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A GRAMÁTICA NAS CRENÇAS DE PROFESSORESDE LÍNGUA PORTUGUESA EM FORMAÇÃO INICIAL Soraia da Silva Sousa 1 Resumo: Este artigo apresenta os resultados de um estudo sobre as crenças de professores de língua portuguesa em formação inicial, no curso de Licenciatura em Letras Vernáculas, da Universidade Federal da Bahia. O que está em foco são as crenças desses sujeitos sobre gramática, as quais foram diagnosticadas em dois momentos específicos: no ingresso do curso e após dois semestres de formação. A partir dessa investigação foi possível identificar quais concepções serviram como referência para a formulação das crenças apresentadas sobre esse construto; os impactos que as experiências e saberes interpretados nessa fase da graduação causam sobre tais crenças e fazer uma estimativa dos efeitos que elas ocasionarão caso sejam adotadas para orientar suas ações nas aulas de Língua Portuguesa. Palavras-chave: Gramática. Crenças. Formação de professores. Abstract: This paper presents the results of a study on the beliefs the portuguese teachers’ in initial training at the bachelor's degree in Language Vernacular of Federal University of Bahia. That is in focus are the beliefs about grammar on these subjects, which were diagnosed in two specific moments. From this research it was possible to identify which concepts served as reference for the formulation of beliefs presented on this construct; the impact that the experiences and knowledge interpreted this phase graduation cause of such beliefs and to estimate the effects they cause if they are adopted to guide their actions. Keywords: Grammar. Beliefs. Training. Introdução As interações experimentadas pelo ser humano, ao longo do processo de maturação e socialização, o potencializam para a formulação e interiorização de crenças, as quais exercem influência significativa sobre a impressão que ele tem de si, a sua percepção do mundo físico e social e sobre a avaliação que faz dos fatores que propiciam a aprendizagem de línguas. Tais crenças não resultam da atividade isolada, exclusiva das estruturas cognitivas, mas decorrem do entrelaçamento fecundo entre elementos biológicos, psíquicos, afetivos e socioculturais. As interações sociais também podem favorecer a modificação ou a eliminação de crenças. 1 Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Língua e Cultura do Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia-UFBA, Salvador/Bahia/Brasil. Pesquisadora do Núcleo de Estudos em Língua Cultura e Ensino LINCE/UFBA. Atualmente, está desenvolvendo a pesquisa intitulada A escrita nas crenças de professores de Língua Portuguesa em formação, orientada pela Prof.ª. Drª. Edleise Mendes. Contato: e-mail: [email protected]

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Page 1: A GRAMÁTICA NAS CRENÇAS DE PROFESSORESDE LÍNGUA …

A GRAMÁTICA NAS CRENÇAS DE PROFESSORESDE LÍNGUA

PORTUGUESA EM FORMAÇÃO INICIAL

Soraia da Silva Sousa1

Resumo: Este artigo apresenta os resultados de um estudo sobre as crenças de professores de

língua portuguesa em formação inicial, no curso de Licenciatura em Letras Vernáculas, da

Universidade Federal da Bahia. O que está em foco são as crenças desses sujeitos sobre

gramática, as quais foram diagnosticadas em dois momentos específicos: no ingresso do

curso e após dois semestres de formação. A partir dessa investigação foi possível identificar

quais concepções serviram como referência para a formulação das crenças apresentadas sobre

esse construto; os impactos que as experiências e saberes interpretados nessa fase da

graduação causam sobre tais crenças e fazer uma estimativa dos efeitos que elas ocasionarão

caso sejam adotadas para orientar suas ações nas aulas de Língua Portuguesa.

Palavras-chave: Gramática. Crenças. Formação de professores.

Abstract: This paper presents the results of a study on the beliefs the portuguese teachers’ in

initial training at the bachelor's degree in Language Vernacular of Federal University of

Bahia. That is in focus are the beliefs about grammar on these subjects, which were

diagnosed in two specific moments. From this research it was possible to identify which

concepts served as reference for the formulation of beliefs presented on this construct; the

impact that the experiences and knowledge interpreted this phase graduation cause of such

beliefs and to estimate the effects they cause if they are adopted to guide their actions.

Keywords: Grammar. Beliefs. Training.

Introdução

As interações experimentadas pelo ser humano, ao longo do processo de maturação e

socialização, o potencializam para a formulação e interiorização de crenças, as quais exercem

influência significativa sobre a impressão que ele tem de si, a sua percepção do mundo físico

e social e sobre a avaliação que faz dos fatores que propiciam a aprendizagem de línguas. Tais

crenças não resultam da atividade isolada, exclusiva das estruturas cognitivas, mas decorrem

do entrelaçamento fecundo entre elementos biológicos, psíquicos, afetivos e socioculturais.

As interações sociais também podem favorecer a modificação ou a eliminação de crenças.

1Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Língua e Cultura do Instituto de Letras da Universidade Federal

da Bahia-UFBA, Salvador/Bahia/Brasil. Pesquisadora do Núcleo de Estudos em Língua Cultura e Ensino–

LINCE/UFBA. Atualmente, está desenvolvendo a pesquisa intitulada A escrita nas crenças de professores de

Língua Portuguesa em formação, orientada pela Prof.ª. Drª. Edleise Mendes. Contato: e-mail:

[email protected]

Page 2: A GRAMÁTICA NAS CRENÇAS DE PROFESSORESDE LÍNGUA …

O estudo das crenças tem sido o foco de interesse de pesquisadores de diversas áreas do

conhecimento e, dessa forma, a produção de pesquisas que abordam essa temática tem

aumentado.

Graças ao diligente trabalho de pesquisadores da área da Linguística Aplicada (LA), os

quais têm produzido investigações voltadas, dentre outros aspectos para o escrutínio,

revelação e análise das crenças de professores, tanto em formação inicial como em serviço, é

que tem sido possível dar passos mais firmes no longo caminho que precisamos trilhar em

direção ao conhecimento das teorias informais, ou seja, das crenças que permeiam o

pensamento dos professores, a sua forma de planejar e que motivam as suas estratégias para a

tomada de decisões.

