a festa da xylella

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Pesquisa FAPESP - Ed. 51

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Page 1: A festa da Xylella
Page 2: A festa da Xylella
Page 3: A festa da Xylella

8 Governo paulista faz uma grande festa para os cientistas que concluíram o seqüenciamento do genoma da Xylella fastidiosa e lhes concede a Medalha do Mérito Científico e Tecnológico e o troféu Árvore dos Enigmas

20 Estudos feitos por pesquisadores do IAG apresentam informações novas sobre a evolução química das galáxias e a formação de estrelas na Via Láctea

Capa: Hélio de Almeida,

sobre foto de Leonardo Costa; escultura de Elvio Becheroni

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24 Pesquisa realizada no âmbito do

Biota-FAPESP encontra na Mata Atlântica e no Cerrado paulista plantas

com ação antitumoral e antifúngica

EDITORIAL

MEMORIAS

OPINIÃO

36 Projeto temático sobre o ecossistema das águas da Ilha de São Sebastião descobre novas espécies e revela aspectos ainda desconhecidos da geologia do canal

5 6 7

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÚGICA 8

CIÊNCIA 20 TECNOLOGIA 39 HUMANIDADES 46 LIVROS 52 LANÇAMENTOS 53 ARTE FINAL 54

40 A empresa Hidro Ambiente desenvolve, no âmbito do PIPE, técnicas de monitoramento de áreas poluídas e de avaliação de riscos ambientais

46 Estudos sobre os sambaquis do litoral de Santa Catarina mostram que suas populações eram sedentárias e possuíam complexa organização social e que os morros de conchas eram monumentos funerários

PESQUISA FAPESP · MARÇO DE 2000 • 3

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Page 4: A festa da Xylella

PESQUISA FAPESP É UMA PUBLICAÇÃO MENSAL

DA FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR PROF. DR. CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ

PRESIDENTE

PROF. DR. PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO VICE-PRESIDENTE

PROF. DR.ADILSON AVANSI DE ABREU PROF. DR.ALAIN FLORENT STEMPFER

PROF. DR. ANTÓNIO MANOEL DOS SANTOS SILVA PROF. DR. CELSO DE BARROS GOMES

DR. FERNANDO VASCO LEÇA DO NASCIMENTO PROF. DR. FLÀVIO FAVA DE MORAES

PROF. DR. JOSÉ JOBSON DE A. ARRUDA PROF. DR. MAURICIO PRATES DE CAMPOS FILHO

DR. MOHAMED KHEDER ZEYN PROF. DR. RUY LAURENTI

CONSELHO TÉCNICO-ADMINISTRATIVO PROF. DR FRANCISCO ROMEU LANDI

DIRETOR PRESIDENTE

PROF. DR. JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER DIRETOR ADMINISTRATIVO

PROF. DR. JOSÉ FERNANDO PEREZ DIRETOR CIENTIFICO

EQUIPE RESPONSÁVEL

CONSELHO EDITORIAL PROF. DR. FRANCISCO ROMEU LANDI

PROF. DR. JOAQUIM J. DE CAMARGO ENG LER PROF. DR. JOSÉ FERNANDO PEREZ

EDITORA CHEFE MARILUCE MOURA

EDITORA ADJUNTA MARIA DA GRAÇA MASCARENHAS

EDITOR DE ARTE HÉLIO DE ALMEIDA

EDITORES CARLOS FIORAVANTI (CI~NCIA) CARLOS HAAG (HUMANIDADES)

MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA) MÁRIO LEITE FERNANDES (TEXTO)

DIAGRAMAÇÃO E PRODUÇÃO GRÁFICA TÃNIA MARIA DOS SANTOS

COLABORADORES ANA MARIA FlORI CLÀUDIA IZIQUE

LUCAS ECHIMENCO MARCOS PIVETTA MAURO BELLESA MIRIAN IBANEZ

OITO FILGUEIRAS SILVIA DE SOUZA

ULISSES CAPOZOLI WAGNER DE OLIVEIRA

ENCARTE ESPECIAL O FUTURO DA GENÓMICA NO BRASIL

FOTOLITOS E IMPRESSÃO GRAPHBOX-CARAN

TIRAGEM: 22.000 EXEMPLARES

FAPESP RUA PIO XI, N" 1500, CEP 05468-90 I ALTO DA LAPA- SÃO PAULO - SP

TEL (O - 11) 838-'1000 - FAX: (O - 11) 838-41 17

ESTE INFORMATIVO ESTÀ DISPONIVEL NA HOME-PAGE DA FAPESP:

http://www.fapesp.br e-mail: [email protected]

SECRETARIA DA CI~NCIA TECNOLOGIA E DESENVOLVIMENTO

ECONÓMICO

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

4 · HARÇO DE 2000 • PESQUISA FAPESP

Imprecisões

No último parágrafo do quadro "De Herófilo a Descartes" (Pesquisa FAPESP edição N° 48, pág. 29, repor­tagem "Proteção durante o sono") consta que "na primavera os dias são mais longos': Rigorosamente, não há dias mais longos ou mais curtos, pois todos os dias duram 24 horas. O que varia é a duração do período diário de luz solar, que é mínimo no solstício de inverno (22 de junho no hemisfé­rio sul e 22 de dezembro no hemisfério norte) e máximo no solstício de verão (22 de dezembro no hemisfério sul e 22 de junho no hemisfério norte).

Na mesma edição, na matéria "O valor do conforto ambiental" (penúl­timo parágrafo da página 32) se diz que "a água retira calor dos animais somente no estado gasoso" e que "não adianta, portanto, regar ou as­pergir água (na forma líquida) sobre os animais." Essa informação está in­correta. É exatamente ao passar do es­tado líquido para o estado gasoso que a água retira calor do ar ou dos corpos com os quais estiver em cantata. A refrigeração evaporativa consiste em aspergir gotículas de água (líquida, sim) no ambiente. Quando o sistema é bem dimensionado, ao evaporar, essa água absorverá calor do ar (e não diretamen­te dos corpos das pessoas ou animais), reduzindo, assim, a temperatura am­biental. Nenhum resfriamento, portan­to, será obtido através da introdução de vapor d'água em um ambiente.

PROFESSOR MAURICIO RORIZ,

Depto. de Engenharia Civil da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)

São Carlos, SP

Quanto à primeira observação, de­finindo-se dia como um período de 24 horas composto de um período de cla­ro e um de escuro, o Prof Maurício Ro­riz está correto. O dia tem 24 horas e sua duração não varia. No texto em questão, entretanto, a palavra dia foi utilizada em oposição à palavra noite. Os dois

significados estão previstos no Dicioná­rio Aurélio, ainda que cientificamente, haja uma imprecisão. . Quanto à segunda observação, a pesquisadora Irenilza Nii.ii.s responde que realmente o professor tem razão, no que se refere à variação da tempe­ratura do ambiente. Aspergindo água sobre os animais, desde que haja dife­rença de umidade relativa, ou seja, o ar não esteja totalmente saturado, haverá evaporação, portanto, resfriamento adia­bático. Mas o ganho maior de conforto quando se molha o animal (principal­mente suínos e bovinos) está na troca térmica por condução, pois a água sem­pre está em temperatura inferior à de sua pele, portanto a refrigeração se dará por condução entre a água e a pele.

Mulheres na ciência

Será mesmo verdade que as cien­tistas brasileiras são mais consideradas do que as suas colegas do mundo de­senvolvido? Tal conclusão foi apre­sentada na seção Política Científica e Tecnológica, em Estratégias, da edi­ção N° 49, porque 8,85% dos mem­bros da Academia Brasileira de Ciên­cias são mulheres, comparados com os 6,2% da Academia de Ciências dos Estados Unidos. Não deveria ter sido considerado que, no Brasil, provavel­mente devido ao pouco valor social da carreira científica, o número de mulheres trabalhando em Ciência é, proporcionalmente, muito maior do que no mundo desenvolvido? Como resultado disso, no ranking dos cien­tistas brasileiros mais citados na lite­ratura a porcentagem de mulheres é considerável em áreas como Bioquími­ca (24%) e Química (14%) (Folha de São Paulo, 12/09/1999). Comparar esses números com os correspondentes nú­meros dos países desenvolvidos e, então, compará-los com os números das Aca­demias, isso sim, seria muito revelador ...

PROFESSORA ÜHARA AUGUSTO,

Depto. de Bioquímica do Instituto de Quimica/USP - São Paulo, SP

Page 5: A festa da Xylella

EDITORIAL

Uma senhora homenagem

Governo do Estado ofereceu uma bela festa aos cientistas da Xylella

Amatéria .de capa desta edição de Pesquisa FAPESP é singular. Pelo nosso padrão usual, tais matérias referem-se a resultados de

pesquisas de porte significativo, financiadas pela FAPESP em qualquer área do conhecimento- daí porque projetas temáticos e projetas apoiados por programas especiais têm sido nossa fonte mais freqüente de matéria prima jornalística para as capas. Mas desta vez as pesquisas cederam lugar a uma festa - uma grande festa pro-movida pelo governo do Estado de São Paulo para os cientistas que concluíram, em janeiro deste ano,

vessia do desconhecimento à competência nessa área nova e altamente estratégica da ciência con­temporânea quanto as definições e especulações sobre os próximos passos da pesquisa genômica no Brasil. Passado e futuro se entrelaçam nas falas de pessoas que têm indiscutível autoridade para abordar esse tema. E, para que se possa também observar olhares sobre a pesquisa científica de quem a vê de outro· ângulo- o do universo políti-

co e administrativo - estão no en­carte as íntegras dos discursos do governador Mário Covas e do mi­nistro Ronaldo Sardemberg, profe-

o seqüenciamento do genoma da bactéria Xylella fastidiosa, o proje­to pioneiro do programa Genoma montado por esta Fundação.

"Reconheceu-se ridos na festa da Xylella.

Apesar da insistência, aqui, na bactéria já famosa, esta edição de Pesquisa FAPESP é muito diversifi­cada. Entre os destaques, um novo software desenvolvido em parceria Petrobras/Unicamp, que dinamiza e agiliza o processamento de irifor­mações nas operações de extração e na caracterização dos reservatórios de petróleo. Mas a uma incomensu-

a excelência Pode até parecer um tanto estra­

nho uma revista de divulgação cien­tífica dedicar várias páginas a uma cobertura jornalística que guarda certo parentesco com as colunas so­ciais (sem qualquer crítica aqui, re­gistre-se, às muito informativas co­lunas sociais, e apenas ressaltando

e o caráter

paradigmático

dessa

pesquisa"

a diferença de natureza das coisas). Mas quando uma festa atesta o re-conhecimento público do governo estadual- que se esten~eu também ao governo fe­deral- à excelência e ao caráter paradigmático de uma pesquisa, ela merece ser comentada numa revista desse tipo. Quando uma festa marca uma atitude de respeito e aplauso caloroso, por parte de um governo, a duas centenas de pesquisadores que durante dois anos se dedicaram entusiastica­mente a decifrar uma questão que, além das im­plicações sobre o porte da produção científica na­cional, promete repercussões econômicas e sociais de peso, essa festa conquista o direito de pertencer à história social da ciência brasileira. E nesse caso, conceder-lhe a capa e um bom espaço em Pesqui­sa FAPESP é apenas bom senso editorial.

A genômica, de qualquer sorte, não é tratada nesta edição apenas em seu ângulo festivo. No en­carte especial da revista ganham corpo tanto reve­lações sobre como foi fazer, em São Paulo, a tra-

rável distância dos campos petrolí­. feros e da tecnologia de uso concre­to, imediato, vale a pena conferir informações novas sobre a evolu­

ção das galáxias e a formação de estrelas na Via Láctea obtidas por pesquisadores do IAG/USP.

Os resultados promissores de uma pesquisa relacionada simultaneamente à saúde humana e ao meio ambiente estão em matéria que conta sobre plantas com ação antitumoral e antifúngi­ca encontradas na Mata Atlântica e no Cerrado paulista. E, para concluir, as ciências humanas comparecem nesta edição com temas muito ins­tigantes: de um lado, novos conhecimentos sobre nossas populações pré-históricas, obtidos a par­tir de estudos dos sambaquis do litoral de Santa Catarina; de outro, informações promissoras so­bre mudanças sensíveis na relação homem-mu­lher e pai-filhos, apesar (ainda) da relutância masculina em aceitar um modelo igualitário de distribuição das responsabilidades do casal na estruturação da família.

PESQUISA FAPESP • MARÇO DE lODO • 5

Page 6: A festa da Xylella

MEMÓRIAS

r

Chegada dos primeiros alunos do ITA, em 1950: corpo de especialistas que projetam e mantêm os aviões no ar

A construção da aeronáutica brasileira O Brasil é hoje um dos principais fabricantes mundiais de aviões de médio porte, graças à Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer). O êxito tem pelo menos duas razões. Uma é a visão a longo prazo do marechal-do-ar Casimiro Montenegro Filho, que insistia: o país poderia brilhar na indústria aeronáutica se investisse em pesquisa e formação de recursos humanos. Falecido no dia 26 de fevereiro, aos 95 anos, Montenegro concebeu e dirigiu o Centro Técnico Aeroespacial (CTA), uma instituição de pesquisa criada em 1946 em São José dos Campos. A outra razão que faz o Brasil se destacar nas feiras internacionais de aviação é o Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), também criado, há 50 anos, por Montenegro. Mais do que uma parte, o ITA é o coração

6 • MARÇO DE 1000 • PESQUISA FAPESP

Montenegro:

do CTA: como órgão de ensino superior do Ministério da Aeronáutica, forma os engenheiros que projetam e mantêm os aviões brasileiros no ar. Patrono da Engenharia Aeronáutica Brasileira, Montenegro nasceu em Fortaleza em 29 de outubro de 1904. Fez parte da primeira turma de aspirantes-a-oficial da Arma de Aviação do Exército, criada em 1927, e formou-se aviador em janeiro de 1928.

Em 1931, participou do primeiro vôo do Serviço Postal Aéreo Militar. Para lecionar no ITA, trouxe especialistas do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, dos Estados Unidos, e firmou a preocupação com a qualificação dos mestres. Nos anos 60, o ITA incorporou cerca de 20 professores estrangeiros e os primeiros ex-alunos ao corpo docente. Outro marco: em 1996, o ITA passou a admitir o ingresso de mulheres. Em 50 anos, o ITA formou cerca de 4.000 engenheiros, que mostraram coerência com as idéias lançadas naquele 16 de janeiro de 1950, quando Montenegro comentou: "O que mais engrandece uma nação é o conhecimento que ela detém. Conhecimento que, no caso do Brasil, deve ser sempre buscado por instituições como o ITA e as universidades".

Page 7: A festa da Xylella

OPINIÃO

WILSON BUENO

O jornalismo em tempos de Xylella Ampla cobertura mostrou que a boa ciência é sempre notícia

Oseqüenciamento completo do genoma da bactéria Xylella fastidiosa representa, efe­tivamente, um marco da ciência brasilei­

ra. Para os jornalistas e pesquisadores voltados para a divulgação da ciência, as conquistas rele­vantes deste Programa não se encerram, porém, no campo da investigação científica.

A amplitude do noticiário associado a esse fei­to extrapolou os limites geralmente tímidos que cercam a cobertura da ciência e da tecnologia no Brasil, comprovando a tese de que a boa ciência será (ou deveria ser) sempre notícia.

a produção de C & T como prioridade nacional. Em quarto lugar, de maneira inequívoca, registrou a apaixonante aventura da atividade científica. A emoção e o entusiasmo dos pesquisadores e da própria direção da FAPESP contaminaram os veí­culos e, desta forma, títulos como "vitória da ciên­cia': "rara façanha" e "descoberta revolucionária" foram muito comuns.

Uma vitória importante, porque, geralmente, cientistas e jornalistas têm sido cúm­plices no processo de divulgação, caracterizando a produção de ciên­cia e tecnologia como mero fruto

Centenas de notas, reportagens e, inclusive, editoriais dos nossos principais veículos impressos e ho­ras de divulgação no rádio e na TV proclamaram ruidosamente a con­quista brasileira. A cobertura não se restringiu aos veículos do eixo Rio/São Paulo ou a alguns poucos jornais que, tradicionalmente, de­dicam espaço às questões de C & T, mas se estendeu a todo o país, com resultados positivos para a afirma-

" O noticiário da razão e do intelecto. Isso talvez explique a visão estereotipada que os jovens (e a opinião pública) têm do mundo da ciência, definido co­mo frio, relegado a senhores de bar­bas brancas, cabelos espetados, irri­tadiços e sorumbáticos. As jovens pesquisadoras paulistas romperam certamente esses velhos paradig­mas e isso foi bom para a ciência e

foi importante

para a afirmação

da nossa real

competência

científica"

ção da nossa real (mas nem sempre reconhecida e divulgada) compe-tência científica.

A cobertura teve o mérito de reforçar alguns atributos importantes da produção da ciência e da tecnologia contemporâneas. Em primeiro lugar, evidenciou a importância da pesquisa científica e sua relação estreita com o nosso desenvolvimento econômico e sócio-cultural. Em segundo lugar, destacou a necessidade e a relevância do trabalho em equipe, da articulação indispensável entre pes­quisadores e áreas de conhecimento, dado funda­mental porque a história da ciência, contada pelos livros didáticos (e pela mídia), continua privilegian­do heróis e ações isoladas. Em terceiro lugar, mos­trou que a ciência e a tecnologia de vanguarda, porque complexas e caras, requerem patrocínio e financiamento, de onde emerge a responsabilida­de do poder público e a vontade política de eleger

. para o jornalismo científico. Final­mente, a divulgação do Programa Genoma-FAPESP reforçou mais uma vez a tese, por nós amplamente de­fendida, de que os centros gerado-

res e financiadores de C & T precisam cultivar uma cultura de comunicação. É fundamental, como fez a FAPESP e os seus pesquisadores, assumir um compromisso com a partilha do conhecimento, democratizando o acesso da população às desco­bertas científicas e às inovações tecnológicas. Urge capacitar as fontes para a interação com o público e, em especial, com os jornalistas, mediadores im­portantes nesse processo complexo de decodifica­ção do discurso especializado da ciência.

A praga do amarelinho, que destrói os nossos laranjais, fez, por tudo isso, um bem enorme para o jornalismo científico brasileiro.

WILSON B uENo é professor da ECA/USP e jornalista

PESQUISA FAPESP · MAR\0 OE 1000 • 7

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PESQUISADORES PREMIADOS

•Adilson Leite

•Adriana Fumie Tateno

•Adriana Yamaguti Matsukuma

•Agda Paula Facincani

•Aida Maria Backx Noronha Madeira

•Aiessandra Alves de Souza

•Aiessandro Paris

•Alice Akimi lkuno

•Aline Maria da Silva

•Ana Cláudia Rasera da Silva

•Ana Lúcia Tabet Oller do Nascimento

•Ana Paula Moraes Fernandes

•Anamaria Aranha (amargo

•Andersen Ferreira da Cunha

•André Luis Dorini

•André Luiz Vettore de Oliveira

•Andréa de Assis Souza

•Andrew John George Simpson

•Anete Pereira de Souza

•Anita Wajntal

•Anna Christina de Mattos Salim

•Antônio Carlos Boschero

•Antônio Carlos Maringoni

•Antônio Nhani Júnior

•Ari José Scattone Ferreira

MARILUC E MOURA

E CARLOS FIORAVANTI

D ificilmente, os quase 200 pes­quisadores que realizaram o seqüenciamento do genoma da bactéria Xylella fastidiosa, con­duído em janeiro passado, con­

seguirão esquecer a noite de 21 de fevereiro de 2000. E como esquecê-la? Foi naquela noite que eles tiveram a oportunidade rara de ver fogos de artifício subindo aos céus do velho centro de São Paulo em sua própria homenagem, na cena, no mínimo insólita, da comemoração de um feito científico avançando até o espaço da rua - num país que até há pouco mal reconhecia sua ,compe­tência científica. Os fogos <seguiam-se à sur­presa já provocada pelos banners espalhados pelo bairro do ·Bom Retiro, nas proximida­des do Complexo Cultural Júlio Prestes, com a mensagem "São Paulo se orgulha de seus cientistas".

Naquela noite os pesquisadores da Xylella viram-se, em clima um tanto hollywoodiano, cercados por flashes de câmaras fotográficas, luzes coloridas saídas de sky-tracers de raios laser, e fumaça de gelo seco, enquanto cami­nhavam sobre o tapete vermelho dentro do túnel high-tech de nylon branco especialmen­te montado para a ocasião, que os conduzia

I O · MARÇO DE 2000 PESQUISA FAPESP

da Praça Júlio Prestes ao Complexo Cultural. E havia monitores de TV exibindo logomar­cas do governo do Estado de São Paulo, da FAPESP e do Programa Genoma, videowall, projeções multimídia, telões no hall do Com­plexo mostrando a entrada dos convidados, múltiplos elementos, enfim, de uma comple­ta parafernália tecno-estética destinada a fa­zer aquela noite memorável.

Mas definitivamente inesquecível para os cientistas - vindos de universidades públicas e privadas e de institutos de pesquisa de São Paulo, Campinas, São José dos Campos, Bo­tucatu, Ribeirão Preto, Jaboticabal e Mogi das Cruzes - seria a meia hora em que mais tar­de, dentro da Sala São Paulo, receberiam os troféus, as medalhas e diplomas do mérito ci­entífico e tecnológico instituídos pelo Gover­no do Estado de São Paulo, e aplausos- mui­tos aplausos de uma platéia de mais de mil pessoas. Naquela sala para concertos dentro da antiga estação de trens Júlio Prestes, onde se combinou sem choques a arquitetura de estilo eclético do início do século com o tra­tamento técnico mais moderno para lhe ga­rantir uma acústica perfeita, mesmo os mais discretos devem ter experimentado por ins­tantes o gosto da glória da breve metamorfo­se de pesquisadores em estrelas.

Tudo isso soa como exagerado ufanismo paulista? A resposta fica para o futuro, que melhor revelará as novas possibilidades aber­tas para a ciência no Brasil com o êxito do

Page 11: A festa da Xylella

projeto da X. fastidiosa. Hoje, o que se tem como fato irrefutável é que, ao concluir o se­qüenciamento da bactéria causadora da clo­rose variegada dos citros (CVC) ou amareli­nho, praga que atinge um terço dos laranjais paulistas, os pesquisadores reunidos pela ONSA- Organização para Seqüenciamento e Análise de Nucleotídeos tornaram-se o pri­meiro grupo de pesquisa do mundo a apre­sentar o genoma completo de um fitopatóge­no, microorganismo causador de doença em plantas. E indiscutivelmente realizaram um trabalho pioneiro, de porte, métodos e alcan­ce inéditos no país, que agora dispõe de algu­mas dezenas de grupos de pesquisa entre as equipes que compõem a linha de frente da genômica internacional.

S eja qual for o julgamento do futuro sobre o projeto, a festa da Xylella foi uma das maiores homenagens ofici­ais já prestadas a cientistas no Brasil. E há que se perceber nessa homena­

gem organizada pelo Palácio dos Bandeiran-tes um duplo caráter, ou melhor, dois alvos si­multâneos e articulados: premiou-se o talento, o esforço individual, e sublinhou-se a importância decisiva, estratégica, da Ciência enquanto criação coletiva, nos laboratórios, de conhecimento destinado a resolver proble­mas da sociedade.

O duplo reconhecimento ficara claro três dias antes da festa, quando o governador do

Estado de São Paulo, Mário Covas, anunciou oficialmente, numa bem montada e irrepre­ensível coletiva de imprensa no Palácio dos Bandeirantes, a conclusão do seqüencia­mento da X. fastidiosa. "Só há 15 grupos de pesquisa no mundo que concluíram o se­qüenciamento de microorganismos, e o gru­po do Brasil é um deles", insistiu o governa­dor. Foi na coletiva, no final da manhã de 18 de fevereiro, que Covas assinou o decreto número 44.716, que "dispõe sobre a criação da Medalha Paulista do Mérito Científico e Tecnológico, do Troféu Árvore dos Enigmas e dá providências correlatas", e o decreto nú­mero 44.717, que outorgou essa medalha aos 192 pesquisadores especificados e o troféu aos institutos de pesquisa indicados. No pri­meiro artigo do decreto 44.716 define-se que a medalha fica instituída para "galardo­ar os cidadãos brasileiros ou estrangeiros que se tenham destacado na área da ciência e da tecnologia de maneira a elevar o nome do Estado de São Paulo ou beneficiar seu povo". Seu parágrafo único institui o troféu que se destina a "distinguir as pessoas jurídi­cas nas mesmas condições deste artigo" (re­gistre-se aqui que a "Árvore dos Enigmas" foi a derradeira obra criada pelo escultor ita­liano Elvio Becheroni. Ele vivia no Brasil há 16 anos e faleceu em 26 de fevereiro passado, aos 67 anos).

Em conseqüência do anúncio, os resulta­dos do projeto da Xylella mereceriam nos

•Arthur Gruber

•Artur Jordão de Magalhães Rosa

•Augusto Etchegaray Júnior

•Ayumi lkai Hasemi Carvalho

•Bernardo Rodrigues Peixoto

•Bianca Waleria Bertoni

•Carlos Augusto Colombo

•Carlos Frederico Martins Menck

•Cássia Docena

•Cassio da Silva Baptista

•Catalina Romero Lopes

•Celso Luiz Marino

•Christian Claudino Gréggio

•Cláudia de Barros Monteiro-Vitorello

•Cláudia de Mattos Bel lato

•Cláudio Miguel da Costa Neto

•Cieusa Camillo Ati que

•Cieusa Maria Mantovanello Lucon

•Cristina Lacerda Soares Petrarolha Silva

•Cristina Yumi Miyaki

•Daniela Truffi

•Dario Palmieri

•David Henry Moon

•Diana Azevedo Queiróz

•Dirce Maria Carraro Pereira

•Edson Luís Kemper

•Eduardo Formighieri

•Eiko Eurya Kuramae lzioka

•Eiaine Pereira Guimarães

PESQUISA FAPESP · HAR~O DE 1000 • li

Page 12: A festa da Xylella

•Eiiana Gertrudes de Macedo Lemos

•Elisabete Miracca

•Eiisângela Monteiro

•Eiizabeth Angélica Leme Martins

•Eiza Maria Frias Martins

•Emmanuel Dias Neto

•Eric D' Alessandro Bonaccorsi

•Felipe Rodrigues da Silva

•Fernando Augusto de Abreu

•Fernando de Castro Reinach

•Fernando Ferreira Costa

•Francisco Gorgônio da Nóbrega

•Gilson Soares Saia

•Gislayne F. Lemes Trindade Vilas Bôas

•Gonçalo Guimarães Pereira

•Guilherme Pimentel Telles

•Gustavo de Faria Theodoro

•Gustavo Henrique Goldman

•Haiko Enok Sawazaki

•Hamza Fahmi Ali EI-Dorry

•Haroldo Alves Pereira Júnior

•Helaine Carrer

•Helena Cristina F. Oliveira

•Hélina Maria dos Reis

•Homero Pinto Vallada Filho

•Humberto Maciel França Madeira

•Jane Silveira Fraga

•Jeanne Blanco de Molfetta

dias seguintes tratamento especial por parte da imprensa brasileira, com chamadas de primeira página, amplas reportagens e edito­riais nos principais jornais do país. Parte da terminologia complicada do projeto entrou também nos noticiários da televisão e foi dis­secada à exaustão em n.oticiários e progra­mas de entrevistas das emissoras de rádio. O feito dos pesquisadores brasileiros na genô­mica alcançou mesmo alguma repercussão externa, noticiado que foi, por exemplo, pela agência inglesa BBC.

O reconhecimento explícito à importância da conclusão do projeto Xylella completou-se com a recepção do presidente Fernando Hen­rique Cardoso, no Palácio da Alvorada, em 25 de fevereiro, de um grupo dos cientistas res­ponsáveis pelo seqüenciamento da Xylella (veja a página 15).

Além do governador Mário Covas, esta­vam entre as autoridades presentes na festa da Xylella os ministros da Ciência e Tecnolo­gia, Ronaldo Mota Sardemberg, e da Educa­ção, Paulo Renato de Souza; o vice-governa­dor Geraldo Alckmin; o ex-ministro Luís Carlos Bresser Pereira; o secretário da Ciên­cia, Tecnologia e Desenvolvimento Econô­mico do Estado de São Paulo, José Aníbal Peres; o presidente da FAPESP, Carlos Hen­rique de Brito Cruz; os diretores e conselhei­ros da Fundação.

Logo no início da cerimônia, seu apresen­tador, o jornalista Joelmir Beting, disse que a

entrega dos prêmios aos cientistas deveria ser vista "não como a fita de chegada, mas como um tiro de partida para novas conquistas". O conhecimento, ressaltou, "tornou-se final­mente a nova riqueza das nações". O público que lotava a Sala São Paulo assistiu em segui­da a um vídeo de oito minutos sobre o pro­jeto Xylella.

B em realizado, em tom emocional e linguagem clara e didática, o vídeo relembra a identificação da bacté­ria em 1987, por Victória Rosseti, pesquisadora do Instituto Biológi­

co de São Paulo, hoje com 81 anos; dá a pala­vra aos líderes científicos do projeto para que eles o expliquem; deixa que alguns dos jovens pesquisadores, cujo talento emergiu no curso do trabalho, expressem o que significou par­ticipar do seqüenciamento da X. fastidiosa; e mostra o diretor científico da FAPESP, José Fernando Perez, falando sobre o desafio que a Fundação encarou ao propor o projeto à co­munidade científica de São Paulo.

Assim, no documento, cuja sintaxe pren­de a atenção do começo ao fim, aparece o coordenador de DNA do projeto, o bioquí­mico Andrew Simpson, destacando que a ONSA, a rede virtual que integrou 35 labo­ratórios espalhados pelo Estado de São Pau­lo para realizar o seqüenciamento, é uma forma de organização inusitada mesmo in­ternacionalmente.

