a identidade histórica do espaço urbano
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UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE LETRAS
Que futuro nestas ruas cheias de memrias?
A identidade histrica do espao urbano no crescimento europeu 2020
O caso de estudo da vila de Sesimbra
Lus Filipe Pinhal Ferreira
Orientador: Prof. Doutora Maria Joo Baptista Neto
Tese especialmente elaborada para obteno do grau de Doutor no ramo de Histria, na
especialidade de Arte, Patrimnio e Restauro
2015
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UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE LETRAS
Que futuro nestas ruas cheias de memrias?
A identidade histrica do espao urbano no crescimento europeu 2020
O caso de estudo da vila de Sesimbra
Lus Filipe Pinhal Ferreira
Orientador: Prof. Doutora Maria Joo Baptista Neto
Tese especialmente elaborada para obteno do grau de Doutor no ramo de Histria, na
especialidade de Arte, Patrimnio e Restauro
Jri:
- Presidente: Doutor Antnio Adriano de Asceno Pires Ventura, Professor Catedrtico e
Diretor da rea de Histria da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
Vogais:
- Doutor Virgolino Ferreira Jorge, Professor Associado com Agregao Aposentado da
Escola de Artes da Universidade de vora;
- Doutora Margarida Helena de La Fria Valla, Professora Associada da Escola de
Comunicao, Arquitetura, Artes e Tecnologias de Informao da Universidade
Lusfona de Humanidades e Tecnologias;
- Doutor Vtor Manuel Guimares Verssimo Serro, Professor Catedrtico da
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa;
- Doutora Maria Joo Lopes Baptista Neto, Professora Associada com Agregao da
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, orientadora;
- Doutora Clara Maria Martins de Moura Soares, Professora Auxiliar da Faculdade de
Letras da Universidade de Lisboa.
2015
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i
Resumo
Se um homem no sabe a que porto se dirige, nenhum vento lhe ser favorvel.
Enunciada por Sneca no sculo I, esta reflexo mantm na atualidade toda a sua
profundidade na assuno do cidado a domnios fundamentais e a qualidades
singulares, do saber pensar ao saber fazer, tomar decises e lidar com a mudana,
possuir aptido de trabalho, ser autodidata e criativo, mas tambm, ser crtico.
Esta diegese fundamental na leitura que se compe quanto relao das cidades
contemporneas com o seu legado patrimonial, perpetua dialtica do passado com o
futuro mediada entre a existncia cultural e o programa construdo, num mesmo
momento em que delineado, na estratgia poltica da Europa Comunitria, o futuro das
cidades europeias, centros de crescimento inteligente, sustentvel e inclusivo, onde a
cultura e o patrimnio so aspetos dessa audaciosa viso cosmopolita.
O presente estudo pretende contribuir para este momento, patenteado na dialtica da
cividade enquanto gnese histrica da vindoura Europa 2020, atravs da abordagem a
um caso de estudo de pequena escala, uma urbe, de entre tantas que pontuam o territrio
europeu, a vila de Sesimbra, exemplo da identidade que o patrimnio urbano carreia,
seja na tipologia de edifcios seja de atores participantes nas dinmicas quotidianas.
Tradicional pvoa de feio atlntica, em Sesimbra, a vivncia da comunidade tem
ditado a evoluo urbana ao longo dos sculos, pautada nas ltimas dcadas por um
maior reconhecimento quanto ao seu patrimnio, embora confrontado com a dificuldade
em assegurar a preservao dessa originalidade perante o crescendo turstico, lato
desprendimento em assimilar o que se assume novo e proveitoso. A relao pende entre
o espao urbano e a comunidade, entre a misso e a utilizao urbana, permanente dos
residentes e ocasional dos visitantes, notas que se dedilham nas pautas do futuro.
Esta dinmica agora revista luz dos novos paradigmas de valorizao do legado
cultural, validados na clareza da interpretao do ncleo histrico urbano e do
entendimento quanto sua gesto. Aspira-se a um carater mais humanizado, centrado na
identidade local e na propagao dos seus valores materiais e ativos imateriais, bases de
proporcional benefcio de capacitao como de contributos justificados para a
sustentabilidade da ambincia histrica urbana.
Palavras-chave para leitura: cidades contemporneas, patrimnio urbano,
crescendo turstico, Europa 2020, vila de Sesimbra.
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ii
Abstract
If a man does not know to which port heads, no wind is favorable to him.
Enunciated by Seneca in the first century, this reflection keeps today all its depth in
the assumption of the citizen to fundamental domains and unique qualities, from the
awareness how to learn up to how to think, take decisions and cope with the change,
own ability to work, be self-taught and be creative, but also known to be critical.
This portrayal is essential regarding the lecture fond in the relationship of
contemporary cities with their heritage legacy, perpetual dialectic of the past with the
future mediated between cultural existence and the edification program, at the same
time when are outlined, in the policy strategy of the European Community, the future of
European cities, centers for smart, sustainable and inclusive growth, in which the
Culture and the Heritage are aspects of this audacious cosmopolitan vision.
The present study aims to contribute to this to this moment, patented in the dialectic
of the city as a historical genesis of what will be Europe 2020, through the approach to a
case study of small scale, a city from so many that constitute the European territory, the
Sesimbra village, example of the identity that urban heritage carries, either estates types
or relevant stakeholders involved in their daily dynamics.
Traditional coastal city of Atlantic feature, in Sesimbra, the community experience
has dictated its evolution over the centuries, marked in recent decades for the major
recognition about their heritage, though, faced with the difficulty of ensuring the
preservation of this originality over the growing tourism and the broad release in
assimilating what is new and useful. The relationship hangs between urban space and
the community or between urban mission and its using, permanent from the residents
and occasional by the visitors, marks the guidelines to the Future.
This dynamic is now reviewed in the light of the new cultural traditions valuation
paradigms, validated in the clarity on the interpretation of the historic urban core and
understanding about its management. Aims thus a more humanized character, centered
on local identity and in the spread of its tangible and intangible assets, bases for
proportional benefit for capacitating as justified contributions to the sustainability of
urban historical ambience.
Keywords for reading: contemporary cities, urban heritage, growing tourism,
Europe 2020, Sesimbra village.
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iii
Agradecimentos
Cinco anos, foi o tempo que levou a questionar, refletir e escrever todas as palavras
e todas as ideias que constituem esta preleo, a qual reflexo de simetria do que nos
ltimos anos tem sido a minha experincia profissional, a que se soma um envolto
espirito de vocao de arqueolgo que, de formao acadmica, porm gnese mais
antiga, continuidade do legado cultural da minha comunidade nativa sesimbrense. Pese
embora este seja um trabalho pessoal, nele esto presentes concees que vivenciei
neste tempo com vrias pessoas, para as quais, vai o meu sincero reconhecimento.
Na instituio onde trabalho, a Cmara Municipal de Sesimbra, um primeiro
agradecimento ao seu presidente, Augusto Plvora, com quem tenho o prazer de
trabalhar no universo da programao comunitria, como tambm na fruio da coeva
urbe de Sesimbra. Reconhecimento tambm para todos os meus colegas que
acompanharam esta jornada, particularmente a Joo Aldeia, a Andr Garrau e, a Anabela
Gonalves, com o discreto condo de contriburem pelo exemplo do seu labor.
Particular referncia a um outro grupo de pessoas, igualmente discreto, mas que
com o seu pessoal empenho tiveram participao importante no resultado final, um
agradecimento a Susana Sousa, a Paulo Silva e a Joo Ferreira, pelo tempo e dedicada
ateno na reviso de textos e nas suas sinceras opinies.
No Instituto de Histria de Arte da FLUL, renovado reconhecimento ao corpo de
docentes liderado pelo Prof. Dr. Vtor Serro, que em acordo com os docentes externos
que lecionaram no doutoramento, instruram o necessrio suporte que aliviou o carrego
ao plano de estudos, e aos nossos colegas de curso, que conferiram animo. Igual
meno, e muito particular, para a Prof. Dr. Maria Joo Neto, que desde o dia em que
aceitou ser a orientadora desta investigao, esteve sempre presente e indiscutivelmente
assertiva em benefcio do programa de investigao, e da minha prpria motivao.
Como pargrafo conclusivo, um agradecimento para a minha famlia que
continuadamente acompanhou todos os percursos desta longa jornada, quer da parte de
meus pais e irm como de meus sogros e cunhados. Por fim, o ltimo, e mais emotivo
agradecimento, Snia e Catarina, uma vez que a segunda tese que acompanham, e
ao novato Rodrigo, que sem a compreenso desta trs pessoas muito prximas, a tarefa
teria sido bem mais difcil.
Em jeito final de dedicatria, uma pessoal lembrana a meu pai, que no pde
conhecer este trabalho final, mas que para o mesmo muito contribuiu.