Neste artigo, são apresentadas as reflexões construídas a partir da realização de uma

pesquisa, de natureza etnográfica, que teve como objetivo geral identificar as crenças sobre

língua, leitura, gramática e escrita de professores de língua portuguesa em dois estágios de

formação no curso de Licenciatura em Letras Vernáculas. É cabível elucidar que é exposto,

aqui, um recorte dessa investigação. Comentamos, apenas, os resultados relativos às crenças

desses professores sobre gramática.2

O presente artigo está estruturado em cinco seções. Após esta parte introdutória,

apresentamos um breve relato do percurso histórico do estudo das crenças na área da

Linguística Aplicada; em seguida, descrevemos a pesquisa realizada revelando os objetivos e

perguntas que nortearam o estudo, a orientação teórico-metodológica adotada, os

instrumentos de pesquisa, os procedimentos para geração e análise dos dados e as

características do contexto de formação e dos participantes. Explicitamos, na seção seguinte,

os resultados da pesquisa e, nas considerações finais, tecemos reflexões sobre a experiência

alcançada com a realização da pesquisa, a importância da continuidade de investigações dessa

natureza e suas contribuições para a formação de professores.

A trajetória do estudo das crenças de professores e aprendizes na área da Linguística

Aplicada – Breve histórico

Os estudos sobre crenças, situados na área da Linguística Aplicada (LA), começaram a

ser produzidos nas décadas finais do século passado. Conforme atestam as palavras de

Barcelos (2004):

2 A dissertação que apresenta a pesquisa realizada foi defendida no Programa de Pós-graduação em Língua e

Cultura da Universidade Federal da Bahia (PPGLinC/UFBA). Para ter acesso ao arquivo da dissertação em pdf

basta acessar o endereço eletrônico: http://<www.repositorio.ufba.br>

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Pode-se dizer que o início dessa pesquisa se deu em meados dos anos 80, no

exterior, e em meados dos anos 90, no Brasil. Observando-se os anais do

Congresso da Associação de Linguística Aplicada do Brasil (ALAB) de

1995, não se encontra nenhuma referência e estudos a respeito de crenças. Já

no congresso da ALAB de 1997, havia pelo menos quatro trabalhos a

respeito de crenças sobre a aprendizagem de línguas. Além disso, desde

1995, o número de dissertações e teses a esse respeito tem crescido bastante

[...]. Isso mostra, mais uma vez a importância desse conceito no Brasil e o

crescente interesse por ele. (BARCELOS, 2004, p. 124).

Desde os anos iniciais até o presente momento, testemunhamos que, além dos

trabalhos sobre a aprendizagem de línguas, têm surgindo na LA estudos sobre crenças

específicas, as quais vêm sendo investigadas em variados contextos educativos e mediante a

utilização de uma multiplicidade de instrumentos para a geração de dados. Temos,

atualmente, um considerável conjunto teórico de produções sobre crenças, o qual é

quantitativamente superior ao que tínhamos em períodos anteriores.

Cronologicamente, o percurso do estudo sobre as crenças, na LA, no contexto

brasileiro, está estruturado em três diferentes períodos. Está agrupada, no quadro abaixo, a

duração de cada um deles, conforme é identificado por Barcelos (2007, p.28):

Percurso histórico do estudo das crenças na Linguística Aplicada

Períodos Duração

Inicial de 1990 a 1995

Desenvolvimento e Consolidação de 1996 a 2001

Expansão de 2002 até o presente

Quadro 1 – Diferentes períodos do percurso histórico do estudo das crenças na LA.

A referida autora afirma que o início da investigação desse conceito não foi uma tarefa

fácil, devido, principalmente, ao fato de não termos aqui muitos estudos a esse respeito.

Assim, no Período Inicial, conforme explica Barcelos (2007, p.30) “alguns trabalhos

existentes e pioneiros abordaram o assunto de forma periférica, enquanto outros estudaram as

crenças adotando o conceito de cultura de aprender”.

Uma produção relevante, nesse período, foi o artigo publicado no periódico:

Trabalhos em Linguística Aplicada, escrito por Leffa (1991), o qual analisou as narrativas de

alunos de uma escola pública. De acordo com as explicações de Silva (2007), esse trabalho:

[...] investigou as concepções de alunos do primeiro ano do Ensino

Fundamental (5ª série) e mostra que, mesmo antes de iniciar o estudo de uma

LE, eles já trazem concepções sobre língua, linguagem e aprendizagem de

línguas. (SILVA, 2007, p. 251).

Page 4: A GRAMÁTICA NAS CRENÇAS DE PROFESSORESDE LÍNGUA …

Posteriormente a esse estudo, foram produzidos significativos trabalhos que

tangenciam as concepções sobre a aprendizagem de línguas.

No âmbito internacional, evidencia-se também o crescente interesse de pesquisadores

pelo estudo das crenças, o qual é confirmado pela realização de eventos e publicações que

discutem esse assunto, como lembra Silva (2010):

[...] na conferência da Associação Internacional de LA, realizada em 1999,

no Japão (Tóquio), ‘houve um simpósio sobre crenças de aprendizagem de

línguas’ que contou com a participação de renomados estudiosos da LA

(Gaies, Sakui, Barcelos, Benson, Cotteral, Ellis, Horwitz, Hosenfeld,

Midorikawa, Mori, Robson, Shaw, Victori, Wenden; entre outros), ‘e, mais

tarde, no mesmo ano foi publicado um volume do periódico System,

dedicado às crenças sobre aprendizagem de línguas’. (SILVA, 2010, p. 25).

Segundo a observação de Barcelos (2007, p. 35), no contexto brasileiro, nesse Período

Inicial, “todos os estudos, com exceção de Leffa (1991) tratam de professores pré-serviço ou

em serviço.3

No Período de Desenvolvimento e Consolidação (de 1996 a 2001), tivemos um

expressivo incremento do número de pesquisas sobre crenças, com diferenciados enfoques.

De acordo com Barcelos (2007), esse período agrega estudos com as seguintes características:

Foco nas culturas de aprender (Garcia, 1999), ensinar (Félix, 1998;

Reynald, 1998) e avaliar (Rolim, 1998);

Utilização do BALLI para investigar as crenças de alunos de Letras em

uma instituição (Carvalho, 2000), comparar as crenças de alunos de

instituições diferentes (Silva, 2000), investigar a relação entre crenças,

autonomia e motivação (Moreira, 2000);

Crenças de alunos em contexto de ensino médio (Cunha, 1998);

Crenças mais específicas, como por exemplo, crença a respeito do bom

professor de línguas (Silva, 2000), crenças de alunos e professores

sobre escola pública (Custódio, 2001), iniciando assim uma tônica que

irá se consolidar em outros estudos sobre crenças mais específicas no

período de expansão [...];

Primeiros estudos de crenças a respeito de outras línguas estrangeiras:

espanhol (Marques, 2001) e francês (Saquetti, 1997). (BARCELOS,

2007, p. 36). 4

No que tange, especificamente, à investigação das crenças de professores, há, nesse

período, um significativo número de estudos realizados com sujeitos atuantes em instituições

3Barcelos (2007, p. 35) utiliza o termo professores pré-serviço para referir-se aos estudantes de Letras que estão

se preparando para serem professores. Lembramos que adotamos o termo: professores em formação inicial, para

designar os estudantes de Letras que participam da nossa pesquisa.