Os laboratórios premiados

de Química da USP •

•Centro de Biologia Molecular

do Instituto de Biociências da USP

•Instituto de Pesquisa

•Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer

•Laboratório de Estudo da Relação entre Estrutura e Função de Enzimas, do Departamento de Bioquímica do Instituto

e Engenharia Genética da Unicamp

•Centro de Bioinformática do Instituto de Computação da Unicamp

•Laboratório de Expressão Gênica, do Departamento de Bioquímica do Instituto de Química da USP

•Laboratório de Estrutura e Função de ATPases, do Departamento de Bioquímica do Instituto de Química da USP

•Laboratório de Regulação da Expressão Gênica em Microorganismos, do Departamento de Bioquímica do Instituto de Química da USP

•Departamento de Biologia do Instituto de Biociências da USP

•Departamento de Botânica

e Desenvolvimento da UNIVAP

•Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP

•Departamento de Psiquiatria do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP

•Laboratório de Biologia Molecular do Instituto do Coração da Faculdade de Medicina da USP

•Departamento de Radiologia da Faculdade de Medicina da USP

•Centro de Energia Nuclear na Agricultura da USP

•Departamento de Química da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da USP

•Departamento de Patologia de Plantas da Escola Superior

12 · HARÇO DE 2000 • PESQUISA FAPESP

Page 13: A festa da Xylella

Outros países que buscam uma posição de destaque na genômica, a exemplo da Inglater­ra, constata ele, optaram por construir prédios e laboratórios em vez de aproveitar a estrutura já existente, que, no caso brasileiro, permitiu re­duzir os custos e ampliar a produtividade. "Não copiamos ninguém", frisou Simpson. "Inventa­mos, e deu certo." Aparece também um dos dois coordenadores de seqüenciamento, o biólogo Fernando Reinach, da Universidade de São Pau-

lo (USP) - na verdade, a primeira pessoa a propor ao diretor científico da FAPESP que a Fundação patrocinasse um grande projeto de seqüenciamento genético em São Paulo-, fa­lando da imagem que mais utiliza para explicar a estrutura do DNA, base do genoma, ou seja, um colar de pérolas. E surge o outro coordena­dor, o biólogo Paulo Arruda, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp ), notando que sua carreira científica encontra-se agora

de Agricultura Luiz de Queiróz da USP

•Laboratório de Biotecnologia do Departamento de Zootecnia da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiróz da USP

•Departamento de Ciências Farmacêuticas da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto da USP

•Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP

•Departamento de Parasitologia, Microbiologia e Imunologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP

•Departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia da Unifesp

•Departamento de Biofísica da Unifesp

•Departamento de Fisiologia e Biofísica do Instituto de Biologia da Unicamp

•Hemocentro da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp

•Departamento de Tecnologia da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias de Jaboticabal da Unesp

•Departamento de Biologia Aplicada à Agropecuária da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias de Jaboticabal da Unesp

•Departamento de Defesa Fitossanitária Fazenda Lageado da Faculdade de Ciências Agronômicas de Botucatu da Unesp

•Departamento de Genética do Instituto de Biociências de Botucatu da Unesp

•DepartamentO' de Biotecnologia de Plantas Medicinais do Centro de Ciências Exatas, Naturais e Tecnológicas da Universidade de Ribeirão Preto

•Núcleo Integrado de Biotecnologia do Centro de Ciências Biomédicas da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC)

•Centro de Citricultura Sylvio Moreira do Instituto Agronômico de Campinas

•Centro de Genética, Biologia Molecular e Fitoquímica do Instituto Agronômico de Campinas

•Centro de Biotecnologia do Instituto Butantan

•Seção de Bioquímica Fitopatológica do Instituto Biológico

•Jesus Aparecido Ferro

•João Bosco Pesquero

•João Carlos Campanharo

•João Carlos Setúbal

•João Meidanis

•João Paulo Fumio Witaker Kitajima

•João Paulo Theophilo Di Benedette

•Joaquim Aparecido Machado

•Jomar Patrício Monteiro

•Jorge Enrique Araya

•José Eduardo Krieger

•José Elias Gomes

•José Franco da Silveira

•José Humberto Machado Tambor

•José Odair Pereira

•Juliana Dezajacomo

•Katucha Weber Lucchesi

•Laurival Antônio Vilas Bôas

•Lin Tzy Li

•Luci Deise Navarro Cattapan

•Lúcia Maria Carareto Alves

•Luciana Cézar de Cerqueira Leite

•Luciane Prioli Ciapina

•Luciano Takeshi Kishi

•Lucienne Medeiros

•Luís Eduardo Aranha (amargo

•Luís Eduardo Soares Netto

•Luiz Lehmann Coutinho

•Luiz Roberto Furlan

•Luiz Roberto Nunes

PESQUISA FAPESP · MAR(O DE 1000 • 13

Page 14: A festa da Xylella

•Luíza Caria Duarte

•Lyndel Wayne Meinhardt

•Manoel Victor Franco Lemos

•Mara Lúcia Zucheran Silvestri

•Marcelo Brocchi

•Marcelo Eiras

•Marcelo Ribeiro da Silva Briones

•Márcia Heloísa lquegami

•Márcio Acêncio

•Márcio de Castro Silva Filho

•Márcio Rodrigues Lambais

•Marco Antonio Zago

•Marco Aurélio Takita

•Marcos Antônio de Oliveira

•Marcos Antônio Machado

•Marcos Aparecido Gimenes

•Marcos Macari

•Marcos Renato Rodrigues Araújo

•Maria Antônia I. Etchegaray

•Maria Aparecida Nagai

•Maria de Lourdes Junqueira

•Maria Florência Terenzi

•Maria Helena de Souza Goldman

•Maria Heloísa Tsuhako

•Maria Inês Tiraboschi Ferro

•Maria Rita Passos-Bueno

•Mariana Cabral de Oliveira

•Mariângela Cristofani

•Marie-Anne Van Sluys

•Marília Caixeta Franco

dividida em duas etapas - antes e depois do ge­noma da Xylella. Está também no vídeo o regis­tro das dificuldades e das emoções vividas ao longo de dois anos de trabalho, a estafante mas gratificante interpretação dos trechos finais do DNA da bactéria, a resolução dos gaps, que fa­zia os pesquisadores saírem pelos corredores dos laboratórios anunciando-a em clima de festa.

noite prosseguiu em clima de entu­smo com o governador, o minis­

ro Sardemberg, Brito Cruz e José Aníbal entregando o troféu aos coordenadores dos laboratórios,

e as medalhas a cada pesquisador. Com a pala­vra, depois, Simpson exaltou a dedicação da equipe e agradeceu toda a colaboração e o es­forço dos colegas. Em seguida, o diretor cien­tífico da FAPESP, aplaudido de pé, preferiu olhar emocionado para o futuro: ''A ciência brasileira chegou a um ponto que exige ousa­dias ainda maiores': disse Perez. Olhou para trás apenas para lembrar que ele, físico, teve de aprender muito sobre genética para propor, defender e acompanhar o projeto que se tor­nou um dos maiores trabalhos cooperativos da história da ciência e que teve também a participação da iniciativa privada, por meio do Fundo Paulista de Defesa da Citricultura -Fundecitrus. O ministro Sardemberg, em seu discurso, reiterou o "esforço exemplar de cola­boração, que congregou laboratórios e o setor privado" e lembrou que o governo federal

14 · MAR(O OE 2000 • PESQUISA FAPESP

também está desenvolvendo vários projetas na área da biotecnologia "para enfrentar os desa­fios agrícolas, de nítido interesse para os países em desenvolvimento." Já o governador Mário Covas, encerrando a sucessão de discursos, si­tuou o seqüenciamento da Xylella na história mundial da Ciência, fazendo referência aos feitos do astrónomo italiano Galileu Galilei (1564-1642) e do botânico e monge austríaco Gregor Mendel (1822-1884), um dos formula­dores dos princípios da genética moderna (veja os pronunciamentos do ministro e do gover­naaor no encarte especial desta edição). Joelmir Beting fechou a primeira parte da festa lem­brando que "a aplicação monitorada em ciên­cia é investimento com retorno garantido".

A homenagem aos cientistas prosseguiu com uma apresentação da Orquesta Sinfónica do Estado de São Paulo, sob a regência do maes­tro Roberto Minczuk. O concerto foi aberto com a peça Salvador Rosa, do paulista Antonio Car­los Gomes (1836-1896). Em seguida, foi exe­cutada Batuque- Dança de Negros, do cearense Alberto Nepomuceno (1864-1920), e por últi­mo, ouviu-se do paulista Francisco Mignone (1897-1986) a Congada-DançaAfro-Brasilei­ra, da ópera O Contratador de Diamantes. Para encerrar, Minczuk conduziu o Hino Naciona~ cantado pelo Coral Sinfónico do Estado de São Paulo, sob a regência de Naomi Munakata. Fe­lizes, pesquisadores e convidados puderam trocar suas impressões durante o coquetel que fechou uma segunda-feira especialíssima.

Page 15: A festa da Xylella

Os cientistas no Alvorada

S er recebido em palácio pelo primeiro dirigente do país é uma distinção concedida a cidadãos que reconheci­damente fizeram alguma coisa rele­vante em benefício da nação. Quando

esse palácio é também a casa do presidente, a audiência tem um caráter especial, indicativo de uma particular proximidade do presidente com as pessoas que está recebendo, ou com a área à qual estão ligadas. Assim, como de certa forma o presidente Fernando Henrique Car­doso, sociólogo, homem de universidade, esta­va entre pares, pareciam naturais a descontra­ção e o bom humor com que ele recebeu no Alvorada, no dia 25 de fevereiro passado, o grupo de 16* cientistas que representava os qua­se 200 pesquisadores que fizeram o seqüencia­mento do genoma da Xylella fastidiosa. O gru­po foi capitaneado pelo governador Mário Covas, e mais o secretário da Ciência, Tecnolo­gia e Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo, José Aníbal Peres, o presidente e o diretor científico da FAPESP, Carlos Henri­que de Brito Cruz e José Fernando Perez, e o presidente do Fundo Paulista de Defesa da Ci­tricultura-Fundecitrus, Ademerval Garcia. Do

governo federal, recebendo o grupo junto com o presidente, estavam o ministro da Ciência e Tecnologia, Ronaldo Sardemberg, e o ministro chefe da Secretaria Geral da Presidência da República, deputado Aloísio Nunes.

Fernando Henrique, logo que desceu à sala de estar do Alvorada, cumprimentou, um por um, todos os presentes e convidou o grupo ades­cer até o hall do palácio onde estava postada a muralha de fotógrafos da imprensa para as fo­tos de praxe. Em tom brincalhão, chamou as mo­ças do grupo para se colocarem mais perto dele na foto. Disparadas as máquinas uma centena de vezes, voltaram todos à sala de estar, segui­ram-se mais alguns minutos de conversa leve, e o grupo desceu para a pequena sala de cine­ma do Alvorada. O foco do projetar não estava exatamente no ponto, o que não chegou a pre­judicar seriamente a exibição do documen­tário em curta-metragem sobre o projeto da Xylella, aplaudido no final pelo presidente.

Finda a exibição, o coordenador de DNA do projeto, Andrew Simpson, foi o escalado para dar algumas explicações a mais ao presi­dente, o que incluiu uma revelação cuidadosa sobre achados científicos que só podem ser di­vulgados depois da publicação do paper da X. fastidiosa em revista científica internacional. O presidente Fernando Henrique falou em se­guida, primeiro, parabenizando os pesquisa­dores por seu feito, e detendo-se depois numa breve apreciação da base de pesquisa do país

•Marília Dias Vieira Braga

•Marilis do Vali e Marques

•Marilza Antunes de Souza

•Marinalva Martins Pinheiros

•Mario Henrique de Barros

•Marli de F. Fiore

•Mayana Zatz

•Mi riam Vergínia Lourenço

•Nalvo Franco de Almeida Junior

•Nelson Barros Colanto

•Nirlei Aparecida Silva

•Patrícia Garnica Roberto

•Paula Azevedo Kageyama

•Paula Cristina Brunine Crialesi

•Paulo Arruda

•Paulo Inácio da Costa

•Paulo Lee Ho

•Pilar Drummond Sampaio Correa Mariani

•Regina Lúcia Batista da Costa de Oliveira

•Regina Yuri Hashimoto

•Renata Guerra

•Renato Alvarenga

• Renato Fonseca Furquim Werneck

•Ricardo Harakava

•Roberto Vicente Santelli

•Roberto Willians No da

•Ronaldo Bento Quaggio

•Roseli lzildinha Jovino Luduvério

•Sérgio Furtado dos Reis

•Sérgio Verjovski­Aimeida

PESQUISA FAPESP • MAR(O DE 2000 • IS

Page 16: A festa da Xylella

•Silvana Auxiliadora Bordin da Silva

•Sílvio Aparecido Lopes

•Simone Kashima

•Siu Mui Tsai

•Spartaco Astolfi Filho

•Suely Lopes Gomes

•Suzelei de Castro França

•Thiago Claudino Gréggio

•Vagner Katsumi Okura

•Valentina de Fátima D' Martin Orelli

•Vanderlei Rodrigues

•Vanessa Parpinelli Gonçalves

•Vânia Fernandes

•Vera Cecília Annes Ferreira

•Vicente Eugênio de Rosa Júnior

•Walter José Si queira

•Wanderley Dias da Silveira

•Wilson Araújo Silva Júnior

•Wilton José da Rocha Lima

•Zanoni Dias

que, "com a ajuda de gente que veio de fora': vem sendo formada há cerca de 50 anos, e hoje possibilita projetas ambiciosos como o da Xylella. "Há um sistema produzindo 4 mil doutores por ano e que se está casando com o setor produtivo. Por isso o Brasil tem futuro': disse o presidente. "O capital vem ao país por­que existe aqui uma base de conhecimento': acrescentou. Fernando Henrique terminou si­tuando a imaginação como mais importante do que a lógica para a ciência, "assim como para a música, a pintura e qualquer arte". Sem imaginação, sem a criatividade que resulta em realizações como o projeto Xylella, "é inútil toda a lógica do mundo': disse.

Findo o pronunciamento, Fernando Henrique recebeu de Fernando Rei­nach, um dos coordenadores de se­qüenciamento do projeto, uma cópia emoldurada do mapa completo do

genoma da X. fastidiosa, assinado no verso pe­los 17 pesquisadores que foram ao Alvorada, e, sempre brincando, prometeu decorar toda a seqüência de letras dos 2,7 milhões de bases da bactéria. Saindo da sala de exibição, ao saber por Simpson que, além da FAPESP, também o Instituto Ludwig de Pesquisas sobre o Câncer investe US$ 5 milhões no Genoma Humano do Câncer, provocou o ministro da Ciência e Tecnologia lhe dizendo: "ô, Sardemberg, colo­que também US$ 5 milhões nesse projeto!"

De volta à sala de estar do Alvorada, o pre­sidente circulou entre os grupos que se forma­ram, pediu mais detalhes sobre o trabalho de seqüenciamento, perguntou sobre o papel da bioinformática e usou de um leve humor con-

16 · MARÇO DE 2000 PESQUISA FAPESP

tra os biólogos, quando Simpson lhe disse que hoje os pesquisadores que atuaram como co­ordenadores de bionformática do projeto, João Meidanis e João Setúbal, sabem mais bio­logia que ele próprio - "É que biologia é fácil': rebateu Fernando Henrique. Indagou das pos­sibilidades de São Paulo estabelecer acordos de cooperação com outros estados brasileiros para difundir a competência adquirida em ge­nômica e ouviu de Perez e de Paulo Arruda, o outro coordenador de seqüenciamento da Xylella, que no projeto Genoma da Cana já existem acordos estabelecidos com Pernambu­co e Alagoas, além de estar em discussão o es­tabelecimento de parcerias com grupos de ou­tros países. Ouviu também do pesquisador Sérgio Verjovski, da USP, informações sobre possibilidade de parcerias com o Rio de Janei­ro. O presidente fez perguntas às jovens pes­quisadoras que integravam o grupo e a con­versa seguiu amena até que o chefe do Gabinete Civil, Pedro Parente, veio avisar ao chefe que eram horas de encerrar o encontro. Estava-se por volta do meio-dia e meia e o grupo que chegara às 11 horas deixou o Alvo­rada visivelmente gratificado. •

* Além dos citados no texto, integraram o grupo de pesquisadores que foi ao Alvorada: Anamaria Ara­nha Camargo, Ana Cláudia Rasera da Silva, Clau­dia Vitorello, Eliana Gertrudes de Macedo Lemos, Elizabeth A.L. Martins, Jesus Aparecido Ferro, Mar­cos Antônio Machado, Mariana Cabral de Oliveira, Marie-Anne Van Sluys e Marilis do Valle Marques. Estava também a jornalista Mariluce Moura, edito­ra chefe da revista Pesquisa FAPESP.

Page 17: A festa da Xylella

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

PERSONALIDADE

Fé e religião conciliadas 16 títulos de doutor honoris causa de universidades nacionais e do exterior. Chagas Filho também foi a quarta per­sonalidade a receber o Prêmio Del Du­ca, o similar francês ao Nobel da Paz.

Carlos Chagas Filho viveu respirando ciência e dizia trazê-la dentro da pele

Os esforços para a reabilitação do astrônomo Galileu Galileu

- acusado de heresia pela Inquisição pelos seus estudos que mudaram as noções sobre o Sistema Solar -, a datação do Santo Sudário e uma sé­rie de pesquisas sobre o sistema neuromuscular do peixe-elétrico foram alguns das contribuições do cientista Carlos Cha­gas Filho, falecido em 16 de fevereiro, no Rio de Janeiro. Biofisico, mé­dico, humanista, escri­tor, religioso, Chagas Filho teve uma trajetó­ria pontuada pela atua­ção em áreas tão diver­sas e dizia que havia um grande mistério a des­vendar: a origem da vi­da. Se morreu sem obter uma resposta definitiva sobre o tema, Chagas Fi­lho trouxe novas luzes e mostrou que é possível conciliar campos tão opostos como religião e ciência.

Como presidente da Academia de Ciências do Vaticano, entre 1972 e 1988, destacou-se por mobilizações de cien­tistas, como as campanhas pelo desar­mamento e pela paz. Teve estreita con­vivência com os papas João Paulo II e Paulo VI, que o convidou para dirigir a Academia do Vaticano. Nesta, criou grupos de trabalho para estudar os problemas na ciência mundial e lan­çou outro desafio: abrir um canal de comunicação entre Igreja e Ciência.

O cientista conseguiu. Carlos Cha­gas Filho conduziu o processo de rea­bilitação de Galileu. Coordenou tam­bém, a pedido da Igreja, os estudos para datação do Santo Sudário. Depois de encaminhar pedaços do manto para nove laboratórios espalhados pelo mundo, descobriu­se que o Sudário não era o lençol que co-

Filho do cientista Carlos Chagas, descobridor da doença de Chagas, nasceu no Rio de Janeiro em 1910. Desde cedo, passou a conviver com os pesquisadores do Instituto Oswal­do Cruz, em Manguinhos, dirigido pelo seu pai. Mais do que uma heran­

ça paterna, descobriu a paixão pela ciência: "Não posso dizer que houve escolha, porque não ha­via possibilidades para mim': disse certa vez.

com o pai e o irmão Evandro (esq.).

Chagas criou na dé­cada de 40 - e poste­riormente deu seu no­me -, a um dos mais importantes centros de pesquisa do Brasil: o Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, da Universidade Fe­deral do Rio de Janei­ro, aonde continuava dando aulas nos cur­sos de mestrado e dou-

briu Jesus, e sim um artefato do sé­culo VI.

O prestígio internacional levou o cientista a integrar comissões da Or­ganização das Nações Unidas (ONU) e ser nomeado representante brasilei­ro na Unesco entre 66 e 70. Na ONU, ocupou a presidência do Comitê Cien­tífico para a Aplicação da Ciência e da Tecnologia ao Desenvolvimento. Foi o segundo brasileiro a ser aceito na Academia Francesa de Ciência - o primeiro foi dom Pedro II - e recebeu

torado. Estudando na França, na década de 40, o cientista constatou que todos os animais, in­cluindo o ser humano, produzem eletricidade, por meio da energia química que recebem através dos ali­mentos e que se transforma em energia elétrica. A partir dessa cons­tatação, a equipe do cientista desen­volveu uma produtiva atividade aca­dêmica que ainda hoje prossegue nos laboratórios da UFRJ.

Chagas preparou, ao longo da carreira, mais de trezentos trabalhos sobre o sistema neuromuscular do peixe-elétrico (Electrophorus eletricus), fornecendo dados para o estudo de doenças neuromusculares, deficiências relacionadas ao mecanismo de geração de corrente elétrica e que podem impe­dir os movimentos normais de uma pessoa. Outro alvo de suas pesquisas foi o curare, veneno vegetal paralisante usado por índios sul-americanos. •

PESQUISA FAPESP · MARÇO OE 2000 • 17

Page 18: A festa da Xylella

Universidade pública

A Reitoria da Universidade de São Paulo lançou no dia 16 de fevereiro, em cerimônia presidida pelo reitor Jacques Marcovitch, o documento "A Presença da Universidade Pública", uma síntese do relatório preparado pela Comissão de Defesa da Universidade Pública, do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP. De acordo com o documento, é a universidade pública a responsável pela quase totalidade da pesquisa científica e tecnológica realizada no país e pelos melhores cursos de graduação e pós-graduação ministrados, o que indica, em tese, que forma os melhores profissionais brasileiros. Apesar disso, ela tem sido alvo freqüente, nos últimos anos, de uma série de críticas, que vão do alto custo que apresenta por aluno ao volume de verbas que absorve, o que desagua na defesa da eliminação da gratuidade do ensino superior. O documento apresenta dados que refutam algumas das críticas. Mostra, por exemplo, que o número de estudantes matriculados em universidade públicas é de apenas 34%, no Brasil, contra 72,4% nos Estados Unidos, 92,08% na França e 99,9% no Reino Unido. Ou seja, nos países desenvolvidos é o governo o grande responsável pelo ensino superior. Quanto ao custo por aluno no Brasil, o texto assinala

18 • HAR(O DE lODO • PESQUISA FAPESP

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

ESTRATÉGIAS

Gasto por aluno em instituições públicas de ensino superior em países da OCDE

Países Despesa por aluno em US$ no Ensino Superior Público

América do Norte Canadá 12.350

Estados Unidos 11 .880

Países do Pacífico Austrália 6.550

Japão 11 .850

Nova Zelândia 6.080

Comunidade Européia Alemanha (ex FRA) 6.550

Bélgica 6.850

Dinamarca 6.710

Espanha 3.770

França 6.020

Holanda 8.720

Irlanda 7.270

Itália 5.850

Re ino Unido (Público e dependente

de recu rsos públicos) 10.370

Outros Países Áustr ia

Finlândia

Noruega

Suécia

Suíça

Fonte: A Presença da Universidade Pública- USP

que ele é muito inferior às cifras normalmente citadas, de US$ 17 mil por aluno nas universidades federais e US$ 20 mil nas estaduais. Para chegar a esses valores, segundo o documento, os críticos costumam dividir o total dos orçamentos das universidades públicas (incluindo os gastos com os hospitais universitários e todas as despesas com inativos) pelo número de alunos. A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) não considera aqueles gastos nos seus cálculos para medir o custo por aluno nas universidades públicas dos países desenvolvidos.

5.820

8.650

8.720

7. 120

12.900

Adotando-se esse critério, o custo por estudante nas universidades públicas brasileiras é de US$ 6,5 mil, semelhante ao da Alemanha e da Austrália, e inferior ao dos Estados Unidos e Japão (respectivamente US$ 11,88 mil e US$ 11,80 mil). A íntegra do documento "A Presença da Universidade Pública" está disponível no site do IEA: www.usp.br/iea.

Cientistas premiados

O professor e pesquisador Esper Abrão Cavalheiro, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e atual secretário de Política Científica do Ministério

Sérgio Henrique Ferreira

Esper Abrão Cavalheiro

de Ciência e Tecnologia, recebeu o Prêmio para Ciências Médicas Básicas de 1999 concedido pela Academia de Ciências do Terceiro Mundo, pelas suas pesquisas sobre epilepsia, na disciplina de Neurologia Experimental. Já o pesquisador Sérgio Henrique Ferreira, do Departamento de Farmacologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto, recebeu o Prêmio México de Ciência e Tecnologia, concedido anualmente pelo governo mexicano. Ex-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), entre as muitas pesquisas desenvolvidas por Sérgio Ferreira estão os estudos com substâncias

Page 19: A festa da Xylella

do veneno da serpente jararaca, que abriram caminho para sua descoberta da molécula do BPF, fator de potenciação de bradicinina, base do captopril, medicamento anti-hipertensivo, usado no mundo inteiro para as mais diversas doenças cardiovasculares.

Convênio de cooperação

O Conselho Superior da FAPESP, em reunião extraordinária realizada no dia 16 de fevereiro, referendou a aprovação

Manifesto a favor do livre acesso ao genoma Pesquisadores norte­americanos e britânicos manifestaram-se a favor do livre acesso às informações básicas descobertas sobre o genoma humano, por meio de um comunicado publicado na Nature de 23 de março. O documento - assinado por Bruce Alberts, presidente da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, e por Aaron Klug, presidente da Real Sociedade de Londres -chega uma semana após o pronunciamento público do presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, e do primeiro ministro do Reino Unido, Tony Blair, que no dia 14 se mostraram favoráveis à divulgação do código genético. Clinton, Blair e os cientistas argumentam que as seqüências genéticas devem estar disponíveis a todos os pesquisadores

do Convênio de Cooperação Técnica celebrado, em novembro passado, entre a Fundação de Amparo à Pesquisa de Alagoas -FAPEAL e a FAPESP. O Convênio tem como objetivo a cooperação no desenvolvimento de ações visando a montagem, em Alagoas, de uma infra­estrutura de laboratórios de seqüenciamento genético e de bio-informática e a capacitação de recursos humanos, para que pesquisadores daquele Estado participem da rede Onsa e do Projeto Genoma Cana -de-Açúcar.

"sem custos ou outro impedimento", segundo o documento publicado na Nature, por terem sido financiadas com recursos públicos. A descoberta de seqüências de DNA que levem à identificação das função dos genes "não deve ser premiado com amplas patentes para futuras terapias ou diagnósticos, quando as verdadeiras aplicações ainda são apenas especulação", registra o comunicado dos cientistas. ''A intenção de algumas universidades e de interesses comerciais de patentear seqüências de DNA,

Novos números

Alguns números de fax da FAPESP foram mudados. Eis os novos números: Geral da FAPESP: (Oxxll) 3645-2421; Importação: (Oxxll) 3645-2382; Finanças: (Oxxll) 3645-2416; Diretoria administrativa: (Oxxll) 3645-2385; Diretoria científica: ( Oxx 11) 3645-2383; e Presidência: (Oxxll) 3645-2386.

Revistas eletrônicas

O SciELO- Scientific Library Online

reivindicando çlireitos sobre um grande número de genes humanos sem necessariamente ter a compreensão de suas funções, soa contrária à essência da lei de patentes", acrescenta. Segundo as declarações tanto de Clinton e de Blair quanto a dos cientistas, teriam direito a patentes somente as inovações criadas a partir dessas seqüências - uma posição contrária à do geneticista Craig Venter, da empresa privada Celera, que tem solicitado a patente de milhares de trechos deDNA.

([email protected]), realização da FAPESP, acaba de incluir mais três revistas científicas brasileiras à relação de periódicos que já são integralamente publicados na Internet. As publicações são: Materiais Research (Revista Brasileira de Materiais), da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar); Química Nova, da Sociedade Brasileira de Química; e a Revista Brasileira de Geofísica, publicação da Sociedade Brasileira de Geofísica.

Contra o uso indevido da informação genética Qualquer agência federal dos Estados Unidos está proibida de usar informação genética como base para contratação, promoção ou dispensa de pessoal. O presidente Bill Clinton assinou decreto nesse sentido no começo de fevereiro. Ele também endossou o Genetic Nondiscrimination in Health Insurance and Employment Act, proposto no ano passado pelo senador democrata Thomas Daschle e pela deputada, também democrata, Louise Slaughter, que deve estender tal proteção aos empregados do setor privado e a quem adquire planos de saúde. Como se vê, os Estados Unidos estão se adiantando de várias formas aos riscos de mau uso das informações que as pesquisas científicas do genoma humano já começaram a gerar.

PESQUISA FAPESP · MAR(O DE 2000 • 19

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A história de nossa galáxia registra períodos de surtos, ocorridos entre 2 e 4 e 7 e 9 bilhões de anos atrás, e épocas de baixa formação estelar ou calmarias

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Page 24: A festa da Xylella

Cassio leptophylla e uma laurácea (ao lado): fonte de compostos químicos que podem simplificar a produção de medicamentos

CIÊNCIA

BIOTA

Novos medicamentos das matas

Pesquisadores descobrem plantas com ação antifúngica e antitumoral

Quando os ventos sopram a fa­vor e o terreno é bom, os re­

sultados logo florescem. Menos de um ano depois de lançado, o Biota­FAPESP- que desde março de 1999 reúne cerca de 200 especialistas de instituições paulistas com a finalida­de de mapear e analisar toda a flora e a fauna do Estado - começa a apre­sentar os primeiros trabalhos con­cluídos. Um grupo de 45 pesquisado­res identificou compostos químicos extraídos de plantas de áreas rema­nescentes de Mata Atlântica e do Cerrado paulista, que em experimen-

24 • MARÇO DE 2000 • PESQUISA FAPESP

tos preliminares de laboratório apre­sentaram atividade contra fungós, tumores e a doença de Chagas.

A seleção de 229 extratos de plan­tas resultou em seis espécies com ação antibiótica, das quais duas, as mais conhecidas, já podem ser cita­das. Uma é a Rauvolfia sellowii. Tam­bém conhecida como casca-de-anta ou jasmim-grado, é uma árvore que pode chegar a 25 metros, comum nos Estados de Minas e São Paulo. Per­tence à famíliaApocynaceae e encon­tra-se muito próxima a uma espécie asiática, a Rauvolfia serpentina ou tronco-serpente, a fonte de reserpina, um alcalóide usado no tratamento de desordens nervosas. Outra planta com ação antibiótica é a Aspidosperma oli­vaceum, também chamada de gua­tambu ou guatambu-branco, árvore de 10 a 15 metros de altura, freqüen-

te na Mata Atlântica de Minas a Santa Catarina, onde é chamada de peroba.

De 102 espécies de plantas da Ma­ta Atlântica analisadas, oito espécies - das famílias das apocináceas, big­noniáceas, leguminosas, lauráceas e mi­risticáceas, cujos nomes permanecem bem guardados- apresentaram algu­ma ação antioxidante, antitumoral ou antichagásica. As antioxidantes des­pertam interesse por reagirem com os chamados radicais livres, que produ­zem a morte celular.

Abre-se assim a perspectiva para a descoberta de novos modelos de me­dicamentos, que, a partir das plantas, poderiam ser elaborados a custos baixos pela indústria farmacêutica. Do ponto de vista ecológico, a pes­quisa aprimora a análise do perfil químico das plantas e apresenta in­formações valiosas para entender os

Page 25: A festa da Xylella

processos de adaptação das plantas e sua interação com os outros seres vi­vos - e, portanto, fundamentais nos estudos de conservação e do desen­volvimento sustentável das matas re­manescentes de São Paulo.

