a história de rio branco através de seus varadouros

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Page 1: A História de Rio Branco através de seus varadouros

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Page 2: A História de Rio Branco através de seus varadouros

O tema “A história de Rio Branco através de seus varadouros: uma viagem

ao Seringal-Cidade e seu Patrimônio Cultural,” integrante do eixo cultural

político do ZEAS, do município de Rio Branco-Acre, além de complemen-

tar as informações de caráter técnico, objetivo deste eixo, leva-nos, também, a

trabalhar a subjetividade característica da vida das pessoas e da sociedade em que

vivemos.

O objetivo deste trabalho é analisar algumas características e implicações

ocorridas durante seus cinco períodos de formação, através de sua paisagem cultu-

ral e de seus respectivos patrimônios culturais, permitindo-nos, assim, uma leitura

do espaço que contemple os aspectos subjetivos e objetivos da cidade de Rio Bran-

co.

O tema será dividido em quatro partes: 1 – Problematizar o conceito de pai-

sagem cultural, e discutir sua importância na atribuição de valor na identificação,

promoção e proteção do patrimônio do município; 2 – Apresentar os cinco períodos

de formação do município e os respectivos patrimônios culturais construídos nas

paisagens culturais, bem como o seu desenvolvimento, suas utilizações e simbolo-

gias, desde a criação até os dias atuais, apresentando suas modificações ao longo

de cada período; 3 - Propor a utilização de instrumentos que permitam uma me-

lhor compreensão da paisagem construída, modificada e utilizada pelos diferentes

sujeitos formadores da sociedade riobranquense, a fim de melhorar a gestão dos

vários patrimônios culturais contidos nestas paisagens, tanto pelos cidadãos acrea-

nos, como pela gestão pública, para a manutenção das relações identitárias desses

bens e o fortalecimento das identidades culturais locais; 4 – Apresentar produções

textuais que deem conta dos mais distintos olhares sobre os bairros, rios, igarapés,

monumentos, religiões e, além disso, das manifestações culturais que compõem a

cidade de Rio Branco.

1.APRESENTAÇÃO

Raimundo Angelim VasconcelosPrefeito de Rio Branco

Eduardo FariasVice-Prefeito de Rio Branco

Autoras

Maria Leudes da Silva Souza

Mônica Cabral Ferreira

Editor de Arte

Márcio Oliveira Wanderley

Revisão

Marcos Luís Alves Batista

Colaboradores

Marcos Vinicius S. das Neves

Ana Carla Clementino

Luana Maria Bezerra Lima

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Page 3: A História de Rio Branco através de seus varadouros

Sumário1 – Apresentação...............................................................................................................

2 – Conceituação ..............................................................................................................

3 - A Contradição Essencial À Vida Acreana: Seringal/Cidade ..................................................

3.1 - 1º Período – 1882 / 1908 – de Seringal A Cidade ...........................................................

3.1.1 - Sítio Histórico do 2º Distrito - O Início de Tudo ...........................................................

3.2 - 2º Período – 1909 / 1940 – Uma Cidade Dividida ..........................................................

3.2.1 - O Centro Urbano e Seus Bens Patrimoniais ................................................................

3.3 - 3º Período – 1941 / 1970 – Colônias/Bairros Uma Cidade em Expansão ............................

3.3.1 A Ruptura com o Lugar Familiar (O Seringal) E o início do Rito de Transição para o lugar

desconhecido (Cidade) .......................................................................................................

3.3.2 - A Colônia Estação Experimental - Novas Experiências, Muitas Esperanças ...........

3.3.3 - A Colônia São Francisco – A Interligação de um Núcleo, O Processo de Expansão e o desen-

volvimento Agrícola ...........................................................................................................

3.3.4 - Colônia Dias Martins – Do Desenvolvimento Mecanizado a Transformação de um Bairro ...

3.3.5 - Colônia da Cruz Milagrosa – Lugar de Fé e Religiosidade ..............................................

3.4 - 4º Período – 1970 / 1998 – Invasões/Bairros uma Cidade em Explosão ............................

3.4.1 Espaços de Memórias, Ou, De Histórias? ......................................................................

3.5 - 5º Período – 1999 / 2010 – O Princípio do Reordenamento Urbano, a Reivenção da Capital .

3.5.1 As Vias Estruturantes - As “Novas” Artérias Rio-Branquenses ..........................................

3.6 - Síntese dos Periodos de Formação do Municipio de Rio Branco e as Vias Estruturantes ........

3.7 - De Rios, Lagos, Igarapés e Florestas ............................................................................

3.7.1. - Rio Abaixo – Quixadá .............................................................................................

3.7.2 - Rio Acima - Lago do Amapá – Paisagem e Modificações Ambientais pelo Homem .............

3.7.3 - O Riozinho do Rola e o Sítio Macauã ..........................................................................

3.7.4 - O Rio Acre - O Marco Inicial e Final da Construção de uma Cidade, de um Povo e de uma

Cultura ............................................................................................................................

4.Considerações Finais ......................................................................................................

4.1 - Mecanismos sugeridos para preservação e salvaguarda das Paisagens Culturais e Bens Patri-

môniais do Município de Rio Branco .....................................................................................

5 . Referência Bibliograficas ................................................................................................

6. Anexos ........................................................................................................................

0306101215252950

5355

61657074778586102107108109110

111114

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Page 4: A História de Rio Branco através de seus varadouros

Assim, ao trabalharmos a paisa-

gem cultural de Rio Branco, não

estaremos desvinculando-a do

elemento geográfico, que tem grande

influência na história desde a época dos

varadouros até a configuração de serin-

gal-urbano, mas sim buscando compre-

ender suas transformações espaciais e a

montagem deste grande mosaico cultural

em que foi se transformando Rio Branco,

e a autenticidade da construção de iden-

tidades culturais acreanas neste espaço,

tornando-se – por conseguinte - uma

manifestação cultural coletiva que reúne

heranças do passado, modos de ser do

presente, e define o delineamento de um

futuro esperado.

Apesar de compreendermos que o

município de Rio Branco implica, inicial-

mente, em um território (espaço) único,

é importante observarmos que, no âmbi-

to da cultura, não se pode fazer a refle-

xão de uma construção e transformação

morfológica homogênea desta paisagem

cultural, visto que este território divide-se

em várias paisagens (espaços) culturais,

diferenciadas pelas práticas cotidianas

dos sujeitos que as circundam (imateria-

lidades) e das construções de seus pa-

trimônios culturais (materiais) que, por

conseguinte, tendem a refletir e a expri-

mir as imaterialidades que o formaram,

pois, evidentemente, os bens materiais e

imateriais são indissociáveis, e separá-los

significa não atribuir o valor histórico, cul-

tural e social que o construiu (patrimônio

material), assim como não reconhecer a

simbologia e o significado atribuído pela

população a este, que torna esse patri-

mônio importante, em todos os aspectos,

na composição das paisagens culturais.

Os patrimônios materiais e ima-

teriais são, portanto, testemunhos pre-

ciosos do passado que, independente da

transformação que sofrem, devem ter os

valores histórico e sentimental respeita-

dos e preservados, pois fazem parte do

patrimônio humano e, portanto, cabem

aos sujeitos que os circundam, com au-

xílio da gestão pública, a obrigação de

transmiti-las às gerações futuras, não

deixando, assim, que estas paisagens -

na contemporaneidade - assumam um

aspecto homogêneo, sem significado an-

terior, voltado apenas para o mercado ou

para o consumo visual, o que implicaria

na dissolução das identidades espaciais

tradicionais (paisagens culturais únicas,

homogêneas e específicas), tornando-as

meras imagens de mídias e consumo cul-

tural e, por conseqüência, na exclusão das

identidades culturais existentes no muni-

cípio que fazem parte, essencialmente,

do povo acreano.

Em função dos expostos acima,

analisaremos o território do município Rio

Branco e seus bens patrimoniais de for-

“(...) Ao utilizar o conceito de paisagem cultural, tem-se o enfoque voltado para as expressões humanas, o trabalho, as heranças, etnias, intersubjetividades, representações, enfim, o que contém e está contido no espaço que influencia as transformações espaciais, e é influenciado pelas mesmas, mas que não é explícito, e sim, oculto nas práticas cotidianas (...)” ( Nola Pa-trícia).

2. CONCEITUAÇÃO

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Page 5: A História de Rio Branco através de seus varadouros

ma heterogênea, dando destaque a todas

as transformações sofridas por estes e de

seus bens culturais ao longo dos perío-

dos de formação da cidade, seus usos e

destinações, significados e simbologias,

levando em consideração as opiniões dos

sujeitos que compõem estas paisagens,

diante das transformações sofridas tanto

nos bens patrimoniais, como nas paisa-

gens onde estão localizados.

O município de Rio Branco guar-

da, na sua paisagem, nas praças, bairros,

mangueiras e igarapés, a história da ocu-

pação e da formação da sociedade acrea-

na. Essas histórias são passíveis de muitas

interpretações, visto que não determinam

ou definem plenamente, todavia são de-

terminadas e definidas pelos olhares dos

muitos sujeitos que a compõem, perce-

bem-na, conduzem-na e, reconduzem-

na, a fim de transformar o sujeito e os

objetos que fazem parte dela em sujeitos

e objetos de significados plurais, que se

estranham e se reconhecem no outro, e

que podem, também, ser ressignificados.

Esse processo se inicia com a pró-

pria caracterização e condições que aca-

baram definindo a primeira paisagem

de Rio Branco , o Seringal Volta da Em-

preza, fundado na margem direita do rio

Acre, em 28 de dezembro de 1882, pelo

cearense Neutel Maia. Além da sua posi-

ção estratégica no rio Acre, de mais fácil

acesso que Xapuri, ou de outros peque-

nos povoados e cidades que também se

formavam no território - no princípio do

século XX – sua economia era, também,

mais desenvolvida que a da cidade de

Porto Acre, que detinha uma melhor posi-

ção. Tais prerrogativas fizeram, portanto,

de Rio Branco, a sede da capital acreana.

Esta, logo viria a transformar o peculiar

seringal Empreza, em um dos mais movi-

mentados portos comerciais do rio Acre,

bem como de todo território recém adqui-

rido da Bolívia e do Peru.

Após sua definição como capital,

esta cidade passou por quatro períodos

distintos de transformação e, hoje, encon-

tra-se no quinto, iniciado no ano de 1999.

Ela manteve, dentro de cada período, os

elementos que lhes eram necessários às

construções e à transformação de sua

paisagem cultural, mesmo que na forma

de contradições que, aliás, parecem ser

essenciais à vida do povo acreano e para

a história da cidade.

Só conseguimos nos dar conta da

transformação pela qual passou essa pai-

sagem quando os automóveis parecem

ter-se recolhido às suas garagens ou a

outros destinos que não o centro da ci-

dade, e apreciamos, silenciosamente, a

paisagem tão transformada pelo tempo

e pelos sujeitos, mas que ainda mantém

fortes características das épocas de serin-

gais. As ruas, antes tortuosas, já foram

retificadas e asfaltadas para suportar o

grande êxodo populacional que sofreu, o

rio - que um dia foi o grande movimenta-

dor e impulsionador do desenvolvimento

cultural, social e econômico – hoje, mes-

mo raso, cruza quase silencioso por baixo

das pontes, e que torna úmido o nosso

ambiente e que traz à tona essas memó-

rias tão reais, visto que quase se pode

sentir o cheiro, o gosto dos elementos

que antes formavam esse seringal, mas

que hoje não se fazem mais presentes,

o que é normal em toda capital que está

em processos transformativos, como Rio

Branco. Hoje, algumas das características

da antiga cidade de Rio Branco podem

até não ser mais encontradas nos ele-

mentos físicos que compõem a sua pai-

sagem cultural, mas permanecem vivas

nas caixinhas de lembranças fotográficas

amareladas pelo tempo, o mesmo que

a transformou nas memórias sociais do

povo que a construiu, nas práticas ima-

teriais latentes no cotidiano acreano que,

como ciclos, renovam-se a cada período,

mantendo os fragmentos do que é im-

portante, das suas identidades culturais

e para a manutenção de seus bens cultu-

rais.

É partindo do antigo, transforma-

do em novo, que pretendemos elaborar

um mosaico em cores e, em preto e bran-

co, misturando histórias e memórias so-

ciais de um povo e uma cidade, o antigo

e o novo, o tradicional e o moderno, que

sempre inicia e termina no mesmo lugar,

como as nossas velhas conhecidas estra-

das de seringas.

Para analisamos as transformações

dos elementos que compuseram e que

compõem o território de Rio Branco nos

seus cinco períodos, que utilizaremos o

conceito de paisagem cultural, que é con-

cebido para responder à crescente com-

plexidade da sociedade contemporânea e

à velocidade, cada vez maior, dos proces-

sos sociais e econômicos que induzem na

transformação da sua paisagem cultural

que, conseqüentemente, reflete-se não

só na transformação dos elementos cul-

turais (patrimônios), como nas práticas

imateriais (manifestações sociais) que

devem ser complementares entre si.

A característica fundamental desta

análise será a ocorrência, em uma fração

territorial, do convívio singular entre a

natureza e o homem, os espaços cons-

truídos e ocupados, os modos de vida e

as atividades sociais, culturais e políticas,

não importando o espaço ou tempo a que

esses vários sujeitos e objetos (patrimô-

nios) pertençam. E, ao final destas aná-

lises, verificaremos que será necessário

muito mais que a simples utilização de um

conjunto maior de instrumentos urbanís-

ticos, ambientais, jurídicos e tributários

para preservar bens, valores e manifesta-

ções culturais, mas este exigirá um novo

perfil de comportamento de gestores pú-

blicos e cidadãos.

1 Trata-se da primeira paisagem cultural de Rio Branco, O Seringal Volta da Empreza ,fundado na margem direita do rio Acre, em 28 de dezembro1882, pelo cearense Neutel Maia.

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Page 6: A História de Rio Branco através de seus varadouros

Rio Branco, capital do Acre. Ape-

nas uma clareira na floresta. Mas,

verdadeiramente, um seringal que

se tornou cidade. Quem devemos conhe-

cer primeiro? Os velhos seringais Volta

da Empreza, Empreza e Nova Empreza?

Ou a cidade pequena, com ares de me-

trópole regional, centro de convergência

e de gravidade de todo o estado do Acre?

Devíamos percorrer seus varadouros ou

suas ruas asfaltadas? Visitar seus bair-

ros ou suas colocações antigas? Direcio-

nar nosso olhar para o centro do seringal,

nas terras firmes do fundo da floresta? Ou

para o centro urbano da atual cidade com

seus monumentos, praças e palácios?

Antes mesmo de responder a essas per-

guntas: se é que ser-nos-á possível res-

pondê-las sem reduzir as transformações

sofridas na sua paisagem cultural e os

sujeitos que a transformaram, julgamos

ser mais importante perguntar: Não seria

Rio Branco, ao mesmo tempo, seringal e

cidade? É possível separar as duas natu-

rezas de Rio Branco?

No “Seringal Rio Branco” existiam

três tipos de caminhos: as estradas de

seringa, que começam e terminam no

mesmo lugar; os varadouros, que ligam

as várias colocações e, por conseguinte,

as várias estradas de seringa; além das

varações, que ligam os diferentes rios

(vales) passando pelas terras altas do in-

terior da floresta e por diversos seringais

da região.

Já na “Rio Branco - centro-urbano”

existem muito mais que três caminhos

em função da dinâmica complexa que seu

processo de transformação morfológica

sofreu e vem sofrendo ao longo dos anos.

Nesta, que se reinventou e se recriou, os

caminhos são quase incontáveis, as pai-

sagens têm sempre aspectos interminá-

veis, sempre em constantes transforma-

ções e, na verdade, estão em constante

transformação, como ciclos que sempre

se renovam, deixando sempre vivos os

fragmentos e os objetos necessários à

manutenção de sua identidade cultural.

Essa foi a forma acreana de manter vivo,

em seu mosaico, o passado no tempo

presente.

Então, enumeraremos alguns dos

muitos caminhos hoje existentes: todos

os dias, na capital acreana, surgem novas

invasões, constituídas de becos, os quais

assumem a função dos antigos varadou-

ros. Há quem os chamem assim, por não

conhecerem outra expressão que traduza

a sua função. Na tentativa de interligá-

los surgem as estradas de barro, as ruas

atijoladas que, com o passar dos tempos,

são substituídas por ruas asfaltadas e, na

medida em que a necessidade requer, es-

tas são retificadas para comportar o cres-

cimento abrupto pelo qual a capital tem

perpassado nos últimos 20 anos. Quem

consegue contar ou enumerar quantos

varadouros, becos, estradas de barros,

ruas atijoladas e asfaltadas surgiram nos

últimos vinte anos na capital acreana?

Quantas novas invasões surgiram e, hoje,

tem forma de bairros? Quantos bens pa-

trimoniais foram destruídos, construídos

ou reconstruídos e (re)significados nas

várias paisagens que constitui a morfo-

logia da paisagem cultural acreana? Mas,

de certo o objetivo de todas essas inda-

gações não é enumerar estas, e sim mos-

trar que a contradição seringal-cidade é

essencial à vida acreana, mesmo quando

a complexidade contemporânea insiste

em transformá-la e ressignificá-la.

Manter a forma de seringal viva na

construção e reconstrução temporal que

Rio Branco perpassa todo o tempo foi a

maneira que os sujeitos constituintes e

transformadores desta paisagem acha-

ram para manter viva a contradição es-

sencial à vida em sociedade e, através

da preservação da sua memória social e

identidade cultural, garantir a perpetua-

ção do modo de ser e de viver. Separar

“Rio Branco cidade” de “Rio Branco se-

ringal” e todas as naturezas (elementos)

oriundas deste último, implica em desco-

nhecer os sujeitos que a construíram e a

transformaram, e não reconhecer objetos

(patrimônios) importantes desta cidade.

Por isso, analisaremos os cinco pe-

ríodos de transformações da paisagem

cultural acreana, e alguns dos objetos

(patrimônios) construídos e as relações

mantidas pelos sujeitos que a circunda-

ram, bem como os novos usos destinados

aos patrimônios que constituem cada pe-

ríodo de formação.

3. A CONTRADIÇÃO ESSENCIAL À VIDA ACREANA: SERINGAL/CIDADE

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Page 7: A História de Rio Branco através de seus varadouros

Este primeiro período da história

urbana de Rio Branco é marcado

por três características centrais.

A primeira diz respeito à transformação

do seringal Volta da Empreza no povoado

denominado Villa Rio Branco. A segunda

característica é que, exatamente nesta

época, Rio Branco alcançou a condição de

liderança política e econômica do Acre, o

que lhe valeria, posteriormente, a con-

dição de capital. Finalmente, a terceira

característica fundamental da cidade nas-

cente foi que, neste período, o povoado

da Volta da Empreza – Villa Rio Branco

esteve restrito a uma estreita faixa de

terras na margem direita do rio Acre (atu-

al 2º Distrito).

O Seringal Volta da Empreza foi

fundado à margem direita do rio Acre,

em 28 de dezembro de 1882, pelo cea-

rense Neutel Maia. Mas logo se diferen-

ciou dos outros seringais da região ao se

tornar um porto muito freqüentado pelos

vapores que transitavam pelo rio duran-

te a época das cheias. Neutel Maia criou,

então, já em 1884, uma casa comercial

denominada Nemaia e Cia, para atender

aos vapores, pequenos seringais e rea-

lizar a intermediação de gado boliviano

para o abastecimento da região. Espon-

taneamente, portanto, a Volta da Empre-

za deixou de ser um seringal, como todos

os outros do Acre, para se tornar um po-

voado, o que equivale dizer que, muito

cedo, a Volta da Empreza deixou de ser

um espaço privado (de domínio exclusivo

do seringalista) para se tornar um espaço

público, em que outros comerciantes ou

indivíduos podiam atuar ou se fixar.

Por isso, além de se tornar a principal re-

ferência comercial do médio rio Acre, o

povoado da Volta da Empreza foi palco

preferencial de diversos movimentos da

guerra entre acreanos e bolivianos, o que

abalou a região no final do século XIX e

início do XX. Tornou-se, assim, a sede do

Acre Setentrional durante a ocupação mi-

litar de 1903 e, logo após a anexação das

terras acreanas, através do Tratado de

Petrópolis, foi alçada à condição de sede

do Departamento do Alto Acre, no regi-

me territorial recém implantado. Passou,

então, a ter o nome de Villa Rio Branco,

em homenagem ao articulador dos Trata-

dos de limites que tornou o Acre parte do

Brasil.

Temos, portanto, no período de

1882 a 1908, pelo menos três fases dis-

tintas na história da cidade: 1ª Fase -

1882 / 1898 – durante a qual o seringal

se torna um povoado e se consolida co-

mercialmente na região; 2ª Fase – 1899 /

1903 – na qual os diversos acontecimen-

tos da Revolução Acreana impulsionam a

Volta da Empreza a se tornar o centro do

poder político no vale do rio Acre; 3ª Fase

- 1904 / 1908 – quando a agora denomi-

nada, Villa Rio Branco, consolida sua lide-

rança política e econômica, tornando-se a

sede do Departamento do Alto Acre.

Em relação à configuração espacial

de Rio Branco, durante todo este período,

a área urbana da cidade se restringiu a

uma estreita faixa de terras na margem

direita do rio Acre, ao qual correspondia

a uma parte da área pertencente a Neu-

tel Maia. Inicialmente, foi a Casa Nemaia

e Cia., situada diante da enorme game-

3.1 - 1º PERÍODO – 1882 / 1908 – DE SERINGAL A CIDADE

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Page 8: A História de Rio Branco através de seus varadouros

leira, que assinalava o porto da Volta da

Empreza, e serviu como referência para

a construção de uma série de outros pré-

dios seguindo o traçado da margem do

rio. Formou-se, assim, um primeiro arru-

amento, onde se estabeleceram hotéis,

restaurantes, casas comerciais e residen-

ciais construídos com a madeira que era

abundante nos arredores desta primeira

rua do povoado (atualmente chamada de

Rua Eduardo Assmar).

Com a extensão e adensamento

desta primeira rua, organizaram-se três

áreas distintas que se constituíram como

os primeiros bairros do povoado. Uma pe-

quena área residencial de trabalhadores,

que ocupava as terras à volta do rio Acre,

acima da Gameleira, era denominada Ca-

nudos. O centro do povoado da Volta da

Empreza era constituído pela rua ao lon-

go da margem do rio, no trecho entre a

Gameleira e o local onde, hoje, está a ca-

beceira da Ponte Metálica. E, finalmente,

formou-se outro pequeno bairro de tra-

balhadores, que recebeu o sintomático

nome de rua África, por abrigar os negros

habitantes da cidade. Este último bairro

era a extensão da única rua da cidade na

direção do igarapé da judia, e era forma-

do, quase que exclusivamente, por precá-

rias casas de palha.

Ainda surgiria um quarto “bairro”

(para empregar um termo de época) no

povoado da Volta da Empreza – Villa Rio

Branco. Isto se deu durante a ocupação

militar de 1903, quando - diante da ne-

cessidade de aquartelar tropas na área

- o comandante Gen. Olímpio da Silvei-

ra decidiu fazê-lo distante do centro do

povoado, escolhendo, para tanto, uma

área periférica, rio acima, e ali acampou

o 15º Batalhão de Infantaria do Exército.

A presença de tropas atraiu pequenos co-

merciantes que constituíram um novo ar-

ruamento, também ao longo da margem

do rio, para atender às necessidades dos

soldados, dando origem ao bairro Quinze,

cuja denominação permanece até hoje.

Ou seja, ao longo deste primeiro

período de formação da área urbana de

Rio Branco, podemos identificar não só

sua consolidação - um espaço diferen-

ciado em relação aos seringais da região

- como também a configuração de um pri-

meiro ordenamento espacial que refletia

a organização da própria sociedade, com

bairros diferenciados para os trabalhado-

res ou para os “negros” da cidade.

Este espaço territorial deixou, em

sua paisagem cultural, diversos objetos

(patrimônios) que refletia o agenciamen-

to desses sujeitos no seu espaço, como

forma de transformação e de preservação

de suas memórias sociais, que foram sen-

do adequados, reorganizados e ressignifi-

cados de acordo com os usos feitos pelos

sujeitos que os circunda. Este espaço,

atualmente, é conhecido como sítio histó-

rico do Segundo Distrito.

Se o Primeiro Distrito, hoje, possui

seu sítio histórico, que reúne, como

patrimônios culturais, os palácios,

do Governo, da Justiça e do Bispo, entre

outros bens. O Segundo Distrito possui

a Gameleira, local de Fundação da cida-

de, lugar onde ocorreram os combates

da Volta da Empreza durante a Revolução

Acreana, e a Primeira capela-igreja da ci-

dade, consagrada à N.S.da Conceição, na

época considerada não só a padroeira de

Rio Branco, mas de todo o Acre, entre ou-

tros bens de importância e relevância so-

cial, cultural e econômica, como a antiga

rua do comércio, o antigo Grupo Escolar

Maria Angélica, o Parque Capitão Ciríaco,

a Tentamen, o Cine Teatro Recreio. Além

disso, fazem parte desse contexto, tam-

bém, não só os bens materiais ali visí-

veis, como a curva do rio, a gameleira,

os botos, e a praia da base, mas também

os muitos bens imateriais que fazem par-

te do imaginário rio-branquense, como

a Cobra Grande - que mora embaixo da

igreja e que serve de inspiração até para

os blocos de carnavais e para várias ma-

nifestações populares da cidade.

O Sítio Histórico do Segundo Dis-

trito é o complexo de bens patrimoniais

mais antigos da cidade de Rio Branco.

Este complexo é cheio de memórias so-

ciais importantes do período de formação

do Estado do Acre.

Ao se analisar esta paisagem, per-

cebe-se que, ainda, nos dias atuais, há

grandes características do passado e de

suas memórias sociais, apesar da grande

intervenção ocorrida na paisagem cultu-

ral. Vários bens patrimoniais continuam

compondo esta, e relatando aos sujeitos

acreanos as suas histórias, memórias, os

saberes e fazeres populares, assim como

as tradições culturais ali surgidas

Descreveremos a importância de

alguns dos bens contidos nesta paisagem

e de suas respectivas funções na época

de suas fundações, ressignificações e as

destinações de uso que estes bens rece-

beram ao longo do tempo, e das transfor-

mações que a capital acreana vem atra-

vessando (1882-2010).

3.1.1 - SÍTIO HISTÓRICO DO 2º DISTRITO - O INÍCIO DE TUDO

14 / 15 / ZEAS

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Page 9: A História de Rio Branco através de seus varadouros

A rua 17 de novembro, hoje oficial-

mente denominada Eduardo As-

smar, e conhecida popularmente

como “Calçadão da Gameleira”, surgiu

em 1882. Caracterizada como a primeira

paisagem cultural do município, essa rua

deu início a um território, foi centro po-

lítico deste e nela se constituiu a forma-

ção étnica e sócio-cultural de uma cidade.

Surgida nas poucas, mas intensas ruas do

sempre apertado Primeiro Distrito - entre

o igapó, o campo e o rio - onde árabes,

negros, espanhóis, italianos, comercian-

tes, marinheiros, seringueiros, caboclos,

enfim, toda a população, seus dramas so-

ciais, sua fauna e flora que constituíram o

acre, aqui se mesclaram, confrontaram,

amaram e construíam uma sociedade hí-

brida e singular, levam-nos, mais uma

vez, a pensarmos acerca dos territórios e

das territorialidades da capital acreana.

Na passagem por esse varadouro,

que outrora era o centro do município, as

modificações ocorridas criaram significa-

dos diferenciados para uma mesma pai-

sagem, visto que, ao mesmo tempo em

que esta representava a fundação de uma

cidade e de seu primeiro núcleo de poder

político, econômico e a formação de uma

população híbrida e singular, representa,

também, atualmente, um novo centro de

convergência e de consumo visual e cul-

tural da cidade. Esta paisagem foi, por-

tanto, reconstruída, recebendo novos sig-

nificados e funções.

Durante muito tempo, este espaço

ficou à mercê do esquecimento dos acre-

anos e para o poder público, tanto no que

diz respeito à importância na formação da

cidade e da população, quanto ao seu de-

senvolvimento econômico e cultural, pelo

qual era voltado em tempos de outrora.

No ano 2000, a rua 17 de novembro, no-

bre patrimônio histórico, tornou-se parte

integrante das novas vias estruturantes

da cidade de Rio Branco, passando por

um processo de revitalização, que visou

resgatar os significados, as simbologias,

as práticas culturais, econômicas e sociais

constituintes no seu tempo de formação,

só então recebendo a nomenclatura de

Calçadão da Gameleira.

Os antigos comércios ali existen-

tes tiveram suas fachadas revitalizadas,

como também as antigas tradições e as

manifestações culturais, como os blocos

carnavalescos e o carnaval como antiga-

mente, entre outros resgatados, remon-

tando, assim, a sua efervescência cultural

de origem. Tais mudanças criaram, por

conseguinte, visões diferenciadas quanto

ao resultado do processo de revitalização

e resgate. Para uma parte dos sujeitos

acreanos, esse patrimônio se tornou um

simples objeto de consumo cultural po-

tencializado para o turismo, sem resguar-

dar em si a sua importância histórica e

as identidades culturais. Para outros, este

objeto se traduziu em satisfação, tendo

alcançado o objetivo ao qual se propôs,

resgatando as antigas tradições e, nova-

mente, movimentando a localidade cul-

turalmente, reafirmando as identidades

culturais ali existentes, como se pode ob-

servar no trecho do texto de Leila Julul,

intitulado – “A Rua da Frente”.

“...No segundo distrito também adotaram essa mania. Hoje todos só abrem a boca para falar do Calçadão da Gameleira. Também pudera! O bicho ficou bonito demais da conta. Ali era a Rua da Frente, que depois foi chamada 17 de novembro e hoje, oficialmente, Senador Eduardo Assmar...”

3.1.1.1 - RUA 17 DE NOVEMBROO CALÇADÃO DA GAMELEIRA

16 / ZEAS 17 / ZEAS

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Page 10: A História de Rio Branco através de seus varadouros

Apesar de muitas fontes orais, lo-

cais da época, afirmarem que a

sua primeira edificação foi cons-

truída na antiga Villa Rio Branco, entre

1906 e 1907 localizada no Primeiro Dis-

trito, hoje conhecido como Segundo Dis-

trito, não há documentos que comprovem

este fato. A única evidência que compro-

va sua existência, na época, é uma foto-

grafia de uma solenidade realizada para

a construção de uma capela, onde hoje

está localizada a Igreja Nossa Senhora da

Conceição, contida no álbum de fotogra-

fia que retrata o Rio Acre. O que é certo

quanto à comprovação da sua existência

é que, em 1910, os meios de comunica-

ção local mobilizavam a população para a

sua reconstrução, uma igreja que nem ti-

nha um padre designado. Esta igreja não

só faz parte do cenário atual do segundo

distrito da cidade, como até os dias atuais

encontra-se em funcionamento.

O primeiro clube social de Rio Bran-

co, a Sociedade Recreativa Tenta-

men, foi fundada em 11 de abril

de 1924, criada por algumas famílias da

alta sociedade acreana para proporcionar

lazer aos donos dos grandes seringais,

autoridades locais, funcionários públicos

e comerciantes. Este patrimônio, na épo-

ca de sua criação, não era aberto à freqü-

ência popular. Dizem que o clube recebeu

esse nome graças às diversas tentativas

de criar a associação, que começou em

1920. Quanto à arquitetura, seguiu o mo-

delo muito utilizado na época, que eram

de casarões construídos sobre pilares, co-

bertura em duas águas, varandas e lam-

brequins.

Local destinado a realizações de

grandes festas, a Tentamen teve seu

primeiro baile de carnaval realizado em

1925. Estes, eram muito concorridos,

denotavam as características sociais da

época, onde a alta sociedade se reunia, e

os homens podiam trajar camisa de “meia

de malandro” ou entrar na Tentamen ape-

nas com “manga de camisa”.

Com a transferência das atividades

culturais para o novo lado da cidade, a

Tentamen ainda permaneceu, por alguns

anos, sendo o clube das famílias tradicio-

nais de Rio Branco, mas logo depois foi

esquecida, e – por conseguinte - suas ati-

vidades deixaram de acontecer, passando

um grande período desativado.

Este foi outro bem do Primeiro Dis-

trito, hoje Segundo Distrito, que fez par-

te do projeto de reestruturação da cidade

acreana, visto que passou por várias re-

formas, mas seus elementos arquitetôni-

cos originários foram mantidos ao longo

de todas.