4 As referências dos teóricos mencionados nessa citação encontram-se em Barcelos (2007, p. 63-69). Nessa

mesma obra, Barcelos (p. 45) comenta que o questionário BALLI (Beliefs about Language Learning Inventory –

Inventário de Crenças sobre Aprendizagem de Línguas), desenvolvido por Horwitz (1985), foi um dos

instrumentos mais utilizados (na íntegra ou em versões adaptadas) na investigação de crenças nesse período;

contudo, essa intensidade diminuiu no Período de Expansão.

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públicas, nos quais os pesquisadores utilizaram, em conjunto, vários instrumentos

(questionários, entrevistas, anotações de campo e observação e gravação - em áudio ou vídeo

- da atuação docente daqueles que já se encontravam em serviço) para a geração dos dados.

É importante ressaltar que as pesquisas que investigam as crenças de professores em

formação inicial têm como participantes os professores que estavam em fase de conclusão do

curso de Letras.

O último ano desse período (2001) coincide com o momento no qual é realizado, na

capital mineira, mais um evento significativo na área da LA: o Congresso Brasileiro de

Linguística Aplicada (CBLA). Segundo a análise feita por Silva (2010):

No ano de 2001, o CBLA contou com a participação de inúmeros

pesquisadores, sendo que foram apresentados três trabalhos sobre CEAL.

Neste evento, pela primeira vez esse importante tópico fez parte de uma

conferência. (SILVA, 2010, p. 23).5

Como vimos, no Período de Desenvolvimento e Consolidação, frutificaram-se os

estudos sobre crenças, na LA, com defesas de dissertações abordando essa temática, em

diferentes universidades brasileiras.

O interesse pelo estudo das crenças ampliou-se, ainda mais, no momento subsequente,

ou seja, a partir do Período de Expansão (de 2002 até o presente), no qual podemos

evidenciar a vitalidade desse construto, principalmente pelo significativo aumento de

trabalhos apresentados em publicações periódicas e em coletâneas. Essas produções são, em

grande parte, fruto de pesquisas que movimentam a agenda dos programas de pós-graduação

Stricto Sensu (mestrado e doutorado), com as defesas de dissertações e teses sobre crenças. Os

resultados dessas pesquisas ganham maior circulação no país, inclusive em forma de artigos

(de livros e de revistas impressas ou eletrônicas), graças ao empenho de respeitados

estudiosos, atuantes na área da LA, para divulgá-los.

Há, nesse período, um substancial crescimento do interesse em investigar as crenças

presentes na formação de professores e sobre os aspectos específicos que envolvem a

aprendizagem de variadas línguas, como confirma Barcelos (2007):

Uma característica marcante dos estudos desse período diz respeito ao

aumento da investigação de crenças mais específicas como crenças sobre

vocabulário (Vechetini, 2005; Conceição, 2004), gramática (Carrazai, 2002),

bom aluno (Araújo, 2004), apenas para citar algumas. Este é o período com

5A sigla CEAL, utilizada por Silva (2010), significa Crenças sobre Ensino e Aprendizagem de Línguas. A

conferência realizada sobre esse tópico foi proferida pela Profª.Drª. Ana Maria Ferreira Barcelos, com o título:

Crenças sobre aprendizagem de línguas, Linguística Aplicada e ensino de línguas estrangeiras.

Page 6: A GRAMÁTICA NAS CRENÇAS DE PROFESSORESDE LÍNGUA …

maior número de dissertações e com a primeira tese sobre crenças defendida

no Brasil (Conceição, 2004). (BARCELOS, 2007, p. 45).6

No que tange, especificamente, aos estudos que tiveram como participantes os

professores em formação inicial, encontramos, nesse Período de Expansão, valiosas pesquisas

que revelam, dentre outros aspectos: as prováveis origens das crenças pregressas ao processo

de formação na graduação; fecundas reflexões acerca das crenças que tais sujeitos cultivam

sobre o ensino de línguas; sobre o curso de Letras; sobre a capacitação para a atuação docente

etc.

É válido ressaltar que recortes de alguns estudos envolvendo participantes nessa

condição são apresentados em forma de artigo na coletânea organizada por Barcelos e Vieira-

Abrahão (2006), intitulada: Crenças e Ensino de Línguas: foco no professor, no aluno e na

formação de professores. Essa obra é de seminal importância e tem sido frequentemente

consultada por estudiosos da LA, pois é a primeira coletânea publicada, no contexto

brasileiro, sobre crenças no ensino de línguas. 7

Outro valioso material é a coletânea intitulada: Linguística Aplicada: múltiplos

olhares. Esta obra foi organizada por Alvarez e Silva (2007) e traz, além do artigo de autoria

de Alvarez, nomeado: Crenças, motivações e expectativas de alunos de um curso de formação

Letras/ Espanhol - o qual apresenta os resultados parciais de um estudo realizado com

professores em formação inicial, que procurou detectar e investigar as crenças, mitos,

motivações e expectativas dos estudantes de Letras/ espanhol de uma universidade do Distrito

Federal - mais um que discorre sobre crenças, de autoria de Barcelos, cujo título é: Crenças

sobre ensino e aprendizagem de línguas: reflexões de uma década de pesquisas no Brasil.

Seu lançamento ocorreu no CBLA, realizado na Universidade de Brasília (UnB), em 2007.

Nesse evento, pela segunda vez, a importante temática das crenças na aprendizagem de

línguas foi discutida em uma conferência. 8

Ao olhar para as pesquisas aqui arroladas, podemos constatar que os estudos

realizados nesse Período de Expansão foram desenvolvidos em diferentes contextos, utilizam

6As referências dos teóricos mencionados nessa citação encontram-se em Barcelos (2007, p. 63-69).

7É importante asseverar, também, que outros periódicos, por exemplo: a Revista Brasileira de Linguística

Aplicada; Trabalhos em Linguística Aplicada; DELTA; The ESPecialist; Horizontes de Linguística Aplicada e a

revista Contexturas: Ensino Crítico de Língua Inglesa têm sido instrumentos prodigiosos na veiculação de vários

trabalhos da LA, que apresentam implicações teóricas e práticas acerca de pesquisas sobre crenças presentes no

ensino e na aprendizagem de línguas e sobre a formação de professores, sobretudo nesse Período de Expansão.

