artigo 462, quanto do artigo 303,
inciso I, do Código de Processo Civil, mas sujeito ao artigo 22 do mesmo Código,
estaria sujeito, ainda que vencedor da demanda, a responder pelas custas a partir
do saneamento, bem como perderia o direito de haver do vencido os honorários
advocatícios. Tal solução, ao que parece, deixaria de atender à necessária
isonomia de tratamento que deve existir entre autor e réu.
368 Como visto anteriormente, não faz sentido falar-se em fato superveniente impeditivo do direito
do autor.
189
Posto isso, a solução que proporcionaria o melhor
encaminhamento da questão é no sentido de afastar a incidência do artigo 22,
quando se tratar de alegação de fato superveniente, ou direito superveniente.
Todavia, como visto anteriormente, as hipóteses do artigo 22
são mais abrangentes do que as do artigo 462, pois dizem respeito não só aos
fatos supervenientes, mas também aos fatos anteriores ao ajuizamento da
demanda.
Afirmou-se, também, que por força do artigo 517 do Código
de Processo Civil, ao réu é possível alegar fato ocorrido antes da apresentação
da defesa, mas conhecido somente após esse momento.369 Indaga-se então se
seria o caso de impor ao réu as conseqüências previstas no artigo 22, quando
configurada essa hipótese.
Com efeito, também nesse caso não parece razoável impor
ao réu as punições previstas no artigo 22, porque, como já dito, a sanção
decorrente da norma em comento está intimamente associada à existência de
culpa do réu.
Assim, não seria razoável impor ao réu as conseqüências
previstas no artigo 22, quando a alegação tardia tivesse como fundamento o
artigo 517, exatamente porque se o réu se abrigou em tal dispositivo, é porque
teria provado que deixou de alegar tal fato no momento oportuno por motivo de
força maior, o que afasta, por via de conseqüência, a caracterização da inércia
369 Vide item 14.3 retro, inclusive no que diz respeito à impossibilidade, para o autor, de alegar o
conhecimento novo de fato velho na mesma demanda.
190
culposa que justificaria a condenação em custas e a perda do direito aos
honorários de sucumbência.
Nessa linha, Pontes de Miranda já observava que “o art. 22
não é invocável se o ato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do
demandado era, com fundamento, ignorado por ele”. Cita como exemplo o caso
de “ fiador que havia pago a dívida com depósito no banco que, demandante e
demandado, em cláusula negocial, haviam indicado para a solução da dívida, e o
demandado não recebeu comunicação do banco, nem do fiador, nem de outra
pessoa”.370
Portanto, conclui-se que o artigo 22 não incide nem sobre a
alegação de fato ou direito superveniente, e tampouco sobre as alegações que se
enquadram no permissivo constante do artigo 517 do Código de Processo Civil.
Daí resulta que um entendimento possível seria, em tese, o
de que o artigo 22 estaria alargando as possibilidades de deduzir matérias de
defesa após a contestação, para conceber a possibilidade de alegar fato anterior
à apresentação da defesa, e do qual o réu tinha conhecimento, tendo deixado de
alegá-lo por esquecimento ou desleixo, fazendo incidir, quanto ao réu displicente,
apenas um ônus de natureza patrimonial.
Contudo, tal solução não se sustenta, se considerarmos a
importância do princípio da eventualidade em nosso ordenamento processual. De
fato, se fosse admissível alegar quaisquer fatos tardiamente, com a imposição
tão-somente de um ônus econômico, isso equivaleria, na prática, ao completo
esvaziamento do princípio da eventualidade.
191
Portanto, como observa Arruda Alvim, “inocorrendo a
hipótese contemplada no artigo 517, sobre as questões de fato, pesará, regra
geral, preclusão, seja a preclusão consumativa (ingresso de contestação embora
com omissão), seja a preclusão temporal, isto é, o decurso in albis do prazo,
dentro do qual se deveria praticar um ato e isto não foi feito”.371
Prevalece então, quanto ao réu, o princípio da eventualidade.
Isso significa que se da omissão do réu decorreu a preclusão da alegação, não
haverá que se falar na incidência do artigo 22 do Código de Processo Civil.
De todo o exposto, quanto a esse tópico, é possível concluir-
se que o artigo 22 diz respeito somente às questões que refogem ao poder
dispositivo das partes e que não estejam sujeitas à preclusão.
15.3.2 Incidência do artigo 22 do Código de Processo Civil nas
hipóteses de alegação tardia de matérias que o juiz possa
conhecer de ofício (art. 303, inciso II), ou que possam,
por autorização expressa da lei, ser alegadas a qualquer
tempo (art. 303, inciso III)
Como já foi antecipado, não se mostra cabível cogitar da
aplicação do artigo 22 do Código de Processo Civil aos casos em que haja
ocorrido a preclusão, dada a prevalência do princípio da eventualidade.
370 Comentários ao Código de Processo Civil, Tomo I, p. 423. 371 Código de processo civil comentado, v. II, p. 201.
192
Se ocorreu a preclusão, o fato que deixou de ser deduzido no
momento oportuno simplesmente não poderá mais ser alegado, de maneira que
não faria sentido preconizar-se qualquer sanção quanto a tal alegação.
Tal ordem de conclusões já demonstra que o campo de
incidência do artigo 22 do Código de Processo Civil é, por excelência, o das
matérias cognoscíveis de ofício e em relação às quais não ocorre a preclusão.
Nesse sentido, Arruda Alvim observa que “certamente os
fatos a que alude o artigo 22 são aqueles que, precisamente porque podem ser
objeto de atividade oficiosa, a sua não argüição não retira do réu o direito de
alegá-los ulteriormente”, e arremata ressaltando que “a única conseqüência
decorrente da sua inércia é de ordem pecuniária”.372
Ainda segundo Arruda Alvim, quanto às hipóteses abrangidas
pelo artigo 22 do Código de Processo Civil, “basicamente são elas as matérias
contidas no artigo 301 do estatuto processual civil, que devem ser discutidas
antes do mérito e, desta forma, devem ser alegadas antes do mérito”. O mesmo
autor ressalta novamente que, “na medida em que isso inocorra, não há que se
falar tecnicamente em preclusão, mas sim em perda do direito de reembolso,
oneração nas custas e perda da verba honorária, apesar de o réu ser tido como o
litigante com razão”.373
Como também já mencionado, as hipóteses nas quais se
admite a dedução de novas alegações após a contestação são especificadas no
artigo 303 do Código de Processo Civil. No cotejo entre a situação contemplada
372 Código de processo civil comentado, v. II, p. 200. 373 Ibid., p. 201
193
no artigo 22 do Código de Processo Civil e as hipóteses previstas no artigo 303
do mesmo Código, já foi examinada a questão do direito superveniente (art. 303,
inciso I), extraindo-se a conclusão de que, na verdade, o artigo 22 não incide com
referência à alegação amparada naquele inciso.
Cumpre indagar, então, em quais circunstâncias se justifica a
condenação nas custas a partir do saneamento, bem como a perda do direito de
haver os honorários advocatícios da parte vencida, quando se cuida das matérias
cognoscíveis de ofício (art. 303, inciso II), ou que, por expressa autorização legal,
podem ser formuladas em qualquer tempo e juízo (art. 303, III).374
Quanto a essa indagação, há a dificuldade decorrente do fato
de que, em um primeiro momento, parece incongruente que a lei, de um lado,
autorize a alegação de matérias que possam ser conhecidas de ofício, ou que
possam ser alegadas a qualquer tempo, sem fazer qualquer ressalva quanto a
custas e honorários (art. 303, incisos II e III), e, de outro, estipule a condenação
em custas e a perda do direito de haver os honorários da parte vencida (art. 22).
Contudo, também nesse ponto, a questão parece melhor se
resolver por intermédio do critério da presença ou não de culpa em relação à
ausência de alegação no momento apropriado.
374 Interessante anotar que, com referência a tais matérias, há duas disposições expressas
quanto à atribuição das custas em caso de alegação intempestiva. A primeira é a contida no artigo 113, § 1º, segundo o qual não sendo a incompetência absoluta deduzida no prazo da contestação, ou na primeira oportunidade em que couber à parte falar nos autos, responderá ela pelas custas. A segunda vem expressa no art. 267, § 3º, segundo o qual o réu deverá alegar, na primeira oportunidade, as matérias previstas nos seguintes incisos do mesmo artigo: IV – ausência de pressupostos de constituição e desenvolvimento válido do processo; V – perempção, litispendência ou coisa julgada; VI – falta de condições da ação; não alegando, responderá pelas custas do retardamento.
194
Assim, se o réu tinha conhecimento de tais matérias e por
desídia ou esquecimento deixou de alegá-las na contestação, ainda que o juiz
possa delas conhecer de ofício (art. 303, II), ou que o réu esteja expressamente
autorizado a alegá-las a qualquer tempo (art. 303, III), será ele condenado nas
custas a partir do saneamento do processo e perderá, ainda que vencedor da
causa, o direito de haver do vencido os honorários advocatícios.
Nesse sentido, Arruda Alvim observa que “(...) quanto às
matérias que devam ser conhecidas oficiosamente, não há que falar em
preclusão, pois conhecíveis, de ofício, ou podendo ser formuladas em qualquer
tempo e juízo, nada impede que, a qualquer tempo, sejam alegadas pelo réu. É
certo que se puderem ser alegadas a qualquer momento (art. 303, III), como a
prescrição, e não o tenham sido no prazo da contestação, incidirá o artigo 22”.375
Contudo, uma dificuldade adicional impõe-se com relação às
hipóteses nas quais, embora o réu nada alegue, venha o juiz a conhecer da
matéria de ofício. Nesse caso, não parece sustentável fazer incidir as
conseqüências previstas no artigo 22, até porque, na mesma linha da perquirição
da inércia culposa anteriormente referida, seria razoável presumir-se que, se o
réu não alegou determinada matéria em sua defesa, é porque dela não tinha
conhecimento.
Tal entendimento é esposado por Arruda Alvim, ao defender
o ponto de vista segundo o qual “se, porventura, o juiz decidir pela extinção do
litígio, fundado em qualquer dos incisos do artigo 301, dado que conhece dessa
matéria – salvo a hipótese do § 4º – oficiosamente, é incogitável a aplicação do
375 Código de Processo Civil Comentado, p. 200.
195
art. 22, pois, se o réu não alegou, há presunção iuris et de iure de que
desconhecia a alegação que, apesar disso, veio a beneficiá-lo”.376
Portanto, na verdade, o campo de incidência do artigo 22 é
bastante restrito. Referida norma atinge somente as alegações não sujeitas à
preclusão, assim entendidas as relativas a matérias que podem ser conhecidas
pelo juiz de ofício, ou as que possam, por expressa autorização legal, ser
alegadas a qualquer tempo. Além disso, é preciso que tais matérias sejam do
conhecimento do réu no momento da apresentação da defesa, de modo que fique
caracterizada sua inércia culposa, o que significa, em outras palavras, que se o
réu não tinha conhecimento de tais fatos no momento da contestação, também
não poderia sofrer as sanções pela alegação tardia.
15.3.3 Distinção entre a inércia culposa prevista no artigo 22 e a
litigância de má-fé prevista nos artigos 17 e 18 do Código
de Processo Civil
Nesse ponto, cabe observar, ainda, que a possibilidade de o
réu alegar, após a apresentação da defesa, fatos não sujeitos à preclusão, cuja
ocorrência era por ele conhecida antes da contestação, com sujeição tão-somente
às conseqüências previstas no artigo 22 do Código de Processo Civil, encontra
limites que se definem exatamente pela boa-fé do réu.
376 Código de Processo Civil Comentado, p. 201.
196
Como se disse, o artigo 22 impõe ao réu a condenação nas
custas a partir do saneamento e a perda do direito de haver do vencido os
honorários advocatícios, na hipótese de inércia culposa.