Na atualidade, este bem se encontra em

funcionamento, agregando as mesmas

funções da sua origem, resgatando o tra-

dicional carnaval de clube, os grandes sa-

lões de danças e as várias apresentações

artísticas e culturais que faziam parte do

cotidiano do tempo de sua criação. Sem

perder a beleza dos seus tempos áureos,

mas com a junção das necessidades da

modernidade, a Tentamen, hoje, tornou-

se um espaço aberto ao público acrea-

no, e continua representando um grande

marco na vida cultural acreana e guarda,

em si, rica memória da vida social e cul-

tural de Rio Branco.

3.1.1.2 - NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO - 1ª IGREJA DA CIDADE

3.1.1.3 - TENTAMEN

18 / ZEAS 19 / ZEAS

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Page 11: A História de Rio Branco através de seus varadouros

O Cine Teatro Recreio foi inaugura-

do na década de 40, instalado no

prédio do extinto Cine Éden, após

passar por uma reforma. Localiza-se no

território, hoje conhecido como Segundo

Distrito. Além de projeções cinematográ-

ficas, o Cine Teatro Recreio era movimen-

tado por companhias teatrais que chega-

vam de outros Estados, bem como por

iniciativas do teatro amador local, do qual

destacamos, entre outros, nomes como

os de Osvaldo Pinheiro de Lima e Garibal-

di Brasil.

As sessões do Cine Teatro Recreio

eram, em geral, acompanhadas por outras

atrações, como apresentações da Banda

de Música da Ex-Guarda Territorial nas

inesquecíveis retretas. A sua marca re-

gistrada era o anúncio feito por um auto-

falante nos altos do prédio, que sempre

entoava o “Cisne Branco”, para avisar que

a projeção e os espetáculos teatrais esta-

riam para começar. Assim, como outros

símbolos de efervescência econômica e

cultural do Primeiro Distrito, destinados

às manifestações artísticas, culturais e de

lazer, o Cine Teatro Recreio foi desativado

e reativado em várias ocasiões, deixando

de funcionar como cinema, acontecendo

apenas apresentações teatrais. Logo em

seguida foi desativado por completo.

Em 2005, entrou novamente em

reforma, a proposta era revitalizar a sua

edificação, que ainda se mantém original,

e voltar a funcionar como na época de sua

primeira inauguração, na década de 40.

Porém, esta reforma ainda não foi conclu-

ída, e este permanece, até os dias atuais,

fechado à visitação pública, e a sua estru-

tura e a fachada estão, permanentemente

vedadas, com tapumes, impossibilitando

a sua visualização.

O Grupo Escolar Maria Angélica de

Castro foi inaugurado na década

de 50. Localizava-se ao lado do

antigo Grupo Escolar 24 de Janeiro locali-

zada no antigo Primeiro Distrito, cujo pré-

dio de madeira já se encontrava bastante

prejudicado pela ação do tempo. Após a

conclusão de sua obra, o funcionamen-

to da Escola 24 de Janeiro foi transferi-

do para a Escola Maria Angélica, que se

tornou o principal estabelecimento esco-

lar da parte mais antiga da cidade de Rio

Branco.

A Escola Maria Angélica é um dos

poucos Patrimônios da década de 50, lo-

calizado hoje no Segundo Distrito, que

sofreu poucas modificações.

Na fachada e na sua edificação en-

contra-se, ainda presente, a arquitetura

original. Permanece em funcionamento

até os dias atuais, mas não como grupo

escolar, e sim como escola de ensino in-

fantil, servindo a comunidade onde se ori-

ginou.

3.1.1.4 - CINE TEATRO RECREIO

3.1.1.5 - ESCOLA MARIA ANGÉLICA DE CASTRO

20 / ZEAS 21 / ZEAS

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Page 12: A História de Rio Branco através de seus varadouros

Quando o nordestino Ciríaco Joa-

quim de Oliveira chegou ao Acre,

no início do século, para ajudar

a montar os seringais, trabalhando na

exploração da borracha, não sabia que

lutaria na chamada Revolução Acreana,

sendo um dos companheiros fiéis do líder

Plácido de Castro, que queria conquistar

estas terras bolivianas para o Brasil. Capi-

tão Ciríaco, como passou a ser chamado,

lutou na Revolução ao lado dos brasileiros

e, segundo contam os antigos, o próprio

Plácido de Castro fez reuniões com Ciríaco

e outros revolucionários no lendário sítio,

que mantém seu exotismo amazônico.

O histórico Sítio do Capitão Ciría-

co localiza-se no início da Estrada AC-40,

antigo Primeiro Distrito atual via Chico

Mendes. Na verdade, trata-se de um ver-

dadeiro seringal urbano, que ainda conti-

nua produtivo nos dias atuais.

Além da floresta de seringueiras, o

sítio do Capitão Ciríaco é uma das áreas

urbanas da capital acreana mais arbori-

zada, tendo inúmeras espécies de árvores

frutíferas e ornamentais que criam um

belo panorama na área do Segundo Dis-

trito. Frutas raras como abiu, bacuri, ara-

ticum, cupuaçu, cacau, mangas de vários

tipos, abacaba, açaí, azeitona e outras,

ainda podem ser colhidas no sítio Capi-

tão Ciríaco. O Sítio compreende uma área

de terra alta, sombreada e acolhedora.

Este cenário, que mostra a exuberância

das matas acreanas, constitui-se, hoje,

em Patrimônio Histórico da Cidade de Rio

Branco.

O seringal Urbano Capitão Ciría-

co, hoje sede da Fundação Municipal de

Cultura Garibaldi Brasil, remonta o pas-

sado histórico dos tempos dos seringais

e contém, em si, os novos usos atribu-

ídos pelas necessidades contemporâne-

as, e o seu atual desenvolvimento é ba-

lizado por ações turísticas desenvolvidas

no âmbito do município, e encontra-se

constantemente aberto à visitação públi-

ca. É importante refletir sobre como uma

das mais belas e diferentes paisagens de

Rio Branco, conseguiu se manter intacta,

mesmo agregando, no seu espaço, no-

vos usos, sem perder suas características

fundamentais de antigo seringal. Apesar

de se encontrar localizado em uma das

3.1.1.6 - O PARQUE CAPITÃO CIRÍACO – SERINGAL E CAMPO NO LIMITE DA CIDADE

22 / ZEAS 23 / ZEAS

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Page 13: A História de Rio Branco através de seus varadouros

áreas urbanas mais carentes e violentas,

os atores sociais que o circundam, com

suas práticas culturais cotidianamente, e

os transeuntes, que o visitam turistica-

mente, parecem não se diferenciar dentro

desse espaço, pois contam suas histórias,

apreciam suas belezas, remontam me-

mórias áureas e reafirmam suas memó-

rias sociais.

Nesta paisagem, as contradições

parecem fazer dele o que ele, de fato, re-

presenta para a sociedade acreana e seus

vários sujeitos: um lugar de socialização,

onde não há diferença de cor, raça, cre-

do, social, cultural e econômica. Os con-

trapontos parecem ser complementares

como se fossem contradições essenciais à

vida dos sujeitos que o circundam.

Aqui, o seringueiro corre suas tri-

lhas de seringas, dia após dia, colhendo o

látex e produzindo seus vários utensílios,

enquanto os sujeitos fazem suas novenas

na capela Nossa Senhora da Seringueira,

localizada entre as trilhas de seringas. E

as crianças, jovens e idosos correm, brin-

cam e se exercitam, cotidianamente, no

parque, como se este fosse à extensão de

suas casas, ou parte integrante de suas

vidas, indo ao Centro de Inclusão Digital,

implantado no espaço, para aprender as

novas tecnologias do século XXI, e possi-

bilitar acesso às informações. A Casinha

de Delícias, outro equipamento instalado

na área deste parque, é usada para que

as pessoas possam aprender e praticar a

arte da leitura, e ouvir as várias conta-

ções de histórias que retratam, inclusi-

ve, a história de suas próprias vidas. Os

transeuntes e os turistas observam toda a

movimentação e a paisagem exuberante

que compõe este parque, tirando fotogra-

fias para compor seus álbuns de viagens

turísticas, tudo na mais completa harmo-

nia. Naturalmente, as passagens dos su-

jeitos, as várias histórias parecem se ho-

mogenizar, como se todos pertencessem

ao mesmo lugar.

Na área interna do parque, com-

posta por salas rústicas da época dos

seringais, dois mil sujeitos da sociedade

civil continuam a construção de um Sis-

tema Municipal de Cultura, nascido nes-

se espaço, em 2007. Sistema esse que

serviu de modelo de implementação para

muitos estados brasileiros, hoje consoli-

dado com cem por cento de participação

da sociedade civil acreana. Neste espaço,

esse Sistema nasceu, cresceu e aflorou

o que de mais belo e complexo forma a

cultura rio-branquense, expressando, por

meio da sua paisagem cultural, o que de

fato traduz a palavra cultura: a pluralida-

de, a diversidade e a complexidade que é

inerente e essencial à sobrevivência dos

sujeitos, tornando-se espaço de tradução

de todas as faces de um mesmo processo

que, ao mesmo tempo, possibilita a per-

manência viva do antigo e do tradicional,

além de conciliar o novo, o moderno e o

essencial a toda capital em processo de

expansão e desenvolvimento social e eco-

nômico. Aqui, parece não haver, de fato,

diferenças sociais, ou culturais.

Este período da história da cidade

possui alguns marcos fundamen-

tais de diferentes naturezas. Seja

no que diz respeito aos seus aspectos eco-

nômicos, devido ao fim do ciclo da borra-

cha, a partir de 1913, como em relação

ao seu papel político, já que Rio Branco se

tornou a capital de todo o território a par-

tir de 1920, no que se refere à ampliação

de seu tecido urbano pela incorporação

de uma grande área de terras da margem

esquerda, já a partir de 1909. Portanto, a

definição de fases que unificam as diver-

sas características deste período é mais

difícil que em relação ao período anterior.

A Villa Rio Branco, sede do Departamento

do Alto Acre, estava totalmente localizada

à margem direita do rio Acre, conforme

descrito no primeiro período de formação

da cidade de Rio Branco. Era uma área

plana e favorável à abertura das primei-

ras ruas, no entanto, muito baixa e alagá-

vel na época das cheias do rio Acre. Além

disso, por trás do alinhamento das casas

do povoado, a floresta foi gradativamente

sendo substituída por uma área de pas-

to para abrigar o comércio de gado que

foi muito importante para Rio Branco. Es-

sas características topográficas, somadas

a questões políticas relacionadas à luta

autonomista que vinha sendo travada no

Território Federal, levaram ao questiona-

mento da condição de capital do Departa-

mento desfrutada por Rio Branco, e deu

3.2 - 2º PERÍODO – 1909 / 1940 – UMA CIDADE DIVIDIDA

24 / ZEAS 25 / ZEAS

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Page 14: A História de Rio Branco através de seus varadouros

origem a diversas tentativas de mudança

da sede departamental.

Em 1909, em meio a um conturba-

do contexto político, o Prefeito Departa-

mental do Alto Acre, Cel. Gabino Besou-

ro, decidiu tomar uma parte das terras

do Seringal Empreza, situado à margem

esquerda do rio Acre, defronte à Villa Rio

Branco. E, nestas terras definiu um novo

arruamento que, começando na margem

do rio, seguia até o limite da atual aveni-

da Ceará. Nestas terras altas da margem

esquerda, Gabino Besouro quis fundar

uma nova cidade chamada Penápolis, em

homenagem ao presidente Afonso Pena,

e que passaria a se constituir na nova

sede da Prefeitura Departamental do Alto

Acre.

Entretanto, não havia como ignorar

a Villa Rio Branco, do outro lado do rio,

com toda sua pujança comercial e social.

E, pouco tempo depois, os dois lados da

cidade eram unificados, e Penápolis pas-

sava a se constituir apenas como mais

um novo bairro da agora “cidade” de Rio

Branco, situada em ambas as margens do

rio Acre.

Desde então, foi sendo estabeleci-

da, lentamente, uma infra-estrutura ofi-

cial em Penápolis, que logo passaria a ser

denominado 1º Distrito, em contraposição

ao lado velho da cidade, que passou a ser

conhecido como 2º Distrito. Ou, como já

descrita, uma cidade dividida entre o lado

oficial e o lado comercial por um rio.

Nem o acirramento dos movimen-

tos autonomistas, nem a crise da borra-

cha, instalada a partir de 1913, foram su-

ficientes para alterar significativamente o

papel econômico e político de Rio Branco

no contexto acreano. Pelo contrário, nesta

época se consolidou o predomínio desta

cidade frente às outras cidades acreanas

que, com exceção de Xapuri, eram bem

mais novas. Tanto assim que, na reforma

administrativa de 1920, que extinguiu os

departamentos, coube a Rio Branco a pri-

mazia de se tornar a capital de todo o Ter-

ritório Federal do Acre centralizado. Com

isso, Rio Branco garantiu maiores investi-

mentos oficiais em relação aos outros po-

voados, cidades ou municípios acreanos,

o que a levaria, entre outras coisas, até a

atual condição na qual concentra metade

de toda a população do Estado do Acre.

Tendo em vista que o nosso prin-

cipal interesse é tentar compreender a

dinâmica da formação urbana, podemos

vislumbrar duas fases para este período

da história de Rio Branco: 1ª Fase – 1909

/ 1930 –consolidação de Penápolis pela

ocupação da tecido urbano planejada en-

tre o rio Acre e a avenida Ceará; 2ª Fase

– 1931 / 1940 – estagnação da expansão

urbana tanto no 1º Distrito (ex-Penápo-

lis), quanto no 2º distrito da cidade.

Ou seja, a partir de 1909, com a

abertura de quatro ruas (Epaminondas Já-

come, Benjamin Constant, Marechal Deo-

doro e a atual Getúlio Vargas) começou

um longo e lento processo de ocupação

de lotes urbanos na margem esquerda do

rio Acre até o limite da atual Avenida Cea-

rá. Somadas a essa estreita faixa urbana,

entre 1909 e 1913, foram abertas três

colônias agrícolas . Trata-se das primei-

ras colônias fundadas logo após a criação

do território: em 1908 a Colônia Gabino

Besouro; em 1912 a Colônia Deocleciano

de Souza; e em 1913 a Colônia Cunha

Vasconcelos. Vale ressaltar que nenhu-

mas das três receberam orientação téc-

nica, ou subsídios para desenvolvimento,

como foi disponibilizado às colônias im-

plementadas a partir da década de 40.

Por outro lado, a área urbana da

margem direita do rio Acre (2º Distrito)

não tinha como se expandir espacialmen-

te, devido à presença de muitos terrenos

baixos, alagadiços e de áreas particulares

ocupadas por pastos. Ao mesmo tempo

em que desfrutava de grande prospe-

ridade econômica devido à pujança da

economia da borracha e a vitalidade do

comércio, dominado por portugueses, es-

panhóis e sírio-libaneses, pelo menos até

que a grave crise da borracha lançasse

Rio Branco e o Acre em um difícil período

de estagnação econômica e social.

Só no final da 1ª Fase deste perí-

odo, entre 1927 e 1930, a cidade de Rio

Branco conheceria uma época de grandes

mudanças urbanas com o Governo Hugo

Carneiro. Esse paraense implementou um

programa de construção de grandes pré-

dios de alvenaria que mudou a paisagem

da cidade. Sob o signo da modernização

foram erguidos o Mercado Municipal na

margem do rio, o Palácio Rio Branco, o

Quartel da Polícia, a Penitenciária (atual

prefeitura municipal) e o Stadium do Rio

Branco, no limite da cidade, que acabava

na atual Avenida Ceará.

A partir de 1930, a organização

espacial de Rio Branco permaneceria, ba-

sicamente a mesma, por toda a década,

restringindo-se a um relativo adensamen-

to da área urbana já ocupada. Apesar de

ser possível registrar um lento crescimen-

to da área de influencia da cidade sobre

as terras do antigo Seringal Empreza que

não havia sido desapropriadas em 1909,

e que limitavam a expansão da cidade

para além da atual Avenida Ceará. Um

crescimento que se dava sob a forma de

arrendamento dessas terras para ex-se-

ringueiros desencantados com a crise, e

que queriam tentar a sorte como agricul-

tores.

Este período marcou fisicamente a

paisagem cultural central de Rio Branco,

através dos diversos bens patrimoniais

materiais que retratam a história do cen-

tro político da capital, a história social

e cultural da população rio-branquense

sendo, portanto, detentora das mais im-

portantes edificações históricas (patrimô-

nios) construídas na capital desde a sua

fundação. Destacaremos alguns desses

patrimônios a seguir.

26 / ZEAS 27 / ZEAS

zeasfinal.indd 26-27 3/9/2010 11:46:49

Page 15: A História de Rio Branco através de seus varadouros

Rio Branco tem passado por uma

profunda transformação ideológi-

ca desde 1999, que se reflete, de

maneira muito clara, tanto nos espaços

mais tradicionais que vem sendo revistos,

como nos novos, que trazem uma nova

forma de modernização e compreensão

da cidade.

Os patrimônios construídos no se-

gundo período da evolução urbana de Rio

Branco recebem novos nomes, usos e sig-

nificados, reconstroem ou reafirmam as

identidades culturais dos sujeitos acrea-

nos, acompanhando gradativamente to-

das as transformações perpassadas por

essa cidade e sua população, ao longo

dos cinco períodos de sua formação.

Por isso, esse tópico mostrará os

“novos-velhos” espaços e objetos (patri-

mônios), que agora também se tornaram

espaços turísticos, com novas abordagens

sociais, culturais, econômicas e políticas.

Estes espaços, hoje, estão contidos den-

tro do que conhecemos como as novas

vias estruturantes de Rio Branco.

3.2.1 - O CENTRO URBANO E SEUS BENS PATRIMONIAIS.

28 / ZEAS 29 / ZEAS

zeasfinal.indd 28-29 3/9/2010 11:46:49

Page 16: A História de Rio Branco através de seus varadouros

Sua construção iniciou na década de

30, conhecida, então, pelo nome

de Praça Rodrigues Alves. Esta foi

construída pela iniciativa dos ex-guardas

territoriais, e recebeu esse nome em ho-

menagem ao então presidente do Brasil,

José Rodrigues Alves, que em 1903 com-

prou as terras acreanas pertencentes à

Bolívia, tornando-as Território brasileiro.

O espaço físico onde está localizada foi,

no passado, uma área de capoeira “bai-

xa”, onde os guardas territoriais faziam

seus treinamentos de combate. Segundo

informações, quem fez o seu traçado e a

sua planta foi um engenheiro argentino,

que se encontrava em Rio Branco, como

refugiado. Esta praça, ao longo de déca-

das, teve agregada ao seu espaço físico

símbolos que retratavam a história da re-

volução

Na década de 60, para compor o

cenário desta praça, foi erguida a está-

tua de Plácido de Castro, em homenagem

a um dos heróis da Revolução Acreana,

o que contribuiu para a popularização do

nome do herói, e despertou, nos sujeitos

acreanos, o sentimento de pertencimento

e apropriação deste espaço.

Desprovida de arborização, por se

tratar, inicialmente, de um campo de ca-

poeira, ainda na década de 60, esta foi

arborizada por belos jardins.

Sua arborização foi efetuada por

um paraibano chamado Manoel Alves Ca-

valcante de Albuquerque, que estava na

capital para difundir técnicas agrícolas.

Nesta ocasião, ornamentou-a e construiu

a paisagem cultural desta praça, ficando

responsável pelos serviços de jardinagem

por mais de 20 anos no estado, criando

- em cada praça construída neste período

- uma identidade visual que refletia a pró-

pria identidade local.

As paisagens que este sujeito cons-

truía nas várias praças, inclusive nesta,

obedecia ao estilo francês e alemão. Por

3.2.1.1 - PRAÇA DA REVOLUÇÃO - O PASSEIO LÚDICO AO CONHECIDO E A IMAGEM DESCONSTRUÍDA.

30 / ZEAS 31 / ZEAS

zeasfinal.indd 30-31 3/9/2010 11:46:50

Page 17: A História de Rio Branco através de seus varadouros

toda a diversidade de espécies que se uti-

lizava na ornamentação das praças acrea-

nas, estas acabaram tornando-se um dos

principais cartões postais da cidade.

Na década de 70, por autorização

do Governador Francisco Wanderlei Dan-

tas, esta praça agregou à sua paisagem

mais um objeto (patrimônio), a fonte lu-

minosa (da década de 40), presenteada

pelo então governador, Guiomard Santos,

ao II Bispo do Acre e Purus, Dom Júlio

Maria Mattioli. Ela, antes, encontrava-se

na Praça Eurico Gaspar Dutra, em frente

ao Palácio Rio Branco.

Mas, como toda paisagem cultural

está sempre propensa a ser descaracte-

rizada, em função do próprio processo

de urbanização, esta praça não ficou a

parte deste. Na década de 90, esta já se

apresentava totalmente descaracteriza-

da, tanto pela não conservação por parte

dos freqüentadores, quanto pela ausên-

cia de políticas públicas voltada para a

preservação do espaço. Ainda na mesma

década, iniciou-se um processo de revi-

talização, que fazia parte de intervenções

implementadas e destinadas a quase to-

dos os bens patrimoniais contidos no es-

paço central da capital acreana.

No ano de 2005, essa praça pas-

sou pelo último processo de transforma-

ção de que se tem registro. Este processo

tinha a intenção de limpar visualmente

a imagem dessa paisagem cultural, que

se encontrava extremamente poluída, e

torná-la cartão postal e ponto turístico da

cidade, como era em tempos de outrora.

Neste processo, foram retirados os vários

trailers de lanche, as barracas de alimen-

tação, os jardins foram revitalizados, os

objetos destruídos foram substituídos e a

iluminação refeita.

Nesta reforma, a paisagem foi pro-

fundamente afetada, conservando apenas

alguns aspectos da praça original. A nova

praça surgida, também recebeu nova no-

menclatura, passando a se chamar “Pra-

ça da Revolução,” aludindo à questão das

terras acreanas ocorrida entre Brasil e

Bolívia, encerrada em de 17 de Novembro

de 1903, com a assinatura do Tratado de

Petrópolis.

É inegável a necessidade de re-

estruturação que esta praça necessitou

passar no ano de 2005, porém a sua mo-

dificação afetou não só a sua paisagem

cultural, mas minou as relações culturais

e identitárias construídas e desenvolvidas

ao longo de décadas. Desde então, os su-

jeitos acreanos parecem não mais se re-

lacionar culturalmente e socialmente com

esta, como nos anos de sua construção.

Parecem ter quebrado os laços lúdicos

que os unia.

Signatária de uma rica história, a

PMAC teve seus pilares iniciados

em 25 de maio de 1916, quando

o Governo Federal criou as Companhias

Regionais que, mais tarde, foram subs-

tituídas pela Força Policial do Território

Federal do Acre. Na década de 30, essa

unidade dá lugar à Polícia Militar do Ter-

ritório Federal do Acre, denominação que

perdurou até a década de 40, quando foi

criada a Guarda Territorial do Acre. Com

a promulgação da primeira constituição

acreana. Na década de 60, o nome da mi-

lícia acreana passa a ser Polícia Militar do

Estado do Acre.

O prédio da PMAC é um dos patri-

mônios mais antigos do Acre, que sempre

serviu a população com a mesma função.

Atualmente, neste prédio, que já foi a

sede da extinta Guarda Territorial, fun-

ciona a sede do Quartel da Polícia Militar,

com a parte administrativa e burocrática,

além do alto comando da instituição. A

Polícia Militar do Estado do Acre (PMAC)

tem, como missão fundamental, o policia-

mento ostensivo e a preservação da or-

dem pública no Estado. Este patrimônio

quase não sofreu modificações.

3.2.1.2 - QUARTEL DA POLICIA MILITAR - UM SÍMBOLO DE ORDEM E SEGURANÇA DE UM ESTADO.

32 / ZEAS 33 / ZEAS

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Page 18: A História de Rio Branco através de seus varadouros

O prédio que funciona, atualmen-

te, como sede da prefeitura Mu-

nicipal de Rio Branco, apesar do

estado de degradação e abandono que

sofreu nos últimos anos, possui uma his-

tória rica para o patrimônio histórico e ar-

quitetônico de nossa cidade.

Construído no final dos anos 20,

pelo então governador, Hugo Carnei-

ro, esse prédio foi erguido, inicialmente,

para abrigar a Penitenciária Ministro Vi-

cente Ráo, por ocupar estrategicamente o

terreno ao lado do Quartel da Companhia

Regional (atual Polícia Militar do Estado

do Acre). Com o crescimento da cidade,

tanto o Quartel quanto a Penitenciária

foram completamente envolvidos por re-

sidências, repartições públicas e lojas, o

que começou a causar inúmeros proble-

mas no centro urbano da recém capital

em processo de expansão. Esses proble-

mas fizeram com que, no final da década

de 40, a Penitenciária fosse desativada e

deslocada desta paisagem cultural.

Ainda na década de 40, esse pré-

dio foi remodelado pelo então governa-

dor, Guiomard Santos (comprometendo a

fachada original, que seguia o estilo Art

Decô, presente em outras construções do

mesmo período) para atender a uma nova

função. Pouco tempo depois, era inaugu-

rado o Hotel Chuí, que se tornou uma re-

ferência para todos os que viajavam para

o Acre, a trabalho ou a passeio. Porém,

nos anos 70, quando o Acre estava com

intermináveis tensões sociais devido aos

embates com empresários oriundos do

centro-sul, o Hotel Chuí passou a ser fre-

qüentado pelos fazendeiros e seus jagun-

ços, tornando-o uma referência negativa

para a cidade.

Na década de 80, este passou no-

vamente por uma reforma, tornando-se

sede da Prefeitura Municipal de Rio Bran-

co, aumentando ainda mais a descarac-

terização do prédio. Por outro lado, essa

nova mudança melhorou a relação que a

sociedade acreana tinha com o mesmo,

uma vez que ele passou a ser público, e a

estar a serviço de todos os rio-branquen-

ses.

Nos dias de hoje, a imagem da

Prefeitura Municipal de Rio Branco é in-

dissociável do prédio situado em frente à

principal praça da cidade (Praça da Re-

volução) conhecida ainda hoje por Praça

Plácido de Castro.

3.2.1.3 - PREFEITURA MUNICIPAL DE RIO BRANCO - AS VÁRIAS FACES DE UM PASSADO - AINDA PRESENTE EM UM PATRIMÔNIO.

34 / ZEAS 35 / ZEAS

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Page 19: A História de Rio Branco através de seus varadouros

Levando em consideração o concei-

to de paisagem cultural, é inegável

a transformação que essas novas

tendências e influências contemporâne-

as, em conjunto com as ações desenvol-

vidas pela gestão pública, refletem sobre

os bens patrimoniais e as paisagens cul-

turais das cidades em desenvolvimen-

to, como Rio Branco, e como o modo de

apreensão dos sujeitos envoltos a estes

bens se ressignificam e criam imagens

identitárias conflitantes em um mesmo

espaço. O Palácio Rio Branco, parece ser

um dos bens patrimoniais afetados por

essas novas tendências paisagísticas da

contemporaneidade.

Analisar a trajetória política, a re-

levância social e a relação identitária que

este patrimônio possui sob vários olhares

subjetivos dos atores sociais, mostrar-

nos-ão os vários significados que este ob-

jeto (patrimônio) possui.

Este patrimônio possuiu, ao lon-

go de sua trajetória, duas edificações. A

primeira foi construída em 1908, no alto

da Praça Tavares Lyra, erguido para ser

a Sede da Prefeitura Departamental do

Alto Acre. O palácio era um grande e belo

casarão de madeira, onde se instalavam

os Prefeitos Departamentais, nomeados

entre políticos e militares de qualquer ou-

tra parte do Brasil, menos do Acre, que

comandavam os destinos da sociedade

acreana (1911 e 1913).

Quando o político paraense Hugo

Carneiro foi indicado para exercer o car-

go de governador do Acre, a cidade de

Rio Branco tinha uma caracterização ur-

bana completamente diferente da que se

apresenta nos dias atuais. As casas e os

prédios públicos eram todos construídos

em madeira. As edificações em alvenaria

eram muito raras, pois exigiam um custo

muito alto para serem construídas, visto

que havia uma enorme carência de mão

de obra especializada, materiais e equi-

3.2.1.4 - O PALÁCIO RIO BRANCO.

36 / ZEAS 37 / ZEAS

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Page 20: A História de Rio Branco através de seus varadouros

pamentos necessários em função das difi-

culdades dos transportes e isolamento do

Território em relação aos centros do país.

A partir da década de 20, Hugo Carnei-

ro propõe, como uma das metas do seu

governo, o rompimento do então vigen-

te processo rotineiro das construções em

madeira, as quais ele caracterizava de

“má aparência e pouca duração”. Para ini-

ciar esse novo ciclo de urbanização terri-

torial da capital de Rio Branco. Encomen-

dou, então, o projeto de um palácio que

dignificasse o exercício do governo do

Território. Até porque o casarão de ma-

deira, utilizado como sede do governo, já

começava a apresentar sinais de avança-

da deterioração. Ainda na década de 20,

iniciou-se a construção do novo Palácio.

A nova edificação foi projetada e constru-

ída por um arquiteto de origem alemã. De

estilo Eclético, com influências do movi-

mento Art Decô, seu desenho foi inspira-

do na arquitetura grega, seguindo o estilo

grave e majestoso da ordem jônica, ten-

do, em sua fachada, quatro imponentes

colunas terminadas em capitéis de fino

traçado. Embora não concluída, a obra foi

inaugurada em 15 de junho de 1930, po-

rém, sua finalização ocorreu dezoito anos

depois.

Guiomard Santos, além de concluir

a obra do Palácio Rio Branco em 1948,

anexou, a esta paisagem, vários outros

objetos monumentais com símbolos e sig-

nificados importantes para a memória so-

cial, como a Fonte Luminosa, inaugurada

em frente ao Palácio no mesmo ano, que

contou com a sagração do II Bispo do Acre

e Purus, Dom Júlio Maria Mattioli, ocasião

em que estava presente o arcebispo de

Belém, Dom Mário de Miranda Villasboas.

A solenidade da sagração ocorreu na anti-

ga Praça Tavares Lyra, que depois passou

a ser chamada Praça Eurico Dutra. As noi-

tes acreanas passaram a ser mais bonitas

com o jorro multicor da fonte, que passou

a ser a atração da população local e dos

que vinham visitar o novo Estado.

A partir da década de 70, o períme-

tro territorial que tinha sido destinado à

sede central do poder da capital acreana,

e que recebeu capital imobiliário massifi-

cado e de arquitetura esplendorosa, co-

meçou a ser transformado e descaracte-

rizado. A Fonte Luminosa, como também

era chamada, foi removida da área cen-

tral do Palácio e alocada na Praça Plácido

de Castro, hoje conhecida como Praça da

Revolução, sendo a praça Eurico Dutra,

parcialmente descaracterizada, e seus

jardins, depedrados.

No ano de 2000, iniciou-se um

novo processo de revitalização do Palá-

cio e seu entorno. O intuito era recuperar

um dos bens patrimoniais mais importan-

tes da história e da cidade acreana, bem

como torná-lo um espaço aberto à visi-

tação pública, já que este sempre esteve

de portas fechadas à população acreana.

Em 2002, em comemoração cívica ao 40º

aniversário do Estado, após um minu-

cioso processo de revitalização, o então

governador Jorge Viana (re) inaugurou o

Palácio Rio Branco, onde esta paisagem

recebeu, inclusive, um antigo objeto dela

há muito tempo retirado, a Fonte Lumino-

sa, que voltou, portanto, ao seu lugar de

origem para compor a paisagem revitali-

zada e remetida ao tempo de outrora.

Recuperado e readequado para novos

usos, o espaço deixou de ser somente um

local que definia e delimitava uma área de

poder central, inalcançável à população,

utilizado apenas para tomadas de resolu-

ções políticas, e foi transformado em Mu-

seu, composto por áreas destinadas a pre-

servar a história e a memória dos índios,

árabes, negros, nordestinos e europeus,

ou seja, os vários sujeitos presentes na

formação do Acre e dos heróis acreanos

enaltecidos na história oficial. O Palácio

Rio Branco tornou-se, portanto, um espa-

ço cultural, público, de acesso democráti-

co, aberto à população acreana.