8A conferência apresentada sobre essa temática foi proferida pela Profª. Drª. Ana Maria Ferreira Barcelos, com o

título: Desafios e perspectivas na pesquisa de crenças sobre ensino e aprendizagem de línguas. Segundo Silva

(2010, p.24), nesse evento tivemos, ainda, a apresentação de 12 simpósios, 9 comunicações individuais e 2

pôsteres com estudos sobre crenças.

Page 7: A GRAMÁTICA NAS CRENÇAS DE PROFESSORESDE LÍNGUA …

diversificados instrumentos para a geração de dados, revelam crenças específicas de

diferentes sujeitos (professores em serviço, em formação inicial) e apresentam um arcabouço

teórico com reflexões sobre a formação de professores.

Convém lembrar que o Período de Expansão não findou, pois se prolonga em nossos

dias, ainda sinalizando que estamos em um momento frutífero para o estudo das crenças.

Recentemente, ao fazer um balanço das pesquisas sobre crenças, mediante uma análise

documental, Silva (2010) teceu algumas observações sobre novas fronteiras, ou seja, sobre

alguns caminhos que caracterizam a atual agenda de pesquisas dessa temática. Esse autor

informa que:

[...] A grande maioria dos estudos investigam o ensino de língua inglesa,

embora já seja possível elencarmos alguns estudos que tiveram como cerne o

ensino e aprendizagem de outras LEs: o francês (Santos, 1997; Saquetti,

1997, o italiano (Bedran, 2008; Veloso, 2007), o alemão (Rozenfeld, 2007),

espanhol (Carraro, 2007; Taset, 2006; Nonemacher, 2002; Marques, 2001) e

o português para falantes de outras línguas (Mendes, 2009; Mesquita, 2008).

Em nossa concepção é necessário que se investigue o ensino de outras

línguas, especialmente a língua brasileira de sinais (Libras), línguas

indígenas e especialmente do ensino e da aprendizagem de língua portuguesa

como língua materna ou como língua internacional. (SILVA, 2010, p. 68).

Concordamos com as observações feitas por Silva (2010) principalmente no que tange

à língua portuguesa porque entendemos que o aumento de investigações que revelem como as

crenças interferem no processo de sua aprendizagem em nossas escolas pode, ainda, servir

para que sejam encaminhadas ações no intuito de desfazer imagens negativas que professores

e alunos têm sobre esse processo e favorecer a melhoria da qualidade do ensino dessa língua.

Objetivos e orientação teórico – metodológica da investigação

Neste artigo, expomos, apenas, as reflexões provindas do alcance do propósito de

examinar as crenças de professores em formação inicial sobre o construto gramática. Essa

análise representa uma parte integrante de uma pesquisa mais extensa que tem como objetivo

geral: Identificar as concepções e crenças sobre língua, leitura, gramática e escrita de

professores de Língua Portuguesa em dois estágios de formação. Esse objetivo amplo

congrega alguns propósitos e intenções essenciais, descritos como objetivos específicos são

eles: a) Examinar quais as crenças sobre língua, leitura, gramática e escrita de professores de

Língua Portuguesa em formação no ingresso do primeiro semestre e no início do terceiro

semestre do curso de graduação em Licenciatura em Letras Vernáculas; b) Analisar quais os

impactos que algumas disciplinas do campo dos estudos linguísticos causam na transformação

Page 8: A GRAMÁTICA NAS CRENÇAS DE PROFESSORESDE LÍNGUA …

das crenças cultivadas pelos professores em formação; c) Investigar a relação entre formação

inicial X crenças.

O estudo em foco se insere na abordagem qualitativa de pesquisa. Ao relacionar as

características das pesquisas que estão inseridas na perspectiva qualitativa, Vieira-Abrahão

(2006) menciona que, apesar de existirem diferentes abordagens, elas reúnem aspectos

comuns:

a) são naturalistas, ou seja, são realizadas dentro de contextos naturais; b)

são descritivas, ou melhor, os dados coletados tomam a forma de palavras ou

figuras e não números; são processuais não se preocupando com resultados

ou produtos; d) são indutivas, ou seja, os dados são analisados

indutivamente, sem buscar evidências que comprovem ou não hipóteses

previamente estabelecidas; e) buscam significados, ou melhor, são voltadas

para as maneiras como os participantes envolvidos constroem significados

de suas ações e de suas vidas. [...] São incluídos nesse paradigma o estudo de

caso, a pesquisa-ação e a pesquisa etnográfica. (VIEIRA-ABRAHÃO, 2006,

p. 220).

Alguns desses aspectos listados por Vieira-Abrahão (2006) estão presentes nessa

investigação sobre as crenças de professores em formação. Foram produzidos significados a

partir da compreensão das crenças manifestas nas afirmações escritas e nas palavras expressas

pelos professores em formação em um ambiente natural (contexto acadêmico) e identificado o

laço coesivo que elas mantêm com as diferentes concepções de linguagem.

Também procedemos à compreensão da percepção desses sujeitos sobre o comportamento

das crenças diagnosticadas em dois momentos específicos (ao ingressarem no curso e, após

dois semestres de formação), e das contribuições das experiências vivenciadas no curso para a

sua formação docente, mediante a triangulação dos respectivos dados gerados com a

utilização dos diferentes instrumentos: questionários e entrevistas semi-estruturadas. Os dados

quantitativos foram também incluídos nas análises e serviram para auxiliar as argumentações.

Realizamos também a análise dos planos de curso das disciplinas dos três semestres

iniciais do curso, através da qual pudemos detectar a perspectiva a partir da qual os conteúdos

selecionados são abordados.

Os dados gerados foram analisados e confrontados com as teorias que tratam do estudo

das crenças e da formação de professores de língua materna.

Contexto e participantes da pesquisa

A investigação foi realizada na Universidade Federal da Bahia (UFBA), instituição pública

que desenvolve atividades nas áreas de ensino, pesquisa e extensão.