Contudo, se a alegação extemporânea decorrer de má-fé, a
solução não será a aplicação do artigo 22, mas sim do artigo 18 do Código de
Processo Civil. Nesse sentido é a observação de Sérgio Sahione Fadel quanto
aos fatos alegados após a apresentação da defesa: “Convém, todavia, considerar
os limites da não argüição desses fatos na resposta do réu, em que a sanção é a
condenação nas custas após o saneador e a liberação da parte contrária dos
honorários, para não estendê-lo até as raias da má-fé, como a ocultação de
documento ou o procedimento desleal, hipóteses em que a penalidade é a do art.
18. E tais limites estão exatamente na ocorrência, ou não, da intenção deliberada
de proceder de má-fé, como resulta dos incisos II e III do art. 17”.377
Cabe assinalar, também, a existência de julgados
entendendo que, para caracterizar as hipóteses, tanto do artigo 22, quanto do
artigo 18 do Código de Processo Civil, faz-se necessário que haja a efetiva
demonstração da ocorrência de prejuízo às partes ou ao processo.378
377 Código de Processo Civil Comentado, p. 95. 378 Nesse sentido, ver REsp 277.929/SC, Superior Tribunal de Justiça, 3ª Turma, rel. Min. Antonio
de Pádua Ribeiro, j. 19/03/201, d.j.u. 30/04/2001, cuja ementa, abaixo reproduzimos: “Processual civil. Litigância de má-fé. CPC, arts. 18 e 22. Interpretação. I – Se o fato, que seria ensejador da má-fé processual, não causou, no caso, qualquer prejuízo quer às partes quer ao processo, não há identificar ofensa aos arts. 18 e 22 do CPC. II – A nota promissória vinculada a contrato de abertura de crédito não goza de autonomia, em razão da iliquidez do título que a originou. III – Ofensa ao art. 585, II, do CPC, não caracterizada. Aplicação das Súmulas nº 5 e 7/STJ. IV – Recurso especial não conhecido.”
197
16. DO CONHECIMENTO DO FATO SUPERVENIENTE EM GRAU
DE APELAÇÃO
Arruda Alvim afirma que a ocorrência de fato superveniente, ainda que
posterior à sentença, deve ser considerada até mesmo no momento do
julgamento da apelação. Sustenta tal afirmação no princípio da economia
processual, que permitiria um abrandamento da regra segundo a qual a ação
deva ser julgada tal como posta em juízo e alude que o próprio artigo 462 do
Código de Processo Civil teria encampado exatamente o princípio da economia
processual.379
Guilherme Freire de Barros Teixeira afirma que “as regras referentes ao ius
superveniens aplicam-se também em segundo grau de Jurisdição, sendo que o
momento final para o seu conhecimento identifica-se com aquele imediatamente
anterior à decisão final, quer em primeira, quer em segunda instância”.380
No mesmo sentido, Arakén de Assis381 e Antonio Carlos de Araújo Cintra382
sustentam que a norma contida no artigo 462 do Código de Processo Civil aplica-
se também ao segundo grau de jurisdição.383
379 Segundo Arruda Alvim: “A ocorrência de fato, ainda que posterior à sentença, deve ser levada
em conta no momento do julgamento da apelação, em face do princípio da economia processual, que tem abrandado o rigorismo do princípio de que a ação deve ser julgada como posta em juízo. Em rigor, o fundamento legal é o artigo 462 que, no âmbito do que dispõe, encampou o princípio da economia processual. As inexatidões materiais e os erros de cálculo não sofrem a ação do tempo, isto é, não precluem” (Manual de direito processual civil, vol. 2, p. 683).
380 O princípio da eventualidade no processo civil, p. 264. 381 Extinção do processo por superveniência de dano irreparável, in Doutrina e prática do
processo civil contemporâneo, p. 197. 382 Comentários ao Código de Processo Civil, vol. IV, p. 286.
198
Barbosa Moreira distingue os sistemas nos quais a apelação funciona
como novum iudicium e aqueles pautados no modelo da revisio prioris intantiae:
“No primeiro caso, é natural que se admita em termos amplos o suscitamento,
perante o órgão ad quem, de questões não propostas ao órgão a quo (ius
novorum; beneficium nondum deducta deducendi, nondum probata probandi); no
segundo caso, a regra há de ser a de ficarem preclusas todas as questões não
suscitadas no procedimento de grau inferior. Ali, pede-se ao tribunal que realize
livremente o trabalho de reconstrução, dentro embora da área demarcada pelo
recurso, mas com utilização de quaisquer matérias; aqui, pretende-se que ele se
limite, na reconstrução, ao uso do material já colocado à disposição do juízo
inferior. Este sistema só dá margem a que se corrijam os erros do próprio órgão
judicial; aquele abre oportunidade, ademais, para que sejam supridas as
deficiências das partes”.384
III – Recurso conhecido e provido.”
383 O mesmo entendimento vem sendo acolhido pelo Superior Tribunal de Justiça. Nesse sentido, admitindo o conhecimento de fato superveniente em grau de apelação: REsp 75003-RJ, STJ, 3ª. Turma, rel. Min. Waldemar Zveiter, j.26/03/1996, RSTJ vol. 87, p.237, cuja ementa abaixo reproduzimos: Processual Civil – Ação de posse e guarda de menores – fato superveniente à sentença – inteligência do art. 462 do CPC. I – Ocorrendo fato superveniente, no curso da ação, posterior à sentença, que possa influir na solução da lide, cumpre ao Tribunal tomá-lo em consideração ao decidir a apelação. A regra do “ius superveniens” dirige-se, também, ao juízo de segundo grau, uma vez que deve a tutela jurisdicional compor a lide como esta se apresenta no momento da entrega (art. 460, do CPC). II – Precedentes do STJ.
384 Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, p.446-447.
199
O Brasil vinha adotando o sistema da revisio prioris instantiae.385 Nesse
sentido, Barbosa Moreira observava que: “Quer isso dizer, ao ângulo da política
legislativa, que o direito brasileiro atribui à apelação, precipuamente, a finalidade
de controle. Através dela se abre a oportunidade para que o órgão ad quem
possa corrigir erros porventura cometidos no juízo inferior. Noutros sistemas
jurídicos, o mecanismo da apelação atua, por assim dizer, com abstração do que
se passou antes da interposição do recurso – como se, ao recorrer, se ajuizasse a
causa ex novo”.386
Entretanto, conforme observa José Rogério Cruz e Tucci, após a Lei n.º
10.352, de 26/12/2001, o art. 515, § 3º, do Código de Processo Civil passou a
dispor que, nos casos de extinção do processo sem julgamento de mérito, o
tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar sobre questão
exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento, caso
em que a apelação passa a ser concebida como um novum iudicium, pois ao
órgão jurisdicional de segundo grau fica permitido o mais amplo reexame da
causa, tanto em relação aos aspectos de fato, quanto de direito.387
Naturalmente, a possibilidade de alegação de fato superveniente em grau
de apelação implica a necessidade de novo contraditório e supõe a possibilidade,
Também nesse sentido, há um interessante julgado do Superior Tribunal de Justiça, cuja ementa transcreve-se abaixo: “Processual Civil. Apelação Cível. Juntada de documentos com a apelação. Possibilidade. Arts. 397 e 398, CPC. Exegese. Precedentes do STJ. 1. O Direito Brasileiro veda o novorum iudicium na apelação, porquanto o juízo recursal é de controle e não de criação (revisio priori instantiae). Em consonância, ao art. 517 do CPC interdita a argüição superveniente no segundo grau de jurisdição de fato novo, que não se confunde com documento novo acerca de fato alegado. 2. Precedentes do STJ no sentido de que a juntada de documentos com a apelação é possível, desde que respeitado o contraditório e inocorrente a má-fé, com fulcro no artigo 397 do CPC. 3. Recurso especial provido”. (REsp. 466.751-AC, STJ, Primeira Turma, rel. Min, Luiz Fux, j. 03/06/2003, d.j.u. 23.06.2003).
386 Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, p. 451. 387 Lineamentos da nova reforma do CPC, p. 99.
200
inclusive, de reabertura da instrução probatória. No Direito espanhol, por exemplo,
há previsão expressa no sentido de, mesmo o processo estando em segunda
instância, ser possível produzir provas a respeito dos fatos supervenientes.388
Assim como ocorre quanto à alegação de fato superveniente em primeiro
grau, também na apelação as questões de fato que se pretende alegar devem
exercer influência sobre a relação jurídica debatida em juízo.
Nesse sentido, José Rogério Cruz e Tucci afirma que: “na fase recursal,
dada a natureza e estrutura de revisio prioris instantiae da apelação, não é
permitido ao demandante alegar, no âmbito desse recurso, a teor do artigo 517,
fato constitutivo do seu direito discrepante daquele que integra a causa petendi
original, deduzida na petição inicial ou alterada até a declaração de
saneamento”.389
Portanto, o artigo 517 do Código de Processo Civil deve ser lido com certo
temperamento. Nesse sentido, Moacyr Amaral Santos, com a precisão que lhe é
peculiar, observa ser necessário que as questões eventualmente não alegadas
por motivo de força maior, se contenham nos limites da lide originária, para que
possam ser conhecidas em grau de apelação.390
388 Ignácio Díez-Picazo Gimenez observa que: “Finalmente, em la segunda instancia, el art.
460.2.3ª LEC permite solicitar que se practiquen pruebas referidas a hechos de relevância para la decisión Del pleito ocurridos después Del comienzo Del plazo para dictar sentnencia em la primera instancia, o hechos anteriores al comienzo de dicho plazo, de los que la parte justifique Haber tenido conocimiento com posteridad” (Derecho procesal civil – El proceso de declaración, p.272).
389 A causa petendi no processo civil, p. 150. 390 Segundo Moacyr Amaral Santos: “A apelação provoca o reexame da causa. Por ela se devolve
ao tribunal o conhecimento das questões suscitadas e discutidas no juízo a quo, para seu reexame e novo julgamento. Falamos em reexame para acentuar que, no sistema brasileiro, se devolve ao juízo do recurso o conhecimento das mesmas questões suscitadas e discutidas no juízo a quo. Haverá, no juízo do recurso, um novo pronunciamento, um novo julgamento com base no mesmo material de que se serviu o juiz de primeiro grau. Os argumentos poderão variar, mas com fundamento nos mesmos fatos deduzidos e nas mesmas provas produzidas no juízo inferior. Daí segue-se que as questões de fato podem ser deduzidas na apelação se as partes provarem que deixaram de fazê-lo no juízo inferior por motivo de força maior. É o que reza o
201
É preciso considerar, ainda, que mesmo em grau de apelação, importa
distinguir se o fato superveniente beneficia o autor ou o réu.
Como visto, quanto ao autor, a possibilidade de alegação de fato
superveniente em sede de apelação, do mesmo modo que no primeiro grau, não
pode implicar completa modificação da causa de pedir.
Entretanto, cumpre considerar que a vedação existente no primeiro grau
em relação ao autor, quanto ao conhecimento novo de fato velho, é válida
também em grau de apelação. Em outras palavras, se o autor não alegou
determinado fato ocorrido anteriormente à estabilização da demanda, ainda que
comprove que não o fez por motivo de força maior, estará impedido de alegar tal
fato em sede de apelação, exatamente porque é vedada a alteração da demanda.
Aliás, não é demais lembrar que tal fato sempre poderá ser alegado por
intermédio de outra ação.