No intuito de reconstruir a simbo-

logia, e dar a este um objeto um “novo”

significado, se articulou o discurso de for-

talecimento e de “reelaboração” de um

passado disponível à sociedade, por meio

deste bem cultural, objetivando criar em-

patia nos sujeitos que não se reconhecem

como parte deste. O que criou olhares di-

ferenciados para um mesmo objeto. Há

pessoas que afirmam que foi mais uma

tentativa de projetar, no imaginário cole-

tivo, à idéia de continuidade da história e

de suas memórias sociais, mas que ape-

nas serviu para a legitimação do projeto

político que constrói os domínios e institui

os “lugares históricos legítimos”, re-signi-

ficando o que veio antes e estabelecendo

outra memória, como se quisesse apagar

as verdades ocultadas. Como há pessoas,

também, que identificaram o ato como

incentivo ao pertencimento e apropria-

ção da história, e fortalecimento de suas

identidades culturais.

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Page 21: A História de Rio Branco através de seus varadouros

Construído ao lado do Palácio Rio

Branco, este obedece a um inci-

piente planejamento urbano, já

definido em 1908, onde a importância do

poder simbólico parece se sobrepor ao

próprio poder do governo e, até mesmo,

ao poder da justiça. Ou seja, colocar os

dois palácios juntos acabou se tornan-

do um claro sinal de que ali era o lugar

do poder, visto que o governo e a justi-

ça sempre estariam juntos, ainda que em

detrimento da própria população.

O Palácio da Justiça foi inaugura-

do no final da década de 50. Construído

em alvenaria, e sua arquitetura obedecia

ao estilo neoclássico. Nele foi abrigado o

Fórum da Comarca de Rio Branco, com-

preendendo o Tribunal do Júri, cartórios

judiciais, eleitorais e extrajudiciais, todos

sob administração do Tribunal de Justiça

do Rio de Janeiro, então Capital Federal.

Em 15 de junho de 1962, quando o Presi-

dente da República João Goulart assinou,

em Brasília, a Lei n° 4.070, que elevou o

Território do Acre à categoria de Estado,

o sonho da autonomia tornou-se realida-

de para os acreanos. Logo em seguida,

foram realizadas eleições diretas para go-

vernador, senadores, deputados estaduais

e federais. No dia 1° de março de 1963,

tomou posse o primeiro governador cons-

titucional – José Augusto de Araújo – e foi

promulgada a primeira constituição esta-

dual, estruturando os poderes Executivo,

Legislativo e Judiciário.

Assim, o Palácio da Justiça se ins-

talou, solenemente, no dia 15 de junho

de 1963, um ano após a entrada em vigor

da Lei, que criou o Estado do Acre. A ses-

são solene de instalação foi presidida pelo

Excelentíssimo Senhor Desembargador

Paulo Ithamar Teixeira. Dela, participa-

ram os Excelentíssimos Senhores Desem-

bargadores Mário Strano e José Lourenço

Furtado Portugal, sugestivamente deno-

minados de “os fundadores”. Os membros

haviam sido empossados no cargo de de-

sembargador do Tribunal de Justiça pelo

então Governador, José Augusto de Araú-

jo, em solenidade realizada no Palácio Rio

Branco, no dia 18 de março de 1963.

O “Colégio dos Cinco”, como fica-

ram conhecidos os cinco primeiros de-

sembargadores do Tribunal de Justiça, só

se completou um pouco mais tarde, com

a posse de José Bento Vieira Ferreira e

Paulo Polly Nepomuceno. No Palácio da

Justiça, os membros do Colegiado, que

tinham as mais variadas origens e pre-

cisavam conviver para formar a unidade,

começaram o trabalho desafiador de es-

truturação do Poder Judiciário no Estado

do Acre.

De inquestionável importância

histórica e cultural para a cidade de Rio

Branco e região, o prédio do Palácio da

Justiça, tombado como Patrimônio His-

tórico e Cultural do Estado do Acre, no

ano de 2002 (Decreto Governamental n°

6.289, de 10.10.2002), abrigou, durante

quase 40 anos, o Tribunal de Justiça do

Estado, este mantém até os dias atuais

sua arquitetura originail.

3.2.1.5 - O PALÁCIO DA JUSTIÇA.

40 / ZEAS 41 / ZEAS

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Page 22: A História de Rio Branco através de seus varadouros

Construída no final da década de 40,

a Catedral teve seu projeto arqui-

tetônico efetuado por dois autores

italianos. Seguia o estilo romano – basili-

cal – e foi inaugurada no final da década

de 50. O seu interior é composto por três

naves separadas, com 36 vitrais coloridos

na parte superior e 11 na inferior, doados

por famílias acreanas. Nela há um mauso-

léu, protegido com grades de ferro, com

lápide demarcativa em granito, que guar-

da os restos mortais do Bispo Dom Gio-

condo Maria Grotti; a abóbada em arco,

sustentada por 26 colunas, é pintada em

carmesim e branco. Na nave principal,

encontram-se quatro altares, sendo um

com entalhe em madeira e um painel da

Sagrada Eucaristia; a cátedra do Bispo; a

cadeira do sacerdote, entalhada em ma-

deira, com representação do Juízo Final,

formando uma belíssima obra de arte. No

alto, a imagem de Cristo Crucificado, en-

cimando a mesa de celebração. A parte

exterior é formada por frontões, cruz e

adro. Compõe, junto à paisagem da Ca-

tedral, o Palácio do Bispo, construído no

final da década 50.

O Palácio do Governo, o Palácio da

Justiça e o Palácio do Bispo, juntos, com-

põem, em sua representação simbólica,

a tríade do poder. Esse conjunto arquite-

tônico, sem dúvida representou, e ainda

representa, para boa parte dos sujeitos

acreanos, a consolidação do poder terri-

torial.

Inegavelmente, a área central da capi-

tal acreana foi a que mais recebeu inves-

timento em capital imobiliário, mas não

se trata de qualquer investimento. Nes-

ta área se encontram os maiores monu-

mentos históricos até então construídos

paisagem cultural de Rio Branco. Estes

possuem grande valor histórico e reco-

nhecimento na história oficial, o que não

ocorre com os bens contidos nos espaços

não centrais da paisagem cultural da ca-

pital acreana.

3.2.1.6 - CATEDRAL E PALÁCIO DO BISPO.

42 / ZEAS 43 / ZEAS

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Page 23: A História de Rio Branco através de seus varadouros

A construção do Mercado Munici-

pal foi iniciada no início da déca-

da de 20. Sendo inaugurado no

final da mesma década. Esta obra fazia

parte do projeto de urbanização do go-

verno de Hugo Carneiro, acarretando

grandes mudanças na paisagem cultural

rio-branquense, onde as edificações de

madeiras começaram a ser substituídas

por construções de alvenaria. Este objeto

foi considerado o maior símbolo dos no-

vos conceitos de higiene e sanitarização

implantado no território, nesta década, e

sua destinação era a comercialização de

gêneros alimentícios e outros produtos.

Construído em alvenaria, na mar-

gem esquerda do rio Acre, de arquitetu-

ra não definida, o prédio possuía espaço

central circundado por doze amplos com-

partimentos com água, luz e esgoto. Nos

compartimentos, com entradas externas,

instalaram-se açougue, farmácia, barbea-

ria, alfaiataria, loja de miudezas, bazar de

rendas, bar, tabacaria, tradicionais pen-

sões, casa de pesca e relojoaria. Na parte

interna do prédio, nos “espaços reserva-

dos para o funcionamento dos açougues,

as paredes foram revestidas com azulejo

branco alemão, cada Box era provido de

pia com torneira de bronze, e toda a en-

canação era feita com canos zincado.

Este mercado passou por comple-

to abandono por décadas, e a sua área

lateral e central foi abruptamente inva-

dida por várias barracas de vendedores

ambulantes, entre outros objetos, o que

tumultuou a área, e encobriu, em grande

parte, a imagem do patrimônio que, após

invadido, becos e caminhos foram feitos

a partir das desalinhadas construções no

entorno do mercado, e ficaram sendo co-

nhecidos como “labirintos” da Praça da

Bandeira.

Em 2006, o Mercado Municipal, hoje ba-

tizado de “Novo Mercado Velho”, foi revi-

talizado e (re) inaugurado, como parte da

programação promovida pelo governo em

comemoração aos 104 anos do início da

Revolução Acreana, símbolo celebrativo

de caráter oficial.

Nasceu, de fato, um novo centro

comercial e ponto turístico na capital,

atraente, alegre, circundado pelas tra-

dições antigas e pelas necessidades da

modernidade. Mas é importante também

perceber que o que é central para este

“novo” tipo de política urbana são os es-

paços estéticos criados e adequados para

o consumo cultural, onde os espaços reais

e imaginários se misturam para moldar as

noções de cidade específica.

Em que pese a tentativa de man-

ter o tradicional, e conciliá-lo com o novo,

esta revitalização acabou por não sobres-

saltar a sua arquitetura antiga, e sim a

iluminação em neon, que ganhou na nova

transformação, em razão da necessidade

de melhorar a iluminação naquela loca-

lidade, ofuscando a sua beleza comunal

que passa quase despercebida pela maio-

ria: o néon e a passarela, em que pese

à necessidade de criar condições seguras

para os pedestres que atravessam o rio

Acre, reduz a beleza do Mercado, e torna,

a si mesma, um atrativo junto às cores

fortes dos imóveis que o rodeiam e trans-

formam o ambiente numa paleta sem sig-

nificado, afetando, assim, na opinião de

alguns sujeitos, o aspecto físico do patri-

mônio e, por conseguinte, alterando a re-

lação identitária com este. Já na opinião

dos demais, a visualização parece ser di-

ferente, e eles admiram não só o resga-

te da obra de outrora, mas também as

novas adequações, afirmando, inclusive,

que estas são, de fato, necessárias.

Houve, sem dúvida, uma alteração

enorme na paisagem, mas uma alteração

que, assim como as outras, expressam

um determinado momento e necessidade

de transformação para beneficio da pró-

pria sociedade acreana, pois além de al-

terar, cria-se, obviamente, uma paisagem

passível de interpretações, críticas, ou de

admirações instantâneas. Esta acaba por

exprimir outras histórias e remontar outro

tempo, sem contar que afeta, significati-

vamente, a memória social de um povo,

que sempre tende a contar sua história

pelo seu patrimônio vivo e estático.

3.2.1.7 - O SURGIMENTO DO “NOVO” MERCADO VELHO.

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Page 24: A História de Rio Branco através de seus varadouros

Construída no final da década de

40, a Maternidade Bárbara Helio-

dora foi uma das primeiras unida-

des de saúde do Acre. O nome do hospital

foi uma homenagem do, então governa-

dor do Acre, Guiomard Santos, à conter-

rânea Bárbara Heliodora Guilhermina da

Silveira, que nasceu em São João Del Rei,

Minas Gerais, em 1759. Primeira poeta

brasileira, Bárbara foi uma mulher que,

em toda a vida, agiu com coragem e fi-

bra, atuando ao lado do marido, Alvaren-

ga Peixoto, na Inconfidência Mineira.

O prédio foi um dos primeiros edi-

fícios públicos construídos em Rio Branco.

Faz parte do terceiro período de forma-

ção do município de Rio Branco, apesar

de que, na época de sua construção, te-

nha sido considerada uma construção de

proporções muito aquém do necessário à

pequena população da recém surgida ca-

pital, três meses após a sua inauguração,

todos os leitos já se encontravam ocupa-

dos.

Seu processo de transformação ini-

ciou no ano de 1999, e foi concluído em

2010. Hoje, esta estrutura compreende

um complexo que possui o Hospital Infan-

til, a Maternidade e a Clínica de Mulheres,

consolidando, assim, o complexo mater-

no-infantil completo na capital acreana.

Este patrimônio se encontra locali-

zado dentro de uma das novas vias estru-

turantes da capital acreana: Via Parque

da Maternidade.

Além de todas as benfeitorias es-

truturais internas, este bem recebeu, em

sua paisagem cultural, duas produções

árticas culturais: na estrutura interna, a

maternidade recebeu um painel na pare-

de do hall de entrada, ilustrado com fotos

antigas da unidade, e os quadros de Cle-

mentino e Demóstenes Veiga, com pintu-

ras do retrato de Bárbara Heliodora: na

área central externa, recebeu uma escul-

tura chamada “Vida”, produzida em bron-

ze, pela artista plástica, Eliana Kertesz.

3.2.1.8 - MATERNIDADE BÁRBARA HELIODORA - A MEMÓRIA DE UMA MULHER CULTA E REVOLUCIONÁRIA.

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Page 25: A História de Rio Branco através de seus varadouros

L ocalizado no antigo limite da cida-

de de Rio Branco, final da Avenida

Ceará, local que indicava a zona de

transição urbana para a rural, da recém

surgida capital acreana, o cacimbão da

Capoeira, como hoje é conhecido, foi por

muito tempo considerado a melhor fonte

de água do município de Rio Branco.

Por muitas décadas serviu de fonte

de abastecimento de água às repartições

públicas e grande parte das famílias rio-

branquenses, além de servir como local

de lazer e entretenimento do Município

de Rio Branco. O cacimbão não serviu

apenas como fonte de abastecimento de

água, mas também como fonte de gera-

ção de renda, visto que vários sujeitos

acreanos e nordestinos sobreviviam da

renda obtida no transporte de água para

o abastecimento das casas da elite acrea-

na.

Em decorrência da importância que

este tinha, no que diz respeito ao abas-

tecimento de água potável para a cida-

de, no ano de 1929, ganhou do então

Governador, Hugo Carneiro, sua primeira

estrutura, que visava ao melhor armaze-

namento, abastecimento de água e segu-

rança, que era feita por um guarda que

tinha, por função, controlar e organizar a

sua utilização.

Este patrimônio passou por um

profundo abandono por décadas, mas em

1999 foi reformado pelo então prefeito,

Jorge Viana. Sua estrutura original foi to-

talmente modificada, permanecendo ativo

e, em funcionamento, até os dias atuais.

Atualmente, este patrimônio cultu-

ral que faz parte da paisagem do bairro

capoeira, na área central da cidade de Rio

Branco, encontra-se totalmente deterio-

rado, porém a sua fonte d’água ainda é

utilizada pelos visitantes e banhistas que,

tradicionalmente, costumam ir para lá.

No entanto, a água encontra-se contami-

nada, e já houve, por parte da população,

uma passeata em protesto ao descaso

pelo qual o poder público vem tratando

este patrimônio.

Apesar de o espaço ter sido tomba-

do como patrimônio do município de Rio

Branco, até a presente data não se tem

registro de nenhuma intervenção no local

pelo órgão responsável. Este patrimônio,

ao que parece, foi o único da área cen-

tral da capital trabalhada nas novas vias

estruturantes e turísticas da cidade, que

ainda não foi contemplado com nenhuma

ação, nem foi destinado a novos usos, ou

readequado a nova necessidade turísti-

ca e de expansão pela qual a cidade vem

sendo transformada, apesar de sua nítida

importância na formação da capital acre-

ana e do reconhecimento que este objeto

tem, não só pelos sujeitos que cotidiana-

mente o utilizam, mas por toda a socieda-

de rio-branquense.

3.2.1.9 - CACIMBÃO DA CAPOEIRA – O FIM, OU O INÍCIO DE UMA CIDADE.

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Page 26: A História de Rio Branco através de seus varadouros

A Segunda Guerra Mundial trouxe,

não só novas esperanças para a

decadente economia extrativista,

como um novo alento para a sociedade

acreana através dos milhares de imigran-

tes nordestinos que voltaram a vir para

o Acre, especialmente a partir de 1942.

Com o início da Batalha da Borracha, os

seringais voltaram a produzir, o comércio

voltou a prosperar, e as cidades acreanas

ficaram muito mais agitadas.

No antigo bairro Quinze, a já falida

Usina de Castanha tornou-se alojamento

dos soldados da borracha em trânsito para

os seringais. Na rua 17 de novembro (ou

Bairro Beirute), onde muitos comercian-

tes sírio-libaneses haviam enriquecido e

se tornado seringalistas, e no Palácio Rio

Branco, os planos governamentais volta-

ram a ser grandiosos.

E, foi sob esse novo panorama, que

o Governador Oscar Passos efetivou, em

1942, a compra das terras remanescen-

tes do antigo Seringal Empreza para a im-

plantação de novas colônias agrícolas no

entorno da cidade. Entretanto, até 1945,

todos os desejos estavam firmemente

direcionados para os seringais, e pouca

atenção e recursos sobravam paras cida-

des acreanas. Por isso, o novo plano de

colonização, organizado pelo Engenheiro

Pimentel Gomes, teve que esperar um

momento mais propício para a sua efetiva

implementação, ficando restrito a apenas

duas colônias instaladas em 1943: São

Francisco e Apolônio Sales, sendo que a

segunda esteve, por alguns anos, aban-

donada.

Só com o fim da Batalha da Bor-

racha e o princípio do Governo Guiomard

Santos, em 1946, teve início a implan-

tação das diversas colônias agrícolas em

terras do antigo Seringal Empreza, num

processo que se estendeu durante toda a

década de 50. Mas não só. Nesse mesmo

período, uma parte das terras do Seringal

Empreza, ao norte da atual avenida Cea-

rá, foi definida como “Zona Ampliada”, e

foi dividida em lotes urbanos para o futuro

crescimento da área urbana da cidade.

Cabe ressaltar que, com isso, o go-

verno do Território Federal do Acre ten-

tava estancar a partida de trabalhadores

com o fim da Batalha da Borracha e o re-

torno à crise do extrativismo. Para tanto,

em diversas colônias agrícolas, foi insta-

lada uma infra-estrutura mínima para dar

suporte aos colonos e às suas famílias,

tais como escolas, núcleos mecanizados

para beneficiamento da produção e pos-

tos de saúde, igrejas, entre outros.

Guiomard Santos foi responsável,

também, por um grande programa de

3.3 - 3º PERÍODO – 1941 / 1970 – COLÔNIAS/BAIRROS UMA CIDADE EM EXPANSÃO.

50 / ZEAS 51 / ZEAS

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Page 27: A História de Rio Branco através de seus varadouros

obras públicas que alterou, mais uma vez,

a paisagem de Rio Branco, bem como de

outras cidades acreanas. O Aeroporto Sal-

gado Filho (Aeroporto Velho), a Materni-

dade Bárbara Heliodora e o colégio Eurico

Dutra, foram algumas das novas constru-

ções de Guiomard Santos, além da con-

clusão das obras do Palácio Rio Branco e

da reforma do prédio da antiga penitenci-

ária, que foi transformada no Hotel Chuí.

A isso tudo se somava, ainda, a implan-

tação de infra-estrutura voltada para a

produção, como a Cerâmica oficial, que

produzia telhas, tijolos e pisos para a

construção civil, a Estação Experimental,

que produzia mudas e repassava técnicas

de cultivo, o Aviário, que produzia e dis-

tribuía aves, suínos e até abelhas para os

colonos.

Com isso, o governo Guiomard

Santos transformou Rio Branco, muito

mais profundamente do que Gabino Be-

souro e Hugo Carneiro haviam consegui-

do anteriormente. Dois outros elementos,

aparentemente menores e secundários,

são simbólicos para esta abordagem da

história da cidade, e provam essa afirma-

ção. Foi na gestão de Guiomard Santos

que foram erguidas a Fonte Luminosa e o

Ipase, o primeiro conjunto residencial da

cidade. Estes dois elementos passaram

a ser marcantes para a história de Rio

Branco, por diferentes motivos. O primei-

ro porque, desde então, povoou a mente

e os corações de todos os rio-branquen-

ses, cujas infâncias, mocidades e velhices

estão repletos do encanto proporciona-

do por suas águas coloridas. Enquanto o

segundo, parece ter dado origem a um

modelo de intervenção urbana pelo poder

público, através da construção de conjun-

tos residenciais que parece ter sido muito

importante a partir desse.

Foi nesse período, portanto, que

Rio Branco alcançou algumas das princi-

pais características que viria a desenvol-

ver em décadas posteriores. Os equipa-

mentos instalados pelo governo territorial

e as colônias agrícolas serviram como

novos pontos de atração e fixação urba-

na. A Cerâmica, o Aviário, a Estação Ex-

perimental, o Aeroporto Velho, a colônia

São Francisco, a Fazenda Sobral, a colô-

nia Apolônio Sales, entre outros, deram

origem a alguns dos atuais bairros da ci-

dade, revelando boa parte dos fluxos e

processos sociais a que a cidade esteve

submetida desde então. Ao mesmo tem-

po, deixam claros os motivos que levaram

o 2º distrito da cidade a, neste período,

finalmente ser superado em importância

pelo 1º distrito, em relação à vida orgâni-

ca da cidade.

Devemos aguardar a realização de

novos estudos, porém, para poder definir

fases que organizem melhor esse tercei-

ro período do urbanismo de Rio Branco, e

sejam capazes de ajudar na compreensão

dos elementos constituintes deste pro-

cesso. Mas, no momento, este período se

dividirá na implantação das colônias agrí-

colas e seus desenvolvimentos para ten-

tarmos analisar e compreender as várias

transformações sofridas nas paisagens

culturais e nos elementos (patrimônios)

que a compõe.

Esse processo foi tão latente na

construção e constituição da mor-

fologia da paisagem cultural rio-

branquense, que grande parte dele per-

manece representada até os dias atuais,

por meio da reafirmação das identidades

culturais locais.

Nove foram o número de colônias

agrícolas oficiais surgidas no territorio do

município de Rio Branco, entre a década

de 40 a 50. O motivo de criação destas,

evidentemente, era primeiro dar conta de

expandir o território da recém surgida ca-

pital acreana e, posteriormente, dar conta

de amortecer o grande êxodo populacio-

nal, que inchou a capital acreana na dé-

cada de 70, ocasionado pelos processos

do quarto período de formação da cidade

de Rio Branco.

A separação do lugar, antes conhe-

cido como seringal, obrigou a todos os

campesinos, seringueiros, ribeirinhos e

tantos outros homens do campo, de cul-

turas tão tradicionais, a adaptarem-se no

recém centro urbano, apresentados a es-

tes sujeitos, inicialmente, sob a forma de

colônias e, posteriormente, na forma de

invasões e bairros, pois estas ditaram os

cursos, mesmo que desordenadamente,

da expansão territorial deste período.

Diante das performances que estes dra-

mas sociais ocasionaram diretamente

à vida desses sujeitos, não havia muito

que se fazer, a não ser no primeiro ins-

tante, repensar o olhar para o novo lugar

(cidade). De fato, repensar o olhar para

esse novo lugar, e encontrar nele a se-

melhança que precisavam para continuar

amalgamando sua essência de ser e suas

identidades culturais, fez com que esses

sujeitos transformassem essa parte da

paisagem cultural rio-branquense em seu

novo lar, ocasionando, assim, a transição

de zona rural à urbana, em um processo

de regresso à origem, ou de resistência,

por meio da memória social, do que res-

tou de suas identidades locais e do antigo

seringal.

As extintas Colônias Agrícolas Avi-

ário, Estação Experimental, Cecília Pa-

rente, Dias Martins, Fazenda Sobral, São

Francisco, Apolônio Sales, Custódio Frei-

re, Juarez Távora, Mâncio Lima e Cruz

Milagrosa, são a representação máxima

desta história, que ainda mantém traços

fortes nas suas paisagens culturais, mes-

mo depois de transformadas em bairros,

mantendo ainda hoje, nos seus territó-

rios, a contradição essencial à existência

de cada uma delas, na forma de colônia/

bairros e, por que não dizer, na contradi-

ção essencial chamada seringal.

É importante ressaltar que algumas des-

sas colônias ainda hoje permanecem no

ritual de transição de zona rural para zona

urbana, não tendo ainda se transforma-

3.3.1 A RUPTURA COM O LUGAR FAMILIAR (O SERINGAL) E O INÍCIO DO RITO DE TRANSIÇÃO PARA

O LUGAR DESCONHECIDO (CIDADE).

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Page 28: A História de Rio Branco através de seus varadouros

do e diluído, por completo, na urbanidade

como as demais. Não serão abordadas to-

das estas extintas colônias, mas a paisa-

gem e os bens patrimoniais de algumas

dessas, a fim de conduzir, por meio da

viagem, as transformações mais impor-

tantes que algumas destas ex-colônias,

hoje antigos e novos bairros, influencia-

ram na paisagem cultural rio-branquen-

se, assim como os reflexos positivos sur-

gidos e constituintes na nossa paisagem

cultural.

Para implementar e desenvolver a

funcionalidade das várias colônias agrí-

colas surgidas na paisagem cultural da

capital acreana, foi essencial a estrutu-

ração inicial de algumas dessas colônias,

que foram divididas por funções específi-

cas. Inicialmente, existiam três tipos de

colônias agrícolas: 1) colônias que eram

destinadas ao amortecimento da popula-

ção migrada do campo para o território

urbano, voltadas apenas para expansão

territorial da recém surgida capital, com a

finalidade de povoar o território; 2) as co-

lônias destinadas a fomentar e subsidiar

o desenvolvimento das demais colônias,

por meios de insumos para plantio, ma-

trizes animais e implementação de técni-

cas agrícolas; 3) as colônias destinadas

a beneficiar o desenvolvimento agrícola e

escoar a produção no mercado local.

Duas dessas colônias, as denomi-

nadas São Francisco e Apolônio Sales,

iniciaram o processo de desenvolvimento

das colônias agrícolas implementadas e

voltadas para expandir o território do mu-

nicípio, ambas com a função de ampliar o

tecido urbano de Rio Branco. Porém, elas

precisavam de incentivos para o desen-

volvimento econômico e, para manter em

suas paisagens, as populações ali aloca-

das.

As colônias criadas no Governo

de Guiomard Santos, na década de 40,

tinham essas funções específicas que as

demais colônias necessitavam para se

desenvolverem. A primeira servia como

criadouro de pequenos animais (aves,

suínos, abelhas) e fornecimento de ma-

trizes aos produtores rurais das demais

colônias, conhecida como Colônia Agríco-

la Aviário; a segunda servia para a produ-

ção de mudas de diferentes espécies ve-

getais e fornecimento de insumos para os

produtores rurais, implementação de téc-

nicas agrícolas, conhecida como Colônia

Agrícola Estação Experimental, que apre-

sentava, em seu movimento sociocultu-

ral, particularidades contidas até os dias

atuais na paisagem rio-branquense; e a

terceira, a Colônia Dias Martins, que era

voltada para a mecanização das produ-

ções agrícolas e abastecimento do mer-

cado local. Detalharemos, também, as

transformações das colônias São Francis-

co e Dias Martins, tanto por suas funções,

como por ambas ainda se encontrarem,

nos dias atuais, em processo de transição

de zona rural para zona urbana.

A Estação Experimental foi criada no

mesmo contexto das colônias agrí-

colas da década de 40, ou seja, vol-

tada para o fomento do desenvolvimento

das demais colônias quanto a insumos,

beneficiamento e escoamento das produ-

ções, e disponibilização de treinamentos

direcionados às técnicas agrícolas.

A verdade é que esta se constituiu

numa verdadeira vila, independente, qua-

se uma pequena nova cidade, que criou

seu próprio centro comercial, tornou-se

independente, e teve um processo de ur-

banização bem particular quando compa-

rado ao desenvolvimento das demais. Em

suma, detentora de características bem

efervescentes na área econômica, sócio-

cultural e política, tornou-se uma enorme

fonte de análise.

Além de a Estação Experimental se

transformar em uma sub-cidade, ou uma

vila (no dizer local), durante muito tem-

po esteve fora da área central da cidade,

porém guardou, em si, respostas para as

diversas questões relevantes quanto ao

processo de urbanização da capital acrea-

na. A existência, por exemplo, de enormes

“vazios urbanos” em Rio Branco, explica-

se a partir da análise do desenvolvimento

da Estação Experimental, enquanto uma

cidade a parte de um todo, representada

por sua auto-suficiência e transformação

em vila, ao ponto de não necessitar, por

um longo período, do restante da capital

acreana para se manter. Esta pode, as-

sim, expandir-se mais socialmente, cultu-

ralmente, mas, principalmente, economi-

camente.

Talvez seja importante ressaltar que este

isolamento não foi de todo intencional,

pois pode ter sido provocado, inclusive,

pelos sujeitos atuantes na sua paisagem

cultural, a fim de mantê-la, enquanto

condição de uma cidade dentro de outra

cidade, ou a parte desta, como forma de

manutenção de poder econômico e con-

trole social dos sujeitos lá localizados. O

isolamento, agregado às performances

dos sujeitos diante dos dramas sociais

sofridos naquele contexto histórico que

a construíram, foi o fator diferencial que

fez com que esta se destacasse diante

do desenvolvimento das demais colônias

agrícolas, além de possuir características

próprias de desenvolvimento direciona-

das pelo governo na sua criação.

Quase todos os patrimônios construídos

na paisagem cultural da Estação Experi-

mental permaneceram vivos durante o

seu processo de transição de zona rural

(colônia) para condição de bairro, que

muito tempo depois se integrou ao res-

tante da paisagem cultural da cidade.

Destacaremos alguns dos objetos que os

sujeitos que compõem esta paisagem cul-

tural julgam importantes, quanto ao de-

senvolvimento e construção da história

desse bairro.

3.3.2 - A COLÔNIA AGRÍCOLA ESTAÇÃO EXPERIMENTAL - NOVAS EXPERIÊNCIAS, MUITAS ESPERANÇAS.

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Page 29: A História de Rio Branco através de seus varadouros

Antiga sede da Colônia Agrícola,

hoje conhecida como FUNBESA,

foi construída na década de 40,

pelo então governador, Guiomard Santos.

Tinha a função de desenvolver técnicas

agrícolas e suprimentos destinados ao

desenvolvimento e fomento das demais

colônias agrícolas. Em período posterior

(2008), passou a funcionar como centro

de assistência ao menor carente, traba-

lhando com o desenvolvimento de arte-

fatos em cerâmica. Sua reativação fez

parte de um projeto de assistência social

destinado a socializar meninos de rua a

3.3.2.1 - FUNBESA

fim de que os mesmos possam desenvol-

ver as habilidades por meio do ofício de

artesão, ofício muito antigo e tradicional

nas práticas culturais acreanas.

É imprescindível ressaltar que mes-

mo após ter permanecido muito tempo

desativado, este patrimônio é de suma re-

levância social e cultural para esta paisa-

gem, tanto que foi reativado para prestar

serviços aos moradores locais, pintando e

colorindo os lares acreanos, gerando ren-

da e fortalecendo suas práticas culturais e

sociais.

56

56 / ZEAS 57 / ZEAS

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Page 30: A História de Rio Branco através de seus varadouros

Construída no final da década de 50,

este patrimônio assumiu diversas

funções voltadas ao desenvolvi-

mento econômico agrícola, assumindo, ao

longo das décadas, várias denominações,

mas sempre com a função de fomentar

a produção agrícola. Na década de 50,

chamava-se ACAR-ACRE, Associação de

Crédito e Assistência Rural, que tinha o

objetivo de fomentar a produção agríco-

la do estado. Na década de 70, o então

governador, Geraldo Gurgel Mesquita,

transformou a ACAR na Emater, que era

subordinada à antiga DAS - Secretária

de Desenvolvimento Agrícola. Na déca-

da de 90, este objeto passou por outra

modificação, e o então governador, Jorge

Viana, efetuou a junção da antiga CAGE-

ACRE e EMATER, e criou uma nova secre-

taria chamada SEATER-GP e, no mesmo

governo, criou uma nova secretaria com

o objetivo, exclusivamente voltado, para

a produção familiar, denominada SEPROF.

Entretanto, no atual governo de Arnóbio

Marques, ocorre a unificação das secre-

tarias SEATER E SEPROF, sob uma única

sigla “SEAPROF”.

A antiga ACAR-ACRE, hoje conhe-

cida como SEAPROF, é outro objeto de

grande importância na transformação

desta paisagem cultural. Funcionou como

a grande sede onde se adquiria os sub-

sídios e insumos para a manutenção das

práticas rurais e agrícolas tão costumeiras

de se ver na identidade cultural acreana,

para fazer plantio em colônias ou fazen-

das, ou uma pequena horta no fundo do

quintal da pequena casa que, ainda hoje,

pode ser de palha, madeira ou alvenaria,

dependendo de onde esta se localizar.

Apesar de a SEAPROF ter sido

transformada em um órgão público, hoje

localizado dentro da sua colônia de ori-

gem, cumpre - até os dias atuais - algu-

mas das funções da antiga Colônia agrí-

cola Estação Experimental, visto que o

governo continua, por meio desta institui-

ção pública, fomentando e desenvolvendo

as atividades agrícolas no Estado.