Os resultados apóiam-se nos estu­dos realizados em parceria desde os anos 80 pela farmacêutica Vanderlan da Silva Bolzani, do Instituto de Quí­mica da Universidade Estadual Pau­lista (Unesp) em Araraquara, e pela química Maria Cláudia Marx Young, pesquisadora do Instituto de Botâni­ca, respectivamente coordenadora e vice-coordenadora do projeto Con­servação e Uso Sustentado da Flora do Cerrado e Mata Atlântica: Diversida­de Química e Prospecção de Fármacos Potenciais, que contou com R$ 585 mil financiados pela FAPESP. Essa história se enraíza nos ensinamentos do orientador de pós-graduação das duas pesquisadoras, o químico Otto Richard Gottlieb. Tcheco naturaliza­do brasileiro, Gottlieb criou as bases de uma área nova, a quimiossistemá­tica, integrando química, biologia e geografia de modo a permitir a iden­tificação de grupos de substâncias químicas encontradas nas plantas -uma abordagem que lhe rendeu in­clusive uma indicação para o Prêmio Nobel (ver Notícias FAPESP no 43).

Numa primeira etapa, a equipe de Vanderlan e Maria Cláudia- com 17 pesquisadores, 30 alunos de mestra­do e doutorado e um aluno de pós­doutorado- avaliou 214 espécies de plantas. Coletaram espécies típicas de Mata Atlântica na Estação Ecológica de Juréia-Itatins, no litoral Sul doEs­tado; em Pincinguaba, no litoral Norte; e no Parque Estadual das Fon­tes do Ipiranga, que constitui a mata do Jardim Botânico, na cidade de São Paulo. De uma área da Fazenda Cam­pininha, localizada em Mogi-Guaçu, nordeste do Estado, a cerca de 200 km da capital, trouxeram exemplares do Cerrado. O material coletado encon­tra-se depositado no herbário do Ins­tituto de Botânica de São Paulo.

Se essa foi a fase das longas cami­nhadas na mata, dos escorregões e dos pernilongas, a seguinte, que tratou

da extração dos compostos químicos das plantas, compensou: 3% dos ex­tratos das plantas coletadas apresen­taram alguma atividade antifúngica, antitumoral ou antioxidante. "Como em uma pesquisa de bioprospecção a expectativa de encontrar espécies com atividade biológica de interesse real é de apenas 1 o/o, nossos resultados são bastante animadores': diz Vanderlan. Por enquanto, os nomes das substân­cias isoladas e das plantas circulam apenas em relatórios internos, de acesso restrito aos coordenadores do Biota-FAPESP. Nem sequer foram publicados em revistas científicas. Procura-se assim assegurar as exigên­cias para o patenteamento desses compostos químicos, uma medida in­dispensável quando se pensa em pro­dução comercial (ver box na pág. 26).

Compostos especiais - Desde feve­reiro de 1999, quando começaram as coletas, os pesquisadores buscam espe­cificamente as substâncias chamadas metábolitos secundários. São com­postos químicos com atividade bio­lógica (diferente de ação farmacoló­gica) produzidos pelas plantas em resposta a estímulos do ambiente. "Um ataque de fungos pode levar uma planta a produzir uma substância an­tifúngica", exemplifica Maria Cláudia. Mas uma mesma planta, como Got­tlieb demonstrou, pode produzir me­tabólitos diferentes de acordo com o ambiente onde vive, de suas condições fisiológicas (se está plenamente sadia ou não) e de situações de estresse, como a escassez de água, altas tempe­raturas ou geadas.

Por essa razão, ao isolar uma subs­tância, Maria Cláudia lembra que é vital conhecer as condições em que a planta vive. Outra preocupação é sa­ber se as plantas estudadas constituem uma população representativa. "Iso­lar uma substância de interesse de uma planta em extinção ou com uma pequena distribuição geográfica po­de levar a uma situação frustrante, pois a quantidade de substância pura necessária para avaliação posterior ao bioensaio primário é em geral muito elevada", diz Vanderlan. "Quase sem-

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pre, as substâncias com atividade de interesse estão presentes em quanti­dades mínimas na planta." Igualmen­te importante, lembra Maria Cláudia, é a variabilidade sazonal, que implica saber a estação do ano em que a substância isolada está presente na planta em maior quantidade.

As pesquisadoras alertam: ainda há um longo caminho a percorrer até que a atividade detectada seja confir­mada por ensaios mais específicos. Só após cumpridas essas exigências, as substâncias isoladas poderão ser consideradas modelos potenciais para novos medicamentos.

Uma parte desse trabalho conta com a participação de dois professo­res do Instituto de Química da Uni­versidade de São Paulo: Massayoshi Yoshida, já aposentado, que durante 20 anos trabalhou diretamente com Otto Gottlieb, e Massuo Jorge Kato. Em parceria com o farmacêutico Norberto Peporine Lopes e o farma­cólogo Sérgio Albuquerque, da USP de Ribeirão Preto, eles isolaram em grande quantidade duas substâncias de uma planta do gênero Piper, que inclui as pimentas, originária da Mata Atlântica, com ação contra o protozoário Trypanosoma cruzi, cau­sador da doença de Chagas. São com­postos químicos chamados de glan­disinas. As duas substâncias isoladas são lignóides, uma classe de metabó­litos que abarca uma série de subs­tâncias usadas como medicamentos,

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Riquezas químicas da Mata Atlântica: a Psycho/ma nuda

(acima) e Massuo Kato coletando folhas

de apocináceas

a exemplo do teni­posídeo e do eto­posídeo, usados no tratamento de al-gumas formas de câncer.

Perspectivas- A identificação de com­postos de efeitos interessantes abre dois caminhos. De um lado, torna-se possível alterar os trechos das molé­culas responsáveis pela atividade bio­lógica, de modo a potencializar sua ação. De outro, é uma fonte potencial

Pedido de patente tem hora certa

Quando os pesquisadores da Unesp verificaram que a guaçaton­ga ( Casearia sylvestris, comum do Rio Grande do Sul à Amazônia) produz compostos químicos do grupo das casearinas com ativi­dade antitumoral, pensaram em patentear a descoberta. Mas não puderam: os japoneses haviam so­licitado a patente das casearinas em 1998. O patenteamento assegura os direitos do inventor sobre as apli-

de substâncias para serem modifica­das por meio de sínteses mais simples que as atuais. É o que está ocorrendo com uma das substâncias caracteri­zadas pelo grupo, a espectalina, um alcalóide piperidínico retirado da Cassia leptophylla, uma árvore orna­mental de flores amarelas - é o falso­barbatimão, que chega a 10 metros

cações industriais e cria obstáculos para o desenvolvimento de pesqui­sas futuras.

Por essa razão, os cientistas de­cídiram não demorar mais para patentear os compostos químicos cuja ação biológica se mostre inte­ressante em laboratório. Preten­dem desse modo assegurar a auto­nomia no prosseguimento das pesquisas e o direito comercial às substâncias. Vanderlan Bolzani co­menta que os professores Massuo Jorge Kato e Massayoshi Yoshida, preocupados com a proteção inte­lectual de suas descobertas, enca-

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de llitura, comum nas florestas de araucárias do Paraná e de Santa Catarina.

Testada no DNA de fungos Saccharomyces cerevisiae, em células de ovário de macaco e de harnster, a espectalina provou ter urna ação antiturnorlli, com baixa toxicidade. Isolada em 1995 e retornada com o Biota, a molécula origi­nal de espectalina tor­na-se assim um protó­tipo, a partir do qulli se buscam outros com­

Vanderlan e Maria Cláudia: próximo passo é a cultura de tecidos

atividade biológica de maior interesse. Sob condições controladas, é possível induzir o es­tresse na planta, por meio da simulação, por exemplo, de condições de seca, e aumentar a produção da substância que interessa. Por ana­logia, segundo Vander­lan, torna-se possível compreender melhor a riqueza do ecossistema paulista. "Está provado que as áreas de cerrado e de Mata Atlântica pos­suem urna diversidade

postos. "Descobrindo a estrutura ori­ginal da molécula, poderemos pensar em modificações planejadas visando ao mapeamento das funções respon­sáveis pela ação antiturnoral", diz Vanderlan. Nessa empreitada, sua equipe conta com a colaboração do farmacêutico Eliezer de Jesus Barrei­ros, professor da Universidade Fede­rlli do Rio de Janeiro (UFRJ) e espe­cialista em química rnedicinlli.

Num projeto de preservação arn­bientlli corno o Biota, seria de estra­nhar se a busca por novos fármacos dependesse da derrubada de matas para a obtenção de matéria-prima. Por essa razão, urna das missões dos pesquisadores Massuo Kato e Paulo Roberto Moreno, do Instituto de

rninhararn em agosto de 1999 o pe­dido de patentearnento de duas substâncias antichagásicas, isoladas de urna laurácea da Amazônia e de urna piperácea da Mata Atlântica de São Paulo. Os pesquisadores de Araraquara estão atentos para pa­tentear também outras duas, do grupo dos iridóides e das arnidas, tão logo os ensaios adicionais con­firmem a potente atividade antirni­crobiana que podem apresentar.

O patentearnento impõe limites à produção, mas não ao desenvolvi­mento científico. No caso da guaça­tonga, os pesquisadores trabalham

Química da USP, e Maysa Furlan, da Unesp de Araraquara, é desenvolver urna cultura de tecidos que preserve a vegetação naturlli e ao mesmo tempo otirnize a produção das substâncias que mais interessam. "A cultura de tecidos é urna forma mais racional e rápida de obter esses produtos, dimi­nuindo o tempo de propagação, caso haja necessidade de cultivo, ou tam­bém por produção em biorreatores, que elimina a fase de cultivo em cam­po", comenta Vanderlan. Em vez de esperar anos até a planta crescer e fornecer folhas em abundância, bas­tam alguns meses.

A cultura de tecidos permite tam­bém o estudo das rotas pelas quai,.s a planta sintetiza as substâncias com

no rnonitorarnento de populações de plantas e, por meio de análises químicas, procuram descobrir se e corno o teor de casearinas se altera de acordo com o ambiente ou a época do ano. Pretendem criar um método científico de padronização dos produtos medicinais feitos com plantas do Estado de São Paulo. O perfil químico das casearinas, por exemplo, vai indicar se um produ­to medicinal vendido corno guaça­tonga pelo Brasil afora é realmente guaçatonga e se o teor de casearinas é suficiente para a ação biológica pretendida.

não apenas botânica mas também química': diz ela, numa indicação de que ainda se pode esperar mais novi­dades desse trablliho, cujo término está previsto para 2002. •

PERFIS:

• VANDERLAN DA SILVA BOLZANI, 49 anos, professora do Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Araraquara e pesquisadora II A do CNPq, é gra­duada em Farmácia pela Faculda­de de Ciências Farmacêuticas da Universidade Federlli da Paraíba, com mestrado e doutorado no Instituto de Química da Universi­dade de São Paulo (USP) e pós­doutorado pelo Institute of Che­mistry do Virginia Polytechnique Institute and State University, nos Estados Unidos. • MARIA CLAUDIA MARX YOUNG, 55 anos, graduou-se em Química pela Universidade Federlli de Minas Ge­rais (UFMG) e fez o mestrado na Universidade Federal Rurlli do Rio de Janeiro (UFRRJ), o doutorado na USP e o pós-doutoramento no Instituto de Botânica de São Paulo, onde trablliha como pesquisadora científica. Projeto: Conservação e Uso Susten­tado da Flora do Cerrado e Mata Atlântica: Diversidade Química e Prospecção de Fármacos Potenciais Investimento: R$ 585.216, 59

PESQUISA FAPESP · MARÇO DE 2000 • 27

Page 28: A festa da Xylella

CIÊNCIA

LABORATÓRIO ~

características desconhecidas em roedores. Emmons cha­mou de Cuscomys ashaninka (em homenagem a Cusco, a cidade mais próxima da des­coberta, e ao povo Ashaninka, que vive na região) o exemplar que encontrou e tinha acabado de ser morto por uma doni­nha. O achado impressionou os especialistas internacio­nais porque é muito raro atu­almente identificar novas es-

Tucano e Mutum: caça leva também as árvores à extinção pécies de mamíferos. •

As extinção das aves e das plantas

vores típicas da Mata Atlânti­ca, um dos ecossistemas mais ricos em biodiversidade do pla­neta. Dessas, 305 dependem de animais vertebrados (a maio­ria, pássaros e mamíferos) para que suas sementes sejam es­palhadas. Desse conjunto, um terço depende justamente de pássaros de bico largo, com mais de 15 milímetros, bas­tante vulneráveis à interfe­rência humana. Outros 16o/o dependem de mamíferos que comem frutas, como os ma­cacos, cuja população tam­bém se encontra em redução, pelas mesmas razões. •

O raro roedor das montanhas

A descoberta de um núcleo atômico

Um grupo de físicos do Gran­deAcelerador Nacional de Íons Pesados (GNAIL), da França, encontrou evidências da exis­tência de um novo núcleo atômico, o níquel-48. Procu­rado há pelo menos dez anos, tem características raras: 20 nêutrons e 28 prótons, além de um déficit em comparação com o níquel estável, de 38 nêu­trons, que o coloca no limite de existência dos núcleos, no qual as forças nucleares perdem o poder de manter as partícu­las próximas. A pesquisa, que contou com a participação de especialistas das universidades de Varsóvia, Polônia, e de Ten­nessee, Estados Unidos, deve agora ajudar a compreender melhor os mecanismos de

coesão dos núcleos atômicos. Os aceleradores de partículas atômicas do Ganil- um labo­ratório conjunto do Centro Nacional de Pesquisas Cientí­ficas (CNRS) e do Comissaria­do de EnergiaAtômica (CEA) -produziram dois núcleos de níquel-48, identificados entre bilhões de outras partículas. Viveram 100 nanossegungos antes de se desintegrarem. •

Um recuo de 20 mil anos

Os genes dos índios é que de­ram a pista: o homem pode ter chegado às Américas há cerca de 40 mil anos, não há 20 mil, como supõem as teo­rias vigentes. O geneticista Francisco Salzano, da Univer­sidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), chegou a essa conclusão estudando as marcas de migrações, separa­ções e combinações de tribos impressas no DNA. Foi anali­sado o material genético de 400 índios de 50 tribos do Rio Grande do Sul, Amazô­nia, Argentina, Bolívia e Para­guai. Um dos grupos a que a equipe de Salzano se dedica atualmente são os índios ache, do Paraguai, que têm pele clara e modo de vida se­melhante ao dos primeiros habitantes das Américas. •

Já não se encontram tantos tucanos, mutuns, jacus e ara­pongas nas áreas remanes­centes de Mata Atlântica ao norte do Rio São Francisco. A conseqüência é o empobreci­mento da vegetação. Pesquisa­dores da Universidade Fede­ral de Pernambuco estimam que o desaparecimento de animais que se alimentam de frutos ameaça de extinção 34o/o (ou 145) das espécies de árvores nessa região. Segundo o biólogo José Maria Cardoso da Silva, um dos autores do estudo publicado na Nature do início de março, essas es­pécies de árvores podem se perder inteiramente em dez a vinte anos, como resultado da caça indiscriminada de pássaros e de mamíferos e da destruição dos lugares onde esses animais vivem. Outras plantas e animais, principal­mente insetos, também po­derão desaparecer, por causa da extinção das árvores, aler­ta o pesquisador. O solo, com uma cobertura vegetal me­nor, estaria mais sujeito à ero­são. De Alagoas ao Rio Gran­de do Norte ainda existem 427 espécies endêmicas de ár-

Durante uma expedição às montanhas de Vilcabamba, no Peru, num local próximo às ruínas incas de Macchu Picchu, a bióloga Louise Em­mons, do Instituto Smithso­nian, dos Estados Unidos, descobriu um novo gênero de mamífero: um rato gigante do tamanho de um gato do­méstico e parecido com uma chinchila. Cinza-claro com uma faixa larga que se esten­de da cabeça até a cauda, o animal vive na copa das árvo­res e tem poderosas garras - Linha de alta energia do Ganil: evidências de partículas raras

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/f

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CIÊNCIA

MEDICINA

Sinais biológicos do pânico A variação de uma substância no sangue facilita o tratamento

D uas pesquisas, capazes de levar a uma melhor compreensão

do transtorno do pânico e de seu tra­tamento, acabam de ser produzidas na Faculdade de Medicina em colaboração com o Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da Universidade de São Paulo (USP). Uma delas, conduzida pela farmacêutica-bioquímica Tania Marcourakis, do Centro de Investigações em Neurologia do Hospital das Clínicas da USP, pode ser inclusive o ponto de partida para o estabeleci­mento dos níveis de uma subs­tância específica, o AMP cíclico (monofosfato de adenosina cí­clica), nas plaquetas do sangue dos pacientes como um marca­dor biológico da presença do transtorno de pânico (TP). A outra, da bioquímica Clarice Gorenstein, professora do De­partamento de Farmacologia do Instituto de Ciências Bio­médicas e pesquisadora do De­partamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina, estabe­leceu que o uso continuado do anti­depressivo clomipramina, um dos medicamentos mais usados contra o transtorno, não cria problemas im­portantes para o paciente.

Nos dois casos, as pesquisadoras tiveram o apoio da FAPESP. O estu­do de Tania, Avaliação do Óxido Ní­trico Sintase (NOS)- GMP Cíclico e AMP Cíclico em Pacientes com Trans­torno do Pânico Antes e Durante o Tratamento com Clomipramina e em Voluntários Sadios, concluído no fim

de 1999, durou dois anos e contou com a colaboração do laboratório do farmacêutico-bioquímico Cristoforo Scavone, do ICB. O investimento da FAPESP, usado principalmente para compra de materiais de pesquisa no exterior, foi de US$ 28,3 mil. O tra­balho de Clarice, Efeitos Cognitivos e Psicomotores da Clomipramina em Usuários Crónicos com Transtorno do Pâ­nico, também durou dois anos e ter-

minou no fim do ano passado. O in­vestimento da FAPESP foi de R$ 9,8 mil mais US$ 2.640.

Os estudos ganham importância pelo fato de o transtorno do pânico ser uma doença cujo reconhecimen­to é relativamente recente. Só em 1980 ela foi incluída no Manual Dia­gnóstico da Psiquiatria. Mesmo as­sim, não é rara: atinge, aproximada­mente, 3,5% da população. Ela se caracteriza por ansiedade, taquicar­dia, dificuldade de respiração e tre-

mores. Alguns pacientes chegam a descrever as crises como "uma sen­sação de morte iminente". Muitas vezes, a sucessão de crises leva à ago­rafobia - o medo mórbido e angus­tiante de lugares públicos e abertos -à depressão, ao alcoolismo e à hipo­condria. De acordo com Clarice, as mulheres são mais sujeitas ao proble­ma, numa proporção entre duas e três vezes maior do que entre os homens.

O transtorno do pânico costu­ma aparecer antes dos 30 anos e pode ser desencadeado por uma situação de alto estresse, como a morte de uma pessoa próxima ou o desemprego.

Limite - A causa exata do trans­torno não é conhecida. Mas os médicos descobriram que me­dicamentos benzodiazepínicos, antidepressivos que inibem are­captura de neurotransmissores como serotonina e noradrenali­na, têm efeitos benéficos para os pacientes. Assim, a avaliação da recaptura de serotonina e dos sítios de ligação da serotonina e dos receptores de noradrenalina - o neurotransmissor que pre­para o organismo para reagir a situações de estresse - a partir do exame de plaquetas e leucó­citos do sangue dos pacientes não é algo incomum nos estu­

dos sobre a doença. Em sua tese de doutorado, Tania já tinha constatado que o nível sérico da medicação tinha um limite. Acima de certo nível, não produzia mais efeitos. "Não adianta­va aumentar a dose, pois o paciente não melhorava': lembra a pesquisado­ra. "Era preciso mudar a medicação."

A partir daí, Tania se interessou por verificar como a medicação, es­pecialmente a clomipramina, um an­tidepressivo usado normalmente no tratamento do TP, atuava na trans-

PESQUISA FAPESP • MARÇO DE 1000 • 29

Page 30: A festa da Xylella

missão dos estímulos ner­vosos para as células. Esco­lheu como caminho para sua pesquisa observar, a partir da análise das plaquetas do sangue, as variações e alte­rações dos sistemas que ca­racterizam as doenças neu­ropsiquiátricas. "A intenção era procurar um marcador biológico e avaliar a ação do medicamento por meio de comparações do de­sempenho desses sistemas com os de pessoas sadias': explicou. Decidiu-se fazer a avaliação com base em três

Tania: "O AMP cíclico é um marcador periférico do pânico"

atendidos no Ambulatório de Ansiedade do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, e 22 pessoas sadias, 13 mu­lheres e nove homens. Al­guns deles participaram também da pesquisa de Cla­rice Gorenstein sobre os efei­tos crônicos da clomiprami­na. Os pacientes começaram o tratamento recebendo 25 mg de clomipramina, com a dose sendo aumentada progressivamente, de a cor­do com a resposta clínica.

fatores: o óxido nítrico sintase (NOS), o GMP cíclico e o AMP cíclico.

Foi feita rapidamente uma verifica­ção importante: o nível basal médio de AMP cíclico no sistema noradrenér­gico (o relativo à noradrenalina, o neu­rotransmissor das situações de perigo) era mais baixo nos pacientes com trans­torno do pânico do que nos indivídu­os sadios. "Mas, depois do tratamen­to, os níveis de AMP cíclico voltaram aos níveis normais': diz a pesquisa­dora. "De forma interessante, nem o GMP cíclico nem o NOS se alteraram com a medicação:' O AMP cíclico é um nucleotídeo que atua como segundo mensageiro em várias vias de condu­ção de neurotransmissores. Inicia uma cascata de eventos pela ativação da proteína quinase A (PKA), relacio­nados à fosforilação protéica, um dos processos básicos da célula.

do pânico", diz Tania, "e que, possivel­mente, é um marcador periférico da doença:' De qualquer maneira, a pes­quisadora pretende aprofundar o tra­balho. "É necessária a realização de estudos com amostras maiores e em outras patologias, como a depressão e o transtorno obsessivo-compulsivo, para a verificação da especificidade desses achados': observa.

Na pesquisa, as amostras de sangue foram colhidas apenas antes do início do tratamento e depois do desapare­cimento das crises de pânico. Uma das dúvidas da pesquisadora é se a altera­ção do nível do AMP cíclico é provo­cada diretamente pela ação da clomi­pramina ou se é uma conseqüência do desaparecimento do transtorno ..

Participaram do estudo 34 pacien­tes, 26 mulheres e oito homens, com diagnóstico de transtorno do pânico,

Dos 34 pacientes que começaram o tratamento, apenas 17 chegaram ao final. Tania acha que há duas explicações para isso. De um lado, há pacientes com dificuldades de adesão ao tratamento, que só pro­curam o médico quando os sintomas são mais evidentes. Do outro, duran­te o período em que foi realizada a pesquisa, o transtorno do pânico tor­nou-se mais conhecido, tanto do pú­blico como dos médicos em geral. Dessa forma, alguns pacientes po­dem ter passado a seguir um trata­mento com um médico clínico, dei­xando de fazer a viagem até o ambulatório.

Longo prazo- A curto prazo, o trata­mento do TP com antidepressivos é eficaz e não costuma causar grandes efeitos colaterais. Mas, como se trata de uma doença relativamente nova, não

Marcador periférico - Os ataques de pânico dos pa­cientes desapareceram a partir das oito semanas de tratamento. Mas, em todos os casos, os exames com­provaram um claro au­mento da concentração de AMP cíclico nas plaquetas. Na maioria dos pacientes, a quantidade de AMP cí­clico dobrou ou triplicou. "Nossos estudos sugerem que níveis baixos de AMP cíclico podem ser uma ca­racterística do transtorno Stefania e Clarice: estudando o uso prolongado de medicamentos

se conhecem os efeitos a longo prazo da utilização dessas drogas. Averiguar as conseqüências a longo prazo do uso da clomipra­mina, um dos medicamen­tos mais usados no trata­mento do transtorno, era o objetivo da pesquisa de Clarice, que contou com a participação da pós-gra­duanda Stefania Caldeira de Carvalho. Por meio de testes e questionários, o projeto mediu os desempe­nhos cognitivo e psicomo­tor e os níveis de memória

30 · MAR(O DE 2000 • PESQUISA FAPESP

Page 31: A festa da Xylella

de pacientes que tomavam a clomi­pramina, e nenhum outro medica­mento,hámais de dois anos. Os resul­tados foram então confrontados com os dos membros de um grupo de con­trole. Os dois grupos, o de pacientes e o de controle, eram muito parecidos. Nos dois casos, tinham 26 pessoas, 14 mulheres e 12 homens. A média de idade era em torno de 40 anos e a mé­dia de escolaridade ligeiramente infe­rior a 12 anos de estudo.

De acordo com Clarice, os resul­tados da pesquisa não condenam o

forma que a clomipramina. "Na mai­or parte dos casos, os efeitos a longo prazo desses outros medicamentos ainda não foram testados': diz.

O problema mais importante que acompanha o uso prolongado da clo­mipramma parece ser uma pequena perda de memória. De acordo com Clarice, isso parece ser algo suportá­vel. Ela dá o exemplo das compras no supermercado. Com o uso do remédio, a pessoa pode esquecer alguns itens da lista de compras. Sem ele, ela nem sairia de casa para fazer compras.

O efeito dos antidepressivos

Os medicamentos empregados no tratamento de portadores com transtorno de pânico alteram a produção de AMP cíclico no interior das células

nho médio cerca de 1 Oo/o inferior ao do grupo de controle.

Nas avaliações cognitivas e psicomo­toras, o desempenho dos dois grupos, de maneira geral, foi equivalente. Mas houve alguns testes, como um teste mo­tor que consistia na cópia de símbo­los, em que os pacientes do TP tive­ram desempenho superior ao do grupo de controle. O motivo? Não é possível saber. Uma explicação pode ser a de que os pacientes estivessem mais motivados e mais dispostos que as pessoas sadias, obtendo, assim, resul-

tados melhores. As pesquisas feitas na Faculdade de Medici­na da USP não deram todas as respostas. Mas permitiram bons avanços nos conhecimen-

Pacientes com transtorno do pânico sem tratamento

Pacientes em tratamento antidepressivo agudo

Pacientes em tratamento tos sobre uma doença que, até há pouco mais de 20 anos, nem se sabia que existia. •

• AMP --.•••• cíclico (monofosfato de adenosina cíclica)

antidepressivo crônico

Sem uso de medicação, o terminal pré-sináptico libera noradrenalina, aciona os receptores beta-adrenérgicos do terminal pós-sináptico e ativa a produção de AMP cíclico

O aumento da quantidade de noradrenalina na fenda sináptica ativa uma quantidade de receptores equivalente à situação sem tratamento e induz à produção maior de AMP cíclico

Há mais noradrenalina do que na situação sem tratamento e diminui o número de reéeptores acionados, mas ainda há um aumento de AMP cíclico quando comparado à situação sem tratamento

Fonte: Duman, RS.; Heninger, GR.; Nestler, E.J.A molecular ond cellulor theory of depression. Arch. Gen. Psychiatry, 54:597-606, 1997

uso a longo prazo da clomipramina nos pacientes de transtorno do pâni­co. Mas indicam a necessidade de que o médico procure sempre estabelecer a dosagem exata e suficiente para cada pessoa, sem exageros no uso da droga, de maneira que o paciente controle as crises, mantenha o convívio social e reduza ao mínimo as perdas de me­mória que acompanham o uso do produto. A pesquisadora destaca que ainda não se sabe se outros remédios usados nesse tipo de transtorno, como a fluoxetina, princípio ativo do Prozac, e semelhantes, funcionam da mesma

Na pesquisa de Clarice, a avalia­ção da memória foi feita em dois componentes, um objetivo, outro subjetivo. Na avaliação objetiva, feita com testes nos quais a pessoa selem­brava de seqüências de números e palavras e trechos de histórias, os pa­cientes e o grupo de controle tiveram desempenhos similares. Na subjetiva, uma série de perguntas que a própria pessoa respondia sobre falhas de me­mória em sua vida pessoal, como o pagamento de contas e nomes de pessoas, os pacientes medicados com a clomipramina tiveram desempe-

P ERFIS:

• CLARJCE GORENSTEIN, gradua­da em Farmácia e Bioquímica na Faculdade de Ciências Farma­cêuticas, com mestrado e douto­rado em farmacologia no Insti­tuto de Ciências Biomédicas (ICB) e pesquisadora do Laboratório de Psicofarmacologia do Hospi­tal das Clínicas da FMUSP. É professora do ICB desde 1979. Projeto: Efeitos Cognitivos e Psi­comotores da Clomipramina em Usuários Crônicos com Trans­torno do Pânico Investimento: R$ 9.892,02, mais US$ 2.640

• TANIA MARcouRAKJS, farmacêuti­ca-bioquímica, com mestrado e dou­torado em farmacologia no Institu­to de Ciências Biomédicas (ICB) da Universidade de São Paulo. É pes­quisadora do Centro de Investiga­ções em Neurologia do Hospital das Clínicas da FMUSP desde 1981. Projeto: Avaliação do Óxido Nítrico Sintase (NOS) - GMP Cíclico e AMP Cíclico em Pacientes com Transtorno do Pânico Antes e Durante o Trata­mento com Clomipramina e em Vo­luntários Sadios Investimento: US$ 28.313,93

PESQUISA FAPESP · HARÇO OE 2000 • 31

Page 32: A festa da Xylella

CIÊNCIA

ZOOTECNIA Achatina fu/ica, espécie

Escargot sem preconceito africana utilizada nas pesquisas

O molusco pode ser a fonte de um cicatrizante e de proteína a baixo custo

N ão foi exatamente amor à pri­meira vista. Há dez anos, quan­

do estudava animais transgênicos na Escócia, no mesmo laboratório onde se fez a ovelha Dolly, a geneticista Maria de Fátima Martins dos Santos Lima viu a imagem de um escargot num cartão de Dia dos Namorados. Estranhou e, confessa, não gostou de seu aspecto, levemente asqueroso. Tempos depois, vencido o preconcei­to, interessou-se pelo animal e o ado­tau como tema de suas pesquisas na Faculdade de Medicina Veteriná­ria e Zootecnia da Universida­de de São Paulo (USP), em Pirassununga. Fez com que o molusco fosse visto como fon-te de proteína a baixo custo - antes ali entendida apenas como sinônimo de bovinos e suínos - e conseguiu pôr no currículo dos alunos a dis­ciplina Helicicultura Tropical, que trata da nutrição, do manejo e da se­leção genética desse ser pouco estu­dado no Brasil.