Também os Tribunais tem rechaçado a tentativa de alteração, pelo
autor vencido, dos limites objetivos da demanda, no momento da apelação.391
art. 517 do Código de Processo Civil: ’As questões de fato, não propostas no juízo inferior, poderão se suscitadas na apelação, se a parte provar que deixou de fazê-lo por motivo de força maior’. Caberá ao juízo ad quem resolver sobre a admissão das novas questões e, na hipótese de admiti-las, permitirá, por conseqüência, a produção de prova dos fatos alegados. Condição de admissibilidade de dedução de novas questões de fato, sempre subordinada à prova de não terem sido formuladas no juízo inferior por motivo de força maior, é que as mesmas se contenham nos limites da lide. São novas questões, mas pertinentes à mesma lide, e que, por motivo de força maior, não puderem ser suscitadas no juízo inferior. (Primeiras linhas de direito processual civil, 3º vol., p. 117).
391 A esse respeito, reproduzimos interessante acórdão do Primeiro Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo: “Ementa: Recurso – Apelação – Âmbito – Alteração dos limites da demanda estabelecidos – Análise que acarreta violação aos princípios da adstrição e da demanda – Possibilidade de configuração de julgamento “extra petita” – Recurso não Provido. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n. 724.393-6, da Comarca de São Paulo, sendo apelante Luizão Representações Sociedade Civil Ltda., e apelado Banco Bradesco S/A: Acordam, em Décima Segunda Câmara Extraordinária do Primeiro Tribunal de Alçada Civil, por votação unânime, negar provimento ao recurso. 1. Demanda com pedido declaratório, versando inexistência de obrigação cambial, foi rejeitada pela r. sentença de fls. 76/78, cujo relatório se adota. Rejeitados embargos de declaração, a autora interpôs apelação.
202
Por outro lado, quando o fato superveniente beneficia o réu, pelas
mesmas razões que se admite a alegação em primeiro grau de conhecimento
novo de fato velho, também em grau de apelação tal solução se impõe. Como já
se disse, se o réu for impedido de apresentar tal alegação, ainda que em sede de
Afirma ter o apelado reconhecido a irregularidade do valor exigido na execução, pois inclui acréscimos indevidos, como multa, além de sua cumulação com juros moratórios. Também aponta a existência de anatocismo e incidência de juros sobre parcelas ainda não vencidas. Tendo em vista as exigências ilegais, pretende o reconhecimento do direito à indenização por danos morais. Alega cerceamento de defesa, pois pretendia produzir prova pericial, bem como violação ao princípio da reserva legal. Invoca os artigos 8º e 11 do Decreto 22.626/33 e afirma que os juros incidiram sobre o capital corrigido pela TR, que já os contêm. Recurso tempestivo, preparado, respondido e bem processado. É o relatório.” 2. Na inicial foram estabelecidos os limites da demanda. A autora, sob o fundamento de que o réu estava a exigir juros contratuais ainda não vencidos, pediu a declaração de inexigibilidade da cambial e a condenação em perdas e danos. A ré demonstrou haver levado o título a protesto pelo valor correspondente à soma das parcelas vencidas, mais acréscimos contratuais. Estabelecidos os limites objetivos da demanda, a autora, indevidamente, apresentou outros motivos para a suposta nulidade do título: cumulação de juros contratuais e TR, incidência de multa antes de proposta a ação, dupla penalidade (juros moratórios e multa) e anatocismo (fls. 60/65). Tais questões foram renovadas em sede recursal, mas seu exame não se revela possível nestes autos em razão dos limites da demanda. A consideração do elemento objetivo estranho à inicial constitui violação ao princípio da adstrição (cf. CPC, artigos 2º, 128, 459 e 460; Teresa Arruda Alvim, “Nulidades da Sentença”, RT, 3ª ed. pág. 189; v. tb. Milton Paulo de Carvalho, “Do pedido no processo civil”, Sérgio Fabris Editor, 1992, pág. 176; Apel. N. 630.536-6, 1º TACSP, 12ª Câm., j. 10.08.95, v.u.; Apel. N. 587.149-4, Araçatuba, 1º TACSP, 12ª. Câm. J. 11.05.95; Apel. n. 530.822-5, SP, 1º TACSP, 12ª. Cãm. J. 02.02.95), caracterizando julgamento ‘extra petita’. O único fundamento deduzido na inicial – a cobrança indevida de encargos não vencidos – ficou afastado pelo demonstrativo de fls. 46. É esta a ‘causa petendi’ da ação e dela não se pode fugir, sob pena de julgamento ‘extra petita’. Essa irregularidade gera nulidade da decisão judicial, principalmente em situação como a dos autos, em que a parte contrária sequer teve oportunidade de se manifestar a respeito da alteração introduzida na demanda (cf. José Rogério Cruz e Tucci, ‘A causa petendi no processo civil, RT, 1993, págs. 133/134; Apel. n. 683.638-2/SP, 1º TACSP, 12ª Câm. Esp,. Jan/97, j. 18/02/.97, v.u.; Apel. n. 524.118-9, Sorocaba, 1º TACSP, 4ª. Câm., j. 06/04/94). Em última análise, se apreciados os fundamentos novos, o julgamento violaria o princípio da demanda (CPC, artigos 2º e 262), do qual decorrem os limites da sentença (cf. Celso Agrícola Barbi, ‘Comentários ao Código de Processo Civil’, vol. I, tomo I, Forense, 1ª ed. pág. 31; Apel. n. 630.598-6, Tupã, 1º TACSP, 12ª Câm., j. 10/08/95, v.u.) 3. Assim, nega-se provimento ao recurso. Participaram do julgamento os Juízes Matheus Fontes (Revisor) e Campos Mello. São Paulo, 13 de novembro de 1997. ROBERTO BEDAQUE, Presidente e Relator” (LEX – Jurisprudência dos Tribunais de Alçada Civil de São Paulo, vol. 169, maio-jun., 1998).
203
apelação, não terá outra oportunidade de fazê-lo, pois sofrerá os efeitos da
eficácia preclusiva da coisa julgada.
204
17. DO CONHECIMENTO DO FATO SUPERVENIENTE EM SEDE
DE RECURSO EXCEPCIONAL
Particularmente difícil a indagação relativa à aplicabilidade da regra do
artigo 462 do Código de Processo Civil, complementada pelo artigo 517 do
mesmo Código, quando se trata de recursos excepcionais.
Isso porque, ao contrário da apelação, os recursos excepcionais são de
estrito direito, não se admitindo, em regra, discussão quanto a matéria fática.
A finalidade dos recursos excepcionais é garantir a inteireza positiva do
direito constitucional e infraconstitucional, não sendo vocacionados a corrigir a
injustiça dos julgados. No entanto, como na sistemática adotada no Brasil, os
Tribunais Superiores atuam como instâncias revisoras e não apenas como Cortes
de Cassação, o direito subjetivo do recorrente vitorioso acaba sendo reconhecido
e pratica-se a justiça do caso concreto.
Lionel Zaclis chega mesmo a defender que os recursos excepcionais
teriam uma causa de pedir própria, diferente da causa petendi que identificava a
ação nas instâncias ordinárias. Para o mencionado autor, “a causa de pedir nos
recursos excepcionais consiste na afirmação de haver o julgado recorrido
aplicado inadequadamente o direito a uma determinada situação fática, cujos
contornos nele se acham delineados, afirmação essa que, em última análise,
205
constitui a questão constitucional, no recurso extraordinário, e a questão federal,
no especial”.392
Nesse ponto, para analisar o tema do cabimento da alegação de fato
superveniente em sede de recurso excepcional, convém distinguir os fatos
supervenientes de natureza processual, dos fatos supervenientes de conteúdo
material propriamente dito.
Feito isso, cabe observar que não parece haver maiores dificuldades
quando se trata de alegação de fato superveniente processual, que a
jurisprudência das Cortes Superiores tem admitido com freqüência, sobretudo
quando se trata da ausência superveniente do interesse de agir.393
392 Causa de Pedir nos Recursos Extraordinário e Especial, Revista do Advogado 65/65. 393 Veja-se, nesse sentido, a título de exemplo, o interessante acórdão do Supremo Tribunal
Federal, proferido no Agravo Regimental interposto na Petição n. 2.379-0, no qual a Corte reconheceu a ocorrência de fato superveniente processual consistente na concessão, pelo Superior Tribunal de Justiça, do efeito suspensivo requerido também junto ao STF, bem como o provimento ao Recurso Especial, ocorrendo assim o fenômeno da substituição dos julgados, que tornou prejudicado o Agravo Regimental. O mencionado julgado tem a seguinte ementa: “Petição. Agravo Regimental. Fato processual superveniente. Substituição dos julgados. Prejudicialidade. Concessão de efeito suspensivo ao recurso especial interposto pela entidade pública perante o Superior Tribunal de Justiça. Ocorrência do fenômeno processual da substituição de julgados (CPC, artigo 512). Conseqüência: perda do objeto do processo. Agravo regimental prejudicado.” (Agravo Regimental na Petição 2.379-0 – SC, Supremo Tribunal Federal, Tribunal Pleno, rel. Min. Maurício Correa, j.12/11/2003, D.J. 02/04/2004).
Também na mesma linha é o acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, cuja ementa segue transcrita abaixo, julgando prejudicado o Recurso Especial pela ocorrência de fato superveniente consistente no julgamento da apelação no mandado de segurança: “Processual civil. Agravo de instrumento para atribuir efeito suspensivo à apelação em mandado de segurança. Recurso Especial advindo do Agravo. Julgamento superveniente da apelação nos autos do Mandamus. Perda do Objeto. Trata-se de recurso especial interposto contra acórdão que, em sede de agravo de instrumento concedeu efeito suspensivo à apelação em mandado de segurança. 1. A ocorrência de fato superveniente – julgamento da apelação no mandamus, torna sem utilidade a apreciação do presente recurso especial que objetiva exatamente a cessação da eficácia suspensiva concedida em segundo grau. 2. Perda do objeto. Recurso especial prejudicado”. (REsp. 638.999/RJ, Superior Tribunal de Justiça, Primeira Turma, rel. Min. José Delgado, j. 03/08/2004, D.J. 20/09/2004).
Há, todavia um julgado do Superior Tribunal de Justiça decidindo que o fato superveniente processual deve ser levado ao conhecimento do órgão julgador até o momento em que o recurso for definitivamente apreciado, não cabendo sua admissão após o julgamento. A ementa está assim redigida:
206
Questão mais delicada, contudo, diz respeito à alegação de fato
superveniente de ordem material. Em primeiro lugar, nota-se que a jurisprudência
veda o recurso fundado em “reexame de prova”.394
Entretanto, parece razoável ponderar-se que, no caso do fato
superveniente, não se trata de reexame, mas de fatos que vieram à tona quando
o recurso excepcional já havia sido interposto.
Contudo, há ainda o problema da exigência do prequestionamento. É
preciso considerar, quanto a esse aspecto, que se o fato superveniente ocorreu,
ou tornou-se conhecido, após a prolação do acórdão recorrido, certamente não se
tratará de questão decidida na instância ordinária e, assim, não estaria
preenchido o requisito da prévia apreciação da questão, pela instância ordinária.
Quanto a esse aspecto, observa-se que, apesar de existirem alguns
julgados entendendo que seja cabível a apreciação de fato superveniente em
sede de recurso excepcional,395 a jurisprudência dominante hoje no Superior
Tribunal de Justiça orienta-se no sentido de não admitir a incidência do artigo 462
“Processo Civil. Embargos de declaração no recurso especial. Processo de execução. Quebra do devedor. Fato superveniente à interposição do recurso especial. Comunicação realizada após o julgamento do apelo. Prejudicialidade recursal afastada. Suspensão do processo de execução. Dedução do pedido perante o Juízo de origem. - O fato superveniente, se notório não for, deve ser levado ao conhecimento do órgão julgador até o momento em que o recurso for definitivamente apreciado. - Comunicado apenas após o julgamento do recurso especial, afasta-se a possibilidade de se declarar a prejudicialidade do apelo, porque já exaurida, na espécie, a jurisdição do Tribunal. - Se a quebra do devedor for cientificada a este Tribunal apenas após o julgamento do recurso especial, perante o Juízo a quo deverá ser deduzido o pedido de suspensão do processo de execução, com a devida comprovação do alegado. - Embargos de declaração no recurso especial a que se rejeitam”. (EDcl no REsp. 330262/SP, Superior Tribunal de Justiça, Terceira Turma, rel. Min. Nancy Adrighi, j. 20/03/2003, DJ. 14/04/2003). No mesmo sentido é o acórdão proferido nos EDcl em EDcl no REsp 317255/MA, Superior Tribunal de Justiça, Terceira Turma, rel. Min. Ari Pargendler, j. 07/08/2003, DJ. 01/09/.2003.