3.3.2.2 - ACAR ACRE – SEAPROF

58 / ZEAS 59 / ZEAS

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Page 31: A História de Rio Branco através de seus varadouros

Hoje, ir a Estação não é mais ne-

nhuma longa viagem, como antes.

Além disso, ela não se encontra

mais na condição de uma “vila” ou “sub-

cidade”, a parte do todo acreano. Esta

permaneceu um centro comercial como o

era antes, mas não à parte da paisagem

cultural acreana, e sim em harmonia com

esta.

O bairro Estação Experimental é

quase o centro da cidade, no sentido mais

literal da palavra. É repleta de várias re-

partições públicas, casas bancárias, gran-

des supermercados, delegacias, farmá-

cias, e tantos outros comércios que foram

instalados no seu território. Analisar to-

dos esses objetos e as transformações

que estes provocaram, e ainda provocam

na paisagem cultural de Rio Branco, de-

monstra-nos a importância desta paisa-

gem na vida cotidiana dos sujeitos acrea-

nos.

É quase imperceptível, para quem

não conhece a sua história, localizar o an-

tigo e o moderno, no verdadeiro mosaico

cultural que se transformou a Estação Ex-

perimental, e como estes objetos sobre-

viveram ao tempo.

3.3.2.3 - O BAIRRO ESTAÇÃO EXPERIMENTAL

A Colônia Agrícola São Francisco foi

a primeira a ser implementada

em Rio Branco, na década de 40,

no governo de Guiomard Santos. Serviu

como modelo para implantação de diver-

sas outras colônias a partir de 1946. Sua

função inicial era amortecer a migração

da área rural para o território da recém

instalada capital do Estado e desenvolver

a área para fixar a população no territó-

rio

Esta carregou títulos como o de

melhor desenvolvimento econômico, tor-

nando-se, inclusive, um núcleo mecani-

zado posterior à sua implantação. Além

disso, foi possuidora da maior população

demográfica de todas as colônias implan-

tadas, e se tornou um modelo padrão

de ocupação do território rio-branquen-

se, por ocupar grande espaço do entor-

no da cidade, e deixar marcas profundas

na paisagem cultural de Rio Branco, uma

vez que significou uma considerável am-

pliação no tecido urbano da cidade que,

em poucos anos, transformou-se em um

grande complexo de bairros.

O São Francisco mantém vivo – em

si – processos que os desconhecedores

de sua história jamais compreenderão os

significados, como, por exemplo, a per-

manência da relação dos sujeitos com a

terra, a manutenção permanente dos an-

tigos ofícios originados naquele núcleo,

como o plantio e a produção agrícola, que

parecem destoar em plena contempora-

neidade, quando desenvolvido em plena

área urbana da capital, na atualidade. As

famosas hortas, existentes nesta locali-

dade, ainda nos dias atuais, servem de

rendas de arrimos para a manutenção de

diversas famílias. Hoje, já não são mais

feitas em grande escala como na época

da, então, colônia agrícola. Seu cultivo

dar-se-á no fundo dos quintais das casas

dos moradores, assim como a pesca, e as

brincadeiras lúdicas e tradicionais no iga-

rapé. Esta última é bem peculiar quando

se trata, não do São Francisco, “colônia”,

ou, “bairro”, mas do São Francisco Igara-

pé, entre outros objetos e práticas conti-

das neste espaço.

Como todo lugar guarda em si os

objetos (patrimônios) que retratam e con-

tam a sua história por meio das relações

sociais, culturais, econômicas e políticas

mantidas no seu território, analisaremos

alguns dos patrimônios materiais que os

sujeitos contidos neste território julgaram

importantes para sua transformação, res-

saltando que o patrimônio material e in-

material estão sempre associados

3.3.3 - A COLÔNIA SÃO FRANCISCO – A INTERLIGAÇÃO DE UM NÚCLEO, O PROCESSO DE EXPANSÃO E O

DESENVOLVIMENTO AGRÍCOLA.

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Page 32: A História de Rio Branco através de seus varadouros

Este objeto marcou definitivamente

a vida desta colônia e dos sujeitos

atuantes na mesma, bem como a

própria expansão do território da capi-

tal, visto que devido ao seu isolamento

do restante da capital, esta colônia agrí-

cola não conseguia desenvolver e expan-

dir economicamente, assemelhando-se a

uma vila bem distante e ilhada no meio

do nada, em função da impossibilidade

de locomoção e interligação existente no

centro administrativo da capital.

A Ponte do São Francisco foi cons-

truída, em ritmo acelerado, pelo então

governador, Guiomard Santos, a fim de

interligar a colônia agrícola São Francis-

co com o centro administrativo da capi-

tal. Sua construção foi iniciada em 03 de

agosto de 1947 e concluída em 25 de se-

tembro do mesmo ano, sendo construída,

portanto, em 43 dias. A intenção era in-

terligar, por meio desta nova veia territo-

rial (via estruturante), não só o São Fran-

cisco, mas as várias colônias importantes

que se achavam localizadas para além

do Igarapé São Francisco, e que ficavam

impedidas de se desenvolverem econo-

micamente e socialmente (“Juarez Távo-

ra”, “Apolônio Sales”, “Custódio Freire”,

“Mâncio Lima”, “Aquiles Peret”), cujo flu-

xo populacional das mesmas, juntamente

com os dos seringais (ainda existentes),

correspondiam a um movimento diário de

500 pessoas.

A construção da Ponte São Fran-

cisco permitiu o escoamento, a comer-

cialização e a comunicação com o centro

administrativo da capital acreana. Os an-

tigos moradores destas localidades, prin-

cipalmente os moradores do bairro São

Francisco, reconhecem este objeto como

um dos mais importantes da localidade,

considerando-o como marco legal de de-

senvolvimento social, econômico e cultu-

ral nesta paisagem cultural.

3.3.3.1 - PONTE SÃO FRANCISCO

Construída na década de 40, com

estrutura em alvenaria, fazia par-

te da nova identidade arquitetô-

nica surgida no processo de urbanização

de Rio Branco, implementada pelo então

Governador, Guiomard Santos. Com esti-

lo arquitetônico colonial, esta era um lu-

gar de devoção para os sujeitos isolados

naquela localidade. Sua construção signi-

ficou muito mais que uma simples ação

de investimento na urbanização territorial

por parte do governo, pois foi fruto dire-

to de esforços conjuntos entre o Depar-

tamento de Produção e os colonos insta-

lados na colônia Agrícola São Francisco.

Na solenidade de inauguração estavam

presentes, para testemunhar esta comu-

nhão, não só a então sociedade civil, re-

presentada em massa pelos colonos lo-

cais, mas inúmeras autoridades políticas.

Sua primeira missa oficial foi conduzida

pelo Padre Tiago Matiolli.

3.3.3.2 - A CAPELA SÃO FRANCISCO

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Page 33: A História de Rio Branco através de seus varadouros

Em Rio Branco, os igarapés, antes

de sua degradação (e, muitas ve-

zes, depois), são espaços lúdicos

que marcam profundamente a formação

das novas gerações de acreanos, ou seja,

dos novos cidadãos, em relação com o

espaço circundante. Assim, interessa-nos

ressaltar a pescaria, o lazer dos meninos

e meninas nos repiquetes que enchem es-

ses igarapés todo “inverno”, transforman-

do-o em um enorme rio, onde a diversão

é saltar e competir para quem chega mais

longe durante o mergulho, em suma, o

universo cultural que cerca esses cursos

d’água e que não podem ser considerados

apenas, através da lente ambiental, ou

das relações estritamente econômicas.

O Igarapé São Francisco ainda man-

tém, nos dias atuais, esta relação lúdica

com os moradores, assim como mantinha

antes, entretanto, este não está à parte

das problemáticas enfrentadas pelos de-

mais igarapés da cidade de Rio Branco,

relativo ao desmatamento de matas cilia-

res, assoreamento, degradação e conta-

minação por esgoto e lixo doméstico, en-

tre outros problemas enfrentados pelos

igarapés que estão, hoje, em zonas urba-

nas e serão enfrentados pelos que ainda

não estão. Comprometendo todas as fun-

ções que estes recursos hídricos possuem

(econômica, ambiental e cultural).

3.3.3.3 - IGARAPÉ SÃO FRANCISCO E A INFÂNCIA QUE NÃO ACABA.

Esta colônia foi criada em 1949, ti-

nha 59 lotes, e era uma colônia re-

lativamente menor, quando com-

parada em tamanho às demais colônias.

Porém, era uma das três colônias mais

populosas. Esta se situava na área onde,

hoje conhecemos, por bairro Calafate, e

ainda nos dias atuais, possui característi-

cas bem peculiares no que diz respeito ao

seu processo de formação e transforma-

ção da paisagem cultural acreana.

A Colônia Agrícola Dias Martins também

não era uma colônia comum, que possuía

apenas a função de amortecer e expandir

o território da recém capital, como as de-

mais, visto que fazia parte do complexo

de três colônias que tinham, inicialmente,

a função específica de beneficiar e escoar

a produção agrícola local das demais co-

lônias implementadas na época.

As colônias Cecília Parente, Fazen-

da Sobral e Dias Martins, os três núcleos

mecanizados e instalados, inicialmente, na

recém capital, absorviam e beneficiavam

as produções agrícolas de quase todos os

núcleos produtivos existentes na época,

e escoavam estas produções no merca-

do local. Nenhuma das três colônias, ini-

cialmente mecanizadas, constituiu-se em

expressão quanto ao desenvolvimento

econômico, pois este título ficou para as

colônias transformadas em núcleos me-

canizados posteriormente (Juarez Távo-

ra, São Francisco e Apolônio Sales). Este

local, atualmente, é detentor de muitos

bens patrimoniais, reconhecidos pelos su-

jeitos lá localizados.

3.3.4 - COLÔNIA DIAS MARTINS – DO DESENVOLVIMEN-TO MECANIZADO A TRANSFORMAÇÃO DE UM BAIRRO.

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Page 34: A História de Rio Branco através de seus varadouros

Hoje, em um complexo paisagís-

tico no meio da área central do

bairro Calafate, antigo centro da

Colônia Agrícola Dias Martins, encontra-

se presente, fisicamente, o único núcleo

mecanizado ainda existente na cidade de

Rio Branco, da época das antigas colônias

agrícolas, servindo de testemunho do

processo de mecanização agrícola ocorri-

do na década de 40.

Sabe-se que os núcleos mecaniza-

dos tiveram importância primordial para o

desenvolvimento agrícola e econômico da

nossa cidade, representando o início da

industrialização para o Estado.

A relação estabelecida entre os sujeitos e

esse objeto (patrimônio) possibilitou uma

relação profunda com seu território e, ao

longo do tempo, esta relação foi traduzida

por meio das práticas cotidianas e pela

construção de vários outros objetos (pa-

trimônios), transformados e reconhecidos

por estes sujeitos.

Hoje, comprova-se que todos os

objetos construídos em volta deste nú-

cleo mecanizado foi uma forma de auto-

afirmação da identidade cultural dos seus

vários sujeitos, e da existência daquele

centro rural dentro da paisagem cultural

acreana, com suas representações e rela-

ções políticas, sociais, econômicas e cul-

turais particulares, transformando, tam-

bém, esta localidade em uma sub-vila, ou

cidade à parte, ou, dentro de outra, onde,

hoje, encontra-se quase diluída, a paisa-

gem cultural de Rio Branco, na forma de

um bairro cheio de histórias, memórias

sociais e tradições culturais.

Compõe o complexo paisagístico

do Calafate: 1) núcleo mecanizado da an-

tiga Colônia Dias Martins da década de

40, hoje área central do bairro Calafate.

Construído em madeira, sua arquitetura

obedecia às construções antigas muito

presentes em seringais. Este objeto não

sofreu modificações na sua arquitetura

original: 2) a Capela São Miguel, constru-

ída em alvenaria, na década de 70, com

arquitetura colonial, é a primeira de que

se tem registro memorial naquela área.

Passou por duas reformas, não sofreu

modificações na sua estrutura original,

mas sofreu alterações no seu entorno.

Hoje, encontra-se anexada, a este objeto,

uma quadra poliesportiva, fruto do pro-

cesso de transição pelo qual o bairro vem

perpassando desde 2000; 3) a primeira

delegacia, também construída naquele

perímetro rural/urbano, em arquitetura

moderna, da década de 80, com apenas

uma sala e uma cela, que não obedece

3.3.4.1 - O NÚCLEO MECANIZADO DA COLÔNIA DIAS MARTINS E UM MOSAICO CHAMADO CALAFATE

66 / ZEAS 67 / ZEAS

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Page 35: A História de Rio Branco através de seus varadouros

à arquitetura da época da igrejinha, nem

do núcleo mecanizado, mas não apresenta

traços tão modernos como existentes nas

delegacias atuais. A delegacia surgiu em

função desta localidade, no início do seu

período de transição de colônia (zona ru-

ral) para bairro (zona urbana) ter se cons-

tituído em uma das áreas mais violentas e

perigosas de Rio Branco. Este objeto retra-

ta a transformação ocasionada pelo êxodo

populacional que esta paisagem cultural

passou da década de 70 em diante; 4) a

escola Henrique Lima, construída na déca-

da de 60, em madeira, também obedeceu

à arquitetura das antigas construções,

embora tenha passado por grandes mo-

dificações em função do grande processo

de urbanização que este local sofreu. Na

década de 70, sua primeira edificação foi

totalmente substituída por outra em alve-

naria, transformando-se em uma edifica-

ção moderna. Na década de 80, teve que

passar por outro processo de transforma-

ção, para pode ser ampliada e atender à

demanda, que é sempre crescente. Suas

duas estruturas originais foram substitu-

ídas, restando, deste patrimônio, apenas

as histórias que fazem parte da memória

social local e registros fotográficos; 5) a

praça Raimundo Melo, da década de 80,

com um pequeno coreto no seu centro,

passou por um processo de ampliação,

onde o seu entorno está sendo modifica-

do constantemente, descaracterizando, in-

clusive, a sua paisagem, que remetia às

pracinhas construídas no final da década

de 40. Ela foi a primeira praça construída

neste núcleo urbano/rural e reúne, em sua

volta, toda a trajetória da população local,

suas memórias sociais e as relações políti-

cas e culturais mantidas ao longo de quase

um centenário.

Um centenário de histórias, tradi-

ções populares, difusão de valores socio-

culturais e de reafirmação de identidades

culturais e de expansão territorial, é o que

simboliza todo esse complexo localizado,

hoje, no centro do bairro Calafate, antiga

Colônia Dias Martins, para a população lo-

cal.

Na saída do bairro Calafate, pode-

se observar o Igarapé Batista, que

cortava toda essa região encantan-

do a todos os seus sujeitos. Este lugar foi

palco de grandes histórias lúdicas e brinca-

deiras que alegravam dezenas de famílias.

Hoje, este corta – silenciosamente - toda

essa região e seus respectivos bairros, es-

quecido no tempo e por seus sujeitos. In-

felizmente, hoje não se tem mais histórias

lúdicas e felizes dos tempos de criança, de

pescaria e de lazer, nem a beleza exuberan-

te que este um dia teve para mostrar, que

simplesmente se refletia nas águas cor-

rentes e límpidas, que hoje estão paradas

e poluídas, segundo os antigos moradores

desta localidade afirmam. A morte lenta e

silenciosa deste igarapé levará histórias de

tempos memoráveis que, com certeza, não

voltarão jamais. Tentando resgatar a par-

te da história que insiste em ser apagada,

os sujeitos contidos nesta paisagem atri-

buíram a outro objeto a simbologia, agora

destituída de Igarapé Batista.

O Campo do Vaz, como é conhecido

por todos os moradores do perímetro ter-

ritorial de dez bairros, principalmente do

bairro Calafate, parece ter sido a forma de

trazer à tona e, de manter viva, as tra-

dições culturais e populares, as histórias

de infâncias, de pescarias e todos os ritu-

ais desenrolados no igarapé Batista. Esta

localidade retrata, inclusive, o aspecto de

uma das antigas colocações da então colô-

nia agrícola, Dias Martins, que possui em

seu espaço territorial: 1) trilhas de serin-

gas, utilizadas para caminhadas, onde as

crianças costumam, com bastante freqü-

ência, brincar; 2) um açude, que serve de

palco para os passeios de canoa, ou a ca-

traia, como é conhecida naquela área, que

mantém vivo tanto o lazer, como o ofício

da pescaria artesanal; e 3) um descampa-

do de areia, que serve como quadra de fu-

tebol para os velhos jogos de pelada, que

costumam ser corriqueiros.

3.3.4.2 - IGARAPÉ BATISTA A INFÂNCIA, O OFÍCIO E AS BRINCADEIRAS QUE NÃO EXISTEM MAIS,

ALÉM DO SURGIMENTO DE UM NOVO SÍMBOLO.

68 / ZEAS 69 / ZEAS

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Page 36: A História de Rio Branco através de seus varadouros

Localizada na estrada Transacreana,

após a Estrada da Floresta, esta

colônia seguia o mesmo mode-

lo de implantação e desenvolvimento da

Colônia São Francisco. Em função do seu

grande desenvolvimento, transformou-

se, posteriormente, em um núcleo me-

canizado, mas não só em decorrência da

necessidade de beneficiar a sua produção

local, mas para atender as demais coloca-

ções ainda existentes no antigo seringal

Empreza.

Era bastante populosa, como as

demais recém-colônias agrícolas surgidas

no território urbano rio-branquense neste

período. Sendo uma das colônias agríco-

las mais novas. Criada apenas em 1950,

com uma distribuição de 95 lotes e uma

área total de 2.375 hectares, era relativa-

mente maior que a maioria das colônias

agrícolas em perímetro territorial.

Mas as semelhanças consistem

apenas ao contexto do seu surgimento e

3.3.5 - COLÔNIA DA CRUZ MILAGROSALUGAR DE FÉ E RELIGIOSIDADE.

ao modelo de implementação e desenvol-

vimento que esta manteve. Foi uma colô-

nia agrícola diferenciada e marcada não

só pela paisagem dourada e incandescen-

te que formava as suas plantações, como

pela produção que esta mantinha, mas

pela fé e devoção viva nascida ali, que

traduzia a identidade cultural dos mora-

dores locais e adjacências.

Foi na busca pelo sagrado que os

atores sociais desta paisagem cultural re-

afirmaram suas identidades. Aliás, a his-

tória de um seringueiro que virou santo

milagreiro foi o protagonista do surgi-

mento deste símbolo de fé e devoção, que

sempre foi marcante e latente na história

espiritual da Colônia da Cruz Milagrosa,

assim como na história da construção cul-

tural de Rio Branco.

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Page 37: A História de Rio Branco através de seus varadouros

A par de sua história econômica,

política e social, Rio Branco pos-

sui uma história espiritual muito

marcante na construção de sua paisagem

cultural. Este objeto não só demonstrará

a importância religiosa na vida dos acre-

anos, mas a parte cultural de um povo,

retratando o surgimento de um símbolo

de devoção e fé que guarda muitas carac-

terísticas de uma prática extremamente

difundida por todo o Acre, desde a época

áurea dos antigos seringais, e permanece

viva até os dias atuais.

A Cruz milagrosa, como o próprio

nome já indica, é um lugar onde se ofe-

recem ex-votos e promessas a um santo

seringueiro em busca de cura para os ma-

les do corpo e do espírito. Reza a lenda,

construída pelos sujeitos locais, que um

seringueiro ao morrer, tombado no local,

lá foi enterrado e, para marcar o local

onde este tombou, uma cruz foi confec-

cionada e neste solo fincada. O dono da-

quelas terras, no intuito de transformá-las

em pastos, ordenou aos seus empregados

que derrubassem a mata e ateassem fogo

para abrir as pastagens. Um dos empre-

gados, conhecedor da história do serin-

gueiro, indagou acerca da cruz e do corpo

do seringueiro que, quando tombado, lá

foi enterrado, mas o patrão ordenou que

ateassem fogo em tudo e, assim, os em-

pregados prepararam o solo e atearam

fogo. Ao terminar a última chama acesa,

os empregados assombrados retrucaram

que aquele era um lugar sagrado, onde

jazia um seringueiro que era santo mila-

greiro, e a prova do que eles disseram foi

que o fogo sequer encostou na cruz, que

é milagrosa.

A história ecoou por todas as co-

locações e colônias agrícolas adjacentes

existentes, e mobilizou centenas de ro-

meiros em busca de cura para os males

do corpo e da alma. Os sujeitos acreanos

acreditavam veemente na força daquele

símbolo de devoção. Até os dias atuais, a

Cruz Milagrosa, como é conhecida, mobi-

liza centenas de pessoas que fazem votos

religiosos e pagam esses votos acreditan-

do que a graça alcançada foi de fato aten-

dida pelo poder que este símbolo religioso

possui, trazendo cura para a alma e para

os males do corpo.

Mesmo com todas as intervenções

ocorridas na área em que está localizada a

Cruz Milagrosa, ainda é possível perceber

as características do antigo seringal/colô-

nia com o moderno recém surgido centro-

urbano. A antiga capela, ali construída,

ganhou uma nova estrutura, porém sua

função permanece a mesma, pois serve

de santuário para depositar o pagamen-

to das promessas e graças alcançadas. O

que parece ter permanecido intacto, mes-

mo com todas as intervenções ocorridas,

foi à fé e a devoção que o povo tem por

esse símbolo.

A análise deste caso permite visu-

alizar, primeiro, que a religiosidade é um

ponto muito latente na construção das

identidades culturais de Rio Branco, se-

gundo é que esta permanece viva na sua

memória social.

3.3.5.1 - A CRUZ MILAGROSA – UM SÍMBOLO DE DEVOÇÃO.

72 / ZEAS 73 / ZEAS

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Page 38: A História de Rio Branco através de seus varadouros

No princípio dos anos 70, a conju-

gação da infinita crise do extra-

tivismo da borracha e dos anos

de chumbo da Ditadura Militar teve efeito

devastador sobre o Acre e suas cidades.

O governo Wanderlei Dantas, decidido a

modificar o eixo de desenvolvimento eco-

nômico regional, estimulou a vinda de

grandes empresas, fazendeiros e espe-

culadores de terras para o Acre, em sin-

tonia com a nova política proposta pelo

regime militar. Os seringalistas, falidos e

sem crédito, não tiveram como resistir e

acabaram vendendo enormes seringais

por preços muito baixos.

Os novos donos da terra, conhe-

cidos regionalmente como “paulistas”,

faziam parte da frente de expansão da

fronteira agrícola, que atingiu os estados

do centro-oeste antes de atingir Rondônia

e Acre, através do programa Pólo noro-

este, e que previa, entre outras coisas, a

abertura da BR-364. Esta frente foi com-

posta não só por fazendeiros e grandes

empresas, mas também por grileiros de

terras, madeireiros, e por trabalhadores

rurais do sul do país.

Ao atingir o Acre, essa frente de

expansão causou uma verdadeira implo-

são da estrutura social acreana na área

florestal. O desmatamento, promovido

pelas madeireiras, e a transformação dos

seringais em fazendas, levaram ao êxodo

milhares de famílias que há décadas ha-

bitavam a floresta, dela dependendo para

obter o seu sustento. Esse novo fluxo

migratório campo-cidade promoveu uma

verdadeira explosão das cidades acrea-

nas, em especial de Rio Branco que, por

sua condição de capital, atraía a maioria

dos seringueiros, castanheiros e ribei-

rinhos expulsos de suas colocações em

todo o estado do Acre.

Teve início, então, a prática das

“invasões”, nome regional usado para de-

signar terrenos públicos ou privados que

eram invadidos por trabalhadores para

construção de moradias, dando origem a

novos bairros populares sem nenhuma in-

fra-estrutura básica. Mesmo as tentativas

oficiais de reverter a política de atração

dos investidores “paulistas” para o Acre,

revelaram-se insuficientes para deter o

processo de migração do campo e o in-

chamento das cidades. As políticas de ha-

bitação popular, implementadas nos anos

70 a 90, parecem não ter resultado em

benefícios concretos para os segmentos

sociais que não possuíam profissão defi-

nida e nem renda assegurada, mas aten-

deram, sobretudo, as camadas médias da

população.

É necessário, entretanto, chamar

atenção para o fato de que tanto o fenô-

meno das “invasões”, quanto as conseqü-

ências das políticas públicas de habitação

implementadas neste período, precisam

ser melhor estudadas para esclarecer es-

3.4 - 4º PERÍODO – 1970 / 1998 – INVASÕES/BAIRROS UMA CIDADE EM EXPLOSÃO.

74 / ZEAS 75 / ZEAS

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Page 39: A História de Rio Branco através de seus varadouros

ses processos e a sua importância na for-

mação da cidade.

Por outro lado, duas características

desse período, no que se refere à forma-

ção urbana da cidade, parecem bastante

claras. A primeira é que, apesar da “in-

vasão” se constituir como um novo me-

canismo espontâneo e desordenado de

abertura de bairros, ele deve ter se orien-

tado, em linhas gerais, pela localização

das colônias agrícolas e dos bairros que já

estavam em formação na época em que

ocorreram. Ou seja, os bairros, oriundos

de colônias agrícolas ou equipamentos

urbanos que surgiram no período ante-

rior, continuaram atuando como focos de

atração e fixação dos moradores da cida-

de.

A segunda característica diz respei-

to ao fato de que muitos dos fenômenos

sociais que estavam ocorrendo na área

florestal do estado passaram a aconte-

cer também em Rio Branco. É o caso, por

exemplo, dos confrontos entre as lideran-

ças populares e grileiros de terras, como

os que levaram ao assassinato de João

Eduardo, em 1981, a morte de Wilson Pi-

nheiro, em 1980, e ainda o atentado a

Chico Mendes, em 1988, deixando claro

que o nível de tensão social, tanto nas flo-

restas quanto nas cidades acreanas, era

extremamente alto.

Diante desse contexto, não é de estranhar

que o quadro geral das cidades acreanas

e de Rio Branco, em especial, tenha sido

de degradação das condições de vida. Se,

ao longo de 90 anos de sua história, as

dinâmicas geradas na cidade tinham dado

origem a pouco mais de uma dezena de

bairros, entre 1970 e 1999 esse número

passou para 150 bairros.

Novos bairros foram originados de

invasões desordenadas e sem a mínima

infra-estrutura de água, saneamento, luz,

acesso, além de, por vezes, estarem situ-

ados em locais alagáveis ou impróprios,

como nas novas áreas ocupadas no 2º

Distrito (Cidade Nova, Taquari, Santa Te-

rezinha/Bostal, etc), ou mesmo, a partir

de loteamentos clandestinos e conjuntos

residenciais mal projetados e/ou implan-

tados. Uma realidade, enfim, que estabe-

leceu enormes desafios a serem enfren-

tados para a recuperação da qualidade de

vida dos cidadãos de Rio Branco.

Neste período, não só se transfor-

mou significativamente a paisagem cultu-

ral da capital, como se originaram muitos

movimentos sociais importantes oriun-

dos dos vários conflitos instaurados pelo

êxodo populacional que a capital sofreu e

estes movimentos deram origem a diver-

sos espaços de memórias que nos contam

essas historias. Alguns destes movimen-

tos sociais e espaços de memória terão

destaque nas análises a seguir, visto que

seria impossível abordar minuciosamen-

te os 180 bairros oficiais existentes hoje

– em 2010 - e as inúmeras invasões.

Há dez anos, o Acre tinha apenas

dois pequenos museus no centro

de Rio Branco. Hoje, são quatro

na capital, e outros cinco em outros muni-

cípios, além de outras salas de memórias

criadas e mantidas por diversas comuni-

dades, como é o caso da Sala Memória

Daniel Matos, da comunidade Barquinha,

e a Sala Memória Irineu Serra, no Alto

Santo, Sala Memória João Eduardo, den-

tre outras existentes que devem, neces-

sariamente, ser mapeadas.

Estes espaços, ao que parecem,

dão conta de irem além das histórias pes-

soais, trazendo misturadas, em suas his-

tórias e memórias, as transformações his-

tóricas de Rio Branco, os dramas sociais

vividos pelos sujeitos e suas adequações

ao território acreano, ao longo dos cinco

períodos de transformação pelos quais a

capital acreana perpassou, nesses cento

e vinte sete anos de existência.

3.4.1 ESPAÇOS DE MEMÓRIAS, OU, DE HISTÓRIAS?

76 / ZEAS 77 / ZEAS

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Page 40: A História de Rio Branco através de seus varadouros

A Sala Memória Daniel Matos, res-

salta muito mais que a história do

maranhense Daniel Pereira de Ma-

tos, visto que narra a história da ocupa-

ção da religião ao longo do Igarapé Fundo

da Cosmologia, os rituais, a doutrina e

os demais elementos sagrados desta re-

ligião, além da relação do Daime com a

floresta e com outros elementos da na-

tureza, assim como a Sala Memória Iri-

neu Serra, consolidada na antiga moradia

do fundador da doutrina do Daime, que

preserva, além dos hinários e das fontes

históricas que remetem à vida do Mestre

Irineu, ressaltam parte da história, como

a tentativa governamental de assentar

ex-seringueiros em colônias agrícolas nos

arredores de Rio Branco.

Da mesma forma, os outros es-

paços constituídos como museus têm os

mesmos objetivos: remeter o patrimônio

material à história de ocupação e orde-

nação da sociedade acreana, seja através

de iniciativas dos governos, seja através

dos conflitos e embates que ocorreram

nesses anos, provocados pelos próprios

sujeitos que constituem estas várias pai-

sagens culturais de alguma forma.

3.4.1.1 - OS ESPAÇOS DE MEMÓRIA DANIEL MATOS E IRINEU SERRA.

Reconhecido como uma das con-

seqüências mais importantes do

processo de invasões urbanas de

Rio Branco, nos anos 70, 80 e 90 (que

ainda continua apesar de sua invisibilida-

de), e por ser ocasionador de confrontos

e conflitos que estavam disseminados na

área florestal do Estado, remonta, na his-

tória, a luta dos expropriados da flores-

ta, que caracterizou, então, esse período,

como um momento de profunda crise e

drama social, pois foi um momento em

que diversas instituições também se mo-

vimentaram (imprensa, artes, religiões)

e reagiram de diferentes maneiras a esta

crise. Apesar de João Eduardo integrar os

movimentos eclesiais de Base, isso não

foi suficiente para garantir sua vida.

Mas a história de sua vida, suas

lutas, contam-nos o quão violento foi o

êxodo populacional enfrentado pela capi-

tal acreana no período que conhecemos

como invasão “campo-cidade”, quando

centenas de acreanos, nordestinos, entre

outros expulsos de suas terras, desgarra-

dos de suas origens seringueiras, dispu-

tavam violentamente cada milímetro de

terra disponível no território do município

de Rio Branco. Encontraram em João Edu-

3.4.1.2 - MEMORIAL JOÃO EDUARDO - A TRAJETÓRIA DE UM HOMEM NO ÊXODO POPULACIONAL ACREANO DA DÉCADA DE 70.

78 / ZEAS 79 / ZEAS

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Page 41: A História de Rio Branco através de seus varadouros

ardo, um simples homem da terra, como

as demais centenas que o seguiram, um

líder disposto a morrer nos embates vio-

lentos travados no território da, ainda em

construção, capital acreana. Sua vida,

as memórias sociais que este símbolo de

luta e movimento social retrata a realida-

de dos dramas sociais vividos em tempos

não muito distantes, permanece viva até

os dias atuais, nas memórias de muitos

acreanos.

Este memorial localiza-se no bairro

João Eduardo, e conta a saga de um ho-

mem na luta por um povo, parte da his-

tória dos conflitos urbanos pela ocupação

de áreas próximas ao centro da cidade

por ex-seringueiros, da ocupação do bair-

ro que leva o seu nome, situado na área

periférica da capital, e do crescimento po-

pulacional e urbano, ora desordenado, ora

a partir de intervenções e iniciativas go-

vernamentais que, diga-se de passagem,

nunca foram suficientes para a demanda

que sempre é maior que a oferta.

Rico em análises das relações so-

ciais e culturais, esse movimento social

foi dos mais enfáticos ocorridos dentro

do tecido urbano de Rio Branco na época.

