a expansão das empresas de segurança privada em são paulo viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder...

175
Universidade de São Paulo Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas Departamento de Sociologia A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia para obtenção do título de Mestre em Sociologia Viviane de Oliveira Cubas Orientador: Prof. Dr. Sérgio Adorno São Paulo 2002

Upload: others

Post on 16-Jul-2020

4 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

Universidade de São Paulo Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas

Departamento de Sociologia

A Expansão das Empresas de Segurança

Privada em São Paulo

Dissertação apresentada ao

Programa de Pós-Graduação em

Sociologia para obtenção do título

de Mestre em Sociologia

Viviane de Oliveira Cubas

Orientador: Prof. Dr. Sérgio Adorno

São Paulo

2002

Page 2: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

2

Sumário

Resumo _________________________________________________ 3

Abstract _________________________________________________________ 3

Agradecimentos___________________________________________ 4

Introdução_______________________________________________ 5

Capítulo 1. O público e o privado na tradição social brasileira ______ 15

A sociedade brasileira _____________________________________________ 20

Capítulo 2. Segurança privada e políticas de segurança em São Paulo 42

A questão da segurança privada_____________________________________ 53

Capítulo 3. O processo de expansão das empresas

de segurança privada em São Paulo___________________________ 71

Os reflexos do processo de expansão_________________________________ 79

Tecnologia ______________________________________________________ 79

Recursos Humanos _______________________________________________ 88

Cursos e Feiras __________________________________________________ 92

Fiscalização _____________________________________________________ 96

Clandestinas____________________________________________________ 100

O processo de terceirização________________________________________ 104

Segurança Pública versus Segurança Privada__________________________ 114

Capítulo 4. Estrutura e funcionamento das empresas de segurança privada: seleção, recrutamento e treinamento dos profissionais em segurança privada._______________________________________ 127

Vigilantes: recrutamento e seleção __________________________________ 143

Vigilantes: treinamento ___________________________________________ 147

Considerações Finais _____________________________________ 154

Bibliografia ____________________________________________ 162

Anexos________________________________________________ 167

Page 3: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

3

Resumo

Os serviços de segurança privada vêm se expandindo cada vez mais nos

últimos anos. Tal serviço é geralmente solicitado para reforçar a vigilância de

espaços públicos e privados com a justificativa baseada no aumento da

criminalidade, no medo da violência e na ineficiência da polícia. Entretanto os

vigilantes privados não estão submetidos a regras e limites em suas ações assim

como o estão os policiais. Dessa maneira, abrem-se espaços para atitudes

arbitrárias e contrárias à lei que prevê ao Estado o monopólio legítimo da violência.

Outra característica é o frágil controle do Estado sobre tais empresas que detêm

um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que

protegem os indivíduos no espaço público.

Neste trabalho é apresentada uma pesquisa sobre as empresas de

segurança privada existentes em São Paulo. Procurou-se descrever a estrutura de

funcionamento dessas empresas e identificar o que o Estado permite e quais os

limites estabelecidos por ele para a atuação de tais empresas no mercado.

Abstract

Increased crime and violence added to police’s ineffectiveness have

increased the demand for private security services to protect both private and

public places in recent years. Nevertheless the private security forces are not

submitted to rules and limits to their actions as the public police forces are. But

because private security companies are not regulated by the State, which has the

legitimate monopoly of the violence, a loophole that induces inadequate actions

and abuse of authority by the companies was created. Another point is the fragile

control the State has over such private security companies, which have police

powers in the private sector but don’t abide by the regulations that protect citizens

from police abuse.

A research about the private security companies eradicated in São Paulo is

present in this paper. The work is intended to describe the structure and the

functioning of such companies and identify the exact control and limits the State

has over the companies.

Page 4: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

4

Agradecimentos

Várias pessoas foram fundamentais para a realização deste trabalho.

Agradeço, em primeiro lugar, a meu orientador, Sérgio Adorno, com quem

compartilhei os bons e os não tão bons momentos dessa trajetória. Agradeço

também à Fundação de Apoio a Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP, que

financiou este trabalho de pesquisa. Sou também muito grata à disponibilidade e

atenção dispensadas pelos empresários que entrevistei.

Outro grande diferencial foi a experiência que adquiri trabalhando no Núcleo

de Estudos da Violência. Entre os coordenadores e pesquisadores, agradeço

especialmente a Nancy Cardia e Paulo Sérgio Pinheiro, com quem aprendi sobre as

dificuldades e os desafios de um trabalho acadêmico, e a Luis Antônio de Souza,

que sempre se interessou e colaborou com meu trabalho. Na graduação, conheci

meus companheiros mais fiéis e que também mais me ajudaram a refletir sobre

este trabalho: Celinho e Helder. Tenho ainda dois outros queridos amigos que

estiveram presentes nesses anos de trabalho: Chico e Régia. Devo também muita

ajuda a Cris, Érica e Jonnie que, várias vezes, me socorreram com suas leituras e

com o apoio técnico. Márcio é outra pessoa, muito especial, que surgiu no final do

caminho para me apoiar, em todos os sentidos.

Além desses, agradeço a meu pai e minha mãe, que sempre aceitaram as

minhas escolhas e acreditaram no meu trabalho.

São Paulo, 12 de Agosto de 2002.

Page 5: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

5

Introdução

A oferta por serviços de segurança privada tem aumentado

consideravelmente nos últimos anos. Diariamente são encontrados anúncios sobre

empresas e cursos de segurança em jornais, revistas, cartazes e em várias

residências ou escritórios é possível encontrar as placas de identificação das

empresas contratadas para prestarem os serviços. O objetivo do presente trabalho

é estudar o serviço de vigilância oferecido por empresas da cidade de São Paulo,

nos anos 90 e verificar a sua rápida expansão no mercado e a aceitação deste

serviço por parte da população.

Vários estudos apontam que os moradores das grandes cidades têm

passado por um período de grande sentimento de medo em relação à violência.

Casos de roubos, furtos, estupros, seqüestros, assassinatos e agressões fazem

parte de um cenário violento que tomou conta do espaço público, tornando estas

áreas temidas e evitadas pela população. Diariamente são divulgados inúmeros

casos de violência que acabam sendo incorporados ao histórico da população

tornando a violência uma de suas principais queixas.

Quanto à criminalidade em São Paulo, segundo Feiguin & Lima, verifica-se

que houve, no período de 1984 a 1993 um aumento de 20,5% do total de

registros delituosos e que os crimes praticados contra o patrimônio foram os que

mais cresceram, cerca de 30,3%. É possível verificar a predominância de um

padrão violento da criminalidade por ocorrer maior crescimento dos casos de

roubo do que de furto1 (crescimento de 39,5% e 24,4% respectivamente). O

armamento cada vez maior da população é outro indicador desse aumento de

medo e insegurança. Em 1994 o percentual de portes de arma expedidos

aumentou cerca de 112% em relação ao total de portes concedidos em 1988.

1 É relevante nesta abordagem definir a diferença entre os dois delitos. Segundo o Código Penal, Art. 155, constitui furto "subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia ou móvel"; e roubo, Art. 157, é definido como "subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência." Nesta diferença é que predomina a gravidade do roubo sobre o furto.

Page 6: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

6

Todo esse sentimento de insegurança seria o reflexo de um real aumento

da criminalidade urbana, que pode ser entendido a partir de uma combinação

entre duas tendências: a recessão econômica (desemprego, deterioração das

condições de vida das camadas trabalhadoras) e a deficiência dos aparelhos de

segurança e repressão da polícia ou do judiciário. (Caldeira, 1989) Alguns estudos

recentes enfatizam a segunda tendência.

Nas grandes cidades, segundo Adorno, o sentimento de medo e

insegurança diante dos crimes, sobretudo os violentos, é alimentado por um

sentimento de desproteção, tanto material como institucional. Tais organizações

não estariam sendo eficazes na proteção das vidas e dos bens da população. Isto

também reflete a descrença nas autoridades, inclusive no tocante a segurança

pública. Dessa maneira, ao mesmo tempo em que os cidadãos cumprem suas

funções cívicas, também recorrem a meios privados de solução dos conflitos. Tal

recurso ocorre não apenas em contextos de aumento da violência mas, também,

num contexto de crise da Justiça. O crime “passou a freqüentar o universo das

classes médias seja através dos furtos e arrombamentos, inicialmente esporádicos,

depois contínuos e sistemáticos, seja através das intermináveis trocas de tiros

entre gangues constrangendo a adoção de expedientes e arranjos transitórios de

proteção como disposição de móveis contra janelas, seja através de investimento

em esquemas profissionais de segurança interna, como portões, grades, guardas

privados, circuito interno de TV.” (Adorno, 1996:133)

Neste contexto de aumento da criminalidade, sensação de insegurança e

de incapacidade das forças oficiais em conter esse avanço, abre-se espaço para o

desenvolvimento de atitudes individuais para prevenção e resolução dos conflitos.

Neste trabalho, a ênfase é dada na expansão da oferta e da procura pelos serviços

privados de vigilância. "Em 1994, o contingente de vigilantes, no Brasil, era de 1

milhão de trabalhadores, sendo que 600.000 homens atuavam em empresas

devidamente legalizadas e 400.000 naquelas clandestinas, sem autorização para

funcionarem. No Estado de São Paulo, neste mesmo ano, o total de vigilantes em

empresas autorizadas pelo Ministério da Justiça a exercerem tal função chegou a

Page 7: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

7

90.000 homens (contra cerca de 70.000 homens da Polícia Militar do Estado, em

1993), distribuídos em 250 empresas privadas, segundo levantamento realizado

pelo Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Vigilância". (Feiguin&Lima,

1995:74) Estas empresas, além dos serviços de vigias, contam com equipamentos

cada vez mais modernos e em muitas vezes de alto custo como alarmes, sensores,

circuito de TVs, portões automáticos, blindagem de veículos, entre outros, tudo

para proporcionar maior proteção aos seus clientes. O sentimento de insegurança

acaba moldando a paisagem das cidades e os comportamentos de seus habitantes

que se “adaptam” a uma rotina marcada pela desconfiança e pela ameaça.

Outro exemplo são os casos de ruas bloqueadas pelos próprios moradores

que criam bolsões residenciais, fecham vias públicas e contratam vigias

particulares, às vezes com a autorização da própria prefeitura. A justificativa dos

moradores é sempre a prevenção a assaltos e a proteção contra a degradação da

cidade. De acordo com matéria publicada pela revista Veja, calcula-se que existam

aproximadamente 400 ruas bloqueadas na cidade de São Paulo. Também é cada

vez maior, a segregação gerada pelos “enclaves fortificados”, seja para residência,

consumo, lazer ou trabalho, que atraem, sobretudo as classes média e alta devido

aos seus altos custos e por contarem com os mais variados e modernos

equipamentos de proteção. (Caldeira, 2000)

As hipóteses a serem verificadas são que, como a sociedade brasileira ainda

preserva suas características particularistas, a expansão destas empresas seria

uma radicalização de característica tradicional da sociedade brasileira. Como o

Estado não atinge a eficácia necessária ou desejada para assegurar a vida e o

patrimônio de seus cidadãos, estas pessoas passam a realizar, a partir de sua

própria iniciativa, a sua segurança, seja contratando empresas especializadas,

seguranças particulares, equipamentos de segurança ou mesmo se armando e

fazendo cursos de defesa pessoal. Isto poderia ser considerado como mais um

reflexo da indiferença entre o público e o privado, da “crise da modernidade” e da

“crise contratual”, usando os termos de Boaventura de Souza Santos pois, ao

contrário de se buscar soluções coletivas em uma “crise da modernidade” para a

Page 8: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

8

questão da segurança, cada um procura defender a sua “parte”, individualmente.

Dessa forma, a segurança privada surge como algo que possibilita manter a

segurança pessoal e material numa época de aumento da criminalidade e de

descrédito da população perante as instituições encarregadas de manter a ordem e

controlar os conflitos. Porém, a isto se deve acrescentar que a expansão destas

empresas teria um estímulo próprio de mercado. Ao exigirem uma ação mais

enérgica da polícia e não encontrarem resposta, forma-se uma clientela disposta a

investir em sua própria segurança e então surge um negócio que parece ser muito

lucrativo. Paralelamente à procura por estes serviços, que incorporam uma

estrutura empresarial, ocorre a contínua privatização de atividades antes

subordinadas apenas ao Estado. É a transformação de um problema social em

problema de mercado, sendo muito provável que também sejam encontrados

policiais atuando neste setor da segurança privada, seja como empresários,

funcionários (fazendo os chamados “bicos”) ou instrutores de cursos. Assim, a

síndrome do medo, usando o termo de Seabra, favorece a sua larga expansão,

proporcionando “arranjos de poder” próprios a uma ordem patrimonial. Desta

maneira, aliando o aspecto da tradição patrimonialista e de mercado, o setor

privado encontra um campo favorável ao seu desenvolvimento pois tem uma

clientela - é um fenômeno do mercado, não encontra grandes barreiras para o seu

desenvolvimento, e ao mesmo tempo concorre com o Estado, pois coincidem os

seus campos de atuação.

O primeiro capítulo, O público e o privado na tradição social brasileira, foi

elaborado a partir da leitura de textos sociológicos e históricos que abordassem a

questão do público e do privado na sociedade e na cultura política brasileira. O

segundo capítulo, Segurança privada e políticas de segurança pública em São

Paulo, relata os estudos realizados sobre segurança pública, as políticas públicas

existentes e as formas de accountability das forças públicas e dos efetivos da

segurança privada em outros países. No terceiro capítulo, O processo de expansão

das empresas de segurança privada em São Paulo, há um enfoque histórico das

empresas de segurança, sobre o seu surgimento e desenvolvimento, as

Page 9: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

9

conseqüências da sua expansão, inclusive uma discussão sobre os serviços

clandestinos. Por fim, o quarto capítulo, Estrutura e funcionamento das empresas

de segurança privada : seleção, recrutamento e treinamento dos profissionais em

segurança privada, aborda os processos de seleção e treinamento dos profissionais

do setor e suas formas de accountability. O trabalho conta ainda com um anexo,

onde está parte do material de propaganda de empresas de segurança e de

equipamentos, recolhido nas visitas às feiras de segurança e retirado da imprensa.

Para a elaboração dos dois últimos capítulos, foram levantados alguns

dados sobre os serviços de segurança privada através do Ministério da Justiça e

Polícia Federal - que são os órgãos encarregados do controle sobre as empresas e

junto ao Sindicato das Empresas de Segurança Privada, Segurança Eletrônica e

Cursos de Formação do Estado de São Paulo – SESVESP. O levantamento histórico

foi realizado através de publicações oficiais e não oficiais, inclusive com material da

imprensa e material divulgado pelas próprias empresas. Parte do material de

divulgação das empresas foi obtido durante as visitas às feiras de segurança –

EXPOSEC, realizadas em São Paulo.

As informações específicas sobre as empresas, foram coletadas através de

entrevistas realizadas com executivos das quatro maiores empresas de São Paulo –

Columbia, Estrela Azul, Pires e Protege. A seguir há um resumo do histórico e das

atividades destas empresas.

A empresa Columbia vigilância e segurança foi fundada em 28 de janeiro

de 1955, sendo uma das pioneiras no segmento. Neste período, além da Columbia

havia apenas mais duas outras empresas do setor. Inicialmente, em 1955, como

não existia a regulamentação específica na área de segurança, a empresa era

encarregada dos serviços de limpeza, conservação e vigilância para empresas,

condomínios, indústrias e bancos. A partir de 1969, com o advento da Lei 1034 a

empresa obteve o alvará para atuar no segmento da segurança privada.

Atualmente a empresa oferece serviços de vigilância patrimonial em todo o

seu segmento, segurança eletrônica, limpeza e conservação, serviços de portaria e

recepção. O grupo Columbia conta com 3 mil funcionários, dentre os quais

Page 10: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

10

aproximadamente dois mil atuam como vigilantes enquanto os outros mil

funcionários se distribuem entre as atividades de serviços gerais, atuando com

filiais nas cidades de Campinas, Ribeirão Preto, São José do Rio Preto, São José

dos Campos e Baixada Santista.

A empresa Estrela Azul foi fundada em 1970 por Roberto de Mesquita

Sampaio, ex-funcionário da Polícia Federal. Começou suas atividades com a

prestação de serviços de vigilância e transporte de valores para a Caixa Econômica

e o Banco Banespa. Dez anos depois foi aberta a empresa que oferece serviços de

recepcionistas, telefonistas, ascensoristas, secretárias, operadoras de

telemarketing, e há cinco anos iniciou as atividades no ramo da segurança

eletrônica. Ao todo, o grupo Estrela Azul tem aproximadamente 8.000 funcionários

e é formado pelas empresas de segurança patrimonial; segurança eletrônica;

serviços terceirizados e por um Centro de Formação Profissional, também fundado

no início das atividades da empresa. Neste, são formados, treinados e reciclados

os funcionários operacionais da empresa. Está instalado numa área 6.000 metros

no município de Embu.

O Centro possui dormitório, cozinha industrial, quadra poliesportiva, centro

de condicionamento físico, cursos de aperfeiçoamento para segurança pessoal,

aperfeiçoamento de tiro para segurança pessoal, treinamento de condutores e

executivos, treinamento de direção defensiva e segurança pessoal para executivos.

Além destes, há o treinamento de segurança contra incêndio, de serviços

auxiliares, entre outros. O Centro conta também com um módulo para simulado de

agência bancária.

A empresa oferece serviços de vigilância (masculino e feminino), de

segurança pessoal, bombeiros, porteiros, recepcionistas, telefonistas, garçons,

copeiras, office-boys, além da empresa de serviços eletrônicos como, instalação e

manutenção de equipamentos, monitoramento realizado pela central, situada no

bairro Armênia. Esta central monitora bancos em todo o território brasileiro.

Mesmo não cobrindo os serviços de vigilância dos bancos aos quais presta este

serviço de monitoramento, no caso do aviso de um alarme, a empresa Estrela Azul

Page 11: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

11

entra em contato com a empresa responsável pela vigilância daquele

estabelecimento.

Sua atuação divide-se entre os estados de São Paulo, com seis mil

funcionários, Rio de Janeiro, com dois mil funcionários, Espírito Santo, com

duzentos funcionários e outros 30 funcionários no Paraná. A empresa tem projetos

de ampliação para os estados de Minas Gerais e Rio Grande do Sul.

A empresa Pires teve os primeiros trabalhos realizados nos anos 30 pelo

imigrante português Manuel Pires Correia prestando serviços de limpeza e

conservação. Em 1959 seu filho Manuel Correia Botelho, juntamente com seu

cunhado Antonio dos Santos Cigarro regularizaram suas atividades e fundaram a

Empresa Limpadora Pires. Em 1968, outra geração criou a Pires Serviços Gerais a

Bancos e Empresas Ltda. Atualmente o grupo Pires, o maior no setor de

segurança, conta com oito empresas: Pires Serviços de Segurança Ltda.

(especializada em segurança); Pires Serviços Gerais a Bancos e Empresas Ltda.

(especializada em limpeza, serviços de ascensoristas, copeiras, telefonistas etc.);

CFAPP – Centro de Formação Profissional de Segurança Pires; Salvaguarda

Serviços de Segurança (especializada em proteção de transportes de cargas,

escoltas e monitoramento satelial); Salvaguarda Serviços Auxiliares (também

especializada em secretárias, recepcionistas e porteiros); Pires Equipamentos

Eletro-Eletrônicos Ltda. (importa, distribui, instala e garante a manutenção de

equipamentos de segurança); M&P Sistemas Eletrônicos e Recepções de Alarmes

Ltda. (especializada no monitoramento de alarmes e de imagens via telefone e

rádio freqüência), além das representantes no exterior, a Pires del Argentina e

uma filial no Paraguai, ambas atuando em vigilância patrimonial.

O Centro de Formação da empresa fica localizado no município de

Guarulhos, numa área de 137.000 metros quadrados e já está em atividade há 15

anos. Tem capacidade para abrigar 405 alunos e alojar 224 alunos. Conta com

salas de aula, auditório, ginásio de defesa pessoal, três stands de tiro, pista de

treinamento de combate a incêndio e de direção preventiva e defensiva, quadra

poliesportiva, pista de atletismo, campo de futebol, e canil. Conta também com os

Page 12: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

12

dormitórios para os alunos que ficam em regime de internato, refeitório, cozinha

industrial, lavanderia industrial, biblioteca, capela e áreas de convívio e lazer.

O CFAPP presta serviços a clientes diretos do grupo Pires e a clientes

terceiros. Entre os cursos estão o de formação de vigilantes e o de reciclagem;

curso de extensão para vigilantes e segurança pessoal privada e extensão para

vigilantes em transporte de valores. Também há os treinamentos e reciclagens em

segurança patrimonial para supervisores, escolta armada; vigilantes com cães de

segurança (no CFAPP há um canil com mais de 200 cães das raças pastor alemão,

rottweiler e pittbull), tiro em segurança patrimonial; auxiliares de portaria. Para a

área de segurança pessoal há os cursos de aperfeiçoamento para profissionais ao

serviço de executivos, segurança para motoristas de executivos e reciclagem; tiro

em segurança pessoal e direção defensiva aplicada à segurança. Além destes

existem ainda os treinamentos destinados à formação de reciclagem de

profissionais do setor de segurança contra incêndios. O centro conta ainda com um

espaço especial, que simula um espaço confinado, para o treinamento de

trabalhadores de plataforma marítima e tubulações. O objetivo é dar todo o

treinamento de segurança do trabalho e esse projeto é feito em parceria com a

empresa canadense Surviver System.

Todo o grupo é formado por aproximadamente 18 mil funcionários, sendo 9

mil trabalhando na área de segurança. A empresa tem inclusive, sua própria

fábrica de uniformes pois, conforme a lei, a empresa é obrigada a fornecer o

uniforme, devidamente padronizado, ao vigilante. Há três anos a empresa iniciou

as atividades de blindagem de veículos e atualmente também trabalha com o

sistema de rastreamento de cargas através do sistema de geomonitoramento por

satélite.

O Grupo Protege reúne empresas especializadas na prestação de serviços

ligados à área de segurança. A empresa foi fundada em 1979 quando foi

comprada de uma outra empresa que atuava apenas na área de segurança privada

e possuía em torno de 80 a 100 vigilantes, treinados apenas para exercer

segurança patrimonial. Atualmente o grupo Protege compreende 10.500

Page 13: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

13

funcionários e oferece os serviços de transporte de valores, terceirização de

serviços bancários, terceirização de serviços de auto-atendimento vigilância e

segurança, serviços especiais de segurança e apoio, treinamento e formação de

profissionais de segurança. A Provig – Formação de Profissionais de Segurança é a

empresa do Grupo Protege responsável pela formação, treinamento e reciclagem

de profissionais especializados na área de segurança. Oferece cursos de

atendimento de portarias ; atendimento telefônico; brigada de incêndio; chefe de

equipe de carro-forte; condução de cães; direção defensiva; especialização em

vigilância bancária; curso de extensão em transporte de valores; formação básica e

reciclagem de vigilantes, segurança pessoal privada e supervisão de segurança.

A empresa atua nos setores de vigilância bancária, industrial, comercial e

residencial, condomínios residenciais, além de desenvolver projetos especiais de

segurança para empresas, personalidades e eventos. Atualmente, conta com

aproximadamente 10.500 funcionários, 5.500 apenas no setor de segurança, 600

carros fortes e uma frota de veículos de apoio. Para a região metropolitana de São

Paulo conta com um efetivo de 3500 funcionários. Nos estados de Minas Gerais,

Paraná, Goiás, Rio Grande do Sul e Tocantins, o grupo Pires é representado por

sua coligada, a empresa Proforte.

Outra empresa integrante do grupo Protege, a Proair, é responsável pela

terceirização de serviços aeroportuários tanto no setor de segurança, de controle

de acesso de passageiros e bagagens, proteção de aeronaves e cargas como

também em atividades operacionais como carregamento e descarregamento de

aeronaves, limpeza, transporte de passageiros e tripulantes, entre outros serviços.

Em São Paulo atua nos aeroportos de Cumbica e Viracopos, em Campinas.

Usando a definição de Paixão para segurança privada, “tanto as empresas

que vendem a seus clientes serviços de vigilância (de residências, condomínios,

lojas, centros comerciais e plantas industriais) ou equipamentos de prevenção

(como cães treinados e aparelhos de alarme e autodefesa) quanto os

departamentos e divisões de segurança interna de empresas e instituições”

Page 14: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

14

(Paixão, 1991:131) este trabalho se resume em uma pesquisa empírica sobre as

empresas de segurança de São Paulo. De maneira mais geral, a proposta foi

determinar o funcionamento destas empresas para poder verificar em que medida

suas ações tornam-se compatíveis com as ações de segurança pública.

Page 15: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

15

Capítulo 1. O público e o privado na tradição social brasileira

Tentar entender como a sociedade brasileira trabalha com as noções de

público e de privado e como isso se caracterizou ao longo de nossa formação é

fundamental para a compreensão do processo de expansão dos serviços de

segurança privada. Dessa maneira, torna-se pertinente realizar um esboço que

mostre como a cultura brasileira se apresenta marcada pela fluída divisão entre

esses dois mundos. Primeiramente, buscou-se uma teoria para a formação do

Estado moderno, onde será dada ênfase ao trabalho de Norbert Elias. Em seguida,

o enfoque é dado aos autores que trabalharam com diferentes abordagens sobre a

colonização do Brasil e a formação do Estado brasileiro, suas características, o uso

dos poderes locais, a ausência do poder público e, sobretudo, a fraca definição das

fronteiras entre a esfera do público e a esfera do privado, justamente no tocante à

segurança pública. A escolha por estes temas se justifica pela necessidade de se

entender o processo de formação do Estado que, relacionado às particularidades

brasileiras, possa elucidar o problema desta pesquisa. Parte da explicação da

crescente demanda por serviços privados de segurança nos dias de hoje,

provavelmente, será encontrada a partir do estudo dessa literatura. A intenção não

é fazer uma abordagem histórica dos fatos, apesar de seguir certa orientação

cronológica, mas apontar como diferentes autores tratam estas questões,

destacando suas motivações e conseqüências.

Para se pensar a questão do público e do privado na sociedade brasileira é

fundamental ter, como ponto de partida, orientações sobre a formação do Estado

moderno nas sociedades ocidentais, que possibilitará entender, de maneira mais

ampla, as particularidades do nosso processo de formação.

Elias (1984) explica que, anterior à fase de formação do Estado, está o

período feudal que se caracterizou pela descentralização do governo e do território

e pela transferência da terra do controle do suserano para a casta guerreira. Numa

economia predominantemente de troca, de menor interdependência entre as

pessoas de uma região, “as funções política e militares ainda não se haviam

Page 16: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

16

diferenciado das econômicas (...) o desejo ardente de aumentar a riqueza sob a

forma de terras equivalia à mesma coisa que ampliar a soberania territorial e

aumentar o poder militar”. (Elias, 1984b:46) O grande senhor ou príncipe feudal,

que era o homem mais rico e o detentor dos principais meios de produção, detinha

todas as funções que hoje são separadas e exercidas por diferentes pessoas.

Assim, acumulava a função de grande latifundiário e de chefe de governo,

constituindo uma espécie de propriedade privada, baseada nas relações de

autoridade tradicionais. Segundo Bendix (1996), ao mesmo tempo em que tem

autoridade sobre seus súditos, o rei tem a responsabilidade de protegê-los e cuidar

de seu bem estar, desenvolvendo toda uma estrutura de poder. Para ele é o que

Weber conceitua como “dominação tradicional”.2

Elias destaca duas fases do processo de feudalização, primeiro a de

desintegração total e depois a fase em que esse movimento começou a se

reverter, emergindo as primeiras formas de reintegração.

Assim, numa sociedade de oportunidades abertas, na qual cada pessoa luta

com outras pelas oportunidades disponíveis, sempre haverá aquela que triunfará

sobre as demais. Este processo se repete, sucessivamente até maiores

oportunidades se acumulam nas mãos de grupos cada vez menores, enquanto que

as pessoas eliminadas dessa competição passam a depender dessa minoria. Os

reis e as instituições passam a adquirir maior importância, acompanhado de uma

renda crescente gerada pelos impostos e do excesso de potencial humano que

permitiram a existência de um exército permanente. O rei não precisava mais

ceder suas terras como forma de pagamento dos serviços que necessitava,

evitando assim a redução de suas posses territoriais. Passa-se de uma situação em

que todos os nobres eram guerreiros, para outra, na qual, um nobre era oficial

assalariado a serviço do suserano. Tal supremacia militar acompanhada da

2 Neste tipo de dominação, segundo Weber, o tipo mais puro é o de dominação patriarcal, na qual a associação dominante é de caráter comunitário. Aquele que ordena é o “senhor”, os que obedecem são os “súditos” e o quadro administrativo é formado por “servidores”. Obedece-se ao “senhor” por fidelidade, sua legitimidade é fundamentada na tradição e sua ação varia de acordo com pontos de vista e preferências puramente pessoais.

Page 17: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

17

supremacia financeira permitiu o poder central de uma região adquirir caráter

absoluto. A modernização da sociedade é que tornou possível a existência de

órgãos centrais estáveis, organizando os pagamentos monetários que mantinham

todos dependentes do poder central, pondo fim às tendências centrífugas de

poder. Esta monopolização da força física e da tributação formam a espinha dorsal

da organização do Estado3.

Entretanto, a liberdade de decisão do poder monopolista era cada vez mais

restringida pela imensa teia humana em que, gradualmente, se transformaram

suas propriedades. “Sua dependência do pessoal administrativo aumentou e com

ela a influência deste último (...) e no fim desse desenvolvimento, o governante

absoluto, com seu poder aparentemente ilimitado, era num grau extraordinário,

governado, sendo funcionalmente dependente da sociedade que governava.”

(Elias, 1984b:102) Somente com o aumento da interdependência é que

instituições estáveis puderam ser estabelecidas. Entretanto, “o orçamento do

absolutismo não continha ainda uma distinção entre as despesas “públicas” e

“privadas” do rei” e era sua a prerrogativa da distribuição da renda gerada pelos

recursos monopolizados. (Elias, 1984b:102) O monopólio que antes era restrito a

um único indivíduo ou família passa para o controle de um estrato social mais

amplo, transformando-se como órgão central do estado, em monopólio público.

Em seguida, a burguesia é que conquista os monopólios da força física e da

tributação, juntamente com todos os outros monopólios governamentais que nele

se baseiam. O que eles procuram não é a divisão desses monopólios, mas uma

nova distribuição de seu ônus e benefícios. Elias afirma que então, “dá-se um

passo nessa direção quando o controle desses monopólios passa a depender de

uma classe inteira, e não de um príncipe absoluto” e que representa um avanço o

3 De maneira um pouco distinta daquela adotada por Elias, Weber define que a violência é instrumento específico do Estado e é o instrumento de poder do agrupamento político. Deve-se “conceber o Estado contemporâneo como uma comunidade humana que, dentro dos limites de determinado território (...) reivindica o monopólio do uso legítimo da violência física. É, com efeito, próprio de nossa época o não reconhecer, em relação a qualquer outro grupo ou indivíduos, o direito de fazer uso da violência, a não ser em nos casos em que o Estado o tolere: o Estado se transforma, portanto, na única fonte do "direito" à violência". (Weber, 1993:56)

Page 18: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

18

fato das oportunidades geradas pelo monopólio passarem a “ser distribuídas cada

vez menos segundo o favor pessoal e no interesse de indivíduos, e cada vez mais

de conformidade com um plano mais impessoal e exato, no interesse de muitos

associados independentes e, finalmente, no interesse de toda uma configuração

humana independente” (Elias, 1984b:105). A tarefa do governante passa de uma

atividade privada para uma atividade pública. Não havendo mais a necessidade da

disputa violenta pelas oportunidades, torna-se possível um planejamento da

conduta humana. O monopólio não é mais decidido através das lutas, mas por

provas de eliminação reguladas pelo Estado, formando o “regime democrático”.

Somente quando existe um monopólio centralizado e público é que a competição

pelos meios de produção e consumo pode se desenvolver sem o emprego da

violência física. Tudo isso vai contribuir para a criação de espaços sociais

pacificados e para a separação entre formas de violência não físicas que até então

estavam fundidas com a força física.