394 Súmula 7 do STJ e 279 do STF. 395 No sentido da admissão da alegação de fato superveniente em sede de recurso excepcional,
encontramos os seguintes julgados: STJ, REsp 327.004/RJ, 4ª T., rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 14/8/2001, d.j.u., 24/9/2001 ; STJ REsp 36.306/SP, 4ª T., rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 8/4/1997, d.j.u. 19/5/1997.
207
do Código de Processo Civil, quando não houver o necessário
prequestionamento.396
Conclui-se, portanto, que em sede de recurso excepcional, enquanto o fato
superveniente de natureza processual é largamente aceito, dificilmente se admite
o conhecimento de fato superveniente de natureza material, justamente pela
ausência de prequestionamento.
396 Não admitindo a alegação de fato superveniente em sede de recurso excepcional, em
decorrência da ausência de prequestionamento, encontramos: EDcl no AgRg no REsp 492996/SP, Superior Tribunal de Justiça, 6ª Turma, rel. Min. Paulo Medina, j. 21/10/2004, d.j.u. 29/11/2004; REsp. 574255/RJ, Superior Tribunal de Justiça, 1ª Turma, rel. Min. Luiz Fux, j. 07/10/2004, d.j.u. 29/11/2004; REsp. 573337/SC, Superior Tribunal de Justiça, 6ª Turma, rel. Min. Hamilton Carvalhido, j.16/09/2004, d.j.u. 13/12/2004; AgRg no AG 510610/RJ, Superior Tribunal de Justiça, 4ª Turma, rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 20/11/2003, d.j.u. 09/02/2004; Edcl no REsp 478160, Superior Tribunal de Justiça, 1ª Turma, rel. Min. José Delgado, j. 12/08/2003, d.j.u. 13/10/2003; REsp. 499505/RS, Superior Tribunal de Justiça, 6ª Turma, rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 09/09/2003, d.j.u. 20/10/2003; EDcl no REsp. 434617/SP, Superior Tribunal de Justiça, 6ª Turma, rel. Min. Paulo Medina, j. 03/06/2003, d.j.u. 23.06.2003; EDcl no REsp 447795/SP, Superior Tribunal de Justiça, 5ª Turma, rel. Min. Felix Fischer, j. 22/04/2003, d.j.u. 02/06/2003; AgRg no AG 474090/SP, Superior Tribunal de Justiça, 6ª Turma, rel. Min. Paulo Medina, j. 03/06/2003, d.j.u. 23/06/2003; AgRg no REsp 441077, Superior Tribunal de Justiça, 6ª Turma, rel. Min. Paulo Gallotti, j. 07/11/2002, d.j.u. 17/03/2003 e RSTJ, vol. 171, p. 511; Edcl no REsp 413117/PE, Superior Tribunal de Justiça, 5ª Turma, rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, j. 19/11/2002, d.j.u. 16/12/2002 REsp 432741/RS, Superior Tribunal de Justiça, 1ª Turma. rel. Min. Luiz Fux, j. 24/9/2002, d.j.u. 28/10/2002; REsp 434480/RS, Superior Tribunal de Justita, 1ª Turma., rel. Min. Luiz Fux, j. 03/10/2002, d.j.u. 28/10/2002; REsp 444921/RS, Superior Tribunal de Justiça, 1ª T, rel. Min. Luiz Fux, j. 08/10/.2002, v.u., d.j.u. 11/11/2002”.
208
18. PROPOSTAS DE ABRANDAMENTO DA RIGIDEZ IMPOSTA
PELO REGIME DA ESTABILIZAÇÃO DA DEMANDA E PELO
PRINCÍPIO DA EVENTUALIDADE NO PROCESSO CIVIL
BRASILEIRO
18.1 A necessidade de flexibilização – 18.2 Sugestões formuladas pela doutrina: 18.2.1 Inserção, no Código de Processo Civil, de dispositivo semelhante ao artigo 384 do Código de Processo Penal; 18.2.2 Valorização da audiência preliminar prevista no artigo 331 do Código de Processo Civil, como momento de fixação dos termos da controvérsia e estabilização da demanda; 18.2.3 Alteração consensual da causa petendi e do pedido; 18.2.4 Revisitação do tema da estabilização da demanda à luz do princípio do acesso à justiça
18.1 A necessidade de flexibilização
Como já exposto, segundo a sistemática estabelecida pelo art. 264,
combinado com o art. 462 do Código de Processo Civil, somente podem ser
considerados os fatos não alegados na petição inicial, se forem supervenientes,
ou seja, se tiverem ocorrido posteriormente à propositura da demanda, influindo
209
no julgamento, constituindo, modificando ou extinguindo o fundamento jurídico do
pedido.
Quanto ao réu, como se viu, admite-se, excepcionalmente, a
consideração de fato ocorrido antes da propositura da demanda, mediante
comprovação de que deixou de alegá-lo no momento oportuno, em decorrência
de motivo de força maior (art. 517 do Código de Processo Civil), que é o caso, por
exemplo, do conhecimento novo de fato velho.
Contudo, cumpre reconhecer que, com freqüência, no início do
processo, a situação fática não se apresenta claramente delimitada, sendo
possível que as alegações da parte contrária, a inquirição de testemunhas ou a
produção de determinada prova pericial, por exemplo, tragam novos elementos
fáticos que não foram devidamente enfocados, ou cuja relevância não tenha sido
percebida, fazendo com que não integrassem a causa petendi originária.
Pode ser, inclusive, que não se trate de fatos desconhecidos
propriamente ditos, mas de fatos cuja importância tornou-se evidente somente em
momento posterior ao da estabilização da demanda, o que nos coloca, em
princípio, fora do alcance da exceção prevista no artigo 517 do Código de
Processo Civil.
Tais fatos, cuja importância aflora durante a instrução processual,
não podem ser considerados na sentença, caso provoquem alteração da causa
de pedir. Poderão, todavia, ser alegados em outra ação, uma vez que constituem
causa de pedir diversa.
210
Nesse contexto, Guilherme Freire de Barros Teixeira sustenta que
“até mesmo pelo aspecto prático, seria mais razoável que (...) as sentenças já
decidissem toda a controvérsia que envolve os litigantes, evitando que eles se
vissem na iminência de, tão logo encerrado o primeiro processo, ou até mesmo
antes disso, serem novamente protagonistas de outra demanda”.397
Por outro lado, como observa Ricardo de Barros Leonel, “a
propensão de um sistema processual a adotar critérios mais ou menos
rígidos quanto à estabilização da demanda, e conseqüentemente quanto à
preclusão e à regra da eventualidade, decorre exclusivamente de opção
política do legislador”.398
Partindo da premissa segundo a qual seria possível e desejável
flexibilizar o princípio da estabilização da demanda e da eventualidade, algumas
sugestões têm sido apresentadas pela doutrina. Dentre elas são destacadas as
seguintes.
18.2 Sugestões formuladas pela doutrina
18.2.1 Inserção no Código de Processo Civil, de dispositivo
semelhante ao artigo 384 do Código de Processo Penal
Guilherme Freire de Barros Teixeira sugere a inserção, no
Código de Processo Civil, da figura da mutatio libelli, hoje prevista no artigo 384
397 O princípio da eventualidade no processo civil, p. 316. 398 Objeto litigioso e direito superveniente no processo civil, p. 122.
211
do Código de Processo Penal, de modo a permitir, após a estabilização da
demanda, a alteração da causa petendi e do pedido, abrindo-se prazo para a
emenda da petição inicial pelo autor, seguindo-se a oportunidade de manifestação
do réu e de produção de provas pelas partes.
Do mesmo modo poderia ocorrer, se o demandado
eventualmente formulasse pretensão por intermédio de reconvenção ou pedido
contraposto. O mencionado autor justifica sua posição, ponderando que, “se no
processo penal, em que se costuma sustentar que a ampla defesa assume maior
relevância que no processo civil, é possível o aditamento da denúncia ou da
queixa desde que a prova dos autos revele fatos não constantes da imputação
feita na peça acusatória, o CPC poderia abrigar dispositivo semelhante, de modo
a evitar novos processos entre os litigantes”.399
18.2.2 Valorização da audiência preliminar prevista no artigo
331 do Código de Processo Civil, como momento de
fixação dos termos da controvérsia e estabilização da
demanda
A proposta, nesse caso, representaria a valorização da
audiência preliminar como momento de autêntica delimitação dos termos da
controvérsia, nos moldes da prima udienza di trattazione della causa, do direito
italiano, e da audiência previa al juicio, da legislação espanhola.
399 O princípio da eventualidade no processo civil, p. 313.
212
No direito italiano, após a fase preparatória realiza-se a
audiência preliminar (prima udienza di trattazione della causa), na qual, não
ocorrendo a conciliação, o juiz trava um verdadeiro diálogo com as partes,
pedindo esclarecimentos sobre os fatos alegados e submetendo às partes
questões não alegadas, discutindo também as questões conhecíveis de ofício,
visando a evitar decisões-surpresa ou de terceira via. Na mesma audiência, o
autor pode propor pedidos e exceções novos, em conseqüência de eventual
demanda reconvencional ou das exceções opostas pelo réu, bem como requerer
o chamamento de um terceiro, caso isso se torne necessário em decorrência da
defesa do demandado. Nesse momento, ambas as partes podem esclarecer e
modificar os pedidos, as exceções e as conclusões já formuladas.
Desse modo, no direito italiano, após a apresentação da
contestação pelo réu, pode haver a modificação do pedido ou da causa de pedir,
sem que, porém, possa haver alteração substancial dos elementos objetivos da
demanda, sendo vedada a mutatio libelli. 400
À semelhança da legislação italiana, a LEC espanhola prevê
a denominada audiência previa al juicio, que tem, dentre outras finalidades, a de
delimitar os termos do debate, mediante a fixação precisa do objeto do processo e
dos pontos de fato e de direito sobre os quais haja controvérsia. Em razão do
exposto pelo adversário, as partes podem efetuar alegações complementares
(LEC, art. 426,1), bem como esclarecer alegações já formuladas e retificar termos
secundários de suas pretensões, sem alterá-las substancialmente (LEC, art.
426,2). As partes podem também acrescentar pedidos acessórios ou
complementares, desde que haja anuência do adversário. Se este não anuir,
213
caberá ao Tribunal decidir sobre o aditamento, que só poderá ser deferido se não
houver prejuízo à defesa da parte contrária (LEC, art. 426, 3). Podem, ainda, ser
alegados fatos novos ocorridos após a petição inicial ou a contestação, ou dos
quais as partes somente tenham notícia após tais escritos (LEC, art. 426, 4).
Segundo Guilherme Freire de Barros Teixeira, “a maior
flexibilidade na fase postulatória, permitindo-se alterações da causa petendi e do
pedido até a audiência prevista no artigo 331 do CPC, à semelhança do que
ocorre na Itália e na Espanha, possibilitaria uma melhor delimitação dos temas da
controvérsia, podendo também evitar novas demandas entre os litigantes, em
benefício da economia processual e da otimização da prestação jurisdicional”.401
18.2.3 Alteração consensual da causa petendi e do pedido
Por força do artigo 584, inciso III, do Código de Processo
Civil, os litigantes podem transacionar, inclusive quanto a matérias não debatidas
em juízo. Todavia, isso só ocorre na hipótese de pedido de extinção do processo
(art. 269, inciso III, do Código de Processo Civil); na hipótese de continuação do
processo, não é possível que se alterem os elementos objetivos da demanda
após o saneamento, mesmo que haja consenso entre as partes, quanto à
alteração.