Apesar da sua importância e relevância

social e cultural para a capital acreana,

e para a sua população, este memorial,

que não possui sede própria, encontra-se

atualmente fechado, por falta de recursos

financeiros e de auxílio do poder público

para sua manutenção. Tem sido alvo de

grandes discussões no âmbito social e

acadêmico, que movimentam-se na ten-

tativa de reativá-lo, por considerá-lo sím-

bolo importante da história dos movimen-

tos sociais surgidos na capital acreana.

A paisagem que hoje abriga o impo-

nente Memorial dos Autonomistas,

fazia parte, inicialmente, da paisa-

gem do Palácio Rio Branco, onde estava

localizado o seu jardim interno na área

traseira, construído na década de 30,

pelo então governador, Hugo Carneiro. Na

década de 40, no governo de Guiomard

Santos, esta paisagem passou por um

novo processo de transformação. Nesta

foi construída a Radional, uma rádio te-

legráfica do Território Nacional. Sua cons-

trução era em alvenaria, e a arquitetura,

presente na edificação da rádio, era clas-

sificada como Art Decô.

Na década de 70, início de 80, esta

paisagem sofreu novas transformações, e

o antigo prédio passou a abrigar a “Casa

do Seringueiro”, que era composta por

uma pequena exposição que retrava a

vida cotidiana do homem da floresta, e

possuía, em anexo, uma galeria de Arte

chamada Hélio Melo, em homenagem ao

grande artista acreano. Ali eram expos-

tas as obras de arte dos vários artistas

do Estado do Acre. Na mesma década o

espaço passou por um período de com-

pleto abandono, quebrando, assim, o elo

de identificação com a população.

Como toda cidade está em cons-

tante processo de “modernização”, onde

o velho dá lugar ao novo, assim a anti-

3.4.1.3 - MEMORIAL DOS AUTONOMISTAS - A LUTA PELA AUTONOMIA DE UM ESTADO.

80 / ZEAS 81 / ZEAS

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Page 42: A História de Rio Branco através de seus varadouros

ga casa do Seringueiro deixou de existir

dando lugar, ao hoje conhecido, Memo-

rial dos Autonomistas. A antiga casa do

Seringueiro, agora Memorial dos Autono-

mistas, teve sua estrutura profundamen-

te modificada, preservando apenas parte

da fachada frontal. Tanto o uso ao qual

este espaço era destinado, como o modo

de apropriação deste, pelos sujeitos acre-

anos, modificaram-se. Este memorial foi

criado com o intuito de homenagear a

luta de um povo pela autonomia de seu

estado, e enaltecer um dos heróis da his-

tória acreana, Guiomard Santos.

Uma memória, uma história! A revolução

dos autonomistas - Com o fim da Revo-

lução Acreana, o Governo Federal criou,

em 1904, um sistema de Território base-

ado no modelo norte-americano, no qual

o Acre passou a ser o primeiro Território

Federal do Brasil. Em função da criação

do sistema de territórios, os acreanos não

podiam eleger seus governantes, visto

que este território era regido pelo Gover-

no Federal do Brasil, e os impostos ar-

recadados iam para as mãos do Governo

Federal, que decidia o que deveria ser fei-

to, ou seja, o Acre não tinha constituição

própria. Para os que haviam lutado para

anexar o Acre ao Brasil, esta era uma si-

tuação humilhante, e foi diante desses

acontecimentos que se iniciou o Movi-

mento Autonomista.

O movimento dos autonomistas é

mais um dos movimentos sociais que re-

trata a luta desse povo por seu território,

e que guarda, contida na sua história, a

transformação de uma cidade e o destino

de um povo.

No intuito de resguardar e resgatar

os fragmentos desta história, e fortalecer

o símbolo que este movimento se tornou

para a identidade cultural acreana, o go-

verno do Estado do Acre, em setembro

de 2002, inaugurou o Memorial dos Auto-

nomistas José Guiomard dos Santos, que

recebeu esse nome em homenagem aos

homens e mulheres que lutaram pela au-

tonomia do Acre, junto com Guiomard e

dona Lydia Hames, sua esposa.

Este patrimônio se tornou um es-

paço público, destinado à visitação com

exposição permanente sobre o movimen-

to autonomista, além de ter se tornado o

mausoléu, onde se encontra, depositado,

os restos mortais do ex-governador Gene-

ral José Guiomard Santos e de sua esposa

Lydia Hammes. Possui na sua edificação,

um teatro com 150 lugares (Teatro Hélio

Melo) e um café para os visitantes (Café

do Teatro). O espaço é dotado de um gru-

po de guias, capacitado para acompanhar

os visitantes, possui ainda uma sala de

acervo, onde existem, à disposição dos

interessados, pesquisas e um diversifica-

do acervo digital fotográfico. Totalmente

transformado, este monumento tornou-

se um local de fomento à cultura e novo

ponto turístico da cidade de Rio Branco.

O Museu da Borracha foi criado e

inaugurado na década de 70, pelo

então governador, Geraldo Mes-

quita, em homenagem ao centenário da

imigração nordestina para o estado. Além

de homenagear esse povo, que ajudou

a construir e a impulsionar o desenvol-

vimento do Estado, guarda na memória

de seus acervos a história dos “nordes-

tinos-acreanos”, que para esta terra vie-

ram, trabalharam, constituíram famílias,

lutaram e morreram.

Este patrimônio possuiu várias se-

des provisórias que, de certa forma, aca-

bou por abalar a construção da própria

memória social e a imagem identitária do

povo acreano.

Inicialmente instalado numa das

dependências do prédio onde funcionava

a Assessoria de Comunicação, subordina-

do ao Departamento de Assuntos Cultu-

rais (DAC), da Secretaria de Educação e

Cultura do Acre. No final da década de

3.4.1.4 - MUSEU DA BORRACHA - A HOMENAGEM AO CENTENÁRIO DA IMIGRAÇÃO DO POVO NORDESTINO

PARA O ACRE.

82 / ZEAS 83 / ZEAS

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Page 43: A História de Rio Branco através de seus varadouros

70, com a criação da Fundação de Desen-

volvimento de Recursos Humanos da Cul-

tura e do Desporto (FDRHCD), o museu

passou a ser vinculado a esta Fundação,

instalando-se em uma pequena sala nas

dependências da Biblioteca Pública do Es-

tado, no centro da cidade. Na década de

80, por ocasião do 12° Fórum Nacional de

Cultura, realizado em Rio Branco, o mu-

seu transferiu-se para o Centro de Treina-

mento da Fundação Cultural, situado à rua

Rio do Sul, bairro Aeroporto Velho. Como

o Museu estava instalado longe do centro,

e não tinha um espaço adequado para a

preservação do acervo e atendimento ao

público, teve sua sede novamente modifi-

cada.

Na década de 90, passou a funcio-

nar no antigo prédio da SUDHEVEA, loca-

lizado na avenida ceará, no centro da ci-

dade, onde permanece até os dias atuais.

Em 2003, na comemoração dos 25 anos

de sua criação, este recebeu uma nova

nomenclatura. O então Museu da Borra-

cha passou a chamar-se Museu da Borra-

cha Governador Geraldo Mesquita, onde,

na ocasião, o então governador do Estado,

Jorge Viana, assinou o Decreto Estadual

n°8.993 art.78 IV da Constituição do Es-

tado, de 05/11/2003, instituindo sua nova

denominação. Cumprindo, desta fase em

diante, o objetivo pelo qual foi criado: de

ser um espaço público dinâmico, destina-

do a coletar, pesquisar, conservar, expor e

divulgar a história cultural, social, econô-

mica e política do nosso Estado.

Seu acervo documental é diversi-

ficado, estendendo-se aos mais diversos

aspectos da cultura e religião. Sua exposi-

ção permanente não se restringe somen-

te aos seringueiros, mas traz aos interes-

sados a possibilidade de enveredar pelo

universo cultural onde estão inseridos,

também, os povos indígenas e os ribei-

rinhos. Compõe, também, a infra-estru-

tura do Museu o setor de Documentação,

que dispõe de manuscritos, documentos

impressos, jornais, revistas e publicações

diversas do Estado do Acre.

Atualmente, uma nova transforma-

ção ascende em Rio Branco. As

ruas tortuosas são retificadas, os

eixos mais antigos são reativados, um

anel rodoviário está em construção, e um

conjunto de ações, que estão demarcando

as novas características no tecido urbano

de Rio Branco, estão transformando sua

paisagem cultural mais uma vez. Inicia-

se um novo período na evolução urbana

de Rio Branco, que vem unificando e ten-

tando expandir, novamente, o território

da capital, e homogeneizar o tradicional

com moderno, o turístico e o urbanístico.

A pesar de a evolução urbana de Rio Bran-

co ter sido, em grande parte, desordena-

da, neste novo paradigma que se iniciou

na década de 90, parece estar sendo visi-

velmente acompanhado e balizado pelas

políticas públicas municipais e estaduais

que, estão unidas com o mesmo objetivo,

ou seja, o bem comum, que é o de dis-

ponibilizar melhores condições de vida,

desenvolvimento econômico, incentivo

ao pertencimento e apropriação dos bens

patrimoniais contidos na sua paisagem, e

que fazem parte da história de um povo,

da manutenção das identidades culturais

locais.

Para tal feito, tem-se empregado

diversas ações e transformações como vi-

sivelmente observa-se nos bens supraci-

tados. Mas tais ações não objetivaram só

preservar esses bens, mas destinar novos

usos sociais e culturais, econômicos a es-

tes. Estas ações parecem ir além, pare-

cem criar condições estruturais para que

estes objetos (patrimônios) e seus sujei-

tos dialoguem e se relacionem em um es-

paço revitalizado por completo. Por isso,

criaram-se as novas vias estruturantes,

que têm a função, não de apagar a me-

mória e a contradição do antigo seringal,

mas adequá-lo às necessidades do século

XXI. Além de criar melhores condições de

vida à sociedade, essa nova urbanização

e reordenação territorial tem implemen-

tado uma paisagem mais limpa e agra-

dável, menos provinciana, potencializada

para o turismo, com toques ousados do

novo urbanismo paisagístico.

Criar uma nova paisagem, evocan-

do o passado e suas tradições, e unindo-

os às necessidades da modernidade, re-

afirmar a identidade cultural, possibilitar

melhores condições de vida, potencializar

o desenvolvimento econômico, parece ser

claramente o resultado de toda a trans-

formação que as vias estruturantes da ci-

dade ocasionaram, mesmo que, em certa

medida, não tenha sido bem aceita por

parte da população, criando olhares dife-

renciados para as novas benfeitorias ocor-

ridas nas paisagens culturais da “nova”

cidade. Ainda assim, ela se recriou, seus

bens foram cuidadosamente revitalizados

e readequados quanto ao uso sociocultu-

ral dessa nova fase, que ainda tem muito

a transformar.

3.5 - 5º PERÍODO – 1999 / 2010 – O PRINCÍPIO DO REOR-DENAMENTO URBANO, A REIVENÇÃO DA CAPITAL.

84

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Page 44: A História de Rio Branco através de seus varadouros

AS VIAS ESTRUTURANTES AS “NOVAS” ARTÉRIAS RIO-BRANQUENSES.

3.5.1

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Page 45: A História de Rio Branco através de seus varadouros

O Parque da Maternidade se es-

tende por, aproximadamente, 8

km, o que configura o percurso

do “canal”, desde o Bairro da Floresta na

região oeste, até o Terminal Urbano de

Rio Branco, área central da cidade, cor-

tando uma área de grande densidade ha-

bitacional. O Igarapé recebeu esse nome

por correr na área frontal da Maternidade

e Clínica de Mulheres “Bárbara Heliodora.

Início de uma nova política urbanística a

que Rio Branco perpassa, os parques de

fundo de vales configuram-se em uma

nova solução para os recursos hídricos

(igarapés urbanos) contidos dentro do

tecido urbano da cidade, ainda que sem

solucionar a poluição às fontes hídricas

que estão constantemente expostas. Este

traz, em si, uma nova abordagem para os

espaços públicos voltados à prática cul-

tural, esportiva e de lazer. O sucesso da

implantação do Parque da Maternidade,

com sua tumultuada trajetória, está sen-

do levado como modelo a outros projetos,

como o Parque do Tucumã (concluído),

Parque do Igarapé São Francisco (ainda

em fase de execução) e os vários mode-

los de estradas parques implementadas

nos municípios do Estado do Acre (Mâncio

Lima, Sena Madureira e Cruzeiro do Sul),

refazendo e transformando todas essas

paisagens culturais.

A proposta de construção do parque em

Rio Branco apresenta-se como interes-

sante alternativa para a proteção do meio

ambiente em tecidos urbanos, e a trans-

formação desses territórios em áreas de

utilidade pública, adequando a paisagem

cultural para utilização comunitária, pro-

blema esse enfrentado pela maioria das

cidades brasileiras.

Apesar de proporcionar melhoria no que

concerne à criação de parques para ma-

nifestações artísticas, desportivas e de

lazer, cabe mencionar que existem ou-

tros aspectos que precisam de melhoria

na cidade, tais como saneamento básico,

esgoto, dentre outros.

A construção do Parque possibilitou vá-

rios pontos positivos, como a valorização

dos imóveis contidos na sua área interna.

A sua alteração paisagística, provocada

pela construção do parque, gerou, ime-

diatamente, alterações radicais no custo

do aluguel de residências situadas nos ar-

redores do parque. O que antes era uma

área pouco atrativa para o capital imo-

biliário, cercado de moradias precárias e

sem saneamento, tornou-se um espaço

de casas de padrão médio e alto, possi-

bilitando o aumento de investimento em

capital imobiliário na área.

O Parque da Maternidade, através da

construção de novas vias e ciclovias, pos-

sibilitou, também, a melhoria do tráfego.

Dessa forma, o trânsito, antes dificultado

devido à falta de ordenamento das ruas,

típico de uma cidade de gênese espontâ-

nea, recebeu, com a criação do mesmo,

uma alternativa de circulação tanto para

pedestres, ciclistas, como para conduto-

res de veículos automotivos.

O Parque possui, em sua estrutura física,

áreas de convivência, quadras, praças e

lagos que decoram as margens do canal,

e possibilitam a recreação e o convívio

social dos moradores da cidade. A utiliza-

ção dos ambientes é direcionada aos mais

diversos tipos de pessoas, pois se trata

de um espaço aberto, de acesso irrestrito.

Há uma concha acústica onde são realiza-

dos shows e apresentações livres, em um

espaço bonito e bem planejado. Há, tam-

bém, um restaurante construído numa

área agradável do parque, que permite

uma visão privilegiada dos arredores.

É importante ressaltar que este Parque

é de fundamental importância à vida so-

cial e cultural dos sujeitos acreanos, e

que este objeto encontra-se contido nes-

tes sujeitos, assim como os sujeitos en-

contram-se, cotidianamente, contidos

nele, tanto que o atual governador, Binho

Marques, na sua gestão, instituiu-o, por

meio de decreto, uma área de patrimô-

nio público inalienável, ficando proibidas

quaisquer ações que venham alterar ou

danificar suas características, naturais ou

construções e benfeitorias de uso público.

Esta obra iniciou e despontou todas as

vias estruturantes que estão mudando,

significativamente, a paisagem da cidade

de Rio Branco.

3.5.1.1 - O PARQUE DA MATERNIDADE - UM MOVIMEN-TO URBANÍSTICO QUE TRANSFORMOU A CIDADE E O SURGIMENTO DE UM NOVO PATRIMÔNIO PÚBLICO.

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Page 46: A História de Rio Branco através de seus varadouros

Essa avenida foi trabalhada várias

vezes. A primeira foi quando o en-

tão governador, Jorge Viana, era

prefeito da Capital, no período de 1992.

Na época, o trecho compreendido entre a

primeira rotatória da Vila Ivonete ao início

do Horto Florestal foi totalmente urbani-

zado. Em 2000, quando já era governa-

dor, Jorge Viana passou a trabalhar no

trecho entre o Posto Parati até a parte an-

teriormente urbanizada. O Ultimo trecho

compreendeu mais de um quilômetro de

obras, incluindo a ponte sobre o igarapé

São Francisco.

A urbanização, nesta Avenida, fez

parte da estratégia do Governo que visa-

va melhorar as principais vias de entrada

e saída de Rio Branco, iniciada, inclusive,

antes das vias estruturantes que compre-

endem a Via Verde e a construção do Anel

Viário de Rio Branco. Com a ampliação e

a reestruturação de toda a extensão da

Avenida Antônio da Rocha Viana, modi-

ficou significativamente o fluxo automo-

bilístico da área central da cidade, dimi-

nuindo, assim, os índices de acidentes de

trânsitos

Suas melhorias infra-estruturais e

seu reordenamento territorial iniciou no

primeiro mandato do então governador,

Jorge Viana, que tinha, por intuito, so-

mar esta às obras de duplicação de outras

duas importantes vias de acesso à cidade,

a BR-364, na saída para Porto Velho (RO),

e AC-40, que dá acesso a Senador Guio-

mard e a todo o Vale do Acre, bem como

tornar a imagem paisagística do municí-

pio mais adequado para o recebimento de

turistas e de novos investimentos comer-

ciais externos, além de melhorar o acesso

e a qualidade de vida de vários bairros

da cidade localizados na área, como os

bairros Montanhês, Alto Alegre, Tancre-

do Neves, Raimundo Melo, Placas, Xavier

Maia, Adalberto Sena e a tantos outros

que receberam estruturação, ao mesmo

tempo em que a avenida estava sendo re-

construída. Essa rua, que agora passou a

ser uma avenida, tornou-se via de acesso

a Porto Acre e a inúmeras localidades ao

longo da rodovia.

3.5.1.2 - AVENIDA ANTÔNIO DA ROCHA VIANA

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Page 47: A História de Rio Branco através de seus varadouros

A Avenida Ceará foi a primeira veia

territorial da expansão da capital,

visto que demarcava o seu início

e, ao mesmo tempo, o final. O próprio

processo de ocupação do tecido urbano

de Rio Branco partiu desta avenida, em

1909, com a ocupação de lotes urbanos

à margem esquerda do rio Acre até o

seu limite. Na década de 40, a expansão

continuou ao norte desta avenida, e esse

processo ficou conhecido como “Zona Am-

pliada”, que era a ocupação da área nor-

te do então Seringal Empreza. Da década

de 70 para frente, esta avenida passa a

acompanhar o crescimento desordenado

causado pela grande migração do campo

para o tecido urbano de Rio Branco, onde

surgem várias invasões ao longo de sua

paisagem, cortando, assim, a cidade de

Rio Branco, fazendo-a crescer desordena-

damente.

Evidentemente, por ser a via mais

movimentada do município, e ter se tor-

nado, ao longo do crescimento da capital,

fluxo obrigatório para a maioria das vias

paralelas, fez com que esta via quase en-

trasse em colapso por não comportar o

crescimento de veículos automotores na

capital, criando a necessidade de retificá-

la urgentemente.

A transformação da “Nova Avenida

Ceará” teve início em 1999, no mandato

do então governador, Jorge Viana. No ano

de 2010, foi concluída a 3ª fase de inter-

venção desta via. Foram mais 720 metros

de urbanização (além de 200 metros da

rua Manoel Rodrigues de Souza) da pis-

ta que possui duas faixas de rolamento,

e uma de estacionamento, canteiro cen-

tral, com plantio de palmeira jerivá, faixa

de ciclista, e dois espaços de convivência

que, juntos, somam 2.111 metros qua-

drados, além de iluminação e sinalização

impecável. A Avenida Ceará recebeu, em

sua paisagem cultural, dois monumen-

tos artísticos, que têm a função não só

de possibilitar visualmente aspectos mais

modernos com ares de metrópole, mas

de homenagear um povo que contribuiu

significativamente para construção da ca-

pital acreana.

Este monumento, intitulado “Jan-

gada’’, evoca a lembrança da imigração

cearense para as terras acreanas, e é

erguido nesta avenida, como símbolo da

amizade e do reconhecimento ao Ceará.

Este símbolo agrega, a essa paisagem

cultural, mais um item que reforça o sen-

timento de pertencimento e apropriação

de um povo pelo querido seringal-urba-

no Rio Branco. Junto a este símbolo, foi

pintado em outro ponto da avenida, um

painel que demonstra e preserva a arte

acreana através de paisagens e persona-

gens típicos de Rio Branco, das primeiras

décadas do século passado, evocando o

passado não muito remoto ao moderno

presente que se delineia.

3.5.1.3 - AVENIDA CEARÁ – O INÍCIO TRANSFORMADO, A EVOCAÇÃO DO PASSADO DE UM POVO

NORDESTINO-ACREANO.

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Page 48: A História de Rio Branco através de seus varadouros

Principal via de acesso à capital, a

nova avenida muda a fisionomia do

Segundo Distrito, e insere Rio Bran-

co na lista das cidades urbanisticamente

modernas. Especialmente iluminada, com

pista dupla, palmeiras imperiais compon-

do a sua paisagem, com canteiros arbori-

zados com flores nativas e uma moderna

ciclovia, a rodovia se tornou uma espécie

de cartão-postal da cidade, fazendo com

que Rio Branco passasse, enfim, a ter

cara de capital.

A Via Chico Mendes, como passa a

ser denominada a antiga Rodovia AC-40

ou Via Expressa, foi oficialmente entre-

gue à população no ano de 2003, e sua

transformação durou mais de dois anos

de trabalho. Quem chega a Rio Branco

por via terrestre, pelo Segundo Distrito,

depara-se com uma obra sofisticada que,

além de encher os olhos dos visitantes, é

motivo de orgulho para os sujeitos acrea-

nos que compõe o Segundo Distrito.

A “Via Chico Mendes”, cujo nome

homenageia o líder sindical e ambienta-

lista assassinado em 1988, em Xapuri,

passa a ocupar o espaço de uma via de

grande porte, que hoje faz jus à condição

de principal via de acesso à Capital do Es-

tado.

Esta, como as demais obras estru-

turantes realizadas em Rio Branco, tem

o intuito não só de modernizar e prepa-

rar a capital para século XXI, assim como

incentivar o seu desenvolvimento econô-

mico e político, mas tem, também, o de

resgatar os valores culturais e históricos

de um povo e uma cidade, que é de enal-

tecer seus antepassados e manter vivas

as identidades culturais acreanas. A Via

de acesso a cidade de Rio Branco inicia

seu território nas proximidades da Ponte

“Coronel Sebastião Dantas”, na entrada

do bairro 06 de Agosto, a chamada ponte

nova, e segue até o Parque Chico Mendes,

na Vila Acre. A “Via Chico Mendes” alte-

rou, inexoravelmente, tanto o espaço ge-

ográfico, quanto a fisionomia do Segundo

Distrito, como o panorama visual da en-

trada da cidade de Rio Branco.

3.5.1.4 - VIA CHICO MENDES - A EVOCAÇÃO DE UM MITO ACREANO E A SUA TRANSFORMAÇÃO

NO CARTÃO POSTAL DA CIDADE.

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Page 49: A História de Rio Branco através de seus varadouros

A Rua Pernambuco era uma das ruas

que ainda possuía características

marcantes dos velhos tempos de

Rio Branco. Tratava-se de uma via para-

lela de acesso e interligação entre as três

principais avenidas centrais de Rio Branco

(Antonio da Rocha Viana, Nações Unidas

e Ceará). Estreita, sem calçadas e com-

plicada tanto para o trânsito, como para

os transeuntes, especialmente quando se

tratava de circulação de crianças, idosos

e pessoas deficientes, localiza-se na la-

teral da Escola Neutel Maia, e sempre foi

uma importante via entre a Avenida Antô-

nio da Rocha Viana e Avenida Ceará, vias

principais da capital

A estruturação e interligação desta

via foi de suma importância não só para

os dois fluxos viários principais e para a

comunidade localizada na área, como para

toda a região abastecida pela Antônio da

Rocha Viana, como os bairros Tancredo

Neves e Adalberto Sena, mas para con-

cretizar a ligação das ciclovias do Parque

da Maternidade ao Parque do Tucumã,

por meio do Binário das ruas Waldomiro

Lopes e Otávio Rola.

Sua reforma e ampliação teve início

em 2008, na gestão do governador Binho

Marques. Anteriormente, esta possuía

apenas 6 metros de largura, era deten-

tora de um grande índice de acidentes de

trânsitos, por não possuir pavimentação,

sinalização adequada, área de circulação

para ciclistas e calçamentos estreitos, o

que obrigava os pedestres a disputar es-

paços com os carros na rua. Agora, os 6

metros antigos de pista foram transfor-

mados em 14 metros, com 04 faixas de

rolamento e ciclovia, além de calçadas

amplas, em ambos os lados. A interven-

ção nos 625 metros de extensão da rua

também garantiu iluminação pública di-

ferenciada, drenagem pluvial, sinaliza-

ção de segurança adequada e ambienta-

ção paisagística. O espaço foi totalmente

transformado, modificando, inclusive, a

própria paisagem cultural local.

De todas as intervenções efetua-

das nas várias vias estruturantes de Rio

Branco, esta foi a mais difícil, por seu pro-

cesso de ampliação intervir em todos os

aspectos locais e, portanto, teve que con-

tar com a participação de todos os mo-

radores e comerciantes locais. Na nova

paisagem cultural, o novo e o tradicional

se harmonizam, as árvores centenárias

existentes na localidade permaneceram

no processo de reestruturação, e fazem

companhia ao toque artístico especial que

a paisagem local recebeu com as obras

de arte do artista plástico Dalmir Ferreira,

que compõem a paisagem dos muros da

quadra da Escola Neutel Maia, em xilogra-

vuras que retratam a vida e o cotidiano

dos seringueiros, sempre buscando exal-

tar a cultura que formou a cidade, como

nas demais obras concluídas na capital

acreana.

3.5.1.5 - RUA PERNAMBUCO.

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Page 50: A História de Rio Branco através de seus varadouros

Lembrando que a última ponte cons-

truída na capital de Rio Branco foi

na década de 70, o Anel Viário e

a Terceira Ponte representam um grande

feito histórico. A Terceira Ponte faz parte

de um complexo de obras que está mo-

dificando completamente a estrutura ur-

banística da cidade de Rio Branco, bem

como seu espaço territorial, que tem sido

aceleradamente expandido, causando im-

pactos sociais, culturais e econômicos ex-

pressivos, tanto no município, quanto no

Estado.

O Anel Viário melhorou o fluxo de

veículos no tão afogado centro da cidade,

possibilitou a expansão territorial para a

sua localidade e adjacências, aqueceu o

mercado imobiliário da região, passando

a evitar o tráfego de caminhões de trans-

porte de carga no centro de Rio Branco.

Além de possibilitar e acelerar o processo

de expansão territorial para a área de sua

localização e adjacências.

Os 16 quilômetros do Anel Viário,

dividiram-se em três frentes de traba-

lhos, nos quais foram beneficiados no pri-

meiro trecho da obra: o Distrito Indus-

trial, Tucumã, Ufac e Rotatória da escola

Armando Nogueira, que compreende um

total de três quilômetros de estruturação;

no segundo trecho: compreendeu o tre-

cho que vai da escola Armando Nogueira,

passando pela Fundacre, Estrada do Ca-

lafate, estrada da Floresta, parte da ro-

dovia Transacreana até as margens do rio

Acre; no terceiro trecho: compreendeu o

território de três quilômetros após o rio

Acre, passando pela estrada do Amapá

até interligá-la com a Via Chico Mendes,

numa extensão de 12, 93 quilômetros.

Paralelo às obras do Anel Viário, o

governo trabalhou na urbanização e hu-

manização de umas das áreas mais anti-

gas da cidade de Rio Branco, conhecida,

no seu período de criação, como Colônia

Agrícola Dias Martins, que compreende

o território que vai do inicio da estrada

que dá acesso ao Calafate, até a Praça

Raimundo Melo, área central do bairro,

com uma extensão de 4,2 mil metros. A

estrada teve a implantação de ciclovias,

iluminação especial, urbanização e paisa-

gismo. A terceira ponte sobre o rio Acre

também interliga os bairros Amapá e So-

bral.

Já no nível de desenvolvimento

voltado para o Estado, os investimentos

feitos neste anel viário visaram à garan-

tia da trafegabilidade de veículos de Rio

Branco à Cruzeiro do Sul, e os outros tre-

chos localizados nesta área que, em nú-

meros, significam o fluxo de 14.859 pes-

soas em viagens interestaduais e, além

disso, possibilitou a trafegabilidade dos

produtos produzidos nestes trechos inte-

restaduais, que significam 11 mil tonela-

das de carga dos mais variados tipos de

produtos que aquecem a economia local.

O trabalho na BR-364 também atingiu o

trecho que compreende o posto da Tucan-

deira, na divisa do Acre com Rondônia,

até o posto da corrente, no início da Via

Chico Mendes, na chegada a Rio Branco.

Observa-se, assim, que esta obra atingiu

todos os núcleos de Rio Branco, transfor-

mando todas as paisagens culturais da

capital.

3.5.1.6 - O ANEL VIÁRIO E A TERCEIRA PONTE - O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO DO ESTADO, E AS NOVAS ROTAS DE EXPANSÃO TERRITORIAL DA CAPITAL ACREANA.

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Page 51: A História de Rio Branco através de seus varadouros

Continuando o grande movimento

urbanístico e territorial da paisa-

gem cultural acreana, após a con-

clusão do Anel Viário e sua Terceira Pon-

te, e todas as outras vias estruturantes,

estamos entrando quase na reta final da

nova avenida acreana e sua quarta pon-

te, que vem corroborar com os proces-

sos expansionistas e de reordenamento

territorial ao qual a capital acreana vem

passando. Ainda não dá para avaliar e

mensurar sua contribuição quanto ao de-

senvolvimento econômico, social e cultu-

ral à capital acreana, devido a esta ainda

não se encontrar em funcionamento, mas

o que se pode verificar no atual momento

é que esta via estruturante já está trans-

formando a paisagem cultural da localida-

de onde está inserida, e promete ser um

grande benefício para os sujeitos acrea-

nos e à capital.

A quarta ponte sobre o rio Acre é

um desses projetos que chamam a aten-

ção pela grandeza e pela complexidade,

já que integra o sistema viário da Avenida

Amadeo Barbosa (em construção) ligando

o 1º ao 2º Distrito, e os principais acessos

rodoviários da capital, além dos principais

acessos rodoviários. Esta beneficiará, di-

retamente, os bairros Cadeia Velha, Areal,

Mauri Sergio, Habitasa, Baixada do Habi-

tasa e Seis de Agosto e bairros adjacen-

tes. Também ligará as ruas Epaminondas

Jácome e Seis de Agosto, criando os três

primeiros viadutos da capital nas ruas

Cearense, Santa Terezinha e Epaminon-

das Jácome. O viaduto da Epaminondas

Jácome terá 19 metros de extensão por

4,60 de altura. Seu trajeto viário iniciará

na Quarta Ponte, passa pela rua Seis de

Agosto, que será totalmente urbanizada

e modernizada e, em seguida, alcança a

pista de aviação do antigo aeroporto, li-

gando imediatamente ao Estádio Arena

da Floresta e à Via Chico Mendes, criando

acesso rápido à BR 364.

3.5.1.7 - AMPLIANDO AINDA MAIS O TERRITÓRIO ACRE-ANO - AVENIDA AMADEU BARBOSA E A QUARTA PONTE.

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Page 52: A História de Rio Branco através de seus varadouros

É inquestionável a transformação

paisagística e urbanística que Rio

Branco vem passando ao longo das

duas últimas décadas, assim como a pre-

ocupação da gestão pública não só com

os espaços territoriais (antigos e novos)

aos quais foram destinados todos os in-

vestimentos e infra-estruturas citados ao

logo deste texto, como aos bens patrimo-

niais pertencentes ao povo acreano loca-

lizados em algumas das paisagens cultu-

rais analisadas, que foram revitalizados

e destinados a usos e utilidades públicas

realmente necessárias ao processo de ex-

pansão e seu desenvolvimento.

Apesar das divergências de olhares

quanto às transformações das paisagens

culturais e as revitalizações e destinações

de usos dos vários patrimônios culturais

da capital acreana e seus reais benefícios,

ao que parece cada paisagem, favorecida

por essas transformações, foi milimetri-

camente voltada à tentativa de resgate

da identidade cultural local, ao incentivo

ao pertencimento e apropriação da his-

tória da cidade e de um povo. Mantendo

sempre viva, dentro deste mosaico que

se tornou Rio Branco (seringal-urbano),

a mistura harmônica entre as edificações

antigas e tradicionais, com as modernas,

a evocação de um passado vivo e presen-

te dos tempos de seringais, seus heróis

e suas histórias, agora contada por cada

rua, avenida, praças, “nova” paisagem

construída e obras de artes inseridas na

“nova Rio Branco”, que se reinventou e se

ressignificou.