A ameaça física vai se despersonalizando, não dependendo mais de afetos

momentâneos. Gradualmente as pessoas se submetem à regras e leis cada vez

mais rigorosas, tornando cada vez menor a ameaça física e proporcionando uma

maior “segurança” às pessoas. Sob essas regras, há um maior controle da ameaça

entre os homens, tornando mais previsíveis as condutas dos outros, e “a vida

diária torna-se mais livre de reviravoltas súbitas da sorte”. As sociedades com os

monopólios mais estáveis são aquelas nas quais há uma maior divisão de funções

e em que as cadeias de ações que unem as pessoas são mais longas,

proporcionando uma maior dependência entre elas. Ao mesmo tempo em que o

indivíduo é protegido, ele também necessita regular seus impulsos, moderando

suas ações espontâneas e controlando os sentimentos. A monopolização da

violência física sob uma única autoridade força os homens a controlarem a sua

própria violência por precaução ou reflexão, impondo um autocontrole mais

desapaixonado. Isto, segundo Elias, acarreta a “ampliação do espaço mental além

do momento presente, levando em conta o passado e o futuro, o hábito de ligar os

fatos em cadeias de causa e efeito - todos estes são distintos aspectos da mesma

Page 19: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

19

transformação de conduta, que necessariamente ocorre com a monopolização da

violência física e a extensão das cadeias da ação e interdependência social. Ocorre

uma mudança “civilizadora” do comportamento” (Elias, 1984b:198).

Disto é que conceitua o “processo civilizador”, como uma mudança na

“conduta e sentimentos humanos rumo a uma direção muito específica”.

Entretanto, ressalta que tais mudanças não foram planejadas e nada indica que

tenham sido realizadas racionalmente. Aconteceu sem nenhum planejamento, o

que não significa que não tenham tido uma ordem ou que não eram estruturadas.

Pessoas, isoladamente, se entrelaçam em planos e ações, configurando um tecido

básico que vai resultar em mudanças e modelos que nenhuma pessoa,

individualmente, havia criado. De tal interdependência surge uma ordem particular

e esta ordem é que determina o curso da mudança histórica. Assim, “toda a

reorganização dos relacionamentos humanos”, nos processos de feudalização e de

formação do Estado, “se fez acompanhar de correspondentes mudanças nas

maneiras, na estrutura da personalidade do homem, cujo resultado provisório é

nossa forma de conduta e de sentimentos “civilizados”. (..) A civilização não é

razoável, nem racional, como também não é irracional. É posta em movimento

cegamente e mantida em movimento pela dinâmica autônoma de uma rede de

relacionamentos, por mudanças específicas na maneira de como as pessoas se

vêem obrigadas a conviver.” (Elias, 1984b:195) Porém, o campo de batalha foi

transportado para dentro do indivíduo e parte dos sentimentos apaixonados tem

que ser elaborada no interior do ser humano.

Esse processo civilizador é que amarra a interdependência entre as pessoas,

e que faz como que as atitudes passem de um estágio em que eram motivadas por

impulsos pessoais e subjetivos, para outro em que as motivações objetivam o

interesse de várias pessoas. Toda essa previsibilidade acaba reduzindo a ameaça

física, proporcionando maior segurança às pessoas.

Page 20: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

20

A sociedade brasileira

Em suas pesquisas sobre a colonização do Brasil, vários autores destacam

as dificuldades encontradas pelos portugueses em povoar uma terra tão vasta,

“selvagem” e repleta de novidades. Igualmente, é importante lembrar a ausência

de um sistema regular de colonização, não havendo uma ação oficial, impulsionado

quase que exclusivamente, apenas com a iniciativa particular. Isso proporcionou

que a família fosse o grande “fator colonizador do Brasil, a unidade produtiva , o

capital que desbrava o solo”. (Freyre, 1997) Dessa maneira, é em torno dela que

vai girar toda a sociedade colonial, grande parte de nossa história política no 2º

Império e também na República (Viana, 1973). Em nosso território forma-se uma

sociedade “agrária na estrutura, escravocrata na técnica de exploração econômica,

híbrida de índio - e mais tarde de negro - na composição” (Freyre, 1997:32). Este

autor ainda destaca a miscibilidade, mobilidade e aclimatabilidade característicos

do colonizador português, do qual não se tinha um “tipo dinâmico” determinado.

Tal predisposição do português ao impulso colonizador, de base híbrida e

escravocrata, seria o resultado de seu passado étnico ou cultural, de “povo

indefinido entre a Europa e a África”. Ainda por sua influência, desenvolveu-se

uma sociedade defendida mais pelo “exclusivismo religioso desdobrado em sistema

de profilaxia social e política” do que pela consciência de raça.

A dispersão pelo território se dá, primeiramente, pela penetração nos

sertões em busca de índios, depois pela expansão pastoril nos planaltos e por fim,

pela conquista das minas (Viana, 1973). Isso vai colaborar com a dispersão da

população, afastando-a dos centros urbanos e proporcionando à vida nas fazendas

uma particularidade própria.

Freyre defende que o colonizador português do Brasil foi o primeiro a

desenvolver, numa colonização tropical, a criação local de riqueza, sem se

fundamentar apenas na pura extração de riqueza mineral, vegetal ou animal.

Entretanto essa atividade de criação de riqueza logo foi desviada, com a

exploração do trabalho escravo. Formou-se uma “colônia de plantação”,

caracterizada pela base agrícola e pela permanência do colono na terra. “A

Page 21: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

21

ausência de riqueza organizada, a falta de base para uma organização

puramente comercial leva os portugueses a se dedicarem à exploração agrícola”.

(Freyre, 1997:46) E essas grandes plantações não foram obra do Estado, mas da

iniciativa particular, contando somente com a política social da sesmaria, que se

dispunha a povoar e defender militarmente o território, como era exigido pelo rei.

Assim desenvolve-se a sociedade colonial brasileira, patriarcal e

aristocraticamente, fixa na terra, sob uma estrutura latifundiária, criando grandes

plantações de açúcar conduzidas pelo trabalho escravo, possibilitando o

desenvolvimento de grande e estável colônia agrícola nos trópicos. Esta

colonização particular promoveu a mistura de raças pois, a gente nativa foi

aproveitada tanto para instrumento de trabalho como também como elemento de

reprodução e formação de família. Ainda segundo Freyre, o sucesso dessas

grandes plantações proporcionaram ao senhor de engenho concessões e

prestígio por parte da Coroa, o que também contribuiria, a partir dessa iniciativa

particular, para estimular os instintos de posse e mando, abusos e violências dos

autocratas das casas-grandes e o exagerado privatismo ou individualismo dos

sesmeiros.

A ocupação baseada no latifúndio, isolando o homem do meio urbano,

fortalece a vida da família, permitindo que ela absorva toda a vida social ao seu

redor. O senhor rural “faz da sua casa o seu mundo” e dentro do latifúndio

“passa a existência como dentro de um microcosmo ideal”, como se não existisse

a sociedade, assim a nobreza rural torna-se “uma classe fundamentalmente

doméstica. Doméstica pelo temperamento e pela moralidade, pelos hábitos e

pelas tendências.” (Viana, 1973:53)

A família colonial reuniu ainda, sobre a base econômica da riqueza agrícola

e do trabalho escravo, diversas funções sociais e econômicas, inclusive a de

mando político, fazendo com que a colonização tomasse rumos diferentes

daqueles idealizados pelos jesuítas que queriam “fundar no Brasil uma santa

república de índios domesticados para Jesus”. É importante salientar que tal

Page 22: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

22

domínio da família colonial não teria sido possível sem a existência da base

agrícola. (Freyre, 1997)

É enorme o poder que o senhor de terras exerce sobre filhos, esposas,

parentes e agregados, além dos escravos. É ele quem “dá noivo às filhas,

escolhendo-o segundo as conveniências da posição e da fortuna. Ele é quem

consente no casamento do filho, embora já em maioridade. Ele é quem lhe

determina a profissão ou lhe destina uma função na economia da fazenda.” Ele

disciplina os filhos, quando menores com extremo rigor. “O filhos têm pelos pais

um respeito que raia o terror. (...) as esposas chamam os maridos de “senhor”. O

sentimento de respeito aos mais velhos e de obediência à sua autoridade é

também resultado dessa organização da antiga família fazendeira.” (Viana,

1973:54).

Pensando nesse grande poder exercido pelo senhor de terras, convém

reportar-se a Roberto DaMatta que, em seu estudo sobre a casa e a rua, refere-se

a ambos espaços como esferas de significação social que fazem mais do que

separar contextos e configurar atitudes porque contêm visões de mundo ou éticas

particulares. São esferas de sentido que constituem a própria realidade e que

permitem normalizar e moralizar o comportamento por meio de perspectivas

próprias. Assim, “qualquer evento pode ser sempre “lido” ou interpretado por meio

do código da casa e da família, que é avesso à mudança e à história, à economia,

ao individualismo e ao progresso; pelo código da rua que está aberto ao legalismo

jurídico, ao mercado, à história linear e ao progresso individualista”. (DaMatta,

1991:96) Para ele, todos que habitam uma casa brasileira representariam uma

metáfora da própria sociedade brasileira, onde o relacionamento se dá por meio de

laços de sangue, vínculos de hospitalidade e simpatia. Diz ainda que quando a

visão da sociedade parte da casa e de sua ética, forma-se um discurso “pré-

político” ou politicamente “alienado”. Isto porque, fundamenta-se num espaço que

entende o mundo como algo assentado em preferências, laços de simpatia,

lealdades pessoais, complementaridade, compensações e bondades ou maldades,

ou seja, o espaço da casa. Por sua vez, o espaço público é aquele que representa

Page 23: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

23

o perigo. É, além disso, um espaço negativo porque expressa um ponto de vista

autoritário, impositivo, falho, fundado no descaso e na linguagem da lei que, ao

igualar as pessoas, impõe a subordinação e a exploração. Acrescenta que, na

constituição da identidade social do brasileiro, o isolamento e a individualização

somente ocorrem quando não existe nenhuma possibilidade de definir alguém

socialmente por meio de sua relação com alguma pessoa, instituição ou localidade,

objeto ou profissão.

A instituição da família colonial, da casa-grande, habitua-se a exercer um

poder considerável sobre uma grande massa de homens, formada por um certo

número de bastardos e dependentes em torno dos patriarcas. Segundo Viana

(1973), estes senhores, criados em plena liberdade dos campos, acostumam a

mandar e a serem obedecidos, não criando nenhuma característica de obediência

de cortesão e, por isso, fundam a monarquia sem nunca chegarem à sevilidade.

Outro fato é a constante ameaça de ataque e destruição que paira sobre os

domínios desses senhores. Em áreas vastas e pouco povoadas, “emboscam-se

hordas de gentio indomável, prontas para assaltos dizimadores”, obrigando a uma

organização militar para sua auto defesa. Aos proprietários de terras cabia a

responsabilidade pela segurança de suas posses frente à possíveis ataques ou

assaltos. Forma-se então, dentro de seu domínio, um pequeno exército

“permanente, pronto, ágil, mobilíssimo, talhado à feição do inimigo. Da massa de

mestiços ociosos é que saem aqueles que vão se transformar nos capangas, a

milícia rural.” (Viana, 1973:78) São essas as pessoas encarregadas de manterem a

segurança do senhor e de sua família como também de suas propriedades.

Franco (1983) realiza uma pesquisa na qual projeta a figura do homem livre

e pobre no sistema social do séc. XIX. A eles, caberiam os serviços residuais,

aqueles que não poderiam ser realizados por escravos e aqueles que não

interessavam aos homens de patrimônio. Deste meio é que saíam os tropeiros, os

vendeiros, sitiantes, agregados e camaradas que estabelecem uma relação de

dependência em relação aos senhores de terras.

Page 24: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

24

Dos tropeiros, destaca que esta foi uma das atividades mais importantes

para o movimento de mercadorias devido à pobreza da estrutura material para

suportá-lo. Trouxe impresso sobre sua figura o mundo primitivo e violento do

homem pobre e livre e se situa entre o grande empreendimento mercantil e a

tecnologia rudimentar. Acrescenta que “...sua atividade firmou-se por ser

indispensável a um momento das operações comerciais, que dependiam, contudo,

de um deslocamento no espaço com o equipamento tecnológico conservado da

fase em que a produção tendia para o nível de subsistência.” (Franco, 1983:62)

Assim, para subsistir e alcançar seus objetivos o tropeiro supõe a existência do

senhor de terras. Embora itinerante e submetido circunstancialmente a

proprietários diferentes, haverá sempre um senhor, sob cuja égide se encontrará e

de cuja mercê dependerá o êxito de seu trabalho.” (Franco, 1983:64) Estes ainda

proporcionavam outras ocupações ao homem livre, como às ligadas ao pouso e

abastecimento de caravanas.

O vendeiro, por sua vez, ligava-se às camadas dominantes e aos estratos

inferiores e, assim como o tropeiro, seu objetivo era enriquecer. Sua atividade

transcorria na “intersecção dos planos em que desdobrava a economia - mercantil

e o de subsistência”. Seu comportamento também demonstrava características dos

estratos superiores e inferiores. Dos primeiros, com a exploração hábil dos

esquemas de dominação e dos últimos, participando de sua moralidade.

Sobre os sitiantes, estes tiveram com o grande proprietário, relações que

aparentemente os tornavam semelhantes, entretanto, estas relações não deixavam

de se fundamentar na dominação pessoal. Através do sistema de compadrio,

ocorria uma aparente quebra das barreiras sociais entre as pessoas, havendo a

dominação nos laços que uniam padrinho e afilhado. Este sistema também supõe

um certo grau de indeterminação na forma da estratificação social e dele, deriva

uma rede de dívidas e obrigações infindáveis. Neste contexto, “a admissão do

dependente como pessoa é essencial para sua integração a uma ordem social que

aniquila seus predicados de ser humano. Vê-se por aí, a brutalidade da alienação a

que está exposto. Essa dominação implantada através da lealdade, do respeito e

Page 25: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

25

da veneração estiola no dependente até mesmo a consciência de suas condições

mais imediatas de existência social, visto que suas relações com o senhor

apresentam-se como um consenso em uma complementaridade, onde a proteção

natural do mais forte tem como retribuição honrosa o serviço e resulta na

aceitação voluntária de uma autoridade que, consensualmente, é exercida para o

bem.” (Franco, 1983:88) Tal dominação não aparece como imposição do mais

forte sobre o mais fraco pois suas tensões estão profundamente ocultas, não

emergindo à consciência das dominados. Para este, seu mundo é formalmente

livre e tal sujeição aparece como natural e espontânea, transformando-o numa

criatura domesticada. Essa dominação pessoal fundamenta-se na proteção e

benevolência concedidas em troca de fidelidade e serviços.

Outra parcela de homens livres puderam se tornar agregados e camaradas

devido às terras improdutivas restantes das grandes propriedades, que podiam ser

cedidas em favor, sem prejuízo para o proprietário. O mais importante é que o

destino de todos esses homens definiu-se regido por dois princípios divergentes de

ordenação da relações sociais - associações morais e ligações de interesses. A

aquisição econômica como objetivo fundamental, “a ausência de privilégios

juridicamente estabelecidos, a falta de uma tradição de tornar firmemente

estereotipadas as relações sociais,” (...) “colocaram frente ao homem pobre a

possibilidade de integrar-se aos grupos dominantes”. (Franco, 1983:103) Nesse

contexto, baseado nas relações de favor, o homem livre considerava a dominação

como uma graça, reafirmando ele próprio, ininterruptamente, a cadeia de

lealdades que o prendia aos poderosos, sua sujeição foi suportada como benefício,

recebida como gratidão, não havendo a possibilidade de sequer perceber a

situação de domínio a qual estava submetido.

Outra característica importante, apontada por Freyre, foi o processo de

equilíbrio e antagonismos desenvolvidos em nossa colonização, “sendo o mais

geral e o mais profundo” aquele que concerne à relação entre senhor e escravo.

Lembra que desde pequenos, os filhos dos senhores, os “sinhozinhos”, já possuíam

um escravo para companhia ou simplesmente para lhe satisfazer todas as

Page 26: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

26

vontades, proporcionando desde cedo o exercício do mando. Esse sadismo do

senhor para com o escravo excede a esfera sexual e doméstica e vai recair

também na esfera social e política onde a tradição conservadora se sustenta no

“sadismo do mando”, justificando-se por “princípio de autoridade” ou “defesa da

ordem”.

A solidariedade intra-familiar, baseada em vínculos sentimentais e morais

será determinante na indistinção entre os domínios do privado e do público na

sociedade brasileira. O grupo familiar estava isolado, podendo refutar qualquer

princípio superior que o abalasse. Assim, “o quadro familiar torna-se tão poderoso

e exigente, que sua sombra persegue os indivíduos mesmo fora do recinto

doméstico. A entidade privada precede sempre, neles, a entidade pública. (...) O

resultado era predominarem, em toda vida social, sentimentos próprios à

comunidade doméstica, naturalmente particularista e antipolítica, uma invasão do

público pelo privado, do Estado pela família.” (Holanda, 1995:82) O mandonismo

local expressava isso, onde os interesses particulares dos senhores se confundiam

com o interesse municipal. “O resultado a que se chegou foi curvar-se sempre o

governo diante dos interesses privados, deixar-lhes carta branca tanto nos seus

negócios particulares quanto nos negócios de interesse público, e a execução de

melhoramentos e benfeitorias desta ordem partiu quase sempre da iniciativa

privada; a conseqüência lógica foi desenvolver-se em todo o país, como

acompanhante do excessivo orgulho, individualismo e independência dos

proprietários, a confusão entre as esferas públicas e privadas.” (Queiroz,

1969:127)

Isolados num território imenso, os fazendeiros têm a necessidade de

desenvolver sua auto-subsistência, gerando na economia das fazendas uma

complexidade de aparelhos de produção. Tal independência econômica foi

extremamente importante pois possibilitou uma ação poderosamente

simplificadora sobre toda a estrutura das populações rurais impedindo a emersão

de uma poderosa burguesia que pudesse contrabalançar a hegemonia dos

latifundiários. Tudo se concentra na área dos latifúndios agrícolas e, portanto, os

Page 27: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

27

pequenos ofícios e as pequenas indústrias não têm razão de existir. A classe

comercial ou industrial que se instala nas aldeias e vilas vive uma vida parasitária,

irregular e miserável (Viana, 1973).

Acrescenta o autor que, toda a população rural fica sujeita à situação de

agregados pois, numa situação de mandonismo e permanente desamparo legal,

todos os desprotegidos tentam abrigar-se, por impulso natural de defesa, nos

domínios dos poderosos. Depois da solidariedade parental, a única forma de

solidariedade social é o clã fazendeiro. Os senhores são acaudilhados por sócios,

amigos, camaradas e capangas. “O clã rural possui caráter mais patriarcal que

guerreiro, mais defensivo que agressivo e sua estrutura é menos estável” e “entre

o chefe e o seu clã se forma uma espécie (...) de tributo patriarcal isolada do

mundo, tamanha é entre um e outro a comunidade de sentimentos e o espírito de

obediência e união”. (Viana, 1973:149) Este autor ainda afirma que, a obediência

voluntária aos representantes locais do poder público demonstra não haver

discriminação entre o poder público como tal e os indivíduos que os exercem e

também não haver um conceito de Estado “na sua forma abstrata e impessoal.”

É o que Franco vai demonstrar, da sociedade do séc. XIX., que a conduta do

servidor público, movido mais pelos interesses particulares do que pelo seu

empregador distante e imaterializado explica-se em grande parte pelo caráter

rudimentar deste último. A carência de fundos público foi compensada pelo

patrimônio particular do cidadão comum ou do próprio servidor público, fugindo de

todas as medidas peculiares a uma ordem burocrática. A escassez de meios

financeiros dos órgão públicos foi um dos principais empecilhos no

desenvolvimento de uma administração burocrática, o que reforçava a falta de

instrumentos que ampliassem tais finanças. Mesmo pequenos serviços, como o

reparo das vias públicas, ficavam à cargo da iniciativa particular. “Essa mistura

entre a coisa pública e os negócios privados fundamenta, sem dúvida, a extensão

do controle pessoal a todo o patrimônio do Estado. A passagem é rápida: o

homem que sustenta com recursos particulares as realizações próprias do governo

está subjetivamente pronto para considerar como seu o conjunto de bens públicos

Page 28: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

28

confiados à sua guarda. Assim como se improvisavam, nos serviços públicos, o

dinheiro e as instalações, também se admitia precariamente boa parte de seu

pessoal. No tocante à segurança pública, várias ações policiais, por exemplo, eram

realizadas por pessoas comissionadas no momento das ocorrências e não por

membros regulares das corporações governamentais. Tal amadorismo estendia-se

também a funções que requeriam conhecimentos especializados.” (Franco,

1983:122) Assim, as coisas públicas continuaram a ser usadas pelo grupo no poder

através da dominação pessoal.

O setor onde essa influência da esfera privada se exerceu com mais força e

por mais tempo foi o da justiça e segurança. O poder de uma entidade impessoal e

suas disposições abstratas não eram vistas como necessárias, pois cabia ainda ao

indivíduo e seu próprio discernimento pesar as situações enfrentadas e orientar

sua conduta de modo socialmente legitimado. A defesa ou o ataque sobre

interesses materiais, morais ou físicos eram definidos por prerrogativas pessoais.

Não cabia ao Estado ditar as regras e executá-las para a resolução dos conflitos.

Os membros dos grupos dominantes podiam desfrutar mais ainda das imunidades

devido a sua situação privilegiada e, além disso, podiam ter ao seu dispor “um

conjunto de homens cujas vidas não tinham muito valor, nem encontravam muita

razão de ser naquela sociedade”: os agregados das fazendas. Estes, destituídos de

meios próprios para subsistência, tudo deviam e nada podiam oferecer, a não ser a

obediência. Transformavam-se então em instrumentos usados até para a resolução

dos conflitos, cumprindo nas fazendas, também o papel de vigilante. Segundo

Franco, isto aumentou a precariedade do agregado pois, além da poderem ser

desalojados a qualquer momento pelos fazendeiros que defendiam, também

sofriam uma constante ameaça dos inimigos.

Costa Pinto, ao estudar as lutas entre famílias na sociedade brasileira,

afirma que estes conflitos resultam da ausência de um poder “suprafamilial” capaz

de impor coercitivamente o interesse coletivo sobre o interesse privado e que

atribua a si o direito e o poder de único distribuidor de justiça e de mantenedor do

equilíbrio e da segurança da sociedade. Cabia então, ao poder privado a prevenção

Page 29: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

29

e a reparação dos delitos, a segurança, através das represálias exercidas pela

família contra todos que atentam contra a vida, o interesse ou a honra de seus

membros. É a família que determina o status4 de uma pessoa. A vingança privada

é uma violência coletiva, sendo uma luta entre grupos e não entre indivíduos. Para

que o estrangeiro consiga se manter inserido, torna-se necessário fazer-se cliente,

buscando a proteção de uma família.

A pressão da família não se expressava de forma anárquica ou arbitrária

mas, pelo contrário, buscava manter a ordem e para isso, atuava de forma

automática e violenta. Com o fortalecimento do poder público, as peculiaridades da

vingança resultam do fato de ser uma forma ilegal, mas efetiva, de repressão ao

delito, coexistindo com formas legais. Ao mesmo tempo, essas duas formas se

opõem e, não raras vezes, se complementam uma à outra. Toda essa estrutura

doméstica e familiar só é superada com a formação e institucionalização do poder

político. Isto, segundo Costa Pinto, só acontece com a crise que atingiu a

economia dos engenhos, com o aparecimento de outros núcleos econômicos, o

desenvolvimento das comunicações que quebra o isolamento das populações

rurais, a urbanização, a politização e educação do povo e o aparecimento de uma

classe média e de um proletariado, que aumentaram a competição política e a luta

de classes.

Outro estudo marcante que aborda a manifestação do poder privado nos

assuntos públicos é sobre o “coronelismo”, termo usado pelos sertanejos a todo e

qualquer chefe político. O fenômeno do coronelismo pode ser definido como o

resíduo do poder privado que coexiste com um regime político de extensa base

representativa e que está profundamente relacionado à estrutura agrária brasileira,

ou seja, tem o isolamento como fator fundamental de formação e manutenção.

Entretanto, este fenômeno não corresponde à fase áurea do privatismo, o

patriarcalismo, onde havia a concentração do poder econômico, social e político no

grupo parental. É característico do regime republicano, corresponde à decadência

4 Segundo Costa Pinto (1980), sociologicamente o conceito de status é a posição relativa, categoria e importância de uma pessoa em um grupo, ou de um grupo em relação a um agrupamento maior.

Page 30: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

30

do poder privado e funciona como processo de conservação de seu conteúdo

residual. (Leal, 1975)

Durante o período colonial, o regime representativo era muito limitado e a

administração pública era controlada pela Coroa. Após a independência do Brasil,

com o sufrágio baseado no censo econômico, o corpo eleitoral era muito restrito e

manipulável, proporcionado eleições fraudulentas e repletas de atos violentos.

Com o fim da escravidão e depois, na República, com a extensão do sufrágio,

cresceu a importância do voto dos trabalhadores rurais (o eleitorado rural era a

maioria no Brasil) e, devido a estrutura agrária de dependência vigente, na mesma

proporção, cresceu a influência política dos donos de terras em razão da

dependência dessa parcela do eleitorado. O coronel comanda um grande número

de votos de cabresto e resume, em sua pessoa, importantes instituições sociais. É

ele quem exerce jurisdição sobre seus dependentes, “compondo rixas e

desavenças e proferindo, às vezes, arbitramentos que os interessados respeitam.”

A ele também são incumbidas funções policiais, legitimadas por sua ascendência

social (do status de proprietário rural) e que torna-se efetiva com o auxílio de

empregados, agregados ou capangas.

O compromisso coronelista era o de manter apoio incondicional aos

candidatos do oficialismo nas eleições estaduais e federais. Em contrapartida, ao

coronel era dada carta branca nas decisões sobre todos os assuntos relativos ao

governo municipal. A partir do poder obtido pela submissão política, os donos de

terras podiam negociar e fazer acordos com os governantes que dependiam desses

votos para se eleger. O autor afirma que apesar das críticas quanto à falta de

“espírito público” dos chefes políticos locais, graças a eles é que foram possíveis os

melhoramentos relativos à saneamento, saúde, e serviços de correios, por

exemplo, desenvolvidos nos municípios.

Durante a primeira República, considerando que a organização policial se

baseava em sistemas livres de nomeação, este representou um dos mais sólidos

sustentáculos do “coronelismo”. Duas instituições que tinham o exercício de

funções policiais – as ordenanças e a Guarda Nacional - manifestavam visíveis

Page 31: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

31

transições entre os poderes público e privado. A incorporação dos senhores locais

ao aparelho administrativo do Estado foi feita através de indicações de nomes para

postos de delegados e subdelegados dos postos de comando das ordenanças.

Estes, tinham como dever, agirem em aliança com os chefes locais, “fazendo

justiça com os amigos e aplicando a lei aos adversários. Daí a ligação indissolúvel

que existe entre o “coronelismo” e a organização policial”. (Leal, 1949: 217). De

seus dependentes (agregados) os chefes locais constituíam os exércitos

particulares que desempenhavam papel extremamente importante nas lutas de

famílias, recurso este que já havia sido estimulado pela própria Coroa portuguesa,

durante o período de colonização, que incentivou a criação, pelos sesmeiros, de

uma força armada que garantisse a defesa dos núcleos coloniais.

Resumindo-se, o fenômeno do “coronelismo” atua no reduzido cenário do

governo local, com a ausência ou rarefação do poder público e trata-se de um

sistema político dominado por uma relação de compromisso entre o poder privado

decadente e o poder público fortalecido. Pelos mesmos motivos apontados por

Costa Pinto – surgimento de núcleos econômicos, de uma burguesia e

proletariado, desenvolvimento das comunicações, urbanização, politização e

ampliação do sistema educacional é que a estrutura econômica e social na qual se

sustenta o “coronelismo” é abalada e pode-se implantar mudanças na conduta

política.

Além disso, Uricoechea (1978) afirma que o desenvolvimento político do

Brasil do século XIX avançou em caminho inverso àquele seguido pelas

democracias liberais da Europa ocidental, que consistia na desagregação contínua

de antigas solidariedades. O que ocorreu aqui foi a agregação de solidariedades de

radiação cada vez maior, até atingir um nível nacional, processo que não eliminou

o poder local e simplesmente tirou dele a legitimidade de sua coerção. Isso se

reforçava pela necessidade de, não raras vezes, ser necessário recorrer às formas

patrimoniais de governo devido às condições precárias da administração pública

que, em alguns casos, simplesmente não podia pagar seus funcionários. Havia

solicitações de funcionários devidamente nomeados para substituir os

Page 32: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

32

administradores que não tinham nenhuma prática na atividade que exerciam,

tornando difícil a institucionalização de procedimentos e expectativas ordenadas e

havia queixas sobre a ausência total de magistrados, condições precária das

cadeias, ausência de ordem pública e de segurança pessoal. O autor acrescenta

que o estado calamitoso do tesouro real proporcionou “situações patéticas”, que

demonstravam a precariedade de seu aparato burocrático, como no caso de 1843

em que o juiz de direito de uma cidade informou o presidente da província sobre a

necessidade de retirar do local um destacamento policial. Por não terem recebido

seus salários “...muitos praças se degradaram a ponto de andarem pedindo

esmolas, o que reunido ao estado de embriagues em que quase sempre se acham

tem alheado do destacamento toda a espécie de confiança, quer da autoridade,

quer da população.” (Uricoechea, 1978:155)

Entretanto, outros ramos da administração pública também não escapavam

do pauperismo do Estado, criando condições que fortaleceram a patrimonialização

do governo local e a falta de distinção entre a esfera doméstica e administrativa.

Reis afirma que, na experiência brasileira, a “nação” como ideologia política

aparece antes mesmo da independência, porém, somente no primeiro período da

República é que os projetos de construção da nação adquiriram maior

especificidade e sob o governo autoritário de Vargas é que uma ideologia nacional

ganhou relevância política. Ressalta as disputas relativas a ideologias na

construção do estado nacional após a queda da monarquia e que, de início, tal

competição se situa em termos de positivismo versus liberalismo. Os oficiais,

influenciados pela doutrinação da Academia Militar, defendiam a superioridade dos

recursos de autoridade sobre os de solidariedade na promoção do progresso

científico do estado nacional, enquanto que os defensores do liberalismo eram os

cafeicultores de São Paulo, que argumentavam que o papel das autoridades

deveria ser o de garantir a propriedade e a liberdade de iniciativa. Mas assim que o

problema da superprodução tomou grandes proporções, a elite agrária concorda

com a regulação do mercado pelo Estado, propiciando a legitimação à expansão do

poder público mesmo num contexto oligárquico. A ditadura Vargas consolidou um

Page 33: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

33

padrão autoritário de interação entre o Estado e a sociedade e a sua legislação,

permanecendo como o instrumento mais avançado de cidadania, mas descrita

como componente populista, afirma a persistência da ideologia autoritária sobre

as iniciativas de solidariedade. A relação direta entre a figura do líder e seus

seguidores, típica do populismo, reflete a desvalorização de “laços horizontais de

solidariedade”. Para entender a crise do Estado-nação, na qual a solidariedade

parece estar se restringindo, é que Reis destaca a perspectiva histórica. Que o

modelo de cidadania desenvolvido aqui promoveu uma identidade coletiva em

torno da autoridade e não da solidariedade. Os limites da unidade de solidariedade

têm-se estreitado, diminuindo também os espaços de confiança mútua.

Sugere ainda que a forma como alguns problemas sociais têm sido tratados

na América Latina se aproxima a um familismo amoral5, gerando conseqüências

perversas sobre a solidariedade. Dessa forma, as iniciativas privadas que visam

compensar o fracasso do Estado na manutenção da ordem pública e da segurança

acabam agravando o problema. “A generalização da prática de contratar segurança

particular e serviços de guarda-costas, o pagamento de dinheiro em troca de

proteção, a criação de esquadrões da morte, a privatização dos espaços públicos

através do bloqueio de ruas e medidas semelhantes, tudo isso evidencia o que

poderíamos chamar de uma espécie de “pretorianismo social” na região, para usar

uma expressão de Huntington: a generalização do recurso a meios violentos, e a

competição por esses meios, que desmoralizam ainda mais a autoridade pública.”

(Reis, 1998:127) Nesse sentido, aqui se faz necessário reportar-se ao trabalho de

Christie, que em seu livro A indústria do controle do crime cita o trabalho de

5 Reis cita a pesquisa que Banfield realizou numa cidade no sul da Itália, durante a década de 50, em que ficou impressionado com a maneira pela qual o senso de identidade dos habitantes do povoado se limitava ao âmbito de suas famílias imediatas. É esse familismo amoral, que, preso a sua lógica familista privada, acabaria por tornar impossível a vida social. Sem a cooperação generalizada, as sociedades estão condenadas a reproduzir um pesadelo hobbesiano. A situação sugere que uma falta de confiança generalizada levava os membros da comunidade a considerar o recuo para a esfera privada como sua escolha mais racional. As pessoas são incapazes de adiar a satisfação de necessidades a fim de obter maiores benefícios por meio de ações políticas, ou de atividades conjuntas porque acreditavam ser mais urgente defender seus interesses materiais imediatos ou o de seus parentes próximos. As pessoas se recusavam a tomar parte nas atividades públicas porque automaticamente calculavam os custos de oportunidade de se associarem.