400 Nesse sentido, ver Comoglio, Ferri e Taruffo (Lezioni sul processo civile, p. 598). 401 O princípio da eventualidade no processo civil, p. 332.
214
Segundo Guilherme Freire de Barros Teixeira, no Brasil, “a
ampliação dos elementos objetivos da demanda pode ocorrer apenas com a
finalidade de ser extinto o processo, não se admitindo a modificação se as partes
convencionarem que o processo vai prosseguir”.402 Nesse contexto, o referido
autor sugere a inclusão, no Código de Processo Civil brasileiro, de dispositivo
semelhante ao art. 272º do Código de Processo Civil português, que permite
alterar ou ampliar a causa petendi, em qualquer fase do processo, em primeira ou
segunda instância, desde que haja acordo entre as partes, o que favoreceria a
resolução definitiva da controvérsia, evitando novas demandas entre as partes.403
18.2.4 Releitura da visão tradicional de estabilização da
demanda, à luz do reconhecimento da supremacia do
princípio do acesso à justiça
As sugestões anteriormente apresentadas consistem em
propostas de alterações legislativas. Contudo, parece razoável cogitar a
possibilidade de avanços, a partir da mudança de mentalidade dos operadores do
direito com relação ao assunto, sem que, necessariamente, se altere a legislação.
A respeito desse tipo de mudança, José Carlos Barbosa
Moreira cunhou expressões emblemáticas, ao invocar a idéia segundo a qual
seria possível “revisitar” um tema clássico, de maneira a propiciar a “releitura” da
402 O princípio da eventualidade no processo civil, p. 325. 403 Ibid., , p. 324 e 326.
215
visão tradicional, para que “novas sonoridades” sejam atraídas por “antigas
partituras”.404
Nessa linha, José Roberto dos Santos Bedaque observa que
o princípio do acesso à justiça tem sede constitucional, pois decorre da garantia
da ação, enquanto o “princípio da demanda”, que fundamenta o escopo da inércia
da jurisdição, é, a rigor, apenas uma regra inerente à técnica processual.405
Com base nessa afirmação, Ricardo de Barros Leonel conclui
que “a inércia da jurisdição ou o ‘princípio da demanda’ podem sofrer legítimas
mitigações, desde que não prejudiquem, mas ao contrário favoreçam o acesso à
justiça. Este último, diversamente, não pode ser minimizado”.406
Nesse sentido, Ricardo de Barros Leonel sustenta que seria o
caso de reconhecer-se uma verdadeira supremacia da garantia do acesso à
justiça em relação ao denominado princípio da demanda. Afinal, o acesso à
justiça decorre do próprio direito de ação e tem assento constitucional, ao passo
que o princípio da demanda tem função operativa e apóia-se na regra da inércia
da jurisdição.
Desse modo, o princípio da demanda poderia ser mitigado,
desde que, por um lado, não haja prejuízo ao contraditório e, por outro, seja
favorecido o acesso à justiça. Por outro lado, o acesso à justiça não poderia
jamais ser minimizado.407
404 Expressões cunhadas por José Carlos Barbosa Moreira e empregadas em diversos trabalhos
do consagrado autor. 405 Cf. José Roberto dos Santos Bedaque, Os elementos objetivos da demanda examinados à luz
do contraditório, cit., p. 23. 406 Objeto litigioso e direito superveniente no processo civil, p. 255. 407 Ibid., p. 255.
216
Desse enfoque, na prática, se houver a introdução de fato
não alegado na inicial ou na contestação, mas se esse for submetido a amplo
debate pelas partes, inclusive com a possibilidade de produção de provas a
respeito, é de admitir-se que tal fato seja considerado na sentença.
Tal solução favorece a economia processual, uma vez que
possibilita a resolução definitiva do conflito. Por outro lado, negar-se tal
encaminhamento significaria, muitas vezes, obrigar as partes a submeterem-se a
um novo processo, com todas as implicações daí decorrentes, tais como a
incerteza, a nova espera, custas etc.
Dito de outro modo, se determinado fato for alegado após o
momento apropriado, inegavelmente haverá violação a regras formais do
processo. Contudo, se houver o amplo debate em torno de tal fato, será
respeitado o princípio do contraditório, de maneira que, em última análise, não
haverá prejuízo algum para as partes, se o juiz tomar em consideração tal fato na
sentença.
Tal encaminhamento mostra-se possível, inclusive quando se
trate, efetivamente, de alteração da causa de pedir. Nesse sentido, Ricardo de
Barros Leonel pondera que “determinada circunstância de fato, apta a configurar
nova causa petendi ou a render ensejo a uma nova pretensão, pode surgir no
curso da instrução” e observa que, “sujeitando-se a ampla discussão pelos
litigantes, com o deferimento e produção de provas a seu respeito, etc, parece
razoável concluir que, em que pese a violação das regras formais relativas à
217
estabilização de demanda, desenvolveu-se, com a maior amplitude possível, o
contraditório a seu respeito”.408
Ricardo de Barros Leonel observa, por fim, que tal solução
mostra-se recomendável, inclusive porque, do ponto de vista prático, o resultado
do ajuizamento de uma nova ação muitas vezes acabaria sendo o mesmo da
admissão da alegação do fato superveniente, tendo em vista a possibilidade de
reunião dos processos por conexão, para que se proceda a julgamento
conjunto.409
Cabe observar, todavia, que não se trata de admitir-se
indiscriminadamente a alegação de fatos novos após o momento apropriado. Com
efeito, Ricardo de Barros Leonel adverte que se trata de solução excepcional, que
408 Objeto litigioso e direito superveniente no processo civil, p. 264. 409 Nesse sentido, Ricardo de Barros Leonel observa o seguinte: “Outro aspecto, agora de ordem
prática, deve ser mencionado, e serve para justificar a adoção da solução aqui preconizada. Ainda que não seja admitida a possibilidade de reconhecimento do direito ou eficácia jurídica superveniente em violação às regras inerentes à estabilização da demanda, por via transversa poderia ser alcançado o mesmo resultado.
Basta imaginar que, proposta a demanda fundada inicialmente em determinada causa petendi e com certo pedido, seja posteriormente – já superados os limites para eventual aditamento – aforada nova demanda pelo mesmo autor, em face do mesmo réu, relacionada à mesma hipótese de direito material, todavia, agora com novos fundamentos (causa petendi) e com outro pedido.
Exemplos corriqueiros podem indicar que tal situação se afigura comum. Suponha-se: (a) propositura de reparação de danos por mau uso do imóvel locado, na pendência de ação de despejo por falta de pagamento ou outra causa de rescisão do contrato de locação; (b) segunda demanda objetivando reparação de danos morais na pendência de ação de responsabilidade por danos materiais decorrentes de ilícito civil; (c) ajuizamento de ação de reparação de danos na pendência de possessória, tendo aqueles (os danos) sido descobertos posteriormente ao início do primeiro feito; (d) propositura de separação por adultério, cometido posteriormente ao aforamento de outra ação com a mesma finalidade, fundada em sevícias; (e) alegação de compensação por parte do réu (em ação declaratória por ele movida), em razão da constituição de crédito em seu favor, na pendência de ação de cobrança a ele movida pelo autor.
Nas hipóteses aventadas, em razão de conexão (ou eventualmente, em outros casos imagináveis, continência) entre as duas demandas, a solução poderá ser a reunião para julgamento conjunto, de ofício ou a requerimento das partes (art. 103, 104, 105 e 301 VII e § 4º do CPC).
Desse modo, por via indireta será alcançado o mesmo resultado: acréscimo de causa de pedir, pedido ou defesa, ulteriormente aos limites fixados pelo ordenamento para a estabilização da demanda. E não há razão para negar, em caráter teórico, aquilo que validamente, de forma prática, pode ser alcançado por via transversa”. (Ricardo de Barros Leonel, Objeto litigioso e direito superveniente no processo civil, p.266).
218
não afasta as regras inerentes à estabilização da demanda e que depende, além
do respeito ao contraditório e à ampla defesa, também de uma avaliação do
magistrado, no sentido de aferir se há efetivo proveito do ponto de vista global,
em termos de economia processual, na medida em que viabilize a solução
definitiva do litígio, ao mesmo tempo em que não cause prejuízo ao contraditório
e à ampla defesa.410
Portanto, a fixação dos limites dentro dos quais poderá haver
a alegação de fatos novos pressupõe a ponderação concreta dos valores em
jogo. Em outras palavras, é necessário um controle real e não simplesmente
formal, a respeito, de um lado, da preservação do contraditório e, de outro, da
plausibilidade das soluções que visam a proporcionar economia processual. 411
Nessa linha, Ricardo de Barros Leonel conclui que “não se
abandona a tradicional concepção de estabilização da demanda no confronto
410 Nesse sentido, Ricardo de Barros Leonel sintetiza e sistematiza os pressupostos de
admissibilidade da incidência do direito ou eficácia jurídica superveniente, propondo os seguintes parâmetros: a) trata-se de solução excepcional, que não afasta a validade e a necessidade das regras inerentes à formação e à estabilização da demanda; b) depende da incidência do contraditório e da ampla defesa e, em última análise, do respeito ao devido processo legal do modo mais abrangente possível, como forma de legitimação da solução excepcional; c) evidencia a necessidade de que a introdução do dado superveniente não decorra de má-fé, devendo, se for o caso, contar com adequada justificação; d) na análise conjuntural entre as conseqüências da aceitação ou rejeição da dedução superveniente, será necessário ao magistrado considerar o efetivo proveito ou economia, em sentido global, para a solução definitiva da controvérsia (se da inovação decorre tumulto processual, ou necessidade de retorno a fases procedimentais já superadas, como v.g. complexa instrução probatória, deve ser rejeitada e reservada para ulterior demanda); e) será necessário ponderar também, partindo do exame das proposições jurídicas das partes, a inexistência de prejuízo concreto e indevido, considerando o contraditório, a possibilidade de defesa pelos litigantes, e a produção de resultados legítimos (v.g., se a pretensão ou causa de pedir deduzidos pelo autor, violando os limites da estabilização, acabam contando com sentença de improcedência, não há porque se reconhecer nulidade, na medida em que aquele que seria prejudicado, o réu, acabou sendo beneficiado: definitivamente estará afastada a possibilidade de que venha a ser novamente demandado, em função da mesma situação de direito material). (Ricardo de Barros Leonel, Objeto litigioso e direito superveniente no processo civil, p. 268-269).
411 Nesse sentido ver Luigi Paolo Comoglio. Il principio di economia processuale, vol. I, Padova, CEDAM, 1980, p.182.
219
entre o objeto litigioso e o direito superveniente. Mas fica claro que é aceitável ir
mais além, e superar regras técnicas do sistema processual, desde que
respeitados princípios e garantias constitucionais do processo. Daí a viabilidade
de se permitir que a eficácia superveniente afete efetivamente o objeto litigioso,
em determinadas circunstâncias, mesmo após os limites procedimentais fixados
no sistema codificado”.412
412 Objeto litigioso e direito superveniente no processo civil, p. 313.
220
CONCLUSÕES
01. Nada obstante a estabilização da demanda e a conseqüente
imutabilidade do pedido e da causa petendi sejam exigências de ordem
lógica do processo, não se pode ignorar que a realidade social
concreta, de onde emerge a lide e sobre a qual deve atuar a jurisdição,
longe de ser imutável, é, na verdade, extremamente dinâmica.
02. Quando se fala em estabilização da demanda, faz-se referência à
vedação imposta ao autor, que não poderá alterar os elementos
identificadores da ação. A vedação que se impõe ao réu, no sentido de
impedir a introdução de novas alegações após a contestação, decorre
do princípio da eventualidade, que não se confunde com a estabilização
da demanda e, muito menos, com a imutabilidade da causa de pedir.