Para muitos acreanos estas “novas-

velhas” paisagens denotam o verdadeiro

significado de suas raízes e histórias, para

muitos outros conota, um passado ma-

nipulado, um presente reinventado, de-

senraizados de suas verdadeiras origens

e de sentido específico e mercadológico.

De qualquer forma, essa é a “nova Rio

Branco” do século XXI, um seringal-ur-

bano no sentido mais literal da palavra.

Mantendo as contradições da zona rural

e urbana vivas no território do município,

indissociáveis uma da outra, que apesar

dos problemas apresentados continua

sendo querida e amada pelo povo acre-

ano. Como toda transformação, as que

Rio Branco perpassou apontaram pontos

positivos e negativos aos vários olhares

subjetivos dos sujeitos acreanos.

Considerando as pontuações posi-

tivas e negativas quanto as informações

apresentadas sobre as várias paisagens

culturais analisadas, suas especificidades

(o espaço das práticas e seus sujeitos) e

todas as transformações balizadas pelo

poder público incorridas nos processos

descritos (a gestão do território e a prá-

tica estratégica) devemos fazer algumas

pontuações e ressalvas importantes, que

tem o intuito apenas de demonstrar os

pontos positivos e negativos desses pro-

cessos e auxiliar melhor o planejamento

urbanístico do município de Rio Branco na

contemporaneidade, de modo que auxilie

e possibilite a preservação e valorização

das identidades, memórias e patrimônios

culturais.

Durante as análises foram conside-

rados pontos positivos quanto as “novas”

paisagens culturais rio-branquense:

1 - a humanização de antigos ter-

ritórios, transformando-os em espaços de

convivências melhores, posto que desde

o seu surgimento, sempre tiveram aspec-

tos inóspitos e estruturas inadequadas;

2 - a expansão territorial do teci-

do urbano do município de Rio Branco,

que possibilitou ampliar o atendimento a

população que migra constantemente do

campo para a cidade e imigra de outras

cidades para o município e que sempre

tende a se alocar em territórios mal loca-

lizados, sem a menor infra-estrutura. Le-

vando em consideração que estes novos

espaços emergiram acompanhados de in-

fra-estrutura, mesmo que mínima e que

tendem a suprir em um primeiro instan-

te a demanda que é sempre crescente:

1) atendendo a demanda que é sempre

crescente, possibilita-se aos vários sujei-

tos a transformação destes novos terri-

tórios e a manutenção nestes espaços da

valorização das suas identidades cultu-

3.6 - SÍNTESE DAS VIAS ESTRUTURANTES

102 / ZEAS 103 / ZEAS

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Page 53: A História de Rio Branco através de seus varadouros

rais, memórias sociais e seus respectivos

patrimônios culturais, bem como possi-

bilita ao município desenvolver interna-

mente, preenchendo os grandes vazios

ainda existentes no seu território; 2) a

transformação de algumas das “novas”

paisagens culturais surgidas nos últimos

vinte anos, em espaços de convivências

comunitárias, de manifestações culturais

individuais e coletivas e de práticas es-

portivas e de lazer e sua transformação

em patrimônios públicos ( Parque Canal

da Maternidade).

3 - a valorização da terra e do capi-

tal imobiliário investido sobre esta, tanto

nos “novos territórios” criados, quanto nos

antigos territórios humanizados, que fo-

ram retificados, reestruturados e reoder-

nados pelas novas vias estruturantes da

capital acreana, que conseqüentemente

acabaram por: 1) atrair para estas áreas

novos investimentos internos e externos,

transformando-as significativamente tan-

to o aspecto físico, quanto o visual, que foi

vinculado a imagem turística da capital,

com suas respectivas paisagens culturais

de forma geral. Porem não podemos dei-

xar de fazer a ressalva e de refletir sobre

os impactos que estes investimentos imo-

biliários quando não acompanhados pelo

poder público podem inferir de forma di-

reta sobre os bens patrimoniais contidos

nestas paisagens culturais.

4 - a transformação dos patrimô-

nios culturais do município em “novos

espaços” voltados a utilidade pública e

potencializando-os em pontos turísticos,

visto que estes objetos são tão necessá-

rios ao desenvolvimento social e cultural,

quanto econômico.

Aos pontos negativos foram dados os se-

guintes destaques:

1 - a falta de ações e estratégias

que preservem os patrimônios culturais

contidos nas áreas não centrais e perifé-

ricas da cidade, visto que estes patrimô-

nios: 1) precisam necessariamente ser

identificados, preservados e revitalizados;

2) se possível potencializados para usos

comunitários, para auto-sustentabilidade

cultural e turística do município, manten-

do a incipiência necessária para preserva-

ção das características originais dos bens

patrimoniais (material) e fortalecimento

e valorização das identidades culturais

locais, seus fazeres, saberes tradicionais

(patrimônios imateriais). Visto que estes

patrimônios são de fundamental impor-

tância ao desenvolvimento sociocultural

das comunidades, por fazerem parte de

suas práticas culturais cotidianamente,

que devem necessariamente de acordo

com as atuais necessidades, ser reade-

quados e destinados a “novos” usos que

sejam essenciais ao desenvolvimento das

comunidades ao qual pertencem e poten-

cializados como os demais patrimônios

contidos nas áreas centrais do município.

2 - a falta de gestão compartilhada entre

a sociedade civil e poder público, quanto

as questões pertinentes: 1) a identificação

e relevância dos bens patrimoniais, posto

que as comunidades devem necessaria-

mente orientar a gestão pública, quanto a

importância desses objetos (patrimônios)

e suas respectivas utilizações no âmbito

comunitário, bem como sua importância

social, cultural e econômica; 2) os pro-

cessos de revitalização, preservação e as

“novas” destinações de usos e adequa-

ções dos bens patrimoniais (contidos nas

áreas centrais e periféricas), pelo qual es-

tes patrimônios devem perpassar, posto

que a sociedade precisa estar envolvida

no processo, para que esta possa apon-

tar soluções para as questões complexas,

sejam estas de natureza material, ou,

imaterial, dirimindo desta forma as sus-

citações de divergências sobre as ações

executadas pela gestão pública, evitan-

do assim, a reconfiguração das relações

identitarias com estes bens e o enfraque-

cimento das identidades culturais locais

que implica na não utilização e reconhe-

cimento social dos respectivos bens após

esses processos. Além de permitir nesse

processo que a sociedade civil exerça a

sua cidadania e permita também que esta

alcance consciência social e preserve o

seu direito a memória social. Posto que

as intervenções feitas nestes patrimônios

culturais tem suscitados muitas discus-

sões e divergências, quanto a sua “nova”

utilização, e em alguns casos reconfigu-

rou suas imagens e relações identitárias

ao ponto de enfraquecer o elo entre os

sujeitos e o seu próprio patrimônio, como

foi o caso do Palácio Rio Branco, Memorial

dos Autonomistas, Praça da Revolução,

entre outros.

Por outro lado é de interesse de

todos, inclusive do poder pública a pre-

servação destes bens, o incentivo a uti-

lização dos mesmos pela sociedade civil,

e principalmente que estes objetos além

de manter sua função inicial, agregue em

valor as “novas” necessidades contempo-

râneas.

3 - a falta de mapeamento e inven-

tário do município de Rio Branco, para que

a gestão pública possa ser auxiliada nas

ações estratégicas destinadas a expandir

e transformar estes diversos territórios

contidos no município, inclusive preser-

vando-os enquanto paisagens heterogê-

neas, com todas as suas especificidades e

insipiências necessárias a não descarac-

terização e transformação em paisagem

especifica e mercadológica.

Apesar de todas as transformações

positivas e negativas a que Rio Bran-

co vem passando, por meio das “novas”

vias estruturantes, não podemos encerrar

este tópico, sem refletir sobre o assunto

que preocupa muito a sociedade acreana,

e que deve ser parte integrante do pla-

nejamento estrutural dessas “novas vias”,

que concerne aos usos e destinações dos

recursos hídricos existentes dentro do

perímetro territorial do município de Rio

Branco, e já que cabe, a essas “novas

vias” o planejamento e expansão territo-

rial, o novo reordenamento espacial da

cidade neste contexto contemporâneo,

bem como a implementação de novas

políticas tanto no âmbito social, cultural

como ambiental, deve-se ressaltar que

as novas zonas de ampliação dessas vias

estruturantes trouxeram para dentro do

perímetro do territorial urbano do municí-

pio, muitos recursos hídricos, que devem

ser preservados para que não incorram

nos mesmos destinos dos já citados neste

texto, perdendo, assim, sua função eco-

nômica, ambiental, mas principalmente

cultural (igarapé Canal da Maternidade,

São Francisco, Batista).

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Page 54: A História de Rio Branco através de seus varadouros

Não só a área configurada como

território urbano da capital está

passando por uma reestruturação

e transformação, como também o interior

desta área, que tem um complexo paisa-

gístico muito particular, que está sendo

reconfigurado pela nova política urbanís-

tica do município. Os rios, lagos e igara-

pés de fundos de vales que, por muitas

décadas, ficaram fora do perímetro terri-

torial urbano da capital, atualmente, com

o largo processo de expansão do muni-

cípio, estão sendo rodeados pelas novas

áreas de ocupações, por continuarem, em

grande medida, ditando o crescimento e

a expansão da cidade, pois, tendencio-

samente, a população insiste em seguir,

como no passado, os cursos de suas nas-

centes hídricas.

3.7 - DE RIOS, LAGOS, IGARAPÉS E FLORESTAS.

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Page 55: A História de Rio Branco através de seus varadouros

Descendo o rio Acre tomamos co-

nhecimento que, durante o verão,

existem cachoeiras e obstáculos

que estão ali desde o início do povoamen-

to do Acre, e que impedem a navegação

até de embarcações médias. De qualquer

modo, faz bem descer o rio, porque mes-

mo de baixada, logo descobrimos que lá o

tempo é mais longo, marcado pelo ritmo

dos motores, como um dia já foi marcado

pelo ritmo dos varejões. Mas não é ne-

cessário andar muito para chegar até o

Quixadá, um lugar especial que guarda

centenas de histórias e memórias, todas

muito evidentes, mesmo aos olhares mais

superficiais.

Mesmo estando cercado por proje-

tos de assentamento e fazendas de gado,

o Quixadá guarda as marcas do antigo se-

ringal (casas, cemitérios e pessoas vivas)

3.7.1. - RIO ABAIXO – QUIXADÁ

que deu origem aos padres Peregrino e

José, considerados acreanos após vasta

estada. O lugar ainda foi transformado

na cidade cenográfica da Minissérie Ama-

zônia aumentando o seu potencial turís-

tico, que ainda permanece apenas como

potencial, colocando em questão a viabi-

lidade e a sustentabilidade do turismo nas

áreas florestal e rural, apesar de tão pro-

palado ultimamente.

Esta área encontra-se em um pro-

cesso de transição de zona rural para zona

urbana, nitidamente acelerada, precisan-

do de uma intervenção política urgente

para a proteção do próprio espaço (paisa-

gem cultural), a preservação da memória

social existente nesta comunidade, seus

recursos hídricos, bem como o próprio

desenvolvimento econômico e turístico

que possui a localidade.

Diferente de outros rios acreanos,

o rio Acre não formou muitos la-

gos em suas margens. O que é

uma pena, pois esses lagos sempre fo-

ram muito importantes para os povos da

floresta. Mesmo assim, entre os poucos

existentes, destaca-se o Lago do Ama-

pá, que vem passando por um processo

de devastação de seu entorno a partir de

uma comunidade organizada e alocada na

sua área a pouquíssimo tempo. Este lago

se constitui em mais um exemplo da má

utilização de recursos naturais seja para o

turismo, seja para a conservação ambien-

tal, como para a subsistência econômica

de suas populações tradicionais.

Mas não se pode falar de Amapá

sem lembrarmos dos antológicos Festi-

vais do Amapá. É interessante observar

3.7.2 - RIO ACIMA - LAGO DO AMAPÁ – PAISAGEM E MODIFICAÇÕES AMBIENTAIS

essa face Woodstok do Acre dos anos 80,

com toda a contestação, crítica e criati-

vidade, características daquele momento

da história acreana, e que informam de

um Acre que se recriou diante de cada

nova necessidade. Entretanto, por mais

importante que tenha sido o festival do

Amapá, e por mais belo que seja o Lago

do Amapá, nada disso anula o fato de que

se trata de uma área sob forte pressão

imobiliária, e que tende a se intensificar

nos próximos anos. Ou seja, não basta

pensar sobre o que já foi, mas para onde

vai, ainda mais quando o aceleramento

de investimentos em capital imobiliário e

a ocupação da área se intensificou com a

conclusão das vias estruturantes (Via Chi-

co Mendes, o Anel Viário e a sua Terceira

ponte).

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Page 56: A História de Rio Branco através de seus varadouros

O nome atual deste rio é herança

da época em que os seringalis-

tas fechavam a boca de um rio,

e se tornavam proprietários do rio intei-

ro. Como a família de João Rola era dona

do Seringal Benfica, por conseqüência, o

riozinho se tornou conhecido como o rio-

zinho dos Rola. O que é uma pena já que,

no mapa de Chandless, esse curso d’água

aparece com o belo nome indígena Iraria-

pé. Ainda assim, o riozinho é, hoje, muito

importante para todo o município, porque

é um importante manancial de água, que

detém a última grande área de floresta

contínua do município, e porque ainda

possui significativa população de agri-

cultores, ribeirinhos e extrativistas, com

todas as misturas que essas categorias

exercem nas suas práticas culturais ainda

nos dias atuais.

Além disso, foi encontrado, numa

3.7.3 - O RIOZINHO DO ROLA E O SÍTIO MACAUÃ.

colônia do Riozinho, um importante sítio

arqueológico denominado sítio Macauã,

que possui uma cerâmica muito diferente

daquela encontrada nos sítios com estru-

turas geométricas de terra (que integram

a Tradição Quinari), sem mencionar uma

grande quantidade de lâminas de macha-

do de formas e matérias primas varia-

das. Considerando que, talvez, trate-se

de uma ocupação ainda mais antiga que

a verificada nos sítios da Tradição Quina-

ri, e que a maior parte deste rio nunca

foi pesquisada, fica clara a importância

de tornar o riozinho numa grande área

de intensas pesquisas arqueológicas, as-

sim como a importância em preservá-lo,

sem contar no próprio despontar turístico

que uma vez trabalhado pode ser tornar

um importante museu etnográfico a céu

aberto. O que também diz respeito às

realidades sócio-econômica e ambiental

mencionadas acima.

Como podem ver, de fato verda-

deiro, sempre terminamos e ini-

ciamos pelo mesmo lugar, o que

muda, cada vez que iniciamos e termina-

mos a caminhada por estas, são apenas

os elementos que compõem a paisagem e

que são, constantemente transformados

pelo agenciamento do homem sobre o

seu espaço, e pelo auxilio e a intervenção

do poder publico.

É sobre o agenciamento do homem

3.7.4 - O RIO ACRE - O MARCO INICIAL E FINAL DA CONSTRUÇÃO DE UMA CIDADE, DE UM POVO

E DE UMA CULTURA.

sobre esse bem, sua utilidade, suas vá-

rias faces e fases e, ao que parece, ao

não acompanhamento da gestão publica

a este agenciamento, que discutiremos

acerca deste patrimônio, que além de ser

o maior de todos, ao que parece, consti-

tui-se, ao mesmo tempo, no início de uma

cidade, de um povoado e, atualmente, na

extinção de práticas importantes de uma

cultura que não existem mais.

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Page 57: A História de Rio Branco através de seus varadouros

3.7.4.1 - A Cidade transfor-mada pelo Rio

Com o período das cheias, a paisa-

gem cultural de Rio Branco é fortemente

marcada pela presença do rio. Durante

alguns anos, as margens de ambos os la-

dos transbordavam tanto que tornavam-

se ancoradouros para os navios e chatas.

O cotidiano dos moradores de Rio Branco

foi construído a partir da dependência de

embarcações chamadas “Catraias”, que

faziam o transporte de passageiros de um

Distrito ao outro da cidade. Ainda hoje,

durante o período das chuvas, as águas

do Rio Acre sobem tanto que o fenômeno

da alagação sempre é possível de ser vi-

sualizado nos meses de dezembro a feve-

reiro.

3.7.4.2 A Catraia

Foi a partir de 1908, com a expan-

são da cidade nas duas margens do rio,

que a Catraia teve um importante papel

para unir os dois lados, por ser, também,

o primeiro meio de transporte coletivo or-

ganizado de Rio Branco. Ficou tão popu-

lar que ganhou versão pública, batizada

de Jabuti, pela velocidade em que fazia

a travessia. Ele ficou tão conhecido e

disseminado que virou nome da catraia

e do catraieiro. Na folha de pagamento,

encontrava-se o salário do jabuti, e não

dá pessoa que o manobrasse. Com uma

organização própria, além do Catraieiro,

existe também a figura do dono da ca-

traia, que também é dono do ponto, mas

não necessariamente precisava ser a pes-

soa que manobrava o transporte. Mesmo

a partir dos anos 70, quando foi erguida

a primeira ponte, o transporte se mante-

ve e os panos em cima das Catraias, uti-

lizados para proteger os passageiros da

chuva e do sol, continuaram compondo a

paisagem e a memória da história acrea-

na. Hoje, esse transporte ainda funciona,

como meio de interligação das paisagens

culturais de Rio Branco, e atravessa os

moradores do bairro Sobral no Primeiro

Distrito, ao, bairro Cidade Nova, no 2º

Distrito.

3.7.4.3 O ofício da Pesca

O grande Rio Acre não serviu de

palco apenas para a admiração de suas

cheias, ou para as travessias e passeios

de catraias, tão pouco apenas para a re-

volução acreana. Durante décadas serviu

como cenário de sobrevivência para fa-

mílias que habitavam suas margens. O

ofício do pescador é uma das tradições

populares ainda preservadas em nosso

estado. É a partir da prática dela que mui-

tos fazeres e saberes do povo acreano se

constituíram, traduzidas nas comunida-

des indígenas, seringueiros e ribeirinhas.

Apesar de, atualmente, a pesca ser uti-

lizada de forma mecanizada, a pesca ar-

tesanal ainda se faz presente nos dias

atuais, reafirmando fazeres e saberes

amazônicos, passados de geração a gera-

ção. A prática artesanal vai do manuseio

de utensílios específicos, como caniços,

linhadas, puçás, fisgas, facões, redes (de

lanço ou de arrasto, as de malhar, para

caceio ou espera), cercos fixos, tarrafas,

girivás (tarrafinhas), espinhéis, currais

(também conhecidos por cercos fixos ou

chiqueiros de peixes) e arpão, todos utili-

zados para pesca, até a sua transformação

em alimento ou ornamento, que também

são feitos de forma artesanal. Valorizando

o ofício de pescador, bem como a preser-

vação e proteção de nosso Rio, preser-

vando a identidade amazônica e parte da

história acreana.

3.7.4.4 Paisagem Cultural, plantio e lazer

A vida no seringal era extremamen-

te distante dos centros, e a comunicação

demorava meses, levando o ribeirinho a

buscar, na agricultura de subsistência, um

meio de reforçar a alimentação familiar.

Quando as águas começavam a baixar, e

as margens se transformavam em praias,

era momento de começar a “limpa da

praia para plantar o roçado”. Além do ce-

nário perfeito para o plantio, estas praias

tornavam-se palcos de muitas histórias e

brincadeiras de tempos de crianças. Hoje,

dele, poucas histórias são contadas, já

não vemos as crianças nadando, embar-

cações chegando, os roçados brotando,

apenas nas colocações mais distantes

ainda há resquícios destas tradições que,

por décadas, perpetuaram-se. De fato,

as extensões das praias eram formadas

e transformadas, conforme a relação do

homem com o rio. Relação essa que o

acreano, com o passar do tempo, parece

ter esquecido e que faz com que este Rio,

hoje, cruze silenciosamente todo o esta-

do.

O Rio Acre precisa ser preservado e

precisa novamente ser lembrado pelo seu

povo e amado por ele. A grande paisagem

cultural que construiu a história e as me-

mórias desta cidade é, hoje, um palco de

fazeres e saberes enfraquecidos e esque-

cidos pelo tempo.

A pergunta que nos cabe fazer,

neste momento, e que não está a par das

questões ambientais e, em certas medi-

das econômicas, concerne ao que deve-

mos fazer para tornar este Rio, que já foi

palco de grande efervescência cultural,

encontrar-se silencioso, sujo, enfraque-

cido nas práticas culturais difundidas por

sua paisagem cultural e decadente, nova-

mente em palco de tradições populares,

de fazeres e saberes culturais fortaleci-

dos, em uma paisagem cultural limpa e

bonita, digna de ser novamente observa-

da e amada?

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Page 58: A História de Rio Branco através de seus varadouros

Para as considerações finais (prog-

nóstico) devemos levar em consi-

deração aspectos que devem cola-

borar para nortear os gestores públicos na

elaboração de ações de Políticas Públicas

voltadas para a valorização das identida-

des, memória e patrimônio cultural.

Considerando que os bens culturais

refletem a identidade dos grupos sociais

que os criaram, é preciso buscar cami-

nhos para que novas práticas sócio-espa-

ciais possam ocorrer a partir do pertenci-

mento cultural das comunidades com as

áreas (paisagens culturais) e seu entor-

no, para que auxiliem na preservação dos

bens patrimoniais contidos nestas.

Para efetivação de tais ações (in-

centivo ao pertencimento, apropriação

e preservação dos bens patrimoniais) é

necessário que as paisagens culturais em

primeiro instante sejam mapeadas, por

isso faz-se necessário que o município de

Rio Branco, seja inventariado.

O inventário do município faz-se

urgente em decorrência dos processos

transformativos pelo qual as paisagens

culturais acreanas estão perpassando

de forma recorrente, e, por conseguinte

acelerados nas duas últimas décadas (5º

período de formação do município de Rio

Branco). Este mecanismo poderá servir

de orientação para implementação de po-

líticas públicas e ações estratégicas vol-

tadas a preservação e salvaguarda, não

apenas das paisagens culturais, como dos

bens patrimoniais contidos nas áreas cen-

trais, periféricas, e de reconhecimento e

relevância histórica do município.

Quanto às áreas não centrais (pe-

riféricas) e seus respectivos bens patri-

moniais, a maior preocupação por parte

da população concerne: 1) o não reco-

nhecimento destes objetos (patrimônios)

e, por conseguinte o não beneficiamento

destes pelas políticas públicas voltadas a

preservação e salvaguarda, apesar des-

tes patrimônios estarem passando por

vários processos de reconfiguração e as

paisagens culturais por processos de hu-

manização e reordenação territorial, sem

ter as suas especificidades resguardadas;

2) por estes processos (reordenamen-

to territorial) inferirem de forma direta

sobre as paisagens culturais, reconfigu-

rando-as, alterando os bens patrimoniais

(materiais) e ressignificando as relações

e imagens identitárias dos sujeitos com

estes patrimônios (imateriais) ocasionan-

do a perda do seu valor simbólico para as

comunidades.

Outra preocupação concerne justamente

as áreas centrais (paisagens e bens patri-

moniais), visto que estas também perpas-

sam por processos de reordenamentos e

reconfiguração territorial e os seus patri-

mônios estão sendo revitalizados e des-

tinados a “novos usos”: 1) criando para

além de outras paisagens, outras imagens

e relações identitárias; 2) sendo poten-

cializadas para movimentos urbanísticos

turísticos, sem manter a insipiência que é

necessária a preservação das identidades

culturais locais, tornando-se em espaços

e bens específicos de usos mercadológi-

cos, sem a valorização da cultura local.

Neste caso, o inventário poderá servir

de subsídio para o melhor auxílio do pla-

nejamento urbanístico do município na

contemporaneidade e como ferramenta

essencial para o fortalecimento das cultu-

ras locais, preservação da memória social

e potencialização dos bens patrimoniais

para o desenvolvimento sóciocultural e

econômico, e de incentivo a auto-susten-

tabilidade da cultural local, mantendo as

incipiências necessárias a manutenção de

suas características locais e o fortaleci-

mento de suas simbologias junto a comu-

nidade.

Conhecendo a complexidade am-

biental do município de Rio Branco na

atualidade e a perda constante do valor

simbólico das paisagens culturais e seus

respectivos bens patrimoniais, uma nova

leitura do território na contemporaneida-

de se faz necessária, como também o di-

álogo entre território urbano, geografia

cultural e educação, para a ampliação do

debate e a abertura de novos caminhos

para a reconstrução da cidade, por meio

de políticas de reorganização do espaço

urbano que priorizem a cidadania.

Neste sentido, a Educação Patri-

monial é uma estratégia importante para

um planejamento urbano, associado à

gestão territorial e à inserção social das

comunidades em prol da preservação dos

bens patrimoniais contidos nas paisagens

culturais acreana. Estabelecendo o diá-

logo necessário entre a gestão pública e

sociedade civil, objetivando construir um

conhecimento que mostre a importância

de uma visão de conjunto dos problemas

culturais, ambientais e urbanos. Para que

as contradições existentes nas práticas

sociais atuais possam apontar novos ca-

minhos e alternativas adequadas à gestão

das cidades contemporâneas, principal-

mente, no que diz respeito à preservação

do patrimônio cultural. Sejam estes patri-

mônios naturais, edificados e integrados

no contexto da globalização do território

urbano, que diz respeito aos aspectos po-

líticos, econômicos, sociais e culturais da

cidade de Rio Branco. Além de estabelecer

o diálogo necessário é preciso também re-

fletir neste processo a necessidade de um

planejamento urbano estratégico, consi-

derando a dinâmica e realidade do terri-

tório local. Assim sendo, essa integração

(entre sociedade civil e gestão pública)

sugere uma força, que pode significar um

combate às constantes fragmentações do

espaço urbano, referente às relações no

processo de produção, tais como socieda-

de-natureza; rural–urbano; local-global;

sujeito-objeto, teoria e prática social.

4.CONSIDERAÇÕES FINAIS

114 / ZEAS 115 / ZEAS

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Page 59: A História de Rio Branco através de seus varadouros

O enfrentamento da questão ur-

bana deve ser concretizado, pelo reco-

nhecimento de sua complexidade que

comporta incertezas e estas, devem nos

permitir refletir e levantar questionamen-

tos, a fim de sugerir alternativas para a

busca de soluções. Essa nova leitura deve

ser entendida, como um conhecimento

integrado da problemática rural-urbana,

existente em Rio Branco, onde os proces-

sos urbanos e históricos de reconstrução

dessa cidade possam ser revelados atra-

vés das relações entre diferentes escalas

espaciais e da dependência entre os dife-

rentes aspectos (sociais, culturais, econô-

micos, ambientais e políticos).

A educação patrimonial por tanto

desempenhará o papel de facilitador no

diálogo entre a gestão pública e a socie-

dade civil, educando e orientado ambos.

Sendo esta voltada não só a sociedade ci-

vil, com o intuito de orientação da mesma

quanto à importância, o desenvolvimento

e as destinações de “usos” dos territó-

rios e seus respectivos patrimônios, como

também deve ser voltada a gestão públi-

ca, para que esta possa repensar o olhar

sobre essas paisagens e compreender a

importância dos bens patrimoniais para a

sociedade civil, bem como as reais neces-

sidades da sociedade e as relações que

esta mantêm com suas paisagens e bens

culturais.

Por tanto o inventário e a educa-

ção patrimonial tem o intuito de garantir

aos cidadãos acreanos o conhecimento,

preservação e valorização dos bens pa-

trimoniais, incentivo a preservação das

identidades culturais locais, a valorização

das memórias sociais, bem como auxiliar

a gestão pública por meio de processo

participativo e compartilhado com a so-

ciedade civil na criação de políticas públi-

cas e de ações educativas voltadas para

a preservação das paisagens e seus bens

patrimoniais.

Ao trabalharmos a paisagem cultural do

Município de Rio Branco, percebemos que

além das necessidades acima citadas (o

inventario do município e a educação pa-

trimonial voltada para os gestores públi-

cos e sociedade civil), faz se necessária

a implementação da Lei 1.677/2007 do

Patrimônio Cultural do Município de Rio

Branco e a implementação no da Porta-

ria 127/2009 do IPHAN, que estabelece a

chancela das Paisagens Culturais Brasilei-

ras. Esta define como paisagem cultural

brasileira “toda porção peculiar do terri-

tório nacional, representativa do processo

de interação do homem com o meio natu-

ral, à qual a vida e a ciência humana im-

primiram marcas ou atribuíram valores”,

proporcionando um novo debate e uma

nova visão do Patrimônio Cultural na pers-

pectiva contemporânea para se pensar de

forma mais integrada diversas idéias tra-

dicionais do campo da preservação do pa-

trimônio, da arquitetura paisagística e do

planejamento urbano e territorial. .

4.1 - MECANISMOS SUGERIDOS PARA PRESERVAÇÃO E SALVAGUARDA DAS PAISAGENS CULTURAIS E BENS PA-

TRIMÔNIAIS DO MUNICÍPIO DE RIO BRANCO.

1 - Inventario do Município de Rio Branco; 2 – Educação Patrimonial voltada para os gestores públicos e sociedade civil;

3 – Implementação da Lei 1.677/2007 de Patrimônio Cultural do município de Rio Branco;

4 – Chancelamento das paisagens culturais por meio da Portaria 127/2009 do Iphan.

5 - Criação do Fundo Municipal de Preservação e manutenção do Patrimônio Cultural.

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Page 60: A História de Rio Branco através de seus varadouros

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entre 18 de agosto e 31 de dezembro de 1904.

6. ANEXOS5 . REFERÊNCIA BIBLIOGRAFICAS

Dos tempos...Nesses dias intensos que antecedem a Con-ferência de Rio Branco, sem nenhum motivo aparente, me lembrei da época em que ficava calculando quantos anos eu teria na virada do milênio, de 1999 para 2.000. Isso foi mais ou menos na época que entrei na Universidade, em meados dos anos 80.

Não que eu acreditasse nas apocalíp-ticas profecias do fim do mundo. Mas gostava de tentar imaginar quem eu seria no novo mi-lênio, que me parecia extremamente distante então. E, talvez por isso mesmo, nunca con-segui nem ao menos chegar perto de supor o que de fato viria a me acontecer. Mas isso nem importava muito mesmo. Eu era jovem e acreditava que podia tudo... ainda.

Estava imerso nessas lembranças quando cheguei ao Parque Capitão Ciria-co e como sempre, fui imediatamente as-saltado pelo choque da realidade. Trabalho, problemas,discussões, emergências...Mas, ao abrir o computador, como faço todos os dias, algo surpreendente aconteceu. Em minha caixa de mensagens havia um e-mail estranho. O nome do remetente era ininteli-gível. Não porque composto com caracteres gráficos ou inusuais como muitos dos spams e vírus que todos recebemos todo dia. Mas por-

Anexo I TEXTOS SOBRE A CULTURA E PATRIMÔNIOS CULTURAIS.

A conferir: Memórias da Cultura em Rio Branco(Marcos Vinícius e Giselle Lucena)

que escrito com sinais exóticos, sem sentido em nenhuma língua que eu conheça. E olha que eu pensei de sânscrito à ideogramas chi-neses e nada chegava nem perto. Mas, pelo menos, uma coisa eu conseguia ler: a data – 18 de setembro de 2020.

Bicho curioso é o homem. O jeito é arriscar e abrir, se for vírus não abro o anexo e pronto. Deleto. Simples assim.

Mas foi só triscar no mouse e a men-sagem abriu e tomou de conta da tela inteira. Piscando, apagando, fazendo toda sorte de sons e ruídos estranhos. Tomei um susto da-queles e desesperado tentei apertar qualquer coisa que pudesse me salvar. Esc, Enter, Del... E no auge do desespero apertei duas, três vezes seguidas o botão de desligar do com-putador antes que ele desse pau de vez e eu perdesse todos meus arquivos pra sempre...Mas nada aconteceu e o computador exibiu em tela cheia uma mensagem que, pelo menos, eu conseguia entender, dizia assim: ESTA É UMA MENSAGEM ESCRITA EM 5D, DEVI-DO A LIMITAÇÕES DO SEU PROCESSA-DOR NÃO É POSSÍVEL VISUALIZAR SEU CONTEÚDO EM PROJEÇÃO MULTIDIMEN-SIONAL, CLIQUE ENTER+INSERT PARA EXIBI-LA EM FORMATO de TEXTO.