Page 34: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

34

Shearing e Stenning sobre polícia privada. Consideram que a polícia privada não é

algo novo pois, historicamente, a polícia passou de organismo privado para se

tornar um instrumento do Estado. Diz ainda que as polícias privadas

contemporâneas são “prova do ressurgimento das autoridades privadas que por

vezes efetivamente desafiam o monopólio do Estado sobre a definição da ordem”.

(Christie, 1998:111) Também ressalta dois principais defeitos da polícia privada: a

discriminação social e a possibilidade de abuso em situações de conflitos político

sérios.

Ainda segundo Reis, quanto mais os atores recorrem à formas privadas

torna-se mais provável que se produzam formas ampliadas de familismo moral.

Mesmo que a pobreza e a desigualdade não representem ameaças à democracia,

as instituições democráticas só ganharão estabilidade se for encontrada a solução

para os problemas de participação social. Também o fato do Estado revelar-se

cada vez mais incapaz, coloca em risco o monopólio estatal da força física. A

diminuição da eficácia das políticas sociais promovem um afastamento da arena

política, levando a um encolhimento da esfera pública e a uma desconfiança

generalizada em relação à política. Ao invés da busca da cidadania, as pessoas

recorrem a redes alternativas de solidariedade que podem até prejudicar a

democracia política. “O fato de a democracia não conseguir conquistar a confiança

dos desfavorecidos representa uma ameaça à própria democracia”, porque

implicaria a institucionalização de alguma forma de democracia altamente restritiva

que pode acarretar a “cristalização de um sistema político muito restritivo que

sancione o apartheid social de fato existente.” (Reis, 1998:233)

A propósito, convém lembrar que, segundo Souza Santos, a obrigação

política moderna é fundada no contrato social, estabelecida para maximizar a

liberdade. É a opção de abandonar o estado natural - no sentido hobbesiano,

violento e anárquico - para formar a sociedade civil. O contrato é que vai organizar

a sociabilidade e a política nas sociedades modernas. Entretanto, o autor afirma

que este paradigma vem passando por grande turbulência há mais de uma

década. Ele ainda pressupõem que “o regime geral de valores parece não resistir à

Page 35: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

35

crescente fragmentação da sociedade, dividida em múltiplos apartheids, polarizada

ao longo dos eixos econômicos, sociais, políticos e culturais”. (Santos, 1998:9)

Dessa maneira, o Estado perde a centralidade e o direito oficial passa a coexistir

com o não oficial, e fragmentado, que disputa com o Estado o monopólio da

violência e do direito. O poder econômico desigual - fundamental para se entender

este período de crise do contrato - dá à parte mais forte o poder de impor as

condições que lhes são favoráveis. “A crise da contratualização moderna consiste

na predominância estrutural dos processos de exclusão sobre os processos de

inclusão”. (Santos, 1998:14) Acrescenta-se a isso o que o autor denominou a

emergência do fascismo societal ou fascismo do apartheid social que é a

fragmentação social, dividida em zonas selvagens e civilizadas, entendendo que

zonas selvagens são aquelas que estão em estado de natureza hobbesiano e zonas

civilizadas aquelas que estão sob o contrato social. Estas, por viverem sob a

constante ameaça representada pelas zonas selvagens, necessitam então

fecharem-se, dando forma a nova segregação urbana.

Neste sentido, outro ponto importante é uma pesquisa realizada por Reis na

qual fica demonstrado que para as elites, uma categoria social específica, a dos

pobres6, representa uma séria ameaça à ordem estabelecida e que mais da

metade dos entrevistados acreditam que as conseqüências mais negativas da

pobreza nas maiores cidades do Brasil são a violência, o crime e a insegurança.

Sobre as conquistas sociais, Telles (1996) afirma que estão sendo

devastadas e que a destituição dos direitos é uma erosão das mediações políticas

entre o mundo do trabalho e as esferas públicas. Estas não mais se caracterizam

como esferas de explicitação de conflitos e dissensos, como espaço de

6 Como complemento vale lembrar que, segundo Martins (1997), é errôneo utilizar o conceito de exclusão pois o que existe na realidade, são vítimas de processos sociais, políticos e econômicos excludentes. É o conjunto das dificuldades, dos modos e dos problemas de uma inclusão precária e instável, marginal. Para ele, o processo chamado de exclusão cria uma sociedade paralela que é includente em relação ao econômico mas excludente em relação ao social, moral e político. Para exemplificar, cita as favelas do Rio de Janeiro onde existe um poder paralelo próprio no qual o poder do Estado é ausente. Neste poder paralelo coloca os justiceiros e os traficantes, e que o surgimento de uma justiça paralela, onde não há a figura do juiz entre as partes litigiosas, restaura o justiçamento sumário e sem apelo.

Page 36: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

36

representação e negociação. Com a erosão dos direitos se constrói o consenso de

que o mercado é o único regulador da sociedade e da política e assim, cabe aos

indivíduos se ajustar às exigências do mercado. É o que ela chama de

desmontagem das esferas públicas de ação e representação. Tal destituição gera

fragmentação e exclusão ao mesmo tempo que ocorre em um cenário de

encolhimento do horizonte de legitimidade dos direitos sociais. “Neste cenário, os

arranjos neoliberais ganham terreno, acenando com perspectiva de uma

privatização dos serviços públicos que, se efetivada, haverá de institucionalizar e

sacramentar a segmentação da cidadania pela clivagem entre os que têm acesso

aos serviços fornecidos pelo mercado e aqueles que são destinados aos precários

serviços públicos estatais, vistos cada vez mais como “coisa de pobre, signo da

incompetência ou fracasso daqueles que golpeados pelos azares do destino não

puderam ou não souberam provar suas virtudes empreendedoras no mercado”

(Telles, 1996:91). Também completa que direitos não significam apenas garantias

mas estruturam um campo de relações de responsabilidades e obrigações.

Articulam uma esfera institucional na qual é possível, em casos de litígios, proceder

à imputação de responsabilidades, apelar às instâncias da Justiça e definir os

termos da arbitragem. Na erosão dos direitos não fica claro quem são os

protagonistas , as responsabilidades não são definidas claramente e as esferas de

deliberação não existem.

Wanderley Guilherme dos Santos (1992) completa esse quadro dizendo

que, no Brasil, a poliarquia - elevado grau de institucionalização da competição

pelo poder, associado a extensa participação política - restringe-se a uma

pequena mancha circunscrita por uma gigantesca cultura da dissimulação, da

violência difusa e do enclausuramento individual e familiar.

Em casos de conflito, coloca que são encontradas três opções: não fazer

nada, procurar as instituições competentes ou resolver o conflito por si mesmo, o

que ele diz ser a própria definição do estado de natureza hobbesiano. E, no

universo brasileiro, as funções básicas de uma poliarquia eficaz, como provisão de

segurança, proteção, previsibilidade e administração de justiça não chegam a

Page 37: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

37

alcançar extensão considerável. Para isso cita a enorme parcela da população que

é vítima de roubos ou furtos e que não recorre à polícia ou daqueles que resolvem

a questão “por conta própria”. Segundo o autor a sociedade brasileira transita com

muita facilidade entre instituições poliárquicas e não poliárquicas. Ao mesmo

tempo em que exerce seu direito ao voto, as mesmas pessoas deixam de recorrer

à justiça institucional e até apelam a meios ilegais para resolver os conflitos. “A

crescente certeza da ineficácia das normas gerais como determinantes da conduta

individual, associada à ignorância sobre os comportamentos possíveis, instauram a

dinâmica de uma descrença e desconfiança generalizadas (...) que se faz

acompanhar do temor da convivência social. Os laços de solidariedade se diluem e

os indivíduos voltam-se para si próprios, recusando-se ao convívio social. O privado

se sobrepõe ao público. (...) A segurança e a confiabilidade só existem no âmbito

do privado, da reclusão familiar (...) A vida pública é tecida por desconfianças,

asperezas, ofensas inesperadas. Em uma palavra, a sociedade retorna ao estado

da natureza hobbesiano, no qual inexistem normas gerais universalmente aceitas.

No estado de natureza, sem lei nem ordem, o homem é o lobo do homem em

processo perverso de retroalimentação: a desconfiança gera o isolacionismo que

provoca desconfiança e hostilidade em outros, confirmando a desconfiança e o

isolacionismo dos primeiros”. (Santos,1992:108-109) Aumentando a taxa de

imprevisibilidade do mundo, o que passa a prevalecer são os códigos privados de

comportamento assim, os microagrupamentos passam a definir para si próprios o

que é certo e o que é errado, justo ou injusto.

A isto acrescenta-se DaMatta que afirma que a sociedade brasileira tem um

sistema social no qual convivem diferentes concepções de sociedade, de política,

de economia e cidadania e que a palavra cidadão é sempre usada em situações

negativas pois marca a posição de alguém que está em desvantagem ou

inferioridade. A obediência às leis significa uma situação de anonimato e a

ausência de relações influentes. Outro fator é o das instituições brasileiras

sofrerem pressão tanto das normas burocráticas quanto das redes de relações

pessoais a que todos estão submetidos e os recursos que essas redes mobilizam e

Page 38: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

38

distribuem, onde sempre há uma superestrutura ideológica e jurídica plenamente

oficial e coerente, interpretada por uma infra-estrutura formada por teias de

relações pessoais. Na nossa sociedade existem “moralidades”, dotadas de “éticas

múltiplas”. Dessa forma, há códigos específicos para cada esfera da sociedade,

onde se age de maneiras diferentes na casa, na rua ou na igreja, criando zonas de

ambigüidade e, o mais importante, ninguém percebe que essas mudanças radicais

de comportamento possuem alguma implicação político-moral ou ideológica. Outra

característica é a capacidade de englobamento, ou seja, de totalizar um elemento

em outro em situações específicas, tornando possível englobar a rua na casa,

“tratando a sociedade brasileira como se fosse uma grande família, vivendo

“debaixo de uma amplo e generoso teto”, obedecendo, naturalmente, às leis e

seguindo a liderança de quem produz o discurso e que é, naquele momento, o

“nosso líder” e o “nosso guia e pai”. A semântica onde o eixo da vida pública é

englobado pelo eixo da casa é típico do discurso populista onde as questões são

tratadas debaixo de um prisma pessoal e caseiro, familiar e doméstico.” (DaMatta,

1991:104) Assim, quando diz que “casa” e “rua” são categorias sociológicas para

os brasileiros, está afirmando que, entre nós, “estas palavras não designam

simplesmente espaços geográficos ou coisas físicas mensuráveis, mas acima de

tudo entidades morais, esferas de ação social, províncias éticas dotadas de

positividade, domínios culturais institucionalizados e, por causa disso, capazes de

despertar emoções, reações, leis, orações, músicas e imagens esteticamente

emolduradas e inspiradas.” (DaMatta, 1991:21) Tudo isso fica muito próximo ao

que Kowarick (1991) denomina como subcidadão público e o cidadão privado.

Sendo o espaço público o da desordem e da violência, nele o cidadão não tem

respeitados os seus direitos e é no seu espaço particular, na sua casa, o lugar

onde ele encontra a ordem, o respeito e se sente uma pessoa realizada. Este seria

o único lugar em que ele teria a sua "cidadania" reconhecida.

A partir disto, é possível esboçar algumas indicações que estão melhor

explicitadas nos capítulos seguintes. Passando por todos os autores, fica claro que

Page 39: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

39

a sociedade brasileira é profundamente marcada por relações orientadas por

interesses particulares em detrimento dos interesses coletivos. Verificou-se que é

muito usual o trato da coisa pública como algo particular e que isso seria o legado

de uma colonização realizada, em maior parte, por uma ação não oficial, pela

importância da estrutura familiar na rede de relações e pela precariedade de

recursos públicos que marcou a história brasileira. Com a sociedade brasileira

ainda preservando suas características particularistas, a expansão das empresas de

segurança privada pode representar uma radicalização de uma característica

tradicional desta sociedade no tocante à questão da segurança pública. Esta

expansão, que aparentemente sugere ser algo novo, na verdade, como já citado

por Christie, seria um ressurgimento de “autoridades privadas” no contexto do

Estado moderno. Talvez seja possível afirmar ainda que, no caso brasileiro, o

monopólio da violência física nunca esteve totalmente centralizado no poder do

Estado. Isso se confirma pela permanência constante, ao longo da história, de

atitudes privadas para resolução dos conflitos, ou seja, constantemente, em nossa

história, como apontou Franco, a precariedade dos recursos públicos foi

compensada pelo patrimônio particular e mesmo quando essa precariedade não

representava um entrave, a opção por formas particulares e privadas na resolução

dos conflitos sempre foi bem vinda. Esta é uma característica que se radicaliza

numa situação de “crise da modernidade” e de “crise contratual”, lembrando Souza

Santos, onde fica evidente a indiferença entre o público e o privado, contribuindo

para o chamado “hobbesianismo social” pois, ao contrário de se buscar soluções

coletivas para a questão da segurança, cada um procura defender a sua “parte”

individualmente.

Num contexto de diminuição dos espaços de confiança mútua, a principal

conseqüência é o recuo à esfera privada. Dessa maneira, estando em risco a

integridade física, agrava-se o processo de degradação, trazendo uma nova forma

de segregação social que é a “evitação” do outro, problema também apontado por

Christie e Souza Santos. Isto se torna ainda mais grave quando o sentimento de

insegurança é visto como uma conseqüência direta da pobreza.

Page 40: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

40

Quando o indivíduo não tem mais a garantia da segurança, é gerada uma

precarização das condições de vida, sobretudo quando isto ocorre nas grandes

cidades. Os espaços que, na teoria do Estado moderno, seriam pacificados,

permitindo o convívio entre os homens não oferecem segurança. Não é possível

prever a ação do outro e o Estado, na maioria das vezes, ou é o responsável direto

pelas violências ou não se mostra capaz de administrar os conflitos. A ausência de

canais institucionais para resolução desses conflitos ou o seu funcionamento

precário, incentivam que cada um, à sua maneira, se molde à nova realidade e

garanta sua própria segurança. Enquanto alguns podem pagar pelas ofertas de

segurança existentes no mercado, nas áreas de maior índice de criminalidade,

onde a presença do Estado é rarefeita, as populações também apelam para

esquemas privados de proteção. Não podem contar com os caros equipamentos

eletrônicos, mas com a ação de justiceiros que atuam como “juizes” dos conflitos

locais, grupos de extermínio e quando necessário, eles próprios se manifestam

diretamente através dos linchamentos. São momentos em que se revela a

necessidade de “fazer justiça com as a próprias mãos” em virtude da ausência de

um poder oficial que garanta, por meios legais, a segurança e a justiça.

Considerando que a violência é um fenômeno que toca no cerne da cidadania, pois

incide na integridade física das pessoas, a credibilidade e legitimidade do Estado,

como o provedor dessa integridade, ficam abaladas num contexto de iniciativas

particulares para a resolução do crescente aumento da violência. Ao invés de se

adotar medidas coletivas e democráticas para a resolução dos conflitos os meios

são escolhidos individualmente, indo em caminho contrário àquele que determina

às instituições públicas a tomada das soluções para problemas dessa natureza.

Forma-se um círculo vicioso no qual, formas enfraquecidas de cidadania tornam-se

cada vez mais frágeis, ao mesmo tempo em que se fortalecem as iniciativas

particulares. A resolução dos conflitos não é mais tomada por um poder público e

democrático resultante das conquistas sociais, mas sim por vários núcleos de

poderes individuais e tradicionais. No momento em que um determinado grupo

garante sua segurança por conta própria, não lhe resta mais motivação para

Page 41: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

41

reivindicar melhorias na segurança pública, dando continuidade à sobreposição do

privado sobre o público.

Page 42: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

42

Capítulo 2. Segurança privada e políticas de segurança em São Paulo

Discute-se hoje em dia a formação de um novo paradigma da violência pois

as antigas teorias já não seriam suficientes para se explicar a violência

contemporânea. Wieviorka (1997) sustenta a idéia de que, após as profundas

mudanças dos anos 60 e 70, chegou-se a uma nova era em que é válido acentuar

as rupturas da violência para se pensar sobre esse novo paradigma.

Assinala como as principais mudanças ocorridas a redução da violência

política e do terrorismo depois dos anos 80, a redução da importância das lutas de

libertação que deram origem a novos regimes e a novos Estado a partir dos anos

50, e também destaca que o fim das lutas operárias contra a relação de

exploração e o conseqüente declínio do movimento operário levou a uma não

relação social e a exclusão social. Segundo o autor, a mais notável renovação em

relação a violência é aquela relacionada a uma identidade étnica ou religiosa para

fins políticos. Outra importante característica é que a violência, que anteriormente

invocava uma certa simpatia entre os políticos e intelectuais de tradição

revolucionária, não tem mais qualquer legitimidade no espaço político. “Não

somente a violência não possui hoje legitimidade no espaço público das

democracias ocidentais, em seus debates políticos e intelectuais, em sua

capacidade de também se engajar em intervenções armadas que poderiam fazer

mortos de seu lado, mas além disso e essa é uma segunda característica

importante da época contemporânea, ela funciona cada vez mais como categoria

geral para apreender a vida social bem como as relações internacionais. Ela

constitui assim uma categoria bem mais central do que era para pensar o interno

e o externo, a sociedade e o meio que a cerca” (...) “Enfim, tais percepções e

representações da violência podem mudar consideravelmente, como se vê, por

exemplo em países onde ela é tolerada ou suportada, percebida quase como

inscrita no funcionamento normal da sociedade. Assim é, por exemplo, no caso do

Brasil ou na Rússia. Mas no conjunto estamos bem longe dos debates dos anos 60

e 70.” (Wieviorka, 1997:10)

Page 43: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

43

As rupturas também são encontradas no que o autor chama de níveis de

análise da violência, tão comuns nos anos 60, que são o sistema internacional, os

Estados e as sociedades. O sistema internacional foi afetado com o fim da guerra

fria que tinha o controle parcial da violência permitindo que, hoje, conflitos

localizados tenham mais espaço para surgirem e tomarem grandes proporções. A

questão da globalização da economia que está vinculada ao neoliberalismo e à

violência também acarretou mudanças, pois a violência se alimenta das

desigualdades e da exclusão, que são agravadas com o livre comércio.

O Estado, que geralmente está no centro das análises sobre violência,

encontra-se enfraquecido e parece cada vez mais incapaz de cumprir com suas

funções clássicas, entre as quais a de cobrar impostos, ao mesmo tempo em que a

economia e a violência se privatizam. O autor também acrescenta que um debate

sobre a expansão da privatização da segurança merece ser aberto pois os efeitos

dessa privatização do uso da força não têm necessariamente sentido unívoco.

“Alguns falam, senão do declínio do Estado, ao menos do declínio do modelo que

ele pode constituir, evocando como exemplo um retorno à Idade Média, um

“neomedievalismo” para descrever o enfraquecimento dos Estados-nações e para

dar conta de uma imagem que se fixaria em uma pluralidade de comunidades e de

investiduras, hierarquias ou entrelaçamentos.” (Wieviorka, 1997:19)

As sociedades também sofreram rupturas e nelas podem-se encontrar

modelos de desenvolvimento distintos. Mesmo assim não existe uma relação direta

entre desenvolvimento e violência. Apesar dos progressos econômicos e políticos

conquistados em várias sociedades, isso não implicou em uma regressão da

violência.

A violência hoje deve ser pensada a partir da ausência de mediações e do

enfraquecimento dos sistemas de relações que criam o espaço da violência. A idéia

de um novo paradigma deve ser construída através de suas novidades radicais,

como o fato de a violência ser ao mesmo tempo globalizada ou localizada, não

apresentando diferenças relevantes entre o que se encontra no centro ou na

periferia, como também pelo fato de haver um enfraquecimento dos espaços

Page 44: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

44

públicos e fragmentação dos espaços políticos. A violência mudou e mudou o perfil

do Estado. Hoje as atividades criminosas são caracterizadas por uma organização

que não existia no passado. As atividades estão voltadas para o tráfico de drogas e

de órgãos, de objetos roubados entre outros, e para o seu sucesso os

protagonistas da violência precisam de um Estado enfraquecido. Desta maneira, a

violência parece constituir a característica principal da pane do Estado.

Duas perspectivas são sublinhadas pelo autor. A primeira é a do

crescimento da violência instrumental, funcionando como uma forma hobbesiana,

de luta de todos contra todos, de resolução dos conflitos quando a ordem se

desfaz e a lógica da crise é levada ao extremo. A outra perspectiva trata da

violência quando seus significados não são apenas instrumentais mas expressam a

defasagem entre as demandas subjetivas das pessoas ou grupos e a oferta

política, econômica e institucional. A violência passa, portanto, a ser a voz do

sujeito não reconhecido, vítima da exclusão social e da discriminação racial.

Porém, ao mesmo tempo, a violência se torna a negação daquele que a exerce

pois é a expressão desumanizada do ódio que pode tender à barbárie dos

purificadores étnicos ou dos erradicadores.

Por fim, Wieviorka encerra seu texto afirmando que a violência surge e se

desenvolve através das carências e dos limites do jogo político e que a alternativa

para a superação do estado atual seria a imposição, pelos atores políticos, de

fórmulas de negociação e debate. A intenção é transformar a não-relação

constituída pela violência em comunicação e relação, mesmo que tensa e

conflitiva. Segundo este autor, o declínio dessa violência contemporânea está

freqüentemente condicionado pela conjunção de fatores próprios aos atores -

capazes de serem sujeitos e se afastarem de lógicas de puro ódio ou barbárie - e

de fatores próprios ao sistema no seio do qual eles evoluem, e aos atores políticos

que sobre ele exercem uma influência.

Essa reflexão é de grande valia para se pensar as mudanças na percepção

explicativa sobre a violência contemporânea no Brasil, que também passa por um

processo de continuidades e rupturas. Talvez o principal deles, apontado por vários

Page 45: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

45

autores, seja o processo de reabertura democrática após um longo período

ditatorial que, apesar de tantas expectativas, não significou o pleno

desenvolvimento das práticas democráticas como também não atuou

imediatamente na redução dos conflitos e da violência. Apesar da Constituição de

1988 ter sido um enorme avanço em relação à garantias de direitos civis e

políticos, e de proteção contra o arbítrio do Estado autoritário, persistiram as

violações aos direitos humanos seja por parte do poder público ou de seus

cidadãos. Tal distância entre o que é determinado por lei e as práticas seria um

dos principais empecilhos à efetiva consolidação democrática e ao controle efetivo

da violência não só no Brasil como em outros países da América Latina onde a

violência é usada pelas elites como forma de manutenção da ordem social.

(Pinheiro, 1997)

Nesse período autoritário é que foram formadas as forças policiais cuja

organização se mantém até hoje, a despeito das inúmeras mudanças introduzidas

no aparelho repressivo, especialmente na última década. Tanto a extinção das

guardas civis uniformizadas e sua unificação com os exércitos estaduais em 1967

quanto a retirada da alçada da justiça civil para a justiça militar dos crimes civis do

policiamento ostensivo tiveram por propósito formar uma estratégia de repressão

política, de enfrentamento contra as dissidências porque o que estava em jogo era

a segurança do Estado e dos detentores da ditadura. O que se tem é a criação de

uma polícia arbitrária, que usa de meios ilícitos para a condução de suas

atividades, tendo a tortura como sua principal “técnica” de investigação7. Tais

práticas acabaram migrando para o domínio da segurança pública e da contenção

do crime comum. Outra prática que se torna rotineira são as execuções sumárias

praticadas pela polícia, seja na atuação do policiamento ou em atividades paralelas

como os esquadrões da morte. Nesse mesmo período, os movimentos de defesa

dos direitos humanos tomaram impulso a partir da defesa contra os abusos

praticados aos presos políticos.

7 Somente em novembro de 1995 foi instalada a Ouvidoria de Polícia em São Paulo, um órgão independente que recebe as denúncias sobre abusos cometidos por policiais.

Page 46: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

46

Paralelamente a essa persistência do legado autoritário nas instituições e na

sociedade, o aumento da criminalidade, principalmente em suas modalidades mais

violentas como os crimes contra a vida e a integridade física, é outra característica

desse período de transição.

Segundo Coelho (1987), até a primeira metade da década de 60 o tráfico de

drogas não havia ainda desenvolvido uma rede bem estruturada de organização. A

criminalidade era uma atividade individual, não existindo ainda o padrão coletivo e

de organização empresarial que a caracterizaria nas décadas seguintes. Assim

como os padrões do crime sofreram alterações, as taxas de criminalidade também

se elevaram, tornando-se uma das principais preocupações das populações das

grandes cidades. Porém, segundo Adorno (1998), apesar do crescimento dos

delitos, não houve uma elevação proporcional do número de inquéritos e

processos penais instaurados. O que indica que o número percentual de

condenações decresceu nos anos 80 e conseqüentemente, aumentou as taxas de

réus isentos da aplicação de sanções penais. Também grande parte dos inquéritos

policiais instaurados para apurar a responsabilidade em crimes de morte não

chegam a ser convertidos em processos penais.

Ainda, segundo Adorno (1998), as forças policiais vêm sofrendo alterações

ao longo dos anos e nos últimos quarenta anos a modernização da segurança

pública se restringiu à expansão física, com novas instalações e aumento de seu

contingente, profissionalização através de cursos especializados, de ampliação do

raio de intervenção e alterações em sua estrutura, de renovação da frota de

veículos e dos sistemas de comunicação. Todavia, todas essas medidas adotadas

não têm sido suficientes para adequar a atividade das forças policiais às exigências

do Estado democrático de direitos como também não têm exercido grande impacto

na diminuição e contenção da criminalidade.8

8 Com o aumento da criminalidade, cada vez mais a população espera que o Estado garanta a sua segurança. Segundo Coelho, para isso, o poder público pode adotar uma entre duas posições. A da justiça distributiva, em que o criminoso seria menos algoz do que vítima das precárias condições sócio-econômicas ou a da justiça retributiva, onde o criminoso deve assumir plena responsabilidade pelos seus atos e responder por eles perante as instituições do sistema de justiça criminal.

Page 47: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

47

As forças policiais são regulamentadas por legislação federal, entretanto, os

governos estaduais é que são os responsáveis pelo seu funcionamento, o que

acaba lhes conferindo inúmeras particularidades. A autoridade pública responsável

pela formulação e execução de políticas públicas de policiamento e vigilância é o

Secretário de Estado dos Negócios da Segurança Pública. A ele estão subordinadas

a Polícia Militar, encarregada do policiamento ostensivo, processado através do

patrulhamento de ruas e espaços públicos como também na apreensão de objetos

roubados e proteção da atividade bancária, e a Polícia Civil, que exerce o papel da

polícia judiciária, de investigação criminal na identificação dos autores dos delitos e

os serviços de expedição de documentos. Já à Polícia Federal cabe a apuração de

infrações de âmbito interestadual e a repressão e prevenção ao tráfico de

entorpecentes.

Geralmente a Polícia Militar fica sob o comando de um coronel (mais alto

grau da hierarquia militar) e, em cada uma das suas instâncias, as áreas são

rigidamente definidas, com poderes centralizados, promoção segundo critérios de

mérito e antiguidade sob a disciplina militar. Já a Polícia Civil é chefiada pelo

Delegado Geral que é indicado pelo Secretário de Segurança Pública e nomeado

pelo Governador do Estado. A delegacia de polícia é formada por uma chefia de

plantão, composta pelo delegado titular, delegado assistente, chefe do cartório e

chefe dos investigadores e as equipes de plantão, composta pelo delegado, pelo

escrivão, investigadores e um carcereiro. Em ambas as polícias os candidatos

passam por exames físicos, escritos e psicológicos para iniciarem o treinamento

adequado a sua atividade. Também são vinculados à Secretaria de Segurança

Pública o Instituto de Identificação “Ricardo Gumbleton Daunt”, os institutos

médicos-legais, o Instituto de Polícia Técnica e Científica. (Adorno, 1998)

De acordo com Beato (1999), o fluxo da justiça criminal no Brasil é

extremamente complexo e muitas vezes moroso. Ele tem início com uma

ocorrência realizada pela Polícia Militar comunicada à Polícia Civil, que a registra.

Registrada a ocorrência, a Polícia Civil dá início ao inquérito policial em que será

averiguada a materialidade dos crimes, indicadas as testemunhas e tomados os

Page 48: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

48

depoimentos. Terminado o inquérito policial, ele é remetido ao Ministério Público,

que avaliará se atende ou não aos requisitos legais e processuais para

apresentação da denúncia a ser remetida à Vara Criminal, onde se inicia a fase

judicial.

Entretanto, apesar de toda a modernização, a precariedade material ainda é

um grande empecilho ao bom funcionamento das polícias, e um traço marcante

em suas estruturas é a fragilidade dos mecanismos formais de inspeção que

acabam favorecendo métodos informais e ilegais de investigação.

Afirma Beato (1999) que há uma carência muito grande de conhecimento

sobre o sistema de justiça criminal e sobre as organizações policiais, que se deve

não apenas ao desprestígio do tema nos meios acadêmicos, como, também, ao

próprio isolamento dessas organizações que não estão abertas a análises e

avaliações. Em razão desse desconhecimento, acabam-se propondo idéias que

geralmente giram em torno da existência de um modelo ideal de polícia a ser

alcançado. Porém, a questão central nessa discussão está no incômodo causado

pela existência de uma polícia militar, que parece ser incompatível com os

requisitos de funcionamento do regime democrático moderno.

No interior das estruturas policiais, um dos pontos de conflito decorre dos

atritos e tensões a respeito de onde começam e terminam o policiamento

ostensivo e a atividade investigatória, além das várias culturas organizacionais

existentes nas polícias civis ou militares. Apesar da estrutura hierárquica e

disciplinada, idealizada pela concepção de seus membros mais graduados,

desenvolve-se uma atividade profissional altamente arbitrária que, para ser

adequadamente realizada, exige um grande grau de autonomia.

Segundo Pinheiro (1997), as forças policiais militarizadas do Brasil estão

entre as mais letais do mundo; os mais atingidos por essa violência arbitrária são

os desempregados e os marginalizados do sistema educacional, como vítimas ou

da violência policial ou de crimes comuns contra a vida ou contra a propriedade.

Isto pode indicar que houve um afrouxamento dos mecanismos de controle social.

Este é o espaço propício para que a violência se legitime como meio de defesa e

Page 49: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

49

de resolução de conflitos, como um elemento da carência social. O alto índice de

vítimas jovens e de seu envolvimento com o crime revela um elo claro entre

pobreza e violência. Não que exista uma relação mecânica e direta entre pobreza e

crime violento, mas deve-se considerar que os fatores de desigualdade afetam o

problema do crime na América Latina. O crime se torna a maneira mais fácil e

rápida de ter mobilidade social, já que canais “respeitáveis” para tal mobilidade

são amplamente limitados ou restritos para esses segmentos sociais. Coelho

(1987) também reforça tal idéia afirmando que as recompensas da alternativa não-

criminosa geralmente situam-se no futuro, enquanto as do crime estão

freqüentemente muito mais próximas.

Este mesmo autor, entre outros, reafirma que a pobreza, o analfabetismo, o

desemprego e as crises econômicas não constituem fatores causais ou

determinantes da criminalidade. Chega a inferir a hipótese de que o aumento da

criminalidade não estaria relacionado a um aumento do número de pessoas

envolvidas com práticas ilegais, e sim a um sofisticado esquema de organização,

fazendo com que as mesmas pessoas cometessem muito mais crimes. O crime se

torna algo altamente rentável, sobretudo em vista das reduzidas possibilidades de

que venha a ser investigado e esclarecida a sua autoria. Isto se expressa na

enorme quantidade de inquéritos policiais que acabam arquivados por falta de

provas. Continua o raciocínio afirmando que, se as taxas de criminalidade crescem

ao mesmo tempo em que são baixas as probabilidades de punição, “ao crescer

elas mesmas funcionam como redutores da capacidade dissuasória do sistema de

justiça criminal se o nível de recursos à disposição deste manteve-se constante ou

diminuiu, isto é, a um nível constante ou declinante de recursos, taxas altas de

criminalidade sobrecarregam a administração da justiça criminal, tornando-a

crescentemente ineficiente. A longo prazo, a solução consiste em reajustar o nível

desses recursos a uma taxa estimada de criminalidade no futuro, a curto prazo, o

mínimo recomendável seria não reduzi-lo, exatamente o inverso do que vêm

fazendo.” (Coelho, 1987:25) O contexto formado por altas taxas de criminalidade e

impunidade estimula o sentimento de anomia e de vitimização da população. Isto

Page 50: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

50

se reflete na ineficácia das leis e sua expressão moral, que acabam perdendo

credibilidade.