Seu trabalho mostrou que o es­cargot pode ir além da mesa de jantar e da sala de aula. Quase por acaso, após um pequeno acidente, Maria de Fátima verificou que a saliva do es­cargot é um eficaz cicatrizante. Em 1995, o engenheiro florestal Pedro Pacheco, que a acompanha nas pes­quisas, cortou-se no pulso com uma lâmina afiada. Em uma parte do feri­mento, fechado com dez pontos, resolveu pas­sar a tal saliva, se­creção, muco ou, como é mais cha­mada, a baba do escar-

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got. Pacheco ficou espantado com o resultado. "Nesse trecho os pontos caíram e o corte fechou em três dias", relata. "Onde não passei o muco os pontos só foram retirados sete dias depois e mesmo assim o corte abriu."

Maria de Fátima, que conhecia essa propriedade terapêutica do muco apenas de remotas referências biblio­gráficas, partiu para os testes micro­biológicos. Confirmou as proprieda­des antimicrobianas e constatou que a saliva, liberada em abundância pelo animal, é rica em alantoína, uma pro­teína regeneradora de células da pele. A partir daí, chegou a uma pomada cicatrizante, testada com resultados animadores em coelhos, ratos e ca­mundongos. Em processo de paten­teamento, a pomada ganhou o nome

de Akatinide, por causa da espécie de escargot utilizada nas

pesquisas, a Achatina 11111""'-- fulica, proveniente da

África. Em breve, devem come­

çar os trabalhos que levem a novos métodos de coleta, filtragem e purifi­cação da baba do escargot, que &e

pretende usar também com outras fi­nalidades, como já se faz em outros países. Na França, diz a pesquisadora, há um xarope indicado para bron­quite e outras complicações pulmo­nares. No Chile se produz com o ex­trato de uma espécie nativa, a Helix arpesa muller, um creme regenerador epidérmico para tratar rugas, man­chas na pele, estrias, cicatrizes e ver­rugas. Segundo Maria de Fátima, pes­quisadores japoneses trabalham com afinco no desenvolvimento de aplica­ções das propriedades medicinais das substâncias retiradas do escargot.

Europa e África - Foi Pacheco, em 1991, quem começou a estudar e a

criar escargots em casa, movido pela curiosidade científica e por um

de seus passatempos, a culinária. Ti­nha vivido uma temporada de mar­tírios, sem meios de resolver os pro­blemas com a alimentação e o crescimento dos animais. Havia cen­tenas de criadores no Brasil, a maio­ria, como ele verificou, com pouco embasamento científico: usava-se uma variedade européia, inadequada ao país, do gênero Helix, da família Helicidae. A espécie mais comum é o Petit gris, que prefere temperaturas baixas e, portanto, é menos resistente ao clima tropical. Nem é dos mais produtivos: tem apenas três posturas no ano e demora seis meses para che­gar ao abate. Do Helix, derivam os termos helicicultura, a técnica de cri­ar o escargot, e heliciário, o local da criação.

Pacheco e Maria de Fátima desco­briram uma alternativa nas espécies de caracóis herbívoros terrestres co­mestíveis da família Achatinidae, ori­ginária das regiões de florestas tropi­cais úmidas da África. Uma delas, a espécie Acha tina fulica, é mais rústica e tem uma carne mais escura do que a européia. Resiste mais ao clima tropical bra­sileiro e apresen­ta uma produ­tividade bem maior: pode ter seis posturas ao ano, com até SOO ovos cada, e ser abatida aos 90 dias.

Dois anos depois, em 1993, quan­do comprovaram a rusticidade e o potencial produtivo da Achatina, Pa­checo e Maria de Fátima decidiram dar à pesquisa ainda doméstica um caráter mais formal. Não foi fácil. Na universidade, afloraram preconceitos e resistências, pois na época os espe­cialistas em produção animal traba­lhavam apenas com bovinos, eqüi­nos, suínos e aves. "Não nos levavam a sério", lembra a pesquisadora. "Não

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podíamos nos dar ao luxo de errar." Ainda se associava fortemente o escargot, do qual pouco se conhecia, a uma ati­vidade elitista. De fato, lembra Maria de Fáti­ma, o escargot atende à sofisticada cozinha fran­cesa, mas é também im­portante na alimenta­ção humana desde a Era Paleolítica (ver box na pág. 34).

Uma a uma, as mura­lhas cederam. Em 1995, a FAPESP liberou um financiamento de R$ 25 mil para o primeiro projeto da equipe, Obtenção e Desenvolvimento de Procedimentos Zoo técnicos para a Produção do Escar­got Africano Achatina fulica nas Con­dições Climáticas do Sudeste Brasilei­ro, que se concentrou em nutrição animal. Não existia ainda uma ração básica apropriada para a criação de escargots no Brasil, segundo a pes­quisadora. Ela e Pacheco testaram vá­rias formulações e chegaram em 1998 a um programa de alimen­tação para o escargot do pri­meiro dia de vida ao abate ou ao período final de formação da matriz. No caso dos animais de engorda, descobriram como converter um quilo de ração em 1,1 quilo de peso de animal vivo.

A persistência rendeu um manual informal de criação de escargots. Se­gundo Pacheco, para produzir um quilo de escargot vivo, o custo de produção, incluindo mão-de-obra e ração, chega no máximo a R$ 1,30. O mercado paga R$ 6,00 por quilo.

Material didático - Maria de Fátima descobriu no escargot um animal ideal para suas aulas de melhora­mento genético: tem várias gestações durante o ano e produz uma carne de alta qualidade, com 32% de proteína, além de cálcio, ferro e zinco. Tem apenas 0,5% de

Pacheco,Adriana, Maria de Fátima e a

pomada (ao /ado): resistências vencidas

gordura, menos do que os peiXes, e um pH (indicador de aci­dez ou alcalinidade) em torno de 8,2 (alca­lino, portanto), o que o torna adequado para o tratamento de úlcera. Os estudos de seleção genética conduziram a no-

vas linhagens. Entre as cinco classes de tamanho de Acha­

tina (anão, pequeno, mé­dio, grande e gigante), a

pesquisadora escolheu o mé-dio, para evitar dados superesti­

mados. Descobriu dois padrões de forma de concha: a alongada e a arre­dondada, que associam característi­cas de produtividade. O número de posturas e a produção de ovos dos oblongos são mais elevadas. Enquan­to um grupo de seis animais alonga­dos faz onze posturas em 90 dias, com um total de 2.900 ovos, outro de oblongos faz 21 posturas, com 7.141 ovos.

O trabalho de seleção concentra­se agora na definição de um tipo en­tre o oblongo e o alongado, para che­gar numa linhagem de matrizes com padrão genético conhecido, que em dois anos possa estar disponível para

os criadores. Maria de Fátima pre­tende estudar o DNA dos animais

para identificar o nível de consangüi-

~ nidade no desenvolvi­~

g mento do plantel de ~ três mil matrizes do ;:

Heliciário Experimen-tal, no campus da USP em Pirassununga, e de outros criadores. Im­plantado em 1994, o heliciário passou por uma reforma no ano passado, apoiada com . R$ 46 mil liberados pela FAPESP. Ganhou também laboratório, almoxarifado e uma cozinha semi-industri­al, onde se preparam pratos mais ajustados ao gosto brasileiro, como strogonoff, pa­tês, tortas e novas for­mas de oferecer e con­sumir receitas francesas e italianas, temperadas com ervas secas e ver­des, cebola, alho, man­teigas e diferentes tipos de queijos.

O heliciário reúne atualmente uma equipe multidisciplinar, algo in­comum naquela unidade da USP há poucos anos. Por ali circulam as bió­logas Adriana Fusetto e Paula Ripa­monte, a médica veterinária Marinil Landgraf e a psicóloga Taciana Pinto. As farmacêuticas (e irmãs) Cristina e Mamie Mizuzak, professoras da Fa­culdade de Farmácia e Odontologia da USP de Ribeirão Preto, estudam a regeneração dos tecidos tratados com a baba de escargot.

Como parte do projeto Obtenção e Desenvolvimento de Sistema de For­rageamento para Criações Extensivas de Caracóis Comestíveis, que conta com um financiamento de R$ 50 mil da FAPESP, a equipe de Maria de Fá­tima desenvolve um sistema de cria­ção de escargot consorciado com plantas. Ali há dezesseis canteiros, de 16 e 12 metros quadrados, feitos em alvenaria sem reboque, cobertos com tela e eletrificados para evitar a entra­da de predadores como ratos, lagar­tos, cobras, galinhas e cachorros. Nes­ses espaços vão crescer, junto com os

PESQUISA FAPESP · MARÇO DE 2000 • 33

Page 34: A festa da Xylella

escargots, 14 tipos de ve­getais: acelga, alface, alfafa, brócoli, batata­doce, beterraba, barda­na, cenoura, chicória, couve, girassol anão, mandioca doce, nabo branco e taioba. Segundo Pedro Pacheco, trata-se de um processo ita­liano que proporciona as mesmas condições que o molusco encontra na natureza, testado pela primeira vez no Brasil.

Maria de Fátima pretende esten­der o uso do escargot para outros

campos. Um deles é, ao mesmo tempo, terapêutico e educacional:

,___ o projeto Dr. Escargot, que con-

ta com a participação de psicó-logos e professores do ensino fun­

damental. Num primeiro momento, pretende-se avaliar os benefícios da convivência com o escargot no coti­diano das crianças autistas e com Sín­drome de Down. Na etapa seguinte, a meta é desenvolver a curiosidade de estudantes a respeito do comporta­mento e da alimentação do escargot. Maria de Fátima, que tanto se sur-

Um alimento pré-histórico O escargot é um ser peculiar.

Praticamente não vê, não ouve, carrega o abrigo (um caracol) nas costas, tem um único pé do ta­manho do próprio ventre e só an­da para a frente, sem qualquer pressa, a uma velocidade máxi­ma de 10 metros por hora. É her­mafrodita incompleto: tem os dois sexos, mas não se autofecunda. Precisa, portanto, de um parcei­ro e ambos se fecundam ao mes­mo tempo, numa cópula que du­ra de dez a doze horas seguidas. Tornou-se símbolo do amor. Por essa razão é que na Europa os con­vites para a celebração do Dia dos Namorados costumam trazer im­pressa a imagem de um escargot.

É um companheiro antigo da espécie humana. Nas proximi­dades das cavernas do homem pré-histórico, arqueólogos en­contraram depósitos de conchas de 10 a 200 metros de compri­mento com 1 a 1,5 metro de al­tura, numa indicação de que os caracóis eram largamente con­sumidos. O engenheiro florestal Pedro Pacheco lembra que nessa fase da evolução humana, quan­do o homem estava mais para presa do que para predador, os moluscos terrestres representa­vam uma opção alimentar sem riscos, ao contrário da caça de

34 • MARÇO OE 2000 • PESQUISA FAPESP

aves e mamíferos. Podem tam­bém ter permitido ao homem abdicar da dieta vegetariana para tornar-se carnívoro.

Gregos e romanos eram grandes apreciadores desse mo­lusco, conta Pacheco, ele próprio um gourmet. O elitismo que marcou esse alimento também é antigo, pois levantamentos ar­queológicos do acampamento de uma legião romana acanto­nada na antiga Gália, hoje Fran­ça, demonstraram que o es­cargot era um prato exclusivo dos oficiais romanos. Já na Idade Média, era largamente consumido nos mosteiros, como alimento nas vigílias e nos dias em que era proibido o con­sumo de carne, como a Sexta­Feira da Paixão.

Atualmente, é um petisco comum em bares da Espanha e de Portugal- frito e empanado, acompanhando cerveja. Famo­so como iguaria, o escargot é também alimento do camponês europeu, inclusive na França. Em alguns países da África, a exemplo de Gana, é não apenas uma das fontes protéicas mais consumidas mas está também associado à tradição e a rituais religiosos.

preendeu com a biologia e a genética, mostra-se agora impressionada com o potencial pedagógico do escargot -um animal pacífico, que não morde, não arranha, não causa alergia, é in­diferente ao som e, segundo a pesqui­sadora, pode assim contribuir para melhorar as relações humanas. •

PERFIS:

• MARIA DE fATIMA MARTINS DOS

SANTOS LIMA formou-se em Medi­cina Veterinária na Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinária da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Jaboticabal, em 1981. Fez o mestrado em genética e melhora-mento na Escola Superior de Agri­cultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP) em Piracicaba e o doutorado em genética na Faculdade de Medicina da USP em Ribeirão Preto. Entre 1990 e 1991, fez um estágio de es­pecialização no Instituto de Fisio­logia Animal e Pesquisa Genética em Edimburgo, na Escócia. É pro­fessora da Faculdade de Medicina Veterinária da USP, em Pirassu­nunga, desde 1984. • PEDRO PACHECO é formado em Engenharia Florestal pela Universi-dade Federal do Paraná, de Curiti­

ba, em 1984, com mestrado em ,_..____ Ciências Florestais na Esalq

da USP e doutorado em conclu­são na área de Ecologia e Recursos Naturais na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) . É pesqui­sador na área de Ecologia Aplicada e Produção Animal da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootec­nia da USP, em Pirassununga, des­de 1993. Projetas: Obtenção e Desenvolvi­mento de Procedimentos Zootécni­cos para a Produção do Escargot Africano Achatina fulica nas Con­dições Climáticas do Sudeste brasi­leiro e Obtenção e Desenvolvimento de Sistema de Forrageamento para Criações Extensivas de Caracóis Co-mestíveis Investimentos: R$ 24.320,00 e R$ 54.126,00

Page 35: A festa da Xylella

CIÊNCIA

A região sul do canal de São Sebastião é a principal porta de entrada de navios e da maior parte das correntes marítimas

OCEANOGRAFIA

Descobertas no mar paulista USP faz estudo sobre o ecossistema das águas da flha de São Sebastião

Onavegador italiano Américo Vespúcio viajava a serviço da

Coroa portuguesa, em janeiro de 1502, na primeira expedição de reco­nhecimento ao Brasil recém-desco­berto, quando encontrou e batizou a Ilha de São Sebastião e o canal que a separa do continente, no litoral norte paulista. Desde então, a paisagem mu­dou bastante, mas não perdeu o en­canto. Duas cidades cresceram nas margens do canal, São Sebastião, no continente, e Ilhabela, na própria

ilha. A região se tornou um pólo turís­tico e as águas calmas do canal abri­gam hoje um porto e um terminal de navios petrolíferos da Petrobras.

Mesmo com tantas transforma­ções, ainda faltava um estudo abran­gente do ecossistema marinho, das correntes marítimas, da evolução geológica e dos impactos ambientais provocados pela ação do homem nas águas e no fundo do mar. Todas essas questões, como a importância ecoló­gica da Ilha e a poluição do canal, fo­ram detalhadas e elucidadas por uma equipe de 58 pesquisadores coorde­nados pela bióloga Ana Maria Setu­bal Pires Vanin, do Departamento de Oceanografia Biológica, do Instituto Oceanográfico (IO) da USP. Ela este­ve à frente dos estudos que fizeram

parte do projeto temático Oceanogra­fia da Plataforma Interna de São Se­bastião, financiado pela FAPESP. Du­rante o período de sete anos foram concluídos 45 estudos acadêmicos, sendo 12 de iniciação científica, 19 de mestrado, quatro de doutorado, sete de aperfeiçoamento, dois de livre-do­cência e um de pós-doutorado.

Os resultados que vêm à tona constituem uma radiografia do canal e da plataforma, que corresponde à área entre 10 e 70 metros de profun­didade, incluindo a região em torno da Ilha de São Sebastião. "Concluímos que a ilha serve como um anteparo físico que diminui o impacto das cor­rentes marinhas de mar aberto, mo­dificando as condições físicas da área costeira ao continente, em relação ao

PESQUISA FAPESP • MARÇO DE 2000 • 35

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Profundidade máxima

Fonte: Instituto Oceanográfico ·

transporte de sedimentos e de nutri­entes': explica Ana Maria.

Entre as novidades encontradas nos estudos estão pelo menos 11 no­vas espécies não esperadas pelos pes­quisadores e muito menos pelo nave­gador Vespúcio. Foram descobertas, durante a pesquisa, 10 novos crustá­ceos da ordem Isopoda, animais se­melhantes a tatuzinhos de jardim ou baratas de praia, e uma nova espécie de zooplâncton do gênero Chaetog­natha. Como a coleta de animais foi

N

grande, há muitas espécies em fase de identificação e classificação, de modo que ainda se podem esperar mais no­vidades.

Outro aspecto importante apon­tado no estudo é o papel do canal, que "se caracteriza como uma entidade ecológica particular, com caracterís­ticas distintas daquelas das regiões adjacentes em volta da Ilha", diz Ana Maria. Isso ocorre porque o movi­mento das correntes marítimas geral­mente é muito mais rápido no canal,

Boa vida para os animais A presença maciça da fauna

marinha em grande parte do canal é um fator que, para os pesquisa­dores, comprova o bom estado do ecossistema. Foram localizados, por exemplo, a dez metros de pro­fundidade, dois grandes bancos de preguaí (Strombus pugilis), um molusco comestível da ordem dos gastrópodes, só encontrado no canal. Também foram identifica­das muitas espécies de poliquetas, animais vermiformes que vivem livres ou em tubos e servem de co­mida para os peixes e outros inver-

36 • MARÇO DE 2000 • PESQUISA FAPESP

tebrados. "Algumas espécies desses animais são muito sensíveis e sua presença ajuda no reconhecimen­to do estado de alteração do am­biente", observa a pesquisadora.

Os animais só não foram en­contrados nas duas únicas áreas com condições ruins de sobre­vivência, onde ocorre uma drás­tica diminuição de organismos marinhos. Um desses locais são as imediações da saída do emis­sário submarino do Araçá, em São Sebastião, que bombeia o es­goto de parte da cidade a uma

BRASIL

o

não deixando que se acumule a po­luição dos portos e dos esgotos das duas cidades cos­teiras, São Sebas­tião e Ilhabela, que abrigam até 300 mil pessoas nos feriados e pe­ríodos de férias.

Diversidade - As correntes são im­portantes também por trazerem di­versos tipos de sedimentos em sus­pensão, agitando o fundo de tal forma que o transformam em um mosaico sedimentar. Durante a pes­quisa foram detectados oito tipos di­ferentes de solos, sendo alguns, como os lamosos, particularmente enri­quecidos por matéria orgânica, fonte de nutrientes para algas e animais. As correntes e a sedimentação do canal explicam, em parte, a maior diversi­dade de espécies da fauna marinha e substratos de fundo em suas águas. Somente entre os animais que vivem junto ao chão marinho, foram cata­logadas 95 espécies de megafauna, que inclui camarões, siris, estrelas­do-mar, ouriços e moluscos. Encon­traram-se também 117 espécies de peixes, como raias, bagres e lingua­dos. Grande parte desses seres vive no

profundidade de 10 metros. ''Ao redor dessa saída do emissário, a densidade de espécies cai muito, passando de um número médio de 270 indivíduos por décimo de metro quadrado, para 7 indiví­duos", diz Ana Maria.

Outra área dentro do canal com baixíssima presença de fau­na está na região da boca sul, em uma mancha no solo marinho formada por areia impregnada de petróleo modificado pelo tempo, num local possivelmente ligado a lavagem clandestina de tanques de navios. A origem dessa man­cha é objeto de estudos em anda­mento no 10.

Page 37: A festa da Xylella

Eventuais derramamentos de óleo do maior terminal petrolífero do país são dissipados pelas rápidas correntes marítimas do canal

canal ou utiliza essa passagem em busca de alimento e abrigo.

A velocidade das correntes também é responsável pela dissipação do pe­tróleo derramado no mar em eventuais acidentes no terminal petrolífero - o maior do Brasil, com a recepção, es­tocagem e distribuição de 55% do óleo utilizado no país. Além disso, o porto, as marinas e a lavagem ir­regular dos tanques dos navios petroleiros no canal contribuem pa­ra a produção de estranhas subs­tâncias à água marinha. "Com tantos ingredientes poluidores, o canal deveria ser um ambiente mais degradado, com menos vida marinha do que o observado nes­te estudo", diz Ana Maria.

ocorrido em 1994, os pesquisadores observaram ao longo do tempo a re­cuperação do ambiente. Embora os hidrocarbonetos estejam sempre pre­sentes nos sedimentos do canal, três meses depois do derramamento suas concentrações foram consideradas norma1s.

Sua equipe verificou também que o petróleo derramado no mar acaba nas praias e nos costões ro­chosos ou é levado para o alto­mar. Nesses dois caminhos, esses materiais, formados por hidrocar­bonetos, sofrem uma série de transformações físicas, químicas e biológicas. Uma delas é a degra­dação provocada pela luz solar, a chamada fotooxidação, pois os produtos gerados são mais solú­veis do que os originais. Aprovei­tando um derrame de petróleo Vanin: visão integrada do mar de São Sebastião

Correntes e poluição - Fora as áreas com excesso de retenção de poluen­tes, (ver quadro na pág. 36) a maior parte do canal se livra da poluição graças ao movimento rápido das cor­rentes marinhas que fluem, princi­palmente, no sentido nordeste (ver quadro na página 38). Essas correntes

z são influenciadas pela intensidade ~ e sentido dos ventos que percor­iil g rem o canal numa espécie de tú-~ nel formado pelo maciço da Ser-

ra do Mar, no continente, e pela cadeia montanhosa de Ilhabela. Essa condição é facilitada pela pouca distância entre as duas par-tes de terra, que têm entre si, no ponto mais próximo, apenas dois quilômetros de extensão.

Das áreas envolvidas no proje­to temático, a região sudeste da ilha é o ponto onde se concentra a maior população de larvas de peixes. "É uma região com muito material em decomposição e se­dimentos ricos em matéria orgâ­nica. No verão, com as chuvas, muito material vegetal e mineral da ilha é levado para o mar, sendo aí depositado." Esse material, que também é oriundo do continente, após decomposição, se transfor­ma em fonte de alimento para a

PESQUISA FAPESP · HARíO DE 1000 • 37

Page 38: A festa da Xylella

O canal que já foi um rio A peculiaridade do canal de

São Sebastião foi estudada tam­bém sob o ponto de vista geoló­gico. Uma das conclusões a que chegaram os pesquisadores é que há 8 mil anos não existia mar di­vidindo a ilha do continente e o canal era terra emersa. Provavel­mente, foi um rio em eras passa­das, o que explica o processo de escavação e a profundidade atu­al máxima de 42 metros. Para análise da estrutura geológica do fundo do canal, foram realizadas perfurações no solo que chega­ram a 3 metros de profundida­de. "Ao longo dos anos, o leito do canal também foi escavado por águas frias vindas de grandes profundidades e que entram no canal", afirma Ana Maria.

Essas águas vêm da região externa da plataforma continen­tal, além dos 200 metros de pro­fundidade, aproximadamente, e tem grande influência no ecos­sistema marinho das regiões sul e sudeste do país. De tão impor­tantes, elas têm até nome pró­prio: Água Central do Atlântico Sul (Acas). Essa corrente fria, que anualmente penetra na pla­taforma no início do verão ou fim da primavera, já era conhe­cida, mas foi detalhadamente es­tudada neste projeto temático.

"A Acas é caracterizada por ter um grau de salinidade mais alto e uma temperatura mais baixa que a água costeira. Ela se espa­lha sobre o fundo do mar, for­mando uma coluna de água fria abaixo da superfície, entre 15 e 17° C, enquanto sobre ela a tem­peratura da água varia entre 25 e 28°C. Nem no inverno a tempe­ratura do fundo fica tão baixa. Nessa ocasião, temos da superfí­cie ao fundo temperaturas da ordem de 20 a 25° C. As conse­qüências não são de todo estra-

38 • MARíO OE 2000 • PESQUISA FAPESP

nhas ou danosas. Essas águas fri­as das profundezas oceânicas trazem muitos nutrientes e, com a exposição à luz solar, o processo de fotossíntese pelo fitoplâncton se acelera, causando uma maior oferta de nutrientes para toda a cadeia alimentar que se inicia nes­se microvegetal e segue para o zooplâncton, peixes e organismos

de fundo. "O aumento da popula­ção de fitoplâncton é cerca de dez vezes maior no verão com a entra­da da Acas", afirma Ana Maria.

Com as águas frias, peixes que se dão melhor com tempe­raturas baixas, como a merluza, que tem valor comercial, ingres­sam na região. Outro ser que

' vem no rastro da água da Acas é uma espécie de siri (Portunus spinicarpus) oriundo de regiões mais profundas da plataforma, situadas em profundidades en­tre 50 e 100 metros. Ele invade as áreas próximas à Ilha de São Se­bastião em busca de comida e acaba desalojando outros crus­táceos, peixes pequenos, molus­cos e estrelas-do-mar. "Em ape­nas um arrasto com rede, durante a pesquisa, foram cap­turados 36 mil indivíduos desse siri", lembra Ana Maria. "Por causa da voracidade dessa espé­cie, muitos outros animais ficam comprimidos na faixa costeira."

cadeia vegetal e animal. Ao contrário, na parte sul e sudoeste, onde os sedi­mentos no fundo são arenosos e com pouca matéria orgânica, quase não se encontram larvas e a população de animais adultos diminui bastante.

Todas as constatações desse pro­jeto temático foram feitas com in­formações colhidas em até 53 esta­ções instaladas no mar, em bóias ou por meio do navio oceanográfico Prof. W. Besnard e dos barcos de pesquisa Veliger II e Albacora, todos do 10 da USP. Além de coletas ao longo do ano, a pesquisa se concen-

trou no verão de 1994 e no inverno de 1997.

O financiamento da FAPESP, de US$ 280 mil, permitiu a compra de

equipamentos, como seis cor­rentômetros, para medir

correntes marítimas, dois estereomicroscópios para estudos biológicos, vários

sensores de salinidade, um aparelho de identificação do fundo marinho, além de uma unidade de destilação de substâncias químicas para analisar os compostos do petróleo.

Visão integrada - Segundo Ana Maria, esse projeto representa um grande salto para o conhecimento oceanográ­fico de parte do litoral norte paulista, sob o ponto de vista da estrutura e dos processos físicos e biológicos que o governam. Para ela, se as pesquisas fossem realizadas de modo isolado, sem o cunho multi e interdisciplinar, não seria possível ter, hoje, a visão in­tegrada e abrangente do mar do canal e da Ilha de São Sebastião. •

PERFIL:

• ANA MARIA SETUBAL PIRES VANIN,

50 anos, graduou-se em Biologia no Instituto de Biociências da USP. Fez mestrado e doutorado no 10 da USP, onde é professora do Departamento de Oceanografia Biológica. Projeto: Oceanografia da Platafor­ma Interna de São Sebastião Investimento: US$ 280 mil

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TECNOLOGIA

Duas fotos da região de Bebedouro, PE, processadas por radar, com (à dir.) e sem o novo software

Software melhora informações de radar

em operação. A pesquisa teve recursos financeiros da Fun­dação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Per­nambuco (Facepe) e CNPq.

Feixe de elétrons elimina resíduos

Uma nova tecnologia que eli­mina resíduos e microorga­nismos de efluentes industriais e residenciais está próxima de ser concluída no Instituto de Pesquisas Energéticas e Nu­cleares (Ipen). Trata-se do bombeamento de feixes de elétrons para destruir com­postos qúímicos indesejáveis como benzeno, tolueno, co­rantes e outros produtos, além de eliminar vírus e bac­térias existentes na água e no lodo não mais utilizados.

do Centro de Tecnologia das Radiações do Ipen. Os pesquisadores esperam agora a possibilidade de im­plantar uma planta de de­monstração dentro de uma unidade da Companhia de Saneamento Básico do Esta­do de São Paulo (Sabesp). A empresa é um dos agentes fi­nanciadores do projeto junto com a Agência Internacional de Energia Atômica, Comis­são Nacional de Energia Nu­clear e CNPq, além de diver­sas indústrias paulistas.

Tomógrafo analisa trincas do asfalto

O asfalto das ruas e estradas brasileiras já pode ser anali-

~ sado por meio de um tomá­grafo. O uso desse equipa­mento e a criação de um software específico para esse tipo de análise foram desen­volvidos no Laboratório de Instrumentação Nuclear da Coordenação dos Progra­mas de Pós-Graduação de Engenharia (Coppe) da Uni­versidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Eles permi­tem visualizar e quantificar a estrutura interna da cama­da de asfalto, principalmen­te em relação às trincas que geram buracos e desníveis indesejáveis. O tomógrafo, no entanto, não é portátil, as amostras devem ser retira­das da via pública ou mol­dadas em corpos-de-prova no laboratório. Essa técnica foi desenvolvida nos trabalhos de mestrado, doutorado e pós doutorado do engenheiro Delson Braz, da Faculdade de Engenharia da UFRJ, que recebeu bolsas da Fundação de Amparo à Pesquisa do Es­tado do Rio de Janeiro (Fa­perj). A pesquisa contou tam­

bém com a orientação dos professores Laura Goretti da Motta e Ricardo Tadeu Lopes, dos programas de engenha­ria civil e nuclear da Coppe.

Um programa de computa­dor elaborado pelo Departa­mento de Informática (DI) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) em con­junto com o Instituto Nacio­nal de Pesquisas Espaciais (INPE) está proporcionando um melhor processamento e análise das imagens obtidas por radares instalados em aviões e satélites. As fotos da superfí­cie terrestre ganham mais qualidade e melhor caracteri­zação das classificações de cada ponto da imagem, identifi­cando desde construções, flo­restas e culturas agrícolas até veios de água. ''Antes, as ima­gens chegavam aos centros de estudo com muitas interfe­rências e imprecisões", lem­bra Alejandro Frery, profes­sor do DI da UFPE. O estudo teve também a participação dos pesquisadores Corina da Costa Freitas, Antônio Cor­reia e Sidnei Sant' Anna, do INPE, e de alunos da UFPE, da Faculdade de Matemática, Astronomia e Física da Uni­versidade de Córdoba, na Ar­gentina, e do Instituto Espa­cial da Alemanha, centros de estudo onde o software já está

A destruição ocorre com a energia desprendida por um acelerador de elétrons que re­duz e degrada rapidamente as moléculas dos poluentes. "Com isso, a água dos efluen­tes pode ser reaproveitada na própria indústria ou em qual­quer estação de tratamento sem a necessidade de produ­tos químicos': afirma a pes­quisadora Maria Helena Sam­pa, chefe da Divisão de Pesquisa e Desenvolvimento Tomógrafo da Coppe simula o peso e o t rafégo de veículos

PESQUISA FAPESP · MARÇO DE 1000 • 39

Page 40: A festa da Xylella

TECNOLOGIA

AMBIENTE

Avaliação de riscos , em areas poluídas A partir de um antigo lixão, empresa introduz novas técnicas ambientais

U ma área com vegetação densa contornada por rios, de acesso

fácil, sem barulho e sem agitação de turistas, enfim, um paraíso na terra. Esse lugar existe e está a menos de 70 quilômetros da capital de São Paulo. Mas, sob a sua aparência paradisíaca, escondem-se resíduos residenciais e industriais perigosos, a exigir cuida­dos constantes para não contaminar as águas nem prejudicar a saúde da po­pulação que mora ao redor. O contro­le dessas ameaças presentes nos 200 mil metros quadrados do terreno, encravado dentro dos limites do mu­nicípio de Cubatão, está a cargo da empresa Hidra Ambiente. O objetivo é monitorar a área e pôr em prática novas técnicas de avaliação de im­pactos ambientais causados por pro­cessos produtivos. Essa busca de in­cremento metodológico é estimulada pelo projeto Desenvolvimento de Tec­nologias para Avaliação de Riscos Am­bientais de Locais com Solos e Águas Subterrâneas Contaminadas, financia­do pela FAPESP, dentro do Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE). Foram R$ 45 mil na fase 1 e outros R$ 180 mil, libera­dos durante a fase 2, que deverá ser finalizada em dezembro deste anO.