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iv
ndice Geral
Chave das principais siglas .............................................................................................. vi
Introduo .......................................................................................................................... 1
1. O tema em estudo ..................................................................................................... 1
2. O projeto de investigao ......................................................................................... 4
3. A pertinncia atual e vindoura .................................................................................. 8
4. A estrutura da dissertao ....................................................................................... 10
Parte I. Sesimbra, a mnemnica da identidade urbana .................................................... 13
Captulo 1. Um territrio de endemismos naturais ......................................................... 15
1.1. A geomorfologia e as ambincias ........................................................................ 15
1.2. Terras de biodiversidade ...................................................................................... 19
1.3. O Atlntico e seus ecossistemas .......................................................................... 23
1.4. O vale e a baa de Sesimbra ................................................................................. 25
Captulo 2. A evoluo histrica ..................................................................................... 37
2.1. A ancestralidade e a pvoa medieva.................................................................... 37
2.2. O burgo piscoso e o emprio porturio ............................................................... 53
2.3. A poca mercantilista e a era da industrializao ................................................ 68
2.4. A contemporaneidade e a urbanidade .................................................................. 83
Captulo 3. O contexto humanizado .............................................................................. 143
3.1. A envolvncia social .......................................................................................... 143
3.2. A vertente econmica ........................................................................................ 158
3.3. A vivacidade cultural ......................................................................................... 172
3.4. A orientao de governana .............................................................................. 187
Captulo 4. O recinto urbano ......................................................................................... 229
4.1. Uma histria de evoluo .................................................................................. 229
4.2. A atualidade materializada ................................................................................ 246
4.3. Testemunhos do registo histrico ...................................................................... 262
4.4. A relao funcional e as vivncias .................................................................... 279
Parte II. Sesimbra, um olhar luz da Estratgia 2020 .................................................. 329
Captulo 5. Paradigmas de abordagem .......................................................................... 331
5.1. A eleio do patrimnio urbano na cidade europeia ......................................... 331
5.2. A regenerao urbana integrada ........................................................................ 345
5.3. Os fenmenos de identidade local ..................................................................... 359
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v
5.4. Os recintos, os equipamentos e os usos ............................................................ 370
Captulo 6. Planeamento e gesto no espao histrico urbano ..................................... 409
6.1. O aperfeioamento integrado ............................................................................ 409
6.2. O plano integrado de gesto .............................................................................. 423
6.3. As aes e a programao de eventos ............................................................... 439
6.4. Do acompanhamento monitorizao e avaliao ........................................ 450
Captulo 7. Propostas de interveno de base patrimonial ........................................... 489
7.1. Os espaos e a relao com os recursos ............................................................ 489
7.2. As dialticas de usufruto e o evento turstico.................................................... 500
7.3. As relaes de convivncia local ...................................................................... 513
7.4. Comunicar a imagem do espao urbano ........................................................... 523
Captulo 8. Condies e condicionalismos locais ......................................................... 565
8.1. A concretizao da urbe histrica ..................................................................... 565
8.2. A reorganizao do espao e das existncias .................................................... 578
8.3. A cultura no crescimento integrado .................................................................. 590
8.4. A premncia de uma nova misso urbana ......................................................... 603
Concluso ...................................................................................................................... 643
1. Sntese do projeto de investigao ....................................................................... 643
2. Orientaes sobre o caso de estudo ...................................................................... 646
3. O legado cultural nas cidades inteligentes ........................................................... 650
4. O ensaio da contnua renovao ........................................................................... 652
Fontes documentais ....................................................................................................... 655
Fundos de documentao escrita .............................................................................. 655
Fundos cartogrficos e ilustrados ............................................................................. 656
Fundos fotogrficos e flmicos ................................................................................. 658
Repositrio de fontes diversas ................................................................................. 662
Referncias bibliogrficas ............................................................................................. 664
Documentao de leitura formal .............................................................................. 664
A ambincia da cividade .......................................................................................... 669
Estudos sobre espaos histricos urbanos ................................................................ 672
Monografias para o caso de estudo .......................................................................... 673
ndice de imagens ......................................................................................................... 679
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Chave das principais siglas
ADREPES Associao para o Desenvolvimento Regional da Pennsula de Setbal
AIDT Abordagens Integradas de Desenvolvimento Territorial
AIDUS Aes Integradas de Desenvolvimento Urbano Sustentvel
AML rea Metropolitana de Lisboa
AMRS Associao de Municpios da Regio de Setbal
ARU rea de Reabilitao Urbana
CCDRLVT Comisso de Coordenao e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale
do Tejo
CE Comisso Europeia
CEE Comunidade Econmica Europeia
CnE Conselho da Europa
CMS Cmara Municipal de Sesimbra
CTE Cooperao Territorial Europeia
DLBC Desenvolvimento Local de Base Comunitria
EIDT Estratgia Integrada de Desenvolvimento Territorial
EI Lisboa Especializao Inteligente da Regio de Lisboa
ENM Estratgia Nacional para o Mar
EP Eixo Prioritrio
EPIEI
Estratgia de Pesquisa e Inovao para a Especializao Inteligente
ERTRL Entidade Regional de Turismo da Regio de Lisboa
EU European Union | Unio Europeia
FdC Fundo de Coeso
FEADER Fundo Europeu Agrcola de Desenvolvimento Rural
FEAMP Fundo Europeu dos Assuntos Martimos e das Pescas
FEDER Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional
FEEI Fundos Europeus Estruturais e de Investimento
FSE Fundo Social Europeu
GEPAC Gabinete de Estratgia, Planeamento e Avaliao Culturais
GPEARI Gabinete de Planeamento, Estratgia, Avaliao e Relaes Internacionais
ICC Industrias Culturais e Criativas
ICOMOS International Council on Monuments and Sites | Conselho Internacional de
Monumentos e Stios
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IEJ Iniciativa Emprego Jovem
ITI Investimentos Territoriais Integrados
ORU Operao de Reabilitao Urbana
OT Objetivos Temticos
OWHC Organization of World Heritage Cities | Organizao das Cidades Patrimnio
Mundial
PAR Lisboa Plano de Ao Regional de Lisboa
PDCT Pacto para o Desenvolvimento e Coeso Territorial
PDM Plano Diretor Municipal
PEC Pacto de Estabilidade e Crescimento
PEDU Plano Estratgico de Desenvolvimento Urbano
PETS Plano Estratgico de Turismo do Concelho de Sesimbra
PI Prioridade de Investimento
PIB Produto Interno Bruto
PME Pequenas e Mdias Empresas
PNR Plano Nacional de Reformas
PORL Programa Operacional Regional de Lisboa
PROMAR Programa Operacional Pesca
PROT Plano Regional de Ordenamento do Territrio
PTI Programa Territorial Integrado
QCA Quadro Comunitrio de Apoio
QEC Quadro Estratgico Comum
QREN Quadro de Referncia Estratgico Nacional
RIS3 Research and Inovation Strategies for Smart Specialisations | Estratgia de
Pesquisa e Inovao para a Especializao Inteligente
SIG Sistema de Informao Geogrfica
SWOT Strengths, Weaknesses, Opportunities, Threats | Foras, Fraquezas,
Oportunidades, Ameaas
U.E Unio Europeia
UNESCO United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization |
Organizao das Naes Unidas para a Educao, Cincia e Cultura
URBACT Programa em Rede de Desenvolvimento Urbano
URBCOM Programa de Incentivos a Projetos de Urbanismo Comercial
VAB Valor Acrescentado Bruto
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viii
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1
Introduo
1. O tema em estudo
Num porvir em que se prefigura a elevada atratividade urbana, realidade que em
Portugal avoca mais de sete milhes de habitantes a residir nas cidades, enquanto os
restantes trs milhes, continuam campesinos, e num momento em que se cumprem as
primeiras medidas nacionais do novo Quadro Estratgico Comum 2014-2020, apostado
nas cidades, h que voltar a refletir sobre o espao urbano. Foi sob este panorama que,
ao percorrer as ruas enegrecidas mais recnditas da vila de Sesimbra, se insinuou a
questo: Que futuro nestas ruas cheias de memrias?
Mais que uma pergunta, esta interpelao aborda um estado de questo quanto
cividade na sua evoluo econmica, relaes sociais, capacidade de governana e
lucidez ambiental, onde a gnesis patrimonial, surge como anel de compromisso. Ser
este o nosso objeto de estudo, o qual pretende em Sesimbra, atravs da sua identidade
histrica e do seu legado societrio, associar as metas programticas Comunitrias da
nova viso Europa 2020, para um crescimento inteligente, sustentvel e inclusivo, com o
objetivo de propor um roteiro para um programa de gesto do patrimnio urbano, linha
de reflexo para o crescimento integrado e, para o prprio futuro de Sesimbra.
O recinto urbano aqui abordado nos seus usos quotidianos, perante a propenso da
musealizao ou face s potencialidades de fruio, limites na definio do centro
histrico e na conscincia da cidade histrica. Considerar Sesimbra, sobrevm de
afinidade pessoal de nascimento e da proficincia profissional no municpio, no qual ao
longo dos ltimos anos assisti a pontos de encontro e de clivagem entre a salvaguarda
do patrimnio e o progresso sustido na reabilitao urbana. Esta experincia j havia
suscitado anterior ligao acadmica, quanto valorizao do patrimnio, tema
abordado na dissertao de mestrado apresentada Faculdade de Letras da
Universidade de Lisboa em 2007, ento, sobre o Castelo de Sesimbra, o genoma da
atual urbe, e que serviu de epgrafe de partida para a presente preleo.
A pvoa de Sesimbra emerge num enquadramento ambiental nico pela singular
relao de afirmao atlntica. Detentora de relevante legado histrico, encontra-se
valorizada pelas recentes intervenes urbanas e por um universo de tradies ainda
perdurantes na estrutura social. Porm, na atualidade, igualmente confina fenmenos de
despovoamento coligados ao declnio de arqutipos econmicos como a pesca e o
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2
pequeno comrcio, que segam a empregabilidade e contribuem para deslocar o recinto
habitacional, no qual, prolifera um parque residencial de segunda habitao que faz
decair a vivncia da rua e impem a moradia como rea de socializao.
A bibliografia consultada ante o caso de estudo suscitou leituras compartilhadas,
pois se ricas em dados histricos, so enfadas na aceo urbe. Destaque para o
relatrio elaborado por Antnio da Silva em 18971 e para a obra Os Pescadores de
Raul Brando, primevas prelees do quotidiano das gentes e da faina na pvoa,
secundados pelos estudos histricos de Joaquim Guerra, que divisaram a afirmao da
nacionalidade nos anos de 1930 e 1940. Coevo, o estudo monogrfico geoeconmico
de Hernni Bernardo, a primeira abordagem integrada do territrio concelhio onde a
vila primava, a que se sucedem os estudos histricos produzidos por Rafael Monteiro, e
em 1966, o emblemtico Pesca e Pescadores em Sesimbra de Maria Cruz, onde se
explora a relao da comunidade piscatria com o espao urbano.
Duas dcadas aps publica-se Sesimbra Monumental e Artstica, de Eduardo
Serro e Vtor Serro, reportrio do patrimnio arquitetnico e artstico do concelho, em
que se dedica um captulo vila e onde, em apndice, Rafael Moreira ensaia a gnese
urbana quinhentista. Desde ento advieram novas leituras, embora eminentemente
histricas, seja com Antnio Marques em torno de quotidianos passados, de Joo Aldeia
com abordagens socioeconmicas, ou do prprio autor na evidncia arqueolgica da
povoao, at que num recente estudo sobre a comunidade martima, Joana Freitas
aduziu nova leitura da evoluo da vila ao longo da ltima centria.