03. O processo civil brasileiro aderiu ao modelo de procedimento rígido,
caracterizado pela nítida distribuição dos atos processuais em fases e
pelo emprego acentuado do instituto da preclusão, destinado a impedir
retrocessos na marcha do procedimento.
04. Quanto ao conteúdo da causa de pedir, no Brasil, a doutrina
amplamente majoritária afirma que o Código de Processo Civil vigente
teria adotado a teoria da substanciação.
221
05. Contudo, há opiniões respeitáveis em sentido diverso, dentre as quais
se destaca a de José Ignácio Botelho de Mesquita, segundo a qual, no
Brasil ter-se-ia adotado posição de grande equilíbrio entre as teorias da
substanciação e da individualização. Também se destaca a posição de
Ovídio Baptista da Silva, segundo a qual, no Brasil, ter-se-ia optado por
uma atenuação da teoria da substanciação, na medida em que a Lei
exige que só os fatos essenciais integrem a causa de pedir.
06. As teorias da substanciação e da individualização convergem em vários
aspectos. O ponto no qual na verdade se afastam é precisamente a
resposta que cada uma fornece à indagação do que se deva entender
por causa petendi nas ações propostas com fundamento em direitos de
caráter absoluto – os direitos reais, de família e os decorrentes do
estado da pessoa. A contrário sensu, pode-se afirmar que não há
diferença entre ambas as teorias no que diz respeito a direitos relativos,
como os obrigacionais, por exemplo.
07. É relevante notar que o artigo 462 do Código de Processo Civil não diz
que o juiz poderá, mas sim que “caberá” a ele tomar em consideração
os fatos supervenientes, inclusive de ofício.
08. Enquanto na base do artigo 264 do Código de Processo Civil está o
princípio dispositivo, o artigo 462 é manifestação clara da natureza
publicística do processo, que privilegia, em certa medida, a busca da
verdade real e segue a máxima de que a sentença deve refletir as
condições de fato e de direito existentes no momento em que é
proferida.
222
09. Quando há mera alteração do fundamento jurídico da demanda, não
ocorre violação ao princípio da imutabilidade da causa de pedir, até
porque o juiz não se vincula à qualificação jurídica atribuída aos fatos
pelas partes – iura novit curia.
10. Contudo, o brocardo iura novit curia deve ser interpretado
considerando-se a supremacia do princípio do contraditório, de maneira
que se o juiz vislumbrar a possibilidade de enquadramento jurídico
diferente do imaginado pelo autor, deve possibilitar a prévia
manifestação dos litigantes a respeito.
11. Para que não haja violação ao princípio da demanda, o conhecimento
de fundamento jurídico novo na sentença só pode ocorrer se a nova
qualificação jurídica decorrer do mesmo fato essencial descrito na
petição inicial e levar aos mesmos efeitos jurídicos pretendidos
inicialmente pelo autor.
12. Somente os fatos jurídicos ou principais tornam-se imutáveis. Fatos
secundários, também chamados de fatos simples, podem ser alegados
no curso da demanda, sem que isso represente violação ao princípio da
imutabilidade da causa petendi.
13. Discute-se se os fatos simples ou secundários integrariam ou não a
causa de pedir. Há os que sustentam que os fatos simples fariam parte
da causa de pedir remota. Mas a maioria parece defender que tais fatos
não integram a causa de pedir.
223
14. A afirmação de que os fatos simples não integram a causa de pedir diz
respeito ao problema da identificação da ação, o que não significa que
as partes possam alegar tais fatos livremente, sem qualquer limitação.
Deve-se, portanto, observar primeiramente o princípio do contraditório.
15. Distingue-se o fato novo do fato superveniente, uma vez que o primeiro
implica novo pedido ou nova causa de pedir, ao passo que o segundo
ajusta-se à causa petendi e ao pedido originários.
16. O artigo 462 do Código de Processo Civil fala expressamente em “fato
constitutivo, modificativo ou extintivo do direito”, capaz de “influir no
julgamento da lide”, o que significa que esse dispositivo não trata dos
fatos simples ou secundários, até porque tais fatos podem ser tomados
em consideração a qualquer tempo e, segundo parte respeitável da
doutrina, sequer integrariam a causa de pedir.
17. Para que o fato superveniente possa ser considerado, é imprescindível
que participe do fato inicialmente apontado como causa petendi,
constituindo-o, modificando-o ou extinguindo-o. Não participando de
nenhuma dessas formas, será então fato novo, a ser discutido por
intermédio de outra ação.
18. Em razão da ocorrência de fatos supervenientes, a lide se altera,
cumprindo ao juiz considerar tais fatos para julgar a ação procedente ou
improcedente, ou, ainda, para decidir quanto à condenação em custas.
19. Para a maioria da doutrina, tratando-se de fatos supervenientes
constitutivos ou modificativos do direito, haverá, em princípio, alteração
224
da causa de pedir. Contudo, é possível extrair conclusão em sentido
contrário, partindo-se da premissa de que a causa petendi seria uma
categoria abstrata que não se confunde com os fatos tal como se
apresentam no mundo concreto e nem com o direito deles decorrente,
que a sentença dirá se efetivamente existe ou não. Em outras palavras,
a causa de pedir é apresentada na petição inicial in status assertionis e
assim permanece ao longo do processo. Desse enfoque, os fatos
supervenientes interfeririam na procedência ou improcedência da
demanda, mas não alterariam a causa de pedir.
20. Uma coisa é o direito verdadeiro e próprio atualmente existente, e outra
coisa é o direito afirmado pelo autor na petição inicial, que entra no
processo apenas como razão da ação e que a sentença dirá se existe
ou não.
21. Interessante notar que o artigo 462 do Código de Processo Civil não faz
menção a fatos impeditivos que possam influir no julgamento da lide, o
que leva alguns doutrinadores a deduzir que, por fato superveniente, se
tomam somente os fatos ocorridos após o oferecimento da inicial, uma
vez que o fato impeditivo é, por definição, sempre anterior ou
concomitante ao fato constitutivo original.
22. Quanto aos fatos supervenientes constitutivos, é necessário que
resultem na constituição de relação jurídica de conteúdo idêntico ao da
relação originalmente alegada na petição inicial. Portanto, se a relação
jurídica que se origina for diversa, o fato constitutivo somente poderá
ser deduzido por intermédio de nova demanda.
225
23. O fato superveniente modificativo não implica relação jurídica diversa e,
portanto, não gera outra causa de pedir, mas incide sobre a mesma
causa petendi original, alterada em sua essência pelo fato
superveniente.
24. No caso dos fatos supervenientes extintivos, não há que se falar em
alteração da causa de pedir. Com efeito, não há qualquer modificação
dos fatos alegados na petição inicial, mas, sim, a apreciação de fato
superveniente que leva à extinção do processo.
25. A temática da estabilização da demanda e do fato superveniente remete
à discussão em torno da busca da verdade real no Processo Civil. Hoje,
sobretudo em decorrência da concepção segundo a qual o Processo
Civil é um instrumento de realização do direito material, o predomínio da
verdade formal sobre a verdade real tem sido bastante questionado.
26. De todo modo, em razão do princípio do contraditório, o juiz, ao tomar
em consideração o fato superveniente, deve possibilitar a manifestação
das partes, inclusive com a produção de novas provas, se for o caso.
27. A fungibilidade das ações possessórias gera uma situação peculiar em
relação à temática do fato superveniente e da causa de pedir. Assim, na
prática, a ameaça pode, por exemplo, transformar-se em esbulho, o que
justifica a concessão de medida diversa da originalmente pleiteada,
dada a transformação superveniente do contexto fático.
28. Também nas ações que visam à tutela específica das obrigações de
dar, fazer e não fazer, haverá variação da causa de pedir se, no
226
momento da efetivação da medida, ficar demonstrado que se tornou
impossível o cumprimento da obrigação, o que implicará a conversão
em tutela genérica visando à indenização por perdas e danos, quando
então novos aspectos, tais como a extensão do dano, deverão ser
apreciados.
29. Quanto ao princípio da congruência, parece interessante indagar, em
primeiro lugar, se o fato superveniente altera ou não a causa de pedir.
Se considerarmos que o conhecimento do fato superveniente modifica a
causa de pedir, não haverá que se falar em violação ao princípio da
congruência, uma vez que a sentença, a rigor, estará fundada na causa
de pedir (modificada). Todavia, se entendermos que a causa de pedir é
uma categoria abstrata, colocada na inicial in status assertionis, de tal
modo que o fato superveniente não tenha o condão de alterá-la, haverá,
então, quando do conhecimento do fato superveniente na sentença,
uma violação ao princípio da congruência. Entretanto, mesmo dentre os
que adotam essa segunda posição, predomina o entendimento de que
eventual incongruência não implica nulidade, se o fato superveniente
for, em algum momento, introduzido nos autos e submetido ao debate,
respeitando-se, desse modo, o princípio do contraditório.
30. Correspondentemente à vedação imposta ao autor, dado o princípio da
imutabilidade da ação, justificou-se a formação, em relação ao réu, do
princípio da eventualidade, por força do qual todas as defesas, salvo as
exceções e os incidentes, deverão ser alegadas na contestação, sob
pena de preclusão. Desse modo, quando se fala em princípio da
eventualidade, faz-se referência à vedação imposta ao réu, no sentido
227
de impedir a introdução de novos argumentos de defesa, o que não se
confunde nem com a imutabilidade do pedido e tampouco com a
estabilização da demanda, que são vedações impostas ao autor, o qual
não poderá alterar os elementos da ação.
31. O princípio da eventualidade impõe ao réu o ônus de concentrar na
contestação todas as alegações de defesa disponíveis, para que o juiz,
se rejeitar uma delas, passe à análise das demais. Se a matéria de
defesa não for alegada no momento da contestação, ocorrerá, quanto a
ela, a preclusão, o que leva a doutrina a defender que devem ser
admitidas, inclusive, alegações incompatíveis entre si. Cabe observar
que tal aspecto reforça a distinção entre o princípio da eventualidade e
o da imutabilidade da causa de pedir. Isso porque, quando se trata do
autor, não há quem sustente que se possam admitir, na petição inicial,
alegações incompatíveis entre si, o que poderia, dependendo do caso,
resultar até mesmo em seu indeferimento por inépcia.
32. A afirmação de que o princípio da eventualidade implica a admissão
simultânea de todas as alegações e exceções, ainda que incompatíveis
entre si, deve ser lida com certo temperamento, pois, além do princípio
da ampla defesa, há os deveres de veracidade e lealdade processual,
que exigem um mínimo de coerência e homogeneidade na defesa.
33. Quanto à eficácia preclusiva da coisa julgada, convém observar que
não se trata de estender os efeitos da coisa julgada sobre as questões
decididas, uma vez que, como se sabe, tais efeitos incidem sobre a
decisão do mérito da causa. Trata-se, sim, de um dos efeitos da
228
sentença que impede que as questões deduzidas ou não no curso do
processo possam ser utilizadas para atacar a coisa julgada. Em outras
palavras, a finalidade do instituto é impedir que o julgado seja atacado,
com fundamento no argumento de que determinada questão não foi
apreciada, o que não significa que a questão não possa ser apreciada
em outro processo, no qual seja diferente a lide.
34. Há uma diferença vital entre as posições do autor e do réu, em face do
problema da eficácia preclusiva da coisa julgada. Para o autor, se
determinada alegação deixou de ser feita em momento oportuno,
tratando-se de fato distinto do que foi alegado na petição inicial, nada
impede que ele venha a pleitear, por intermédio de uma nova ação, o
seu direito, fundado agora na causa de pedir omitida na primeira ação.