Pinheiro (1997) também aponta que, apesar do fato de muitas vítimas da

violência serem das classes mais baixas, as classes média e alta vêem o crime

como um problema que atinge apenas a elas próprias. Como se existisse uma

constante ameaça das chamadas “classes perigosas” que precisam ser mantidas

sob controle.9

Afirma que tal percepção é reforçada pelo sistema judiciário que pune com

mais rigor as classes mais baixas enquanto que os crimes que envolvem pessoas

da elite, muitas vezes, ficam impunes. A polícia tende a agir como guarda de

fronteira entre ricos e pobres enquanto que as políticas de prevenção contra o

crime são menos eficientes em controlar o crime e a delinqüência do que em

diminuir o medo e a insegurança das classes dirigentes.

Ainda segundo Pinheiro, Poppovic e Kahn (1994), a falta de ações que

favoreçam os grupos mais destituídos é uma das causas de conflitos sociais e da

violência. A Declaração Universal adverte que “os direitos humanos devem ser

protegidos pelo império da lei, caso contrário a “rebelião contra a opressão” será o

último recurso do homem. A conjuntura mundial de recessão, desemprego

estrutural e crescentes disparidades sociais contribuem para a marginalização dos

setores mais pobres e vulneráveis da população, não lhes deixando nenhum

espaço, a não ser o caminho da violência e das atividades ilegais.” (Pinheiro,

Poppovic & Kahn, 1994:192)

Beato (1999) acrescenta que, receosas de serem vítimas da violência, as

pessoas passam a adotar precauções e comportamentos defensivos na forma de

seguros, sistemas de segurança eletrônicos, cães de guarda, segurança privada,

9 Um caso exemplar é o da ocupação dos morros do Rio de Janeiro pelo exército em dezembro de 1994, justificada como uma forma de se ter de volta o controle da região, em mãos de traficantes que efetivamente controlam extensas áreas das favelas. Na verdade, segundo Pinheiro (1997), elas não são territórios ocupados que precisam ser libertados pelas forças armadas, pois a situação atual de desrespeito à lei continua a existir por causa da poderosa associação entre crime organizado, funcionários públicos, comerciantes e agentes do Estado.

Page 51: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

51

grades, muros altos e alarmes. Entretanto, tais atitudes privadas não são

suficientes para amenizar a violência crescente. A violência deve ser percebida

como um problema público, que deve envolver a ação conjunta do Estado e das

diversas instituições encarregadas de apresentar as possibilidades de resolução.

Um aspecto preocupante, no Brasil, é a questão da violência e da

criminalidade virarem objeto de discussão entre os governantes apenas quando

elas avançam das periferias em direção à região central das cidades.10

Para Pinheiro (1997), o descrédito pela polícia e pelo sistema criminal vem

provocando uma onda de privatização da justiça, onde grupos fazem justiça com

as próprias mãos através de vigilantes ou linchamentos. E a forte presença dessas

resoluções privadas indicam a ineficiência das instituições do Estado encarregadas

do controle da violência e do crime e o nível em que o Estado abdicou de seu

papel de provedor da ordem e da segurança para todos os cidadãos. Nesse

sentido, esses atos privados de justiça consolidam o ciclo de ilegalidade e de

violência.

Beato (1999) afirma que não é estritamente necessário identificar as causas

do crime para haver a formulação de políticas públicas de segurança. Políticas

devem pautar-se por metas claras e definidas a serem alcançadas através de

medidas confiáveis para a avaliação desses objetivos e pelos meios disponíveis

para sua realização de forma democrática. A análise de políticas públicas em

segurança envolveria a formulação de componentes informacionais dos programas

a serem implementados, bem como métodos analíticos de monitoramento e

avaliação de seu desempenho. A formulação de problemas, alternativas, ações e

resultados é essencialmente uma questão de natureza teórica, enquanto que a

avaliação, monitoramento, recomendações e estruturações são questões de ordem

10 Um bom exemplo foi a divulgação do Plano Nacional de Segurança Pública do Governo Federal, oito dias depois do caso que ficou conhecido como o seqüestro do ônibus 174 em que pessoas foram feitas reféns, dentro de um ônibus no Rio de Janeiro. O caso teve repercussão internacional devido ao trágico desfecho. Após horas de negociação, quando o seqüestrador estava se rendendo, uma das reféns foi atingida por disparos efetuados por um dos policiais, integrante do BOPE (considerada polícia de elite) e no dia seguinte descobriu-se que o infrator, sobrevivente da chacina da Candelária de 1993, havia sido assassinado também por policiais, já preso, dentro da viatura.

Page 52: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

52

técnica, envolvendo a utilização de modelos de custo/benefício, de efetividade,

eficiência e de eqüidade. (Beato, 1999)

Uma questão importante a ser lembrada é que sob o conceito de violência

estão vários eventos e fenômenos muito distintos entre si e que isso traz uma

grande dificuldade para a formulação de políticas públicas.

Todavia, segundo Coelho (1987), enquanto a criminalidade for definida e

tratada como efeito direto da pobreza, do desemprego ou de qualquer outra

situação de injustiça social, mais se adia e se dificulta a formulação de políticas de

segurança pública, pois apenas uma pequena fração de pobres ou desempregados

escolhe a alternativa criminosa e não, necessariamente, por ser pobre ou estar

desempregado. O autor formula também a hipótese de que um componente

importante das altas taxas de crimes está representado por um número

relativamente reduzido de criminosos mais ativos que, por permanecerem

impunes, intensificaram sua atividade.

A criminalidade é uma questão de polícia e de justiça criminal e reflete a

capacidade dissuasória do sistema de justiça. A tendência é a polícia responder ao

crime ao invés de se antecipar a ele e a insuficiência de recursos, particularmente

homens e equipamentos, é a explicação dos organismos policiais para a adoção da

alternativa repressiva. A resposta do Estado à demanda por segurança é aplicar

recursos adicionais em caráter de emergência, na ação policial repressiva em

busca de resultados de curtíssimo prazo. Atende-se com isso aos interesses

institucionais da polícia, mas o sistema de justiça criminal como um todo

permanece nas mesmas condições de saturação. (Coelho, 1987)

Adorno (1998) segue a mesma linha de raciocínio quando afirma que o

funcionamento das agências de controle e repressão pode agravar o sentimento de

insegurança da população. Isto fica claro na incapacidade do poder público em

“formular e implementar políticas de segurança e justiça capazes de conter o

crescimento da criminalidade urbana e enfrentar os padrões emergentes de

organização delinqüente dentro dos marcos da legalidade. Há portanto uma crise

no sistema de justiça criminal, que exacerba os dilemas do controle social.

Page 53: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

53

Seguramente, o principal deles consiste em combinar as funções repressivas das

agências de contenção da violência criminal sem abdicar de uma política de

respeito aos direitos civis.” (Adorno, 1998:184) Esses dilemas são também

agravados pela persistência de um autoritarismo social herdado de uma passado

escravista que dificulta os avanços democráticos. Além disso, há ainda as

desigualdades sociais e a baixa participação política dos cidadãos que mantêm a

sociedade profundamente dividida, impedindo que se compartilhem reivindicações

para o bem comum. Tais características dificultam a institucionalização dos

conflitos que, muitas vezes, acabam ficando restritos ao mundo privado, não

obedecendo aos princípios que regulam o Estado democrático de Direito.

Por fim, a história contemporânea, de acordo com Pinheiro (1997), tem

demonstrado que a pacificação da violência nas sociedades só foi obtida, com

poucas exceções, naquelas mais desenvolvidas econômica e socialmente. Em

países mais pobres e com concentração de riqueza, a luta por recursos escassos e

o uso da repressão para refrear o descontentamento aumentam o grau de

confronto, o que acaba afetando a legitimidade desses regimes. Isso porque ao

mesmo tempo em que não têm êxito em fazer cumprir suas próprias leis e os

acordos internacionais, têm dificuldades em mobilizar apoio popular para suas

reformas.

A questão da segurança privada

Considerando que no Brasil as iniciativas privadas de segurança encontram-

se em larga expansão, torna-se importante verificar experiências semelhantes

desenvolvidas em outros países. Dessa forma, os próximos parágrafos tentam

estabelecer um diálogo com a literatura internacional sobre privatização da

segurança. Para tanto, são relatadas as experiências descritas em três textos. Um

deles, publicado pela Policing and Society, em 1995 aborda o enfoque dado às

pesquisas sobre segurança privada. Outro, descreve os resultados obtidos a partir

da realização, pela Fundação Canadense para as Américas (FOCAL), de um

workshop sobre a privatização da segurança na América Latina. O evento realizado

Page 54: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

54

em outubro de 1998 solicitou três estudos sobre a situação e as reações políticas

frente ao aumento da segurança privada. Foram relatadas as experiências da

Argentina, Honduras e México. A discussão envolveu oficiais dos governos, juízes,

especialistas sobre polícia, acadêmicos, representantes de movimentos de direitos

humanos e organizações policiais. Também, o texto preparado pelo Vera Institute

of Justice, publicado em Agosto de 2000, discute a questão do accountability no

caso da segurança privada e, para isso, conta com os exemplos de três

experiências desenvolvidas em Nova Iorque, Joanesburgo e Cidade do México.

Segundo Trevor Jones e Tim Newburn (1995), pesquisadores do Policy

Studies Institute, apesar do fato da segurança privada não ser algo novo, não há

pesquisas detalhadas sobre o setor e não é dada a devida atenção à sua

expansão. Alguns estudos abrangem o inter-relacionamento entre o setor privado

e a polícia pública mas faltam análises mais profundas sobre a questão da fronteira

entre os setores público e privado. O problema estaria no fato da discussão acabar

ficando restrita a argumentos contra ou a favor, sem existir uma análise

consistente do assunto. Os poucos estudos existentes abordam a estrutura e

funcionamento da indústria de segurança privada nos quais a maioria das

informações não são precisas pois se baseiam em fontes dotadas de pouca

fidedignidade.

Um dos problemas apontado pelos autores diz respeito ao uso dos termos

“público” e “privado”, que acabam sendo tratados de uma forma muito simplista,

pois a distinção entre o espaço público e o espaço privado é algo particularmente

ambíguo no contexto do policiamento contemporâneo. Para isto, citam Shearing

and Stenning (1980), que ressaltam a congruência cada vez menor entre

propriedade privada e espaço privado que exemplificam com os shopping centers,

que são propriedades privadas onde o público tem livre acesso. O que estaria

acontecendo seria o crescimento da quantidade de espaços “públicos” localizados

em propriedades privadas, policiados por organizações privadas. A confusão na

distinção e divisão do público-privado, é causada pelo aumento de agências e na

dificuldade em classificá-las em uma ou outra categoria. Os autores incluem

Page 55: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

55

também o problema em se verificar exatamente a área de atuação do setor de

segurança privada em relação aos outros setores devido à diversificação de suas

funções.

Apontam também para o problema da falta de pesquisas com outros

enfoques. A grande maioria dos trabalhos abordam as teorias de parceria entre os

tipos de segurança pública e privada ou as teorias econômicas do policiamento

privado. Alguns comentadores descrevem a expansão da segurança privada como

a demanda por serviços de segurança que não podem ser atendidos pelo Estado

devido aos seus recursos escassos. Neste sentido, a relação entre os setores

público e privado na esfera da segurança seria essencialmente de

complementaridade. Na visão das teorias de parceria, não existe diferença entre os

objetivos do policiamento público e privado. Já, a teoria econômica enfatiza a

importância da “justiça privada” e a resolução de conflitos na esfera privada sem

os recursos do sistema oficial de justiça. Vê o crescimento da segurança privada

relacionado com a emergência de uma “massa de propriedade privada”, na forma

de grandes indústrias e shopping centers.

Trevor Jones e Tim Newburn (1995) ressaltam também a ausência de dados

sobre o tamanho e forma atuais do setor de segurança privada, pois, em sua

maioria, as discussões giram em torno dos contratos de guardas de segurança.

Enfatizam ainda que este é um setor que está em declínio devido aos avanços

tecnológicos e conseqüente expansão na área referente aos equipamentos para

segurança.

O relatório resultante do workshop realizado pela FOCAL, descreve que, em

alguns países, o contingente da segurança privada é maior do que o das forças

policiais ou militares. Tal necessidade de segurança está diretamente vinculada ao

aumento de crimes e violência nas Américas. O objetivo do workshop consistiu em

estudar o impacto da privatização da segurança no funcionamento do Estado,

particularmente no que concerne à eficácia policial e judicial, assim como sua

própria legitimidade. De forma geral, o que se notou foi que a importância do

Page 56: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

56

fenômeno da privatização da segurança é pouco reconhecida pelos governos e

pelas organizações não-governamentais.

Para tanto, definiu-se privatização da segurança como: “in the context of

rapid growing violence and crime, the privatization of security is a trend by which

businesses and other entities, even individuals, opt to ensure their security through

private organizations. This is done in the absense, relative absense, or impotence

of the estate and state security apparatus”11 (FOCAL, 1999).

Durante as discussões foram seguidas algumas questões, entre outras,

como e quais as conseqüências de um Estado que não é responsável em assegurar

a segurança de seus cidadãos? As forças privadas competem com as do Estado e a

segurança se torna algo disponível apenas àqueles que podem pagar por ela,

assim, o que pode acontecer quando os ricos têm acesso à segurança e a classe

média e os pobres não? O que pode acontecer quando o Estado não tem o

monopólio do uso da força? Quais as conseqüências quando centenas ou milhões

de pessoas treinadas têm acesso irrestrito a armas? Há alguma relação entre a

privatização da segurança e o crescimento do problema das drogas nas Américas?

O quanto a privatização da segurança agravou o tráfico de armas nas Américas, já

que nem todas são registradas, e freqüentemente não se tem informações sobre a

sua procedência?

Abaixo segue o relato das três experiências apresentadas no workshop.

O caso da Argentina

Rut Diamint, da Universidad di Tella, em Buenos Aires, enfatiza que a

pobreza é a maior causa do crime e da violência nas sociedades da América Latina.

Particularmente na Argentina, as reformas políticas e as novas políticas

econômicas de livre mercado não diminuíram a pobreza crônica da região,

resultando no aumento da privatização da segurança. Dados apresentados

11 “No contexto de um rápido crescimento da violência e do crime, a privatização da segurança é uma tendência na qual as empresas e outras entidades, e até indivíduos, optam por garantir sua segurança através de organizações privadas. Isto é feito na ausência, relativa ausência, ou impotência do Estado e do aparato de segurança do Estado.”

Page 57: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

57

mostram uma relação entre crescimento do desemprego e crescimento da

criminalidade, seguido por uma elevação no consumo de drogas e da redução de

da efetivação da segurança pública. Entretanto, a privatização da segurança não é

a solução para as altas taxas de criminalidade na Argentina. A autora descreve o

fenômeno como um círculo vicioso, que favorece a divisão da sociedade com a

marginalização das classes baixas as quais não podem pagar por sua própria

segurança. Este processo de marginalização acaba provocando maiores conflitos

sociais e aumento da criminalidade. Ao mesmo tempo, as classes mais ricas da

Argentina usam sua força policial privada para reforçar seus interesses e

protegerem seus bens. Outro fator é o envolvimento cada vez maior de agentes da

segurança privada contribuindo com o crime e a corrupção, pois prestam conta de

suas ações somente aos clientes e não à comunidade. Ou seja, para a diminuição

da criminalidade na região, a autora sugere que é necessário se reformar a polícia

e uma maior regulação do Estado sobre as forças de segurança privada.

O caso de Honduras

Letícia Salomón, da Universidad Nacional Autonoma de Honduras, relatou

que a ineficiência do governo em conter o aumento da criminalidade e a percepção

de insegurança levaram muitos cidadãos a assegurarem sua própria segurança.

Isto induziu à aquisição de sistemas de alarmes, cães de guarda, armas, à prática

de defesa pessoal e à contratação de guardas para a proteção de bens valiosos.

Os cidadãos que não podem contar com o acesso a esses serviços têm ficado

expostos à ineficiência do sistema público de segurança do país. Aqui também

aparece a expressão “círculo vicioso”, fazendo referência ao fato de que a

privatização da segurança produz cidadãos armados, prontos a responder à

violência com mais violência, o que não resolve o problema, mas, pelo contrário, o

agrava ainda mais. A solução estaria em centrar esforços nas raízes do crime e da

delinqüência. O objetivo é a prevenção do crime através de sistemas de vigilância

de vizinhança para minimizar algumas das causas percebidas através de trabalhos

sobre delinqüência juvenil e outros grupos de risco. Este processo deve também

Page 58: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

58

ser visto como parte da consolidação da democracia em Honduras. Igualmente, há

a necessidade urgente de leis para regulamentar a privatização da segurança, e

para isso é extremamente importante a participação da sociedade civil na decisão

do processo a ser aplicado para o fortalecimento da segurança em Honduras.

O caso do México

Raúl Benítez Manaut, da Universidad Nacional Autónoma de México, relatou

a experiência sobre a institucionalização da segurança privada na cidade do

México. Assim como nos casos anteriores, a criminalidade, em especial o crime

organizado, cresce cada vez mais naquele país. O autor questiona, ao contrário da

pesquisadora argentina, se o crime e a delinqüência são produtos da pobreza ou

se resultam de uma debilidade das instituições e da corrupção de funcionários

responsáveis em combatê-los. Continua, dizendo que a democratização não traz

necessariamente uma ótima segurança pública e que mesmo a oposição sendo

mais democrática e tendo as melhores intenções, é necessário reformar as

instituições de segurança pública e justiça. Outro fator é o reconhecimento de que

o crime tem estreitas ligações com as autoridades mexicanas, desde os primórdios

do sistema político moderno, e que a corrupção é o que mantém esse sistema em

movimento.

O governo tem tentado fortalecer a segurança pública através da

militarização das forças policiais em vários estados. Entretanto, essa estratégia é

vista como contraprodutiva pois apresenta o risco de violação da Constituição do

México e de infringir os direitos humanos. A situação dominante resultou num

sentimento de insegurança da população contra o que a única opção para a

sobrevivência é a autodefesa através do desenvolvimento das forças privadas de

segurança.

Destas experiências chegou-se à conclusão de que a privatização da

segurança nas Américas é um sintoma de insegurança pública frente ao

crescimento da criminalidade. É um importante fator da perda de capacidade das

instituições do Estado em cumprirem com sua principal obrigação da segurança

Page 59: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

59

individual e coletiva de seus cidadãos. A privatização da segurança também vem

abalando a governabilidade e as instituições democráticas na América Latina e

Caribe, pois as estruturas de accountability são insuficientes ou não existentes

para as forças de segurança privada. A segurança privada ameaça a democracia

também porque introduz métodos de mercado para a justiça e serviços policiais,

criando duas camadas de cidadania, aqueles que podem e aqueles que não podem

pagar pela segurança. E por último, há várias causas para o fenômeno, como a

falta de recursos do Estado, falta de competência, tráfico de armas, criminalidade,

entre outras.

O relatório “The public accountability of private police” do Vera Institute of

Justice apresenta três experiências distintas da aplicação da segurança privada e

suas respectivas formas de accountability. É importante lembrar que este termo

tem o significado de responsabilização, ou seja, a prestação de contas de ações da

segurança privada ao público.

A argumentação para o expressivo aumento da privatização da segurança é

quase o mesmo já apresentado no relatório da FOCAL. Inclui o aumento da massa

de propriedade privada na era pós-industrial, o aumento da sensação de

insegurança das classes mais abastadas principalmente durante os processos de

transição de governos autoritários para a democracia, e a maior visibilidade

colocada no patrulhamento pelas forças privadas em comparação às polícias

públicas. Da mesma forma, acrescenta a divisão da sociedade causada pela

privatização da segurança entre aqueles que podem e aqueles que não podem

pagar por sua segurança, assim, dilui as fronteiras entre espaço público e privado.

Porém, a grande questão discutida é que, em todo mundo existem vários

mecanismos de controle público das ações da polícia pública, mas já não acontece

o mesmo com as polícias privadas. Quando há esse controle, ele se restringe

também às instituições privadas, excluindo a participação pública.

Page 60: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

60

Criou-se então um quadro ilustrativo dos modelos possíveis de policiamento

público e privado, da seguinte maneira:

Espaço \ Tipo de polícia Privada Pública

Privado A B

Público C D

Cada letra corresponde a uma combinação entre um tipo de policiamento e

o seu local de atuação. O modelo A é o tipo mais comum de policiamento privado,

enquanto o modelo C corresponde aos casos em que o policiamento privado atua

como reforço ao policiamento público. O modelo B ocorre quando o forças públicas

estão autorizadas a atuarem como reforço ao policiamento privado enquanto o

modelo D se encaixa nos casos de policiamento tradicional.

Em relação ao controle sobre o policiamento são apontadas três linhas

distintas de accountability: o controle interno, que inclui treinamento,

comportamento policial, supervisão administrativa ou investigativa; controle

estatal, com supervisão através dos administradores municipais, acusações

criminais, conselhos de revisão de queixas, comissões especiais ou comitês

legislativos e estatutos que cuidem da qualificação e treinamento dos funcionários;

e o controle da sociedade, com a supervisão da mídia, organizações

comunitárias e monitores de direitos humanos.

Outro quadro foi idealizado para mostrar como se distribui a possibilidade

de accountability em cada modelo de policiamento:

Modelo A

polícia privada/

espaço privado

Modelo B

polícia pública/

espaço privado

Modelo C

polícia privada/

espaço público

Modelo D

polícia pública/

espaço público

Controle interno alta aplicabilidade alta aplicabilidade alta aplicabilidade alta aplicabilidade

Controle estatal aplicabilidade

limitada alta aplicabilidade

aplicabilidade

limitada alta aplicabilidade

Controle social alguma

aplicabilidade alta aplicabilidade

alguma

aplicabilidade alta aplicabilidade

Controle/

cliente alta aplicabilidade não se aplica alta aplicabilidade não se aplica

Page 61: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

61

Para a pesquisa foram escolhidas três experiências e cada uma delas

corresponde a um modelo. A experiência de Nova Iorque corresponde ao modelo

C; a experiência de Joanesburgo corresponde ao modelo A e o caso do México

corresponde ao modelo B. Foram entrevistados administradores e funcionários da

polícia privada, clientes e administradores da polícia pública local. Também foi

pesquisada a legislação e o material veiculado na imprensa referentes ao assunto.

O caso de Nova Iorque

A experiência de Nova Iorque é escrita por Robert C. Davis e Sarah Dadush.

Diz respeito à atuação do Metro Tech Area Business Improvement District (BID),

no bairro do Brooklyn. BIDs são corporações não-comerciais formadas pelos

proprietários estabelecidos numa determinada região com a finalidade de estimular

o seu desenvolvimento. Existem 41 BIDs na cidade de Nova Iorque que variam no

tamanho, orçamento e tipo de vizinhança a que atendem. Geralmente os BIDs

tentam tornar suas regiões mais atrativas para o comércio e para empregos, e

cada um deles decide as necessidades e prioridades a serem atendidas nos seus

limites de atuação. No caso do Metro Tech Area BID (Metro Tech), criado em 1992

no Brooklin, um dos bairros com as taxas mais altas de criminalidade de Nova

Iorque, a principal atividade é a segurança pública.

O programa de segurança pública da Metro Tech conta com vinte e oito

funcionários, entre eles vinte e seis homens e duas mulheres. Quatro sargentos e

três supervisores organizam as funções. As operações são administradas por um

diretor de segurança pública, que anteriormente era encarregado da segurança

das embaixadas, e um assistente de diretor, um sargento aposentado do

Departamento de Polícia de Nova Iorque (NYPD), com experiência em controle de

narcóticos e assuntos internos. Já os oficiais de segurança pública não são

especializados. Cada funcionário patrulha um setor e o monitora através de um

circuito fechado de televisão num turno de duas horas.

O programa é discutido nos encontros do comitê de segurança pública que

representa todos os envolvidos no BID, incluindo os chefes do próprio BID,

Page 62: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

62

comandantes do distrito policial do Departamento de Polícia de Nova Iorque,

chefes da corporação de segurança, representantes do corpo de bombeiros e

funcionários de escolas.

Os candidatos ao programa da Metro Tech passam por um competitivo e

rigoroso processo. Eles devem ter no mínimo 21 anos e dois anos de experiência

nas instituições de justiça ou exército. Também não podem ter tido nenhum

envolvimento com drogas e serem aprovados em um exame psicológico. Todavia,

os funcionários do programa não costumam ficar mais que três anos pois acabam

conseguindo melhores cargos nas agências de polícia pública ou nas empresas

privadas.

Ambas as polícias, do programa BID e do NYPD, patrulham a mesma área

sem, no entanto, haver um acordo prévio de coordenação dos esforços. A principal

função dos funcionários da Metro Tech é fazer com que as pessoas se sintam

seguras através da vigilância. O programa oferece a presença visível de segurança,

o que o departamento de polícia não o consegue por não contar com uma equipe

grande o suficiente. Desta forma, o programa promove segurança às pessoas que

estão a caminho do trabalho e aos clientes das lojas da região, desencorajando os

roubos e combatendo os vendedores ambulantes. Também existem outros

interesses como o de minimizar os sinais de desordem social nas ruas. Assim, seus

funcionários atuam também na supervisão do lixo, do fluxo de tráfego e das

condições de iluminação. A qualquer problema, entram em contato com as

agências responsáveis por aquele serviço. Orientam e encaminham os sem-teto

aos abrigos e, quando encontram pessoas sob efeito de drogas, encaminham-nas

ao serviço de emergência médica.

As câmeras de monitoramento são camufladas e quando ocorre algum

crime e as cenas são gravadas, o programa cede as fitas ao departamento de

polícia para ajudar a encontrar os suspeitos. Quando algum novo comerciante se

instala na região, ele recebe a orientação do programa sobre quais as atitudes a

serem tomadas em relação à segurança, inclusive sobre a instalação de

equipamentos.

Page 63: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

63

Geralmente, devido à proximidade, os oficiais do programa são os primeiros

a chegarem aos locais de conflito ou de acidente e, depois de chamada a ajuda,

cabe a eles as primeiras providências até a chegada de bombeiros ou

paramédicos. Em alguns casos, os comerciantes preferem chamar os funcionários

do BID do que os do departamento de polícia pois sabem que a resposta será mais

rápida. Como não são autorizados a portarem armas, apenas algemas, os

funcionários do programa não são treinados para prender suspeitos que possam

estar armados. Nestes casos, os vigilantes passam as informações, inclusive as

obtidas com as câmeras, ao departamento de polícia.

Em relação ao accountability interno existem cinco mecanismos de controle.

O primeiro são os exames escritos pelos quais cada funcionário é submetido a

cada ano; o segundo são as admissões ou demissões conforme o desempenho de

cada um; terceiro, a constante vigilância a que estão sujeitos os oficiais em

patrulha, através do sistema fechado de televisão; quarto, as investigações de

denúncias contra funcionários realizadas pelos próprios assistentes de diretoria da

Metro Tech; e, quinto, é a supervisão mantida pelo comitê de segurança pública

do BID e seu conselho, que têm o poder de rever vários aspectos da operação de

segurança.

Quanto ao accountability externo, os funcionários do BID podem ser

responsabilizados criminalmente caso prejudiquem alguém ou tenham praticado

algum crime. Outro acompanhamento é realizado pelo Department of Business

Services e pelo departamento de polícia quando há uma conduta criminal. E por

último o accountability realizado pelos clientes do serviço e pela mídia.

Segundo o relatório, o que se percebe é que a atividade dos funcionários da

Metro Tech é bem diferente da atividade do policial. A sua missão não é a de

aplicar a lei em si, mas de tranqüilizar as pessoas. Para tanto o programa conta

com bons mecanismos de accountability tanto interno como externo.

Page 64: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

64

O caso de Joanesburgo

Jenny Irish é o responsável pelo relatório sobre o policiamento privado na

África do Sul. Segundo alguns dados, existem no país 350 mil guardas de

segurança privada registrados, entretanto, apenas 160 mil estão efetivamente

empregados. Também afirma que a maioria dos cidadãos urbanos do país

preferem os serviços privados de segurança aos serviços do South African Police

Officers.

O mesmo argumento, do aumento da criminalidade, reaparece neste

relatório como o propulsor da expansão da segurança privada. Também faz

referência ao fato de que alguns elementos da indústria da segurança privada têm

uma relação estreita com a repressão exercida pelas agências oficiais durante o

apartheid. Em 1996 uma reportagem denunciou o envolvimento de pessoas ligadas

ao setor em casos de violência política, treinamentos paramilitares e contrabando

de armas.

Na África do Sul as empresas de segurança privada são regulamentadas

pelo Security Officers Act, criado em 1987, onde todas as empresas, proprietários

e vigilantes devem ser registrados. Um dos problemas apontados é que, às vezes,

membros do conselho deste órgão também têm alguma atividade no setor privado

e acabam tirando proveito próprio da situação.

Os serviços de segurança privada são procurados pelas indústrias, comércio

e também por um grande número de pessoas que os contratam para suas

residências. O setor ganhou espaço devido à ineficácia do atendimento policial às

demandas de segurança de parte da população.

A pesquisa contemplou um levantamento sobre o funcionamento de uma

das principais empresas de segurança do país, o Sentry Security, criada em 1982

em Joanesburgo.

Uma das principais características observadas pelo autor é o legado do

apartheid na empresas. Notou-se que a maioria dos guardas são negros, enquanto

os gerente e proprietários são brancos e que a empresa estudada havia inclusive

criado um sistema de promoção de gerentes negros na companhia. Outro

Page 65: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

65

problema é a grande desconfiança da população em relação a devida qualificação

das pessoas contratadas para os serviços de segurança. Isto faz com que as

pessoas optem com maior freqüência pelos equipamentos de segurança do que

pela contratação de vigias. Procurando evitar problemas, algumas empresas

chegam a usar detectores de mentira durante a seleção de candidatos.

Os serviços oferecidos pelas empresas são os de vigilância, equipamentos

eletrônicos e de escolta armada. A função dos vigias é de responder prontamente

ao chamado dos clientes. No caso dos funcionários da Sentry Security, eles são

treinados para que, num confronto com um suspeito, fiquem apenas com a mão

nas armas, mas ainda no coldre, se identifiquem e peçam ao suspeito que coloque

as mãos sobre a cabeça e dêem um passo para trás. O guarda deve então algemar

o suspeito e notificar a sala de operações. Quando os guardas usam suas armas, a

recomendação é para que primeiro atirem sobre a cabeça do suspeito.

Sobre o accountability interno, os funcionários são os responsáveis pelas

armas e munições que são registradas em nome da empresa. Armas e veículos são

checados e são passadas as instruções antes da saída para a ronda. Ao final de

cada turno, as armas e munição são novamente inspecionadas e guardadas em

local apropriado. Se um guarda utilizar sua arma, deve comunicar imediatamente

seus supervisores. A companhia também conta com uma disciplina interna para

evitar casos de má conduta que podem chegar a processos disciplinares de

demissão do funcionário. Já o accountability externo é majoritariamente exercido

pelos clientes das empresas. Também há a supervisão do Security Officers’ Board,

porém vários fatores limitam o seu controle, pois o conselho é dominado por

representantes do setor, o que leva a uma tendência à proteção de seus próprios

interesses. Outro problema é que o conselho conta com apenas 28 inspetores em

todos país para verificar as denúncias de abuso e por último, a maioria da

população desconhece a existência do conselho. Assim como nos casos anteriores,

também há o controle exercido pela mídia que denuncia os abusos, as denúncias

contra guardas e empresas realizadas na própria polícia e o controle exercido pela

sociedade civil.

Page 66: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

66

O que se conclui no artigo é que a segurança privada tem um importante

papel na manutenção da segurança pública, entretanto esse papel deve ser

rigidamente controlado e monitorado para que não se apague a divisão entre

proteção e exposição ao perigo.

O caso do México

A experiência da Cidade do México é descrita por Arturo Alvarado e Diane

Daves e diz respeito à segurança bancária que une tanto a polícia pública como a

privada. A segurança bancária no México estava a cargo exclusivamente do Policía

Bancaria e Industrial (PBI), um serviço de polícia pública subcontratada no qual os

bancos arcavam com os custos do serviço que eram pagos diretamente ao

Ministério da Segurança Pública. Em 1992, com a privatização dos bancos houve

uma redefinição da segurança bancária. Entre 1995 e 1997, além do dramático

aumento no número de assaltos a bancos, a confiança na polícia pública foi

abalada após a descoberta do envolvimento de oficiais da polícia nos crimes contra

os bancos.