Com carcter mais institucional, meno aos documentos desenvolvidos pelo
Municpio que, aps uma leitura complementar, permitiu tecer a abordagem de
conjunto, do Plano Diretor Municipal de 1991 s propostas para desenvolvimento do
museu municipal, do mais prximo diagnstico social concelhio at carta educativa e
ao plano estratgico de turismo, e por fim, bem recente proposta de definio da rea
de reabilitao urbana no ncleo antigo da vila de Sesimbra, de 2014.
Na atual conjuno europeia, as cidades, constituem um patrimnio singular que se
consolida na conscincia da sua prpria valorizao, maturao de prosperidade
econmica e de incluso social num ambiente saudvel. Este entendimento tem
implcitas questes tericas e perspetivas comparativas que se aperfeioam no presente
ensaio, consumao que o tempo no logrou apagar, do restauro do patrimnio urbano
1 Publicado in Martins (org.), 2013.
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3
na carta de Veneza de 1964 abordagem pitoresca da urbe contempornea como
proposto por Gordon Cullen em 1971, at ao mago da prpria leitura, que incidiu em
propostas mais recentes, para uma conspeo coetnea quanto ao entendimento da
conexo de Sesimbra face s bases da Estratgia Europa 2020.
Foram tambm coligidos temas reportados ao municipal, no cariz arquitetural
do espao pblico como proposto por Bruno Coussy, Sylvane Martin-Laval, Thierry
Roze e Benot Carri, ou na intermediao das polticas culturais como tratado por Iaki
Aguileta, a que acresceu a abordagem de fatores como o progresso, revisto por Eduardo
Rojas, o desenvolvimento sustentvel, revisitado por Mona Serageldin ou por Donovan
Rypkema e Caroline Cheong, e a identidade urbana, abordada por Francesco Siravo.
Meno ainda relao do patrimnio com a economia, como explorado por Marc
Guillaume ou por David Throsby, promoo do seu potencial, revisto por Jean-Louis
Luxen ou por Jrg Haspel, e dos seus contributos por Guido Licciardi ou por Nili
Shchory e Leah Shamir-Shinan, a que se aduziu o envolvimento do setor pblico,
privado e do associativismo social, revistos por Ron Oers ou por Susan MacDonald.
A perceo da ambincia patrimonial no espao urbano suscitou igualmente, a
anotao de abordagens nacionais com paridade temtica a Sesimbra, onde foram
revistos temas como a identidade na fruio cultural, como formulado por Clara Soares
e Maria Neto, s relaes da comunidade com a memria coletiva do territrio, das
tradies culturais vivenciadas na atualidade com Paula Pacheco e Paula Teixeira
memorao laboral na feio urbana com Artur Martins e Helena Alves. Esta leitura
procurou tambm o recinto patrimonial, do centro histrico na viso de Paulo Peixoto
ou de Paula Santos, ao processo arquitetnico de recuperao por Jos Lamas ou
reabilitao estrutural dos edifcios por Vtor Cias, at identidade transposta por
Virgolino Jorge, associao ao monumento revista por Pedro Abreu, e aos desafios da
arte pblica formulados por Jos Regato, a que acresce uma abordagem mais
cosmopolita quanto misso da cidade, revisitada por Ernni Lopes.
A problematizao em questo suscitou todas estas perspetivas de olhar o
patrimnio histrico da cidade contempornea, pois a conservao do crculo urbano,
assenta numa teia contextual que evolui dos edifcios e recintos s funcionalidades e aos
costumes. Neste trabalho, procurou-se ir um pouco mais alm, ancorar a interpretao
sob o olhar dos programas polticos Comunitrias para o horizonte 2020, o que suscitou
anloga interpelao quanto documentao mais institucional.
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4
Recuou-se um pouco para entender a civitte histrica, da declarao da UNESCO
de 1982 quanto s polticas culturais, s abordagens do ICOMOS quanto conservao
das cidades histricas, visitao dos stios patrimoniais e salvaguarda das reas
urbanas histricas, bem como s orientaes da OWHC quanto relao do turismo
com a vitalidade das cidades histricas e a cooperao para a sua gesto sustentvel.
Com o novo milnio, a leitura terica acentua o valor do patrimnio no entendimento da
sua diversidade cultural e na relao da arquitetura contempornea na misso atual da
cidade, focada na conservao da paisagem histrica urbana, como proposto pela
UNESCO, s abordagens do ICOMOS quanto preservao do esprito do lugar.
Tambm no contexto da Europa Comunitria, esta temtica foi revisitada nas bases
propostas pela conveno da paisagem europeia do Conselho da Europa de 2000, s
definies de cidades sustentveis ou regenerao urbana integrada, da agenda
territorial europeia e seus desafios para as regies e cidades, pela Unio Europeia, a que
se associaram as perspetivas da Comisso Europeia no desenvolvimento urbano
sustentvel ou nas estratgias de pesquisa e inovao. Estas orientaes foram vertidas
em Portugal na programao publicada por instituies estatais, como a CCDRLVT no
plano regional de ordenamento territorial ou na viso para a regio Lisboa 2020, seus
modelos de especializao inteligente e respetivo plano de ao regional, como tambm,
assumidas pela comunidade intermunicipal da AML, com o seu programa territorial e a
estratgia integrada de desenvolvimento. Na rea da cultura, foram versadas as
propostas de entidades como o GPEARI ou o GEPAC para a cultura e a criatividade,
definio da estratgica turstica para a regio como proposta pela ERTRL.
Partir destas leituras para definir o ngulo com que abordar a questo de partida e
dirimir o quadro de estudo, influiu num encadeamento de raciocnio por onde
sobressaem distintos nveis transpostos na anlise ao espao urbano, atravs da gerao
histrica e da inseparvel dialtica patrimonial. A conservao do patrimnio urbano
relevante enquanto fator de organizao da comunidade e de planificao do territrio,
elevao de um trajeto de valores participados, desde logo, no estabelecimento de
decises ou no planeamento de intervenes, sinnimo de cidadania coletiva.
2. O projeto de investigao
Na conceo antropolgica do territrio, desde os mais recuados perodos da
Histria que se consagrou a manifestao da criao humana no meio natural atravs da
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5
adaptao a situaes e da produo de solues, onde o espao urbano a forma
experimental mais completa desta conscincia, no s pela dimenso aristotlica do
lugar, mas pela criao de dinmicas que o tornam multidimensional. O recinto
histrico urbano foi entendido neste projeto de investigao sob diferentes epstolas,
embora por vezes de semntica comungada algo dbia, tal como testemunhado no
romanesco centro histrico, enquanto materializao do sentimento de efemeridade da
construo humana, ou como alicerado na icstica cidade histrica, consecuo da
existncia comunitria perseverada no quotidiano coetneo. Ser este espao comum,
qualificado e construdo escala humana, que se consubstancia a conceo pessoal
quanto abordagem do caso de estudo, o qual e antes de mais, importa compreender.
A vila de Sesimbra, sede epnima do municpio e do concelho, integra-se no
Distrito de Setbal e na rea Metropolitana de Lisboa, distante desses dois centros
urbanos em cerca de 30 km. O municpio tem associada uma rea territorial com 195
km2 de extenso, onde residem 49.500 habitantes, em que os limites de vila confinam
com os limites da freguesia de Santiago, a segunda freguesia mais antiga do concelho2,
que conta no seu permetro administrativo com uma populao de 4841 habitantes para
uma rea de aproximadamente 2 km2, o que corresponde a menos de 10% da populao
e a pouco mais de 1% da rea geogrfica do territrio municipal.
Desponta neste agregado profcua quadrangulao piramidal entre o Econmico, no
contexto de atividades permanentes como o comrcio versus as temporrias como o
turismo quanto a uma economia de partilha, o Social, na coeso da comunidade local e
na incorporao assertiva de utilizadores e visitantes, o Ambiental, pela eficincia de
usos e pela envolvncia geogrfica, a Governana, pela incluso dos atores locais e por
medidas de governao participada, todas, encimadas pelo Cultural, manifesto na
identidade urbana e na conservao patrimonial.
Por esta teia se vislumbra o estreito fio de Ariadne quanto ao percurso de futuro
nessas ruas cheias de memrias, em que traar o esquisso do que a vila de Sesimbra,
requer dois distintos planos de leitura, o primeiro desponta da noo de histrico,
aplicado ao espao urbano, dialtica da cidade histrica, do ncleo histrico e do centro
histrico, o segundo, enleia a urbe na epstola das polticas de desenvolvimento urbano,
sob a perspetiva do crescimento associado poltica de coeso 2020, proposta pelo
colegial da Unio Europeia.
2 O concelho acolhe as freguesias de Castelo (1201), Santiago (1536) e de Quinta do Conde (1985).
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6
A limitao da sua patine de antiguidade no facilita o redimensionamento
estrutural da urbe histrica, nem favorece pretenses de concorrncia face a
aglomerados mais recentes. No obstante, a conscincia de que o ncleo ascende alm
dos limites fsicos da sua ancestralidade, reflete uma apelativa aptido de encontro de
lugares, pois o costumado centro histrico pode no ser coincidente com o centro
industrial ou com o renovado centro habitacional, o que tem reflexos quanto ao
entendimento do que a cidade, pelo que urge clarificar a noo de cidade adotada
neste estudo, a qual mediada entre cidade enquanto metrpole e cidade enquanto a
cidade menor ou vila. Propem-se que o termo consultado como citie ou cidade
metropolitana seja acertado para metrpole, definio de urbes superiores como Madrid
ou Lisboa, enquanto o termo town, cidade ou vila, seja entendido como cidade,
definio de urbes inferiores como Cracvia, Toledo ou Beja, e Sesimbra3.
No cerne da abordagem problemtica em estudo, preconiza-se que a questo de
base almeje superar as costumadas limitaes quanto ao entendimento do ncleo
histrico, apenso conceo do centro histrico das atuais metrpoles e cidades, ao
extravasar a apreenso patrimonial com questes econmicas estimuladas pelo turismo,
urbansticas pela valorizao imobiliria ou ideolgica atravs das polticas
socioculturais. Como produto cultural contemporneo, o histrico espao urbano
permanece como o lugar de nascimento para a comunidade local, o seu mago
emocional de crescimento e conscincia coletiva face cividade, no sua vivncia mas
ao seu progresso, assento do melhor que esta tem, a sua identidade.