Contudo, em se tratando do réu, a situação é bem mais grave. É que,
se o mérito for decidido contra ele, não lhe restará nada a fazer, pois a
eficácia preclusiva da coisa julgada impedirá que a rediscussão da
matéria seja oponível ao que ficou estabelecido na decisão transitada
em julgado.
35. Tomando por base as já aludidas diferenças entre as posições de autor
e réu quanto às implicações da eficácia preclusiva da coisa julgada,
parece sustentável dizer-se que, para o autor, em que pese o disposto
no artigo 517 do Código de Processo Civil, a permissão da alegação de
fato superveniente restringe-se tão-somente aos fatos que tenham
ocorrido após o momento de estabilização da demanda, excluindo-se,
portanto, a possibilidade de alegar fato anterior, ainda que só conhecido
após o ajuizamento da demanda. Tal solução é razoável até porque
229
resta ao autor a alternativa de propor uma nova ação para pleitear o
direito que decorra do fato omitido na inicial. Em outras palavras, o
autor, ao contrário do réu, pode alegar em outra demanda o fato não
referido na primeira ação, fundando assim a pretensão em uma nova
causa petendi. Por outro lado, quanto ao réu, parece razoável entender-
se de modo diverso, para admitir que se deduzam, inclusive, os fatos
ocorridos antes da contestação, mas conhecidos somente depois
daquele momento, justamente porque se o réu não puder apresentar
esse argumento de defesa, não poderá mais fazê-lo, caso a ação seja
julgada procedente, tendo em vista a já mencionada eficácia preclusiva
da coisa julgada.
36. Para o réu, as matérias cognoscíveis de ofício poderão ser alegadas a
qualquer tempo, uma vez que, quanto a elas, não ocorre a preclusão
(CPC, art. 303, incisos II e III). Quanto ao réu, tal regra independe do
fato de a matéria cognoscível de ofício ser nova ou preexistir ao
momento da contestação. Já no que se refere ao autor, como o que
está em jogo não é a preclusão, mas sim a imutabilidade da ação, tais
matérias só poderão ser alegadas se disserem respeito a fato ocorrido
após a estabilização da demanda. Isso porque se, por um lado, o
próprio artigo 462 diz que o fato superveniente será conhecido de ofício
pelo magistrado, por outro, com base nas observações acima, somente
se admite como superveniente, para o autor, o fato ocorrido após a
estabilização da demanda, afastando-se desse modo o chamado
conhecimento novo de fato velho.
230
37. O artigo 22 do Código de Processo Civil, além de ser expressão do
princípio da causalidade, relaciona-se com o escopo da celeridade e
prestigia os princípios do contraditório e da lealdade processual, na
medida em que se propõe a desestimular a surpresa no processo.
Contudo, tal artigo não tem recebido a devida atenção da doutrina no
que diz respeito às implicações que dele decorrem em relação ao tema
do fato superveniente.
38. O artigo 22 do Código de Processo Civil refere-se somente às questões
que refogem ao poder dispositivo das partes e em relação às quais não
ocorre a preclusão. Em outras palavras, o que prevalece é o princípio
da eventualidade, por força do qual, se determinada alegação deixou de
ser feita na contestação, não mais poderá ser deduzida no processo.
Assim, em relação às matérias sujeitas à preclusão, não há que se falar
na incidência do artigo 22 do Código de Processo Civil.
39. As conseqüências previstas no artigo 22 do Código de Processo Civil
assumem caráter de sanção, que visa a desestimular a inércia culposa
do réu.
40. O artigo 303 do Código de Processo Civil estabelece as hipóteses nas
quais se admite que o réu deduza novas alegações após a contestação.
Quanto à situação contemplada no inciso I – direito superveniente –,
não há, a rigor, que se falar em incidência do artigo 22 do Código de
Processo Civil. Isso porque, em primeiro lugar, se o fato é posterior à
apresentação da defesa, não há como caracterizar a omissão culposa
do réu que deixa de alegar tal fato na contestação. Em segundo lugar,
231
impor-se ao réu a condenação em custas a partir do saneamento, bem
como a perda do direito de haver os honorários da parte vencida, em
decorrência da alegação de fato superveniente após a contestação,
atentaria contra a isonomia no tratamento, uma vez que, em relação ao
autor, nada se diz quanto a sanções pela dedução de fatos
supervenientes.
41. Também quando se trata de conhecimento novo de fato velho, alegado
pelo réu ao amparo do artigo 517 do Código de Processo Civil, não será
o caso de aplicar-se o artigo 22 do mesmo Código, uma vez que, na
medida em que o réu prova que deixou de alegar determinado fato
porque dele não tinha conhecimento, afasta a chamada inércia culposa,
requisito para incidência das sanções previstas no artigo 22.
42. Quanto às matérias que podem ser conhecidas pelo juiz de ofício (art.
303, II), ou que possam ser alegadas a qualquer tempo por expressa
autorização legal (art. 303, III), se o réu delas tinha conhecimento antes
do oferecimento da defesa e por desídia ou esquecimento deixou de
alegá-las no momento oportuno, será condenado nas custas a partir do
saneamento do processo e perderá, ainda que vencedor da causa, o
direito de haver do vencido os honorários advocatícios.
43. Contudo, se o réu nada alegou, mas o juiz conheceu de ofício de
determinada matéria que veio a favorecer-lhe, não seria sustentável a
incidência das conseqüências previstas no artigo 22 do Código de
Processo Civil, até porque é bastante razoável presumir-se que, se o
232
réu não alegou determinada matéria em sua defesa, é porque dela não
tinha conhecimento, o que afasta a inércia culposa.
44. O pressuposto da incidência do artigo 22 do Código de Processo Civil é
a culpa do réu. Se a alegação tardia decorrer de má-fé, a solução não
será a aplicação do artigo 22, mas, sim, do artigo 18 do Código de
Processo Civil.
45. A ocorrência de fato superveniente, ainda que posterior à sentença,
deve ser considerada no momento da apelação. Contudo, a
possibilidade de alegar fato superveniente em sede de apelação, do
mesmo modo que no primeiro grau, não pode implicar completa
modificação da causa de pedir. Tal como ocorre em relação à alegação
de fato superveniente em primeiro grau, também na apelação, as
questões de fato que se pretende alegar devem exercer influência sobre
a relação jurídica debatida em juízo. Em outras palavras, é necessário
que o fato superveniente se contenha nos limites da lide originária, para
que possa ser conhecido em grau de apelação.
46. Em sede de recurso excepcional, convém distinguir a alegação de fato
superveniente de natureza processual, da dedução de fato
superveniente de ordem material. Quanto ao primeiro, tem sido
tranqüila sua admissão em sede de recurso excepcional, sobretudo nos
casos que digam respeito ao desaparecimento superveniente do
interesse processual. Por outro lado, quanto aos fatos supervenientes
de ordem material, duas dificuldades se colocam. A primeira diz
respeito ao fato de que a jurisprudência veda o recurso fundado em
233
“reexame de prova”. Contudo, no caso do fato superveniente, não se
trata de reexame, mas de fatos que ocorreram quando o recurso
excepcional já havia sido interposto. Em segundo lugar, há que se
considerar o problema da ausência de prequestionamento. E nesse
ponto, estudando a jurisprudência, sobretudo do Superior Tribunal de
Justiça, encontramos posição fortemente majoritária no sentido de não
admitir o conhecimento do fato superveniente em sede de recurso
especial, por ausência de prequestionamento.
47. Partindo-se do reconhecimento de que existe uma supremacia do
princípio do acesso à justiça em relação à regra da estabilização da
demanda, é possível admitir-se, em caráter excepcional, que os fatos
alegados após o saneamento do processo, ainda que impliquem nova
casua petendi, sejam considerados pelo juiz no momento de proferir a
sentença, desde que seja respeitado o princípio do contraditório e que
haja efetivo proveito do ponto de vista da economia processual, apto a
justificar tal solução.
234
BIBLIOGRAFIA
ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Do formalismo no processo civil. São
Paulo: Saraiva, 1997.
_______, Garantia do contraditório. In: CRUZ E TUCCI, José Rogério. Garantias
constitucionais do processo civil. São Paulo: RT, 1999.
ALVIM NETTO, José Manoel de Arruda. Direito processual civil, v. 2 . São Paulo:
RT, 1972.
________, Código de Processo Civil comentado, v. II, São Paulo: RT, 1975
________, Código de Processo Civil comentado, v. V, São Paulo: RT, 1979
________, Manual de direito processual civil, vol. 1, 8ª ed. São Paulo: RT, 2003
________, Manual de direito processual civil, vol. 2, 8ª ed. São Paulo: RT, 2003
AMARAL, Jorge Augusto Pais de. Direito processual civil. 2. ed. Coimbra:
Almedina, 2001.
AROCA, Juan Montero, COLOMBER, Juan Luis Gomes, REDONDO, Alberto
Montón, VILAR, Silvia Barona. El nuevo proceso civil (Ley 1/2000). Valencia:
Tirant lo Blanch, 2000.
ASSIS, Arakén de. Cumulação de ações, 2 ed., São Paulo: RT, 1995
_________, Extinção do processo por superveniência de dano irreparável.
Doutrina e Prática do processo civil contemporâneo. São Paulo: RT, 2001.
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Correlação entre acusação e sentença.
São Paulo: RT, 2000.
235
BAPTISTA DA SILVA, Ovídio. Limites objetivos da coisa julgada no direito
brasileiro atual, Sentença e coisa julgada. Porto Alegre, Sérgio Fabris, 1979.
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil,
vol. V, 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
_________. Correlação entre o pedido e a sentença. Revista de Processo 83/208-
215, jul.-set. 1996.
_________. O novo processo civil brasileiro, 10ª ed., Rio de Janeiro: Forense,
1990.
_________. Temas de direito processual civil. 1ª série. 2. ed. São Paulo: Saraiva,
1988.
_________. A função social do processo civil moderno e o papel do juiz e das
partes na direção e na instrução do processo. Revista de Processo 37/140-
150, jan.-mar. 1985.
_________. A eficácia preclusiva da coisa julgada material. Revista Forense
238/54-60, abr.-jun. 1972.
BAUR, Fritz. Da importância da dicção “iuria novit cúria”. Revista de Processo
3/169/177, jul.-set. 1976.
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Poderes instrutórios do juiz, 2. ed. São
Paulo, RT, 1994.
________. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência
(tentativa de sistematização), 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
236
__________. Os elementos objetivos da demanda examinados à luz do
contraditório. In CRUZ E TUCCI, José Rogério, BEDAQUE, José Roberto
dos Santos. Causa de pedir e pedido no processo civil (questões polêmicas).
São Paulo: RT, 2002.
BOTELHO DE MESQUITA, José Ignácio. A “causa petendi” nas ações
reivindicatórias”. Revista de Direito Processual Civil 6/183-198, jul.-dez.
1962.
_________. Conteúdo da causa de pedir. Revista dos Tribunais 564/41-51, out.
1982.
CALMON DE PASSOS, J. J. Causa de pedir. Enciclopédia Saraiva de Direito, v.
14. Saraiva, 1978.
_________. Comentários ao Código de Processo Civil, v. III, 4ª. Ed., Rio de
Janeiro: Forense, 1983.
_________. A causa petendi na ação de investigação de paternidade e o art. 363
do CC – prova atípica – o depoimento pessoal do representante legal da parte –
atendibilidade do documento firmado em branco – o documento falso e o princípio
do livre convencimento do juiz. Revista de Processo 45/182-194, jan.-mar. 1987.
CAMBI, Eduardo. Direito constitucional à prova no processo civil. São Paulo: RT,
2001.
CANOVA, Augusto Cerino, La domanda giudiziale ed il suo contenuto.
Comentário Del Códice de Procedura Civile. 1.2, t.1, Torino: Utet, 1980
237
CARVALHO, Milton Paulo de. Do pedido no processo civil. Porto Alegre: Sérgio
Fabris Editor, 1992.