A área estudada está situada ao longo dos vales do Rio Cubatão e do

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Ribeirão dos Pilões, num território abraçado pelo Parque Estadual da Serra do Mar. O local foi um recanto aprazível até a década de 60, quando a paisagem começou a ser alterada. O processo de urbanização e de indus­trialização que avançava naquela re­gião escolheu aquele lugarejo para a instalação de um aterro sanitário des­tinado a ser depósito do lixo produ­zido nas cercanias. Mais tarde também foram constatados despejos irregula­res de lixo hospitalar. O problema agravou-se com a invasão da área por duas centenas de pessoas, divididas em 70 famílias, que ali passaram a residir. E complicou-se ainda mais quando surgi­ram os casos de contami­nação em algumas dessas pessoas, que apresentaram problemas de inflamação de pele e complicações res­piratórias.

Na década de 70, a pre­feitura local desativou o li­xão e removeu os mora­dores. A imagem do lugar foi, portanto, recomposta, mas aquilo que a natureza foi obrigada a absorver ainda está lá, na forma de resíduos, carentes de cui­dados constantes, como in­dica a própria condição le­gal da região, enquadrada na condição de Área de Pro­teção Ambiental (APA).

Contudo, nos 30 anos que se passaram desde o fim do ater­ro, o mundo mudou. Novos proces­sos industriais foram desenvolvidos. Leis especiais foram aprovadas, fruto também dos movimentos ambienta­listas com suas reivindicações. O que não mudou muito foram os restos do lixo doméstico, industrial e hospita­lar acumulado durante duas décadas naquele lugar, justamente o mundo escondido pela vegetação farta e bo­nita. É por isso que, a cada três meses, uma equipe de geólogos e técnicos, comandada pela Hidro Ambiente, se dirige até Cubatão. Ali verifica as con-

dições da mata, do solo e das águas subterrâneas. O nome técnico dessa operação é monitoramento.

Parece pouco. Mas algo muito mais importante está em curso. Os técnicos da Hidro fazem parte de um grupo de profissionais que, ao avan­çar mata adentro, coloca o Brasil em novo rumo, com a adoção de práticas dentro do conceito de "avaliação de riscos': Do bom andamento desse trabalho deve resultar um conjunto de procedimentos que definirão, caso

a caso, qual atitude tomar, seja pre­ventiva ou de remediação.

Trata-se de um avanço metodoló­gico que a Hidro começou a pôr em prática em 1997, quando mandou um dos seus pesquisadores para a Holanda, e, em seguida, incorporou ao dia-a-dia da empresa, explica o professor aposentado da Universida­de de São Paulo (USP) Nelson Ellert, geólogo e um dos sócios fundadores da Hidro Ambiente, criada há oito anos. Esse projeto objetiva a aplica­ção do conceito de avaliação de risco não apenas em Cubatão mas tam-

bém em outras áreas do Estado de São Paulo, como os municípios de Santa Gertrudes, Taubaté e São Caetano.

Novos conceitos - Avaliação de risco é a expressão-chave para entender os novos procedimentos. "Ela introduz uma nova postura técnica e até mes­mo filosófica em relação ao pensa­mento reinante a respeito de fatores de controle ambiental", explica Nel­son Ellert. Em vez de tentar limpar o solo e a água, para deixá-los como se-

nam encontrados idealmente antes da presença humana, a técnica de avaliação de risco estabelece fatores de observação que, uma vez cruzados, devem fornecer um cenário mais próximo de uma condição aceitável e factível de intervenção, ou não.

Tais fatores são: fonte de contami­nação, rota de exposição dos mate­riais indesejáveis e receptores poten­ciais desse material. Ellert dá um exemplo prático: um posto de gasoli­na pode ter um tanque do qual vaze combustível. Se o líquido for absor­vido pela água subterrânea do tipo

PESQUISA FAPESP · MARÇO DE 2000 • 41

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salgada, numa região de baixíssima exposição de seres humanos, o risco é contornável e os custos ficam restri­tos à eliminação das causas do vaza­mento e ao monitoramento dos pro­cessos de diluição e biodegradação dos resíduos no decorrer do tempo.

Em Cubatão, todos os problemas existentes foram levados em conta. Seguindo uma sugestão do pesquisa­dor holandês Rob Theelen, um dos mais conceituados no mundo, a Hidra Ambiente escolheu, como principal objeto de monitoração, a água como rota de exposição, não por ser bebida diretamente do rio, mas por ser a fonte de nutrição dos fru­tos que podem ser ali colhidos e consu­midos. As análises químicas desses fru­tos mostraram resí­duos de chumbo, mercúrio, cobre, cád­mio e zinco, entre outros. "Há aqui a necessidade de um

o Embu

o Embu-Guaçu

cuidadoso cruzamento de fatores': diz Ellert. Com base em estudos toxicoló­gicos, os técnicos da Hidra constroem hipóteses para tentar definir com preci­são os cenários em que as pessoas po­dem ser afetadas pelas contaminações.

Na verdade, os riscos imediatos são pequenos. São os vários desenhos permitidos pelos dados recolhidos que indicam uma ou outra situação como mais grave. Por exemplo: crian­ças que vivem na área e tomam ba­nho no rio comem frutas colhidas nas plantas da área, sejam nativas ou cultivadas.

Montanha de resíduos - Com os da­dos à mão, Ellert vai revelando a ex­tensão dos problemas encontrados em Cubatão. São mais de 25 mil me­tros cúbicos de resíduos amontoa­dos. O solo foi absorvendo, a mata foi encobrindo. Lá estão hoje as camadas que variam de um a dois metros de espessura, abrigando produtos quí­micos variados. "Quando o lixão foi aberto, não havia nenhuma técnica de controle e gerenciamento do que

42 • MARÇO DE 1000 • PESQUISA FAPESP

se depositava ali", lembra Ellert. Fal­taram também medidas preventivas. "Não se acompanhou o desenvolvi­mento populacional, que era peque­no na época. Mas o fato é que o lixão acabou invadindo as áreas próximas:' Os resíduos foram sendo colocados ao longo das estradas e também c;le maneira esparsa nas áreas periféricas.

Por isso, para os levantamentos e análises a região foi dividida em três áreas: Pilão 1, o antigo lixão, Pilão 2, que são os terrenos vizinhos invadi­dos pelo lixão, e Pilão 3, trecho que faz divisa com o município de São Vicente. Os depósitos mais perigo­sos, por sua quantidade e concentra­ção, estão localizados às margens do Rio Cuba tão, que corta todas as áreas.

Clorobenzeno- As primeiras conclu­sões sobre o que pode ou não ser fei­to em Cubatão já estão definidas. Por exemplo, a simples desocupação da área não resolve o problema. Está igualmente contra-indicada a remo­ção do material depositado. Os cui­dados com manejo de massa verde e

técnicas avançadas de avaliação são cruciais: qualquer acúmulo que seja carregado, por água de chuva ou por movimentações causadas pela aber­tura de estradas ou de construções clandestinas, pode descer para o Rio Cubatão, cuja água é captada pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) pa­ra abastecer cerca de 2 milhões de ha­bitantes fixos da Baixada Santista.

Além de todos os cuidados com o movimento de pessoas, os serviços de monitoramento levam em conta os fatores climáticos do lugar, quente, úmido e chuvoso. "A atividade bioló­gica ali é muito grande, o que favore­ce os processos de biodegradação e de fixação da vegetação superficial, evitando a dispersão de particulado (como o pó que se desprende do solo em tempo seco ou por lixiviação em tempo chuvoso)", explica Ellert. Me­xer nesse material seria abrir a porta para um sem-número de efeitos.

A prova das migrações de partícu­las está nos laudos que mostram, nas águas subterrâneas, baixas concentra-

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ções de metais, como chumbo e cro­mo, e de hexaclorobenzeno, com­posto orgânico semivolátil. Também constatou-se a presença, em concen­trações altíssimas, de compostos voláteis como diclorobenzeno, clorobenzeno, tricloroeteno, di­cloroeteno e cloreto de vinil.

As amostras de clorobenzeno, por exemplo, estão muito acima do limite. Enquanto a legislação estabelece como limite a concen­tração de 0,1 a 3,0 miligramas por litro (mg/1), os poços de monito­ramento perfurados indicam a presença de água com taxas acima desses valores (de 6,0 a 170 g/1). Nas análises da massa bruta fo­ram encontrados oito tipos de re­síduos derivados de metais tóxi­cos. Nas avaliações feitas pela Hidra Ambiente, tendo como base o grau de exposição da população local aos fatores de risco, constatou-se serem críticos os níveis de mer­cúrio, cromo e cianeto encontra­dos no nível do solo superficial e

Longo trabalho - Uma demanda ju­dicial da ordem de US$ 200 milhões forçou a entrada da Hidra Ambiente na história, com um processo instau-

nas águas subterrâneas. Ellert, da Hidro Ambiente: nova postura técnica

rado em 1982 com base numa ação civil pública contra as 33 indústrias da região representadas pelo Centro de Integração Empresarial ( Ciesp) da Baixada Santista, ligado à Federação das Indústrias do Estado de São Pau­lo (Fiesp ). Depois de várias represen­tações, que alongaram os prazos da demanda, em 1997 o Ciesp contratou a Hidra Ambiente para que fosse fei­ta uma espécie de inventário dos resí­duos acumulados.

"Todo material encontrado na região, por mais incorporado que es­teja ao meio ambiente pelo tempo em que ficou conservado, pode se tornar muito perigoso numa eventu­al manipulação': analisa Ellert. "Se entramos na área e manejamos os re­síduos com máquinas, vamos liberar uma quantidade enorme de resíduos acumulados, provocando reações químicas certamente incontroláveis." Em resumo, escavar o solo da área do antigo lixão, para deixá-lo livre de re­síduos químicos, seria pôr em movi­mento uma montanha de riscos.

Além de novos métodos, a equi­pe da Hidra está munida de um ve­lho ingrediente: paciência. "Deve-se ter consciência de que decisões quan­to à necessidade de medidas de re­

z mediação devem ser feitas à luz ~ de um contexto social e político, !il diz Ellert." Ele espera uma pos-" ~ tura mais aberta do próprio meio

científico, que, ao dar a conhe­cer à sociedade os seus métodos e resultados, pode orientar o de­bate em qualquer plano das ciên­cias ambientais. •

PERFIL:

• NELSON ELLERT, 61, professor ti­tular do Instituto de Geociências­USP, é geólogo, formado pela USP. Fez doutorado e livre-docência tam­bém na USP. Especializou-se na área de Engenharia Geofísica no Insti­tut Français du Pétrole, na França. Projeto: Desenvolvimento de Tec­nologia para Avaliação de Riscos Ambientais de Locais com Solos e Águas Subterrâneas Contaminadas Investimento: R$ 225.700,00

PESQUISA FAPESP · MARÇO DE 1000 • 43

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TECNOLOGIA

ENGENHARIA DE PETRÓLEO

Memórias integradas

Unicamp e Petrobras elaboram software para controlar reservatórios

OBrasil produz 1,1 milhão de barris de petróleo, em média,

por dia. São toneladas desse óleo ne­gro e valioso retiradas diariamente do subsolo. Para executar essa opera­ção gigantesca, a Petro-bras necessita obter o controle e o conheci-mento de vários fatores que influenciam na pro-dução de petróleo. A ex­tração é complexa, seja na terra ou no fundo do mar, e envolta em incer­tezas, principalmente, na caracterização dos reservatórios. É preciso saber as propriedades das rochas e dos fluidos, que devem ser bem de­terminados para otimi­zar a produção. São in­formações que incluem, por exemplo, o tamanho do poço, a viscosidade do óleo e o tamanho do aquífero (a água existen­te numa camada inferior ao óleo).

O volume de infor­mações é enorme e aca­ba deixando os sistemas pesados, acarretando pro­blemas no processamen­to computacional, por en­volver um número muito grande de cálculos. Com isso, as operações e as si­mulações para otimizar a produção de um cam­po de petróleo tornam-se

agilizar o processamento de infor­mações nas operações de extração, a Petrobras propôs um estudo con­junto a um grupo de pesquisadores da Universidade Estadual de Campi­nas (Unicamp). Iniciado em maio de 1996, o projeto foi aprovado pela FAPESP para integrar o programa Parceria para Inovação Tecnológica (PITE) . A coordenação do projeto, chamado de Paralelização de Ajuste do Histórico de Produção em Rede de

lentas. Para dinamizar e Computadores em paralelo facilitam a extração de petróleo

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Estações Usando PVM (Parallel Vir­tual Machine ou Máquina Paralela Virtual), foi entregue ao professor Denis José Schiozer, também coor­denador do Centro de Estudos de Petróleo ( Cepetro) e professor da Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) da Unicamp.

A solução encontrada pelo grupo foi o desenvolvimento de um softwa­re que distribui as tarefas computa­cionais pesadas para o processamen­to em uma rede de computadores ligados em paralelo. Essa solução já finalizada e incorporada pela Petro­bras permitiu uma economia de até 85% do tempo para a elaboração das informações. A computação pa-

ralela montada, por exemplo, em uma esta­ção de trabalho com cinco a dez máquinas, da Petrobras ou da Uni-camp, executa, em algu­mas horas, o processa­mento de informações que levaria alguns dias. Conta, para essa maior eficiência, com a adoção de processos automáti­cos que permitem pro­cessar informações mes­mo durante a noite e nos fins de semana.

Produção confiável - A nova ferramenta possi­bilita integrar as memó­rias e ·os processadores de vários computadores para que funcionem de forma virtual. Trata-se, segundo Schiozer, de uma metodologia de tra­balho em que prevalece a automação de várias etapas de um processo chamado de "ajuste do histórico". Ele é usado para caracterizar reser­vatórios e obter previ­sões de produção con­fiáveis no menor tempo possível, utilizando téc­nicas de computação

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paralela e distribuída. A caracterização exige, na prática, muitas si­mulações até que o processo de extração esteja definido. Além disso, a constante revi­são do modelo geoló­gico e a aquisição de mais dados de produ­ção tornam o proces­so contínuo.

\ da Petrobras e da Fi­nep (Financiadora de Estudos e Projetas ), que, para este ano, li­beraram R$ 30 mil e R$ 70 mil, respectiva­mente.

Os pesquisadores desenvolveram o novo software com base no sistema PVM criado no ORNL (Oak Ridge National Laboratory), de Tennessee, nos Es­tados Unidos. O PVM Schiozer: menos 85% no tempo gasto para processar informações

Segundo Schiozer, o projeto passa por es­tudos de manutenção, aprimoramento e de­senvolvimento de no­vas ferramentas. Ele acredita que, futura­mente, outras empre­sas e a Agência Nacio­nal de Petróleo (ANP) poderão vir a se bene­ficiar dos resultados desse projeto. Na área acadêmica, o UNIPAR permite que uma rede

heterogênea de computadores funci­one como uma máquina única com processadores e memórias distribu­ídos entre eles.

As maiores vantagens do PVM estão no fato de ele ser um sistema de domínio público, ter grande aceitação e ser utilizado por um grande número de usuários. "Ele funciona como uma rede que pode incluir computadores paralelos con­vencionais, estações de trabalho, mi­croprocessadores e mainframes", ex­plica Schiozer.

Melhor distribuição - A utilização de máquinas com vários processa­dores paralelos não é uma novida­de. A diferença introduzida pela equipe liderada por Schiozer foi distribuir, de forma eficiente, a pe­sada carga de infomações. Outro fa­tor importante é que o processo permite um melhor uso dos com­putadores disponíveis, sem grandes investimentos. O novo software re­cebeu o nome de Módulo de Parale­lização de Simuladores (MPS) e se transformou na parte central do programa UNIPAR (aglutinação das siglas iniciais de Unicamp e de paralelo), que vem a ser o pacote responsável pela automatização de várias etapas da extração e da pro­dução de petróleo.

A primeira versão do software foi entregue para a Petrobras em 1997. Inicialmente, ele apenas tes­tava o paralelismo. Depois, o soft­ware foi sendo aperfeiçoado e, hoje, inclui vários módulos com diferen­tes aplicativos como computação paralela, ajuste do histórico, produ­ção e gerenciamento de campo de petróleo.

Várias etapas - Para Schiozer, a maior dificuldade técnica com a qual sua equipe teve de se confrontar (e con­tornar) foi integrar todo o processo, desde a eficiente distribuição de ta­refas numa rede de computadores até convencer os engenheiros dos benefícios dos novos procedimentos automáticos utilizados na simulação dos reservatórios de petróleo.

O projeto já foi finalizado no âmbito da FAPESP. O aparte finan­ceiro da fundação foi de R$ 1,3 mil e US$ 160 mil e, da empresa, R$ 261 mil. Além da FEM e do Cepetro, o UNIPAR conta com os laboratórios da Faculdade de Engenharia Elétri­ca, do Instituto de Geociências, além da colaboração de alunos de pós­graduação em Engenharia de Petró­leo e estagiários da Faculdade de En­genharia de Computação, todos da Unicamp. Agora, o projeto está em uma nova fase com financiamento

foi uma oportunidade tanto para alunos de pós-graduação tomarem conhecimento de problemas práti­cos de engenharia de petróleo quan­to para os alunos de graduação na área de ciências da computação. Além disso, a parte relativa à com­putação paralela não se restringe aos problemas da extração de petróleo, mas vale também para outras áreas, que utilizam processos computacio­nais pesados e não têm recursos para investimentos, igualmente pesados, em máquinas de grande porte. •

PERFIL:

• DENIS Jos~ SCHIOZER, 36 anos, for­mado em engenharia aeronáutica no Instituto Tecnológico de Aero­náutica (ITA). Fez mestrado na Unicamp e doutorado na Universi­dade de Stanford, nos Estados Uni­dos. Atualmente, é professor da Fa­culdade de Engenharia Mecânica e coordenador do Centro de Estudos de Petróleo ( Ceperto) da Unicamp. Projeto: Paralelização de Ajuste do Histórico de Produção em Rede de Estações Usando PVM (Parallel Vir­tual Machine ou Máquina Paralela Virtua[) Investimento: O aporte financei­ro da fundação foi de R$ 1,3 mil e US$ 160 mil, da empresa, R$ 261 mil

PESQUISA FAPESP · MARíO DE 1000 • 45

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HUMANIDADES

..-r - -

Sambaqui: morros de conchas em quase toda a costa do país, onde se descobriu artefatos de antigos nativos (páginas seguintes)

ARQUEOLOGIA

Muito antes da chegada de Cabral

Sambaquis revelam a vida dos primeiros habitantes do nosso litoral

H á SOO anos, quando Cabral aportou na Terra de Santa

Cruz, encontrou nativos mui "fremo­sos': populações de língua Tupi e Jê do sul (tupi, tupinambá, carijó, caingan­gue e outros), mas esse povos não fo­ram os pnme1ros a povoar a nova terra descoberta. Muito antes deles (e ainda mais anteriores aos navegado­res lusitanos), e por milhares de anos,

46 • HARÇO OE 2000 • PESQUISA FAPESP

outros povos dominavam o litoral do Brasil : os sambaquieiros, os cons­trutores dos sambaquis, pequenos morros de conchas presentes em qua­se toda a costa do país.

Até o final dos anos 80, para os arqueólogos o sambaqui seria pro­duto de grupos nômades que, após comerem moluscos, ostras e maris­cos, teriam deixado os restos amon­toados. Mas estudos e análises mais recentes estão desfazendo essa idéia. A população sambaquieira era se­dentária, demograficamente expres­siva, estável no território em que vi­via, com tecnologia e conhecimento muito grandes e com uma comple-

xidade de organização social suficien­te para justificar cemitérios comu­nais e alguma rede de troca regional. Os sambaquis, assim, não seriam obra do acaso, mas, ao contrário, constru­ções propositais.

Essas são algumas das importan­tes conclusões do arqueólogo Paulo De Blasis, do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (USP), um dos coordenadores do Projeto Arqueológico Camacho: Padrões de Assentamento e Formação de Sambaquis em Santa Catarina, que contou com apoio da FAPESP e que pretende desvendar os hábitos, orga­nização social e cultura desses povo-

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--

adores pioneiros do Brasil. O traba­lho é co-coordenado pela antropó­loga Maria Dulce Gaspar e contou também com o apoio financeiro das fundações Wenner-Gren e Heinz e da Universidade do Arizona, dos Esta­dos Unidos.

Os sambaquis - de tambá (con­chas) e ki (amontoado), em tupi- se concentram em regiões lagunares. Sua presença é marcante entre o lito­ral sul de São Paulo e Santa Catarina (a maior concentração global de sambaquis, o que revela a importân­cia desse estudo), na região de Cabo Frio (Rio de Janeiro) e no Recôncavo Baiano. No caso específico desse pro­jeto, é estudado um conjunto de sambaquis instalado em uma área entre os municípios de Jaguaru­na, Laguna e Tubarão, no litoral meridional catarinense, tendo seu epicentro na Lagoa de Camacho. Tra-

ta-se de um projeto interdisciplinar, envolvendo arqueólogos, biólogos, zo­ólogos e geólogos brasileiros e norte­amencanos.

Monumentos- "Trabalhamos os sam­baquis com uma perspectiva mais antropológica e passamos a conside­rá-los como monumentos proposi­tais, não como área de descarte; sen­do monumentos grandiosos, não poderiam ser trabalho de uma popu­lação nômade", comenta De Blasis. "É muito difícil lidar com as caracterís­ticas estruturais dos sambaquis e ex­plicá-las como restos de comida, pois restos de comida formam montí­culos em volta das cabanas; logo, deveriam existir restos de carvão e outros tipos de lixo de caráter doméstico. E isso nem sempre acontece."

Um exame zooarqueo­lógico detalhado dos restos da fauna consegue identificar, por exemplo, espécies, número de ani­mais e proporção de cada espécie em cada camada do sambaqui. Com isso, pode-se fazer um cálculo de quanto os detritos representam de massa alimentar consumida: "Ape­sar de também consumidas, as con­chas eram na verdade usadas como material de construção", diz o pes­quisador. Os estudos zooarqueoló­gicos também podem revelar como era a biodiversidade na época e, as­sim, os sambaquis se re-

velam impor­tantes para tra­balhos paleo­

ambientais. Outro braço interdis­

ciplinar do projeto é a bioantro-pologia, para a análise dos esquele­

tos: "Além de os sepultamentos serem importantes pelas informaçõ­es culturais que carregam, os esque­letos poderão informar muito sobre as populações: estatura, alimentação, hábitos, doenças e número aproxi­mado de filhos", observa o professor.

A hipótese sobre a construção do sambaqui Jaboticabeira II e de outros da região de estudo em Santa Catari­na é de que tenham sido monumen­tos funerários, mas nem todos os sambaquis brasileiros tiveram esse objetivo. Uma estimativa preliminar sugere que o Jaboticabeira II tenha até 43 mil pessoas enterradas. Os se-

pultamentos aconteceram desde o início da formação do sambaqui, há 2.800 anos, e duraram 1.000 anos. "Isso nos fala de demografia, de uso contínuo do sítio durante esse perío­do, o que significa estabilidade terri­torial", explica De Blasis.

Descarnados - Os sepultamentos eram elaborados e cerimoniais, indi­viduais e em grupo. Em geral, os cor­pos ficavam deitados e fletidos (com os membros dobrados e próximos ao tronco), algumas vezes estendidos.

Possivelmente, eram descarnados, dada a posição do fêmur, muito próximo ao tórax. É também co­mum esqueletos que têm ador­nos e instrumentos. De Blasis explica que depois de o corpo

ser enterrado havia um banque­te, pois há muitos restos de comi­

da. Isso ocorria na superfície do

PESQUISA FAPESP · HARÇO DE lODO • 47

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sambaqui, onde uma estrutura de madeira marcava o túmulo. Iniciava-se então, possivelmente com um intervalo de tempo, ou­tra fase de deposição de conchas naquela parte do sambaqui, até que esse fosse utilizado novamen­te para sepultamentos. "Na me­dida em que se tem cemitérios coletivos, isso traz indicações so­bre estabilidade regional, com a integração de várias aldeias."

Evidências de epidemia - Outra evidência de densidade demo­gráfica é encontrada pela paleo­patologia. Têm sido encontradas sistematicamente evidências de epidemias, que causaram lesões nos ossos, características de do­enças infecciosas. Essas doenças são típicas de adensamentos hu­manos. "Populações com grande mobilidade territorial e baixa densi-

Sambaquis de Santa Catarina

N

cP • Cabeçuda

Lagoa do lmuarw O laguna

... ...... TUBARÃO

® Carniças

... .. Congonhas

.. ... Mato Alto

R da 5 CO.\gof'"~

.. .. .. Jaboticab;{ras

... Porto Vieiras

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R. TuborÕ 0

Lagoa Comocho

• Garopaba do Sul

• .. • Encantadas ..

'',, .. ,, Laranjais

.. • .. • .& Figueirinhas

IOkm

e Sambaquis grandes à Sambaquis pequenos

dade demográfica são muito mais resistentes a doenças endêmicas. Te­

remos condição de avaliar a de­mografia da região, mas

isso ainda não pode ser feito antes de um es­

tudo cronológico de camadas de vários

sambaquis, para sa­bermos quantos esta­

vam ativos ao mesmo tempo."

8 Há indícios de que, no final do i} ~ período da ocupação, os samba-~ quieiros estavam começando a ter

um controle da alimentação vege­tal: "É provável que tenha come­çado o que é chamado de 'garden agriculture', isto é, os indivíduos acabam por conhecer bem a mata e a trazer mudas para plantá-las próximo da habitação. Começam a aparecer mais cáries, por causa do consumo de carboidratos. Os sambaquieiros clássicos tinham pouca cárie, pois tinham baixo consumo de carboidratos."

"Estamos digerindo as informa­ções coletadas. Cada mês de tra­balho de campo exige seis ou sete meses de trabalho de laboratório. Há trabalhos a sair sobre a indús­tria lítica, óssea e sobre os esquele­tos humanos. Pretendemos trans-

formar o sítio de Jaboticabeira II num canteiro de exploração sistemática. O objetivo passa a ser agora o estu­do dos processos de sepultamento e a própria população esqueletal. Va­mos investir também no estudo de possíveis níveis de hierarquização social dos sepultamentos e estudar as características da própria popula­ção, além fazer a cronoestratigrafia de cada um dos sítios, para poder

A Arqueologia brasileira e os sambaquis Maria Dulce Gaspar, co-coor­

denadora do projeto, lançou re­centemente um livro destinado à divulgação científica, Sambaqui: Arqueologia do Litoral Brasileiro (Jorge Zahar Editor, 2000). Nele pode-se acompanhar a história do desenvolvimento dos estudos ar­queológicos no Brasil referentes aos sambaquis nos últimos 130 anos e também o estágio atual das pesqui­sas da autora sobre sítios no Rio de Janeiro e na área do Projeto Arqueo­lógico Camacho.

No início da arqueologia brasi­leira, no período de 1870 a 1930, o debate foi acalorado entres os que

48 • MARÇO DE 2000 • PESQUISA FAPESP

viam os sambaquis como fenômeno natural e os que os consideravam produto de povos pré-históricos. O livro da arqueóloga cita o fato de D. Pedro II ter acompanhado escava­ções realizadas em São Vicente e as­sistido à retirada de esqueletos de um sambaqui.

Diante das descobertas de mui­tos indícios de atividade humana, a corrente que via os sambaquis como produto da natureza perdeu sua for­ça. De acordo com a autora, a cor­rente "artificialista" - que vê os síti­os como obra de seres humanos -reúne duas vertentes que norteiam as pesquisas até hoje: uma os consi-

dera resultado da acumulação casu­al de restos de comida e, portanto, os vê como local de moradia; e ou­tra, que os vê como construções propositais e, inclusive, devido à existência de muitos sepultamentos, os considera em parte monumentos funerários. Independentemente das características que assumem em cada região, Maria Dulce e os de­mais pesquisadores do projeto con­sideram os sambaquis fruto de um trabalho social ordenado visando à construção de "imponentes marcos paisagísticos':

De acordo com a arqueóloga, até a década de 1950, a pesquisa em

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to de Biociências da USP, que trabalha com a parte de bioantropolo­gia, e Marisa C. Afonso, geoarqueóloga também do MAE/USP, especialis­ta no período Quarter-nário. •

PERFIS:

Esqueleto: sepultamento elaborado e cerimonial Paulo de Blasis: em busca do passado perdido

• PAULO DE BLASIS, 45

anos, pesquisador e pro­fessor de arqueologia e história pré-colonial do Brasil no Museu de Ar­queologia e Etnologia da USP, é graduado em His­tória pela USP, onde fez o mestrado em Antropolo­gia Social e o doutorado em Arqueologia.

compará-los. Os trabalhos até agora desenvolvidos já resultaram em nove artigos: quatro já impressos, dois no prelo e três em gestação."

Os sambaquis foram muito des­truídos até o começo dos anos 80, pois eram minerados para fazer cal. Atualmente acontecem depredações casuais, como a prática de motocross, mas é necessá-

sambaquis cons1st1a de trabalhos pontuais que não permitiam com­preender a ocupação do litoral: "Nessa dé­cada começaram pes­quisas arqueológicas con-sideradas modernas, quando foram obtidas as primeiras datações radiocarbônicas e feitas as primeiras análises sistemáticas dos sítios:'

Renovação -A partir de 1965, a ar­queologia brasileira passou por uma renovação significativa, com a cria­ção do Programa Nacional de Pes­quisa (Pronapa), cujos pesquisado­res dedicaram-se sobretudo aos sítios cerâmicos, e depois com a Missão Franco-Brasileira, instituída

ria vigilância constante para a pre­servação desses monumentos. Além dos dois coordenadores, a equipe do projeto conta com a participação de Paul Fish e Suzanne Fish, arqueólo­gos da Universidade do Arizona, EUA, Levy Figuti, zooarqueólogo do MAE/USP, encarregado da zooar-

queologia do projeto, Sabine Eggers, bióloga do Institu-

em 1973, voltada para o estudo siste­mático de regiões de Minas Gerais e do

Piauí. Segundo Maria Dulce, esses projetas foram

essenciais na estruturação insti­tucional e intelectual dos arqueólo­gos brasileiros, mas os sambaquis fi­caram de certa forma à margem das pesquisas no período.