A abordagem proposta para o caso de estudo procura, mais que se consubstanciar
como consequncia de uma aprofunda pesquisa, convergir reflexes tericas em
propostas metodolgicas, face pertinncia da obteno de resultados na especificidade
de Sesimbra, repositrio de riqueza e de variedade societria, na qual, a pertinncia da
preservao do legado patrimonial reside na primognita expresso da cultura
arquitetural, soma de todos os aspetos culturais, econmicos, tecnolgicos, sociais e
ecolgicos que influenciam a construo urbana. Esta orientao evita generalizaes
conducentes a abordagens superficiais ao focar a sintaxe nos mecanismos tendentes a
reduzir a excluso social e os efeitos da sua estratificao socioeconmica, freio
deslocao de atores e de funes vitais no equilbrio urbano, pela qual, se orienta o
compromisso quanto promoo de um crescimento urbano integrado.
3 As metrpoles e cidades referidas decorrem de locais visitados no mbito do projeto de investigao.
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7
Por replicao de observao de esmero intelectual, uma construo isolada suscita
a sua leitura como obra de arquitetura no espao antes vazio, porm, quando se
presencia um aglomerado de construes, est-se perante um gnio gregrio de
conscincia humana, complexo de elementos com uma ambincia prpria e utilidade
civilizada, onde a salvaguarda do espirito do lugar crucial. A renovao de funes
com atributo genesaco, deve ser compatvel com a identidade local ao concretizar a
melhoria dos equipamentos e servios pblicos, beneficiar a habitao e adotar a
fachada comercial em harmonia com a rua, medidas que evitam paisagens artificiais e
asseguram atratividade pois, como fase histrica, a introduo de elementos
contemporneos enriquece o percurso memorial da cidade.
Pretende-se conferir nova apropriao ao recinto urbano com base no caso de
estudo abordado, trajetria assente na relao do preexistente trao histrico com a
regenerao urbana, conjugao que supera o comum sentido uniformizado do centro
histrico, amplamente propagado e onde se conjugam anlogos equipamentos e funes
que porm secundam a singularidade da cidade, fenmeno evidente no definhar
demogrfico ou na declinao comercial, tudo fundido num espao que embora original
de identidade, acabou por no seu genoma ser manipulado pela urbanidade.
Para uma cidade como Sesimbra, propem-se ver este estudo como um roteiro,
pretexto para um programa de regenerao urbana integrada, onde o valor cultural e a
tradio de convivncia, refletem recursos capitais para a reciprocidade entre a urbe e os
seus usurios. evidente que o estado de maturidade das polticas locais deve ser
animado por um grau de inovao, como de capacitao, face aos objetivos propostos
ou s metas a alcanar, o que aclara a qualidade das propostas de interveno na
perspetiva da durabilidade dos resultados, pois a vivncia urbana transcorre da
capacidade dos seus intervenientes em usufrurem dos seus recursos.
Ser de todo pertinente clarificar as competncias de observao da abordagem
local, aptas a identificar padres de regulao e fenmenos emergentes que permitam
registar recursos ou identificar valores, contributos para a assero das propostas
patrimoniais. Assim e face questo, que futuro nestas ruas cheias de memria?, o
que motiva ento o presente empenho na demanda de uma resposta?
Mais que procurar uma soluo milagrosa para velhas dificuldades ou uma rpida
resoluo para a emergncia de novos problemas, mais que ampliar o campo generalista
do conhecimento ou de desejar conferir novel preciso emprica a uma abordagem
acadmica, aspira-se, nesta dissertao, a um sentido de oportunidade. A oportunidade
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percetvel no espao urbano, piscoso burgo que mantm uma duradoura relao entre a
ambincia construda e o meio natural, fenmeno que se vaticina na singularidade que,
em si, as urbes martimas encerram, limite de fronteira entre o trao do mar e o risco da
terra, com particularidades resilientes que lhe conferem uma ambincia nica, partilhada
com fonte autntica de potencial qualitativo. Este fenmeno est bem vincado na pvoa
martima de Sesimbra, onde a presena do mar se presente em todos os nossos sentidos,
desde a epiderme fria ao vago olhar no horizonte, sentimentos que se descobrem no
espao urbano como raridades peculiares.
A convenincia do quotidiano e o pndulo que gere o metabolismo urbano, suscitam
a diferenciada ocupao desse espao, individual como abrigo dos elementos ou
coletivo como utilizao social, uma dinmica de existncias com funo permanente
que modela a ambincia local, atravs de uma singular apropriao. Pelo movimento do
quotidiano e pela circunscrio construda, um sentido nico de intimidade e de
pertena ao lugar, o qual se depreende na implantao das casas e dos arruamentos, ou
evolui na localizao das atividades e na relao dos usos consoante as necessidades da
comunidade, em que as restries naturais e a ao humana, moldaram na cividade, um
crescimento no padronizado mas sequencial, influenciado pelas necessidades do
quotidiano da comunidade at aos dias de hoje.
3. A pertinncia atual e vindoura
Valorizar o patrimnio ao partilh-lo como espao comum, surge pela necessidade
de clarificar os seus limites como pela legibilidade da sua coerente utilizao, onde a
integrao da envolvncia arquitetnica, to mais apropriada quanto conciliar regras
de equidade perante os usos. Aqui vive a cidade histrica, o lugar e a comunidade como
um todo, onde at os pormenores mais insignificantes so relevantes, pois influenciam
reas e usos no quotidiano, pelo que se confere ao patrimnio urbano, a incumbncia de
comunicar a cidade no curso do seu progresso, o qual abrangente nas polticas de
organizao territorial, tambm como razo histrica, tal como se concretiza no
horizonte 2020 Comunitrio.
apresentado um mbil de propostas assentes no respeito pela diversidade urbana e
pela sua evoluo ancestral patente na identidade europeia, a qual se vislumbra na
competitividade econmica em bases sustentveis ou nas competncias afetas incluso
social, nas perspetivas da empregabilidade e no apoio aos mais desfavorecidos. Esto
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aqui definidas as metas do primado da coeso multidimensional urbana, onde se
permitem cruzar necessidades com oportunidades para o patrimnio.
Concretizar esta estratgia, ser possvel atravs de novas metodologias de
planeamento ancoradas na participao, onde se privilegia a obteno de resultados em
bases mensurveis e, onde governao e governana so eixos horizontais cooperao
interinstitucional e transversais tutela administrativa. Espraia-se o sintomtico
envolvimento da cultura na poltica como na diversidade de vivncias, concretizao da
gnese histrica local como momento em que a cidade j no se limita ao seu espao
administrativo, pois assume-se como complementaridade territorial, sincronismo social
e econmico, capacitao ambiental e cultural.
Como sustenta a UE para as cidades do futuro, a viso tende a orientar a
diversidade das cidades face s metas do crescimento, atravs da instruo dos
contextos sociais e demogrficas como da validao dos recursos econmicos e
culturais, o que se comprova na smart specialisation da cidade, resposta inteligente s
dificuldades que enfrenta e que requerem solues especficas. Neste desgnio, torna-se
possvel delinear um novel rumo na abordagem gnese histrica do espao urbano,
agora compreendido como potencial de especializao para a resoluo de problemas e
ativo fundamental de fomento para um crescimento integrado.
Como objeto do presente estudo, a proposta de interveno no patrimnio histrico
urbano, luz das orientaes da viso Europa 2020, faz com que o entendimento da
cidade contempornea discorra da compreenso da sua identidade, o que de direito e de
facto, conduz a estratgias de gesto e conceo de programas de ao concertados
para a sua regenerao enquanto realidade dimensvel.
O recinto urbano de Sesimbra, em si, no se evidencia pela presena de notveis
edifcios ou de emblemticos espaos pblicos, mas pela unidade da sua edificao
enquanto ncleo habitado, consolidado ao longo dos tempos e com peculiaridades
prprias contidas na implantao dos edifcios, nos recintos funcionais ou nas vivncias
dos seus habitantes. A sua veracidade como cidade histrica sopesa da morfolgica
urbana com as suas dinmicas comunitrias, pois se os edifcios alumiam valores
arquitetnicos, a sua exegese estimula uma exuberncia que importa preservar.
Divisar esta relao requer conhecimento, mas tambm capacidade para uma
conspeo diferenciadora da ambincia urbana, recinto partilhado por onde flui uma
dialtica quotidiana em que se ajusta a ascendncia patrimonial na interpretao das
preexistncias e nos recursos da prpria urbe, contributos para a definio de um
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programa de ao rumo ao futuro concebido, com base nas realidades locais, onde a
identidade cultural surge qual pelourinho no centro do burgo.
Concetualmente vislumbra-se o futuro na piscosa pvoa pela disposio do seu
espao urbano, leitura quer da sua gerao histrica quer da sua inseparvel dialtica
patrimonial, latente na conceo experienciada dos contributos a avocar no projeto de
investigao, rumo a um porvindoiro programa de interveno integrada. fundamental
observar o traado urbano, o qual indubitavelmente evidencia a funo primordial da
cidade, a sua organizao e as suas principais linhas de fora, pois a ausncia desta
perceo suscita uma urbanidade confusa, desfasada da sua identidade e sem pretenso
de evoluo, pelo que a interpretao da cidade e a inteligibilidade do seu potencial, tem
na gnese histrica um fator indispensvel.
Pela sua aptido endgena em se manter como recinto vivo e vivenciado, apesar de
em permanente mudana, o espao histrico urbano conjuga diferentes orientaes
fludas por vrtices de ao que enquadram, de forma sistemtica e ordenada, a
identidade local, atravs de apetncias sociais, existncias arquitetnicas, dinmicas
econmicas, vnculos ambientais ou programao cultural.