Em resposta ao aumento dos assaltos, em 1990 foi criado o Banker’s

Association of Mexico, uma associação de bancos particulares, públicos, nacionais

e estrangeiros, responsáveis pelas estratégias utilizadas na segurança bancária.

Além disso, cada banco formou seu próprio comitê de segurança que atua de

acordo com as determinações do banco. Outra medida tomada foi a contratação

de empresas para cuidarem do serviço de segurança no sistema bancário e o

investimento em estrutura, equipamentos, assistência técnica e treinamento de

pessoal para evitar os roubos. Tais medidas reduziram os custos e reforçaram a

segurança e, em vista disso, vários bancos decidiram parar de pagar pelo

policiamento público.

Os autores também reforçam que a legislação sobre o assunto é

relativamente nova e escassa. Determina que as empresas devem ter um registro

público e obedecer às normas que regularizam a seleção e treinamento de pessoal,

o uso de armas, equipamentos e a supervisão de pessoal. Para monitorar as

Page 67: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

67

empresas e obrigá-las a cumprirem a lei, foi criado um escritório, o Private

Security Services Record Office.

O accountability do PBI é exercido tanto pelo departamento de polícia

quanto pelos conselhos governamentais de disciplina. Já a polícia privada

contratada pelos bancos é controlada pelas próprias empresas e pelos comitês de

segurança dos bancos que estabelecem o alcance da autoridade dessa polícia

privada. Entretanto, no caso de uma conduta irregular de um funcionário da polícia

pública, são claros os procedimentos pelos quais ele será responsabilizado; no caso

da polícia privada, tais procedimentos são pouco conhecidos.

As três experiências apresentadas permitiram que se chegasse às seguintes

conclusões. Há várias maneiras de se estabelecer o accountability sobre as polícias

privadas e, enquanto o governo tem um papel limitado nesse controle, ele próprio

deve estimular as próprias empresas a desenvolverem controles internos. Os

autores também reconhecem que a privatização da segurança é algo irreversível e

que a privatização de alguns serviços podem ajudar a polícia pública a centrar

esforços nas atividades que requerem maior conhecimento e treinamento.

Outro aspecto é que através dessas experiências percebe-se que as polícias

privadas estão desempenhando papéis quase idênticos aos da polícia pública. Os

funcionários da Metro Tech não fazem apenas um reforço na vigilância como

também removem sinais de desordem, reforçam normas de comportamento,

auxiliam pessoas em necessidade, ajudam os comerciantes na prevenção do crime

e prestam auxílio nos casos de acidentes e incêndios. Os serviços armados de

Joanesburgo e a proteção de bancos no México são os maiores exemplos de

empresas privadas exercendo as mais complexas funções da polícia pública.

Porém, acrescentam que, nos bons serviços de policiamento privado, os

treinamentos obedecem a um exigente padrão.

Os serviços de segurança privada podem também ser altamente fiscalizados

mesmo que não seja pelas mesmas agências governamentais encarregadas da

supervisão da polícia pública. Nos casos do Estado Unidos e da África do Sul, os

serviços estão sujeitos a um maior controle externo do que as próprias polícias

Page 68: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

68

públicas. Não são apenas fiscalizados pelas agências governamentais, como

também estão sujeitos a investigações criminais, processos e responsabilização

civil. Tais controles externos incentivaram as empresas a estabelecerem um forte

mecanismo de accountability interno.

O caso do México reforçou a importância de haver incentivos internos e

externos à conduta profissional nos serviços de segurança privada. Estes

incentivos podem ser criados quando o governo assegurar que os funcionários das

policias privadas sejam periodicamente reciclados por uma agência de supervisão;

que seja feita uma publicação a respeito do parecer sobre o desempenho da

empresa; que os funcionários tenham que responder judicialmente no caso de má

conduta; que o treinamento dado ao funcionário seja adequado à função que ele

irá desempenhar entre outras. Ao final do relatório, a conclusão a que se chega é

que a regulamentação do governo e o controle social e da mídia são necessários,

pois são mecanismos diretos que mantêm as ações da polícia privada sob

fiscalização. Porém, estes mecanismos podem funcionar com muito mais força

quando são criados incentivos para que os próprios clientes exerçam o controle.

***

Assim como em outros países da América Latina, também no Brasil a

segurança privada se expande num momento em que o Estado não consegue

atender à demanda da população por segurança. Este processo se desenvolve

num contexto de mudanças dos padrões de violência e de enfraquecimento do

Estado. A medievalização, como foi definido por Wieviorka (1997) parece tratar-se

de um fenômeno global e irreversível. Hoje a violência está marcada pela ausência

de mediações dos conflitos e pela pouca participação política nos assuntos

referentes à segurança.

A crise do sistema de justiça e a ineficiência da polícia na contenção da

criminalidade resultam no sentimento de insegurança da população, e isto agrava-

se quando toda essa insegurança é considerada como resultado direto da pobreza.

Page 69: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

69

Essa dificuldade em resolver os conflitos através das instituições responsáveis

conduz, como explicou Adorno (1998), a uma retração da solução desses conflitos

ao mundo privado. Dessa maneira, a população tem o sentimento de insegurança

como a principal justificativa para a adoção de meios privados para a resolução

dos conflitos.

Não só o sentimento de insegurança, mas também o aumento da massa de

propriedades privadas, principalmente aquelas destinadas ao público, têm enorme

influência na demanda pelos serviços de segurança particulares. No entanto, o

aumento da oferta desses serviços implica diretamente na necessidade da criação

de mecanismos eficientes de controle sobre eles. Da mesma maneira como foi

visto nas experiências de outros países, esse controle deve ser realizado

internamente, pela própria empresa, e mais importante, externamente, através do

controle público. Esse controle é fundamental justamente pelo fato desses serviços

serem fundamentais em espaços públicos localizados em propriedades privadas.

São espaços que necessitam de uma segurança própria, mas que não pode ser

atendida pela força pública do Estado.

A disponibilidade de serviços privados de segurança é algo que realmente

pode auxiliar a segurança pública, desde que seus limites sejam claramente

estabelecidos. O grande problema é a rápida expansão desses serviços em

sociedades de extrema desigualdade social como a brasileira. Corre-se o risco,

como já mencionado pelos outros autores, de se criar uma cisão na sociedade

entre os que podem e os que não podem garantir a sua segurança. Porém, é

relevante salientar que a população que não puder arcar com os custos dessa

modalidade de segurança vai procurar outras maneiras de garantir a sua

integridade física, o que pode agravar ainda mais os conflitos.

No caso brasileiro, cabe perguntar, como um Estado que se mostra incapaz

de conter a violência e a criminalidade, às vezes envolvendo seus próprios

agentes, poderá garantir um controle efetivo sobre a massa de exércitos

particulares armados que se formam? Vários trabalhos indicam que não existem

sistemas de accountability eficientes, tanto para as polícias privadas quanto para

Page 70: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

70

as polícias públicas no Brasil. Apesar da escassez de políticas públicas de

segurança efetivas, alguns exemplos, sejam os promovidos pela iniciativa privada,

organizações não-governamentais ou sociedade civil, podem modificar essa falta

de participação pública na questão da segurança. Um exemplo são os CONSEGs,

Conselhos Comunitários de Segurança, formados por grupos de pessoas do mesmo

bairro ou município que se reúnem para discutir e analisar, planejar e acompanhar

a solução dos problemas locais de segurança, além de desenvolverem campanhas

educativas.

Outro agravante para esse processo de expansão dos serviços particulares

de segurança, num país de enormes desigualdades sociais, é que assume-se a

lógica de mercado para um problema social. Isso vai em caminho contrário ao que

vários autores indicam como sendo uma das saídas para a questão da violência: a

sua percepção como um problema público e, conseqüentemente, como algo que

requer decisões públicas e conjuntas, tanto no que diz respeito ao comportamento

das polícia públicas, quanto das polícias privadas, cada uma delas dentro de seus

respectivos campos de atuação, para que atendam aos objetivos e necessidades

da comunidade.

Page 71: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

71

Capítulo 3. O processo de expansão das empresas de segurança privada

em São Paulo

O grande desenvolvimento, nas três últimas décadas, da indústria da

segurança privada nos grandes centros urbanos, inclui tanto o aumento da oferta

por serviços de vigilância e monitoramento quanto o aperfeiçoamento e a

popularização dos equipamentos eletrônicos. Os serviços de segurança privada

podem ser definidos como serviços de vigilância e segurança patrimonial de

estabelecimentos públicos e privados como também segurança privada de pessoas

físicas e o transporte de valores. Estes serviços podem ser realizados através da

contratação e treinamento de pessoas qualificadas para a atividade, através do uso

de equipamentos eletrônicos ou, o mais usual, através da combinação destes dois

elementos.

Os serviços de segurança podem ser vendidos por empresas especializadas

na área, devidamente regulamentadas, como também podem fazer parte do

quadro organizacional de qualquer empresa que tenha outra atividade econômica

diverso da vigilância. Neste caso, tais serviços são denominados serviços orgânicos

de segurança, ou seja, são atividades realizadas pela própria empresa que utiliza

quadro funcional próprio, sem recorrer ao processo de terceirização do serviço. Da

mesma maneira como as empresas que vendem serviços de segurança, aquelas

que optam por ter seu pessoal próprio para a execução dessa atividade necessitam

cumprir as mesmas obrigações e regulamentos estabelecidos por lei às empresas

de vigilância, porém não estão autorizadas a comercializar estes serviços.

A atividade de segurança privada no Brasil teve início na metade da década

de 60 e a primeira legislação sobre o assunto surgiu em 21 de outubro de 1969,

com a instituição do Decreto Lei 1.034/69. Este decreto autorizou o serviço privado

em função do aumento de assaltos a bancos, relacionados aos movimentos de

oposição política durante o governo militar, regulamentando uma atividade que

até então era considerada paramilitar. A partir disto, ficou estabelecido que todos

os estabelecimentos financeiros eram obrigados a contar com um sistema de

Page 72: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

72

segurança próprio ou de terceiros, ou seja, um sistema contratado por uma

empresa especializada em serviços de segurança. Este decreto foi um estímulo às

empresas que prestavam outros tipos de serviços às instituições financeiras.

Empresas que antes eram encarregadas da limpeza e manutenção desses

estabelecimentos passaram a investir na criação de um setor especializado em

serviços de segurança.

Nessa época, as empresas que exerciam a atividade foram limitadas a um

número de cinqüenta no Estado de São Paulo e eram controladas pela Secretaria

de Segurança Pública e pelos chefes de polícia civil. Segundo Caldeira (2000),

neste período, a polícia civil era responsável pela instrução e capacitação dos

vigilantes, o que acabava definindo que guardas particulares no cumprimento do

dever tinham status de policiais.

Paralelamente, durante o mesmo período, o segmento específico de

transporte de valores surgiu no país depois de um assalto ao antigo Banco Moreira

Salles, atual Unibanco, ocorrido em 1964, quando foi levado o equivalente a 500

mil dólares e se fortaleceu com a onda de ataques a bancos no final dos anos de

1960 e início dos anos 70. Este assalto ficou conhecido como “o assalto dos

gregos” pelo fato de ter sido liderado por um grupo de ladrões da Grécia. Nessa

época, o transporte de dinheiro era realizado pelos funcionários do banco, muitas

vezes em seus próprios veículos ou em táxis. Após a crescente onda de assaltos, a

então Associação de Bancos que congregava as instituições financeiras, hoje

FEBRABAN, recorreu a uma empresa norte-americana e em janeiro 1965 instalou-

se no Brasil a empresa Brink’s, fundada em 1859. O serviço de transporte de

valores passou então a ser realizado por profissionais especializados, através de

carros-fortes.

Até 1983 as empresas de segurança eram fiscalizadas pelos governos

estaduais, cada um seguindo suas próprias portarias. Isso se tornava um

impedimento às empresas que pretendiam expandir seus negócios em estados

diferentes. A intenção em instalar uma filial, em outro estado, significava encontrar

Page 73: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

73

inúmeros bloqueios políticos e judiciais que eram superados através do lobby entre

empresários e políticos.

Com o aumento da demanda por segurança privada ela deixou de ser

exclusividade das instituições financeiras, passando a atuar também em órgãos

públicos e empresas particulares. O auge da demanda por serviços de segurança

ocorreu no final dos anos 70 e essa crescente procura exigia uma normatização,

pois o decreto lei de 1969 já não comportava todos os aspectos da atividade e em

20 de junho de 1983 a atividade foi regulamentada através da Lei 7.102. Esta lei,

que dispõe sobre segurança para estabelecimentos financeiros, estabeleceu

normas para a constituição e funcionamento de empresas particulares que

exploram serviços de vigilância e de transporte de valores, transferiu o

treinamento dos vigilantes da polícia para o setor privado, o que retirou dos

vigilantes o status de policial, estimulou a exploração do setor de cursos de

formação e aperfeiçoamento de profissionais, e passou a fiscalização de

responsabilidade estadual para responsabilidade federal - Ministério da Justiça, por

intermédio da Polícia Federal. Foi atualizada pelas Leis 8.863, de 1994 e 9.017 de

1995. Esta última, de 30 de março de 1995, sancionada pelo presidente Fernando

Henrique Cardoso estabeleceu que o Departamento da Polícia Federal passaria a

ser o único órgão responsável pela fiscalização dos serviços privados de segurança,

e instituiu a cobrança de taxas pela prestação dos serviços prestados por esse

Departamento. Estas taxas são cobradas sobre os serviços de vistoria, renovação

de certificados, autorização para compra de equipamentos, expedição de alvará,

entre outros, e destinam-se ao custeio e a manutenção das atividades fim do

Departamento de Polícia Federal. O departamento responsável pela fiscalização é a

Divisão de Controle de Segurança Privada, com sede em Brasília, que tem o auxílio

das delegacias regionais, denominadas Delesps. As Delesps são delegacias de

segurança privada, instaladas em cada estado e têm a função de autorizar,

controlar e fiscalizar as empresas de segurança. No estado de São Paulo há uma

Delesp, além de nove comissões de vistorias instaladas no interior e litoral.

Page 74: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

74

Através dos conteúdos das leis e portarias percebe-se os processos pelos

quais atravessaram os serviços de segurança privada no Brasil. “Inicialmente, eles

estiveram subordinados a uma política de segurança nacional e a um restrito

controle da polícia. Com a segunda lei, esse controle foi relaxado e os

regulamentos trabalhistas aumentaram. O que tinha sido um instrumento para

lutar contra a oposição política foi adaptado para lutar contra a criminalidade. A

terceira lei, assinada durante o regime democrático e seguindo a rápida expansão

dos serviços de segurança em resposta às crescentes preocupações da população,

tenta estender o controle do Estado para compreender todo o mercado de serviço

de segurança.” (Caldeira, 2000:198)

Até o ano 2000 foram publicados, no Diário Oficial da União, 1400 alvarás

de funcionamento para empresas de segurança em todo o Brasil. Conforme o

quadro 1, durante onze anos, entre 1982 e 1993 (os dados para este período

estão agregados), foram publicados 533 alvarás de empresas de segurança. Para

os anos seguintes, é possível perceber a evolução desses números. Enquanto entre

1994 e 1995 há uma queda no número de alvarás publicados, os números de 1996

representam mais que o dobro do ano anterior e a partir desse ano os números

permanecem aproximados, apresentando apenas em 1999 um aumento mais

significativo que continua em 2000.

Quadro 1. Número de empresas por ano, a partir da data de instituição de cada uma:

Ano N.º de alvarás publicados para Brasil 1982/93 533

1994 84

1995 54

1996 126

1997 132

1998 130

1999 155

2000 186

Total 1400 Fonte: SESVESP

Page 75: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

75

Quanto a distribuição das empresas, os serviços de segurança privada

concentram-se, principalmente, nos estados economicamente mais desenvolvidos

das regiões Sul e Sudeste. São Paulo e Rio de Janeiro são os estados que

concentram mais de um terço do total de empresas em todo o Brasil. Em seguida,

destacam-se os seguintes estados: Bahia, Rio Grande do Sul, Brasília e Paraná.

Quadro 2. Número de empresas nos estados brasileiros:

Estado N.º de empresas São Paulo 323 Rio de Janeiro 138 Bahia 91 Rio Grande do Sul 83 Brasília 62 Paraná 58 Santa Catarina 50 Ceará 49 Amazonas 44 Goiás 43 Minas Gerais 43 Pernambuco 42 Pará 35 Maranhão 23 Espírito Santo 16 Paraíba 16 Alagoas 14 Mato Grosso 14 Amapá 13 Mato Grosso do Sul 13 Rio Grande do Norte 13 Rondônia 10 Piauí 9 Sergipe 9 Tocantins 9 Acre 5 Roraima 5 Total* 1230

Fonte: SESVESP *Dados atualizados até novembro de 2000

Page 76: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

76

A expansão das empresas de segurança acaba estimulando outras entidades

e eventos relacionados a este setor. Atualmente, existem feiras e exposições

voltadas para este segmento como, por exemplo, mostras e feiras de segurança;

feiras de segurança e construção; automatização e manutenção predial; feiras

regionais sobre segurança, além de eventos internacionais, como a EXPOSEC -

International Security Fair, realizada anualmente em São Paulo.

Também já existem consolidadas várias associações e sindicatos, entre eles,

ABESE – Associação Brasileira das Empresas de Sistemas Eletrônicos de

Segurança; ABREVIS – Associação Brasileira das Empresas de Vigilância e

Segurança; ABS – Associação Agência Brasil de Segurança; ATESP – Associação

dos Técnicos em Segurança Patrimonial; FENAVIST – Federação Nacional das

Empresas de Segurança e Transporte de Valores; Seevissp - Sindicato dos

Empregados em Empresas de Vigilância, Segurança e Similares de São Paulo;

SESVESP – Sindicato das Empresas de Segurança Privada, Segurança Eletrônica e

Cursos de Formação do Estado de São Paulo12.

Este último conta com uma página na Internet que visa auxiliar tanto aos

empresários e filiados quanto aos consumidores que desejam obter informações. O

sindicato recebeu sua Carta Sindical em 1988 e hoje tem 60% das empresas

autorizadas associadas à entidade. Existem em São Paulo 300 empresas

regularizadas, das quais 180 estão sindicalizadas. O sindicato mantém três

departamentos de atendimento aos seus associados: o Departamento Jurídico, que

oferece consultas e informações sobre legislação, convenções trabalhistas e outras

entidades sindicais; Departamento Analítico e Informativo de Licitações, que presta

informações sobre custo de serviços, legislação pertinente, encargos sociais,

editais e tomadas de preços; Departamento de Comunicação e Evento, que realiza

eventos, cursos palestras. Para auxiliar o atendimento às empresas, também foram

12 A ABREVIS foi fundada em 1970, 18 anos antes da fundação do sindicato. A associação teve grande influência na elaboração da Lei 7.102 que regulamenta e padroniza o exercício da atividade de segurança privada para todo o território brasileiro.

Page 77: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

77

criadas as delegacias regionais do sindicato em Campinas, Santos, Bauru e do ABC

que visam buscar soluções para os problemas específicos das regiões onde foram

instaladas inclusive aqueles relacionados às empresas clandestinas. O sindicato

mantém também um Balcão de Empregos para atender as empresas que precisam

de funcionários especializados em segurança, enviando currículos de profissionais,

da área, exceto vigilantes. Mantém uma publicação interna, a Revista SESVESP,

bimestral, que traz notícias políticas, governamentais e de interesse geral da

categoria. Ainda em sua homepage, há espaço dedicado a uma explicação sobre

as normas que regulam a atuação de uma empresa de segurança para auxiliar os

consumidores sobre os problemas de se contratar uma empresa clandestina.

Conta, inclusive, com um espaço para denúncias de empresas clandestinas e com

o arquivo de todas as empresas filiadas para consultas.

O quadro 3 indica as maiores empresas, em ordem alfabética, existentes no

estado de São Paulo, segundo o SESVESP. Informações não oficiais indicam que a

empresa Pires seria a maior empresa não só do Estado de São Paulo mas também

a maior do país.

Quadro 3. As maiores empresas no Estado de São Paulo:

N.º Empresa 1 Belfort - Segurança de Bens e Valores 2 Columbia - Vig. e Seg. Patrimonial 3 Elmo - Segurança Pres. Valores Ltda. 4 Estrela Azul - Serv. de Segurança e Transp. de Valores 5 Gocil - Segurança e Vigilância 6 GP - Guarda Patrimonial de São Paulo 7 Graber - Sistemas de Segurança Ltda. 8 Itatiaia - Segurança de Crédito 9 Offício - Serv. de Segurança e Vigilância 10 Pires - Serviços de Segurança 11 Pollus - Serviços de Segurança 12 Power - Segurança e Vigilância 13 Protege - Transportes de Valores 14 Salvaguarda - Segurança 15 Sebil - Serviços de Vigilância

Fonte: SESVESP

Page 78: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

78

Além de todas as entidades encarregadas de representar o setor, há um

novo empreendimento que tem atraído grande parte do empresariado brasileiro.

Em novembro de 2000, em Bangkok, na Tailândia, foi realizado o World Security

Congress, Congresso Mundial de Segurança Privada. Através da participação desse

evento, empresários brasileiros conseguiram trazer para o Brasil o Congresso

Mundial de Segurança Privada de 2002, que foi realizado em São Paulo e, o mais

importante, participaram da proposta de criação da Federação Mundial de

Segurança Privada, que está sendo liderada pelos representantes da África do Sul.

A criação da Federação Mundial de Segurança, World Security Federation –

WSF, tem como objetivo estabelecer um centro mundial de comunicações entre as

federações, associações e organizações de segurança privada. O intuito é que essa

organização possa favorecer a troca de experiências e um aprendizado sobre as

diferentes culturas e interesses operacionais. Faz parte da proposta a possibilidade

da Federação ser assistida pela ONU que estabeleceu em assembléia geral, de

1994, uma Convenção sobre assuntos de segurança para seus países membros e

que passaria a enquadrar a segurança privada em seus quadros oficiais. A idéia

básica é conseguir que a segurança privada passe a fazer parte dessa Convenção.

Por parte da ONU, a sugestão é que seja criada uma Organização Não-

Governamental (ONG) sob a bandeira da segurança privada no mundo. Dessa

maneira, a World Security Federation seria uma ONG reconhecida e apoiada pelos

governos de cada país com reconhecimento oficial da ONU. Para a constituição

dessa ONG, a ONU exige um mínimo de seis Projetos Técnicos distribuídos entre

onze especialidades na área de segurança, que deverão ser apresentados e

formalizados com a anuência dos países-membros.

Page 79: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

79

Os reflexos do processo de expansão

Tecnologia

Um indicador desse processo de expansão está no barateamento e

“popularização” dos equipamentos eletrônicos de segurança13. Com as facilidades

das importações os equipamentos ficaram mais baratos e proporcionaram um

estímulo ao desenvolvimento da indústria brasileira de equipamentos eletrônicos

de segurança que disputa o mercado com os produtos importados. Além disso,

estando aberto aos equipamentos estrangeiros, os produtores brasileiros ficaram

muito próximos dos componentes e circuitos de ponta que não eram feitos aqui.

Isto resultou no investimento da indústria nacional em novas tecnologias e

processos de produção e na sua procura por novos mercados consumidores.

A EXPOSEC - International Security Fair é a vitrine de novas tecnologias em

equipamentos para segurança. Normalmente o maior destaque é dado aos novos

equipamentos ou às inovações de equipamentos já conhecidos como circuitos

fechados de TV, alarmes, sensores, fechaduras elétricas, portões automáticos,

entre outros.

Os sistemas de observação e de alarmes são os mais populares entre os

consumidores. Câmeras com grande definição de imagem, câmeras camufladas

(com microfone, escondidas em relógios, detectores de fumo, e de movimento)

câmeras encobertas (para uma vigilância “discreta e dissuasiva”), caixas de

cobertura para a proteção de câmeras, matrizes de vídeo que maximizam a

utilização das câmeras, lentes e monitores, micro-câmeras, sensores

13 Segundo matéria do Jornal da Segurança n.º 64, numa assembléia realizada em 23/11/99 o SESVESP, antigo Sindicato das Empresas de Segurança Privada, passou a responder também pelas empresas que fazem segurança eletrônica, mudando o nome para Sindicato das Empresas de Segurança Privada e Eletrônica e Cursos de Formação. Segundo seu então presidente, José Luiz Fernandez, antes, a segurança eletrônica era um mercado restrito devido aos preços dos equipamentos eletrônicos e que, hoje, com a abertura das exportações os custos dos aparelhos diminuíram e várias empresas entraram nesse segmento. Cita, por exemplo, que a segurança patrimonial perdeu em 1999, 20 mil homens, motivada pela própria economia atual como também pelos serviços que utilizam cada vez mais equipamentos eletrônicos e menos o homem.

Page 80: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

80

infravermelhos, central de alarmes, receptor para alarme, teclado para controle de

acesso (para acionar fechaduras ou alarmes), controles eletrônicos de portões,

rádios transmissores são parte dos equipamentos à disposição dos consumidores.

Para aqueles que não estão satisfeitos em terem uma porta comum em sua

residência ou escritório há, por exemplo, portas totalmente blindadas, com sete

pontos de travamento (nas quatro direções da porta) que é feito através de chave

computadorizada, com isolante térmico e acústico e visor telescópico de amplo

alcance. Cópias de chaves dessas portas são feitas apenas por computador e

através das informações contidas em um cartão confidencial do cliente. Além dos

próprios equipamentos para segurança, há equipamentos que permitem monitorar

a atividade dos vigilantes. Trata-se de um alarme para vigia com temporizador, um

equipamento que permite controlar as rondas feitas pelo vigia

Outro equipamento amplamente divulgado é a proteção perimetral, uma

versão do arame farpado, feito de aço e dotado de lâminas “concebidas para

penetrar e agarrar”, que impede a entrada de pessoas através de obstáculos

limítrofes. Alguns ainda são ligados a uma central de choque pulsativo que, além

de eletrificar, pode funcionar na supervisão caso alguém tente cortar a barreira.

Uma das novidades em equipamentos, apresentadas nas últimas edições da

feira, são os equipamentos de biometria. São equipamentos de alta tecnologia que

permitem o controle de acesso físico pelo reconhecimento da íris ou dos traços da

face. O diferencial destes equipamentos é a alta confiabilidade do sistema. No caso

da identificação pela íris, segundo diretores da empresa LG, a probabilidade de

duas íris gerarem o mesmo código de segurança é de 1 em 1078 sendo que toda a

população do planeta é de 1010. O controle de acesso físico pela íris humana utiliza

quatro processos: localização do olho, captura da imagem, processamento e

codificação da íris e registro e gravação do padrão da íris. Baseado nessa

gravação, o sistema precisa de 1 segundo, para dados de até 4 mil pessoas, para

comparação e reconhecimento completo da pessoa. Outro equipamento possibilita

o reconhecimento de pessoas através do monitoramento de uma determinada área

do corpo. No caso do reconhecimento de faces, o equipamento é eficaz mesmo

Page 81: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

81

que sejam feitas modificações como uso de óculos, bronzeamento, mudanças na

cor do cabelo, envelhecimento etc. Isto é possível porque o aparelho pode fazer o

reconhecimento através de 80 pontos característicos da face. Este processo de

monitoramento pode ser aplicado em áreas abertas ou fechadas e tem sido

utilizado para o monitoramento das ruas da cidade de Londres.

Um serviço muito difundido entre as empresas de segurança compreende os

projetos personalizados de instalação de equipamentos e as promoções que

oferecem “pacotes” de serviços. A Graber, uma das maiores empresas em serviços

prestados à residências, oferece uma catálogo com os planos de segurança

disponíveis. São três as opções: o plano básico - instalação de equipamentos

ligados à central de monitoramento que a qualquer sinal avisa a polícia; o plano

especial - inclui os serviços do plano básico mais a disponibilidade da chegada de

uma Unidade Volante de Atendimento no local; o plano VIP - são todos os serviços

anteriores e mais uma Unidade Volante Móvel de Atendimento circulando várias

vezes, dia e noite, na rua do imóvel protegido. No mesmo catálogo há ficha para a

solicitação de uma análise de risco, gratuita, do imóvel.

Um dos sistemas muito procurados pelos clientes e que desperta certa

polêmica é o botão de pânico, um equipamento que através de ondas de rádio

auxilia o usuário no pedido de ajuda a uma empresa de segurança em caso de

assalto ou ameaça à sua casa. Quando o botão é ativado, o sinal é emitido até à

empresa que liga para a casa do cliente para checar a veracidade do alerta. Se o

cliente não mencionar uma senha combinada previamente, a empresa chama a

polícia. A polícia também é acionada se o telefone estiver ocupado, não for

atendido ou se a ligação for atendida por algum estranho. Para dispor desse

serviço paga-se no mínimo R$600,0014 para a instalação, mais as taxas mensais de

R$70,00. As estimativas, segundo as empresas, são de que os botões de pânico

estão presentes em nove de cada dez sistemas de segurança eletrônica instalados

14 Considerando que as quantias monetárias citadas neste trabalho possam se tornar desatualizadas, é relevante informar que esta pesquisa foi realizada em um período onde o valor de câmbio de um dólar oscilou entre dois e três reais.

Page 82: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

82

no país. Porém, em entrevista veiculada no jornal Folha de S. Paulo de setembro

de 2000, o major Ricardo Tavares Franco, chefe do Copom - Centro de Operações

da Polícia Militar, questiona a eficácia do equipamento. O major afirma que, ao

invés de se utilizar o botão, pode-se simplesmente discar o número 190 da polícia,

e em caso de perigo, discar e deixar o telefone fora do gancho. Afirma que isto

seria o mesmo esforço de se ativar o botão e que em ambos os casos o

atendimento será feito pela Polícia Militar. Já o presidente da Abese - Associação

Brasileira da Empresas de Segurança Eletrônica alega que o botão é mais eficiente,

principalmente em situações extremas pois é um pedido de socorro mais discreto.

Outro item constantemente lembrado nos projetos de segurança refere-se à

iluminação. Considerando que tanto a iluminação interna como a externa

funcionam como um inibidor, pois locais bem iluminados são mais seguros também

existem várias opções no mercado, de equipamentos para serem utilizados de

acordo com os sistemas de segurança do local. Há sistemas de iluminação

focalizados com acionamento automático, que mostram que há um monitoramento

no local; ou sistemas que atuam integrados a detectores de presença que acionam

instantaneamente os projetores, iluminando a área invadida. Os fabricantes

destacam que além do quesito segurança, esses equipamentos também seriam

eficientes no consumo de energia, evitando o desperdício e estariam dentro das

metas estabelecidas pelo Plano de Segurança lançado pelo Governo Federal que

inclui a necessidade de uma iluminação eficiente como um dos recursos no

combate à violência.

Outro equipamento muito encontrado nas residências dos bairros de classe

média e alta são as cercas pulsativas. Entretanto, no Brasil, não existe qualquer

legislação que proíba ou discipline a instalação desses sistemas de segurança. As

cercas são instaladas de acordo com a vontade do cliente, pois não há nenhuma

fiscalização mas, segundo os empresários do setor, a solução encontrada por

algumas empresas é ter as normas internacionais, geralmente as normas

francesas, como base.

Page 83: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

83

Frente a toda tecnologia imposta também aos locais de circulação pública

acirra-se o debate acerca da invasão dos sistemas de monitoramento,

principalmente sobre o que pode e o que não pode ser visto e controlado pelos

sistema eletrônicos de segurança. Na cidade de Londres os habitantes são

monitorados por câmeras colocadas nas ruas e há uma estimativa de que no ano

de 2015, com exceção às residências, não haverá nenhum lugar que não seja

monitorado. Especialistas no assunto alegam que esse projeto trará vários

benefícios como a dissuasão de futuros agressores, redução da mão de obra

efetiva da segurança, gerenciamento de situações de risco em tempo real, entre

muitas outras. Entretanto questiona-se a necessidade da perda da privacidade das

pessoas em troca da sensação de segurança. Alguns críticos do sistema fazem

alusão ao livro 1984, de George Orwells, onde tudo é controlado pelo Grande

Irmão.

Segundo a opinião do sociólogo Luis Antônio de Souza, em entrevista ao

Jornal da Segurança de novembro de 1999, nos regimes autoritários há uma

grande repressão, já na democracia há a vigilância, onde cada cidadão controla as

atitudes do outro para que a ordem seja preservada. Para ele, o lado negativo

desse sistema de controle é o fortalecimento da suspeição mútua mas esta

polêmica só surge quando as câmeras estão em lugares freqüentados pela classe

média que se julga fora de qualquer grupo de suspeição.