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Como eu não tinha mais o que fazer mesmo e já me convencera da perda total de tudo o que escrevi nos últimos cinco anos (no mínimo), resolvi seguir as instruções e apertar as teclas indicadas.E pra minha nova surpre-sa abriu um arquivo de texto normal, escrito de forma normal, no nosso português normal. Chega respirei fundo, só não sei se por alívio por poder salvar o computador, ou por medo do que pudesse estar ali escrito.

Mas como o conteúdo da estranha mensagem não dizia respeito só a mim, mas a todos nós que estamos participando da II Conferência de Cultura de Rio Branco, con-sultei a equipe da Garibaldi Brasil sobre o que fazer desta mensagem e decidimos trazer pra vocês as notícias dessa visitante incomum, que parece saber exatamente o que já fize-mos e o que estamos fazendo por aqui.

Como não seria justo adiantar nada do que contém a mensagem vou me limitar a avisar que lendo esse e-mail inesperado, lem-brei de uma música daquela mesma época da Universidade quando eu calculava o longínquo ano 2.000 e me surpreendi porque já esta-mos em2009, e só agora me dou conta de como todo esse tempo passou muito rápido demais...Com vocês então, sem mais delon-gas, a mensagem...

Ah! Sim!Quem estiver curioso sobre a música que foi lançada nos anos 80 da qual me lembrei, esclareço que é a do Caetano e transcrevo seu início, que de todo jeito é lin-do. Talvez,mesmo que de uma forma também estranha, esse trecho da música possa expli-car ao menos, como essas coisas extraordiná-rias às vezes acontecem...

“Respeito muito minhas lágrimasMas ainda mais minha risada

Inscrevo assim minhas palavrasna voz de uma mulher sagrada

Vaca profana põe teus cornosPra fora e acima da manada...”

(Vaca Profana – Caetano Veloso)

Rio Branco – Acre, setembro de 2009Marcos Vinicius Neves

Presidente da Fundação Garibaldi Brasil

Não sei exatamente quando nasci ou quantos anos tenho. Meu nome, me Não deram há pou-co tempo. Meu pai é desconhecido. Mãe, te-nho várias. As pessoas costumam me atribuir vários sentidos, motivos e definições. Mas eu sei muito bem quem sou, de onde venho, para onde vou. Embora me perca pelo caminho, às vezes, não quer dizer que eu esteja realmente perdida, é só dizer que é coisa da Cultura e pronto: tá justificado! Isso pode até me inco-modar um pouco, mas, no geral, eu sou feliz assim. Mas nem por isso, eu abro mão de ter saúde, educação, política e uma Conferência exclusiva e especialmente minha.

Se você estiver confuso, não se pre-ocupe, eu também estou nessa confusão. É que dizem que sou tudo, e isso é tão genérico que eu acabo me sentido um nada. Mas eu estou no aqui agora: no seu ato de ler (ou de não ler), sou a sua leitura e o que está nela, a própria literatura. Estou nas histórias que você ouviu na infância: da mata, do rio, do seringal; da praça, da rua, do quintal; do rádio; da TV, do Twitter. Eu sou assim flexí-vel, clássica, contemporânea e pós-moderna. Estou no que você come: na baixaria do mer-cado, no café preto bem amargo, no bolo de macaxeira, no quebe. Também estou no filme do Adalberto Queiroz, num vídeo super-8, e também no documentário que Ítalo Rocha e sua turma (foto) fez sobre o Teatro de Betho Rocha. Aliás, eu sou o próprio teatro.

Sou o grito, o ruído, a música; a foto-grafia, o cenário, o figurino. Estou nas produ-ções artísticas, e isso é até bem óbvio, mas estou também nas suas produções diárias: nos seus hábitos, costumes, quereres, lingua-gens. Sou a bola de meia da pelada que a meninada joga no fim de tarde, no campinho improvisado no fundo do terreiro. Você pode olhar pro céu, que eu também estarei lá: nas

pepetas que colorem os ares, nos aviões do correio aéreo nacional, jogando notícias lá do alto quando não se tem como pousar, e até na interpretação dos sinais que dizem se vai ou não chover.

Histórias e memórias eu tenho muitas pra contar. Ou você pensa que hoje,em 2020, ser vista e respeitada como fundamental para a saúde, receber os mesmos investimentos e cuidados que a educação, e ser motivo até para os cuidados com a segurança pública foi assim um trajeto simples e linear? O mundo bem que poderia ter se acabado, e o homem destruído a floresta, a água e o ar!

Eu lembro até que houve um tempo em que a preocupação maior era com a constru-ção de hospitais, manicômios, prisões, refor-matórios, polícia e outras instituições ligadas à correção dos erros persistentes da huma-nidade. Hoje, dez anos depois da implanta-ção do Plano Municipal de Cultura, o pesso-al já sabe que é melhor investir na reflexão, na ampliação das formas de sentir, pensar e perceber o mundo. Há centros culturais fun-cionando em todos os bairros; as praças es-tão sempre bem preservadas, tanto o espaço físico como os bens imateriais característicos daquele espaço, e todos sob os cuidados dos próprios moradores; a sociedade se identifica, se vê e se orgulha das histórias contadas nos museus.

Mudaram o meu jeito de ser e ver o mundo, as coisas, as vidas. E aí, hoje eu reciclo, reu-tilizo, não desperdiço. Parece sonho, né? Mas não é, eu estou aqui , vendo, vivendo, con-ferindo. Lembro de quando a gente sonhava com isso tudo, até duvidava, claro!

Lembro dos tempos em que virei Lei, ganhei instituições, os primeiros fóruns e con-ferências. Ah! Parece que foi ontem os tem-pos difíceis para se reunir fazedores culturais para discutir mecanismos de gestão pública. Reza a lenda que naquela época era preciso infinitas ligações telefônicas para lembrar os

conselheiros dos seus deveres diante do Sis-tema Municipal de Cultura. Hoje, as reuniões das Câmaras Temáticas, Fóruns e Colegiados já fazem parte da vida rotineira de cada um, do calendário oficial, político e cultural da ci-dade.

Hoje o meu potencial econômico é re-conhecido. Estou nos mercados, sou atração turística, mas não sou literalmente, ou ape-nas, um produto comercial vendável. Respei-tam os meus valores tradicionais, históricos e religiosos.

Há uma fase da minha infância que gosto muito de lembrar. Está relacionada in-clusive, com um dos conceitos primários que me é atribuído: o de cultura ligado ao cultivo. Foi há muito tempo, mas é de extrema impor-tância para a história econômica e política do Acre, do Brasil e do mundo. Falo da época da coleta da borracha, quando eu já sofria certa crise existencial, afinal, eu me perdia por en-tre as culturas indígenas, negras, européias, africanas; entre árabes e nordestinos... Vixi! – Quem eu sou? Eu me perguntava. Eu sou a síntese, a mescla, a miscigenação de mui-tos hábi tos, costumes e tradições. Aqui, em plena Amazônia Ocidental, eu fui criada numa mistura fina de vários movimentos e persona-lidades singulares.

Naqueles tempos, durante a coleta da borracha, o pessoal mal sabia que estava en-saiando os primeiros passos para a formação da minha identidade. Esse capítulo é bem mais antigo, coisas de 1880, quando minha terra-mãe, o Acre, se tornou um mina de ouro! Veio gente de muitos lugares diferentes. Logo, havia seringais espalhados por toda parte, principalmente nas margens do rio. Por en-tre varadouros, andei, cresci e aprendi a ouvir histórias. Você deve imaginar, por exemplo, que todo seringueiro já foi assombrado pela mãe d’água, caboclinho da mata, curupira e até pelo boto corde-rosa, não é?

Minha terra-mãe foi se transformando

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nas margens do rio que alimentou imagina-ções eternas. Estive lá nas catraias e inclusive

andei no Jabuti, lendo o jornal escrito pelo

Seu Hélio Melo... E hoje, eu subo e desço

o rio fazendo festa no Batelão Cultural,

que por muito tempo foi apenas um sonho

da Fundação Garibaldi Brasil. Construíram

uma, duas, três, quatro, cinco pontes so-

bre o rio Acre, pontes estas que servem

não só para aliviar o trânsito ou coisas do

tipo, mas também, para que a meninada

faça a festa em tempos de cheia! Esse rio

que alimentou vidas e histórias, também

alimentou arte, poesia e inspiração.

No meu jeito cultural de ser, estive e me incrementei em revoluções, expedições, tratados, lutas e conquistas sempre presentes na minha vida. Durante o ciclo da borracha, vivi auges e crises, é verdade. Mas vivi acima de tudo grandes momentos de lutas e de for-mação da minha personalidade.

Aliás, não sei se você sabe,mas eu sou um reflexo da economia, da política e vice-versa. Enquanto minha terra viveu o auge da borracha, viveu também uma grande abertura para vinda de artistas e produtos. A borracha ia e outras culturas vinham: cinema, comi-da, roupa, teatro, música, tudo! Nas épocas de crise, não tinha nada para exportar, logo, também não chegava nada. Você pode até não acreditar, mas nesses períodos crise da borracha eu bem que me diverti bastante, é que nesses momentos as produções locais ga-nhavam mais espaço e sede s desenvolviam.Por isso, as atividades artísticas estão por aqui desde muito cedo! Cinema, por exemplo, a partir de 1912, com cinematógrafos ambu-lantes e projeção de filmes preto-e-branco e mudos, ao ar livre ou em escolas e clubes. Logo, meus conterrâneos já tinham uma sala destinada à exibição de filmes: a Ideal Cine-ma, que mais tarde, no final da década de 40, veio se tornar o Cine Teatro Recreio, um espa-

ço para teatro, música e encontro de intelec-tuais. Mais à frente, outros cinemas surgiram na cidade: Cine Rio Branco, Cine Acre... Um pouco mais à frente, surgiram os cineclubes, como o Aquiry; e um pouco mais à frente ain-da, num passado mais próximo, o Cineclube Batelão, o Cinemacre e várias outras inicia-tivas voltadas à exibição e até produção de filmes.

Num passado bem distante, o meu elenco, formado por funcionários públicos, comerciantes e alguns profissionais liberais, costumava se reunir à noite para jogar bara-lho, ouvir rádio, conversar nas calçadas ou va-randas. Nesta pequena cidade de muro baixo, onde todos se conheciam, tudo era motivo de festa: as datas históricas, os feriados oficiais e até os dias dos santos! Isso é coisa dos anos 40, 70... Naquela época em Rio Branco, a ter-ra do “já teve”, o rádio, o teatro, a música, o cinema e as mais diversas manifestações ar-tísticas já marcavam presença. Lembro bem das rotinas dominicais: acordar cedo para ir ao mercado, ler jornal na rede, ir à missa à tardinha e depois passear pela Praça Eurico Dutra, ver a fonte luminosa e ouvir A Furiosa, a banda de música da Polícia Militar, no co-reto. Aliás, nesse período ganhamos a Fonte Luminosa, que desde então coloriu as mentes e corações de todos os rio-branquenses.

Também construíram o Aeroporto Sal-gado Filho (Aeroporto Velho), e houve a refor-ma do prédio da antiga penitenciaria que foi transformado no Hotel Chuí.

Eu já tinha movimento bem desenvol-vido também no esporte. Aqui, já existiam os clubes de futebol que movimentavam não só a vida esportiva da cidade, mas também a vida social. Afinal, nas sedes dos clubes eram realizados bailes tradicionais e concursos de miss que abalavam toda a cidade.

Sem contar as Escolas de Samba, que cresciam lá pelo Rio de Janeiro e a moçada aqui não queria ficar de fora. Os blocos car-

navalescos se transformaram em Escolas de Samba que esquentavam as turbinas nas dis-putas animadas dos nossos carnavais.

Uma fase que lembro com cuidado e meio aflita, é a época em que os povos da floresta foram expulsos das suas terras e se mudaram para a cidade.Essa era a década de 70 e muitas transformações daqueles dias ecoaram por muito tempo.Os seringais entra-ram em crise e foram destruídos, pois a nova ordem era a criação de boi. Em meio a este cenário, Rio Branco viveu uma verdadeira ex-plosão, por ser capital atraía a maioria dos seringueiros, castanhei-ros e ribeirinhos ex-pulsos de suas colocações em todo o estado.Quando dei por mim, estava cambaleando por entre “invasões”, bairros sem nenhuma infra-estrutura básica,em busca de trabalho e lugar para viver dignamente.

Durante a década de 1970, a capital acreana viveu transformações de naturezas diversas: nas questões econômicas, com a crise na cidade gerada pela expulsão dos se-ringueiros da floresta; na comunicação, com o incremento da Rádio Difusora, a criação dos jornais diários e a chegada da Tv; e no movi-mento artístico-cultural, que fez uma releitura da crise social, econômica e política vivida na época.

A televisão chegou em Rio Branco no ano de 1974. Quanta sorte – ou não – a dos fãs do futebol. Era ano de Copa do Mundo, e os rio-branquenses se reuniam em volta das poucas Tvs que existiam na cidade. Naquela copa, o Brasil já era tricampeão e, infelizmen-te, permaneceu com esse título. Os acreanos iriam esperar um pouco mais para assistir a uma conquista.

Nessa época, a classe artística ganhou engajamento político e se envolveu com o problema. Eu diria até que antes disso não havia produção artística por assim dizer acre-ana, tínhamos alguns poucos compositores fazendo música seguindo o que se fazia no

Brasil todo. Mas a partir daí, a paisagem ama-zônica, o cotidiano do seringal, o dia-a-dia do rio-branquense passaram a marcar presença nas artes. A poesia agora se voltava às ques-tões ambientais e à ecologia, como nas can-ções de Pia Vila, Felipe Jardim, João veras e Tião Natureza; como nas obras plásticas de Hélio Melo, Ivan Campos e Rivasplata. Essa crise e esse movimento era um paralelo com o que acontecia no mundo inteiro: um cenário ilustrado com o preto e branco da ditadura, nas trilhas da repressão e da censura; a arte como ferramenta de embate e resistência.Uma das lembranças desse período que mais me chama a atenção é o diálogo entre as lin-guagens artísticas que se estendia aos mo-vimentos sociais. Afinal, sindicatos e comu-nidades eclesiais de base não eram apenas figurantes. Em meio a este processo de expor através da arte os conflitos sociais surgiu, por exemplo, a Federação de Teatro do Acre. E sabe como estas iniciativas eram fortalecidas? Com o apoio do jornalismo! Veículos como o Varadouro, um jornal antiqüíssimo, abraça-ram as causas sociais-políticas-culturais da época.

Mas apesar das tristezas,cantei em programas de calouros, nas igrejas e dancei valsa durante serenatas; sambei em terrenos Fampistas, por entre polêmicas em torno de jurados, concorrentes e vencedores; dos bai-les, nas sedes dos clubes de futebol, fui aos bares, praças e coretos; dancei ao som de te-clados, sopros e violões. Conferi a programa-ção do cinema anunciada pelo Raimundo Doi-do; paquerei durante as retretas nas praças, fiz poesia...

Os movimentos culturais se mobiliza-ram, se fortaleceram até que, de fato, ganha-ram representatividade política e passaram a dialogar também com governos e prefeituras. Veio a FDRHCD (Fundação de desenvolvimen-to de recursos humanos, cultura e desporto) que é a Fundação Elias Mansour para os mais novos; em 90, surgiu a Fundação Municipal de Cultura Garibaldi Brasil.

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Depois vieram Leis de Incentivo à Cul-tura, o Fundo Municipal de Cultura, coletivos culturais... A coisa ficou tão séria, forte e en-corpada, que em 2007 ganhei um Sistema para organizar a administração pública cultu-ral no município de Rio Branco.

A partir de então, os mais de passaram a ser vistos e reconhecidos como segmentos culturais, eram filhos meus! Uma nova fase de diálogo foi promovida. Pessoas comuns, comunidades rurais, grupos, movimentos, tomaram consciência da responsabilidade do meu presente e futuro. Agora, os autores da minha história assinavam atas, votavam, participavam de conferências, tinham voz e voto.

Minha história deixava de ser a vida de cada um de forma individual. Minha história agora é composta pelas atitudes, idéias, es-colhas e pelo Plano Municipal de Cultura que é de todos.

A partir de 2005, Fóruns e Conferên-cias ganharam novo tom, gosto, verbo. Dife-rentes setores da sociedade se reuniram para traçar metas, planos e objetivos para a cultu-ra. Rio Branco viveu e participou de um pro-cesso importantíssimo na história da política cultural do país. Foram criadas ferramentas

de administração pública que garantem a par-ticipação civil nas decisões do governo.

Desde a implantação do Sistema de Cultura de Rio Branco até agora, em 2020, cinco conferências já foram realizadas. E hoje eu digo a você com todas as letras, vírgulas e contradições: valeu a pena. Não consigo me imaginar sem nosso Plano, feito em 2010, há 10 anos atrás. Diria que ele foi um mapa da mina, afinal, foi difícil encontrá-lo, estabelecê-lo, sim, é verdade. Mas depois do acordo feito e o caminho ter sido traçado, tudo ficou tão mais simples e claro. Ser uma prioridade de governo é uma delícia; ver os planos, idéias e ideais traçados no papel serem colocados em prática, virando realidade foi o melhor proces-so de amadurecimento que podiam me ofere-cer.

E, portanto, aqui estou eu hoje. Forte e criativa até para enviar mensagens multidi-mensionais e contar as nossas histórias para quem ainda a está fazendo; para dialogar orgulhosa com passados que são presentes e passados mais que perfeitos. Vejo você aí nessa trajetória, e me vem até certo grau de saudosismo. Mas o que eu posso fazer mesmo é, como nas estréias artísticas, desejar muita merda pra você!

*****

Jornal: A GazetaData: 16 de janeiro de 1996, Ano X, Nº 3.098

Local: Rio BrancoPág. 9, Col. 1, 2 ,e 3

Ex-Governador demoliu bar para construir praça

Não foi só o Bar Municipal que foi de-molido em Rio Branco no início da década de 70. Muitos prédios históricos do tempo áu-reo da borracha foram destruídos em nome do progresso. Na praça Eurico Dutra, além do bar, foram destruídos o monumento ao serin-

gueiro, o obelisco, além da retirada da fonte luminosa para a praça Plácido de Castro. Segundo o jornalista José Chalub Leite, a mudança ocorreu em função da decisão do então governador Wanderlei Dantas de trans-formar o local em uma praça cívica. Dantinha

também retirou a escadaria lateral do Palácio Rio Branco no mesmo período, aproveitando que seu sobrinho era prefeito da capital. “O Bar reunia a elite local e foi um dos mais mo-

vimentados do Acre, além de ter a melhor sal-tenha e a cerveja mais gelada no tempo em que cerveja no Acre era raro”, conta Chalub Leite

O lugar do poder

(Marcos Vinicius Neves)

*****

Depois dos combates da volta da Em-preza, onde os brasileiros haviam vivido seu batismo de sangue sendo derrotado pelos bo-livianos para poucos dias depois obter uma retumbante vitória, o exército acreano mar-chou em direção a Puerto Alonso tomando-a definitivamente. A vitória dos acreanos forçou o governo brasileiro rever sua posição e abrir negociações com o governo boliviano, que culminaram com a anexação do Acre ao Bra-sil.

Durante a ocupação militar brasileira, em 1903, Empreza foi escolhida para rece-ber as tropas federais. Porém, o 15º Batalhão de Infantaria não podia ficar na Volta da Em-preza, já que a proximidade com o povoado poderia trazer inúmeros problemas com a po-pulação. Por isso, o acompanhamento deste destacamento militar foi feito na área em que hoje está situado o Bairro 15.

Logo no início do ano de 1904 foi cria-do o Território Federal do Acre, dividido em três prefeituras departamentais: Alto Acre, Alto Purus e Alto Juruá. Para sede da Prefeitu-ra Departamental do Alto Acre foi escolhido o povoado de Empreza, que poucos meses de-pois foi tornando oficialmente Villa Rio Branco (em homenagem ao Barão do Rio).

Curiosamente, nenhum dos primeiros prefeitos do Departamento do Alto Acre que-ria manter a sede departamental em Empre-za. Cunha Matos preferia Xapuri, em 1904, mas acabou ficando mesmo em Rio Branco. Plácido de Castro, em 1906, declarou prefe-

rir o Chapadão de Humaitá, mas igualmente não arredou a administração da prefeitura de Rio Branco. Gabino Besouro em 1908 preten-deu mudar a cidade para o outro lado do rio, terras também chamadas de Empreza, e que ele chamou de Penápolis ( em homenagem ao então Presidente Afonso Pena) mas o máximo que conseguiu foi ampliar a área da cidade até a margem esquerda do rio, já que a mar-gem direita permaneceria dominante até os anos 50.

Quando em 1917 se anunciou que o Território seria unificado, tanto Sena Madu-reira, quanto Cruzeiro do Sul, cidades criadas com o sistema prefeitural em 1904., quiseram disputar a primazia de se tornar a capital do Território Unificado. Especialmente a primei-ra, que possuía toda uma infra-estrutura fe-deral implantada com o tribunal de Apelação e a Mesa de Rendas Federais. Porém, mais uma vez a sina de Empreza, agora Rio Branco se fez valer e foi essa a cidade escolhida para a partir de outubro de 1920 ser a capital de todo o Território Federal do Acre. A disputa pelo poder político e administrativo foi defini-tivamente vencida pela maior cidade do mais rico e povoado dos rios acreanos. (3)

Quando, finalmente, o Território foi transformado em Estado, em 1962, Rio Bran-co foi confirmada como sua capital e nem po-deria ser diferente. Essa cidade sempre esteve no centro da vida acreana, como a gamelei-ra, já centenária, sempre esteve no centro da vida da cidade e nada poderá mudar isso.

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Periódico: O Acre - Órgão Oficial do Governo do TerritórioData: Ano XX – Domingo, 4 de Setembro de 1949 – Nº938

Local: Rio Branco – AcrePág. 8 – Col. 4 e 5

Inaugurada solenemente a capela da Colonia São Francisco.

Em seguida foram distribuidos mais titulos de licença provisória de ocupação de terras daquele futuroso núcleo agrícola - pre-sentes às cerimônias numerosas autoridades.

Como estava anunciado, realizou-se no domingo passado, às 9 horas, a cerimonia de inauguração da nova capela da Colônia São Francisco, ali construida pelos colonos, com a cooperação do Departamento da Produção.

A essa solenidade estiveram presen-tes o Sr. Secretário Geral e Chefe de Polícia, major Raimundo Pinheiro Filho, o comandante da Guarda Territorial, cel. Fontenele de Cas-tro, o diretor do Departamento da Produção, Dr. Valério Caldas de Magalhães, o diretor do Departamento de Obras e Viação, Dr. Laíz de Sousa, o diretor da Imprensa Oficial, Sr. Feli-pe Pereira, o procurador regional da Repúbli-ca, Dr. Mário de Oliveira, os Drs. Fernando An-drade e Angelo Pinheiro, funcionários do D.P., o prof. Guilherme Bezerra, o Sr. Hugo Ferreira de Carvalho e numerosos outros convidados que abrilhantaram com suas presenças o ato inaugural.

A PRIMEIRA MISSA:

A cerimonia constou da benção da ca-pela, construida em alvenaria, seguida da pri-meira missa oficiada pelo Rev.do. padre Tiago Matiolli e assistida pelos colonos e convida-dos desta Capital. Ao sermão, o Rev.do. padre Tiago Matiolli fez a apologia do atual governo acreano, ao lado de quem o povo devia es-tar, de vez que a administração territorial tem promovido sob todos os aspectos o progresso

do Acre. Assim é que ao lado das numerosas realizações materiais, traduzidas em predios destinados a diversos fins, das estradas que tem aberto, da desobstrução do leito dos rios, do fomento da produção, etc., o atual governo cuidava também de garantir ao seu povo os meios que lhes propiciem, o seu desenvolvi-mento intelectual dando-lhes boas e moder-nas escolas, e espiritual, como a capela que então se inaugurava.

TERRAS PARA OS AGRICULTORES:

Terminada a cerimonia religiosa, o Dr. Valério Caldas de Magalhães convidou os pre-sentes a assistirem à distribuição de títulos de licença provisória de ocupação de terras daquela colonia. Esta solenidade teve lugar em umas das salas da escola rural “Pimentel Gomes”, sendo acompanhada com interesse por quantos ali se achavam.

FALA O DR. VALÉRIO CALDAS DE MAGALHÃES:

Na ocasião o Dr. Valério Caldas de Ma-galhães proferiu eloqüente improviso, muitas vezes interrompido pelos apartes de colonos que procuravam esclarecimentos sobre ques-tões que diziam respeito às obrigações do co-lono para com o governo, em virtude da posse do título de ocupação de terras que lhes era fornecido.

A todos o Dr. Valério Caldas de Maga-lhães respondeu de maneira a convencê-los que a maioria daquelas obrigações já estavam cumpridas da parte dos colonos.

Disse também o diretor do Departa-mento da Produção que aquela cerimonia marcava uma nova era para a vida dos agri-

cultores acreanos, assinalada pela posse efe-tiva de terras onde poderiam viver tranqüilos, trabalhando para si e para seus filhos.

Pediu encarecidamente aos colonos que procurassem corresponder à boa vontade do Governo que lhes que lhes prometera vá-rios melhoramentos que estavam realizados, entre os quais a estrada, a escola, o posto médico, a ponte em vias de conclusão, acres-centando que se mais não fora feito é porque o Acre é muito grande e as necessidades de outras regiões tinham que ser também aten-didas. Além disso as verbas do Governo não eram tão vultuosas como se apregoavam ten-do mesmo sido maiores em administrações anteriores. Ao concluir o seu discurso o Dr. Valé-rio concitou os colonos ainda uma vez a que

trabalhassem com amor as suas terras para que tenhamos no futuro um Acre e um Brasil maiores. A seguir, o Secretário Geral do Go-verno Major Raimundo Pinheiro, representan-do o Governador major Guiomard, passou a entregar os títulos de ocupação aos colonos, a proporção que eram chamados e que rece-biam salvas de palmas das pessoas presen-tes.

Terminada a cerimonia as autoridades presentes estiveram ainda em cordial pales-tra com os colonos, regressando mais tarde à cidade. A noite realizou-se ali movimentado leilão em benefício da Capela.

*****

As tardes desse fevereiro têm sido es-pecialmente chuvosas aqui no Acre. Ainda dá tempo de alagação se continuar chovendo as-sim nas cabeceiras. Mas acho difícil...

Apesar de todos os contratempos ge-rados por essa caudalosa chuva amazônica que enche as praças de poças e transborda os cruzamentos das ruas, atrapalhando os que têm que trabalhar pra sobreviver, não dá pra deixar de gostar de ver a folia dos meninos e meninas que correm pelas ruas tomando ba-nho de chuva na biqueira das casas.

Dá vontade de saltar do carro, faltar ao trabalho e nos juntarmos ao bando de ra-pazes que sobe a rua com câmaras de pneus e colete salva-vidas (grande aquisição da mo-dernidade) para saltar da ponte das Placas no velho igarapé, tão cheio de águas que correm rápidas entre seus apertados barrancos, e

descer no rumo da ponte do São Francisco pra se exibir em meio à correnteza pro outro ban-do de moças e rapazes que esperam ansiosos os aventureiros do rio cheio (se fosse coisa de bacana diríamos que se trata de Rafting).

É bom ser menino e crescer no Acre. Tão bom como creme de cupuaçu.

Mas como o trabalho é tão inevitável como o fim do mês, só nos resta então prosseguir rá-pido até as nossas Fundações Culturais, res-peitabilíssimas instituições responsáveis pela “cultura acreana”, e torcer pra que se formos bem rápidos talvez ainda cheguemos a nossas salas carregando o frescor da chuva de feve-reiro e o sabor lembrado do creme e tracemos projetos e políticas públicas mais “afetivas”.O Acre é um lugar especial, entre outras coi-sas, porque tem uma história muito forte e uma cultura muito bem demarcada. Ser acre-

Fevereiro (Marcos Vinicius S. das Neves)

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ano ainda é motivo de orgulho. Por isso, aqui no Acre o trabalho das Fundações Culturais do Estado e de Rio Branco tem que ser diferen-te. Aqui somos levados a compreender que ao invés de tentar institucionalizar a sociedade através dos órgãos de cultura, talvez tenha-mos que impregnar as instituições culturais com a força que vem do nosso cotidiano ama-

zônida. O material reunido nas páginas ante-riores é apenas uma pequena amostra dos ca-minhos, varadouros e corredeiras que temos percorrido por aqui, no extremo ocidental da fronteira amazônica. Uma parte desconhecida do Brasil, mas nem por isso menos saborosa. Pelo contrário, viver no Acre ainda é gostoso como infância ou cupuaçu.

Periódico: A Gazeta Data: Ano IV - Quarta-feira, 20 de Setembro de 1989 - Nº 1.137

Local: Rio Branco – AcrePág. 13 Col. 1, 2, 3 e 4

O Milagre da Cruz

(José Rodrigues Leite)

Pleno mês de agosto. Quente, terri-velmente seco. Sol a pino, queimante, estor-ricando as folhas secas que caem, dando as matas um cheiro característico. Terminara a derrubada dos roçados.O preparo ou o arroteamento das terras de onde deveria surgir mais tarde, o lençol verde dos milharais cheirosos. O Coronel Fontenelle, o Homem de Ferro, como bem o chamavam seus coman-dados, passava por ali, bronzeado pelo sol causticante, sem recalques, corajoso e forte.Olhava tudo. E descendo pequena ladeira, atento aos menores fatos, falou: “Meninos, vamos queimar hoje. O sol está bom e o fogo vai ser de arromba. Reparem. Ali tem uma cruz. Cuidado, não vão queimá-la. Deve-se sempre respeitar os mortos. Quem sabe, ali não se encontra uma alma pura e sem peca-dos... E os “meninos” foram passando frios e indiferentes ao que acabara de ser recomen-dado. Mais tarde, labaretas trançavam-se com tricôs vermelhos pelo ar e estendiam-se crepitantes, lambendo as coivaras, que se contorciam em convulsões nervosas.

E o fogo seguia devorando, calcinando tudo. O ar quente e irrespirável. As terras queimadas iam ficando para trás, como lon-gas esteiras negro-acinzentadas. Labaretas, nos últimos arrancos, ainda devoravam os ramos verdes dos aceiros. O Homem de Ferro sorria satisfeito, gozando as fumaradas de seu charuto, já quase no fim. Os rapazes de sua equipe também olhavam meio cansados, mas, contentes com o resultado do trabalho afanoso de tantos dias. De repente vira-se o Coronel para os companheiros e, com ar sisudo e preocupado, observa:- E a cruzinha lá do caminho? Em silêncio todos se entreolharam. A cruzinha teria tido o mesmo fim das coiva-ras? Mudos, suados e amolecidos continu-avam os homens sua caminhada para a cida-de. O chefe, à frente, prosseguia fumando o seu charuto e pensando talvez no indiferen-tismo e na incompreensão dos homens. O sol, vermelho, coberto de cinzas e fu-maça ia desaparecendo por detrás da mata.

O fogo tinha sido bom mesmo e as ter-ras tinham se transformado em cinzeiro imen-so da natureza ardente. Um pouco mais adiante era o local da cruz.Espanto geral. A cruzinha lá estava. Braços erguidos, estendidos como que numa prece para os céus; brancos como Fé e mudos como a tristeza das terras comburidas... Um taxizeiro ao lado, com a copa tostada pela procissão das chamas que por ali passara, baloicava-se ainda ao sabor do ar aquecido que se deslocava. E dos braços brancos e súplices da pequena cruz, dois fios de cera caiam para a terra, como lágrimas cristalizadas. Era o milagre. Todos se curvaram silenciosos. O Homem de Ferro falou outra vez:- “Meninos, limpem o local. Vão arranjar por aí duas velas e acendam nos braços dessa cruz que vai ser, de agora em diante, o nosso guia e a nossa guarda”.

As velas, acesas, ficaram derramando para o chão um rosário de lágrimas arden-tes.Depois... Muletas, cabeças, braços de cera, flo-res e grinaldas surgiram por ali, espalhando-se. Eram as promessas que se faziam e que se cumpriam. Era a Cruz Milagrosa que sur-gia, ali, na beira da estrada, por onde ainda hoje todo mundo passa persignando-se. Mais tarde, uma capela foi erguida. Almas crentes que se ajoelham em preces fervorosas. Suplicam um fim às angústias que lhes vão devorando o ser... E agora, oh! Alma santa da Cruz Mila-grosa, ouvi-nos, nesta hora mística de pran-tos e saudades, de fé e de esperança, lá no Céu, entre os justos, onde certamente estais, e pede a Deus que derrame sobre os homens, uma chama ardente de fé, de crença, de co-ragem e confiança.