4. A estrutura da dissertao
A explorao do tema em anlise ser aqui entendida na perspetiva dialtica de uma
obra aberta, conceo que recupera os princpios definidos em 1960 por Umberto Eco,
a interao entre lgica formal e lgica dialctica e entre metodologias diacrnicas e
sincrnicas, as quais atuam sobre os paradigmas da investigao. Por esta via permitiu-
se traar um percurso interpretativo que facilita a compreenso das relaes no espao
urbano, entre os seus criadores histricos e os seus observadores contemporneos,
discurso que une o facto evocativo com o momento de formao, base para leituras de
anlise quanto s faculdades de entendimento para conjugar no espao urbano, a
reflexo da sua prpria humanizao.
A estrutura da dissertao est organizada em quatro grandes partes, as quais, alm
da introduo e da concluso, compem dois importantes corpos temticos, o primeiro a
incidir na contextualizao de Sesimbra enquanto caso de estudo, e o segundo apenso
ao entendimento do espao urbano associado interpretao do patrimnio urbano luz
da viso europeia 2020.
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Assim, no captulo preambular, Introduo, como antecomeo, abordado o tema
de estudo atravs da narrativa do projeto de investigao, seus conceitos metodolgicos
e perspetivas de abordagem focadas na temtica em estudo, pela qual, se encontra
delineada a estrutura do trabalho adotada.
Na primeira parte, Sesimbra, a mnemnica da identidade urbana, so inscritos
quatro distintos captulos para a contextualizao de Sesimbra. No captulo 1 apresenta-
se o territrio natural, incluso na cadeia montanhosa da Arrbida e limitado pela faixa
costeira atlntica, com ecossistemas prprios e de singulares ambincias. No captulo 2
composta a sintomtica evoluo histrica desde a sua ancestralidade origem da
pvoa medieval, do burgo piscoso dos Descobrimentos ao emprio porturio de
setecentos, da vila da poca mercantilista oitocentista ao porto martimo do sculo XIX,
da renovao de novecentos urbanidade contempornea. No captulo 3 aborda-se o
contexto humanizado do espao urbano, atravs das dimenses da envolvncia social,
da vertente econmica, da vivacidade cultural e da orientao de governana. No
captulo 4 tratado o recinto urbano, resumo medianeiro da sua narrativa de evoluo,
atualidade materializada e testemunhos do registo histrico, o que permite
consubstanciar a sua relao funcional e as suas vivncias,
Na segunda parte, Sesimbra, um olhar luz da Estratgia 2020, definem-se quatro
captulos consonantes com diferentes patamares de pensar o ncleo urbano. No captulo
5 abordam-se os paradigmas quanto eleio do patrimonio urbano na cidade europeia,
a regenerao urbana integrada e os fenmenos de identidade local, os recintos com os
equipamentos e os usos. No captulo 6 quanto ao planeamento no espao histrico ser
anotado o seu aperfeioamento integrado, o plano integrado de gesto com as aes e a
programao de eventos, ao acompanhamento, monitorizao e avaliao. No
captulo 7 so comentadas as propostas de interveno patrimonial face aos espaos e
relao com os recursos, as dialticas de usufruto e as relaes de convivncia local, ao
comunicar a imagem do espao urbano. No captulo 8 revisitam-se as condies e
condicionalismos locais para a concretizao da urbe histrica, para a reorganizao do
espao e das existncias, onde se frisa a misso da cultura no crescimento 2020 e a
premncia de uma nova misso urbana.
No captulo final, Concluso, enunciada a sntese dos resultados colhidos ao longo
do ensaio e providas algumas orientaes quanto ao caso de estudo, abordagem ao
legado cultural nas cidades inteligentes, onde se lana o desafio da contnua renovao
do espao urbano atravs da sua identidade e da fruio da comunidade.
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O presente estudo propiciou a pesquisa de distintas fontes documentais em arquivos
de vrias instituies, nas quais se identificaram fundos de documentao escrita,
fundos cartogrficos e ilustrados, fundos fotogrficos e flmicos, e um repositrio de
fontes diversas. Quanto s referncias bibliogrficas, de modo a conferir coerncia na
sua leitura face dissertao, estas foram organizadas enquanto documentao de
leitura formal, registos da ambincia da cividade, estudos sobre espaos histricos
urbanos, e monografias para o caso de estudo.
No curso da leitura da dissertao so includos registos grficos, essenciais para
uma leitura complementar. Das informaes de cariz mais estatstico em tabelas
numricas, modelos grficos e fluxogramas de organizao metodolgica, de modo a
coligir dados com particular incidncia para o tema em estudo. Acresce documentao
mais visual reportada a documentos cartogrficos, mapas e plantas do ncleo urbano de
Sesimbra, a que se somam ilustraes, debuxos e outras plantas parcelares de alguns
projetos, complementados com planos cronolgicos de evoluo da urbe, elaborados
sobre planimtrica trabalhada em ficheiros cartogrficos e ortofotomapas (2007) do
sistema de informao geogrfica (SIG) municipal.
Foi tambm constitudo um repositrio fotogrfico que documenta as existncias
arquitetnicas e os usos ao longo dos tempos em torno do patrimnio cultural urbano da
piscosa urbe, registado ao longo do sculo XX at atualidade, num quadro imagtico
de momentos e de realidades do espao urbano na evoluo dos seus quotidianos como
da sua identidade. Igualmente se associaram similares contextos escala nacional e
dimenso europeia, os quais visitados em estudo comparativo quanto ao entendimento
do valor do patrimonial na vivncia e no esprito dos espaos urbanos. Nos casos
visitados no contexto nacional foram exploradas diferentes territorialidades, da capital
Lisboa a urbes mais pequenas com registo patrimonial, de Setbal a Palmela, Beja ou
Ftima, So Miguel e Vila de Porto, a pvoas atlnticas intervencionadas no QREN
2007-2013, Sines e Peniche, ao simblico ncleo histrico de bidos. No entrecho
europeu, referncia a metrpoles como Madrid e Bruxelas, Varsvia e La Valeta, bem
como a cidades de relevncia patrimonial, casos de vila, Segvia e Toledo (Espanha),
Lausanne e Montreaux (Sua), Bruges (Blgica), Cracvia (Polnia) e Medina (Malta).
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Parte I. Sesimbra, a mnemnica da identidade urbana
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Captulo 1. Um territrio de endemismos naturais
1.1. A geomorfologia e as ambincias
A vila de Sesimbra, embraada num profundo vale e numa benfica angra natural
virada para o Atlntico, pautada pela ambincia natural nica nascida da Serra Me4, a
serra da Arrbida. Esta cadeia montanhosa composta por uma alcantilada cordilheira a
sul, fronteira ao oceano, que na sua extenso setentrional se apazigua at encontrar as
margens do Tejo, configurao que marca a pennsula de Setbal. Na vertente austral
surge um contnuo de serranias e pontuais vales, com orientao predominante de leste
para oeste, ao longo de mais de 32 km, desde os limtrofes de Palmela e Setbal at ao
promontrio do cabo Espichel, o que traduz no territrio uma ampla diversidade de
fenmenos que testemunham singular narrativa geolgica.
Na transio dos perodos Prmico para o Trisico, por volta dos 250 milhes de
anos, ganhava aqui contorno um processo de deposio compsita onde se acolheram
sucessivas evolues que deram origem ao oceano Atlntico, registo duradouro nas
arribas fsseis do Espichel, cartela estratigrfica para a datao dos estratos
sedimentares, resultantes da evoluo dos ambientes e da paleobiologia em contextos de
mar aberto, pocas lagunares e perodos fluviais5. H 145 milhes de anos atrs,
Portugal estava mais ao sul, frente ao que hoje o Canad e separado por um diminuto
mar atlntico que evolui nos seguintes 25 milhes de anos para um plago ocenico,
medida que a Lusitnia crescia para norte e se afastava do continente a leste, princpio
de uma bacia sedimentar esporadicamente acometida pelo mar, a bacia Lusitnica.
A paisagem evolua, de um pntano litoral para um ambiente fluvial e depois mar
profundo, que ao recuar criou uma zona de recife de corais com um mar interno de
guas quentes e pouco profundas, a que se sucedeu um ambiente de lagunas salinas com
subida e regresso do nvel do mar, at criao de uma plancie litoral que invadida
pelo oceano, acolheu novo ambiente fluvial, no mesmo momento em que o Atlntico se
estendia para norte, h 110 milhes de anos6. Este processo teve continuidade at fase
superior do perodo Cretcico, quando se inicia, e que teve a sua expresso derradeira
no incio do Miocnico, h cerca de 20 milhes de anos com o embate das placas
4 Ttulo do primeiro livro do poeta Sebastio da Gama publicado em 1945, inspirado na Serra da
Arrbida. 5 Miguel Ramalho in Sargedas (ed.), 2014: 10, 16.
6 Jacques Rey in Sargedas (ed.), 2014: 23-30.
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tectnicas de frica e da Eursia, o processo continuado que conduziu dissenso da
Laursia, definio do Atlntico Norte e irradiao do Mediterrneo, num contnuo
movimento de compresso profunda pelo qual ascende o macio calcrio da Arrbida.
Esta dinmica de ocorrncias geolgicas percetvel na vertente ocidental da
pennsula de Setbal, particularmente na faixa costeira do concelho de Sesimbra. Assim
e no obstante a atrativa envolvncia paisagstica propiciada pela cordilheira da
Arrbida, afigura-se aqui uma elevada influncia ssmica pela proximidade falha
geolgica ocenica a sul do cabo Espichel, a qual tem dominante influncia na histria
da regio, como noticiado nos eventos ssmicos de 1755, de 1858 ou de 19097.
Regio fronteira ao Atlntico e com dispares tenes altimtricas, na frente rochosa
meridional localiza-se a mais elevada escarpa litoral calcria da Europa, a serrania do
Risco, sujeita a distintas formas de eroso pelos agentes associados incessante
exposio ao martima, talhe elico e eroso pluvial, que conjugadas, moldaram de
modo indelvel os aglomerados calcrios e as camadas argilosas que constituem a faixa
austral do territrio, de falsias abruptas e baas escavadas a grutas, lapas e algares,
resultado de contnuos processos de desgaste natural.