Page 9: A GRAMÁTICA NAS CRENÇAS DE PROFESSORESDE LÍNGUA …

Trabalhamos com os estudantes do curso de Licenciatura em Letras Vernáculas,

ingressantes no primeiro semestre do ano de dois mil e nove, pois nos interessava identificar e

compreender as crenças que estes sujeitos trouxeram quando iniciaram o processo de

formação inicial. 9

Nesse curso, o elenco de componentes do seu currículo é formado por disciplinas

obrigatórias (teóricas, práticas, pedagógicas) que versam sobre os estudos linguísticos,

literários, técnicas de pesquisa e a práxis pedagógica, além de disciplinas optativas (teóricas,

práticas, pedagógicas) e atividades complementares.

A escolha por esse curso foi motivada pelo fato de reconhecer que na área da LA, no

contexto brasileiro, a maioria das investigações, já produzidas, envolvendo professores em

formação inicial, volta-se para o estudo das suas crenças sobre o ensino e a aprendizagem de

Língua Estrangeira, o que, a nosso ver, justificou a necessidade da realização do estudo, o

qual traz reflexões sobre as crenças e a formação daqueles que atuarão no ensino da Língua

Portuguesa como língua materna.

O primeiro momento da investigação foi realizado com um total de oitenta (80) estudantes

de três turmas diferentes (sendo cada turma correspondente a um turno específico: matutino,

vespertino e noturno), as quais foram escolhidas aleatoriamente.

No segundo encontro, contamos, nesse momento, com a participação de trinta e três

sujeitos. Somente compuseram a amostra investigada, no segundo momento da pesquisa,

aqueles que atendiam aos seguintes requisitos: a) ter cursado e alcançado a aprovação em

todas as disciplinas do primeiro semestre; b) ter cursado e obtido aprovação perfazendo um

crédito equivalente ou superior a cinquenta por cento das disciplinas do segundo semestre; c)

estar regulamente matriculado para cursar o terceiro semestre.

Resultados da Pesquisa

Primeiro momento da investigação: gramática, as crenças dos ingressantes

Quanto aos significados apresentados para gramática, observamos que os sujeitos

investigados no início de sua formação apresentaram variadas declarações para definir esse

termo, as quais foram agrupadas por diferentes categorias de crenças, e, com a apresentação

9Atualmente, esses sujeitos estão concluindo o curso. Estamos dando continuidade ao estudo examinando as suas

crenças nessa fase e acompanhando a sua atuação docente no Estágio Curricular. Dessa forma, tem sido possível

identificar como suas crenças orientam as suas ações para o ensino da gramática. As análises das observações

realizadas serão divulgadas em uma próxima publicação.

Page 10: A GRAMÁTICA NAS CRENÇAS DE PROFESSORESDE LÍNGUA …

de alguns excertos, mostramos, aqui, o entrelaçamento que essas respostas possuem com tais

categorias.

A nossa intenção ao estabelecer algumas categorias organizadoras para a compreensão do

sentido de gramática está atrelada à possibilidade de analisar as representações dos

participantes da pesquisa e agrupá-las de modo coerente, com o objetivo de mapear as crenças

reveladas. Não trabalhamos, portanto, com definições fechadas e definitivas, mas com visões

mais amplas e flexíveis, que trazem em si uma variedade de formulações as quais, de modo

geral, apresentam características em comum, embora diversificadas na forma como foram

redigidas.

Assim, ao selecionar, por exemplo, a categoria de compreensão da gramática como

conjunto de estruturas e regras de uma língua, aí incluímos uma variedade de respostas que,

em sua essência, trazem esses modos de ver a gramática.

De acordo com o que esclarecemos, organizamos as afirmações desses sujeitos, as quais

apontam, inicialmente, que a gramática pode ser entendida como:

a) Conjunto de estruturas e regras de uma língua, como mostram os excertos a seguir:

A2: “Conjunto de regras ou estrutura de uma língua”.

A42: “Regras da Língua Portuguesa”.

A61: “São as regras estabelecidas para a execução da fala e da escrita”.

b) Normas que regem o uso correto da língua, oralmente e por escrito. Podemos

identificar essa categoria pelas respostas apresentadas por:

A16: “Um conjunto de normas e padrões estabelecidos à sociedade e considerados

corretos”.

A67: “É a que impõe as regras, determina as normas cultas, como cada palavra deve ser

escrita, a estrutura de uma frase, de um texto”.

A72: “É um conjunto de normas escritas que possuem a função de prescrever como se fala

e se grafa a língua culta, o idioma-padrão”.

c) Área de estudo da Linguística; área que estuda o uso da linguagem.É possível

conferir a presença desta categoria nas respostas mencionadas pelos seguintes

sujeitos:

A1: “Uma área que se interessa pelo uso da linguagem”.

A35: “É a sistematização do estudo de uma língua, que serve como referência para

estudos, análises de uma língua”.

A50: “Estudo sobre regras do português falado e escrito”.

d) Livro que reúne e determina as regras de uma língua. Nesta categoria, a gramática é

considerada como um compêndio que fixa normas da língua. Evidenciamos esse

aspecto nas respostas de:

Page 11: A GRAMÁTICA NAS CRENÇAS DE PROFESSORESDE LÍNGUA …

A48: “Livro para consultas como: estruturas frasais, maneira de como devemos escrever

corretamente. Serve para a utilização de verificação de normas ortográficas”.

A56: “Manual. É um livro de consultas quando se tem dúvida ou interesse em saber ou

identificar alguma regra ou norma”.

A63: “É o manual onde contém as regras para que se possa falar e escrever da forma

correta”.

Os participantes apresentam outras respostas sobre gramática, nas quais a sua definição

é apresentada de modo genérico, amplo. Por não se enquadrarem nas categorias anteriores,

agrupamos essas respostas como:

e) Crenças desfocadas. Podemos identificar isso através das afirmações:

A55: “É a forma organizada que se dá à escrita”.

A49: “É guardiã da linguagem”.

Expomos as categorias de crenças sobre a gramática na Tabela - 1, na qual são

reveladas, ainda, a intensidade com que elas são flagradas nas respostas dos professores em

formação - ingressantes:

Crenças sobre Gramática Número de

citações

Percentual

Normas que regem o uso correto da língua, oralmente e

por escrito

54 67,5%

Conjunto de estruturas e regras de uma língua 13 16,2%

Livro que reúne e determina as regras de uma língua 7 8,8%

Área de estudo da Linguística; área que estuda o uso da

linguagem

4 5,0%

Crenças desfocadas 2 2,5%

Total 80 100%

Tabela 1- Crenças sobre gramática de ingressantes no curso de Letras Vernáculas

Diante da análise que fizemos, é possível constatar que a maioria dos ingressantes crê

que a gramática apresenta uma natureza coercitiva, uma vez que estabelece normas ou regras,

as quais devem ser tomadas como referência pelos usuários da língua que desejam falar e

escrever “corretamente”.