Os trabalhos realizados até o fi­nal dos anos 80 seguiram um esque­ma de referência, de acordo com as informações presentes no livro: os sambaquis teriam sido ocupados por bandos de coletores de molus­cos e as alterações ambientais causa­das pela mudança no nível do mar e/ou pelo esgotamento dos bancos

•MARIA DULCE GASPAR, 45

anos, arqueóloga do Museu Nacio­nal da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é doutora em Arqueolo­gia pela USP, com pós-doutorado em Arqueologia na Universidade do Arizona, EUA Projeto: Projeto Arqueólogico Cama­cho: Padrões de Assentamento e Forma­ção de Sambaquis em Santa Catarina Investimento: R$ 48.000,00

de moluscos teriam feitos com que se tornassem pescadores.

Entre o final dos anos 80 e início dos anos 90 a arqueologia brasileira passou a sofrer transformações sig­nificativas, graças ao cantata com debates e arqueólogos dos grandes pólos internacionais de pesquisa. Os sambaquis voltaram a receber aten­ção e os próprios sambaquieiros passaram a ser vistos de outra for­ma, não mais como bandos nôma­des de coletores de moluscos: "Bus­ca-se analisar sua complexidade social, a possibilidade da existência de chefes e de especialistas na pro­dução de esculturas de pedra e ossos e destaca-se a grandiosidade dos sítios como resultado de um traba­lho social."

PESQUISA FAPESP · MARÇO OE 2000 • 49

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HUMANIDADES

SOCIOLOGIA

Toma, que o filho é teu

Para homens, reprodução é

"coisa só de mulher"

"Mãe é mãe, pai é pai". Uma frase que reflete o pensa­

mento da maioria dos homens, para quem reprodução e família são "coi­sa de mulher". Ou eram, como indi­cam os resultados da pesquisa Os Homens, esses Desconhecidos: Masculinidade e Reprodução, coordenada pela professo­ra Maria Coleta de Oli­veira, do Núcleo de Es­tudos de População (Nepo), da Univer­sidade Estadual de Campinas, e que con­tou com o apoio fi­nanceiro da FAPESP de R$ 19,9 mil. "O es­tudo aponta mudan­ças sensíveis nas rela­ções homem-mulher e pai-filhos, embora ainda não se configurem em novos modelos", explica a pesquisado-ra. No entanto, uma verdade des­coberta na análise das entrevistas, feitas em 1997, com homens e mu­lheres, é certa e surpreendente: as mulheres é que decidem quando os homens vão ser pais.

"O que moveu nossas indagações era descobrir os motivos pelos quais as mulheres têm tanta dificuldade com os homens", diz Coleta. "Mas quase tudo o que se escrevia sobre reprodução humana centrava-se apenas na figura feminina, o que deixava os homens de lado, como se esses não participassem do proces­so", completa a professora. Os pes­quisadores queriam entender de que forma o sexo masculino via seus di-

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reitos e obrigações paternais. "É co­mum entre eles a visão de que a ma­ternidade é parte da natureza das mulheres, cabendo aos homens o papel de fecundadores de plantão, prontos a engravidá-las quando elas o desejarem", comenta a pesquisa­dora. E as experiências do passado tampouco os ajudam a ado-

tar uma postura mais igualitária na estruturação da família.

"Os homens, em geral, ressen­tem-se da relação com os próprios pais, classificados como ausentes e autoritários, e vêem a paternidade como um fardo excessivo, na medi­da em que se exigem ser pais melho­res do que aqueles que tiveram", analisa a psicóloga e psiquiatra Mal­vina Ester Muszkat, também envol­vida no estudo. "Assim, embora re­conheçam a sobrecarga de trabalho e responsabilidade colocada sobre as

mulheres, os homens relutam em aceitar o modelo igualitário, que acreditam ser extremamente exigen­te", diz Malvina. "Há, no entanto, que se considerar a ruptura severa que ocorre no ciclo vital masculino por causa da reprodução, que os obriga a passar do estágio filial para o familiar ou parental, quando, num casal, entram em colisão a diferença entre sexos e culturas, fazendo sur­gir novos conflitos e reaparecer ou­tros, que se julgavam resolvidos", observa a psicóloga. Uma ilustração desse fato foi verificada ao longo do

estudo: das 16 mulheres descasadas entrevistadas, nove se separaram logo após o nascimento do primeiro filho. Mais: ao pesquisarem indiví­duos na faixa dos 18 aos 24 anos, os professores tiveram dificuldades em encontrar homens casados para en­trevistar. "Eles mudam de estado ci­vil em média aos 27 anos e, mesmo tendo relações fixas, muitos prefe­rem continuar a morar com os pais", conta a socióloga Elisabete Dória Bilac, outra das pesquisadoras da equipe coordenada por Maria Coleta.

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Já na faixa entre os 40 e 59 anos, os homens quase sempre admitem a possibilidade de assumir o papel de pai-amigo-companheiro, mas pou­co o exercitam de verdade. A boa nova foi encontrada no grupo entre 25 e 39 anos, para o qual esse papel é um padrão. Alguns dos depoimen­tos chegaram a ser emocionados: "Ou você tem presença ou não é pai", afirmou um dos entrevistados; "A paternidade só se define com a presença", sentenciou outro. Nem sempre, porém, desejo e realidade se misturam.

Vários dos "super pais" queixa­ram-se, por exemplo, de que, quan­do o filho chorava, corriam para atendê­lo, zelosos. Apenas para ouvir do pimpo­lho de olhos mareja­dos: "Quero a mamãe". "Esses homens de­monstram um maior reconhecimento sobre a importância da ativi­dade familiar de suas companheiras, até mes­mo porque, como ob­serva V. Manninem, uma das mais impor­tantes e mais consci­entes manifestações do ideal de masculini­dade é o desejo de ser

vez mais envolvidos nessas questões: embora confessem que consideram a pílula o método anticoncepcional ideal, assumem as queixas das mu­lheres dos sintomas colaterais inde­sejáveis", conta. Logo, prefere-se o uso do preservativo (também em função da Aids) associado ao méto­do do ritmo ou tabelinha.

O aborto é prática comum, em especial entre os homens mais ve­lhos. "O aborto foi e ainda é adota­do amplamente no início dos rela­cionamentos; na geração mais velha, no entanto, ele foi utilizado ao lon­go da vida conjugal, como forma de adiar ou espaçar o nascimento dos

capaz de oferecer, à Maria Coleta (centro) com Malvina (à esquerda) e Elisabeth

parceira que se esco-lheu, perfeita satisfação", lembra Malvina. Para quem, no entanto, ainda não há uma resposta conclusi­va para a célebre pergunta: para que servem os pais? "Ainda assim, o lu­gar do pai existirá sempre que hou­ver uma mulher para legitimar esse lugar e um filho capaz de identifi­car-se com ele", completa.

A pesquisa trouxe igualmente desdobramentos interessantes rela­cionados com métodos anticoncep­cionais e aborto. "Eles têm uma con­cepção naturalizada dos gêneros, fonte da idéia de que a reprodução e a anticoncepção são assuntos e res­ponsabilidades femininos", nota Co­leta. "Ainda assim, eles estão cada

filhos", fala Coleta. "Os mais jovens recorrem bem menos ao aborto, embora sua utilização ainda conti­nue em uma intensidade notável e surpreendente", observa a pesqui­sadora.

Há, porém, um obstáculo forte quando o peso da anticoncepção re­cai sobre os ombros masculinos, em especial a vasectomia. "Como os ho­mens assumem um papel de fecun­dadores de plantão, sentem-se te­merosos de não poder, uma vez esterilizados, satisfazer no futuro os desejos de maternidade de suas par­ceiras, eventualmente mais jovens", nota a professora. Assim, Coleta acredita que, apesar de algumas mu-

danças ocorridas nos últimos anos, os novos modelos de participação masculina na reprodução e na estru­turação da família ainda não estão configurados de maneira desejável. "O que se vê é um processo de expe­rimentação constante, muitas vezes dolorosa, em que homens e suas companheiras tentam compatibili­zar valores e expectativas", conclui a pesquisadora.

E as novas gerações constituem família incluindo em sua agenda de casal a perspectiva da separação e do divórcio. "As relações afetivas são vistas como eventualmente efême­ras", nota Coleta. Por fim, uma cons­

PERFIL:

tatação algo desola­dora. "Há todo um discurso sobre a im­portância da mulher no mercado de traba­lho, mas a situação dentro de casa não mudou e a pergunta que nos guiou ao lon­go da pesquisa era: 'As mulheres estão parti­cipando mais da pro­dução, mas os homens estão participando mais da reprodução?"', ques­tiona Coleta. Apesar das muitas mudanças e avanços, para a maw­ria dos homens, pai é pai, mãe é mãe. •

• MARIA COLETA FERREIRA ALBINO DE OLIVEIRA é graduada em Ciên­cias Políticas e Sociais pela Pontifí­cia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro. Fez o mestrado e o doutorado em Ciências Sociais na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universida­de de São Paulo. É professora no Departamento de Antropologia da Unicamp e coordenadora do Nú­cleo de Estudos de População des­sa universidade. Projeto: Os Homens, esses Desconhe­cidos: Masculinidade e Reprodução Investimento: R$ 19.901,00

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CLÁUDIO GRADILONE

Oportuno debate sobre a globalização Livro discute os efeitos do fenômeno sobre os países emergentes

Aglobalização é um fenômeno bem conhe­cido e discutido até em excesso. O fim das fronteiras, o fim dos Estados nacionais, a

supremacia do mercado em relação às políticas econômicas estatais, tudo isso já foi suficiente­mente comentado. Em alguns fóruns, o debate não admite sequer uma alternativa à globalização: o mundo "moderno" (globalizado) se contrapõe ao mundo "arcaico", que rejeita a globalização.

Porém, os entusiastas da globalização freqüen­temente esquecem sua contrapar­tida: a criação de um caldo de cul­tura fértil para o recrudescimento de movimentos que pareciam se­pultados após a II Guerra Mundial. A resposta de uma crescente parce­la da economia e da população mundial à supremacia da globali­zação é a volta de movimentos co­mo o nacionalismo, a xenofobia, o fundamentalismo religioso e até as políticas de limpeza étnica.

As mudanças provocadas pela globalização são primordialmente econômicas, mas não se restringem à economia. O fenômeno afeta também a sociedade, a política e a cultura. Para discutir o tema, a Universidade Estadual Paulista (Unesp) realizou, em setembro de 1995, um seminário internacio­nal. Agora, em conjunto com a FAPESP, a Editora da Unesp editou as palestras no livro Globaliza­ção, Regionalização e Nacionalismo, organizado por Flávia Arlanch Martins de Oliveira.

Nos 13 capítulos, os palestrantes discutem des­de as mudanças teóricas sociais e econômicas de­correntes dos recentes processos de integração mundial até seus efeitos sobre zonas econômicas tão distintas quanto a África e o Mercosul. Entre os destaques está o artigo inicial A Era do Globa­lismo, do sociólogo Octávio Ianni, uma participa­ção de fôlego que discute em profundidade os efeitos da integração global dos mercados.

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Um dos aspectos mais discutidos é o impacto das mudanças tecnológicas nos países em desenvolvi­mento. Talvez a face mais visível da nova divisão internacional do trabalho, a posse do conhecimen­to técnico define com crescente nitidez o recorte da exclusão econôrnica, seja em um país, um continen­te ou de forma global. Quatro das treze palestras que formam o livro discutem esse tema, com espe­cial destaque para as do economista Luciano Cou­tinho, do historiador Jacob Gorender e de Jean Loj-

kine, diretor do Centre d'Études des Mouvements Sociaux, na França.

Os quatro últimos capítulos dis­cutem os efeitos das mudanças tecno­lógicas e geopolíticas em seu lado mais fraco: os países emergentes. Um desses efeitos, talvez o mais perver­so, seja a geração de um desempre­go estrutural em níveis elevados em economias que não possuem nenhu­ma estrutura organizada de bem-es­tar social e proteção. Por conta desse

. lado sombrio da globalização, nas­cem as principais reações sociais. Não por acaso, a Europa do euro, do fim das fronteiras nacionais e da Comu­nidade é o mesmo continente que abriga o nacionalismo sérvio e avio­

lenta guerra civil que devastou a antiga Iugoslávia. Duas palestras tratam do exemplo de globali­

zação mais próximo do Brasil: o Mercosul. Clodo­aldo Bueno, da Unesp de Assis, discute brevemen­te, mas com bastante pertinência, as dificuldades da inserção do Brasil no novo mercado comum. Segundo o palestrante, o País precisa adotar uma atitude mais realista nas negociações para definir os limites do novo bloco comercial. Caso contrá­rio, a iniciativa de unificar em termos comerciais os países do Cone Sul pode vir a sofrer um pro­fundo e grave esvaziamento.

CLAUDIO GRADILONE é jornalista.

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A Expressão e a Emoção no Homem e nos Animais

Quando um ex-ministro referiu-se à sua cadela como sendo "um ser humano" poderia, se usasse melhor a cabeça, ter invocado este livro de Charles Darwin para melhorar o seu argumento. O último dos estudos publicados pelo naturalista pretende demonstrar que

os animais têm emoções como os homens, de raiva, medo, ciúme, todas manifestadas por meio das expressões. Mais: Darwin defende que algumas de nossas expressões são remanescentes de antepassados comuns aos seres humanos e os outros animais. Um lançamento da Companhia das Letras, 376 páginas.

Regras para o Parque Humano

Com o subtítulo de "Uma resposta à carta de Heidegger sobre o Humanismo", este é o livro polêmico de Peter Sloterdijk, em edição da Estação Liberdade ( 64 págs.) que trata do destino dos homens em plena era da bioengenharia, pondo em questão

a sobrevivência dos valores humanistas no futuro. O desenvolvimento trará uma reforma genética do ser humano? Teremos, um homem cujas características serão milimetricamente planejadas? Essas e outras questões fundamentais e até certo ponto atemorizantes estão presentes nesta pequena obra de grandes idéias.

Hiperespaço

Escrito por Michio Kaku, professor de Física do City College, de Nova York, essa "Odisséia Científica através de Universos Paralelos, Empenamentos do Tempo e a Décima Dimensão" (Rocco, 384 págs.) defende a possibilidade de uma teoria unificadora

de todas as forças conhecidas, uma "teoria do tudo" que ligue a relatividade einsteniana e a teoria quântica. Muitos especialistas torcem o nariz para as explicações de Kaku, que afirma as leis da natureza se simplificarem e precisarem ao serem descritas em um número maior de dimensões. Paranóia, mistificação? Decida.

REVISTAS

Química Nova

Este volume 23, número 1 (Janeiro/Fevereiro) do órgão de divulgação da Sociedade Brasileira de Química, financiado pela FAPESP, traz em sua capa a utilização do Diagrama de Veen exibindo as relações conceituais entre as principais teorias ácido-base

do século 20 (Arrhenius, Lux, sistemas solventes, etc). A partir daí, o professor Aécio Pereira Chagas, da Unicamp, discute aspectos históricos e filosóficos no ensino da Química atualmente. Outro dos artigos presentes neste tomo é: A Química Medicinal na Próxima Década, de Celso Montanari.

Jornal Brasileiro de Patologia

Este é o volume 35, número 4 (Outubro/Novembro/ Dezembro) da publicação conjunta da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica (SBPC), da Socidade Brasileira de Patologia (SBP) e da Sociedade Brasileira de

Citopatologia (SBC). Seguindo o objetivo central proposto pelos editores da revista, de divulgar o desen­volvimento eientífico e tecnológico das especializações de patologia, este tomo traz, entre vários artigos: A Inibina-A no Soro Materno no Segundo Trimestre Gestacional; Um Novo Marcador Bioquímico da Síndrome de Down; Leveduras do Gênero Candida na Cavidade Bucal; Técnica do Etest, etc

Palavra

A bela revista fundada por Ziraldo atualmente editada por José Eduardo Gonçalves, chega agora ao seu número 11 do primeiro ano de circulação. Uma vitória comemorada com artigos inteligentes e bem escritos sobre arte, comportamento, cultura

e idéias. Entre esses: uma entrevista com o dramaturgo Augusto Boal; um artigo sobre a retomada da obra de Lúcio Cardoso e uma conyersa descontraída e frutífera com o letrista e escritor Hermínio Bello de Carvalho.

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'E FINA ~I

RONALDO

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ESPECIAL

O futuro da genômica no Brasil

Demonstrada a expertise dos paulistas, abrem-se novas chances para a pesquisa de genoma no país

R~alizado e larga~ente reconhecido o feit? p~u­hsta de seqüenCiar completamente o pnme1ro genoma de um fitopatógeno, o momento se apresenta fecundo para reflexões sobre o futuro

da genômica no Brasil, contra o pano de fundo mais amplo do futuro da pesquisa científica neste país. E são reflexões nesse sentido que emergem dos textos reunidos neste en­carte especial, mesmo quando, para traçar essas antevisões, as palavras esquadrinham muita coisa do passado recente e remoto do panorama da pesquisa brasileira - detendo­se no que significa São Paulo ter feito o projeto da Xylella ou nos esforços nacionais de acumulação de competên­cia científica que floresceram, por exemplo, nesse projeto.

O encarte reúne entrevistas do pesquisador George Simpson, coordenador de DNA do projeto Genoma Xylella fastidiosa, do pesquisador belga André Goffeau, membro do comitê consultivo externo do projeto, e do físico José Fernando Perez, diretor científico da FAPESP; a transcrição dos discursos do governador paulista Má-

PESQUISA FAPESP

rio Covas e do Ministro da Ciência e Tecnologia, Ronal­do Mota Sardemberg, proferidos durante a bela festa ofe­recida pelo governo estadual aos pesquisadores da Xylella, em 21 de fevereiro passado; e um artigo do professor Carlos Henrique de Brito Cruz, presidente da FAPESP, originalmente publicado na Folha de São Paulo, de 22 de fevereiro e, gentilmente cedido pelo jornal para publica­ção neste encarte (por razões de espaço, fizemos alguns cortes na versão original).

As visões apresentadas nesses textos são diferentes, multifacetadas e, em alguns pontos- especialmente na­queles que tratam do que deve ser feito daqui por diante para que o país consolide a posição de destaque que con­quistou na pesquisa internacional de genômica -, franca­mente divergentes. E é natural que assim seja. Como bem diz o professor Perez, quando se olha do alto de um mor­ro uma paisagem totalmente aberta, as visões são múlti­plas. Daí, o desafio passa a ser precisamente definir qual o melhor caminho a tomar.

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CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ

Boa Ciência no Brasil

Aconclusão do primeiro Projeto Genoma organiza­do pela FAPESP para determinar o código genéti­co da bactéria Xylella fastidiosa representa uma

das grandes realizações da Ciência e da Tecnologia ( C&T) no Brasil. Demonstra a capacitação científica desenvolvi­da em São Paulo e sinaliza o domí-nio de tecnologias essenciais ao

durante décadas houve apoio do governo federal, principal­mente na forma de bolsas de estudo na pós-graduação, para a formação dos cientistas que hoje lideram e tocam o dia-a-dia do projeto. Sua maioria esmagadora formou-se e trabalha em universidades públicas, estaduais ou federais, e é auxi-

liada por um exército de pós-gra­duandos, muitos deles bolsistas de

desenvolvimento econômico e so­cial, num setor da economia que responde por milhares de empre­gos e por faturamento anual supe­rior a US$ 4 bilhões para este esta­do. A bactéria causa a praga do "amarelinho", que danifica laran­jais inteiros. A determinação do genoma da Xylella disponibiliza conhecimentos que poderão ser usados para a identificação de me­canismos de controle da praga.

''o resultado destaca o papel

i nsu bstitu ível

agências federais. Seria uma ilusão perigosa para a C&T em São Paulo crer que o sistema paulista possa fun­cionar exclusivamente com os re­cursos proporcionados pelo contri­buinte paulista através da FAPESP.

e essencial do Estado no desenvolvimento

científico''

Por outro lado, a FAPESP pôde realizar o projeto por dispor de re­cursos para custeio de projetas de pesquisa, o que envolve outras des­pesas e investimentos além de bolsas

Esta realização mostra que a ciência brasileira se tem desenvolvido ao longo dos últi­mos 50 anos, devido ao apoio do Estado. O papel do se­tor privado no desenvolvimento científico e tecnológico brasileiro ainda é mínimo, ao contrário do que ocorre nos países desenvolvidos e em outros .que são competido­res agressivos, caso da Coréia do Sul.

É papel essencial e inalienável do Estado apoiar o de­senvolvimento científico e criar as condições para que haja desenvolvimento tecnológico, este realizado por empre­sas. Mas o apoio do Estado à C&T no Brasil tem sido mar­cado por defeitos e erros. Os recursos hoje destinados ao setor, especialmente pelo governo federal, são insuficientes. Ainda assim, é o apoio estatal que explica por que a produ­ção de artigos científicos originados no país quintuplicou de 1985 a 1999, ou como nossos cursos de pós-graduação chegaram, em 1998, a formar mais de 4 mil doutores.

Duas são as razões fundamentais por que ciência no Brasil deve ser ainda mais apoiada pelo Estado: porque há pesquisadores excelentes e porque mais ciência será bom para o desenvolvimento do país. Para isto, é preciso que a empresa no Brasil possa se apropriar desse conhecimen­to, tornando-se mais competitiva e gerando riqueza e empregos. Isto só acontecerá se ela valorizar o conheci­mento, empregando cientistas e engenheiros voltados às atividades de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D).

O Projeto Genoma em São Paulo é um resultado do apoio estatal à C&T. Mesmo que tenha sido estabelecido pela FAPESP, uma agência estadual, só foi possível fazê-lo porque

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de estudo. A FAPESP soube reconhe­cer que havia uma capacidade ins­

talada e encontrou um problema cientificamente avançado e desafiador, que facilmente envolveu a comunidade cien­tífica. Houve no setor empresarial inusitado interesse.

O sucesso do Projeto Genoma FAPESP destaca que há boa ciência sendo feita no Brasil exatamente quando se inicia uma era na qual o desenvolvimento da economia e do homem será baseado em conhecimento. O resultado des­taca o papel éssencial e insubstituível do Estado no desen­volvimento científico. Mas somente com o envolvimento empresarial como elemento determinante no desenvolvi­mento tecnológico haverá qualquer chance de competiti­vidade para o Brasil. Aliás, tecnologia para a competitivi­dade não se compra, se faz, ao contrário do que pensam nossos planejadores econômicos. É bom lembrar o dizer de Lord Rutherford, citado no documento "Ciência e Pes­quisa" que foi, em 1947, a base conceituai para a criação da FAPESP: "A ciência está destinada a desempenhar um papel cada vez mais preponderante na produção indus­trial. E as nações que deixarem de entender essa lição hão inevitavelmente de ser relegadas à posição de nações es­cravas: cortadoras de lenha e carregadoras de água para os povos mais esclarecidos': Qual das duas queremos ser?

CARLOS H ENRIQUE DE BRITO C RUZ É PROFESSOR TITULAR E DIRETOR

DO INSTITUTO DE F!SICA G LEB W ATAGHIN, DA U NICAMP, E PRESIDENTE

DA FAPESP

A versão original deste artigo foi publicada na Folha de São Paulo de 22/02/2000

PESQUISA FAPESP

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Dificuldades superadas pela coragen1 de arriscar

O doutor Andrew Simpson, um amável e firme inglês de 45 anos, começou a

chegar ao Brasil há 11 anos. Parece estranho, mas começou é exatamente o termo que se aplica ao caso, porque, a princípio, ele veio duas

ô • Como o senhor se sentiu sendo pu­~ blicamente homenageado pelo gover­ª no paulista, em razão do sucesso do § projeto da Xylella? < I:

ou três vezes, para desenvolver alguns trabalhos temporários Andrew Simpson

-Ninguém imaginava ser recebi­do com tanta cerimônia, e obvia­mente não há nada melhor do quer ser publicamente reconhecido. Em alguns momentos, ao longo do pro­jeto, pensei que não haveria qual­quer comemoração, porque sempre trabalhamos com uma preocupa­de pesquisa e mantinha seu

vínculo institucional com o National lnstitute for Medical Research, em Londres. Na última dessas viagens, na véspera de seu retorno, muito triste ante a perspectiva de deixar o país, colocou-se diante de uma questão existencial crucial: "por que tenho que voltar?" Uma noite inteira de debate íntimo, solitário, levou-o na manhã seguinte à decisão que imediatamente comunicou a seus perplexos colegas ingleses e que transformaria a sua vida: permaneceria no Brasil. Foi uma escolha feliz para a pesquisa brasileira e absolutamente compreensível partindo de uma pessoa que, ao lembrar dos passos iniciais para o desenvolvimento do projeto da Xy/e//a diz: "aposto que foi o projeto de sequenciamento de genoma que começou pior preparado no mundo", para acrescentar mais adiante: "quem quer chegar longe na vida não faz somente as coisas que são garantidas". Na entrevista concedida a Pesquisa FAPESP, Simpson, pesquisador do Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer e coordenador de DNA do projeto Genoma da Xy/e//a fastidiosa, falou detalhadamente das dificuldades enfrentadas e superadas ao longo de sua execução. Abordou a importância científica do projeto e, de passagem, falou das possibilidades comerciais que ele abre.

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ção: "será que a gente vai conseguir?". Pessoalmente, é uma coisa maravilhosa.

• Alguma vez o senhor imaginou esse tipo de grande home­nagem? Suponho que quando alguém começa uma carreira científica com garra se imagina recebendo um Nobel em al­gum momento.

- É claro. Qualquer jovem entrando em qualquer pro­fissão deve sonhar. Se começa no esporte, deve se ima­ginar recebendo a Copa do Mundo ou o prêmio mun­dial de Fórmula 1. Não há nada de errado em estimular a ambição das pessoas. Às vezes, temos de acordar às cinco da manhã para trabalhar e precisamos de um so­nho. Por outro lado, não acreditamos muito que esse re­conhecimento um dia chegue. Nossa festa não foi um Nobel, foi muito mais importante porque foi uma afir­mação de uma nação, da importância da Ciência. O prê­mio é o reconhecimento ao papel da Ciência no desen­volvimento do país.

• O senhor sentiu que enfrentaria desafios maiores no Brasil do que na Inglaterra, devido à diferença de maturidade da pesquisa nos dois países?

- No início, verifiquei que tudo aqui é um desafio. Até as coisas mais simples são mais difíceis de executar, mas senti muito entusiasmo dos pesquisadores para resolver os problemas. Nunca pensei que este país iria me oferecer a oportunidade de coordenar um projeto dessa magnitu­de, que é extremamente rara em qualquer país.

• Existe uma grande expectativa em relação às aplicações deste projeto. Ainda se está longe de intervir sobre a patoge­nicidade da Xylella?

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- Sim. No começo dos anos 80, foi descoberta a Aids. Em poucos meses, foi identificado o vírus HIV, que cau­sa a doença. Depois, foi feita a seqüência inteira do vírus, um ser simples, com meia dúzia de genes. Vinte anos mais tarde, ainda não temos nada que permita a cura de­finitiva. É errado pensar que apenas o conhecimento do genoma de um organismo leva imediatamente a qual­quer intervenção ou cura. O importante é que o Brasil é suficientemente maduro e sofisticado para contemplar essa abordagem para o problema conhecido como "amarelinho': É muito sofisticado procurar conhecimento e fazer ciên­cia como uma ferramenta para re-solver problemas. Esse projeto, a

tenção de seqüenciar tudo. Quando se faz um shot-gun, em princípio só se seqüenciam as extremidades e, em cer­tos casos, quando é inevitável, se seqüencia tudo, uma, duas, três ou quatro cabeças (reads) de plasmídeos. Senão, é muito trabalho para pouco resultado.

• Tudo aquilo que está sendo usado internacionalmen­te para seqüenciamento genético foi usado no projeto da Xylella ou alguma técnica mais nova ficou fora?

- Uma técnica bastante utilizada em genomas grandes, que não utilizamos, foi a dos BACs ( Cromossomos Artificiais da Bacté­

meu ver, reflete o amadurecimen­to da nossa comunidade. O Estado também tem de ser suficientemen­te maduro para entender que essas descobertas não levam a uma solu­ção imediata. Vai levar a uma solu­ção e permitir a aplicação das fer­ramentas da biotecnologia, mas não podemos esperar uma solução para amanhã. O problema é com­plexo e leva mais anos de pesquisa.

''o prêmio dado pelo governo é o reconheci menta

ria), um pouco antiga. Ela é a base do projeto Genoma Humano e de ou­tros projetos.

Especificamente, o que foi difícil nes­se projeto?

ao papel da Ciência no desenvolvimento

do país''

-Houve dificuldades a cada mo­mento. Primeiro, foi difícil decidir qual organismo seqüenciar. Levou muito tempo. Foi difícil escolher

• Gostaria que o senhor comentasse as técnicas que foram utilizadas no Brasil pela primeira vez num projeto de seqüenciamento que jamais havia sido feito.

- Seqüenciamento em si é uma ferramenta básica da bio­logia molecular que tem sido bastante utilizada no Brasil, mas para seqüenciar um gene, um plasmídeo ou um tre­cho pequeno, com um objetivo específico. A novidade é se­qüenciar um genoma. É muito mais do que um aumen­to quantitativo. É uma mudança fundamental porque se tem de seqüenciar uma coisa completa. Não pode haver buraco e é preciso pegar e anotar e decidir o que é o quê. No início, seguimos um caminho que foi ótimo para a apren­dizagem e certamente garantiu, no final, um projeto mui­to bom, mas não é exatamente o que as pessoas fariam para seqüenciar um genoma, que são os cosmídeos (grandes pedaços clonados de genomas). Depois, complementamos com outras abordagens, como as bibliotecas de lâmbda, que são pedaços grandes de genoma, não tão grandes quanto os cosmídeos. No final fizemos bastante shot-gun sequency, o arroz-com-feijão do seqüenciamento, e coisas complexas, como o PCR (reação de polimerase em cadeia).

• Quando se fala em plasmídeo e cosmídeo, a diferença é basicamente de tamanho?