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Teúda e Manteúda

(Leila Jalul)

“ Hoje, verdadeiramente, eu só pertenço a mimE aos retratos de minhas paredes” (Keilah Diniz)

Serenou, serenou, mas era incêndio. Festa na cidade. O Rio Branco Football Clube iria abrir suas portas e receber a nata da sociedade. Festa de gala. Não havia bouti-que da Nonata Asfury, nem detalhes Modas, e muito menos sapatos da Arezzo. Somente a Genésia, irmã do Alencar, e outras costureiras aprontavam, às pressas, os vestidos drapeados e rebordados com miçan-gas, vitrilhos e paetês. Tudo com o brilho do gripure, dos tafetás e das sedas puras. A roupa dos machos, inovada a cada século, era sempre a mesma. Ternos cinza, marinho e pretos, cheirando a naftalina. Isso não a menor das importâncias. Valia, valia

mesmo, era o desfile pelo carpete imaginário e vermelho, estendido, sem dobras, desde o portão princi-pal até a borda do salão. O ritual era um insulto para o povo do sereno. Insulto para quem quer que fosse que, por ironia, não possuísse um único tos-tão para se aprontar para o evento. Só sei falar de mim e das dificuldades que enfrentei para marcar presença no sere-no. Tinha que estar lá fugida, quase sempre fugida, como costumo agir – herói é quem foge para ao levar nos costados a última bala. Eu fugia e deixava um cobertor fazendo cara de corpo, e mamãe nunca soube disso.

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- Leila Maria/ - Presente! O sereno era uma instituição. Socieda-de alternativa dos excluídos. Verdadeira agre-miação dos sem-clube! Acredite quem quiser, não foram poucas às vezes em que, numeri-camente falando, o sereno ganhava em ter-mos de audiência do clube.

Valeu! Na condição de otimista, valeu! O sereno me propiciou momentos inesquecí-veis. Metais em Brasa, Festa das Flores, Or-questra e Sevilha, esta última vinda e formada diretamente do e no interior de São Paulo. Valeu tanto que ainda lembro o som dos pistons dilacerando minha alma. E era aí quando eu entrava em estado de levitação.

“Granada, tierra soñada por mi............................................... Granada, tus tierras llenas de lindas mujeres, de sangre y sol......................Olé!”

Gente era êxtase puro! As minhas par-tes da frente batiam palmas e as de trás pe-diam bis. Ocorre que, o que de melhor acon-tecia, não estava na observação dos justos modelitos, nem se perdiam nas saias esvo-açantes. Não ofuscavam os olhos de quem admiravam o brilho das fantasias da Jamana, mãe do Bode, o Carlos Alberto Sakur. O se-reno estava muito além dos comentários so-bre o glamour ou sobre a falta absoluta dele. Quem estivesse no afã de se utilizar sobre os últimos acontecimentos que rolavam nos bas-tidores do poder, nas alcovas dos casais ou nas relações proibidas (o Acre já teve casta) das meninas, bastava aparecer no serreno. Passava um fulano, passava outro, e dizia um querido e inesquecível amigo, cujo nome era o mesmo do santo das causas dos endividados, mas que omito por estar fora de alcance do mudo dos vivos: - esse é corno. Depois eu conto. - Esse é ladrão! Depois eu conto! Língua de serpente. Boca maldita. Chegava a vez das meninas. O língua

de serpente nunca foi muito achegado. Esse negócio de mulher é mesmo complicado. Tem quem goste! Tem quem odeie! Passava a primeira, a segunda, a ter-ceira e lá vinha a afiada língua de navalha: - Tomara Deus que a diretoria nunca coloque um camburão com água na entrada desse clube. Tomara! - Aquela ali, aquela lá, aquela dali, to-das são “furadas”. Nenhuma passará no teste do glub glub. O chão da avenida Getúlio Vargas fica-va esverdeado. Veneno destilado, hora de ir para o beco, onde o língua de serpente mora-va. O sereno também era cultura. Dói lá que ouvi pela primeira vez um expressão que, aos meus ouvidos soou como um acorde de oboé e flauta: teúda e manteúda! Coisa mais linda! Sereno era fonte de inspiração e de remorsos. Quando eu soube do verdadeiro significado da expressão “teúda e manteúda”, não contei conversa. Dui direto para a igreja e, no primeiro confessionário, ajoelhei e fa-lei: - Padre, estou aqui porque pequei. - Huuuummmm... - Eu sou teúda e mateúda! - O quê? ( silêncio constrangedor) - Não posso dizer. Nem devo – repon-di. Padre agora não posso. Passado mais de quarenta e tantos anos, agora posso con-fessar: meu amante e mantenedor era São José. Era dos seus santos pés de onde eu re-tirava pequenas somas, a titulo de emprésti-mos. Que Deus me perdoe. Já paguei tudo e não devo mais nada. Ou fazia assim ou nunca atravessaria os limites do sereno. Por penitência, com muito aprendiza-do, não recebo, não recebi e jamais receberei de nenhum homem, nada, nada, de nenhum, nenhum, mesmo, além de flores, nada, nada, nada! Serenei serenei.

O HOTEL MADRID(Florentina Estina Esteves – Enredos da Memória)

Imagem em preto e branco, outras, sépia: comercial de TV vendendo disco. Ruas antigas, casais em madrigais, o velho casa-rio, canções italianas. E me retornam os anos. Quantos faz? Pra trás, tão lá pra trás, do ca-sarão antigo que a memória mal refaz, resta-ram as fotos nos jornais e as lembranças dos

que não voltam mais. O desamor do espírito comercial lhe emparedou a alma, e em facha-da de pedra e cal, a forma original. De seu, pouco guardou, de quem sonhou, viveu, riu ou chorou. E da história lavrada em cama-feus, ao hoje – loja de pneus.

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Sobressaia do correr contínuo dos telhados carunchosos de zinco seu telhado pontudo – telhas de Marselha – emoldurado por lambrequins esguios. Matizavam-no man-gueiras frondosas, rendando de sombras a areia rala da rua. Mostrava-se ao rio que em remansos revoluteava às suas margens. Des-tacando-se do casario aperreado e uniforme – grande, ancho, o “Madrid”. Pé-direito quatro metros, quatro portas grandes com bandeiras coloridas. Duas varandas laterais,faróis em cada porta alumiavam a madrugada dos notí-vagos. Pintado de verde. Salão espaçoso: de um lado, bilhares. Do outro, mesinhas com tampo de mármore, cadeiras austríacas. Ao fundo, prateleiras en-vidraçadas, relógio ao centro. Espelho bisexu-té sobre o lavatório. Hotel Madrid, personagem de uma época, enredo das lembranças. Vestido de verde. Quatorze quartos: cama de ferro, ba-cia e jarra de louça inglesa, mesinha, cadeira, lampião a querosene. Varanda comprida le-vava dos quartos ao salão de refeições, e ao

“reservado”, ao mistério dos negócios ou ao alvoroço dos risos: Proibida a entrada a crian-ças. Morávamos nos quartos treze e qua-torze. Brincávamos por ai mesmo, debaixo dos quartos, de manja, macaca e peteca, ou à sombra das mangueiras, uma fugida à beira do rio, escorregava nas areias do barranco. Brincava de gente grande, também, servindo as mesas, levando o troco. Enquanto espiava o bater das bolas do bilhar, tabelas repicando balés – embevecida, Pai, campeão. Imbatí-vel, conquistava a freguesia ao desafio de seu taco. Mãe lavava copos, passava o troco, não faltasse cerveja bem gelada na “Frigidaire”. Disco na vitrola, troca a agulha, toca a mani-vela, valsas, sambas e o vozeirão de Caruso, coleção que a avó trouxera da Itália. Calava o choacalhar dos dados do bozó, o tilintar dos copos, o arrastar dos pés em torno do bilhar, falas, risos emudeciam à magia do “Torna a Sorriento”, abrindo espaço à viagem à emo-ção, à fantasia. Parava o tempo.

TENTAMEN

Tentamen, a emoção. Casarão de madeira, fachada com ja-nelão envidraçado, subia-se uma larga esca-da: as mesinhas, e, ao fundo o bar. À direita, ao longo do salão, banco contínuo em chita

vistosa, onde ficavam sentadas as moças, le-ques nervosos acenando ao flerte. - A senhorita me dá o prazer desta dan-ça? – ainda se usava. E a moça, que a tarde inteira (ou desde

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a véspera) era um tal de pintar unhas, rolo nos cabelos, vestido passado a ferro, a me-lhor combinação e anágua, perfumada, “com todo prazer”. Acompanhava o cavalheiro, pri-moroso no seu melhor terno de linho HJ engo-mado, sapatos de verniz, gravata. Ah! Os chorinhos do conjunto da Banda da Polícia Militar. Tinha o Zeca Torres, Belar-mino, Roldão, a flauta do João Paulo, quantos mais? Afinados, bons de ritmo autenticamen-te Brasil, não copiavam estilos. Quando mui-to, um embalo mais latino à Xavier Cugat, um tango ou valsa. No mais, tocavam suas próprias composições, ou os últimos sucessos chegados via fluvial. Três meses faz? Que im-portava....Rio Branco só vibrava e renovava, mesmo, com as águas – rio Acre cheio, cha-

tinhas, chatões, gaiolas fartavam as mesas com tudo que faltava o ano todo: bolachas e biscoito “Palmeira” fresquinhos, e as frutas de Natal, bem no tempo. Bem no tempo, novos estoques nas lojas da rua “da frente”, para as festas tradicionais da “Tentamen”. Esvaziam-se prateleiras: sapatos, colares, brincos e a variedade de tecidos de entontecer: laises, fustão. Linon, chiffon, crepes, tafetá, difícil a escolha. E haja costureira para tantas enco-mendas. - Dona Almira, meu vestido para o Ré-veillon! - Dona Cândida, carmelita, e as fanta-sias dos blocos? - Railda, tem também minha formatu-ra!

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Tempo de festa, tempo de Tentamen, tempo de emoção. Baile na Tentamen, agitava-se a cida-de, a “elite rio-branquina”. Seleção rigorosa, carterinha e tudo. Viajante? Só com “cur-rículo” e apresentação de um sócio. Dançar juntinho? A moça ficava logo “difamada”, e o rapaz ganhava olhares indignados das vigilan-tes mães. Discretamente apartava-se o par. Discretamente barrava-se a entrada dessa e de quantas outras infringissem as severas leis sociais: separadas, amigada, namoro no escuro depois que a luz apaga, deu “um pas-so em falso”, Tentamen, nunca mais... Então só restava o s “sereno” dos varandões do so-brado do Leal ou da Vila Carmélia. E no dia seguinte, noticiário completo, pra quê jornal? Jornal não contava os namoros, par constan-te, o uísque a mais, “chá-de-cadeira” aqueles dois, vai dar em casamento. E você viu? Não, mas me contaram.... Tentamen, a emoção. Baile de formatura, Festa das Flores, debutantes, aniversários, tudo quanto era comemoração e data importante, também homenagem a Governador. Mas as festas maiores – Aleluia e carnaval. Nosso, genuíno,

televisão nem sonhada, não contaminado o gosto popular, nada de imitações de desfiles de Escolas de Samba – coisas do Rio de Janei-ro – nosso carnaval, cultura nossa, “Sujos” di-vertindo-se e nos divertindo, travestidos pelas ruas, “gravidez” de nove meses; melindrosas, trapeiras. Geralmente rapazes do comércio ou funcionários públicos, calibre “Cocal” ou “Ja-raraca”. Durante o dia. À noite, Tentamen. Ar-lequins, marujos, cossacos e piratas – “Eu sou o Pirata da perna de pau, do olho de vidro, da cara de mau”. Animação, luxo originalidade, bom gosto. E não faltava o espirituoso: “vejam só o Osvaldo Lima travestido em Armando Jobim!”. Bom gosto, luxo, originalidade, animação. E rivalidade. Entre os blocos, na festa maior. Tentamen, a emoção. Meses, meses antes do carnaval co-meçavam as articulações. No segundo Dis-trito uniam-se as famílias Bayma, Fecury, Vi-larouca, arrebanhando tudo o que era moça e rapaz. No primeiro Distrito, lideravam as Baptista (só elas já quase faziam um bloco: Sulamita, Miracelli, Clarisse, Laudy, Silvia, Otília, Hékia, Mrisinha). Tinha mais as Leitão, Abreu, Moura, a Nila. E em qual bloco entra-

vam as leal, famílias Rebello, Ferrante, Mello, Dinah Barros, a rapaziada da pernambucana, da Casa Baptista? Coligações, de pessoas. E o bloco armado, era partir para escolha da fan-tasia – segredo. Segredo absoluto. Segredo também a escolha da marchinha. Tudo a sete chaves, só revelado no momento da entrada triunfal no clube. Pulando e cantando sua mú-sica, o bloco invadia o salão. O outro bloco- havia chegado antes? – a palavra de ordem era abafar, empanar-lhe o brilho, superar-lhe a animação, eclipsá-los. Virava maratona, frenesi; dividia simpatias, adesões, inflamava contagiava. Ninguém podia parar. “Alah lá ô, que calor!”. Nada de ceder ao cansaço. E a orquestra a acirrar: a música de um, a música de outro bloco, alternada, repetidas à exaus-tão. Até “Está chegando a hora/o dia já vem raiando, meu bem/eu tenho de ir embora...” Tentamen, a emoção. Quatro noites, um clima só – carnaval.

E a cada ano surgiam mais blocos, as famílias tradicionais se multiplicando. O “Rio Branco” entra em cena. Desativado seu velho barracão de madeira, constroem um novo clube – de alvenaria! Aí a rivalidade, de fato. Quem ele-gia a Tentamen não se passava ao Rio Branco e vice-versa, a não ser com a intenção de ir “mostrar-lhes como se brinca”. Foi por esse tempo que surgiu o bloco dos “Treze”: rapazes bem-situados, cobiçados pelas moças casadouras, naquela de somos os maiores, nem dou bola, durante uns três, quatro anos, abafaram. Depois fisgados um a um, restou o bloco dos casados. E se alterna-vam, e já quase todos alternavam Rio Branco e Tentamen. Tentamen, a emoção. A emoção que agora também se alterna entre o ontem e o hoje. Entre o Acre que fomos, nosso passado, nossa emoção.

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A Rua Da Frente(Leila Jalul)

A vaidade de quem manda nas coisas mexe com a cabeça do povo> Minha pracinha do Quartel, tão antiga que nem eu, ajardina-da, arborizada e cuidada pelos antigos de-tentos da Colônia Penal Agrícola Evaristo de Moraes, mudou de nome. Aquele coreto com dois pés de Bouganville, um de cada lado, serviu muito de esconderijo da molecada que namorava escondidíssima dos pais. Mudou de nome várias vezes, de fato e de direito. Praça da Escola Normal, Praça do PM, Praça Plácido de Castro e, agora, recentemente, por um de-creto secreto, virou Praça da revolução. Os mais antigos do que eu, tipo Dona Guiomar, Dona Belmira, Dona Xavier e Dona Odete Azevedo, Seu Fausto Robalo, entre ou-tros, insistiam em dizer que aquela região ha-via sido cemitério de bolivianos e que, não raro, afloravam pedaços de fêmures, crânios, tíbias e perônios, estes últimos modernamen-

te apelidados de fíbulas, ou seja, uns resti-nhos de esqueletos humanos. Nesse assunto, não assino nem reconheço firma. A hoje prefeitura já foi cadeia e também hotel de luxo – Hotel Chuí. A área já foi palco de um crime de amor. O presidiário João Mulato matou a filha da Dona Umbelina, moça de re-conhecida beleza: Rosalina Silveira.O imponente e recentíssimamente inaugurado Colégio Estadual Barão do Rio Branco – CE-BRB, já se chamou Escola Normal Lourenço Filho, por onde transitaram os renomados Pa-dre Arnaud, Professora Palmerinda Figueredo, Almada Brito e outros. Já foi CESEME, CERB. O que foi feito do Lourenço Filho? Será que acharam o nome feio? Ou o homem nunca educou ninguém?E a praça mudando. Praça da Cadeia, Praça do Quartel, do CESEME, do coreto, Plácido de Castro. Por quanto tempo será da Revolução?

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Coisas de Rio, Moldura de Floresta.(José Augusto Fontes)

Será que um dia vai ser chamada Praça do CERBR? (.....) trecho do texto A Rua da Fren-te, do Livro Suindara, Leila Jalul. No segundo distrito também adotaram essa mania. Hoje todos só abrem a boca para falar do Calçadão da Gameleira. Também pu-dera! O bicho ficou bonito demais da conta. Ali era a Rua da Frente, que depois foi cha-mada 17 de novembro e hoje, oficialmente, Senador Eduardo Assmar. Os velhos casarões abrigavam as lojas dos homens que tinham os pés no Acre e a alma voltada para a Meca e para seus torrões destruídos. Não sou capaz de ser fiel à moral, bons costumes e motivos do exílio amazônico de cada um deles. A maioria, com certeza, foi movida por dinheiro e fruto do processo de seleção da imigração. Nestas Plagas ninguém via russos, ucranianos, alemães ou italianos. Era um norte que não servia para os nórdicos, ou para qualquer outro povo de tez rosada. Os nomes José, Francisco, Antonio, Severino, de sobrenome Silva, Souza, Pe-reira soavam diferentes perto das figuras de som difícil de pronunciar e de escrever: Aziz Abucater, Rachid Duck, Abdul Manasfy, Aref Jarud, Omar Satut. Demétrio Fecury, Bacchi

DXanaoui, Anuar Beiruth, Ried Hirgezhi, Tufic Assmar, e por ai vai. Eram os comerciantes da Rua da Fren-te, ou seja, da 17 de novembro, melhor di-zendo, ali do Calçadão da Gameleira, onde se compravam sonhos e realidades. Colchas douradas, sedas finas, brincos enormes, dire-tamente de Beirute para as orelhas acreanas, candeeiros de manga de cristal, aladins, ta-petes com paisagens de oásis, aparelhos de narguilé, louças simples, tigelinhas de faian-ça, canecas de alumínio e todo tipo de avia-mentos. Enfim, um verdadeiro mercado per-sa. Um mundo das arábias, sem camelos. O transporte de cargas e passageiros era o lom-bo de uns burricos magros que ficavam esta-cionados ali defronte à casa Yunes ou numas carroças de bois de canga que faziam cocô perto da frondosa Gameleira. Tenho olhos de progresso, achei tudo muito bonito ontem e melhor hoje, mas, por caridade, preservem e não alterem tanto os nomes. A razão social tem muito a ver com a razão emocional. E não inventem de mudar o meu nome.

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Rio Branco: a história de um povo construindo seu espaço.(Lelcia Monteiro de Almeida)

Convindo-os para acompanhar-me em uma pequena viagem sobre a história dos bairros da cidade de Rio Branco. De antemão sugiro que levantem as “pernas” das calças, pois esta é uma história que se faz seguindo muitos homens e mulheres por varadouros a fora e subindo vários barrancos. Reza a história que o Estado do Acre, a partir da década de 70, experienciou uma emigração interna campo/cidade, decorrente do refluxo extrativista associado à reorienta-ção econômica capitaneada pela gestão do Governo Dantas, que privilegiou a pecuária extensiva dentro de uma lógica capitalista de-

senvolvimentista, e incentivou a pecuarização do espaço. Política que contou com a contri-buição de toda uma campanha de substitui-ção do passado extrativista, condenado como símbolo de atraso e miséria pela propaganda oficial, por um presente agropecuário, sinô-nimo da “modernização” amazônica. O re-sultado foi a presença de grandes empresas e grandes e médios fazendeiros oriundos do Centro-Sul do Brasil, ocorrendo a chamada “invasão dos paulistas” que vinham atrás de terra farta e barata. Esse fato contribuiu para um aumento considerável dos conflitos pela posse da terra

e conseqüente expropriação da população de posseiros, seringueiros, castanheiros, ribeiri-nhos, colonos, e outros que habitavam os se-ringais. O resultado desse conflito foi que os trabalhadores acabaram sendo expulsos e/ou abandonando suas terras, iniciando daí uma longa jornada varadouros a fora, procurando novas formas e espaços para sobreviver. Em Rio Branco essa população passa a ocupar inicialmente as áreas de periferia pró-ximas ao centro comercial, e com o passar do tempo se dirigem para áreas cada vez mais distantes, aumentando consideravelmente o número de bairros periféricos formados pela população na cidade. As invasões são uma das principais maneiras de ocupação da cidade de Rio bran-co a partir de então, e tornaram-se uma cons-tante. Surge daí bairros como a Cidade Nova, Papôco, Cadeia velha, Base, Triângulo e ou-tros. O bairro João Eduardo é fruto desses acontecimentos, pois foi ocupado por famílias

oriundas dos seringais sem muitos recursos financeiros e que por não encontrar apoio de políticas para acolhê-las findaram ocupando assim áreas próximas ao núcleo urbano. O processo de ocupação e da formação dos bairros da cidade de Rio Branco ocorre não só via invasões, dá-se também a partir da iniciativa pública tendo órgãos estaduais como seus gestores. Um exemplo é a formação do bairro Estação Experimental. Outra maneira de ocupação é através dos loteamentos rea-lizados pela iniciativa privada, especialmente as imobiliárias como é o caso do bairro aviá-rio; e também ocorre por uma ocupação es-pontânea através do fracionamento dos anti-gos seringais entre os familiares como o caso do bairro Bahia e Sobral. Expulsa dos campos, quando chega à cidade essa população vê-se submetida ao subemprego, desemprego, violência e a insta-bilidade em relação a posse .

Estirão de vidas, momentos, emoções e histórias. Dourado, arraia, o sol batia na cara, a matrinxã geme na vara, está possuída e não vai dar só um calor, hoje tem pirão, traz pra dentro da embarcação. Mais tarde é hora de conferir e recolher. Na vara rendeu, no es-pinhel, pelo menos um caparari é esperado. Na margem uma descida de veado, que tam-bém pode ser de anta ou capivara. Adiante, um jacu solta a voz, pela goela, deve ser um caçador. Ali tem balseiro, aqui, o canal do rio, lá na frente o salão, não faz barulho, usa o co-ração. Mandi, pacu, piau, tambaqui, tudo isso embarca na vida, na memória e nos registros da gente, dessa gente simples e resolvida. Os rios e barrancos, bichos e peixes, pessoas e alegorias, seringal, vila, cidade, às vezes a gente pensa que sabe, às vezes fantasia.

Agüenta aí, a vara é longa, feito cas-tanheira. Nas águas do São Sebastião, fisguei uma jatuarana que apelidei de Suzana, vem cá, Suzana! Os rios e as cidades, inventando verdades, os seringais, as vilas, as vidas, no embalo do rio em remanso, as redes dançam na boca da noite, a noite em que o céu é de verdade, basta olhar, as estrelas chamam pra cima a atenção, montado num arranha-céu de pau, desce um clarão. E a gente entorna um café preto. O rio-beleza e o rio-salvação, até a lavoura. O rio traz os botos que seduzem as moças, o candiru que elas temem. Leva so-nhos e ilusões, afoga algumas. Lava os olhos e as visões, mas não sai dali, fingindo que passa, permanecendo em seu curso, beijan-do as margens, refletindo imagens, às vezes uma visagem, mas não é miragem.

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O sol nasceu e se mostrou. É preciso embarcar a produção. A borracha, com jeito, endurece. Mexe bem, esse leite que aqui san-gra escorre para além, pra lá de onde a gente ouve, nem sabe se tem, música dos botos cor-de-rosa, o apito dos grilos, o choque do po-raquê. Semana que vem, Iara vai ter neném, vai passar piracema de mandi, não vai faltar pra ninguém. Olha o samburá, não descuida, mandi tem esporão, ali tem outro estirão. Se a lua não está em cima, é outra hora de pes-car. Mais adiante, a alagação deixou o lago cheio, ali tem até piraíba, de barba e cabelo, nem dá pra embarcar, a conoa vai virar, e no barco tem gente pescando com dois caniços, não pode pular de facada. Borracha toda dentro, a quilha rasga no meio, batelão, embarcação, estirão. A cas-tanha vem no porão, junto das mantas de pi-rarucu, confundidas com jacaré, se olhar bem tem mapará. Repara, o sol vem caindo por trás das bandas de lá. Mais pra dentro, lá acolá, no rumo de um seringal de fim-de-mundo, tem o barracão de festa do seu Raimundo. Desliga o motor, aqui é bom de dar uns lances, olha, a tarafa enganchou, aqui é fundo. Segura na linha, lá vem um jundiá-sabão, depois peixe lenha, fidalgo, fisgado junto com algum senti-mento que estava perdido, lá no fundo. Os rios abastecem as cidades e até re-colhem o que elas rejeitam. Passam alisando as beiradas, roçando portos, praias e moças, penetrando em suas vidas, sem sair do ritmo. Praia do Purus é tudo Açu, no Acre tem a da Base, a do Amapá, há muito que lembrar. Em buraco de paca, tatu caminha dentro. Enquan-to isso, o cupuaçu a bunda. O tempo molda as curvas dos rios e as águas saciam o que está em volta. Uma correnteza de lembranças leva o barco que transporta as lendas e as fan-tasias, baleeira carregada de pensamentos. Uns bichos descem para beber a água que se ofecere, com atenção no jacaré que pode ali estar, é fatal descuidar. Uns peixes aguardam as frutinhas que caem das árvores, pescador bom ali estaciona e enche a canoa, o sambu-rá, a pança. Se não fosse o pium. Melhor ir para o remanso.

O insinua que tudo arrasta, mas tudo traz. Está sempre ali. Minhoca na água, dei-xa beliscar, está começando a trovejar, vem de lá para cá. Águas carregando tanta coisa, beliscando portos e pessoas, prosseguindo. Sonho é bicho do mato, não tem jeito, bicho emburrado, não dá pras confiar em sonho. Sonho tolda a água e a gente não vê adian-te. Capina, azula, sai pra lá, coisa ruim. O rio vai trazer alguém pra mim. Escuta aqui, você já ouviu falar do poço da cobra, ali perto da Gameleira? A cobra é comprida, viu? Sucuri é bicho grande, traz a morte num braço. E o rio vai fazendo água, que se esfrega nas mar-gens, come os barrancos, empurrando o pau dos balseiros. Margens acolhem o rio, não o oprimem guardam-no, agasalham. Senão, o rio se perdia em tantas lembranças, na sau-dade de portos e barrancos, no vai-e-vem, correnteza e vazante, na repetição de suas proezas. Segura o primo, no rumo da proa da venta, o rio, que tudo embala, logo mais, a gente espera, vai trazer bons ventos, vai la-var a alma de quem espera, de quem olha, de quem escuta. O rio traz gente de lá, gente de que vem pra cá, e segue pra acolá. Será que não podia ficar? Acima do barranco, a moça quer casar de vestido branco e sapato de sal-to, com rapaz de boa intenção, a comadre já fez a arrumação. Mas dois meses, o bucho ta no pé da goela, como a vida é bela. Baixaram as águas, praia vira canteiro, horta, plantação, melancia, jerimum e feijão. Nos barrancos, as casinhas com janelas cheias de sorrisos, quin-tais de lua cheia, de vidas que deslizam, tam-bém fazendo de conta que seguem, a gente olha, sente, dá com a mão, segue adiante, os olhos fotografam. Escuta o barulho do motor, estamos descendo, é a contramão, e se seguimos as águas, estamos indo para onde este rio se entrega a outro, que vira mar, vira ar e volta com a chuva. O rio é teimoso. Na pororoca, sob a imensidão. As ondas dão a impressão de devolver as águas do rio, que se enfiam por baixo das águas do mar e seguem, viram mar, incorporam o sal, voltam pelo ar. O rio conti-

nua por aqui, atravessando a gente, fazendo ponte com tantas idas e vindas, na travessia da vida, que passa muito mais que ele. E não vira apenas ar nem água. A vida, a gente pas-sa, os portos, vilas e cidades, a paisagem, a floresta, os bichos, tudo que emoldura o rio, os sonhos que vazaram lágrimas, muitas ale-

grias, a gente passa, para as águas, por isso tanta água. Matas e esperanças, gente cora-josa, bichos e cantos, aves e vôos, peixes e porto-solidão, batelão, regatão, banho de rio, festas de lua, a boca da noite sorri com a san-fona e dança sob os olhos de caburé indiscre-to.....

ANEXO IILista de Patrimônios Culturais analisados

RUA 17 DE NOVEMBRO A CALÇADÃO DA GAMELEIRASegundo Distrito

1ª IGREJA DA CIDADE NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO.Segundo Distrito

TENTAMEN.Rua: 24 de Janeiro, 239 - 2º Distrito.

CINE TEATRO RECREIORua: Senador Eduardo Assmar, nºBairro: Seis de agosto.

ESCOLA MARIA ANGÉLICA DE CASTRORua: 24 de Janeiro, 239Bairro: 2º Distrito.

PARQUE CAPITÃO CIRÍACOAv. Dr. Pereira Passos, 225 Bairro: 6 de Agosto.

PRAÇA DA REVOLUÇÃO Rua: Rui Barbosa , Avenida Getúlio Vargas e Avenida Brasil. Bairro: Centro

QUARTEL DA POLICIA MILITARRua: Rui Barbosa, Avenida Getúlio Vargas e Avenida Brasil

PREFEITURA MUNICIPAL Rua: Rui Barbosa Bairro: Centro

PALÁCIO RIO BRANCOAv. Getúlio Vargas e Rua Arlindo Porto LealBairro: Centro

PALÁCIO DA JUSTIÇARua: Benjamin Constant

CATEDRAL E PALÁCIO DO BISPO Rua: Benjamin Constant e Trav. Da CatedralBairro: Centro

NOVO MERCADO VELHORua: Epaminondas JácomeBairro: Centro

MARTENIDADE BÁRBARA HELIODORAAv. Getúlio Vargas/ Via ParqueBairro: Centro

CACIMBÃO DA CAPOEIRARua: Manoel Cezário Bairro: Capoeira

FUNBESAAv. Ceará Bairro: Estação Experimental

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Page 70: A História de Rio Branco através de seus varadouros

ACAR ACRE - SEAPROFAv. CearáBairro: Estação Experimental

PONTE SÃO FRANCISCOEstrada do São FranciscoBairro: São Francisco

CAPELA SÃO FRANCISCOEstrada do São Francisco Bairro: São Francisco

IGARAPÉ SÃO FRANCISCOEstrada do São Francisco Bairro: São Francisco

NUCLEO MECANIZADO -COLÔNIA AGRÍCOLA DIAS MARTINSTrav. Luiz Pereira nº 106Bairro Calafate

ESCOLA HENRIQUE DIAS Trav. Luiz Pereira s/nºBairro: Calafate PRAÇA RAIMUNDO MELOEstrada do Calafate s/nºBairro: Calafate

CAPELA SÃO MIGUEL Estrada do Calafate s/nºBairro: Calafate

IGARAPÉ BATISTAEstrada do CalafateBairro: Calafate – Km 01

CAMPO DO VAZ Estrada do Calafate - Km 03, em frete a Escola Estadual Hélio Melo

COLÔNIA DA CRUZ MILAGROSAEstrada Transacreana

CRUZ MILAGROSAEstrada Transacreana

SALA MEMÓRIA DANIEL PEREIRA DE MATOSRua São SebastiãoBairro: Vila Ivonete

SALA MEMÓRIA IRINEU SERRAEstrada Raimundo Irineu SerraBairro: Irineu Serra

MEMORIAL JOÃO EDUARDORua: Campo Grande nº 567Bairro: João Eduardo II

MEMORIAL DOS AUTONOMISTASAv. Brasil nº 216Bairro: Centro

MUSEU DA BORRACHAAv. Ceará nº 1441Bairro: Centro

AVENIDA ANTÔNIO DA ROCHA VIANA

AVENIDA CEARÁ

VIA CHICO MENDES

RUA PERNAMBUCO

ANEL VIÁRIO

TERCEIRA PONTEVia Verde

AVENIDA AMADEU BARBOSA

QUARTA PONTEAv. Amadeu BarbosaBairro: Cadeia Velha

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Page 71: A História de Rio Branco através de seus varadouros

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Page 72: A História de Rio Branco através de seus varadouros

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