Tais normas estão associadas à variedade padrão, culta, mais prestigiada socialmente.

Dessa maneira, quaisquer outras formas diferentes desse modelo são entendidas como “erro”.

Esses participantes não fazem menção explícita, ou seja, não destacam em suas respostas, a

validade do uso gramatical que está presente em expressões textuais construídas em outras

variedades linguísticas.

Page 12: A GRAMÁTICA NAS CRENÇAS DE PROFESSORESDE LÍNGUA …

Acreditamos que os professores em formação - ingressantes trouxeram essas crenças

porque esse modelo de definição de gramática, por muito tempo, esteve, e ainda está presente

em muitas gramáticas pedagógicas e em livros didáticos adotados para o ensino fundamental e

médio. Além disso, é possível que, durante a sua passagem pela escola, eles tenham

experimentado práticas nas quais o ensino da gramática foi exercitado sob o prisma da

correção, com a finalidade de tomá-la como referência para classificar positiva ou

negativamente o que acontece na escrita e na fala. Recorremos às palavras de Antunes (2003)

para ratificar que, tradicionalmente, o trabalho com a gramática tem girado em torno de

atividades que a consideram, dentre outros aspectos, como:

[...] predominantemente prescritiva, preocupada apenas com marcar o

“certo” e o “errado”, dicotomicamente extremados, como se falar e escrever

bem fosse apenas uma questão de falar e escrever corretamente, não

importando o que se diz, como se diz, quando se diz e se tem algo a dizer.

(ANTUNES, 2003, p. 33).

E, para além da escola, em outras instâncias, o tratamento dado à gramática fortalece a

crença de que a finalidade do seu estudo está centrada na tarefa de executar “consertos”, para

“polir” a língua. A esse respeito, Silva (2008) faz um comentário importante, o qual se

coaduna com o que acabamos de afirmar:

Ademais, pelo sucesso que fazem os programas de televisão que contratam

professores tradicionais para o exercício de correção de frases, permanece na

sociedade a convicção de que o ensino fundamental deve ter como objetivo

ensinar a falar e escrever segundo as regras da Gramática Normativa. Ela

ainda é persuadida de que é pelo conhecimento da análise gramatical que se

aprende a ler, a escrever, e a falar. Para ela, por conseguinte, o objetivo do

ensino da Língua Portuguesa é ainda o saber gramatical [...]. (SILVA, 2008,

p.174).

Sem dúvida, uma parcela significativa dos ingressantes no curso de Licenciatura em

Letras reage com aceitação a essa visão cultivada sobre a gramática, e formula crenças

influenciadas por essa noção.

Somente um pequeno grupo, apenas treze participantes apresentam respostas que

podem ser vinculadas ao princípio de que a língua compreende um conjunto de regras

gramaticais que são combinadas na estruturação de enunciados, as quais especificam o seu

funcionamento. Tal princípio é afirmado por Antunes (2003):

Toda língua tem sua gramática, tem seu conjunto de regras,

independentemente do prestígio social ou do nível de desenvolvimento

econômico e cultural da comunidade que é falada. Quer dizer, não existe

língua sem gramática. (ANTUNES, 2003, p. 85).

Page 13: A GRAMÁTICA NAS CRENÇAS DE PROFESSORESDE LÍNGUA …

Nesse sentido, é necessário ressaltar que todas as circunstâncias de uso interacional da

língua que possibilita a construção da identidade cultural dos grupos sociais são reguladas por

regras, que não são rígidas, imutáveis, mas funcionais, modificam-se para atender à finalidade

do evento de uso da língua e o objetivo de seus usuários. Como vimos, poucos participantes

fazem menção a esses aspectos das regras gramaticais.

Segundo momento da pesquisa: as crenças dos professores sobre gramática após dois

semestres de formação

Quanto à significação da gramática, notamos, através da análise das respostas, que os

professores em formação no terceiro semestre apresentam variadas afirmativas para ilustrar a

maneira como a compreendem.

Agrupamos, também, por categorias de crenças, tais respostas, as quais revelam o

sentido que atribuem à gramática. Através da utilização dos excertos, torna-se evidente para

quais categorias tais formulações convergem.

De acordo com as variadas respostas, os professores em formação revelam que a

gramática pode ser entendida como:

a) Conjunto de estruturas e regras de uma língua, segundo afirmam:

A12: “Conjunto de regras estabelecidas de forma formal de uma língua”.

A67: “Conjunto de regras de uma língua, indicando sua forma gramatical”.

b) Normas que regem o uso correto da língua, oralmente e por escrito. Estão de acordo

com as afirmações feitas por:

A16: “Sistema de regras e normas padrões estabelecidas e vistas como corretas por uma

parte dos estudiosos da língua (gramáticos) e que, ainda hoje, devem ser seguidas por aqueles

que almejam o ‘bem falar’”.

A64: “Norma a ser seguida para a prática da boa escrita”.

A71: “Conjunto de normas e regras em que se ensina a utilização da língua de forma

“correta”.

c) Capacidade que os humanos possuem; sistema internalizado. Identificamos essa

crença nas respostas de:

A15: “É a capacidade que todos os seres humanos têm de falar uma língua natural”.

A22: “É um sistema internalizado”.

d) Livro que reúne e determina as regras de uma língua. Nesta crença, a gramática é

representada na figura de um manual, o qual armazena as normas da língua.

Observamos essa afirmação em:

Page 14: A GRAMÁTICA NAS CRENÇAS DE PROFESSORESDE LÍNGUA …

A10: “A gramática possui diversas acepções que irão depender do ponto de vista adotado,

mas a principal é a de que se trata de um livro constituído de normas e regras que definem o

uso adequado da língua”.

A38: “Livro que geralmente é utilizado como instrumento para se ditar regras de como se

escrever e falar de maneira adequada”.

As respostas que apresentavam a definição de gramática, de forma imprecisa, vaga, ou de

modo genérico, e que não apontavam para nenhuma das categorias de crenças dentre as que

foram estabelecidas, agrupamos como:

e) Crenças desfocadas. Isso é revelado na resposta:

A59: “É o português na sua ciência”.