- Sim. Usamos fragmentos de SOO a 5 mil nucleotídeos, enquanto o plasmídeo tem 40 mil nucleotídeos. A dife­rença é que quando se seqüencia um cosmídeo se tem a in-

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os laboratórios, dos 100 inscritos apenas 35 foram escolhidos. Foi

também muito difícil aprender a lidar com os equipamen­tos, ninguém tinha muita experiência e até erramos ao usar dois tipos de seqüenciadores, apenas um teria sido melhor. Então, não houve só dificuldades, houve erros, também. Depois disso, a logística para importar, instalar e treinar todo mundo para usar as máquinas foi um pro­blema enorme. Havia experiência em montar centros de pesquisa, não ·em espalhar aparelhos em muitos lugares. Mas as equipes administrativas da FAPESP e do Instituto Ludwig conseguiram superar rapidamente as dificulda­des, com muito trabalho e muito empenho.

• E na parte científica, propriamente?

- Quando começamos, ninguém conhecia a bactéria. Aposto que esse foi um projeto de seqüenciamento de ge­noma que começou pior preparado do que qualquer ou­tro na história do mundo. Porque havia um coordenador que nunca seqüenciara um genoma, não trabalhara com bactéria e sequer sabia o que era a Xylella fastidiosa. Ha­via um coordenador de informática que nunca havia lidado com um projeto de DNA na vida e uma equipe es­palhada por todo o Estado de São Paulo. Nenhum pes­quisador havia seqüencionado nada e vários não sabiam quase nada de biologia molecular. Pior: ninguém no es­tado tinha a bactéria viva, muito menos DNA, muito me­nos ainda a biblioteca de DNA. Começamos sem qual­quer evidência de que o trabalho iria funcionar.

PESQUISA FAPESP

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• Como fizeram?

-Arrumamos a bactéria rapidamente. O que nos deu a confiança para iniciar o trabalho foi a promessa do pro­fessor José Bové (do Centro Nacional de Pesquisa Científica, da França) de fornecer a bactéria e o DNA que fosse necessário. E ele fez isso. No final, Marcos Machado, do Instituto Agronômico de Campinas, deu todo o DNA que eu logo usei no projeto. Esse não foi um problema, mas uma grande dificuldade, porque anunciamos que iríamos fazer uma coisa sem condições para fazer.

sérios conflitos, quando se dizia "preciso disso para hoje" e como resposta se ouvia "mas não pode':

• A burocracia emperrou?

-Apesar de toda agilidade e qualidade, a FAPESP, correta­mente, tem um sistema de checking and balances que não é muito ágil. A dificuldade da importação de reagentes e os processos de alfândega complicam a pesquisa. Já com as pes­soas, não tive dificuldade nenhuma. Dado o tamanho do grupo, houve muito poucos conflitos. Não tive nenhum

problema com a qualidade científi­ca da equipe, de altíssimo nível. O • O senhor não achou que tudo era

uma loucura de brasileiro?

-Não. Foi confiança na habilida­de da comunidade de executar qualquer tarefa dada. Não há nada de loucura. Na vida, temos de ar­riscar. Quem quer chegar longe na vida não faz somente as coisas que são garantidas. Mas confesso que, quando saiu o anúncio de que a gente ia fazer esse projeto, sem DNA e sem bactéria, deu uma cer-

''o Estado deve ser maduro para

entender que essas descobertas não

levam a uma solução imediata''

projeto é que é complexo. Tudo o que estávamos fazendo era inédito.

• Um dos momentos mais desafian­tes foi vencer os gaps que restavam e concluir o genoma da Xylella, não?

- Foi a parte mais difícil do ge­noma, que ficou mais difícil ainda para nós por dois motivos. Primei­ro, eu não tinha a menor idéia de

ta ansiedade. Aí, decidi levar o projeto a sério, porque se não saísse iriam dizer que a idéia era boa, mas o coordenador era incompetente. Eu nunca tinha organizado um grupo desse tipo e não sabia como fazer. No final, quase não sei como fiz. Foi aconte­cendo no calor das coisas.

• Antes da Xylella, o senhor tinha coordenado grupos de quantas pessoas?

-Acho que o máximo foi tentar reunir minha família e ir para a praia, mas tenho de confessar que não consegui fazer muito bem ... Na área científica, coordenei só um la­boratório com meia dúzia de pessoas e não trabalhando em grupo. Normalmente, cada projeto tinha dois ou três pesquisadores envolvidos. Mas outra dificuldade no pro­jeto da Xylella foi ter muita gente dependendo da rede de informática, que no início era precária. Houve dificulda­des para transmissão e muitos não tiveram uma ligação adequada à Internet. Eu mesmo não tive, pois ainda esta­va usando modem, que é totalmente inadequado para esse tipo de trabalho. Por estar fora da rede, eu tinha de ligar o telefone para saber se alguém havia seqüenciado algo naquele dia. A distância era uma dificuldade. A FAPESP havia assumido um projeto que precisava de agilidade e muito dinheiro para ser gasto num curto período de tem­po e não sabíamos realmente como fazer. Uma equipe peque­na trabalhou muito para enquadrar as regras da FAPESP dentro da necessidade do projeto. Tivemos momentos de

PESQUISA FAPESP

como fazer. Nunca havia feito e os papers não contam exatamente co­

mo fazer. Era preciso inventar uma solução. Segundo, tínha­mos muito pouca informação sobre o genoma da Xylella antes de começar o seqüenciamento. Não sabíamos se­quer o tamanho dos gaps, porque não sabíamos o tama­nho total do genoma (2,7 milhões de pares de bases). Esse é um problema comum em projetas desse tipo, que acumu­lam muitos dados. Uma porção dos dados não está cor­reta e deve ser excluída. Às vezes faltam dados, mas não se sabe quanto e onde. Ou há dados repetidos que não de­vem ser repetidos ou mesmo que devem ser repetidos, mas não se sabe isso. É um enorme quebra-cabeça. Mas o que me agrada muito são esses pontos finais, o dose, a anotation e o ato de escrever o paper, que também conse­guimos fazer em grupo. Um ano atrás, quando já havía­mos completado os cosmídeos, minha idéia era que os coordenadores fechassem os problemas e escrevessem o paper, mas rapidamente vi que isso teria sido um enorme erro. Primeiro, porque tenho um grupo pequeno aqui no Ludwig, e demoraria um tempo tremendo. É um perigo em termos de dinâmica de grupo concentrar em poucos os esforços de muitos. Inevitavelmente, muitos começariam a cobrar. Segundo, porque para acelerar essa parte final tive de envolver mais pessoas. Todo mundo se conheceu e entrou com sua cabeça no problema. Foi muito agradá­vel. A idéia sempre foi que todo mundo participasse da anotation, mas funcionou muito bem com várias pessoas assumindo áreas que às vezes não eram de conhecimento delas, mas aprenderam e fizeram um excelente trabalho.

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Page 62: A festa da Xylella

• Dr. Simpson, para nossos leitores não biólogos, daria para lembrar novamente o que é anotation?

- Anotation é o trabalho de identificar um pedaço da se­qüência do genoma que representa um gene, que codifi­ca uma proteína e, em seguida, decidir qual tipo de pro­teína é e qual sua função. Desse modo, descobrimos as prováveis funções biológicas da bactéria com a interpre­tação das seqüências do genoma.

• Existe algum conjunto de gene em processo de patentea­mento?

tratégico para o Brasil. Esse trabalho demonstra que a sociedade pode contar conosco. O fato de o projeto ter sido financiado mostra que, se a gente trabalha bem, há lugar para a ciência no Brasil. Nunca tive dúvidas, e no mundo inteiro também não há muita discussão, sobre a qualidade do cientista brasileiro. Temos uma comunida­de de pessoas jovens, inteligentes e motivadas que ainda estão optando por fazer ciência. A surpresa, se houve, foi o Brasil colocar US$ 12 milhões num projeto científico. Essa decisão implica coragem, investimento e visão es­tratégica- agora, sabemos que existem. O complemento

já sabíamos que existia: é o talen­to científico.

- Sim. São genes que achamos que podem ter alguma relação com a clorose variegada dos ci­tros ou algum valor comercial. In­dependentemente disso, estamos fazendo o pedido de patente. Es­tamos pedindo primeiro nos Esta­dos Unidos.

• Como o senhor situaria o Brasil no quadro internacional da pesqui­sa em genômica a partir do projeto da Xylella?

''Podemos criar uma capacidade de serviços ou de comércio

internacional de tecnologias''

• Qual é a importância económica do projeto para o País?

-A importância econômica po­tencial desse projeto apresenta dois aspectos. Um é o domínio do co­nhecimento sobre genomas e sua aplicação em agricultura, medici­na e meio ambiente. É uma ma­neira de agregar valores a esses

-O Brasil torna-se um país participante. Já estávamos participando, porque há projetas genoma cooperativos, principalmente de parasitas, que contam com grupos brasileiros. Hoje não é mais notícia o seqüenciamento de uma bactéria, que já foi feito dezenas de vezes, mas em poucos países. Essa certamente é uma condição sine qua non para demonstrar que o Brasil é um país onde a genômica está sendo feita. Esse trabalho, na comunida­de de especialistas em patógenos de planta, é muito bem visto. Estamos, sim, numa posição de liderança, mas a Xylella por si não é de grande importância. O fato de o projeto ter sido feito em um país do Mercosul vai cha­mar um pouco a atenção, mas não tanto. Seria notícia muito maior se Angola tivesse realizado um feito desse. Não creio que seja visto com tanta surpresa o fato de o Brasil tê-lo feito. Trata-se de um processo de desenvol­vimento natural de nossa comunidade científica, que já publica bastante em revistas internacionais.

• E qual é o impacto na comunidade científica brasileira?

- O astral dos participantes é excelente. Dá uma grande confiança à comunidade científica saber que a sociedade como um todo está nos apoiando, dando os recursos ne­cessários e a infra-estrutura suficiente para realizar pro­jetas de maior porte, comemorando junto quando temos sucesso e percebendo que ciência faz parte do plano es-

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setores e de ajudá-los a se desen­volver. Torna-se possível monito­

rar melhor a pureza genética dos animais ou realizar testes genéticos em humanos, por exemplo. O outro as­pecto é que a tecnologia por si é uma semente de uma nova vertente comercial, que é a própria biotecnologia. Hoje se pode pensar em criar uma capacidade de servi­ços ou de comércio internacional de tecnologias. Fora do Brasil já há interesse em alugar a ONSA (Organiza­ção para Seqüenciamento e Análises de Nucleotídeos), que chamou atenção também de indústrias brasileiras.

• Na medida em que o Brasil é um país rico em biodiversi­dade, esse conhecimento se torna mais estratégico, não?

- Certamente. Vamos ver como tudo se desenvolve, mas possivelmente se pode contemplar, com grande êxito, a aplicação de genomas em biodiversidade de plantas ou para preservação de espécies, mas não de imediato.

• Qual é o lugar da genômica na ciência do século XXI?

-Uma das ciências-chave do século XXI será a biotec­nologia e biologia molecular, cuja base será a genômi­ca. Em alguns anos, como já disseram, não haverá ne­nhum projeto de pesquisa de biologia que não utilize de uma maneira ou de outra o genoma. A genômica será uma das bases da ciência neste século. E vai mudar nossa vida.

PESQUISA FAPESP

Page 63: A festa da Xylella

Un1a proposta de especialização en1 genon1a de patógenos

O belga André Goffeau, respeitado pesquisador do Instituto Curie,

r==:=wrr=:;iiiii:----- ~ • O projeto da Xylella fastidiosa foi ~ concluído com êxito. O que o senhor ~ poderia acrescentar à opinião que deu " sobre ele, em novembro passado?

em Paris, foi o coordenador do projeto de seqüenciamento do genoma da levedura, feito por uma grande rede de cerca de 100 laboratórios europeus, e concluído em 1996. Quando a FAPESP começou a discutir, ainda no primeiro semestre

André Goffeau

- Em novembro, a seqüência já es­tava completa, os buracos já tinham sido fechados, portanto nós estávamos bastante satisfeitos. Restava a incer­teza sobre a capacidade de a rede fa­zer uma anotação correta dos genes, quer dizer, a determinação da fun­ção de genes por análise informática.

de 1997, a possibilidade de realizar em São Paulo o seqüenciamento de um microorganismo, Goffeau foi o primeiro especialista estrangeiro chamado a opinar sobre o assunto. E sua avaliação, de que São Paulo estava preparado para o empreendimento, teve um grande peso na decisão da FAPESP de propor o seqüenciamento da X. fastidiosa. Como se poderá ver por sua entrevista, Goffeau jamais encontrou razões para se arrepender de sua opinião. Ele se mostra um entusiasta absoluto do feito realizado pelos pesquisadores paulistas, não poupa adjetivos de louvação à estrutura montada para o primeiro seqüenciamento completo de um genoma no Brasil, nem à FAPESP, cuja eficácia qualifica de extraordinária, identificando-a como o primeiro fator de sucesso do projeto. Sua idéia sobre o que o Brasil deve fazer daqui por diante em genômica é, com certeza, polêmica. O país, aconselha ele, deve se concentrar em genomas bacterianos patogênicos, realizando um projeto desses a cada ano, e dessa forma se consolidar como a liderança mundial nesse campo. "Por ora - incentiva - vocês já bateram os Estados Unidos. Eles não têm um genoma fitobacteriano. O de vocês é o primeiro".

PESQUISA FAPESP

• Mas ainda faltava seqüenciar uma base em novembro, não é mesmo?

- Não, na última vez em que estive no Brasil antes da conclusão do projeto, os pesquisadores me disseram que naquele dia mesmo fechariam a última lacuna. Portanto, o que era preciso era ter uma confirmação da segunda parte. Não se sabia como a anotação havia se desenrola­do, sobretudo porque era um trabalho feito por uma rede, com muitos laboratórios, e isso jamais havia sido feito no Brasil ou em qualquer outro país. Normalmente, as anotações vão para um número limitado de pessoas. Desde então - não faz muito tempo: dezembro, janeiro, fevereiro- tcrrnou-se claro que a anotação é muito boa.

• E o senhor já viu os resultados da anotação?

- Não de maneira detalhada, mas eu vi as duas versões do manuscrito. Li em detalhe e, para mim, está muito cla­ro que a anotação foi bem-feita e, inclusive, apresentou resultados ao mesmo tempo totalmente inesperados e in­teressantes, no sentido de que se definiu uma série de re­giões e de genes possivelmente relacionados à virulência e à patogenicidade da Xylella fastidiosa.

• Há nove genes encontrados na bactéria que estão relacio­nados à clorose variegada dos citros (CVC), não é mesmo?

-Já não sei mais se são nove, mas há toda uma série de genes que podem estar relacionados, quer seja com a vi­rulência, quer seja com a goma (N.R. - a goma xantana, que, nas laranjeiras afetadas pela CVC, bloqueia o xilema da planta, prejudicando a circulação da seiva) . Há o ope­ron, que sintetiza a goma, que não é um gene, mas vários

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Page 64: A festa da Xylella

genes, e depois há toda uma série de outras seqüências que poderiam estar relacionadas com a adesão da bacté­ria ao inseto (N.R.- a cigarrinha transmissora da CVC) e com a virulência em geral. Então, tudo isso é verdadeira­mente exciting, como se diz em inglês. Em paralelo, há mecanismos de patogenicidade que eram esperados, co­mo a secreção pelo complexo três, e que não se confirma­ram, da mesma forma que os genes da virulência clássica em patógenos de animais não foram encontrados. Ao mesmo tempo, encontramos toda uma série de genes que dão verdadeiramente uma imagem interessante da pato­genicidade e pelo menos duas clas-ses de genes que não estão presen-

• E o senhor crê que essa política deveria continuar nos pró­ximos anos?

- Eu diria que sim, porque é sempre perigoso pensar que se pode formar pesquisadores localmente tão bem quanto nos EUA ou na Europa. Pois mesmo na Europa eu exijo que todos os meus estudantes que querem fazer pesquisa façam um curso nos EUA, de maneira a apren­der outros métodos, outras abordagens, outras formas de trabalhar, e estou convencido de que é indispensável con­tinuar a fazer isso. É preciso continuar e o projeto genoma

da Xylella é uma demonstração de que isso não é dinheiro perdido.

tes que não foram encontrados em outros patógenos, sobretudo ani­mais. Isso é muito interessante e pro­va que a anotação foi bem-feita, na minha opinião, justamente porque ela trouxe resultados. É isso que é novo nesses últimos meses: o inte­resse e, provavelmente, a qualida­de da anotação, com a detecção de uma seqüência de candidatos age­nes relacionados à virulência.

''Não se trata de um milagre. Tudo ocorreu

porque havia uma reserva de competência em São Paulo que foi mobilizada

para o projeto''

A outra coisa que é preciso dizer: todos os pesquisadores brasileiros proclamam que sua limitação não é o conhecimento científico e, no Estado de São Paulo, nem mesmo é o dinheiro, mas a burocracia.

• A burocracia?

- Em particular, eles dizem que não têm acesso aos produtos e aos equipamentos que vêm quase to­dos dos EUA, às vezes da Europa, • Podemos falar sobre o começo do

projeto? Quer dizer, o que o levou a pensar, em 1997, que o Brasil seria realmente capaz de realizar um projeto ge­noma?

-Há duas coisas a dizer. O Brasil manteve por pelo me­nos dez anos, ~as talvez por mais tempo, uma política de enviar pesquisadores ao estrangeiro- aos Estados Unidos e à Europa - para pós-doutoramento, quase todos, ou a maioria deles, com uma bolsa financeiramente excelente, por três anos. Era, assim, uma política geral, que o Brasil liquidou há muitos anos. Essa política foi às vezes critica­da num certo sentido, dizia-se que custava muito caro, os melhores nem sempre voltavam, e, uma vez que tives­sem voltado, ficavam sem meios para trabalhar, quer di­zer, sem ter como utilizar o conhecimento adquirido. Mas para mim ficou muito claro, pela primeira vez, que foi graças a essa política, que durou muitos anos, que o Brasil teve a capacidade de assimilar quase instantanea­mente uma tecnologia relativamente nova, para o país, pelo menos, que é o seqüenciamento genético. E em to­dos os seus aspectos: o da seqüência, mas também o da informática, o de mapeamento do genoma e, agora, o da anotação. E, portanto, não se trata de um milagre. Tudo ocorreu porque havia competência, uma reserva de com­petência no Estado de São Paulo, que foi mobilizada logo em seguida para esse novo projeto. Foi, portanto, uma demonstração de que aquela política foi útil e isto deve ser dito claramente.

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porque os procedimentos aduaneiros são extraordina-riamente ineficazes; e a burocracia universitária, assim como a do governo, exige que se faça o planejamento das despesas com mais de um ano de antecedência.

• E no caso da Xylella?

- No caso da Xylella, processou-se um curto-circuito sobre esse sistema graças à ação da FAPESP, que interveio oficialmente ou oficiosamente para acelerar esse proces­so. Mas na vida cotidiana essas mesmas regras continuam a existir e são sempre um fator limitante da pesquisa bra­sileira. Não posso ficar fazendo julgamentos, mas é uma comédia.

• E como poderemos, em sua opinião, resolver o problema da burocracia?

-Creio que a primeira coisa é ser muito claro em rela­ção a esse problema, que nunca foi realmente exposto pela imprensa. Dizer claramente isso: "É nosso fator li­mitante"; e agir no nível dos governos e dos políticos di­zendo: "É isso que limita nossa pesquisa, não é nossa competência, não é nem mesmo o dinheiro; são os pa­péis que os senhores nos fazem preencher com coisas inúteis". Como estrangeiro, posso dizer isso facilmente, porque não estou envolvido, mas para os brasileiros tal­vez seja muito difícil, não sei. Em todo caso, eu queria

PESQUISA FAPESP

\

I f

Page 65: A festa da Xylella

sublinhar muito claramente esses dois pontos relevantes: um, o fecundo resultado da política de enviar brasileiros ao exterior; dois, os problemas burocráticos que, no caso da Xylella, foram resolvidos eficazmente graças a uma ação pontual da FAPESP.

• Podemos usar a conclusão do Projeto Xylella como um marco, algo que poderá dividir a ciência brasileira num antes e num depois do genoma? Como o senhor vê essa questão?

-Para mim- e não tenho nenhuma dúvida- se o Pro­jeto Xylella for de fato publicado na Nature (e acho que o será, por-

não fez mais que dez genomas bacterianos em quatro anos. O que mostra que o Brasil pode rapidamente ocu­par esse nicho do genoma bacteriano patogênico de plan­tas, animais ou humano, em vez de se dispersar.

• Como pensar nisso, quando já há projetas genoma de ou­tra natureza em curso?

- Sei que é muito difícil agora, quando já há projetas como o da cana-de-açúcar e o do câncer. São projetas que, na minha opinião, terão menos impacto porque não são

de um genoma inteiro; são aquilo que chamamos de ESTs, etiquetas.

que o artigo é muito bom), será como um tiro de canhão na cena internacional. Há só quatro paí­ses no mundo que fizeram um genoma completo dentro de seu próprio país - desde a obtenção do DNA até a análise informática, passando pelas seqüências: os Es­tados Unidos, o Japão, a Alema­nha (com um genoma) e a Suécia (também com um genoma). Nem a França, nem mesmo a Inglater-

''só quatro países haviam feito um genoma

completo em seu próprio território:

São úteis, mas provocam menos impacto psicológico e científico que o genoma inteiro - talvez não científico, mas decerto psicológico. Como estratégia, eu diria, se esti­vessem em jogo o meu dinheiro e o meu país: "especializemo-nos no genoma bacteriano fitopatogênico e outros': EUA, Japão, Alemanha

e Suécia''

ra, com o enorme Sanger Center, fizeram, que eu saiba, um genoma inteiro sozinhas. Foi sempre um trabalho de colaboração. Creio que o Brasil marca de verdade um ponto importante, porque está realmente na ponta da competição. E isso será bastante considerado durante um tempo. Geralmente essas coi­sas têm um efeito psicológico durante uns meses, um ano, talvez, mas, se o Brasil vai manter esse lugar que al­cançou, vai depender do que será feito e publicado no futuro.

• Quais as suas expectativas quanto ao futuro do Brasil na genômica?

-O Brasil pode se tornar muito competitivo nesse do­mínio, diante da Suécia, Japão, Alemanha, França e Reino Unido. Mas para isso é preciso que faça outros genomas com a mesma eficácia, isto é, genomas bacterianos pato­gênicos. O país pode ocupar muito bem esse campo, des­de que se especialize. Tem toda a estrutura para fazê-lo e há um segundo genoma similar em curso, o Xanthomo­nas. Eu diria muito claramente que em vez de diversificar, em vez de estudar outros genomas de plantas, de parasi­tas, e mesmo de doenças humanas, o Brasil deveria se es­pecializar em genomas bacterianos patogênicos. Poderia se especializar nisso tudo que os pesquisadores já sabem fazer bem e, portanto, podem fazê-lo rapidamente, tanto que tem um segundo projeto sendo feito. Mesmo a Tiger, que é a grande estrela do seqüenciamento americano,

PESQUISA FAPESP

• Terminado o projeto da levedura, a rede de laboratórios europeus for­mada para desenvolvê-lo também

acabou. Mas no Brasil a ONSA deverá continuar seu per­curso. Qual a sua opinião sobre isso?

-Eu repito o que disse: com a infra-estrutura que foi construída e a competência que foi estabelecida, o Bra­sil deve se especializar em genomas bacterianos patogê­nicos. E, por exemplo, apresentar todos os anos um novo genom~ de bactéria fitopatogênica, de maneira a ocupar esse campo como líder mundial bem antes dos Estados Unidos. É possível fazer isso mantendo a rede de laboratórios. A competência existe, o dinheiro existe, a única coisa que impediria esse caminho seria o foco das estratégias. Penso que é claro como resposta: eu aconselho fazer um genoma fitobacteriano a cada ano, como objetivo.

• Em algum momento o senhor duvidou da possibilidade de sucesso do projeto?

- Na verdade não, mas o período difícil, que tomou quase seis meses, foi o fechamento dos últimos 14 gaps. Naquele momento pensamos que talvez fosse mesmo im­possível fechá-los. A rede brasileira respondeu a isso ten­tando, em paralelo, todas as abordagens prováveis. Tenta­ram de tudo ao mesmo tempo, de modo que no Brasil o shot-gun, uma biblioteca lâmbda, lâmbda dúplex, cro­mossoma walkinge, finalmente, cada uma dessas aborda­gens foi útil e pôde fechar uma lacuna. Em novembro, fe-

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Page 66: A festa da Xylella

chou-se o último buraco graças a uma seqüência de shot gun. Mas alguns também foram fechados por lâmbda, outros por dúplex, cromossoma walking, primer ex­tension. Isso mostra, mais uma vez, que a competência está presente no Brasil. Ela não é aparente, não sei por que, mas fazer o fechamento do genoma, com todas as abordagens ao mesmo tempo, mostra uma competência que estava no país e não era utilizada.

• O senhor quer acrescentar mais alguma coisa?

- Na minha opinião, são cinco os elementos do sucesso do projeto

teve uma atitude que favorecia acima de tudo a colabora­ção, e não a impressão de que alguns estariam tirando proveito em particular do projeto. Assim, repito: a eficá­cia da FAPESP, o financiamento do qual depende a infra­estrutura, o comitê externo, a informática de Campinas e a ação do coordenador do ponto de vista psicológico, que é mais importante que o técnico. E havia, enfim, a com­petência necessária para fazer todas as abordagens ao mesmo tempo. Havia sempre alguém, em algum lugar, que tinha a competência. A receita do milagre é tudo isso. Não sei se vai continuar. Agora os outros estados brasilei-

ros também vão tentar fazer geno­ma (o Rio de Janeiro vai tentar ... ),

brasileiro - e estamos falando de um verdadeiro sucesso, quase úni­co, para além dos esforços euro­peus de seqüenciamento em rede da levedura e do Bacilus suptilis. E é preciso ser muito claro sobre es­ses cinco elementos: número um, e é o principal, como eu jamais havia visto antes, é a eficácia da FAPESP. É uma coisa extraordiná­ria e, nesse caso, foi algo fenomenal. Podemos nos perguntar por quê.

''concentrem-se em genomas bacterianos patogênicos e sejam

os mais fortes do mundo; por ora, vocês já bateram os EUA''

não sei se vai dar certo por muitas razões, mas uma delas é que os outros estados vão ter dificuldade de fazê-lo sem contar com a eficá­cia da FAPESP.

• Isso é um problema para o Brasil? A eficácia dos outros laboratórios ...

- Para mim não são os laborató­rios, mas a estrutura, eles não têm a FAPESP, não têm dinheiro sufi­ciente, não têm acordo, foco. De É devido a fatores humanos, com

certeza, e o empenho pessoal determinou que se fizesse isso muito rapidamente e de maneira eficaz, e se escapou da burocracia. A segunda razão é que o financiamento es­tava disponível e não foi jamais um fator limitante. Essas são as duas razões principais do sucesso. A terceira, talvez, é que o projeto teve um comitê de consultores indepen­dente da política local. Escapou-se da política local por­que havia esse board de pessoas que davam conselhos, que nem sempre foram seguidos, mas que permitiram um processo de tomada de decisões alheio à influência da política local do país. Penso que isso foi importante na eficácia da FAPESP, que pôde sempre dizer "sim, nossos conselheiros estrangeiros disseram isso e aquilo e, por­tanto, não podemos nos deixar levar por considerações locais". Compreende? Houve esse board independente, cujas opiniões foram muito consideradas. A quarta razão é realmente extraordinária e inesperada, acho que foi mesmo uma sorte: vocês tiveram uma informática rigo­rosa, um pessoal de informática rigoroso. É um verdadei­ro milagre! Isso também é resultado da política a longo prazo de enviar pessoas ao exterior. E essas pessoas foram muito determinantes. Seu rigor, sua competência e sua determinação são um verdadeiro milagre. O último fator do sucesso foi a boa vontade reinante entre todos os pes­quisadores. Não houve muitas, aliás, quase nenhuma pes­soa que puxasse o tapete. Não sei se isso vai continuar no futuro, mas durante esses três anos a coesão foi exemplar. E isso acho que se deve ao coordenador do projeto. Ele

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todo modo eles vão fazer, mas não sei se vai dar certo. Aqui em São Paulo o objeto a ser seqüenciado foi muito bem escolhido: é um pequeno genoma. E, entretanto, ele mostrou ser muito difícil de seqüenciar. E ele tem uma grande importância para a economia. Os outros estados dificilmente escolherão tão bem. O que quero dizer é que os outros estados somente copiarão e, assim, o Estado de São Paulo contribuiu mostrando muito bem o exemplo.

• O Rio de Janeiro já declarou sua intenção de seqüenciar o Trypanosoma cruzi.

- Creio que isso será difícil, porque o genoma é bem maior. De outro lado, há muitos outros países do mundo que vão fazer o Trypanosoma ou uma parte dele, quer di­zer, será um esforço muito diluído no tempo e também geograficamente, e poderá não ter o mesmo impacto. Acho que não é uma escolha tão boa quanto foi a de São Paulo. Certamente é importante ter esse genoma, mas isso tomará vários anos e, além disso, ele não será total­mente brasileiro como o daXylella; será 30%, 10% brasi­leiro, uma vez que há outros países que também fazem outros cromossomas do genoma do Trypanosoma. É por isso que digo: não cometam esse mesmo erro. Concen­trem-se em pequenos genomas bacterianos fitopatogê­nicos e sejam os mais fortes do mundo; por ora, vocês já bateram os Estados Unidos: eles não têm um genoma fi­tobacteriano, o de vocês é de fato o primeiro.

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Page 67: A festa da Xylella

No cenário aberto, o desafio é escolher betn os próxitnos passos

Dominado por um entusiasmo irreprimível que o sucesso do projeto

da Xylella fastidiosa

;::;;:::::;:;;;;;;;;;;;;;;::::=::======:::;;;;;;;;::::::::; ~ • O que significou para o senhor, pro­~ fissionalmente sempre ligado à acade­

mia, ver-se num grande palco, aplau­dido por mais de mil pessoas de pé?

só fez expandir, o físico José Fernando Perez, 55 anos, diretor científico da FAPESP, olha para o futuro com algumas certezas, muitas esperanças e umas tantas indagações. Uma das certezas:

José Fernando Perez

-Acho que aquele aplauso destina­va-se ao sucesso de uma iniciativa. Não era dirigido à minha pessoa, mas à FAPESP e a todas as instâncias da instituição que estiveram nesse pro­jeto de forma exemplar. Eu disse ali, mas gostaria de ter enfatizado mais: o sucesso da iniciativa deve-se ao Con­

ele está convencido de que há um antes e um depois no panorama da pesquisa científica no país, demarcados exatamente pela êxito do trabalho com a X. fastidiosa, que constitui, em sua avaliação, "uma afirmação da ciência brasileira em escala". Entre suas esperanças, inclui-se a de o Brasil apresentar, num horizonte de apenas cinco anos, um quadro novo no campo da ciência e da tecnologia, com o sistema acadêmico dando contribuições ainda de maior impacto ao desenvolvimento do país, e o sistema de inovação tecnológica revelando-se vigoroso no ambiente empresarial. Mas ele mesmo ressalva que há algumas pré-condições macroeconômicas para que isso aconteça, às quais fez referência na entrevista concedida a Pesquisa FAPESP. Finalmente, entre as indagações que se impõem ao raciocínio fervilhante de Perez estão: dentre tantas possibilidades, qual o melhor caminho a tomar agora para o desenvolvimento da pesquisa genômica no Brasil? e qual o melhor modelo para institucionalizar a rede ONSA, sem cair em mecanismos tradicionalmente pouco eficazes para viabilizar uma interação entre a FAPESP, instituições de pesquisa paulista, eventuais parceiros e os próprios pesquisadores?