Apresenta-se assim uma composio singular onde se acoitam vrios testemunhos
da diacronia geolgica que lhe deu origem, caso dos afloramentos de calcrios
dolomticos e siliciosos de gnese jurssica predominantemente de elevada densidade e
de cor branca escurecida. Este valor natural reconhecido, no registo histrico, onde se
associa Sesimbra a um centro de referncia na produo de pedras molares, tal como
noticiado por Duarte Leo em 1610 na Descripo do Reino de Portugal, de todas
sam as melhores, & mais aluas, as de Cezimbra, Aluito, & Condexa junto a Coimbra,
que fazem as farinhas mais aluas que quantas se sabem em Hespanha8, justeza que
mais tarde Lus Cardozo, no segundo tomo do Diccionario Geografico, publicado em
1751, reitera, em humas serras do Termo desta Villa, que fica sobranceiras ao mar,
produz muita gra, e finissima, e achase nellas pedras molares excellentes, das mais
brancas, que tem o Reyno9.
Este filo de calcrios extremamente rijos conduziu fixao de variadas atividades
extrativas que exploraram a serra, cavas e pedreiras que hoje sobrevm como uma
cicatriz difcil de apagar mas que, em sculos anteriores, foram a origem para castelos e
7 Bernardo, 1941: 65-66.
8 Leo, 1610: 47.
9 Cardoso, 1751: 618.
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capelas, igrejas e fortalezas. Outro exemplo desta riqueza geolgica est presente em
edifcios construdos por todas as povoaes, tratam-se dos conglomerados de rochas
ornamentais de onde se destaca, pela exclusividade regional, a brecha da Arrbida,
conglomerado com caractersticas muito peculiares resultantes da sua origem em fcies
do Jurssico Superior e com uma matriz esttica nica, complementar ocorrncia de
espessos argilitos e margas avermelhadas.
Pela sua exposio ocenica, a regio tem sofrido a sua contnua ao na modelao
do relevo, de modo muito acentuado na frente a sul, em que as escarpas da serrania,
abruptamente cortadas em vertical at ao mar, acompanham a incessante constituio de
fenmenos como rechs e plataformas de antigas praias elevadas do Quaternrio,
resultado dos momentos de glaciao que se perpetuam na plataforma de abraso
martima que antecede o cabo Espichel. A ligao dos agentes naturais de eroso, as
condies climatricas na escala geolgica mais recente e o contexto de rochas
carbonatadas que constitui a Arrbida, deu origem a uma morfologia crsica muito
singular e de importncia cientfica, a qual comprovada nos mltiplos testemunhos do
exocarso, casos das plataformas de lapis existentes na ch dos Navegantes, junto ao
Espichel, ou no vale fluviocrsico do antigo polje conhecida por Marmitas do Gigante,
na ribeira das Terras do Risco10
.
Tambm o endocarso apresenta fenmenos singulares que merecem referncia no
contexto natural dos terrenos carbonatados, pois so muitas as ocorrncias em grutas e
algares, formadas pela ao qumica da chuva e corrosiva do mar, que suscitam
multiplicidades e particulares de interesse que envolvem ocorrncias minerais de calcite
a aragonite em distintas formas. Do vale de Sesimbra, em direo a poente, surge a
gruta do Frade com os seus singulares espeleotemas de profcua diversidade, as grutas
de galerias freticas fsseis da lapa do Fumo e da gruta do Zambujal11
, que acolhem
estruturas litoqumicas variveis, e no esporo do Espichel, as grutas da Grande Falha,
da Garganta do Cabo e a gruta do Meio, algumas com antigos nveis de praia e outras
com galerias que ao nvel do mar apresentam retns de gua doce.
Este enquadramento natural propiciou igualmente testemunhos de valor
paleontolgico, os quais manifestos na extensa plataforma de abraso, desde o lugar do
Zambujal at ao cabo Espichel, onde foram descobertos vrios exemplares de fsseis
10
Coelho (coord. ed.), 2013: 94, 96. 11
Classificada como Monumento Natural pelo Decreto-Lei n. 140/79, de 21 de Maio, e posteriormente como Stio Classificado com Interesse Espeleolgico.
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em reas de cultivo, como na sua presena nas arribas fsseis, as quais associadas a
jazidas de icnofsseis com trilhos de pegadas de dinossurios.
No Jurssico Superior e Cretcico Inferior, apresentavam-se prolongados terraos
litorais e faixas lagunares onde os dinossurios passaram e que, aps a deposio de
sedimentos, as camadas superiores comprimiram as inferiores at formarem rochas que
preservaram esses trilhos. Destas jazidas12
, so conhecidas no stio de Zambujal o local
da Pedreira do Avelino, pequena plataforma com vrios trilhos de pegadas de diferentes
espcies do Jurssico, no cabo Espichel o local da Pedra da Mua, associada lenda de
Nossa Senhora do Cabo, com a presena na falsia de vrios conjuntos de trilhos de
saurpodes em pistas paralelas e de terpodes de h 150 milhes de anos, e o local dos
Lagosteiros, onde foram identificados trilhos associados a um ornitpode e a terpodes
datveis de h 130 milhes de anos13
.
Por fim, outro dos fatores que marcou o territrio da Arrbida at aos dias de hoje
prende-se com o clima, o qual apresenta particularidades que lhe conferem a conhecida
feio de caractersticas mediterrnicas, embora, sob influncia do Atlntico. As brisas
martimas carreadas de sal e de minerais, conjugadas com a proteo do macio
orogrfico da serra, criam condies propcias atratividade durante todo o ano, tal
como j certificado pela Seco de Climatologia da Direo-Geral de Sade, que na
dcada de 1930 considerava esta como um das mais saudveis regies do pas14
.
A faixa atlntica nacional apresenta temperaturas agradveis e de baixas amplitudes
trmicas, embora chuvosa e ventosa, influenciada por uma estao estival mormente
seca pelos ventos quentes ascendentes do norte de frica, ao passo que a invernia
influenciada pelos centros de depresso martima, mais amena embora chuvosa, merc
dos centros de alta presso continentais de temperaturas frias.
A Arrbida, pela sua cadeia orogrfica a sul e pela exposio abrigada dos alseos
martimos, apresenta feio aprazvel e clima temperadamente hmido de temprie
constante, a qual varia nos mximos do inverno, em janeiro entre 8 e 13 C com
perodos frios e hmidos, e no tempo estival, em agosto entre os 20 a 24 C com ciclos
quentes e secos, o que garante uma temperatura mdia anual que ronda os 10 e os 20
C, com uma amplitude trmica reduzida, inferior a 10 C, de hmidas brisas de cariz
12
Todas classificadas como Monumentos Naturais, pelo Decreto-Lei n. 20/97, de 7 de Maio. 13
Vanda Faria dos Santos in Sargedas (ed.), 2014: 52. Na tipologia dos dinossurios, os saurpodes eram quadrpedes herbvoros com longos pescoos e caudas, os terpodes eram bpedes carnvoros e os ornitpodes eram bpedes herbvoros. 14
Bernardo, 1941: 52.
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ocenico que amenizam os restantes perodos anuais. Sucedem-se primaveras chuvosas,
veres de tempo soalheiro e enxuto, outonos com aguaceiros curtos mas violentos,
pautados por tempo quente e elevado ndice de humidade, e invernos moderados com
precipitao atmosfrica baixa, em que a mdia anual ronda os 700-750 mm, o que
identifica o clima como moderadamente chuvoso, no qual ocorrem, para alm de chuva
e chuviscos, orvalhos, geadas, granizos, neblinas e nevoeiros.
A humidade relativa condicionada por estas temperaturas, numa relao inversa,
que aumenta de agosto para dezembro e que decresce nos meses seguintes, influenciada
pelos alseos dominantes na faixa costeira, uma realidade patente na baa de Sesimbra,
com predominantes ventos de sul e de sudeste, com velocidade mxima de 10,5 km/h,
merc da proteo da serra que atalha os ventos de norte, nordeste e de noroeste. Quanto
insolao e exposio ao sol, esta atinge o pico mximo nos meses de junho a agosto,
e diminui acentuadamente entre setembro e janeiro, at nova subida entre fevereiro e
maro como preldio do crescendo at junho, o que motiva a que os ndices de
insolao evidenciem a existncia de duas fases anuais de luminosidade, a primeira de
gnese progressiva de janeiro a agosto, a que se segue a segunda, de decrescente
sentido, de setembro a dezembro.
1.2. Terras de biodiversidade
As conexes climticas desta regio litoral oferecem um conjunto de caractersticas
muito particulares, pois que mediada entre a regio de Lisboa com o Tejo e as reas
extensas da costa alentejana, a sua disposio a sul assegura-lhe uma proteo singular
na costa martima que delineia as especificidades do seu clima, ambincia detentora de
caractersticas mediterrnicas. A cordilheira da Arrbida assume-se como o principal
esteio de proteo da regio, limite derradeiro de proteo da plancie que provem desde
o Tejo para sul, tida como primeiro, e quase intransponvel, muramento de pedra diante
dos ventos que o Atlntico sopra para norte, encontra-se envolta num microclima
temperado pese embora uma das suas principais caracterstica seja o elevado grau de
humidade no ar, compassivo para o equilibro das espcies de flora que caracterizam a
regio, algumas endmicas de relevante valor mundial.
O territrio apresenta elevada tmpera natural que acolhe trs distintos
agrupamentos de flora, o euro-atlntico, de cariz fresco e hmido nas extenses mais
sombrias a norte, um mediterrnico, quente e seco nas reas mais abertas a sul, outro
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macaronsio, de gnese insular na linha de arribas martimas. Aqui se concentra rica
diversidade de espcies de flora natural, em cerca de 42 tipos e subtipos de habitats, dos
quais nove so reas prioritrias de conservao e uma tm carter nico, onde j foram
identificados perto de 1368 txones, repartidos por 111 famlias15
.
Nas reas frteis confinantes serra, que se estendem pela pennsula rumo a norte,
surgem grandes manchas florestais, a tpica floresta mediterrnica de bosques e arbustos
em que, nas dispersas reas de vale, so bem marcadas manchas florestais mistas com a
predominncia de espcies autctones. Nos terrenos mais virados para poente, onde
predominam os terrenos arenosos, e de especial pendente para a faixa costeira, surgem
formas de flora bem diferenciadas em coberturas arbustivas.