As categorias de crenças sobre gramática seguem elencadas na tabela abaixo, na qual é

revelada a frequência e o percentual com que elas são mencionadas nas respostas dos

professores em formação no terceiro semestre:

Crenças sobre Gramática Número de

citações

Percentual

Normas que regem o uso correto da língua, oralmente e por

escrito

17 51,5%

Capacidade que os humanos possuem; sistema internalizado

7 21,2%

Conjunto de estruturas e regras de uma língua 5 15,1%

Livro que reúne e determina as regras de uma língua 2 6,1%

Crenças desfocadas 2 6,1%

Total 33 100%

Tabela 2- Crenças sobre gramática de professores em formação no terceiro semestre

Mediante o exame dessas citações, é possível afirmar que estes sujeitos conservam a

crença de que a gramática possui uma natureza prescritiva por impingir à língua a

manutenção de regras fixas, as quais funcionam como balizas para evitar corruptelas em seu

uso.

Observamos que as respostas apresentadas pelos professores em formação no terceiro

semestre, para significar a gramática, convergem para as crenças que outrora foram

desveladas no primeiro momento da investigação.

A seguir, podemos visualizar que, de um modo geral, o conjunto de crenças sobre a

gramática apresenta poucas alterações nos dois universos investigados, havendo, no entanto,

no segundo momento, o aparecimento da crença que considera a gramática como uma

capacidade interna, inerente ao falante, e nenhuma menção que apontasse a crença de que a

Page 15: A GRAMÁTICA NAS CRENÇAS DE PROFESSORESDE LÍNGUA …

gramática poderia ser compreendida como a área de estudo da Linguística. Examinemos, pois,

o quadro – 2, a seguir:

Crenças sobre Gramática

Professores em

Formação/

Ingressantes

(%)

Professores em

Formação/ do 3º

semestre

(%)

Normas que regem o uso correto da língua, oralmente

e por escrito

67,5 51,5

Capacidade que os humanos possuem; sistema

internalizado

_ 21,2

Conjunto de estruturas e regras de uma língua 16,2 15,1

Área de estudo da Linguística; área que estuda o uso

da linguagem

5,0 _

Livro que reúne e determina as regras de uma língua 8,8 6,1

Crenças desfocadas 2,5 6,1

Total 100 100

Quadro 2 - Comparativo das crenças sobre gramática apresentadas por

professores em formação –ingressantes e do 3º semestre

A observação do quadro ajuda a interpretar que a crença sobre a gramática

prevalecente nos dois momentos de investigação, é aquela em que se mostra uma tendência a

associar esse termo, estritamente, à gramática normativa. Transcrevemos, aqui, palavras de

Travaglia (2005) para lembrar que a gramática normativa:

[...] apresenta e dita normas de bem falar e escrever, normas para a correta

utilização oral e escrita do idioma, prescreve o que se deve e o que não se

deve usar na língua. Essa gramática considera apenas uma variedade da

língua como válida, como sendo a língua verdadeira. [grifo do autor].

(TRAVAGLIA, 2005, p. 30).

Se a crença do sentido estritamente normativo da gramática for assumida para orientar

as práticas desses professores, não é exagerado pensar que eles seguirão práticas

tradicionalmente arraigadas para o seu ensino, as quais têm por ritual: o exercício de

reconhecimento e classificação de unidades morfológicas; análises de estruturas, a

identificação de alguns usos da língua como “erros” e a supervalorizar a correção gramatical

etc.

Notamos, ainda, que a crença no significado da gramática como um sistema

internalizado, a qual não foi citada por nenhum participante no momento do ingresso,

apareceu, no segundo momento, com um significativo número de indicações. Isso revela que

durante os semestres cursados houve uma aproximação desses participantes com pressupostos

teóricos que concebem esse construto a partir do enfoque gerativista, de base chomskyana,

que concebe a língua como um dispositivo inato, atrelado à noção de competência linguística

Page 16: A GRAMÁTICA NAS CRENÇAS DE PROFESSORESDE LÍNGUA …

em oposição à performance, ou seja, a capacidade de uso. Aos formalistas, desse modo,

interessa a competência. A ideia da língua como dispositivo inato, de caráter sistêmico,

exerceu, em muitos casos, influência sobre as crenças dos professores em formação no

segundo momento da investigação. Tal influência, como podemos observar, é refletida sobre

o que eles formulam a respeito da gramática nesse instante da formação.

É importante lembrarmos que nesse retrato feito das crenças do futuro professor de

língua portuguesa, em períodos específicos da sua formação, foi possível observar que

algumas crenças enraizadas não sofreram modificações, contudo, essa conservação não deve

ser tomada como algo definitivo, isso não que dizer que elas perdurarão até o final da

graduação.

Acreditamos que é necessário favorecer aos professores em formação maior contato

com as teorias que lidam com os conceitos que abordam a gramática como parte integrante

dos processos discursivos, a fim de que possam desenvolver na sua atuação docente, um

ensino da gramática que não esteja apenas centrado no estudo dos aspectos estruturais da

língua.

Conforme nos mostra Antunes (2003), as práticas pedagógicas para o ensino

gramatical devem, entre outras coisas, trabalhar em sala uma gramática que seja funcional:

Com isso se pretende privilegiar o estudo das regras dos usos sociais da

língua, [...] de suas condições de aplicação em textos de diferentes gêneros.

Deve-se propor, portanto, uma gramática que tenha como referência o

funcionamento da língua, o qual, como se sabe, acontece não através de

palavras soltas, mas apenas mediante a condição do texto. Assim o professor

deve apresentar uma gramática que privilegie, de fato, a aplicabilidade real

de suas regras, tendo em conta, inclusive, as especificidades de tais regras,

conforme esteja em causa a língua falada ou escrita, o uso formal ou

informal da língua [...]. (ANTUNES, 2003, p.96).

Evidentemente, o encaminhamento dos professores para essa discussão abrirá

oportunidades para a consequente reformulação de suas crenças, isso é o que, primeiramente,

pode aumentar a nossa expectativa de que o ensino da gramática a ser realizado por esses

sujeitos nas aulas de língua portuguesa seja produtivo.

Considerações Finais

A realização desta pesquisa permitiu a identificação das crenças que professores em

formação inicial cultivavam sobre gramática e os efeitos que as experiências no curso de

Licenciatura em Letras Vernáculas, da UFBA, proporcionaram sobre essas crenças após dois

semestres de formação.

Page 17: A GRAMÁTICA NAS CRENÇAS DE PROFESSORESDE LÍNGUA …

O conjunto de crenças revelado por esses professores em formação, no ingresso do

curso, deixou evidente que tais sujeitos possuíam um entendimento prévio sobre os

significados do construto investigado. Esse saber não foi configurado isoladamente, mas é

decorrente das suas vivências anteriores a esse processo de formação, tais como: as

experiências pessoais (constituídas de seus antecedentes culturais e socioeconômicos, da

relação familiar) e as experiências provenientes da sua participação em variados contextos de

formação (extraídas dos processos educacionais enquanto aprendizes da língua portuguesa, do

contato com seus professores, das palestras assistidas, dos cursos etc.).