Nas ruas paulistanas, as câmeras existentes são de controle de trânsito,

monitoradas pela CET - Companhia de Engenharia de Tráfego, usadas apenas para

auxiliar os engenheiros nos projetos de melhoria do tráfego. Entretanto, o

delegado do DEPATRI - Departamento de Investigações Sobre Crimes

Patrimoniais, Dr. Manoel Camassa, defende que, apesar do desconforto e

constrangimento causado pela exposição, a aceitação desse tipo de

monitoramento é uma contribuição que cada pessoa presta para uma maior

segurança, ora beneficiando e ora sendo beneficiado. O benefício seria a inibição

que os circuitos de TV geram na prevenção do crime patrimonial. Consultores de

segurança afirmam que os CFTV (circuito fechado de televisão), quando

Page 84: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

84

empregados de forma correta e integrados com a tecnologia, são armas imbatíveis

para a segurança.

Outro exemplo de uso dos sistemas de segurança no auxílio à segurança

pública são o Parque da Luz, no centro de São Paulo, e algumas estradas

privatizadas do Estado de São Paulo. Desde o dia 29 de julho de 2000, funciona no

Parque da Luz um novo modelo de segurança, com um esquema de vigilância 24

horas por dia. Aberta licitação pela prefeitura, a Emtel foi a empresa de segurança

contratada. Os valores mensais gastos com a manutenção dos vigilantes e do

monitoramento totalizam R$29.134,26. Tudo o que acontece no parque da Luz é

gravado por um aparelho e cada fita utilizada tem capacidade para 960 horas de

imagens. Se algum crime acontece, o material gravado e a pessoa detida são

enviados à polícia. Há a previsão para a instalação de serviços semelhantes em

outros parques da cidade e algumas empresas já foram contatadas para

apresentarem projetos para os parques Trianon, Ibirapuera e Aclimação.

O mesmo se aplicou à duas estradas que ligam a cidade de São Paulo ao

interior do estado. Após passarem por um processo de privatização e receberem

investimentos em sua infra-estrutura, as estradas Castelo Branco e o sistema

Anhanguera-Bandeirantes passaram a ser chamados de “rodovias inteligentes”.

Nestas rodovias, equipamentos de fibra ótica e circuitos fechados de televisão

permitem que se saiba, em tempo real, tudo o que acontece na estrada, o que

parece proporcionar maior segurança aos motoristas tanto para casos de acidentes

como para os casos de assaltos. A Castelo Branco, por exemplo, está equipada no

trecho até a cidade de Sorocaba, com 66 câmeras, instaladas em torres de 15

metros, com zoom que amplia a imagem até dez vezes. Operam em 360 graus e

alcançam o raio de 1,5 quilômetros, funcionando também à noite.

Refletindo esse aumento na procura por equipamentos eletrônicos de

segurança, foi criado, em maio de 2000 o Sindicato das Empresas Monitoradoras,

Instaladoras e Mantenedoras de Sistemas Eletrônicos de Segurança do estado de

São Paulo. O sindicato atua paralelamente à Abese - Associação Brasileira das

Empresas de Sistemas Eletrônicos de Segurança. Enquanto esta tem propósitos

Page 85: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

85

mais amplos, de âmbito nacional, o sindicato tem propósitos mais específicos e

mais direcionados.

Além do uso de equipamentos eletrônicos, outra “solução” encontrada pelos

moradores para sua proteção são os bolsões, criados a partir do fechamento das

ruas próximas às residências. Segundo a CET, todos os pedidos de fechamento de

ruas são negados mas as associações de bairro tentam negociar a privatização do

espaço público com as administrações regionais que, dificilmente, fiscalizam as

ações ilegais.

Há, por exemplo, casos publicados pela imprensa do fechamento de praças

realizado por associações de moradores, da construção de um muro de 300 metros

para separar os moradores do bairro City América de duas favelas vizinhas, de

vigias que trabalham armados em frente a um prédio no bairro do Pacaembu, e de

condôminos do bairro de Higienópolis que mantêm um segurança na calçada e os

“zeladores de rua” que circulam pela praça Buenos Aires com walkie-talkies.

Um caso curioso foi publicado em uma matéria do jornal Folha de S. Paulo

de novembro de 1992, sobre um comerciante que, por medo da violência, cercou-

se de equipamentos eletrônicos. Segundo a notícia, ao chegar em casa, ele usa um

controle remoto que aciona uma sirene caso demore mais de dois minutos para

cruzar o portão. Se for imobilizado por alguém, aciona um dispositivo que desliga

os alarmes e uma “central de monitoramento” recebe um sinal que indica que o

alarme foi desligado sob coação. Caso alguém entre em sua casa (antes vivia em

uma apartamento, mas por não confiar nos porteiros preferiu se mudar,

aumentando os muros, reforçando-os com espetos e sobre eles feixes de

sensores) será detectado por um sistema de raios infravermelhos que dispara os

alarmes e informa a central. Por último, se ainda assim alguém conseguir entrar na

residência, o comerciante e sua esposa possuem um microtransmissor silencioso,

que carregam em algum lugar do corpo, que informa a central em caso de assalto.

Além destes, o comerciante declarou que se preocupa com outros cuidados como

evitar andar a pé e, no trânsito, manter distância do carro da frente. Todo esse

Page 86: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

86

esquema se encerra com o seu desabafo: “Esse é o preço pago por se viver em

São Paulo”.

Entre todos os serviços que se expandiram, o de blindagem de veículos é o

que causa maior impacto porque além de ser um serviço que requer um grande

investimento, ainda não está sob nenhuma fiscalização governamental. Atrelado à

expansão dos serviços privados de segurança, as classes média e alta pagam por

mais este serviço com a justificativa de se protegerem da violência.

Entretanto, o uso de blindados não se restringe apenas à veículos mas está

se difundindo também como mais uma opção de segurança para condomínios e

residências. O que antes era de uso restrito a instituições financeiras, consulados,

casas lotéricas e pedágios, passou a ser comercializado para residências e

empresas em geral. Algumas construtoras passaram a integrar aos seus projetos

arquitetônicos os vidros blindados para guaritas, fachadas, portas e janelas,

vitrines etc. Estas empresas especializadas atuam com consultores de segurança,

engenheiros e arquitetos, oferecendo uma assessoria completa, sobretudo na

aplicação dos níveis de blindagem e no uso correto dos produtos pois, além da

questão da segurança, a estética se torna fundamental no resultado final. A

blindagem, aliada ao monitoramento realizado por vigilantes e equipamentos, é

vista como mais um dispositivo de segurança. Para o gerente de marketing da

Blindex, uma das empresas do ramo, o vidro à prova de balas não pode “reduzir a

violência mas humaniza a metrópole, além de ser mais uma opção de segurança

que pode ser aliada à estética”. (Jseg, nº90) Empresários do setor sugerem até

que as faculdades de arquitetura incluam em seus currículos de graduação ou pós-

graduação a matéria de segurança, garantindo a homogeneidade do nível de

segurança da aplicação da blindagem com a construção civil.

Dados publicados pela AGP - American Glass Products, que pretende instalar

uma fábrica no país, indicam que o Brasil lidera o ranking mundial em volume de

carros blindados. Apesar da entrada de blindadoras no país ser algo recente, a

partir de 1997, houve um salto nas vendas de vidros blindados para automóveis.

Atualmente existem 40 empresas especializadas neste serviço. As vendas de carros

Page 87: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

87

blindados para os consumidores de classe média no primeiro bimestre de 2.000,

aumentaram 36% em relação a igual período de 1999, ano em que as 25

empresas existentes blindaram 3.000 carros. Hoje já existem inclusive consórcios

de blindagem e facilidades para o pagamento.

O serviço de blindagem de veículos, há alguns anos, era utilizado apenas

pelas Forças Armadas, por transportadoras de valores, por políticos ou altos

executivos. Os números de crimes registrados, especialmente aqueles referentes a

assaltos e seqüestros seriam os responsáveis, segundo os empresários do setor,

para a crescente demanda de veículos blindados. Em 1998, a procura de blindados

por pessoas “comuns”, era de 50 automóveis por mês; em 1999, passou para 300

automóveis. O perfil destes novos clientes reúne médios empresários, profissionais

liberais, advogados, médicos, executivos, comerciantes e industriais. Outra

tendência observada é que, apesar da maioria dos carros blindados serem modelos

importados, devido à violência nas ruas os clientes estariam requisitando

blindagem de automóveis mais simples, modelos como Vectra e Golf, visando

equipar todos os carros da família. Há também casos de famílias que vendem o

segundo carro e optam em ficar com apenas um, mas blindado. Outra tendência

verificada é que os proprietários de carros blindados quando decidem vender o

veículo, o transferem para algum familiar e adquirem um novo modelo, também

blindado. Em matéria sobre blindagem de veículos, publicada no jornal Folha de S.

Paulo, (16/03/99) um empresário faz o desabafo: “Não consigo viver sem um

blindado. Quando estou no carro de um amigo que não tem a proteção me sinto

inseguro” e acrescenta que a blindagem é a garantia de que sairá de casa e

encontrará a família de novo no fim do dia.

Por tratar-se de um mercado novo, a blindagem particular não possui um

órgão fiscalizador no Brasil e as empresas afirmam seguir as normas

internacionais. Quanto aos veículos de empresas transportadoras de valores, seus

veículos têm blindagem especificada pela legislação que regulamenta os serviços

privados de segurança. Também não há regras específicas para o controle dos

serviços de blindagem, permitindo que qualquer pessoa, sem nenhum empecilho,

Page 88: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

88

possa blindar um veículo. Nem mesmo a Polícia Federal tem um controle ou

cadastro de pessoas que possuem carros blindados. A própria lei que regula

atividade da segurança privada não tem nenhuma ligação com os serviços de

blindagem que se expandem cada vez mais. A empresa de blindagem, no máximo,

informa a Secretaria de Segurança Pública de que um determinado carro é

blindado para que essa informação possa ser repassada às companhias de seguro,

isto porque, caso o veículo seja roubado, o valor a ser pago pelo seguro é maior

do que o de um veículo comum. Porém, não existe nenhuma obrigatoriedade, este

procedimento é feito apenas para garantir ao proprietário uma prova de que seu

carro tem um valor maior do que os carros que não receberam a blindagem.

Além do serviço de blindagem, algumas empresas indicam aos clientes

determinadas medidas de prevenção. Entre elas, orientam que o motorista tenha

consciência de que a blindagem somente serve para a segurança nas ruas, que

não significa que o cliente possa “provocar” o ladrão por estar dentro de uma

estrutura resistente a tiros. Para a blindagem de um veículo, o serviço custa em

média de 30% a 50% do valor do automóvel e o preço varia conforme o nível de

blindagem utilizada; são utilizadas placas de aço, uma espécie de manta

confeccionada com várias camadas de fibras de alta resistência balística e os

vidros, a parte mais cara, são de cristal balístico revestido por camadas de

policarbonato transparente. Outra opção para reforçar a segurança é o uso de uma

espuma especial, colocada entre o pneu e a roda do veículo que, em caso de furo,

procura tapar o buraco e permite que o veículo rode por mais alguns quilômetros.

Segundo o ranking da AGP, depois do Brasil, com 4.000 veículos blindados no ano

2000, vêm México, com 2.200 veículos, Estados Unidos, com 1.800 veículos e

Colômbia, com 1.600 veículos.

Recursos Humanos

Toda essa estrutura requer uma grande massa de pessoas qualificadas para

a execução de atividades técnicas e especializadas como a de vigilantes, guarda-

Page 89: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

89

costas, técnicos em eletrônica, técnicos em segurança e especialistas nas mais

diversas áreas. Como ocorre em todas as áreas, os serviços de segurança privada

também são afetados pela substituição dos recursos humanos por recursos

tecnológicos porém, apesar disto, ainda exigem um grande número de pessoas

capacitadas para atividades, tanto administrativas quanto técnicas. Entretanto, os

serviços não tendem a acompanhar o barateamento que ocorreu com os

equipamentos. Cerca de 90% dos serviços necessitam de mão de obra, o que

implica em um conjunto de gastos como salários, uniformes, armamentos e

impostos. Como existe um gasto fixo, que é o piso salarial estipulado para a

categoria, ele é o principal item na definição do preço dos serviços. O piso salarial

atual de um vigilante é de R$600,00 e as empresas definem seus preços a partir

desse valor: valor do salário mais 100% que são a parte de encargos, ou seja, são

pagos outros R$600,00 de encargos sociais, o que resulta num custo de

R$1.200,00 por vigilante. Sobre este valor há uma prática de mercado que varia de

empresa para empresa, em torno de 30% e 18%. Neste percentual é que estão

todas as despesas que não são mão de obra, como por exemplo, manutenção,

uniforme, despesas administrativas, entre outras. Como a margem de lucro fica

em torno de 3 a 4%, o ganho da empresa está no volume dos serviços prestados.

Considerando que o piso salarial é redefinido anualmente, a tendência a ser

verificada é o aumento do preço desses serviços.

O sindicato dos vigilantes tem forte atuação na defesa dos profissionais do

setor. Uma das críticas feita pelos empregadores é que a legislação brasileira não

permite que os empresários estabeleçam contratos com vigilantes “autônomos”,

que recebem pagamento por hora trabalhada. A categoria “vigilante autônomo”,

legalmente, não existe. Uma empresa só pode dispor dos serviços de um vigilante

regularmente contratado por ela. Isso obriga as empresas a terem um quadro de

vigilantes contratados para suprir a demanda e quando a empresa necessita de

mais vigilantes para um determinado posto, ela é obrigada a contratar novos

funcionários.

Page 90: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

90

Quanto aos clientes, estes procuram reduzir os custos com os serviços

através da interação entre o homem e a tecnologia ou até mesmo no aumento do

uso de equipamentos em detrimento da contratação de vigilantes. Segundo o

depoimento de proprietários de empresas desses equipamentos, há alguns anos as

indústrias eram seus únicos clientes enquanto hoje, cerca de uma quarto de suas

vendas são para condomínios e residências. O sucesso desses equipamentos

estaria no fato deles serem vistos como um inibidor de possíveis assaltos.

Apesar do desenvolvimento cada vez maior da tecnologia disponível, o

número de pessoas que atuam no mercado da segurança ainda é muito grande.

Isto pode ser percebido quando se comparam os números dos efetivos da

segurança pública e da segurança privada. Como mostra a tabela 1, existe no

estado de São Paulo cerca de 95.000 vigilantes regularizados. Há que se

considerar também o contingente de vigilantes clandestinos que, apesar de ser

impossível o cálculo exato do seu efetivo, estimativas apontam a existência de

aproximadamente 100.000 homens trabalhando irregularmente como vigilantes.

Para todo o país, os números são de 1,1 milhão de vigilantes, legalizados e não

legalizados, enquanto as polícias Civil e Militar totalizam, aproximadamente 485 mil

homens para todo o Brasil e 115 mil homens no estado de São Paulo. (Ver tabela

2). Cabe ressaltar que, enquanto os números da segurança privada se referem

apenas ao número de vigilantes, os números da segurança pública englobam tanto

os policiais que fazem parte do policiamento ostensivo ou investigativo quanto

aqueles que são alocados para funções burocráticas.

Além disso, é importante lembrar que boa parte desse efetivo da segurança

pública, principalmente entre os integrantes da Polícia Militar, atua, irregularmente,

nas duas forças. É o chamado “bico”, serviço realizado pelos policiais nos

momentos de folga. Para o delegado Paulo Fortunato, presidente da Associação

dos Delegados de Polícia do estado de São Paulo, o motivo da grande procura

pelos serviços privados de segurança é a falência do Estado, e o “bico” é a

oportunidade do policial mal remunerado aumentar sua renda.

Page 91: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

91

Conforme a tabela 1, não se percebe grandes variações, no período de 1994

e 2000, entre os números de vigilantes regulares, tanto no que se refere a Brasil

quanto ao estado de São Paulo. São 450.000 pessoas exercendo legalmente a

atividade de vigilante em todo o país, sendo 95.000 somente no estado de São

Paulo. Entre estes, cerca de 10% é formado pelas vigilantes femininas, conhecidas

como guardetes.

Tabela 1. Número de vigilantes regulares:

Ano São Paulo Brasil

1994 100.000 400.000

1995 120.000 400.000

1996 120.000 400.000

1997 120.000 400.000

1998 100.000 400.000

1999 100.000 400.000

2000 95.000 450.000

Fonte: SESVESP

Tabela 2. Número dos efetivos das polícias civil e militar:

Polícia Civil Polícia Militar Total

UF’s N.º absoluto

Taxa por 100mil hab.

Hab. por policial

N.º absoluto

Taxa por 100mil hab.

Hab. por policial

N.º absoluto

Taxa por 100mil hab.

Hab. por policial

Brasil 112.067 66,10 1.513 372.957 219,98 455 485.024 286,07 350

São Paulo 36.594 64,16 1.559 78.483 212,31 471 115.077 311,30 321

Fonte: Secretarias Estaduais de Segurança Pública MJ/SENASP/DECAASP/Coordenação de Estatísticas e Acompanhamento das Polícias IBGE – Censo 2000 1. Dados enviados no 1º semestre de 2001. 2. Incluído o total de servidores dos Institutos de Criminalística, de Identificação e Médico Legal. 3. Nestes dados, o efetivo do Corpo de Bombeiros está incluído no efetivo da Polícia Militar.

Diante dos crescentes índices de desemprego, a carreira de vigilante se

torna algo muito atrativo. Representa a possibilidade de um rendimento em torno

Page 92: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

92

de R$600,00 exigindo dos candidatos a conclusão do 4º ano primário e o curso de

formação, com duração de quinze dias, ao custo de R$220,00.

Uma das principais questões acerca dos serviços de segurança envolve a

definição precisa entre as atividades desenvolvidas pelo vigilante. A palavra vigia,

oficialmente, não existe porque quem exerce a atividade de segurança é o

vigilante, que é um homem devidamente instruído através do curso de formação,

fiscalizado pela Polícia Federal e que possui toda documentação. Outra diferença

existe em relação a função de porteiros, funcionários encarregados de controlar a

passagem de pessoas pelos portões e que, no limite, exercem apenas um

monitoramento do local, como um apoio aos serviços de segurança. Além da

diferença de formação e qualificação, conseqüentemente, há a diferença de custo

entre eles.

Cursos e Feiras

A dimensão e importância do mercado de segurança privada, principalmente

no que diz respeito a equipamentos e cursos pode ser verificada na realização

anual da Exposec, International Security Fair. Sua quarta edição foi realizada em

novembro de 2000. É considerada a maior feira sul-americana de segurança, que

mostra as últimas novidades em produtos, tecnologias e serviços para segurança

física e patrimonial. Sua primeira edição reuniu 72 estandes, a segunda, 160

expositores, a terceira 350 e a quarta, 300 expositores, nacionais e internacionais.

Trata-se de uma exposição das empresas do setor que vendem aparelhos para

esquemas de segurança, oferecem treinamento de pessoal especializado,

acessórios diversos e publicações sobre o tema.

Além das novas tecnologias em equipamentos, a feira é uma oportunidade

às empresas que oferecem cursos especiais aos profissionais da segurança. Há

cursos voltados para as atividades básicas de vigilantes, para aqueles que já

possuem algum curso de especialização, principalmente em segurança pessoal,

Page 93: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

93

além de cursos voltados para gerentes e administradores da atividade de

segurança.

Entre os cursos básicos, há o de técnicas para o manuseio de Tonfa, um

instrumento que substitui o cassetete e é exigido pela maioria das empresas. O

público alvo são os vigilantes, agentes da segurança e profissionais da segurança

privada de proteção ao patrimônio e a pessoa. Outro curso ensina a administrar

conflitos entre clientes e os vigilantes que controlam o acesso em portas com

detectores de metais Neste curso o vigilante aprende a evitar ou gerenciar tais

conflitos, minimizando os constrangimentos causados. O público alvo é o mesmo

do curso anterior.

A empresa Emforvigil S/A e Uzil Treinamento de tiro e Consultoria, uma das

principais escolas do setor, oferece vários cursos, dentro de modalidades

específicas. O destaque é dado principalmente àqueles mais sofisticados como os

que ministram técnicas israelenses anti-seqüestro para a proteção de executivos. O

objetivo do curso, segundo sua divulgação, era proporcionar a familiarização com

“as mais modernas” técnicas israelenses de proteção de executivos e medidas anti-

seqüestro, através de instrutores especializados nos Estados Unidos, Israel e

Japão.

Outros cursos especializados aos profissionais de segurança pessoal são

oferecidos pelo C. A. T. I. - Centro Avançado em Técnicas de Imobilização. Entre

os cursos oferecidos há aqueles destinados a grupos de operações especiais das

polícias Civil, Militar e Federal, Forças Armadas e a pessoas autorizadas pelos

órgãos governamentais competentes que visam o preparo de policiais para a

atuação em situações de risco como os de resgate de reféns, rebeliões,

abordagens de suspeitos sob efeito de entorpecentes entre outros. Ensinam ao

aluno técnicas de mobilização tática para serem usadas em ocasiões em que não é

possível fazer uso de armas de fogo. Outra empresa, US-Carephone, oferece curso

de segurança em Israel. Com aulas ministradas em três cidades, Cesaréia,

Jerusalém, e Tel Aviv, todo o curso é ministrado em português. O curso custava,

em outubro de 1999, U$5.700,00, o que incluía hospedagem e refeição, visitas

Page 94: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

94

técnicas profissionais, translados, passeios e podia ser financiado pelo sistema

bancário em até 12 vezes.

Para tentar suprir a necessidade de profissionais especializados, outros

cursos também estão sendo desenvolvidos, de nível superior, na área de

gerenciamento em segurança privada. Considerando que grande parte de

consultores e instrutores de empresas de segurança privada e de cursos de

formação é formada por pessoas que migraram das polícias públicas, a emergência

desses cursos se deu para suprir a necessidade de formação de pessoas

qualificadas por cursos voltados especificamente para a área de segurança pessoal

e patrimonial. É uma tentativa de se profissionalizar também a formação de

pessoas que vão exercer essa atividade.

Entre esses cursos, há o curso avançado de segurança empresarial - Master

Business Security, um curso de extensão universitária com carga horária de 222

horas, realizado pela Emforvigil, pelo Centro de Estudos Álvares Penteado, e pela

Brasiliano e Associados Consultoria em Segurança. O objetivo desse curso é

proporcionar o conhecimento de conceitos e técnicas de gestão de segurança para

serem aplicados nas atividades profissionais e é voltado para aqueles que ocupam

funções de chefia, supervisão, média e alta gerência de empresas ou

departamentos de segurança. O curso compõe-se de 18 módulos com os seguintes

conteúdos: análise conjuntural; métodos de pesquisa; finanças e custos;

administração e controladoria; marketing em segurança; recursos humanos;

qualidade na segurança; análise de risco; sistemas eletrônicos de segurança;

sistemas de comunicações; segurança física; segurança pessoal; organização dos

serviços de segurança; planejamento em segurança; segurança em informática;

delitos corporativos; inteligência e contra-inteligência competitiva e seminário de

conclusão de curso.

Além deste, há cursos de extensão universitária em segurança empresarial,

como o Master in Business Administration - Gestão em Segurança Empresarial, um

curso de pós-graduação, latu sensu, com ênfase para a gestão de segurança que

tem o objetivo de preparar os alunos em como conceber e liderar programas e

Page 95: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

95

ações de segurança no cenário empresarial. Tem duração de 360 horas aula

divididas entre os módulos: finanças, marketing, inteligência competitiva,

tecnologia da informação, segurança da informação, planejamento e estratégia

empresarial, tecnologias em segurança empresarial, logística, direito aplicado e

trabalhos de campo.

Durante a feira Exposec é possível perceber o quanto as empresas investem

em marketing. As empresas de segurança contam com sistemas sofisticados de

propaganda como jornais, revistas e boletins informativos. Neles as empresas

divulgam os prêmios e certificados de qualidade recebidos pela empresa,

lançamento de novos uniformes para seus funcionários, instalação de

departamentos para controle de qualidade que visam identificar o nível de

satisfação dos clientes, perfil de seus funcionários bem como regras para seleção e

formação, campo de atuação, fotografias dos centros de formação profissional, de

treinamento e de cursos de reciclagem.

Toda a parte de comunicação e apresentação das empresas, sobretudo nas

de grande porte, tenta apresentar seus serviços como uma alternativa confiável

para os consumidores, tanto no que se refere ao treinamento cada vez mais

rigoroso de funcionários, quanto no investimento em tecnologia, equipamentos e

uniformes modernos.

A propaganda das empresas é um forte aliado na consolidação desses

serviços e, apesar de alguns especialistas ressaltarem a função dos serviços

privados como o de auxiliadores dos serviços públicos, essa propaganda transmite

a idéia da segurança privada como uma necessidade quase “natural” para o bem

estar das pessoas. A razão de ser é quase sempre a mesma, a preservação do

patrimônio e da integridade física de executivos e de famílias inteiras e a defesa

dessa integridade vira sinônimo de prevenção, realizada através de todo o aparato

tecnológico. Não só há o interesse individual por equipamentos como também há o

caso das próprias construtoras que passaram a integrar tais equipamentos como

um diferencial para seus condomínios. Nos anúncios de vendas de imóveis,

sobretudo naqueles de alto padrão, é comum haver destaque para os esquemas

Page 96: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

96

de segurança instalados no imóvel e até para a empresa encarregada da

segurança no local. A idéia de que vivemos num mundo caótico, desordenado e

violento, e que isso nos obriga a tomar alguma atitude em relação à segurança,

justifica a opção por iniciativas individuais e isoladas de contratos de segurança.

Fiscalização

Para uma empresa de segurança poder atuar é necessário enviar um

requerimento ao Superintendente Regional do Departamento da Polícia Federal,

solicitando uma visita nas instalações e atender a uma série de exigências desse

órgão fiscalizador. A empresa legalizada deve possuir habilitação legal, verificada

através do certificado de segurança – emitido pelo Departamento de Polícia

Federal, que certifica que a empresa foi fiscalizada e está em condições técnicas

de prestar serviços; e pela autorização de funcionamento – emitida pelo Ministério

da Justiça, com publicação no D.O.U. (Diário Oficial da União) que permite que a

empresa possa atuar nesse segmento econômico.

Quanto ao vigilante, deve estar registrado numa empresa especializada e

possuir o certificado de conclusão do curso de formação para vigilantes,

devidamente registrado na Polícia Federal, registrado na D.R.T. (Delegacia

Regional do Trabalho) e possuir a Carteira Nacional do Vigilante para exercer a

atividade. A atividade de vigilantes autônomos é totalmente ilegal. O vigilante

regular deve ter vínculo empregatício com uma empresa, usar em serviço o

uniforme dessa empresa e estar devidamente identificado. As empresas também

são proibidas de prestarem serviços de segurança utilizando policiais como

seguranças.

No Brasil, a Constituição Federal atribui à Polícia Federal, Polícia Rodoviária

Federal, Polícia Ferroviária Federal, Polícia Civil, Polícia Militar e Guardas Municipais

a competência para exercer atividades de polícia em vias e áreas públicas. A

qualquer outra pessoa fica vetada a atividade de segurança em áreas públicas e

quando a lei não é respeitada, o ato se classifica como crime de usurpação de

Page 97: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

97

função pública. Quanto às empresas de segurança privada, podem exercer

segurança patrimonial em estabelecimentos e áreas privadas como também

podem ter serviços de proteção de bens na via pública através da autorização para

transporte de valores e escolta armada ou na proteção de pessoas através de uma

autorização específica para atuar em segurança pessoal. Nos casos de segurança

particular na rua, seria possível um contrato para serviço de segurança pessoal,

para clientes especificados no contrato, mas nunca a todos os moradores ou

comerciantes de uma mesma rua. Os vigilantes das empresas legalizadas não

estão autorizados a trabalhar nas vias públicas, fora dos prédios, condomínios ou

empresas. Dessa forma, são ilegais as ações de vigilantes fora dos limites dos

prédios ou residências, assim como a presença de vigilantes nas ruas ou a

instalação de guaritas nas calçadas. O mesmo acontece com os condomínios

fechados onde é permitido que exista segurança particular apenas em sua parte

interna mas nunca nas vias públicas. Somente a presença física de uma pessoa

que exerce a função de vigilante de uma determinada rua, os conhecidos vigilantes

de rua, não é ilegal, ilegal é o uso, por parte destas pessoas, de equipamentos que

são restritos aos vigilantes regulares como armas, rádios e coletes de identificação.

O vigilante regular possui um documento de identificação da categoria, a

Carteira Nacional do Vigilante, lançada em 13 de agosto de 1999 que, durante o

serviço, pode ser utilizada em todo território nacional. Esse é o documento oficial

dos trabalhadores qualificados pelo curso de formação profissional e contratados

por empresas de segurança legalmente constituídas. A carteira é expedida pela

Divisão de Controle de Segurança Privada da Coordenação Central de

Departamento de Polícia Federal, após exame de cada solicitação. Além da

identificação do vigilante, a carteira facilita a fiscalização por parte das delegacias

especializadas da Polícia Federal.

Quanto ao porte de arma, é facultativo ao vigilante em serviço. O seu uso

ou não é determinado através de uma avaliação de risco feita pelos consultores de

segurança da empresa. As armas usadas são de propriedade e responsabilidade

das empresas ou, no caso de guarda-costas, dos contratantes dos serviços. Este

Page 98: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

98

tipo de regulamentação entra diretamente em choque com a lei de porte de

armas. Tornam-se incompatíveis porque, enquanto esta determina que o porte

está vinculado diretamente a uma pessoa e respectiva arma, a lei sobre empresas

de segurança estabelece que a arma deve ser propriedade da empresa

especializada. Para o vigilante, esta incompatibilidade faz com que, muitas vezes,

tenham atritos com policiais que exigem deles uma documentação que não têm.

No estado de São Paulo existe uma delegacia da Polícia Federal, Delesps,

situada na capital, encarregada da fiscalização dessas empresas. Quando a área a

ser fiscalizada é menor, as delegacias são substituídas por comissões de vistoria

como as existentes em Bauru, Presidente Prudente, Santos, Ribeirão Preto, São

Sebastião, São José do Rio Preto e Campinas. Todos os serviços prestados pelas

Delesps são cobrados através de taxas pré determinadas. Essas taxas cobradas

pela Polícia para os serviços de atualização e autorização de funcionamento são

destinadas a um fundo comum, a FUNAPOL – fundo para aparelhamento e

operacionalização das atividades-fim da Polícia Federal. Porém, as taxas não são

revertidas diretamente para a Polícia Federal para manutenção de pessoal

encarregado da fiscalização das empresas e, com isso, hoje há uma estrutura

ainda precária e um número muito reduzido de policiais disponíveis para esse

serviço.

A Delesp de São Paulo conta com 20 pessoas em sua equipe, sendo que

apenas três é que são encarregadas de averiguarem as denúncias sobre empresas

clandestinas em toda Grande São Paulo. Isso faz com que esse órgão fiscalizador

exerça um controle mais rígido sobre as grandes empresas já que reconhecem que

é quase impossível fiscalizar a atuação das empresas clandestinas. Ao mesmo

tempo, pessoas que exercem a atividade de maneira ilegal, como vigilante

clandestino por exemplo, dificilmente são denunciadas porque é muito difícil

identificar apenas uma pessoa quando não há um espaço físico ao qual estejam

ligadas (no caso a uma empresa de segurança).

Os executivos do setor, sobretudo das empresas de maior porte se queixam

da fiscalização severa que a Polícia Federal exerce sobre as grandes empresas

Page 99: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

99

enquanto que as de menor porte mantêm-se, mesmo irregulares, porque a

fiscalização simplesmente não chega até elas. Ao mesmo tempo em que a

fiscalização não é o suficiente para abranger todas essas empresas, as empresas

clandestinas acabam tendo vida curta no mercado porque normalmente não têm

capacidade de garantir todos os encargos aos seus funcionários e acabam

fechando suas portas sem quitar suas dívidas.

Além da fiscalização, uma medida recente, aprovada no estado de São

Paulo, gerou protestos por parte dos empresários das empresas de segurança

privada. Em dezembro de 2000 foi aprovada pela Assembléia Legislativa de São

Paulo, o Projeto de Lei 563/2000, do governo do Estado que estabeleceu a taxa

para serviços de segurança particular em condomínios. Pela lei, as empresas de

segurança são obrigadas a pagar 22 Ufesp15, o equivalente a R$203,94 enquanto

aos condomínios caberá uma taxa de 11 Ufesp, que corresponde a R$101,97. Este

valor passa a ser cobrado para a expedição de um certificado de regularidade de

situação que deverá ser renovado anualmente. Estas taxas seriam destinadas ao

Fundo de Incentivo à Segurança Pública. Dessa forma, todos os condomínios que

tenham um corpo de segurança próprio ou as empresas de segurança terão que

recolher uma taxa para o Estado. Esta lei se aplica a indústrias, estabelecimentos

comerciais, autarquias e condomínios.