Das diversas espcies de rvores de porte mais proeminentes, como de porte mais
reduzido, merecem referncia o Sobreiro e o Carvalho, a Oliveira, a Alfarrobeira, o
Pinheiro-manso e o Pinheiro-bravo, o Zambujeiro, o Salgueiro-branco e o Salgueiro-
preto, o Freixo e o Choupo. Em complemento, surgem espcies arbustivas como a
Durisilvae-laurisilvae e o Carrasco, o Aderno e a Salsaparrilha-bastarda, a que acrescem
outras de gnese macaronsia como a Withania frutescens, a Lavatera maritima e a
Fagonia cretica, a par de alguns exemplares de ligao ao sistema calcrio, casos da
Orobanche rosmarina, da Ulex densus e da Chaenorrhinum serpyllifolium.
Uma das caractersticas desta flora de gnese mediterrnica prende-se com a sua
grande diversidade vegetal e riqueza florstica, resultado de uma longa e lenta evoluo,
desde o momento de consolidao da estrutura calcria da Serra, at superao das
vrias pocas de glaciao. Esta vegetao, de cariz pereniflia e esclerofila, surge na
sequncia alongada dos prados martimos, implantada nos limites dos afloramentos
calcrias e que, face aos agentes naturais de eroso, tende a surgir na forma de plantas
rasteiras que, cruzadas em ramificaes, formam densas moitas arbustivas.
No conjunto de diferentes espcies surge a Espanada-dos-montes e o Tojo-gatunho,
o Alisso, o Tomilho, a Esteva, a Urze-vassoreira e a Murta. Aluso tambm a outras
espcies que conferem originalidade regio pelo seu endemismo, casos da
Piptatherum coerulescens e da Catapodium salzmanii, do Narcissus calcicola,
da Cheilanthes catanensis e do Convolvulus siculus, da Linaria melanantha e
da Chaenorrhinum origanifolium, a que se associam na vertente floral espcies como a
Silene longicilia e a Arabis sadina.
15
Coelho (coord. ed.), 2013: 32.
http://www.icnf.pt/portal/naturaclas/rn2000/resource/rn-plan-set/flora/cha-ser-lusithttp://www.icnf.pt/portal/naturaclas/rn2000/resource/rn-plan-set/flora/sil-longhttp://www.icnf.pt/portal/naturaclas/rn2000/resource/rn-plan-set/flora/arab-sadina
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Com localizao privilegiada nas arribas fronteiras ao mar, delimitadas entre o cabo
de Ares a leste da baa de Sesimbra e o cabo Espichel, surgem duas espcies nicas nos
afloramentos calcrios, a Euphorbia pedroi, com os seus caules desenvolvidos com a
funo de reservatrio de gua, testemunho de uma primeva flora tropical que sobreveio
do norte de frica, e a Convolvulus fernandesii, idntico vestgio vivo de uma poca de
recolonizao do continente por espcies que subsistiram nas ilhas macaronsicas.
Tambm nos terrenos arenosos surgem endemismos com caratersticas singulares como
a Thymus capitellatus e a Thymus villosis, a par de castas igualmente raras como a
Drosophyllum lusitanicum, a nica planta carnvora ibero-marroquina, ou a Pinguicula
lusitnica que reside em taludes arenosas e em solos cidos.
Pela vasteza deste territrio pontuam outras espcies igualmente de singularidade
nacional, que consagram a riqueza floral da regio, exemplo das orqudeas como a
Brachypodium phoenicoides ou a Barlia robertiana, ou em espcies como a Rosa-
albardeira e a Hesperis laciniata, a Alcachofra e as Tulipas, que conferem colorido na
transio do macio calcrio.
As condies climticas, geolgicas e florsticas da regio da Arrbida, tm
permitida a preservao de distintos habitats onde se pode encontrar uma ampla
diversidade de elementos faunsticos, desde logo, do grupo dos invertebrados, onde
foram identificadas 106 espcies de aranhas, 445 de escaravelhos, 61 de borboletas, 37
de formigas e quatro de tngideos16
. Destaque existncia de cinco espcies de
colepteros exclusivos da zona, dos quais merecem particular referencia, o Geocharis
boeiroi, o Gorgulho esmeralda-rosado e o endmico caracol Candidula setubalensis, a
Liblula, a Aranha-tigre-lobada e a caverncola Anapistula ataecina, a que se associam
outras espcies como a borboleta Branca-Portuguesa e a Aurora Amarela, que mantm
nestas reas as ltimas existncias evidenciadas no territrio mediterrnico.
Quanto famlia dos vertebrados, so conhecidas 12 espcies de anfbios, 17 de
rpteis, 197 de aves e 34 de mamferos, alguns dos quais, so atualmente espcies em
vias de extino, caso das aves de rapina e de morcegos, o que torna esta regio uma
rea de elevada sensibilidade em termos da salvaguarda dos ecossistemas e da proteo
de espcies em risco. A existncia de ambincias lagunares e a expressiva presena de
linhas de gua evidencia a relativa capacidade de gerar ecossistemas perenes, os quais
16
Coelho (coord. ed.), 2013: 32.
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contribuem para a fixao de anfbios como o Cgado, a R-de-focinho-pontiagudo, a
Rela, o Sapo-de-unha-preto e o Trito-de-ventre-laranja.
De igual modo so propcias as condies na transio para a linha atlntica, em
reas de prados e de ocorrncia dunar, para a fixao de variadas espcies de rpteis
como a Vbora-cornuda, a Cobra-rateira e a Cobra-de-pernas-pentadctila, a Cobra-de-
ferradura, o Sardo, a Lagartixa-ibrica, a Lagartixa-de-dedos-denteados, a Lagartixa-
do-mato e a Lagartixa-do-mato-ibrica.
Tambm as aves, sobretudo as de rapina, tem aqui elevado primado de observao,
pois a regio acolhe a guia-de-bonelli que nidifica nas arribas atlnticas, o Falco-
peregrino e a gea que tambm rodeiam essas reas de falsia, a guia-pesqueira, a
guia-de-asa-redonda e a guia-cobreira, o Falco-peneireiro, o Gavio e o Peneireiro-
comum, ou o Bufo-real, o Mocho-galego, a Coruja-das-torres e a Coruja-do-mato. A par
destas, as vertentes e ravinas martimas constituem-se como paragens ocupadas por
outras espcies, como o Corvo-marinho-de-crista, a Gaivota-argentina e a Pardela-de-
bico-amarelo, o Ganso-patola, o Pombo-das-rochas e o Andorinho-real.
Pela localizao geogrfica, particularmente o extremo poente do Espichel, esta
faixa uma paragem bem documentada nas rotas de migrao da avifauna, sobretudo
no final da poca estival, o que confere dinamismo e colorido s espcies residentes. As
autctones coabitam nas zonas de prados com influncia arbustiva, como nas reas de
transio e nas florestas, universos onde abundam bagas, frutos carnudos e insetos,
fundamentais para os grupos da avifauna local no s como reas de alimento, mas
tambm, de abrigo e nidificao. Da extensa listas de espcies possveis de encontrar,
referncia ao Pisco-de-peito-ruivo, Felosa-bilistada e Cotovia-de-poupa, o Pombo-
torcaz, o Melro-azul, o Rabirruivo-preto, o Rouxinol e o Bico-grossudo, a Carria, a
Poupa e a Perdiz-comum, o Noitib-de-nuca-vermelha, o Guarda-rios, o Pica-pau-
malhado-grande e o Cartaxo-comum, o Tordo-ruivo ou a Petinha-dos-prados.
Quanto aos mamferos, as diferentes potencialidades de habitat naturais permitem
uma disperso de espcies que asseguram a diversidade deste territrio. Merecem
destaque espcies predadoras como a Raposa e o Gato-bravo, a Doninha, o Toiro e a
Geneta, o Texugo, a Fuinha e o Saca-rabos, a par de espcies insetvoras como o
Ourio-cacheiro, ou ruminantes como o Coelho-bravo, a lebre e o Rato-do-campo.
Ainda na vertente martima, mas j na sua transio para as zonas planlticas do
interior, onde o macio rochoso prevalece e as grutas predominam, possvel encontrar
outra das riquezas faunsticas da Arrbida, as suas diferenciadas colnias de morcegos
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caverncolas que se alimentam em redor das entradas das cavidades geolgicas, nas
quais hibernam e se reproduzem. So conhecidas colnias do Morcego-de-peluche e do
Morcego-de-ferradura-mediterrnico, do Morcego-de-ferradura-grande e do Morcego-
de-ferradura-pequeno, do Morcego-de-ferradura-mourisco, do Morcego-de-franja e do
Morcego-rato-grande.
Toda esta riqueza natural, de flora e de fauna, motivou a constituio em 1976 do
Parque Natural da Arrbida17
. Atualmente, esta uma extensa rea de reserva ecolgica
nacional que se prolonga desde a cidade de Setbal at ao cabo Espichel, e na qual, a
vila de Sesimbra a mais presenteada exceo de um espao urbano implantado neste
extenso territrio de biodiversidade.
1.3. O Atlntico e seus ecossistemas
A amplitude de costa virada a sul, onde Sesimbra se encontra, representa a mais
expressiva alterao de linha litoral portuguesa, quebra do eixo maior de norte para sul,
com uma curta, mas acentuada, inflexo de oeste para este, quando retoma a anterior
longitude at ao cabo de Sagres, onde inflete para levante rumo ao Mediterrneo. Esta
beira-mar desenvolve-se ao longo de aproximadamente 26 km, definida por uma
contnua escarpa calcria de elevada pronunciao, desde o promontrio do Espichel at
ao limite do esturio do Sado, o que lhe confere proteo contra os ventos litorais
preponderantes de nortada, embora, de acentuada exposio ao suo.
A gnese geolgica terrestre tem continuidade no meio subaqutico, atravs de uma
outra serra abaixo da linha de gua, extensa ao longo de fundos rochosos at ao limite
das duas distintas linhas geomorfolgicas de vales submarinos que confluem ao largo do
cabo Espichel, respetivamente o canho de Lisboa e o canho de Setbal18
, intercalada
por zonas de areal que rodeiam essas, quase que ilhas, submersas do continente.
Apresenta-se assim uma topografia subaqutica de ascendente rochoso, que na faixa
litoral se reveste de complexa orografia, escarpas e falsias, onde se definem paredes e
reentrncias e se destaca a existncias de grutas.