PESQUISA FAPESP

selho Superior da Fundação, que aceitou a proposta de um projeto de natureza singular, que envolvia uma ousadia enorme, riscos e a exigência de um volume de recursos sem precedentes na história da ciência brasileira; o sucesso de­ve-se à diretoria e às outras instâncias da FAPESP que tam­bém assumiram o risco. Outro ponto muito importante para o sucesso foi o gerenciamento do projeto pela Internet, desde quando as solicitações chegavam por e-mail e ...

• ... E o que acontecia, então?

- ... Chegavam as solicitações por e-mail, e tudo ia sen­do pilotado na diretoria científica pelo (assessor de infor­mática) Carlos Pian, que teve um desempenho notável, uma dedicaÇão e um entusiasmo impressionantes pelo projeto. Todo o processamento seguia em ritmo acelera­do, até mesmo para os padrões normalmente ágeis da FAPESP, com destaque para a importação sob o contro­le da (gerente) Rosely Prado, para as contratações tocadas pelo pessoal da diretoria administrativa, sob o comando do professor (Joaquim José de Camargo) Engler, e para o excelente trabalho de divulgação feito pelo pessoal da Comunicação, sob a coordenação do diretor-presidente Francisco Romeu Landi.

• A importação era principalmente dos seqüenciadores.

- Sim. E devo relatar que, quando fizemos a primeira reunião do grupo de participantes do projeto e informei da decisão da FAPESP de processar a importação, porque não podíamos correr o risco de sofrer os percalços que nor­malmente se sofre quando ela é feita por outros órgãos, houve aplausos. E o pessoal da importação esteve à altura da expectativa. Depois veio a decisão de investir mais ftm­do no genoma, de transformar o projeto em programa, e

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Page 68: A festa da Xylella

em todo esse processo o apoio da instituição foi determi­nante. Portanto, a sensação que tive na hora dos aplausos foi de que ali estava um reconhecimento de clara dimensão ins­titucional. Eu representava a FAPESP, não formalmente, digamos, mas em sua face de interlocução com os cientistas, que é uma das responsabilidades da diretoria científica.

• Mas há sempre uma gratificação pessoal.

-Veja, eu acho que é um privilégio, realmente uma honra muito grande, estar aqui na FAPESP durante todo esse tempo, participar desse projeto des-de a sua concepção e chegar a esse

• Quais, por exemplo?

-Já fomos consultados por uma empresa norte-america­na sobre a possibilidade de fazermos, sob encomenda, o se­qüenciamento de uma variante da própria Xylella. Também um grupo australiano, que está seqüenciando a Clavibacter Xyli, uma bactéria que ataca a cana-de-açúcar e que já era uma hipótese para um futuro projeto nosso, nos propôs uma parceria, considerando que assim o projeto será concluído em velocidade muito maior. Refiro-me apenas aos desdobr.a­mentos do Projeto Xylella. Acredito que a publicação, em bre-

ve, do trabalho da Xylella deve au­mentar muito toda essa repercussão.

ponto culminante, do projeto termi­nado, com sucesso, dentro do pra­zo, dentro do orçamento. Há, então, uma sensação de realização muito grande e eu obviamente fico muito honrado em ter tido esse privilégio.

• Numa visão sem ufanismo, como o sucesso desse projeto situa o Brasil no contexto internacional da ciência?

''o projeto da Xylella foi possível graças à base

de recursos humanos que vem sendo construída

no país ao longo

• O interesse despertado pela Xylella na área política pode servir de ala­vanca a um maior investimento na­cional em genômica e na pesquisa científica em geral?

-Estou convencido de que temos um antes e um depois desse proje­to, também nesse aspecto. Faço uso das palavras do professor Pau-

dos últimos 35 anos'' -A visibilidade internacional do projeto Xylella e do Programa Ge-noma começa a ficar muito grande. O fato de a X. fastidio­sa ser o primeiro patógeno vegetal que se iria seqüenciar já havia sido ressaltado pela Nature, na notícia que publi­cou quando começamos. Depois, em meados de 1998, a revista publicou o trabalho escrito pelo Andrew Simpson e por mim, a convite da própria Nature, em que descre­vemos a arquitetura inovadora do projeto. Isso também mostra o interesse que suscitaram o projeto, a estratégia traçada para executá-lo e o fato de ele estar sendo feito fora do eixo tradicional, digamos, das grandes potências científicas e tecnológicas.

• Mas e a repercussão internacional depois da conclusão do projeto?

- Em janeiro, quando a conclusão foi anunciada, em San Diego, Califórnia (no I Encontro de Genomas Micro­bianos Relevantes para a Agricultura), a repercussão foi muito grande. Logo em seguida, a Sociedade Americana de Fitopatologia convidou o doutor Simpson para falar da Xylella, e o professor (Fernando) Reinach, do projeto Xanthomonas, em sessões plenárias de seu congresso, em agosto próximo. E a presença dos dois não esgota a parti­cipação brasileira no evento, porque haverá outras contri­buições derivadas de estudos que estão sendo realizados no projeto funcional da X. fastidiosa. Além disso, eu fui con­vidado para um encontro de genômica da Comunidade Européia, na França. Mas há outros desdobramentos.

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lo Arruda, um pesquisador de pri­meiríssima qualidade que, em seu

depoimento no vídeo sobre o Projeto Xylella, disse que sua vida científica tem um antes e um depois do projeto. Penso que temos a mesma demarcação do ponto de vista da política científica, porque esse projeto propiciou uma afirmação da ciência brasileira em escala, e isso pode ser até mais importante do que se tivéssemos ganhado o Prê­mio Nobel. Porque há a dimensão coletiva da realização, que está ausente em premiações. Essa dimensão tem que ser sublinhada, porque ela mostra que temos um poten­cial muito grande para dar saltos em nossa competência. E o fato de o governo do Estado encampar essa realização lhe confere uma dimensão maior, uma dimensão política.

• A Xylella então repõe a ciência na pauta da política nacional?

- Exatamente. E acreditamos que a ciência entrar na pauta da política é o primeiro passo para ela ser incorpo­rada numa visão estratégica de país. Então, realmente é importante a dimensão que o projeto adquiriu, sua di­vulgação, o passo acertado do governo, feliz passo, ao lhe atribuir uma grande dimensão pública.

• Concluído o projeto, alguns estados se mobilizaram para estabelecer parceria com São Paulo em pesquisa genômica, não é mesmo?.

- Sim, o que mostra a percepção de que há uma forma nova de fazer ciência, cooperativa e, ao mesmo tempo,

PESQUISA FA PESP

Page 69: A festa da Xylella

competitiva internacionalmente. Ciência que produz gran­de visibilidade científica, que remete a problemas nacio­nais e cujo papel estratégico, portanto, a classe política co­meça a perceber. Mas há o perigo de se concluir que, daqui por diante, deve-se fazer só projetas dessa natureza, o que sena um erro.

• É preciso todo tipo de projeto para consolidar a base cien­tífica no país ...

- Exatamente. Aliás, o projeto da Xylella só foi possível, desde sua concepção, graças à base de recursos humanos em ciência

ma Cana e o projeto Biota têm relação com isso. Mas aos três elementos do Dyson eu junto a questão do traba­lho coletivo na ciência.

• Parece-me que sua visão de uma dinâmica completa de pesquisa científica e tecnológica, num estado ou num país, pressupõe simultaneamente grandes projetas sendo feitos em cooperação, projetas tocados por equipes menores e pro­jetas individuais; pesquisa sendo feita no ambiente acadê­mico e pesquisa, sobretudo tecnológica, na empresa. Em quanto tempo esse será o quadro rotineiro no Brasil?

- Acho que em cinco anos tere­que vem sendo construída neste país ao longo dos últimos 35 anos. E é importante perceber que o projeto chegou ao fim apresentan­do entre seus principais parâme­tros de sucesso exatamente a am­pliação dessa base de competência - gente formada e treinada na fronteira do conhecimento e no­vas lideranças científicas.

''Em cinco anos teremos um novo panorama

mos um novo panorama de pes­quisa científica e tecnológica no Brasil, determinado por alguns fa­tores que devem convergir nesse sentido: primeiro, a própria ne­cessidade de inovar para competir, de que as empresas começam a to­mar consciência, e, em segundo lugar, o estímulo que novas condi­ções de desenvolvimento do país devem exercer para a ampliação

de pesquisa científica e tecnológica no Brasil,

se houver uma retomada de crescimento''

• Estão previstos convênios com outras fundações estaduais de am-paro à pesquisa para treinar pessoal de outros estados em genômica?

-Já temos convênios assinados com Pernambuco e Ala­goas para o projeto da cana. Novos convênios podem ser estabelecidos com outras Faps, e até com órgãos federais, no sentido de articular um grande esforço nacional na área de genômica, principalmente na parte de informáti­ca. A competência para a cooperação tem que ser desen­volvida, sem o que não conseguiremos processar eficien­temente o enorme volume de dados que começa a ser gerado pelos projetas genoma.

• A impressão, para um leigo, é de que o século XXI será orien­tado pela informática e pela genética. Pergunta-se até onde o computador vai transformar a vida cotidiana e quanto as conquistas da genética molecular vão transformar a vida humana. Qual é a sua visão?

- Há um livro do físico norte-americano Freeman Dyson, The Sun, the Genome and the Internet, muito provocativo, que propõe esses três ingredientes - o sol, o genoma e a Internet- como os que terão o maior im­pacto na vida do homem nas próximas décadas. Eu con­cordo. E acho que em São Paulo, dos três elementos, só não estamos usando na pesquisa, como poderíamos, o sol, que nesse contexto está posto como o grande gera­dor de novas energias. De todo modo, o projeto Geno-

PESQUISA FAPESP

de nossa base já existente de pro­dução de ciência e tecnologia. É

claro que as coisas serão assim se houver, de fato, uma re­tomada significativa de crescimento nos próximos anos, uma diminuição da taxa de juros, a entrada de mais capi­tal de risco no país, e uma forma mais efetiva de organi­zação desse capital de risco. Nesse caso, como acho que já estamos com uma base preparada para essa ampliação, penso que o governo poderá exercer o papel de articular novas iniciativas em C&T - e a própria FAPESP também pode, eventualmente, ter algum tipo de atuação nessa di­mensão. Vejo bons sinais vitais. Por isso acho que em cin­co anos vamos ver o sistema científico acadêmico dando contribuições ainda de maior impacto e um sistema de inovação tecnológica forte em ambiente empresarial, ou pelo menos muito mais forte do que atualmente.

• A rede ONSA terminou um projeto genoma e está tocan­do mais três. Ela está pronta agora para deixar de ser virtual e se tornar institucional?

- Temos hoje, como disse, vários contatos internacio­nais sendo feitos, seja para seqüenciamento de bactérias, para cooperações na área do genoma cana ou para verifi­car as possibilidade de uso do método ORESTES em iden­tificação de genes. Isso mostra que o potencial da ONSA para participar ou liderar projetas, tanto acadêmicos quanto de natureza mais empresarial, poderá exigir uma nova configuração da rede. Acho que a estrutura virtual vai continuar existindo, mas talvez tenhamos que achar

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um formato institucional que não seja simplesmente o de um conjunto de projetos, que é, de fato, o que hoje a ONSA é. Temos 54 laboratórios trocando informações entre si, com uma visão integrada e integradora conferi­da pela ação da FAPESP, que não está formalizada, escri­ta, nada- é apenas uma ação. Talvez se possa pensar num formato diferente da interação da FAPESP com a rede e em maneiras criativas de redefinir o relacionamento da Fundação com os pesquisadores. É uma coisa comple­xa, porque esses pesquisadores

pressão gênica. Essa parte é essencial. E é bom observar que, como ocorreu no mundo, está começando aqui em São Paulo um processo cultural de migração de jovens que tiveram sua formação na área de física, matemática e tecnologia da informação para laboratórios de genéti­ca. Esse é um fenômeno importante, inclusive porque a migração, além de física, tem de ser de atitude. Dos con­ceitos e da competência. Ao longo das últimas décadas, a competência de trabalhar com um grande volume de da-

dos se acumulou, em astrofísica, não estão em qualquer lugar; estão em instituições de pesquisa. En­tão, trata-se de uma relação que tem de envolver a FAPESP, as ins­tituições e eventuais parceiros, sem cair em mecanismos tradicional­mente pouco eficientes para viabi­lizar a interação.

• Para quando o senhor espera a conclusão do Genoma Humano do Câncer, do Genoma Xanthomonas e do Genoma da Cana-de-Açúcar?

''o potencial da ONSA para participar ou liderar

projetas acadêmicos ou empresariais poderá

ex1g1r uma nova configuração da rede''

física de partícula elementar, me­teorologia, e agora ela precisa se transferir para o ambiente da ge­nética.

• O senhor diria que persiste um ''gap" entre as exigências das novas áreas da biologia e aquilo que os cu r­sos de graduação oferecem?

- Sim, e mesmo nos países de­senvolvidos isso só começa a ser

- O genoma da Xanthomonas é duas vezes maior que o da Xylella, tem 5,4 milhões de pares de bases, está sendo feito com pessoal duas vezes menor e vai gastar o mesmo tempo. Como o cronograma está adiantado, nossa previ­são é de que o projeto esteja terminado dentro de um ano. O genoma do câncer também está muito avançado, já foram obtidas 170 mil seqüências que continuam sen­do verificadas, então a meta de 500 mil seqüências vai ser facilmente atingida antes do fim deste ano. No que diz respeito à anotação, ou seja, à identificação dos genes, a coisa demora um pouco mais, mas estamos finalizando o acerto com o Instituto Ludwig relativo a um investi­mento para acelerar a bioinformática. E, finalmente, o projeto da cana também está indo num ritmo muito acelerado, tanto que acho que antes do fim do ano tere­mos a parte de seqüenciamento.

• Comentam-se outros desdobramentos do projeto Xylella na área de bioinformática. O senhor pode falar sobre isso?

- Queremos ter uma visão articulada da tecnologia nova de microarrays e a FAPESP, além da parceria com o Ludwig para a expansão da bioinformática, está finan­ciando um grande centro na USP liderado pelo profes­sor Hugo Armelin. É um projeto muito ambicioso, que vai envolver a utilização dessa tecnologia de microarrays em todos os projetos genoma já em curso. É importante aumentar nossa competência em todas as novas tecnolo­gias que tornam mais eficiente detectar quais são os ge­nes que se expressam mais, investigar a questão da ex-

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corrigido agora. Os cursos de bio­logia precisam treinar mais seus estudantes em mate­mática, não só em matemática estatística, que era a úni­ca formação nesse campo exigida tradicionalmente de um biólogo. Hoje, um biólogo precisa pelo menos dia­logar de forma eficiente com quem faz matemática e fí­sica. Do mesmo modo, os matemáticos e os engenheiros têm de incorporar em sua formação básica mais biolo­gia. Chegamos à necessidade de uma formação mais in­tegrada e a universidade brasileira, as universidades paulistas têm de se preparar para isso. Sinto uma dispo­sição das lideranças nesse sentido, que nem sempre cor­responde a igual capacidade de ação institucional. A universidade tem seus rituais, que precisam ser agiliza­dos para responder rapidamente a esse desafio.

• Qual o passo mais importante a ser dado nesse momento pela FAPESP para criar o futuro na direção que o senhor apontou ao longo da entrevista?

-O que fazer nesse instante? Veja, estamos na curiosa si­tuação de uma pessoa que sobe o morro e do alto vê um cenário completamente novo à sua frente, com um nú­mero enorme de opções. Ao olhar isso, sua primeira sen­sação é de prazer por contemplar esse novo cenário. Mas o cenário existe e vai continuar existindo como oportu­nidade, se agirmos rapidamente. É difícil dizer o que exa­tamente temos de fazer agora. Acho que nosso primeiro passo essencial é consolidar nossa liderança em certas áreas, demonstrar essa competência, porque isso é que vai nos permitir fazer as opções que são reais dentro des­se cenário, e não apenas miragens.

PESQUISA FAPESP

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um formato institucional que não seja simplesmente o de um conjunto de projetas, que é, de fato, o que hoje a ONSA é. Temos 54 laboratórios trocando informações entre si, com uma visão integrada e integradora conferi­da pela ação da FAPESP, que não está formalizada, escri­ta, nada- é apenas uma ação. Talvez se possa pensar num formato diferente da interação da FAPESP com a rede e em maneiras criativas de redefinir o relacionamento da Fundação com os pesquisadores. É uma coisa comple­xa, porque esses pesquisadores

pressão gênica. Essa parte é essencial. E é bom observar que, como ocorreu no mundo, está começando aqui em São Paulo um processo cultural de migração de jovens que tiveram sua formação na área de física, matemática e tecnologia da informação para laboratórios de genéti­ca. Esse é um fenômeno importante, inclusive porque a migração, além de física, tem de ser de atitude. Dos con­ceitos e da competência. Ao longo das últimas décadas, a competência de trabalhar com um grande volume de da-

dos se acumulou, em astrofísica, não estão em qualquer lugar; estão em instituições de pesquisa. En­tão, trata-se de uma relação que tem de envolver a FAPESP, as ins­tituições e eventuais parceiros, sem cair em mecanismos tradicional­mente pouco eficientes para viabi­lizar a interação.

• Para quando o senhor espera a conclusão do Genoma Humano do Câncer, do Genoma Xanthomonas e do Genoma da Cana-de-Açúcar?

''o potencial da ONSA para participar ou liderar

projetas acadêmicos ou empresariais poderá

ex1g1r uma nova configuração da rede''

física de partícula elementar, me­teorologia, e agora ela precisa se transferir para o ambiente da ge­nética.

• O senhor diria que persiste um ''gap" entre as exigências das novas áreas da biologia e aquilo que os cu r­sos de graduação oferecem?

- Sim, e mesmo nos países de­senvolvidos isso só começa a ser

- O genoma da Xanthomonas é duas vezes maior que o da Xylella, tem 5,4 milhões de pares de bases, está sendo feito com pessoal duas vezes menor e vai gastar o mesmo tempo. Como o cronograma está adiantado, nossa previ­são é de que o projeto esteja terminado dentro de um ano. O genoma do câncer também está muito avançado, já foram obtidas 170 mil seqüências que continuam sen­do verificadas, então a meta de SOO mil seqüências vai ser facilmente atingida antes do fim deste ano. No que diz respeito à anotação, ou seja, à identificação dos genes, a coisa demora um pouco mais, mas estamos finalizando o acerto com o Instituto Ludwig relativo a um investi­mento para acelerar a bioinformática. E, finalmente, o projeto da cana também está indo num ritmo muito acelerado, tanto que acho que antes do fim do ano tere­mos a parte de seqüenciamento.

• Comentam-se outros desdobramentos do projeto Xylella na área de bioinformática. O senhor pode falar sobre isso?

- Queremos ter uma visão articulada da tecnologia nova de microarrays e a FAPESP, além da parceria com o Ludwig para a expansão da bioinformática, está finan­ciando um grande centro na USP liderado pelo profes­sor Hugo Armelin. É um projeto muito ambicioso, que vai envolver a utilização dessa tecnologia de microarrays em todos os projetas genoma já em curso. É importante aumentar nossa competência em todas as novas tecnolo­gias que tornam mais eficiente detectar quais são os ge­nes que se expressam mais, investigar a questão da ex-

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corrigido agora. Os cursos de bio­logia precisam treinar mais seus estudantes em mate­mática, não só em matemática estatística, que era a úni­ca formação nesse campo exigida tradicionalmente de um biólogo. Hoje, um biólogo precisa pelo menos dia­logar de forma eficiente com quem faz matemática e fí­sica. Do mesmo modo, os matemáticos e os engenheiros têm de incorporar em sua formação básica mais biolo­gia. Chegamos à necessidade de uma formação mais in­tegrada e a universidade brasileira, as universidades paulistas têm de se preparar para isso. Sinto uma dispo­sição das lideranças nesse sentido, que nem sempre cor­responde a igual capacidade de ação institucional. A universidade tem seus rituais, que precisam ser agiliza­dos para responder rapidamente a esse desafio.

• Qual o passo mais importante a ser dado nesse momento pela FAPESP para criar o futuro na direção que o senhor apontou ao longo da entrevista?

-O que fazer nesse instante? Veja, estamos na curiosa si­tuação de uma pessoa que sobe o morro e do alto vê um cenário completamente novo à sua frente, com um nú­mero enorme de opções. Ao olhar isso, sua primeira sen­sação é de prazer por contemplar esse novo cenário. Mas o cenário existe e vai continuar existindo como oportu­nidade, se agirmos rapidamente. É difícil dizer o que exa­tamente temos de fazer agora. Acho que nosso primeiro passo essencial é consolidar nossa liderança em certas áreas, demonstrar essa competência, porque isso é que vai nos permitir fazer as opções que são reais dentro des­se cenário, e não apenas miragens.

PESQUISA FAPESP

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RONALDO MOTA SARD EMBERG

Resultado da cooperação

O grande feito alcançado pelos pesquisadores do Pro­jeto Genoma muito orgulha a ciência brasileira e confirma, mais uma vez, a capacidade de nossos

cientistas. Congratulo-me com a FAPESP e demais insti­tuições participantes do projeto, bem como com toda a equipe envolvida na pesquisa.

É com satisfação que registro o

Hoje, a biotecnologia se inscreve num quadro amplo em que dominam novas tendências com relação à ciência e tecnologia, à globalização e à sustentabilidade. Essas são questões-chave no plano internacional e continuarão, ainda por longo tempo, a dominar os debates públicos

dentro e fora do País. Os avanços da biotecnologia

apoio do Ministério da Ciência e Tecnologia, ainda na etapa inicial do projeto, quando o Subprogra­ma de Biotecnologia do PADCT financiou seis Plataformas Tecno­lógicas na área de citricultura no Estado de São Paulo. Como resul­tado, surgiu o interesse e a base técnica para o estudo da Xylella fastidiosa, que foi assumido pela FAPESP em colaboração com ou­tros parceiros de São Paulo. O Pro-

''A biodiversidade e a base científica

instalada nos beneficiam rumo

ao desenvolvi menta sustentável''

têm nítido interesse para os países em desenvolvimento, devido a seu potencial de enfrentar os desafios associados ao incremento da pro­dutividade agrícola e a conquis­tas na área da saúde. Com efeito, uma de suas promessas é contri­buir para o atendimento das ne­cessidades de nossos países, como pobreza, fome e doenças, o que requererá a conjugação de esfor-

grama Agronegócios do CNPq apoiou diversas ações resultantes das recomendações dessas Plataformas, entre elas o Projeto Genoma que, posteriormente, também recebeu bolsas de desenvolvi­mento tecnológico e bolsas de apoio técnico.

Mais do que fato isolado, essa conquista deve ser exami­nada sob uma perspectiva mais abrangente, como o ápice de um esforço exemplar de cooperação que congregou comu­nidade científica, setor empresarial, instituições públicas de amparo e fomento à pesquisa e órgãos governamentais.

A capacitação do Brasil na área da biotecnologia figu­ra entre os principais propósitos da política de ciência e tecnologia do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. Mais que em outros domínios do conhecimen­to, a biologia e a biotecnologia são setores onde as trans­formações são mais evidentes e atingem de forma mais profunda o ser humano individualmente e a coletividade.

Por essa razão, a biotecnologia está incluída entre as prioridades do Avança Brasil ( 2000-2003). O Ministério da Ciência e Tecnologia e os órgãos a ele vinculados, em parti­cular o CNPq e a FINEP, juntamente com a Embrapa, do Ministério da Agricultura, e a Fiocruz, do Ministério da Saúde, estão envolvidos no processo de implementação do Plano Plurianual de Biotecnologia e Recursos Genéticos.

Mais de 270 milhões de reais serão aplicados nos próximos quatro anos, com os objetivos de desenvolver produtos e processos biotecnológicos relevantes para a produção industrial, a agropecuária e a saúde humana e conservar recursos genéticos.

PESQUISA FAPESP

ços para a promoção de políticas públicas que as privilegiem, além

de considerável reorientação dos atuais padrões de de­senvolvimento tecnológico.

Por outro lado, a ausência de benefícios claramente identificáveis leva-nos, algumas vezes, a perceber essa tec­nologia em termos dos riscos - reais ou imaginários - e dos potenciais danos que a ela possam estar vinculados. Para superar essa percepção negativa, são necessárias es­tratégias que permitam maximizar os benefícios reais da biotecnologia e controlar e minimizar seus riscos.

Para isso, a Comissão Técnica Nacional de Biosseguran­ça- que o Dr. Andrew Simpson ajudou a estruturar e inte­grou durante sua fase inicial- mobiliza, desde 1996, seus melhores esforços no sentido de oferecer à sociedade a mais criteriosa análise, sob o ponto de vista da saúde humana e animal e da proteção ao meio ambiente, de todos os pro­jetas envolvendo organismos geneticamente modificados.

A conquista que hoje celebramos deve sinalizar, para nossa sociedade e para a comunidade internacional, que somos parceiros viáveis em projetas de desenvolvimento de médio e longo prazos - nesta e em outras áreas. A ri­queza de nossa biodiversidade, associada à base científica de pesquisadores e laboratórios aqui existente e aos inves­timentos nacionais em pesquisa e desenvolvimento, per­mite que aspiremos a uma participação ativa nessa tran­sição rumo ao desenvolvimento sustentável.

R ONALDO M OTA S ARDEMBERG É MINISTRO DA CiENCIA E T ECNOLOGIA

IS

Page 73: A festa da Xylella

MÁRIO COVAS

Utna grande conquista

O argumento era decisivo: se Deus parou o Sol, para permitir que os hebreus, chefiados por Jo­sué, continuassem a combater os amoritas, era

evidente que o grande astro- e não a Terra- é que esta­ria em movimento. O argumento não foi suficiente para interromper a trajetória do plane-ta, que continuou a girar em tor-

biotecnologia está na confluência da química, da física e da biologia. O fato ressalta a importância do Estado como articulador desses setores não apenas entre si, mas também com a iniciativa privada.

Não há, hoje, como pensar em crescimento econô­mico sem competitividade. Para que nossos produtos sejam com­

no ao Sol. Eppur, si muove. Anos antes, em 1609, Galileu

assestara seu telescópio contra os céus. E descobrira os anéis de Sa­turno, as luas de Júpiter, as mon­tanhas da Lua. O universo em movimento... Contou mais de quarenta estrelas ali, no aglomera­do que forma as Plêiades - onde a olho nu os antigos viam sete e onde hoje se distinguem milhares.

''Não faltará petitivos, é necessário tecnologia. São Paulo dispõe de um vasto aparato criador de ciência e tec­nologia. Mantém uma grande en­tidade fomentadora de seu desen­volvimento, que é a FAPESP. É dotado de profissionais altamente especializados. Conta, por fim, com a vontade política do Gover­no de facilitar o acesso à tecnolo­gia, inclusive para as micro e pe-

a este governo determinação

para apoiar projetas de pesquisa

semelhantes'' No mesmo século em que o

homem se voltava à imensidão do cosmos, debruçou-se também sobre a micrographia, os pequenos traçados, descobrindo e batizando as células.

Por um prato de lentilhas, Esaú vendeu a Jacó seus di­reitos de progenitura. Com uma semente da mesma famí­lia- a ervilha- o padre Gregor Mendel começou a deci­frar as leis da hereditariedade. Da modéstia de um pomar e de algumas plantas chegamos aos 3 bilhões de caracte­res componentes dos 100 mil genes dos seres humanos.

Tem uns poucos que são amigos-da-onça, e que, por isso mesmo, são um autêntico perigo. Mas tem muita gente que é amiga da ONSA e, então, é verdadeiramente amiga. É o caso dos 192 pesquisadores e dos 35 labora­tórios que se integraram em uma rede de conhecimen­tos e experiências que resultou em dos mais brilhantes feitos científicos da atualidade: o seqüenciamento do ge­noma da Xyllela fastidiosa.

É uma honra para São Paulo oferecer à comunidade in­ternacional os frutos da sua competência. É motivo de espe­cial alegria ter propiciado ao nosso país essa grande con­quista. Um sucesso que decorre da inequívoca excelência dos nossos cientistas- muitos deles formados em outros es­tados, resultando, por isso, do acervo de conhecimentos acu­mulado por toda a nossa terra. Daí a satisfação de comparti­lhar esse avanço com os demais centros de pesquisa do Brasil.

O êxito obtido trouxe consigo duas outras impor­tantes conseqüências: qualificou ainda mais os recursos humanos que se dedicam à genética e conferiu maior experiência a nossos profissionais da bioinformática. A

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quenas empresas. E São Paulo quer continuar a ser multiplica­

dor de conhecimentos para o país, universalizando o progresso e o bem-estar por todo o território nacional.

A liberdade do homem se fundamenta em três prin­cípios: a justiça, a cultura e a ciência. Todo governo de­mocrático tem a obrigação de garantir o seu exercício. Para tanto, necessita do concurso de toda a sociedade.

A FAPESP, os 35 laboratórios envolvidos no Projeto Ge­nomaXylella é os 192 profissionais premiados fizeram e con­tinuarão a fazer a sua parte. E não faltará a este Governo determinação para apoiá-los e a projetas semelhantes.

Nos últimos cem anos, "desconstruiu-se" a matéria para melhor construir-se a vida, perscrutou-se o micro­cosmo para que mais completamente fosse atingido o universo: um movimento que surpreendeu no infinita­mente pequeno o incomensuravelmente grande.

Os cientistas de São Paulo, cuja contínua presença no que Isaac Newton chamou de "vasto mar do conheci­mento" é uma distinção para todos brasileiros, merecem o .reconhecimento por mais um êxito. São Paulo tem or­gulho dos seus cientistas. Não aquela vaidade que é a bem-aventurança dos tolos, mas o justificado orgulho de quem admira no outro as virtudes, o empenho e os mé­ritos do conhecimento.

Em nome do povo de São Paulo, recebam nosso mui­to obrigado.

MÁRIO COVAS É GOVERNADOR DO ESTADO DE SÃO PAULO

PESQUISA FAPESP