Tais crenças possuem, de certo modo, laços com princípios constituídos pelas

diferentes concepções de língua, as quais são evocadas, por vezes, de modo explícito ou

implícito nas formulações desses sujeitos, nos significados que constroem.

Conforme mostraram os resultados dessa investigação, grande parte dos professores

em formação chegou ao curso de Licenciatura em Letras Vernáculas trazendo um repertório

de crenças, que agrega variadas significações sobre gramática.

No conjunto de crenças mapeadas, diagnosticamos que há o predomínio de afirmações

que revelam que gramática representa as normas que regem o uso correto da língua.

Algumas crenças reveladas no primeiro momento são reiteradas, pois reaparecem, com

força, no segundo momento. No conjunto de crenças mapeadas, constatamos que dentre as

variadas afirmações apresentadas pelos professores em formação do terceiro semestre,

prevalece aquelas em que se considera que gramática representa as normas que regem o uso

correto da língua, oralmente e por escrito.

Mesmo depois de terem passado por um processo de formação, poucos participantes

reformulam o modo de compreender esse construto. É revelado que grande parte das crenças

desses sujeitos converge para perspectivas que ainda estão distanciadas de concepções que

consideram o caráter discursivo, contextualizado e interacional da língua.

Em geral, o conjunto de crenças mapeadas nos dois momentos não sofre muitas

mudanças, alterações mais significativas porque as crenças prevalecentes; acabam, de certo

modo, sendo reforçadas e sofrem a influência das visões nas quais as abordagens dos

componentes curriculares estão lastreados. Ou seja, a efetiva ênfase em abordagens sistêmicas

e formalistas, que pouco refletem sobre a língua em uso e sobre as práticas pedagógicas

futuras, criam o ambiente oportuno para que os professores em formação sedimentem certas

crenças, uma vez que não refletem sobre outras perspectivas para a compreensão da língua

como lugar de interação e, consequentemente, das outras dimensões a ela ligadas, como, por

exemplo, a gramática.

Page 18: A GRAMÁTICA NAS CRENÇAS DE PROFESSORESDE LÍNGUA …

Essa realidade mostra que se faz necessário possibilitar a esses sujeitos mais

aproximações com outras visões, a fim de que possam refletir sobre quais princípios atuarão

como um “leme”, orientando as suas ações em sala de aula. Como é ressaltado por Mendes

(2010), nos cursos de graduação deve-se:

[...] dar condições ao professor em formação de conhecer, portanto, a

evolução das ideias linguísticas, ter contato com teorias e práticas

diversificadas e refletir sobre os objetivos que estão em jogo quando ele vai

ensinar é prepará-lo para decidir, com autonomia e consciência crítica, que

representações de língua e de linguagem estarão na base de suas ações [...].

(MENDES, 2011, p.12).

É válido ressaltar que nenhuma ação para o ensino da língua é descolada de um

conjunto de princípios teóricos que trazem postulações e modos de conceber a linguagem,

portanto, o professor em formação inicial precisa estar ciente de que a adoção de uma

determinada concepção orienta, em grande parte, a maneira como será abordada a gramática

nas aulas de língua portuguesa e traz consequências para a aprendizagem dos alunos.

Não podemos esquecer que as crenças não são estruturas rígidas, fixas, mas passam

por ressignificações, e que o ambiente universitário é o contexto no qual podem vicejar

discussões em torno da língua que propiciem interferências no sistema de crenças constituído

e a construção de novas crenças. Lembramos, também, que podem ocorrer mudanças pela

inserção e interação desses sujeitos em outros espaços, como nos explica Garbuio (2009):

[...] Na medida em que os professores ganham experiência, suas crenças são

reformuladas a partir de seus encontros com outros professores, alunos e pais

e mesmo o contato com a instituição onde o professor trabalha, além do

contato com o livro didático. (GARBUIO, 2009, p. 121).

Cremos que não convém deixar à margem formação do futuro docente a discussão

sobre a atuação da língua como dimensão cultural e promotora da interação

sociocomunicativa, visto que pode encaminhar revisões e prováveis mudanças nas crenças

atreladas a concepções tradicionais, em que o conhecimento da língua ocorre pelo viés do

estudo da sua estrutura.

Além disso, se faz necessário conscientizá-los de que uma nova configuração do

ensino de língua portuguesa está atrelada a uma formação docente de qualidade. E, para isso:

[...] é necessário o professor estar em contato com outros sensos de

plausibilidade, o que quer dizer que o docente precisa ir a congressos,

participar de projetos e de grupos de discussão, estar em contato com as

pesquisas na área da Linguística Aplicada e fazer leituras relevantes, etc.

(SILVA; ROCHA; SANDEI, 2005, p. 31).

Page 19: A GRAMÁTICA NAS CRENÇAS DE PROFESSORESDE LÍNGUA …

O desafio que se coloca diante das instituições superiores que promovem a formação

inicial de professores para o ensino da língua materna é favorecer-lhe esse suporte teórico, a

sua integração em atividades dessa natureza e, mais do que isso, o conhecimento e a reflexão

sobre as suas crenças.

Os professores em formação apontaram que essa investigação os ajudou a tomarem

consciência sobre as suas crenças. A reflexão sobre as crenças parece não ser algo muito

estimulado pelos seus professores. É importante lembrar que o professor precisa conhecer

suas crenças durante a formação. Se isso for realizado, será importante para que esses sujeitos

não acrescentem novas teorias às suas teorias informais sem analisar se são auxiliadoras ou

não da sua prática. Cremos que este estudo pode contribuir para que esses sujeitos se

conscientizassem de suas crenças sobre gramática.

Vale a pena esclarecer, ainda, que a realidade da prática pedagógica é algo complexo,

na qual ocorrem conflitos, problemas, obstáculos, os quais contribuem para que as práticas

dos professores não espelhem suas crenças. Mas o levantamento das crenças, no processo de

formação inicial, se faz necessário, pois representa o ponto de partida para que as entidades de

educação superior possam alcançar mais informações sobre a formação dos graduandos no

curso de Licenciatura em Letras Vernáculas e desencadear ações e investimentos para

melhorar a qualidade da formação dos profissionais para o ensino de Língua Portuguesa.

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