17
Com o Decreto n. 355/71 de 16 de agosto constituda a Reserva da Arrbida, a que sucede com o Decreto-Lei n 622/76 de 28 de julho o Parque Natural da Arrbida, reclassificado pelo Decreto Regulamentar n. 23/98 de 14 de outubro, que tambm criou a rea marinha, com o Plano de Ordenamento ratificado na Resoluo do Conselho de Ministros n. 141/2005, de 23 de agosto. 18
Miguel Saldanha in Sargedas (ed.), 2014: 95.
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A faixa costeira fronteira a Sesimbra ostenta solos submarinos arenosos at ao seu
limite, por onde evoluem, vindos dos vales submersos, acquias naturais de fluxos de
ascendentes de progresso subaqutica com elevada suspenso de matrias tomadas dos
fundos, fenmeno que contribui para a elevada presena de nutrientes nestas guas,
singular recurso para a cadeia alimentar19
. Propicia-se a criao de habitats onde o
ecossistema marinho se reproduz, por entre as soberbas presenas geolgicas e os
espaos por estas criados, ambincia que associada contnua exposio solar, amena
ondulao e incidncia martima, permite a fixao de uma multiplicidade de algas,
invertebrados e macroinvertebrados, reas de reproduo e fontes de alimento para uma
ictiofauna rica e variada de espcies costeiras, como tambm de alto-mar, as quais
acabam por atrair outras espcies maiores, residentes e migrantes.
Nesta costa, as guas apresentam temperaturas algo esfriadas que variam entre os
14C e os 15C, com ndices de salinidade entre os 35 e os 36,5, influenciadas pelas
tempries ocenicas como pelas correntes vindas do Sado, que seguem toda a costa da
Arrbida, existncia que se altera aps a transposio para norte do cabo Espichel.
A influncia da torrente martima preponderante para se entender esta linha litoral,
na qual o Espichel funciona como ocasio de transio na circulao, ponto meo na
importante corrente que atravessa a costa desde o cabo da Roca at Sines, a qual, acaba
por neste lugar, cruzar-se com a que provem de Setbal. A regio marco de
convergncia de elementos de diferentes latitudes, com as correntes de temperatura mais
frgida trazidas do norte do Atlntico e as de temperamento mais tpido, ascendentes do
Mediterrneo e do plago confinante com o Saara Ocidental.
A relao ocenica entre as correntes martimas, a sua temperatura e a sua
salinidade, tem reflexos no estabelecimento das vrias formas de vida, com o
assentamento de ciclos termodinmicos e condies propcias fixao de plncton que
confere especificidade ao ecossistema que, em muito, beneficiou a riqueza da biologia
marinha de Sesimbra ao longo da Histria. Esta costa acolhe um complexo ecossistema
que concilia uma afinidade mediterrnica com uma preponderncia atlntica, o que lhe
coteja referncia em termos nacionais e europeus. Aqui, registam-se 1320 espcies de
flora e fauna marinha, com 37 espcies de peixes, 21 espcies de crustceos, 21 espcies
de bivalves, 76 espcies de poliquetas e quatro espcies de equinodermes20
.
19
Miguel Saldanha in Sargedas (ed.), 2014: 95. 20
Coelho (coord. ed.), 2013: 156.
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Nesta faixa de serra de mar que constitui a linha de litoral, surgem espcies de
invertebrados como o Coral-amarelo e o Nudibrnquio, a Anmona e a Anmona-joia, a
Dedos-do-mar-vermelhos e a Estrela-do-mar-vermelha. De entre as vrias espcies de
algas, muitas das quais nos ltimos anos tem tido nova fixao com influncia positiva
no habitat marinho, destaque para a Saccorhyza polyschides e a Gellidium sesquipedale.
A passagem de transio para o mar alto territrio de espcies que deambulam
entre o esturio e a imensido ocenica, caso da Toninha-comum, do Golfinho-comum e
do Golfinho-roaz, o qual tem aqui uma comunidade residente. Regista-se tambm a
presena de 11 espcies de elasmobrnquios, raias como a Tremelga e a Raia-lenga, e
tubares como o Tubaro-anequim e a Tintureira, a Pata-roxa e o Cao-pintado,
espcies vulnerveis face pesca e em risco de supervivncia.
Do extenso rol de ictiofauna, merece referncia espcies discretas como a Enguia e
a Moreia, o Cavalo-marinho e o Cavalo-marinho-de-focinho-longo, mas tambm outras
mais conhecidas que vagueiam por estas guas, casos da Sardinha e Carapau, a Sarda e
a Cavala, a Faneca, o Robalo e o Salmonete, a Dourada, o Cherne e o Goraz, o Tamboril
e o Linguado. Dos cefalpodes, destaque para a presena do Choco, da Lula e do Polvo,
enquanto nos crustceos, confere-se importncia a espcies como a Lagosta e o Cavaco,
o Lavagante, a Santola e a Navalheira. Nos gastrpodes, meno Lapa e aos bzios
como o Bzio-canilha, a Nassarius reticulatus e a Gadinia garnoti, e por fim os
bivalves com conchas, como a Nucula nucleus, a Glycymeris glycymeris e a Loripes
lucinalis, o Mexilho, a Vieira e o Longueiro-direito.
A influncia das correntes de gua doce e tpidas que descende do Sado para a
ambincia salina e fria do Atlntico, conjugam condies para um ecossistema singular,
o que contribuiu para a criao do Parque Marinho Professor Luiz Saldanha em 199821
,
o primeiro em Portugal continental, vocacionado para a preservao da biodiversidade e
instituio de uma rea protegida para reproduo das espcies marinhas.
1.4. O vale e a baa de Sesimbra
Insculpida no complexo calcrio da Arrbida, a enseada atlntica que alberga o vale
e a baa de Sesimbra, localiza-se na base meridional de um vale aprofundado pelo mar e
rodeado pela serra, factos que alm de moldarem a forma da sua abrigada angra,
21
Com o Decreto Regulamentar n. 23/98 de 14 de outubro.
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tambm lhe conferiram um conjunto de particularidades geolgicas nicas. Daqui se
autentica o complexo da orla mesozoica que assinala o vale, no qual surgem margas
infralisicas, conglomerados, argilas e numerosas intruses de teschenito de origem
eruptiva, exemplos da depresso geolgica resultado da falha de Santana, que fecha a
nava afunilada a norte, resultado da quebra geolgica e da reunio geogrfica do
monoclinal de Ares a nascente e do anticlinal diaprico do Castelo a poente.
Neste alinhamento, o vale de Sesimbra, pese embora o morro alcantilado que acolhe
o castelo seja testemunho do filo geolgico de calcrios dolomticos, surge como uma
estreita comba que apresenta uma realidade diametralmente divergente.
Pela sua origem muito caracterstica, classificado em termos geolgicos como
vale tifnico, limitado por uma srie de falhas e assomado por terrenos mais recentes
que coroam todo o seu contorno, e lhe conferem uma forma muito especfica, a qual
Paul Choffat definiu como tringulo geolgico de Sesimbra22
. Limitado por essa
coroa de afloramentos rochosos, de gnese calcria dolomtica do Lusitaniano, que de
nascente para poente compreende os cumes do Facho de Santana (232 m), de Santana
(224 m), do Moinho da Forca (220 m) e do Castelo (240 m), desta elevada cordilheira
descem estratos geolgicos de margas gipsferas do Infralissico, de rochas margosas e
dolomticas de entre o Lissico e o Bajociano, e do conjunto margoso e arentico do
Neojurssico e do Cretcico, acompanhados por files de teschenito eocnicos.
Na faixa serrana que rodeia a concha da baa surgem cerros calcrios em terrenos do
Neojurssico e do Cretcico, com formaes oolticas brandas de menor dureza e
resistncia, completares a outras formaes de calcrios mais rijos e resistentes de fcies
dolomtica e de tonalidades cinzentas, localizam-se no seu permeio os mais imponentes
macios que servem de fundao ao castelo, por sobre o vale. Este tipo de calcrio
ainda extrado em algumas pedreiras distantes do anel de coroamento do vale, e que
pela variedade presente nos diferentes estratos explorados, so destinados a diversas
utilizaes desde a brita para construo produo de cimento e de cal.
Tambm destes terrenos frente ao mar at meados do sculo XX extraiu-se gesso,
proveniente do stio do Caneiro, a nascente do areal da vila, o qual recolhido e
embarcado num vapor de poro fundo que o transportava at fbrica cimenteira no
Outo23
, prximo de Setbal e em pleno corao da Arrbida, que ainda hoje labora.
22
Bernardo, 1941: 81. 23
Rodrigues, 2003: 169.
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O vale, defendido dos ventos adjacentes dos quadrantes norte, este e oeste, embora
totalmente aberto aos ventos dos quadrantes a sul, propcia, a par das riquezas minerais
das encostas e do seu sop, terrenos frteis resultantes da riqueza em cal, cido fosfrico
e potassa, propcios expanso de flora arboresce e arbustiva, uma caracterstica muito
prpria tambm da Arrbida, onde imperam castas de zimbros, carvalhos, medronheiros
e pinheiros, a par de espcies mais de interesse hortcola, pomcola e silvcola.
A enseada de Sesimbra, limite extensvel do vale que desce at ao mar, era abertura
para onde pendiam seis importantes ribeiras que trilhavam os terrenos calcrios macios
e os terrenos mais desagregados de gnese argilosa, porm, na atualidade estas
encontram-se maioritariamente encobertos pela ao humana, mas durante centrias,
foram limites naturais na ocupao do terrao frente ao areal. De nascente para poente,
surgia a ribeira prxima ao cabo de Ares e a da Califrnia, a ribeira do Caninho que se
juntava ribeira da Misericrdia, a ribeira da Fonte Nova, a ribeira do Juncal e a ribeira
a poente do Monte do Macorrilho, em que por alguns corriam guas ferruginosas.
Destaque para os ribeiros do Caninho e da Misericrdia, que afluam no centro da
vila com um contnuo lenol fretico explorado por poos e fontes, embora na poca
estival o fluxo fosse menor. Tambm neste entrecho, particular referncia presena de
guas de trato medicinal que vinham da fonte do Carvalho, no extrem