A decisão gerou grande polêmica entre os empresários do setor que alegam

que, além das várias taxas já pagas à Polícia Federal, a atividade está regulada

pela União e a fiscalização cabe à Polícia Federal. Argumentam que o estado não

exerce nenhum poder de fiscalização sobre as empresas de segurança e, portanto,

trata-se de uma cobrança por uma fiscalização que não existe. Tal atribuição é do

Ministério da Justiça, através do Departamento de Polícia Federal nos termos da

Lei 7.102

15 UFESP - Unidade Fiscal do Estado de São Paulo, é reajustada de seis em seis meses e seu valor

atual é de R$ 9,83 (dados de maio de 2001).

Page 100: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

100

Clandestinas

Um dos principais problemas apresentados pela demanda crescente de

serviços de segurança é o desenvolvimento do mercado paralelo de segurança

clandestina, que agrega tanto empresas irregulares, que não possuem autorização

necessária para o funcionamento, quanto os vigilantes autônomos, muitas vezes,

policiais à paisana. Além desses prestadores de serviço não serem autorizados,

geralmente exercem suas atividades fora do que é especificado por lei. Em vários

bairros de São Paulo pode-se encontrar homens vestidos com jaleco preto, com a

inscrição “segurança particular” nas costas, fazendo segurança em ruas de

comércio ou residências, principalmente aqueles de classe média e alta. Muitos

fazem uso até de armas de fogo sem terem a devida autorização ou, o que é mais

grave, sem nenhum tipo de treinamento.

Os serviços clandestinos de segurança têm sido a principal preocupação dos

executivos das grandes empresas que, freqüentemente, comparam esses serviços

clandestinos ao comércio irregular dos camelôs. Afirmam que seus negócios são

diretamente afetados pela concorrência feita pelos serviços clandestinos que

atuam por preços muito menores que os seus e pela desqualificação da atividade

porque estas empresas colocam em risco a integridade física de várias pessoas ao

disporem de pessoas não qualificadas para o serviço16.

Outro agravante é a presença de policiais e ex-policiais que atuam em todos

os níveis desse mercado da segurança. Há aqueles que possuem sua própria

empresa de segurança e comandam o negócios como uma atividade paralela à

função de policial. Outros, apenas se oferecem no mercado como seguranças,

atividade que, geralmente, exercem em seu horário de folga. Outros ainda utilizam

seu status de autoridade policial e as comodidades que essa condição proporciona

para fazer “bicos” em empresas como consultores de segurança, como

“despachantes” encarregados da organização e atualização de documentos

Page 101: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

101

perante a Polícia Federal ou como investigadores de antecedentes criminais dos

candidatos às vagas de vigilante. Alguns policiais chegam até a fazer o curso de

especialização de vigilância para trabalhar como segurança nas horas de folga.

Apesar da criação recente de cursos cada vez mais especializados que visam

qualificar administradores e gerentes de segurança, essa constante presença de

policiais acontece em razão da ausência de pessoas especializadas para essa

atividade, assim como também pela crença existente de que o policial, sendo uma

pessoas já treinada para a atividade de controle do crime, seria a pessoa mais

adequada para as funções de segurança privada. Em 1999, foi realizada uma

investigação pelo Ministério Público e pela Corregedoria da Polícia Civil em São

Paulo que acabou arquivada pois não comprovou a relação de policiais com a

direção das empresas, ou o uso, por eles, de meios da Secretaria de Segurança em

benefício de seus negócios. O Comando da Polícia Militar e a chefia da Polícia Civil

têm conhecimento de que grande parte de seus efetivos fazem bicos nas horas de

folga que, apesar de proibido, é tolerado por causa dos baixos salários17.

O SESVESP (Sindicato das empresas de segurança privada de São Paulo)

também desenvolve uma campanha de combate às empresas clandestinas.

Segundo estimativas, hoje existem mais de 300 empresas clandestinas com um

contingente em torno de 100 mil homens, isto para o estado de São Paulo. Estima-

se que no Brasil existam 600 mil vigilantes agindo clandestinamente. Os altos

tributos a serem pagos e a fiscalização precária são um estímulo aqueles que

resolvem entrar no mercado informal da segurança, tornando-o um negócio

altamente lucrativo. Muitas grandes empresas que faziam sua segurança sem se

16 Um exemplo freqüentemente lembrado pelos executivos entrevistados é o caso do comerciante de São Paulo, Massataka Ota, que teve o filho seqüestrado e morto pelos dois seguranças irregulares, ambos policiais militares, que trabalhavam em sua loja, em 1997. 17 No Rio de Janeiro, empresários dos setor de segurança fizeram denúncia ao então governador do estado, Anthony Garotinho, de que alguns comerciantes são obrigados a pagar para garantir o policiamento de PMs fardados. Em alguma regiões como Nova Iguaçu, o serviço chega a custar R$55,00 por dia. Em Benfica, os comerciantes pagam mensalmente R$500,00 pela vigilância de um quarteirão. As negociações são realizadas por meio de um intermediário que tem acesso direto ao comando da polícia e que faz a distribuição dos homens de acordo com as necessidades dos comerciantes. Quem não efetua o pagamento não recebe proteção e conta com uma polícia ineficiente.

Page 102: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

102

preocuparem com a legalidade dos serviços contratados deixaram de contratar

serviços irregulares porque perceberam que podem ser responsabilizadas por isso.

Quando um vigilante fica sem receber seus direitos porque a empresa a qual

estava vinculado não cumpriu o estabelecido, as empresas contratantes é que

acabam sofrendo as conseqüências dessa irregularidades através de processos

judiciais movidos por esses vigilantes. No entanto, as pequenas empresas, além

dos condomínios residenciais continuam a oferecer uma grande demanda para

esse mercado informal.

Nesses casos, em que as empresas de segurança têm autorização para

funcionar mas não cumprem com os encargos sociais, o que permite que ofereçam

serviços mais baratos, necessita-se de certo tempo para provar sua irregularidade.

Geralmente o que acaba acontecendo é que essas irregularidades só são

descobertas quando essas empresas fecham. Outro fato é que as mesmas pessoas

envolvidas nessas irregularidades reaparecem em outras empresas, registradas no

nome de outros proprietários. Apesar da Polícia Federal realizar investigação sobre

os requisitantes de autorização para a abertura de empresas, isso não impede que

a empresa seja registrada no nome da esposa ou do filho de um policial ou de

alguém que já tenho tido uma empresa fechada por irregularidades.

Uma das saídas encontradas pelo sindicato e empresários do setor no

combate às empresas clandestinas é que os clientes, ou seja, as pessoas e

empresas que contratam serviços irregulares, sejam responsabilizados ou

penalizados. Quando um vigilante regular, devidamente treinado e contratado por

uma empresa legalizada, se envolve em ocorrências que resultem em delitos, a

empresa de segurança é totalmente responsável. A intenção é que, quando o

mesmo ocorra com um vigilante clandestino, o cliente tenha que responder na

Justiça pelo ocorrido. O deputado federal Max Rosenmann, filiado ao partido PSDB,

pelo estado do Paraná, é quem atua, há aproximadamente dois anos, no projeto

de lei que pretende alterar a legislação sobre a contratação de serviços

clandestinos de segurança. O objetivo é que não somente as empresas de

segurança clandestinas sejam responsabilizadas por sua atuação, mas que

Page 103: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

103

também os clientes sejam penalizados pela contratação de tais serviços. A

intenção é penalizar quem contrata o clandestino, considerando-o também

responsável por colocar em risco seus clientes ou funcionários ao contratar

pessoas despreparadas para a função.

Justamente por se tratar de empresas clandestinas, é muito difícil

determinar o número exato de empresas que atuam irregularmente. Segundo o

presidente do SESVESP, José Jacobson Neto, atualmente, para cada empresa

legalizada, há entre três a cinco empresas clandestinas e afirma que um dos

estímulos a essa informalidade se deve aos altos tributos cobrados. O sindicato

estima esses números através das denúncias realizadas e através da concorrência

do mercado. Há vários casos em que a empresa legalizada perde contratos de

serviço para as empresas clandestinas e o fator determinante nessa concorrência

não é a qualidade dos serviços, mas sim o seu custo. Há empresas montadas por

policiais, que arregimentam outros policiais para executarem os serviços. Um dos

empresários entrevistados relatou que um dos contratos com uma fábrica de

cigarros foi perdido para um grupos de policiais que utilizam sua próprias armas e

carros alugados para realizar escolta de cargas no seu horário de folga.

Outro incentivo à participação de policiais no mercado da segurança é a

própria legislação que regulamenta a atividade e que permite que egressos da

polícia sejam dispensados da freqüência aos cursos básicos de formação de

vigilante, ficando sujeitos apenas aos cursos de extensão e especialização.

A atuação das empresas clandestinas causa prejuízo não somente aos

empresários como também aos vigilantes, que perdem mercado de trabalho para

pessoas não qualificadas. Enquanto um vigilante, contratado através de uma

empresa de segurança, tem um custo por volta de R$ 1.200,00, os clandestinos

oferecem seus serviços informais por valores em torno de R$ 300,00 por mês.

O primeiro procedimento adotado pelo sindicato, quando uma empresa

clandestina é descoberta, é a denúncia da irregularidade à Polícia Federal. Caso

seja comprovado o envolvimento de policiais, também é feita uma denúncia ao

comando da polícia civil ou militar, dependendo do caso. Uma cópia da denúncia é

Page 104: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

104

enviada à Brasília, de onde a polícia federal comanda todo o segmento no Brasil e

outra cópia ao Ministério do Trabalho.

O processo de terceirização

O estudo realizado por Gonçalves & Semeghini, que tem como base os dados

censitários referentes à população economicamente ativa (PEA) no estado de São

Paulo, entre 1970 e 1980, aponta para uma modernização do setor terciário

paulista. O trabalho aponta que até a década de 1970 verificava-se, no estado de

São Paulo, a tendência a uma concentração industrial na metrópole e que,

posteriormente, ocorreu um processo de interiorização da industrialização.

Os autores afirmam ainda que entre os diversos ramos componentes da

PEA, os de maior peso são a indústria de transformação e a prestação de serviços,

sendo que este último tem apresentado uma tendência à modernização, apontada

pela redução da participação do comércio ambulante e dos serviços domésticos

remunerados na estrutura do PEA. Outra tendência observada pelos autores é o

crescimento na participação dos serviços particulares de ensino e saúde,

principalmente o último, e que o ramo que mais cresceu, 14,8% ao ano, foi o de

conservação e manutenção de edifícios, que incluem desde os serviços de limpeza

até os de conservação e instalação de cortinas ou aplicação de sinteco18. Os

serviços de segurança não receberam maiores comentários porque constitui uma

categoria problemática em relação aos dados sobre a atividade de policiamento e

de segurança nacional para os anos 70. Apenas a partir de 1980, os serviços de

segurança particular são incluídos nesses dados, o que impede uma comparação

entre os dois períodos. Mesmo sem a possibilidade de estabelecer alguma

comparação entre os dados, os autores afirmam que os serviços de segurança

18 É importante lembrar que muitas empresas de segurança fazem parte de grupos empresariais que incluem os serviços de limpeza e manutenção de edifícios.

Page 105: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

105

tendem a acompanhar mais aproximadamente a distribuição populacional nos

vários centros urbanos.

O mais importante desse trabalho é demonstrar que a década de 70, no

estado de São Paulo, foi marcada por um processo de interiorização do

desenvolvimento, com a instalação de diversas indústrias no interior paulista. Isto

também proporcionou o desenvolvimento cada vez maior de um padrão de vida

urbano em todo o estado, resultante do surgimento de cidades de médio e grande

porte. Essa intensa urbanização, por sua vez, estimulou o desenvolvimento dos

serviços diretamente relacionados ao apoio à população desses centros urbanos.

Isto leva a crer que não apenas o sentimento de insegurança colaborou

para o aumento da demanda desses serviços mas, principalmente o próprio

processo de terceirização foi fundamental para esse crescimento. O aumento da

população, do número de indústrias e comércio acompanha o crescimento dos

serviços terceirizados como os serviços de limpeza, segurança, motoboys,

cobrança, departamentos jurídico e inclusive de recursos humanos que passaram

ou ainda estão passando por esse processo de terceirização.

Outra característica importante a ser ressaltada é que o maior campo de

atuação das empresas de segurança é a indústria, seguida pelas instituições

financeiras e órgãos públicos. Os dados da tabela 3 correspondem àqueles do

quadro 2, sobre a distribuição de empresas entre os estados brasileiros.

Considerando que as indústrias são os maiores clientes das empresas de

segurança privada pode-se afirmar que este é um importante fator na decisão do

local de instalação destas empresas. Quanto aos órgãos públicos, há uma queda

significativa da atuação da segurança privada nesse setor. Uma possível explicação

para esse fato é que, de acordo com o depoimento de empresários do setor, várias

empresas deixaram ou, pelo menos, passaram a evitar prestar serviços a estes

órgãos devido aos constantes atrasos de pagamento por parte do governo.

Quanto aos serviços prestados aos condomínios, houve uma sensível queda

entre os anos de 1996 e 2000. Uma provável explicação para essa redução de

demanda pode estar relacionada ao barateamento dos equipamentos de

Page 106: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

106

segurança eletrônica, que acabam por substituir o trabalho humano, ou até

mesmo à expansão paralela do mercado clandestino de segurança, que são bem

aceitos devido aos reduzidos custos de seus serviços.

Tabela 3. Campo de atuação das empresas de segurança:

Atuação 1996 1998 2000

Bancos 14% 10% 14%

Órgãos públicos 11% 16% 11%

Indústrias 46% 44% 46%

Condomínios 25% 19% 13%

Comércio 0% 6% 8%

Eventos - - 5%

Outros 5% 6% 4%

Fonte: SESVESP

Segundo um dos executivos entrevistados, a simples relação entre aumento

da criminalidade e expansão dos serviços de segurança não é verdadeira porque,

caso contrário, não haveria serviços particulares de segurança em países com

baixos índices de criminalidade. Conta, como exemplo, o caso da empresa Brinks,

que presta serviços de transporte da valores e que atua no mercado há 130 anos.

É uma empresa que iniciou suas atividades ainda à época das diligências norte-

americanas e que se fortaleceu na década de trinta quando a máfia de Al Capone

dominava o mercado paralelo nos Estados Unidos. Mesmo depois do fim do

período do domínio da máfia, a empresa continuou em atividade e tem grandes

filiais inclusive em países como a Suíça.

Também, no Brasil, o setor de transporte de valores apresenta duas

tendências ao longo dos anos. A partir de 1980 iniciou-se um processo de

ampliação das frotas orgânicas, que afetou sensivelmente a produção das

transportadoras não pertencentes aos bancos, principalmente no Rio de Janeiro e

em São Paulo. Já em 1988, com as mudanças econômicas, começou um processo

de desativação das frotas bancárias e conseqüente retorno dos serviços às

Page 107: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

107

transportadoras, iniciando o outro processo de terceirização dos serviços de

tesourarias e processamento de documentos bancários. Os dirigentes das

empresas concluem que não compensa manter um serviço próprio que pode ser

terceirizado porque o custo é bem menor. Outra vantagem que estimula o uso

desses serviços é que, através da terceirização, as empresas podem trocar os

funcionários com maior facilidade sem precisarem se preocupar com encargos

sociais ou problemas fiscais já que todo esse serviço fica a cargo da empresa

contratada

Uma empresa, na qual foi realizada entrevista, tem cinqüenta por cento de

seus funcionários trabalhando em bancos. Outra parte nos aeroportos de

Congonhas e Cumbica e em indústrias nacionais e multinacionais. Quanto aos

condomínios, esta clientela é bem menor em relação às outras porque as grandes

empresas perdem o mercado para os serviços clandestinos. Segundo o

entrevistado, em muitos condomínios são contratados policiais civis ou militares

que trabalham em escala 12 por 36 horas na polícia ( 12 horas de trabalho por 36

horas de folga) e que nos dias de folga fazem o bico como segurança. Para o

presidente do SESVESP, houve realmente uma expansão dos serviços de

segurança mas, atualmente, o setor está estabilizado. Isto acontece porque,

segundo o entrevistado, todos aqueles que podem pagar a segurança privada

legalizada já fizeram contratos, tornando a demanda cada vez mais limitada. Dessa

maneira, prevê a tendência para a diminuição gradual do faturamento e da mão de

obra no setor. Outra influência nesse movimento de retração seria também a

própria expansão do mercado de equipamentos eletrônicos, que muitas vezes,

suprem a necessidade do trabalho humano, além da própria competição no

mercado que obriga as empresas a trabalharem com custos cada vez mais

reduzidos.

A expansão das próprias empresas contratantes é outro estímulo às

empresas prestadoras de serviços. Muitas empresas, ao abrirem filiais em outros

estados preferem ser acompanhadas pelas empresas que já lhes prestam serviços

de segurança a terem que contratar outras empresas. Porém, neste caso, há

Page 108: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

108

vários empecilhos. No caso dos serviços de segurança, o maior deles é a

necessidade da empresa obter autorização para atuar em outros estados. Quando

uma empresa é regularizada, ela tem permissão para prestar serviços em um

determinado estado e quando há a intenção de ampliar sua área de atuação, é

necessário solicitar a autorização específica, o que requer um período de tempo

relativamente longo. Outro empecilho é a necessidade de haver outros postos de

trabalho para garantir a viabilidade do serviço.

Tabelas obtidas pela pesquisa da atividade econômica paulista (Paep), de

1996, realizada pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados – Seade,

permitem ter uma noção dos serviços prestados às empresas. Estas tabelas

referem-se aos serviços de portaria, vigilância e segurança utilizados por empresas

de vários portes. A primeira, refere-se às grandes empresas de comércio e a

segunda às indústrias de pequeno, médio e grande porte.

Os números indicam que tanto nas indústrias quanto no comércio

prevalecem os serviços orgânicos. As diferenças mais significativas estão em

relação aos serviços totalmente terceirizados e à ausência desses serviços nas

empresas. De maneira geral, pode-se dizer que esses serviços são mais

terceirizados na região metropolitana do que no interior do estado. Entretanto, em

relação às indústrias, ao menos até 1996, a maior parte delas, seja no interior

ou na região metropolitana, não possui os referidos serviços. Isto levanta uma

outra questão. Saber, em que medida, a segurança particular orgânica das

empresas estão sob os mesmos critérios de fiscalização que as empresas

especializadas em serviços de segurança, considerando que a maior parte delas

ainda contava com seus próprios departamentos de segurança. Outra questão é,

no caso desse serviço ser parcialmente terceirizado, se há envolvimento de

serviços clandestinos ou, mais comum, se há funcionários qualificados para

serviços de portaria e atendimento que acabam atuando como seguranças, sem a

devida formação técnica.

Page 109: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

109

Tabela 4. Natureza dos serviços de segurança em comércio e empresas de grande porte.

Região

TERCEIRIZAÇÃO-

SERV.PORT./VIGIL./SEGUR.

Dados INTERIOR RMSP Total

Global

1. TERCEIRIZADA INTEGRALMENTE Contagem de Empresas 263 522 785

2. TERCEIRIZADA PARCIALMENTE Contagem de Empresas 288 288 576

3. REALIZADA PELA EMPRESA

INTEGRALMENTE

Contagem de Empresas 1.041 1.170 2.211

4. INEXISTENTE NA EMPRESA Contagem de Empresas 368 516

Total Contagem de Empresas 1.960 2.495 4.455

Erro Amostral: Estimativas com erro relativo menor que 20%.

Fonte: Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados - Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista -

Paep 1996.

Tabela 5. Natureza dos serviços de segurança em indústria de pequeno, médio e grande porte. Região

TERCEIRIZAÇÃO-

SERV.PORT./VIGIL./SEGUR.

Dados INTERIOR RMSP Total

Global

1. TERCEIRIZADA INTEGRALMENTE Contagem de Empresas 1.169 2.311 3.480

Erro Amostral B B -

2. TERCEIRIZADA PARCIALMENTE Contagem de Empresas 635 1.196 1.831

Erro Amostral B B -

3. REALIZADA PELA EMPRESA

INTEGRALMENTE

Contagem de Empresas 7.112 9.461 16.573

Erro Amostral B B -

4. INEXISTENTE NA EMPRESA Contagem de Empresas 8.618 10.499 19.116

Erro Amostral B B -

Total Contagem de Empresas 17.533 23.466 41.000

A = Estimativas com erro relativo menor que 20%.

B = Estimativas com erro relativo menor que 40%.

C = Estimativas sujeitas a erro relativo maior que 40%.

Fonte: Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados - Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista -

Paep 1996.

Ao mesmo tempo em que ocorre esse aumento de demanda para o setor de

serviços, vários estudos abordam que os serviços públicos, como por exemplo os

de educação e saúde, são evitados, sobretudo pelas classes média e alta, devido a

Page 110: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

110

precarização cada vez maior desses serviços. Isto pode ser facilmente verificado

nas taxas de crescimento desses serviços no setor privado.

Para tentar compreender o contexto em que tal precarização ocorre, Pinto

(2000), afirma que a argumentação utilizada para justificar o discurso da crise do

estado foi retirada do próprio texto da Constituição de 1988. Afirma que, apesar da

promulgação de uma Constituição que enfatizava a garantia a liberdades civis e

sociais, verificou-se uma grande dificuldade do Estado brasileiro em financiar os

investimentos em todas as áreas demandadas, num momento em que essas eram

fundamentais para a efetivação do processo de transição democrática. O “precário

planejamento institucional dos governos” responsabilizaram a própria Constituição

pela incapacidade de aplicação dessas garantias. “Em unissonância com correntes

econômicas (...) pela redução da intervenção e do tamanho do Estado, em 1995, o

Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE) lançou as bases do

projeto governamental brasileiro de reestruturação do aparato estatal, não só

enquanto “resposta à crise generalizada do Estado”, mas também, segundo o

discurso político vigente, enquanto forma de defendê-lo como “res publica”, o que

determinou, segundo o próprio Plano Diretor, o caráter imperativo da reforma nos

anos 90.” (Pinto,2000:2).

Tal redefinição do papel do Estado seria “fazer com que ele abandonasse a

responsabilidade direta pelo desenvolvimento econômico e social pela via da

produção de bens e serviços para fortalecer-se na função de promotor e regulador

desse desenvolvimento. (...) para o PDRAE, reformar o Estado significa transferir

para o setor privado as atividades que podem ser controladas pelo mercado.”

(Pinto,2000:3)

Esse processo de reforma baseou-se na busca da eficiência, abarcando duas

dimensões: a política (corresponde à necessidade de gerar maior capacidade de

governança com a redução dos custos e o seu estabelecimento proporcional às

áreas exclusivamente estatais) e a administrativa (que se referente à cultura

gerencial nas organizações estatais).

Page 111: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

111

O Plano Diretor estabeleceu a setorização do Estado nas seguintes esferas:

primeiro setor – o núcleo estratégico que representa o governo em si; segundo

setor – setor das atividades exclusivas do Estado; terceiro setor – setor de atuação

simultânea do Estado e da sociedade civil, que engloba as entidades de utilidade

pública, associações civis sem fins lucrativos, organizações não-governamentais,

que têm um caráter essencialmente público; quarto setor – trata-se da produção

de bens para o mercado. Ainda segundo o PDRAE, quanto ao núcleo estratégico

“as decisões políticas, mais que eficientes, devem ser eficazes, ou seja, devem ser

certas em sua legitimidade junto à população” enquanto que no campo das

atividades exclusivas do Estado, dos serviços não exclusivos e da produção de

bens e serviço, “o critério de eficiência torna-se fundamental. O que importa é

atender milhões de cidadãos com boa qualidade a um custo baixo” (Pinto,2000:4)

O argumento é que os serviços tornam-se mais eficientes se, mantendo o

financiamento do Estado, passam a ser realizados pelo setor não-estatal. O serviço

que era público passa a ser realizado como atividade privada.

No sentido de promover a eficiência esperada, os terceiro e quarto setores

foram impulsionados por um movimento de transferência da responsabilidade

direta do Estado pela prestação de serviços e pela produção de bens para a

iniciativa privada. A partir disto, o papel do Estado seria somente o de “promover e

regular o desenvolvimento econômico e social”. Porém, a autora destaca que esse

processo acarretou uma precarização das relações Estado-sociedade. A prestação

de serviços como saúde, educação, produção científica, proteção ao meio

ambiente e produção cultural foram transferidos para a sociedade organizada.

Acrescenta que grande parte da população brasileira sempre esteve à margem do

amparo público e nunca teve seus direitos sociais efetivados e que o Plano

acarreta uma restrição ao próprio conceito de cidadania e minimiza as bases de

proteção social garantidas pelo Estado. No Brasil, a “crise de estado não se reveste

de caráter de desencanto (como nos países do Welfare State), mas seria um misto

de falta de políticas de bem-estar universalizadas, paralelamente a uma perda de

Page 112: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

112

efetividade dos poucos instrumentos de políticas sociais (...) o Brasil vive uma

atrofia precoce do seu desenvolvimento.” (Pinto,2000:8)

A autora continua ainda que o Plano surge como uma ação que apresenta

conflito com uma perspectiva mais democrática de reestruturação estatal pois

reduz o espaço público democrático dos direitos a amplia o espaço privado, além

de fundamentar-se no conceito de cidadão-cliente, que induz à “negligência com o

caráter público da prestação de certos serviços públicos (...), ocorre também uma

perversa redução no universo desses beneficiários: a exclusão de uma parte dos

usuários – aqueles que não constituíam um mercado, no sentido econômico do

termo – da categoria de clientes.” (Pinto,2000:9) E conclui afirmando que “a

transferência de setores significativos do âmbito estatal para a iniciativa privada e

ou para a sociedade organizada gera um vácuo de legitimidade sobre aqueles que

requerem do Estado não somente uma regulação estrita do mercado, mas também

uma sociedade mais equânime.” (Pinto,2000:9)

Diante de um cenário de densa urbanização das metrópoles e de descrença

em relação aos serviços público o setor da segurança também foi profundamente

afetado. A segurança pública parece ter cada vez menos credibilidade entre a

população, o que acaba por impulsionar a procura dos serviços particulares ou de

equipamentos para segurança. Ao contrário das previsões pessimistas dos

empresários, dados divulgados no Jornal da FENAVIST do primeiro trimestre de

2002 indicam que o setor de segurança privada cresceu 9,74% em 2001 em

relação a 2000. Esse número representa o aumento da quantidade de pedidos de

autorizações para funcionamento de novas empresas. Ao mesmo tempo, houve

uma queda na quantidade de cancelamentos de registros (enquanto em 2000

foram 58 pedidos, em 2001 foram apenas 20). Outro setor que expandiu foi o

serviço de escolta armada que passou de 48 empresas atuantes em 2000 para 66

empresas em 2001. A segurança pessoal expandiu com a concessão de

funcionamento de mais 8 empresas (passou de 21 em 2000 para 29 empresas em

2001). Segundo o vice presidente da entidade, essa expansão se deveu ao

aumento da violência e à carência de políticas públicas na área da segurança.

Page 113: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

113

Isto está expresso no termo utilizado por Seabra (1992). Para a autora, a

arquitetura, nas metrópoles, é a melhor tradução da expressão estética da

contemporaneidade e a segurança privada é uma das evidências que qualifica e

atualiza a problemática urbana. “... problemática metropolitana, a questão da

segurança; mais precisamente da segurança expressa nos serviços privados de

guarda e vigilância, pois na materialidade urbana estão praças e jardins cercados,

igrejas cercadas, muros altos, aliás cada vez mais altos; muros que protegem mas

isolam; grades em profusão, lanças em profusão. Alarmes, walk-toks, interfones,

sirenes, cabines de vigilância, bairros inteiros cercados, guardas armados,

cachorros e vigilantes... É a síndrome do medo que suporta como contrapartida a

indústria da segurança.” (Seabra, 1992:124)

Afirma ainda que a arquitetura de São Paulo é expressa na forma de um

“urbanismo policial”, moldado pelo sentimento de medo que reafirma o

“isolamento por necessidade”, aumentando o caráter segregativo e o

individualismo e esta segregação é justificada pela síndrome do medo. Esta

síndrome pode proporcionar sistemas privados formais e informais de justiça que

seriam originários da ausência do Estado no controle dos conflitos ou de uma

tendência discriminatória na sua ação. Além dos sistemas de segurança como

equipamentos e vigilantes, outros sistemas como a ação de justiceiros, grupos de

extermínio e linchamentos seriam formas alternativas privadas de justiçamento.

Pode-se definir então que o processo de expansão das empresas que

vendem serviços de segurança é um fenômeno estritamente urbano. Quando não

está relacionado aos serviços prestados às indústrias e multinacionais que

requerem a terceirização de alguns serviços, está relacionada aos serviços de

segurança de residências de alto padrão nas grandes cidades, motivados pelo

aumento da violência e da criminalidade. A própria legalização do setor foi uma

das principais motivações ao aumento dessa competitividade porque, no início,

quando o controle era exercido pelo poder estadual, as autorizações para

exploração desse serviço eram restritas àqueles que tinham algum histórico dentro

da carreira militar ou da polícia. Dessa forma, o mercado ainda estava restrito a

Page 114: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

114

um pequeno número de pessoas que eram autorizadas a prestar os serviços. Isso

facilitava os acordos para fixação dos preços e divisão das áreas de atuação de

cada um deles. Assim que o setor foi regulamentado, os preços dos serviços

caíram, motivados pela concorrência com o surgimento de várias novas empresas

no mercado. Outro motivo, apontado por um dos entrevistados, para o

crescimento desse mercado está relacionado, em boa parte, ao “modismo” que se

criou em contratar os serviços de segurança, muitas vezes, sem real necessidade.

Segurança Pública versus Segurança Privada

Se os serviços particulares de segurança estão intimamente relacionados ao

processo de urbanização e concentram-se nas grandes cidades, resta saber em

que medida, considerando que o Estado é único detentor do monopólio da

violência (Weber, 1993), estes serviços são compatíveis com os serviços os

serviços de segurança pública. Além da necessidade das empresas legalizadas se

diferenciarem das empresas informais de segurança, há uma intensa campanha de

sensibilização da opinião pública para a compatibilidade entre a segurança pública

e a segurança privada. Esses serviços são apresentados como indispensáveis e há

um enorme esforço em demonstrar sua complementaridade aos serviços de

segurança pública. Apesar de defenderem essa compatibilidade, os empresários do

setor estão sempre atentos à necessidade de diferenciarem seus serviços daqueles

prestados pelo Estado.

A Federação Nacional das Empresas de Segurança e Transporte de Valores -

Fenavist, ressalta, através da mídia, a necessidade do Estado oferecer melhor

remuneração para evitar que seus profissionais da segurança pública busquem

trabalhar também na segurança privada clandestina. Apesar de existirem

experiências como as de Nova York, em que policiais prestam serviços particulares

a empresas e empresários, às vezes com os mesmos equipamentos utilizados para

os serviços de segurança do estado, os empresário do setor de segurança

reconhecem que isto ainda é muito distante da realidade brasileira e defendem

Page 115: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

115

que a solução para o problema da segurança pública ou privada não implica na

destruição dos serviço de segurança pública. Esta parece ser mais uma

preocupação com o possível surgimento de um novo concorrente no mercado do

que uma posição de defesa da existência dos serviços públicos.

No Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, houve uma discussão acerca da

privatização da polícia. Segundo reportagens do jornal O Dia (agosto/99), o estado

pretendia legalizar o “bico” através de um projeto que criaria uma fundação para

oferecer segurança particular feita por policiais militares e policiais civis, com

uniformes, patrulhas e armas da corporação. A fundação concorreria no mercado

de segurança privada para fazer o policiamento em bancos, empresas e eventos.