CARVALHO, Ludmila Lavocat Galvão Vieira de. A causa petendi aberta na ação
direta de inconstitucionalidade e na ação declaratória de constitucionalidade
no Supremo Tribunal Federal. Dissertação de Mestrado. São Paulo:
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2002.
CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Trad. Paolo
Capitanio. , v. 1. Campinas: Bookseller, 1998
COMOGLIO, Luigi Paolo. Il principio di economia processuale, vol I. Padova:
Cedam, 1980.
________, Il principio di economia processuale, vol II. Padova: Cedam, 1982.
________, Romanesimo e germanesimo nel processo civile. Saggi di diritto
processuale civile. Vol. I, Milano: Giuffrè, 1993.
________. FERRI, Corrado, TARUFFO, Michele. Lezioni sul processo civile. 2.
ed. Bologna: Il Mulino, 1998.
CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, Comentários ao Código de Processo Civil, vol.
IV, Rio de Janeiro: Forense, 2000.
CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pelegrini, DINAMARCO,
Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 6ª edição. São Paulo: RT, 1987.
CRISTOFOLINI, Giovanni. Efficacia della sentenza nel tempo, in Riv. Dir. proc.
Civile, 1935.
CRUZ e TUCCI, José Rogério, A motivação da sentença no processo civil. São
Paulo: Saraiva, 1987.
238
_______, Jurisdição e poder (Contribuição para a história dos recursos cíveis).
São Paulo: Saraiva, 1987.
_______, A regra da eventualidade como pressuposto da denominada teoria da
substanciação. Revista do Advogado 40/39-43., jul. 1993.
________, Tempo e processo, São Paulo: RT, 1997
________, Questões práticas de processo civil. São Paulo: Atlas, 1997.
________. A causa petendi na ação rescisória. Revista Forense 339/109-112, jul.-
set. 1997.
________, A “causa petendi” no processo civil, São Paulo, Ed. RT, 2001
________. Lineamentos da nova reforma do CPC. 2ª ed. São Paulo: RT: 2002
________. Contornos da “causa petendi” da demanda civil perante o juizado
especial. Revista dos Tribunais 745/11-17, nov. 1997.
________. A causa petendi na ação reivindicatória. Revista Forense 347/187-201,
jul.-set. 1999.
________ e AZEVEDO, Luiz Carlos de. Lições de história do processo civil
romano. São Paulo: RT, 1996
DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 6ª ed. São
Paulo: Malheiros, 1998.
_______. “Ônus de afirmar e causa petendi – Os documentos indispensáveis à
propositura da demanda – Ônus de afirmar e ônus de impugnação específica
(CPC, art. 302) – Pedido determinado e sentença ilíquida – Confissões de
239
dívida como declarações de vontade constitutivas – Honorários
advocatícios.” Revista Forense 341/215-238, jan.-mar. 1998.
________ “Transação homologada judicialmente. Ação rescisória. Competência
da Justiça do Trabalho ou da Justiça Comum. Fato superveniente (CPC, art.
462). Prejudicialidade.” Revista Forense 348/231-244, out.-dez. 1999.
________Capítulos de sentença. São Paulo: Malheiros, 2002.
________A reforma da reforma. 6ª edição. São Paulo: Malheiros, 2003
________Instituições de direito processual civil. Vol II, 4ª. Ed., São Paulo:
Malheiros, 2004
________, Instituições de direito procuessual civil. Vol. III, 4ª Ed. São Paulo:
Malheiros, 2004.
FADEL, Sérgio Sahione. Código de Processo Civil comentado. Rio de Janeiro:
José Konfino Editor, 1974, t.I.
FAZZALARI, Elio. Note in tema di diritto e processo. Milano: Giuffrè, 1957.
_______. Processo civile (diritto vigente).Enciclopedia del diritto, v. XXXVI.
Milano: Giuffrè, 1987.
________ . Istituzioni di diritto processuale. 8ªed., Padova: CEDAM, 1996
________.Il processo ordinário de cognizione e la Novella Del 1990 – apêndice de
aggioramento. Torino: Utet, 1991
FERRI, Corrado, Struttura Del proceso e modificazione della domanda, Padova:
Cedam, 1975
240
FORNACIARI JÚNIOR, Clito. Da reconvenção no direito processual civil
brasileiro, 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 1983.
GERALDES, Abrantes. Fase inicial do processo declarativo. Temas da reforma do
Processo Civil. Coimbra: Almedina, 1977
GIMENEZ, Ignácio Díez-Picazo Gimenez e SANTOS, Andrés de la Oliva. Derecho
procesal civil - el processo de declaración. Madrid: Centro de Estudos
Ramón Areces, 2000.
GRECCO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil brasileiro, 1º vol., 17ª. ed., São
Paulo: Saraiva, 2003.
________, Direito Processual Civil brasileiro, 2º vol. 16ª ed., São Paulo: Saraiva,
2003
GRINOVER, Ada Pellegrini. Considerações sobre os limites objetivos e a eficácia
preclusiva da coisa julgada. Revista do Advogado 65/73-78, dez. 2001.
LAZZARINI, Alexandre Alves. A causa petendi nas ações de separação judicial e
de dissolução da união estável, São Paulo; RT, 1999.
LEITE, J. Oswaldo de Oliveira. Direito superveniente à propositura da ação.
Revista Forense 266/443-445, abr.-jun. 1979.
LEONEL, Ricardo de Barros. Objeto litigioso e direito superveniente no
processo civil. Tese de doutorado. São Paulo: Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo, 2004.
LIEBMAN, Enrico Túlio. Manual de direito processual civil. 1ª Ed. brasileira
(traduzido e anotado por Cândido Rangel Dinamarco, da 4ª Ed. italiana). Rio
de Janeiro: Forense, 1984.
241
LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Litisconsórcio necessário e eficácia da
sentença na lei de improbidade administrativa. In: BUENO, Cássio
Scarpinella e PORTO FILHO, Pedro Paulo de Rezende. Improbidade
administrativa (Questões polêmicas e atuais). São Paulo: Malheiros, 2001
________. Limites objetivos da coisa julgada. Estudos sobre o processo civil
brasileiro. Araras: Besbook, 2001.
MACHADO, António Montalvão, PIMENTA, Paulo. O novo processo civil, 2ª ed.
Coimbra: Almedina, 2000.
MARCATO, Antonio Carlos. Procedimentos especiais, 7a. ed. São Paulo:
Malheiros, 1997
MARQUES, José Frederico. Manual de direito processual civil, v.1, 4ª Ed. São
Paulo: Saraiva, 1976.
MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Comentários ao Código
de Processo Civil, vol. 5. t.I. São Paulo: RT, 2003.
NERY JÚNIOR, Nelson. Separação Judicial – Direito superveniente, Revista de
Processo 25/218, jan.-mar. 1982
_________. Separação judicial – injúria grave praticada por cônjuge alienado
mental – natureza jurídica da sentença que decreta a separação. Direito
superveniente - não cabimento de alteração da causa de pedir (parecer).
Revista de Processo 25/214-219, jan.-mar. 1982.
________. Condições da ação – ilegitimidade do incapaz menor, mesmo assistido
por representante legal, para requerer a interdição de parente –
procedimento de jurisdição voluntária (parecer). Revista de Processo 42/200-
204, abr.-jun. 1986.
242
________. Condições da ação. Revista de Processo 64/33-38, out.-dez. 1991.
________ e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil e
legislação processual civil extravagante. São Paulo: RT, 1994.
OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de. O juiz e o princípio do contraditório. Revista
do Advogado n.40/177, São Paulo: 1993
OLIVEIRA, Vallisney de Souza. Nulidade da sentença e o princípio da
congruência. São Paulo: Saraiva, 2004.
PINTO, Júlio Alexandre Moreira, Sistemas rígidos e flexíveis: estabilização da
demanda, in Causa de pedir e pedido no processo civil (questões
polêmicas). José Rogério Cruz e Tucci e José Roberto dos Santos Bedaque
(org.). São Paulo: RT, 2002.
_______, A causa petendi e o contraditório. Dissertação de Mestrado. São
Paulo: Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2001.
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de
Processo Civil. Rio de Janeiro, Forense: 1974, t. I.
PORTO, Sérgio Gilberto. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo:
RT, 2000, v. 6.
PRATA, Edson. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro:
Forense, 1987, t. I
PUGLIESI, Giovanni. Instituzioni di diritto romano. 2 ed. Torino: G. Giappichelli
RICCI, Gian Franco. Individuazione o sostanziazione nella riforma del processo
civile. Rivista Trimestrale di diritto e procedua civile, 1995
243
RIZZATTO NUNES, Luiz Antonio. Manual da Monografia Jurídica, 3ª ed., São
Paulo: Saraiva, 2001
RODRIGUES, Roberto Abelha. Elementos de direito processual civil, , 3ª ed. São
Paulo: RT, 2003. vol. 1
________, Elementos de direito processual civil, , 2ª ed, São Paulo: RT, 2003.
vol.2
SANTOS, Moacyr Amaral. As fases lógicas do procedimento ordinário. Revista
Forense 243/22-27, jul.-set. 1973.
______, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. IV, 7ª ed. Rio de Janeiro:
Forense,1994.
______. Primeiras linhas de direito processual civil, , 22ª ed., São Paulo, Saraiva:
2002. 2º vol
______. Primeiras linhas de direito processual civil, 21ª ed, São Paulo: Saraiva,
2003. 3º vol
______. Primeiras linhas de direito processual civil, , 23ª ed., São Paulo: Saraiva,
2004. 1º vol
SEGOVIA, Rafael Hinojosa. Il nuovo Códice di Procedura Civile spagnolo (Legge
1/2000, Del 7 gennaio). Rivista di Diritto Processuale (2) / 373-381, Padova:
Cedam, apr.-giug. 2000.
SEVERINO, Antonio Joaquim. Metodologia do trabalho científico, 22ª ed. São
Paulo: Cortez Editora, 2004
SHIMURA, Sérgio Seiji. Breves considerações sobre a “emendatio libelli” e a
“mutatio libelli”. Revista de Processo 59/236-241, jul.-set. 1990.
244
SOARES, Fernando Luso, Processo civil de declaração. Coimbra: Almedina,
1985.
SOUZA, Everardo de. Do princípio da eventualidade no sistema do Código de
Processo Civil. Revista Forense 251/101-112, jul.-set. 1975.
SOUZA, Miguel Teixeira de. Apreciação de alguns aspectos da revisão do
processo civil – projecto. Revista da Ordem dos Advogados 55
TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer. São
Paulo: RT, 2001.
TARZIA, Giuseppe. O novo processo civil de cognição na Itália, Revista de
Processo 79/ 51-64. jul.-set. 1995.
________. Lineamenti Del nuovo processo di coginizione, Milano: Giuffrè, 1996.
TEIXIEIRA, Guilherme Freire de Barros. O Princípio da eventualidade no
processo civil. São Paulo: RT, 2005.
TESHEINER, José Maria. Eficácia da sentença e coisa julgada no processo civil.
São Paulo: RT, 2002.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Princípios informativos e a técnica de julgar no
processo civil. Revista Forense 268.
TROCKER, Nicolo, Processo civile e constituzione – problemi di diritto tedesco e
italiano, Milano: Giuffrè, 1974
VESCOVI, Enrique. La modificación de la demanda. Revista de Processo 30/206-
212, abr.-jun. 1983.
245
WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI,
Eduardo. Curso avançado de processo civil, 6ª ed., São Paulo: RT, 2003.
ZACLIS, Lionel. Causa de pedir nos Recursos Extraordinário e Especial. Revista
do Advogado 65/64-67, dez. 2001
ZANZUCCHI, Marco Túlio. Nuove domande, nuove eccezioni e nuove prove in
appello (art.490-491 C.P.C.). Milano: Società Editrice Libraria, 1916.