Com esse projeto calculava-se atingir 80% dos 30 mil homens da PM, o que,

segundo estimativas da Comissão de Segurança da Assembléia Legislativa, seria o

percentual de policiais que trabalham irregularmente, fora do horário de plantão. O

dinheiro arrecadado com a prestação dos serviços seria utilizado na corporação e

no pagamento dos salários dos policiais, incluindo o extra que fizessem fora do

expediente, através da fundação. Também foi levantada a possibilidade da criação

de um uniforme especial para os serviços de policiamento privado. O projeto

estava sob responsabilidade do então subsecretário de Pesquisa e Cidadania da

Secretaria de Segurança Pública, Luis Eduardo Soares que defendia a idéia. Após a

experiência de um mês na cidade de Nova York, trouxe informações sobre os

projetos lá realizados, onde a polícia presta serviços privados utilizando o uniforme

da corporação. Para alguns esta é a única saída para o atual problema da

segurança pública, principalmente pelo fato de tal serviço ter virado prioridade

para os policiais, deixando a atividade de policial em segundo plano. Entretanto,

para outros, como o deputado estadual Hélio Luz, ex-chefe da Polícia Civil do Rio

de Janeiro, a medida é inconcebível, uma vez que “não se pode ter utilização

privada para recursos públicos” e “se a polícia começar a cobrar pelos serviços, só

vai ser beneficiado quem puder pagar”. Discute-se também que a necessidade dos

policiais exercerem uma segunda atividade para complementar o salário produziu

uma inversão de valores. Antes, a atividade paralela era o bico e hoje, afirma-se

Page 116: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

116

que a própria atividade policial virou bico. O policial acaba se dedicando menos à

polícia porque dá preferência a outra atividade mais lucrativa. Segundo o então

governador do Rio, Anthony Garotinho, a intenção do projeto seria melhorar a

segurança pública e o salário na polícia, e afirma que isto está longe de ser

privatização da polícia.

Uma questão existente é a da prestação de serviços de segurança para

eventos que ocorrem em locais que não são de propriedade privada. Apesar

desses eventos estarem sob responsabilidade do policiamento público, muitos

organizadores procuram reforçar a segurança contratando policiais que fazem

“bico” em seu horário de folga. Isto acontece porque, segundo a legislação, os

serviços de segurança privada podem ser realizados apenas em espaços que são

de propriedade privada. De maneira também ilegal, para contornar o problema, as

empresas subcontratam policiais porque à eles é permitido o policiamento de

espaços públicos. Esta é uma maneira de tentar “contornar” os empecilhos

colocados pela lei. Um dos exemplos citados por um dos entrevistados é a

Campanha Criança Esperança realizada pela Rede Globo. Por ser realizado no

ginásio do Ibirapuera, que pertence ao município, a alternativa encontrada para o

reforço do policiamento é a subcontratação de policiais.

Quanto aos estádios de futebol, por exemplo, apesar do estádio do Morumbi

ser de propriedade de um clube, a Federação Paulista de Futebol solicita os

serviços à Secretaria de Segurança que cede autorização para a Polícia Militar

realizar a segurança interna e externa do estádio durante os jogos de futebol. Para

os executivos da segurança privada, este seria mais um setor a ser explorado.

Uma das empresas de São Paulo já está em processo de formação de um quadro

de vigilantes especialmente treinados para eventos de grande porte como estes,

além de projetos de instalação de equipamentos eletrônicos nos estádios.

O ex-presidente da Fenavist, Cláudio Neves, em entrevista ao Jornal da

Segurança, afirmou que é de extrema importância a imparcialidade do Estado na

intermediação das relações sociais para garantir a segurança pública a todos e

evitar o “sentido domesticador” das elites. Ressaltou ainda que não estava

Page 117: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

117

defendendo que “os pobres, chamados pela Sociologia de “desvalidos”, são

impotentes diante do poder político, econômico ou policial dos ricos. Quero dizer,

tanto as pessoas como patrimônios - construídos com sacrifícios de gerações -

têm necessidade de proteção, para assegurar direitos e deveres, rentabilidade e

integridade. Os menos favorecidos que não podem dispor de segurança própria,

esses, então, precisam ter confiança ilimitada na instância do Estado, para evitar

até mesmo que resolvam fazer justiça à sua própria maneira, como demonstram

vários episódios da história brasileira.” Finaliza a entrevista dizendo que se os

salários pagos pelos serviços privados são atrativos aos policiais, cabe então ao

Estado adequar-se a isto para que a sociedade “não seja violentada por interesses

outros que não os da sociedade”. (Jornal da Segurança, n.º 49:5)

Apesar desses dois serviços serem sempre apresentados como compatíveis,

nota-se a nítida diferença entre as pessoas que serão atendidas por eles. Aqueles

que possuem alguma patrimônio, que têm algo a perder ou se sentem alvos da

violência, passam a ter o direito de pagarem para ter sua segurança garantida.

Quanto aos que não têm poder aquisitivo para contarem com tais serviços, restam

apenas os serviços públicos.

Dentro da problemática da segurança privada, Caldeira também vai tratar a

questão da segregação urbana. A seu ver, a necessidade de uma melhor

segurança, por parte das elites, é impulsionada por uma “invasão indevida da

cidade e do espaço da cidadania pelas camadas populares e pelas minorias”

(Caldeira, 1991:172) Não é apenas o ato de separação mas sobretudo, a

manutenção de uma ordem privada e seus privilégios de classe, pois o Estado ao

se abrir aos movimentos sociais das décadas de 70 e 80, já não reproduz tão bem

essa forma. A segurança vira então sinônimo de exclusão, de distinção e status,

pois o Estado fica incumbido de cuidar dos direitos coletivos enquanto os ricos

cuidam de si mesmos, em seu espaços excludentes e seguros, partindo da

Page 118: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

118

condição de que é o espaço da sociabilidade19 entre "iguais". Formam-se assim os

“enclaves fortificados” que “são espaços privatizados, fechados e monitorados para

residência, consumo, lazer ou trabalho”. O espaço da rua é destinado aos pobres,

“marginais” e os sem-teto. Consequentemente, o caráter do espaço público -

fundamento para a estruturação das cidades modernas - vem sendo modificado.

Os novos esquemas de segurança não proporcionam apenas a proteção do crime

mas também criam espaços segregados e excludentes pois a sensação de

segurança passa a ter fundamento maior na sensação de distância social do que

na ausência do crime. Tal sentimento está justamente em contraposição aos ideais

democráticos pois ao invés de firmar em uma ordem comum a todos, de

igualdade entre cidadãos, enfatiza a diferença e o privilégio.

Há os que acreditam que a possibilidade de um trabalho em conjunto ou a

união da segurança pública com a privada já exista. Acreditam que tais sistemas

de segurança já se correlacionam, preservando seus objetivos finais. Enquanto ao

Estado cabe garantir a segurança das pessoas, preservação da ordem pública e do

patrimônio, a segurança privada se encarrega desse preceito a um determinado

cidadão ou a um pequeno grupo mas sem produzir um modelo de segurança para

a população.

Em entrevista à revista Security, n.º 14, o diretor da escola de formação de

seguranças Emforvigil, diz que hoje ainda existe uma separação nítida entre a

segurança pública e a privada no Brasil, mas que é possível perceber uma união

entre as duas forças no combate à criminalidade. “A segurança privada veio pra

ficar e unir forças com a segurança pública, que poderia até ser privatizada,

deixando o poder público disponível para a repressão à criminalidade nas ruas.”

Também afirma que há a tendência de que algumas áreas sob responsabilidade da

segurança pública passem para a segurança privada, liberando as polícias públicas

para atividades mais efetivas de combate à violência.

19 Sociabilidade é a forma, realizada de várias maneiras diferentes, na qual os indivíduos se agrupam em unidades que satisfazem seus interesses. Tais interesses formam a base das sociedades humanas pois a interação obriga os indivíduos interessados, a formarem uma sociedade.

Page 119: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

119

Segundo a mesma publicação, em sua participação no congresso “A

integração de Segurança Pública e Privada”, realizada pela FENAVIST em setembro

de 2000 na cidade de Brasília, o coronel da PM, Waldir Souza Lima, ressaltou a

importância da participação de representantes do setor privado nos conselhos de

segurança pública. Para ele, o empresário de segurança pode contribuir com sua

experiência e com informações nas decisões e estratégias dos conselhos. Também

enfatiza a necessidade da segurança privada participar do sistema de informação

da polícia como um todo e da ampliação do emprego de empresas de segurança

privada em ações complementares da polícia, como em shows, jogos em estádios

de futebol entre outros. Afirma que o policial custa muito caro e, portanto, deve

ser utilizado no combate ao crime organizado e ao narcotráfico, deixando os outros

serviços, tão importantes quanto, mas complementares, aos profissionais das

empresas privadas.

Este evento foi amplamente elogiado em um editorial do Jornal da

Segurança, (setembro/00). A editora ressaltava o fato de que as instituições

governamentais de segurança pública estão muito atrasadas em termos de

organização e que eventos, como o realizado pela FENAVIST, indicam que está na

hora da população tomar iniciativas quanto a segurança no país. Porém, o que a

primeira vista poderia parecer uma referência à necessidade de debates públicos

sobre segurança, na verdade, diz respeito à ações enérgicas que devem ser

tomadas pela população acuada pela violência. Acrescenta que “não adianta

somente vestir branco em um determinado dia da semana,20 o “contra ataque”

deve ser muito mais contundente e eficaz, empregando estratégias - por que não

dizer? - até de guerras. Se bem, que estou cometendo uma redundância já que o

termo estratégia vem das práticas guerreiras, onde era necessário traçar um plano

de ação.” (Jseg, nº73:2)

20 A autora faz alusão à campanha do movimento Sou da Paz, organizado pela sociedade civil, que pediu à população que usasse roupas brancas durante o dia de protesto contra a violência.

Page 120: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

120

Para os empresários entrevistados, os dois tipos de segurança são

totalmente compatíveis. Enquanto a segurança pública se encarrega da repressão

aos crimes, a segurança privada atua de maneira preventiva. O próprio

desenvolvimento desses serviços privados se deve a incapacidade do Estado de

garantir o policiamento em áreas restritas como, por exemplo, indústrias e bancos.

A segurança privada é colocada como algo complementar à segurança pública.

Quanto ao envolvimento de policias nos serviços de segurança, principalmente nos

clandestinos, os entrevistados ressaltam que não cabe às empresas a pretensão de

fazer a segurança pública assim como não cabe aos policiais a atividade de

segurança privada. A idéia é reforçar que cada um tem a sua área de atuação e

que quando esses limites são respeitados, a compatibilidade é possível.

Essa compatibilidade é ressaltada pelo executivo da empresa Pires que fala

da experiência da terceirização dos serviços penitenciários no Paraná e no Ceará. A

Penitenciária Industrial de Guarapuava, no interior do Paraná, administrada pelo

governo, obedece a um modelo de terceirização de serviços por empresas

privadas. Inaugurada em novembro de 2000, a penitenciária tem capacidade para

abrigar 240 presos. Através de um contrato entre a Secretaria de Estado da Justiça

e Cidadania daquele estado e a empresa Humanitas – Administração Prisional

Privada S/C Ltda., da qual fazem parte a Pires Serviços de Segurança e Transporte

de Valores e a Metropolitana Vigilância Comercial e Industrial, a responsabilidade

da administração e operacionalização da Penitenciária Industrial de Guarapuava

passou para a iniciativa privada.

Pelo contrato, as empresas se responsabilizam a executar todos os serviços

que garantam o pleno funcionamento da penitenciária, abrangendo recursos

humanos e material para hospedagem, manutenção, segurança interna (a

segurança externa é realizada pela Polícia Militar), alimentação, saúde, recreação,

terapia ocupacional com acompanhamento psicológico e a reciclagem educacional

e profissional dos detentos. Esta reciclagem profissional fica a cargo de indústrias

que estabelecem convênios com a Secretaria do Estado da Justiça. Aos detentos

cabe a obrigação de trabalharem nas empresas que são instaladas dentro do

Page 121: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

121

presídio. Recebem um salário mínimo por mês sendo que, parte do salário é

destinada ao fundo penitenciário do Estado de São Paulo para financiar a

construção de novas penitenciárias. A Azulbras, Indústria e Comércio de Móveis foi

a empresa que venceu a licitação para instalar sua fábrica dentro da penitenciária,

que possui área de 7000 metros quadrados. A Azulbras é responsável pela

alimentação dos presos, que têm direito a três refeições diárias, e é isenta de

obrigações sociais como férias, previdência e FGTS.

Dessa forma, os serviços dentro da unidade prisional passam a ser

terceirizados e de responsabilidade da iniciativa privada. O mesmo modelo de

administração está sendo utilizado no presídio de Juazeiro do Norte, no Ceará,

onde os trabalhos foram iniciados no final de 2000. Segundo informações contidas

na revista da empresa Pires, o governo do estado do Paraná paga R$250.000,00

por mês pelos serviços prestados.

Segundo os responsáveis por esses serviços, todos os funcionários que

trabalham nos presídios administrados pela Humanitas são contratados na própria

região onde estão instaladas as penitenciárias. No caso dos agentes, a formação

também é diferenciada dos outros profissionais do setor. Antes de assumir o

cargo, passam por uma série de entrevistas, participam de palestras e fazem

treinamento específico no Centro de Formação e de Aperfeiçoamento Profissional

de Segurança Pires (CFAPP), em São Paulo.

Outro exemplo de parceria que levanta a questão da fiscalização do estado

não apenas em relação à regularização das empresas mas, sobretudo quanto ao

seu modo de atuação é o da terceirização de serviços nas unidades da FEBEM. Em

25 de novembro de 2000, através da divulgação pela imprensa, foi feita a

denúncia de que vigilantes de empresas de segurança privada estariam envolvidos

em agressões sofridas por crianças e adolescentes internos da FEBEM - Fundação

Estadual do Bem Estar do Menor. As empresas de segurança, Emtel, F. Moreira e

Vise, são contratadas para a vigilância patrimonial da FEBEM enquanto os

monitores, agentes de educação e proteção são encarregados de interceder junto

aos adolescentes.

Page 122: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

122

O promotor de justiça, Wilson Tafner, definiu a situação como a

“terceirização da pancadaria” já que as denúncias de agressão envolvendo

monitores da instituição são muito freqüentes. Naquele ano, a promotoria

instaurou 20 procedimentos para investigar a autoria dos espancamentos

envolvendo vigilantes e alguns deles já haviam passado para a fase de instauração

de inquéritos policiais. A evidência do envolvimento dos vigilantes na função de

monitoria aconteceu depois de um deles ter sido assassinado a estiletadas por

internos durante uma rebelião na unidade de Parelheiros. Em entrevistas, a viúva

do vigilante afirmou que seu marido era obrigado a entrar nas celas munido

“apenas de pedaço de pau” para conter conflitos entre os internos. Também uma

funcionária de uma das unidades afirmou que os vigilantes batem nos

adolescentes com o consentimento de diretores da fundação. Por sua vez, o

diretor de comunicação do sindicato dos vigilantes relatou que seu pessoal é

pressionado pelos coordenadores de segurança a entrar nas celas. Já o presidente

do sindicato dos trabalhadores da FEBEM diz que os vigilantes entram nas celas e

no pátio com a autorização da direção da FEBEM.

Ainda segundo as denúncias, em um boletim de ocorrência de uma tentativa

de fuga de internos da unidade Tatuapé, assinado por um funcionário da

Fundação, consta que os internos foram contidos por vigilantes e posteriormente

medicados. Porém, os gerentes de segurança das empresas que prestam serviço

para a FEBEM afirmam que seus funcionários não têm acesso às áreas reservadas

aos internos mas que recebem treinamento específico para atuar em situações

como essa.

A reportagem faz menção também à polêmica jurídica gerada pela

contratação de vigilância privada na contenção de adolescentes. Dois advogados

ressaltam que as empresas de segurança podem complementar a ação do poder

público sem substituí-la. Segundo o juiz Jeferson Moreira de Carvalho, membro da

Associação Brasileira de Promotores e Magistrados da Infância, zelar pela

segurança pública é função do Estado, não podendo ser delegado à iniciativa

privada. Outro agravante neste caso foi o fato do Ministério Público, por meio da

Page 123: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

123

Promotoria de Justiça e Cidadania, ter instaurado um inquérito para investigar a

razão pela qual a FEBEM teria contratado duas das três empresas que prestam

serviço, sem licitação.

O principal argumento apresentado é que, apesar da segurança pública ser

fundamental para a garantia da integridade física das pessoas, ostensivamente,

nas ruas, a segurança privada garante a segurança interna nos estabelecimentos,

funcionando como um inibidor a possíveis ataques. Apesar de não ser mais ou

menos importante do que a segurança pública, os empresários fazem questão de

frisar que os serviços privados de segurança são fundamentais como meios

auxiliares de segurança no mundo moderno.

Há um entrevistado que acredita que a própria segurança pública,

futuramente, será privatizada. Assim como os presídios estão passando por esse

processo de privatização, acredita que as empresas poderão ser contratadas para

fazer o serviço de policiamento em determinadas áreas. Afirma que esse seria o

caminho para redução dos custos e para o aumento da eficiência.

Porém, a segurança privada, como qualquer outro negócio de prestação de

serviço tem como objetivo a obtenção de lucro. Para o coronel da reserva da

Polícia Militar e pesquisador do Instituto Fernand Braudel, José Vicente da Silva

Filho, a vigilância privada atende às necessidades das pessoas num determinado

mercado pois, uma vez que há crimes e o sentimento de medo, há a necessidade

da segurança. Entretanto, afirma que há dois fatores que devem ser considerados

ao se discutir sobre segurança privada. Primeiro, a crescente urbanização que

impôs grandes massas de propriedade privada como os shoppings centers,

condomínios fechados, centros de lazer e fábricas que acabaram criando a

necessidade de estruturas de serviço, entre eles o de segurança. Segundo, a

urbanização também trouxe novos papéis à polícia, com crescentes solicitações

que não fazem parte de suas atribuições, causando uma sobrecarga aos seus

recursos extremamente limitados.

Para o pesquisador, essas foram as condições fundamentais para a

ampliação do setor da segurança privada. Como exemplo, cita os números dos

Page 124: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

124

efetivos de outros países. Afirma que nos Estados Unidos existem três milhões de

vigilantes ao mesmo tempo em que a segurança pública conta com um milhão de

homens. Na Inglaterra, existem duas vezes mais efetivos de segurança privada

que na segurança pública. Dessa forma, a segurança privada não pode ser

considerada como um sinal do fracasso da segurança pública, mas sim como a

prestação de serviço que não se diferencia das outras.

Também reforça que a segurança pode contribuir muito para a prevenção

do crime, funcionando efetivamente como um auxiliar à segurança pública. Há três

maneiras pelas quais pode haver essa contribuição. A primeira delas é a segurança

privada agindo como um “substituto” aos serviços públicos de segurança. Isto

seria possível porque assim que empresas ou residências contratam vigilância

particular, tornam-se alvos menos vulneráveis e, consequentemente, passam a

necessitar menos da presença policial. A polícia estaria então disponível para atuar

em áreas carentes e vulneráveis. Para os que podem pagar, a polícia não é

necessária porque eles próprios garantem sua segurança, de maneira moderna e

eficaz, e ainda disponibilizam os policias para agirem nas áreas realmente

violentas. A outra maneira, é que o enorme contingente de vigilantes pode servir

como informantes à polícia, e, por último, os próprios equipamentos de segurança

que, cada vez mais sofisticados, reforçam as medidas de prevenção e melhoram a

qualidade das informações disponíveis à polícia.

Por fim, o pesquisador afirma que o principal problema não é

necessariamente a insegurança pública, mas muito mais o envolvimento de

policiais no mercado da segurança, sobretudo quando são contratados para

garantirem privilégios públicos a interesses particulares.

De maneira geral, pode-se definir que a expansão dos serviços de

segurança privada obedece a dois processos: o de terceirização dos serviços e o

aumento da criminalidade nos grandes centros urbanos. Pode-se dizer que o

aumento da demanda por serviços terceirizados proporcionou a expansão

principalmente das grandes empresas, que já prestavam serviços de outra

natureza a esses estabelecimentos e que, com a regulamentação do setor da

Page 125: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

125

segurança, investiram nesse novo mercado. Já o crescimento do crime violento,

principalmente na região metropolitana de São Paulo, parece ter estimulado não

apenas o mercado de equipamentos de segurança e de serviços de segurança das

grandes empresas que prestam serviços às indústrias, como também o mercado

informal de segurança. Quanto mais se disseminou o sentimento de medo e

insegurança, aliado à ineficiência da polícia, mais as pessoas recorreram aos

serviços privados. Como os serviços prestados por empresas legalizadas são muito

caros à população comum, abre-se espaço para a venda de serviços coletivos, de

segurança para residências de toda uma rua, muito mais baratos mas totalmente

ilegais. Seja para grandes indústria e seus executivos ou para os moradores dos

bairros da cidade, há uma gama de serviços que se adequam às necessidades e ao

perfil de cada um desses grupos.

Se, para os executivos, as empresas de segurança funcionam como um

negócio qualquer, que surge devido a grande demanda do mercado e não só pelo

aumento da violência mas também pelo próprio processo de terceirização, a

população parece não compreender o fenômeno dessa mesma maneira. Quando

procuram serviços para suas residências ou veículos, estão preocupados com o

crime comum e em garantir o que a segurança pública não lhes garante mais. Isso

é reforçado pela propaganda feita pelas empresas, principalmente por aquelas que

vendem produtos e serviços especiais para residências, que reforçam o sentimento

de insegurança e exacerbam o medo e a necessidade de auto proteção.

David Bayley, autor que tem um extenso trabalho sobre policiamento afirma

que “(...) o aumento do crime pode, na verdade, contribuir para o fortalecimento

do policiamento privado se o público aparenta não ser suficientemente eficaz. O

vigilantismo nos Estados Unidos no século dezenove é um exemplo disso, assim

como o impressionante aumento do policiamento privado em todos os países

industriais desde meados de 1960.” (Bayley,2001:48)

Afirma também que as polícias modernas podem ser definidas a partir de

três características: públicas (mesmo com a rápida expansão do policiamento

privado), especializadas e profissionais. O policiamento público se refere à

Page 126: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

126

natureza da agência policial e não à autorização pela comunidade. O pagamento e

a orientação são fundamentais para se conceituar o caráter público ou privado do

policiamento. A polícia é pública quando é paga e controlada pelas comunidades,

que delega autoridade ao policiamento para agir em nome dela e torna-se privada

quando o pagamento e o controle desse policiamento não estão sob

responsabilidade da comunidade.

Ao mesmo tempo, o pesquisador afirma que “(...) hoje, nos Estados Unidos,

há um número igual de grupos policiais privados e públicos; áreas territoriais

importantes, como locais de negócios e hotéis são quase exclusivamente policiados

por agentes privados. E mesmo assim não seria possível dizer que esses locais não

são policiados legitimamente.” E toca em um ponto fundamental na discussão

sobre segurança: “A questão é a freqüência com que a aplicação de força física é

confiada pela comunidade a grupos privados, em oposição às agências públicas.”

(Bayley, 2001:24)

Considerando que a legitimidade de um governo está intrinsecamente

relacionada à sua capacidade em manter a ordem (realizada através do

policiamento público) e que essa capacidade e autorização para o uso da força

física na manutenção dessa ordem emana dos cidadãos, torna-se fundamental que

estes mesmos cidadãos possam ter controle sobre a maneira como esse poder é

exercido. “As atividades policiais também determinam os limites da liberdade numa

sociedade organizada, algo essencial para se determinar a reputação de um

governo. Embora governos imponham restrições de outras maneiras, a maneira

pela qual eles mantêm a ordem certamente afeta de modo direto a liberdade real.”

(Bayley, 2001:17)

Esta é uma questão que não está presente nas discussões acerca da

expansão da segurança privada. Numa sociedade marcada por iniciativas privadas

para a resolução de questões públicas, a segurança privada surge como a

“solução” rápida para suprir o serviço público ineficiente sem, no entanto, se

preocupar que essa solução acaba por agravar a própria crise de legitimidade

desse Estado.

Page 127: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

127

Capítulo 4. Estrutura e funcionamento das empresas de segurança

privada: seleção, recrutamento e treinamento dos profissionais em

segurança privada.

Conforme estabelecido pela Lei 7.102, cabe à Polícia Federal todo o

controle sobre as empresas de segurança privada do país. É através dela que são

obtidas as autorizações para funcionamento e é a ela que as empresas devem

prestar contas de suas atividades. A homepage da Polícia Federal dispõe de espaço

destinado às informações sobre as exigências quanto aos funcionamento de

empresas de segurança privada no país.

Nessa página há informações sobre toda a documentação exigida pelo

departamento e a definição dos quatro itens que compreendem as atividades de

segurança privada. Está definido que as empresas de segurança estão autorizadas

a prestarem os seguintes serviços:

1. proceder à vigilância e segurança patrimonial das instituições financeiras e de

outros estabelecimentos, sejam públicos ou particulares;

2. garantir a incolumidade física de pessoas;

3. realizar o transporte de valores ou garantir o transporte de qualquer outro tipo

de carga;

4. recrutar, selecionar, formar e reciclar o pessoal a ser qualificado e autorizado a

exercer essas atividades

Além destes, enquadram-se também como segurança privada os serviços

orgânicos de segurança que devem seguir as mesmas exigências feitas às

empresas de segurança.

Pela lei, o processo burocrático tanto para a abertura de uma empresa

quanto para a sua manutenção exige uma extensa documentação. Há uma série

de certidões e requerimentos necessários para solicitar autorização para o

funcionamento de uma empresa de segurança, para o funcionamento de cursos de

formação de vigilantes e para aprovação do plano de segurança dos

estabelecimentos financeiros. Entre as determinações estabelecidas aos

Page 128: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

128

proprietários e administradores das empresa de segurança é proibida a

participação de estrangeiros e nenhum dos seus proprietários ou funcionários pode

ter antecedentes criminais.

Para a abertura de uma empresa de segurança, em primeiro lugar, deve-se

obter a autorização para o funcionamento da empresa, o que inclui tanto a

identificação de suas instalações quanto a de seus funcionários. Para essa

autorização de funcionamento, a empresa deve providenciar os requerimentos,

que são enviados ao Superintendente da Polícia Federal, onde é solicitada uma

vistoria nas instalações da empresa e o envio de toda a documentação da própria

empresa e de seus sócios e gerentes. Outro item importante é a apresentação do

uniforme oficial utilizado por seus funcionários, onde deve ser especificado o tipo

de tecido utilizado, e que deve obedecer um padrão que estipula a necessidade de

um apito com cordão, do emblema da empresa e da plaqueta de identificação do

vigilante. Esta plaqueta deve conter o nome do vigilante, o número de registro do

seu certificado do curso de formação do vigilante, local e data da expedição do

mesmo e fotografia tamanho 3 x 4 cm do vigilante. No verso da plaqueta é exigida

a transcrição do art. 19 da Lei n.º 7.102/83: “É assegurado ao vigilante: porte

funcional de arma, quando em serviço, e prisão especial por ato decorrente do

serviço.”, fator RH, grupo sangüíneo e assinatura do vigilante.

Todas as instalações da empresa devem atender às exigências especificadas

pelo departamento, como por exemplo, área especial destinada ao depósito de

armas e munição, além de haver a exigência de uma frota mínima de veículos que

irá depender dos serviços que serão prestados pela empresa.

Outro item é o de armamento. Além da autorização para funcionamento, a

empresa deve comunicar e solicitar ao departamento da Polícia Federal,

autorização para compras e transferências de armas e munições. A lei estabelece

que o número de armas permitido em poder das empresas de vigilância é o

equivalente a cinqüenta por cento do efetivo de vigilantes comprovadamente

contratados, acrescido de reserva técnica de vinte por cento, calculado sobre o

número de armas. No caso de empresas de transporte de valores, o número de

Page 129: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

129

armas pode ser equivalente a seis vezes o número de veículos especiais em

condição de uso, acrescido da reserva técnica de vinte por cento calculado sobre o

número de armas. (Almeida, 1997)

Também são estabelecidos prazos para a renovação dessas autorizações e a

cada alteração feita na empresa, seja quanto às suas instalações ou sobre seu

uniforme, deverá ser solicitada a devida autorização à Polícia Federal.

Entre toda a documentação exigida, para identificar se uma empresa é

legalizada ou não, é necessário que exista: o certificado de segurança

(expedido pela Superintendência Regional do Departamento de Polícia Federal);

autorização de funcionamento (expedida pela Coordenação Central de Polícia

do Departamento de Polícia Federal); e o certificado de vistoria (expedido pela

Superintendência Regional do Departamento de Polícia Federal). Além dessa

autorização expedida pela Polícia Federal, é efetuado o registro da empresa na

Polícia Civil e no Exército.

Toda solicitação de documentos perante a Polícia Federal é feita mediante

o pagamento de taxas específicas. Abaixo segue o quadro com algumas das taxas

cobradas para a emissão de certificados e autorizações:

Quadro 4. Serviços cobrados pelo Departamento de Polícia Federal

Tipo de taxa Periodicidade Valor

Vistoria para emissão do certificado

de segurança

Na abertura da empresa

ou filial

1000 UFIR = R$1.064,10

Renovação da autorização para

funcionamento

A cada ano 1000 UFIR = R$1.064,10

Vistoria de carro-forte Para os novos carros 600 UFIR = R$638,46

Renovação de certificado de

segurança

Para todas as filiais a cada

ano

440 UFIR = R$468,20

Autorização para transporte de armas

e munições

Na apresentação do

processo de compra

176 UFIR = R$187,28

Autorização para transporte de armas

e munições

Na apresentação do

requerimento

100 UFIR = R$106,41

Page 130: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

130

Alteração de atos constitutivos Na mudança de endereço,

razão social, CNPJ/MJ e

sócios

176 UFIR = R$187,28

Autorização para mudança de

uniforme

Na apresentação do

requerimento

176 UFIR = R$187,28

Expedição do alvará de

funcionamento

Na abertura da empresa 835 UFIR = R$888,52

Renovação do certificado de vistoria

dos carros-fortes

Para todos os carros-

fortes, a cada ano

50 UFIR = R$159,62

Registro de certificado de vigilante Por certificado 5 UFIR = R$5,32

Renovação da autorização para

funcionamento para escolas de

formação

A cada ano 1000 UFIR = R$1.064,10

Renovação do certificado de

segurança para escolas de formação

A cada ano 440 UFIR = R$468,20

Expedição do alvará de

funcionamento das escolas de

formação

Na abertura da escola 500 UFIR = R$532,05

Fonte: Revista SESVESP, Janeiro de 2001

Isso implica que as empresas, para atender a todos os requisitos,

freqüentemente necessitam renovar toda a documentação não apenas da própria

empresa e de seus sócios, mas também de todos os seus funcionários através do

mapa bimestral que a empresa tem que enviar à Polícia Federal, informando o

efetivo de funcionários e a quantidade de armas pertencentes à empresa.

Pode-se dizer que a Polícia Federal é a principal forma de accountability das

empresas de segurança privada. Toda e qualquer documentação está atrelada às

autorizações expedidas pela Divisão de Controle de Segurança Privada - DCSP.

Algumas tabelas apresentadas no relatório de atividades do Departamento

de Polícia Federal para o ano de 2000 mostram o desempenho da DCSP. Os dados

disponíveis mostram as atividades e serviços realizados pelo departamento e seu

desempenho para os anos de 1998 a 2000 (tabela 6). Outra tabela registra o

número de armas cadastradas pelas empresas de segurança para o mesmo

Page 131: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

131

período (tabela 7) e a última (tabela 8), indica as penalidades aplicadas às

empresas que estavam em desacordo com a legislação nos dois últimos anos.

Tabela 6. Atividades e serviços

Serviços prestados pela divisão de

controle segurança privada 1998 1999 2000

Vigilantes cadastrados 280.193 418.694 540.334

Carteiras nacional de vigilante expedidas - 4.427* 57.846

Empresas de vigilância cadastradas 1.740 1.502 1.368

Empresas de transporte de valores cadastradas 248 251 236

Curso de formação de vigilantes 159 177 178

Empresas de segurança orgânica registradas 718 969 811

Veículos/ carro forte vistoriados 2.764 3.099 3.503

Empresas de segurança privada vistoriadas 11.438 2.684 2.582

Estabelecimentos financeiros vistoriados 8.783 12.067 15.481

Revisões de autorizações - - 938

*As carteiras surgiram em agosto de 1999. Fonte: Relatório anual de 2000 – DPF

Tabela 7. Armas cadastradas pelas empresas

Ano 1998 1999 2000

N.º de armas 9137 6019 4417

Fonte: Relatório anual de 2000 –DPF

Tabela 8. Penalidades aplicadas

Penalidade 1999 2000

Multas 848 865

Advertências 65 45

Cancelamento de autorização para funcionamento 133 97

Encerramento de empresas clandestinas 177 97

Portarias Punitivas Publicadas 2.089 949

Fonte: Relatório anual de 2000 – DPF

Page 132: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

132

Apesar de todas as exigências formais, sabe-se que a fiscalização realizada

pelas delegacias de segurança privada ainda é muito fraca. Na imprensa são

divulgados casos de empresas, inclusive regularizadas, que utilizam práticas ilegais

como a “clonagem” de seu armamento. Esta prática se dá quando a empresa

adquire armas em quantidade maior do que a permitida e registra nelas os

mesmos números das armas que são autorizadas pelo departamento de

fiscalização. Na maioria dos casos, a denúncia é o caminho mais eficiente para se

chegar a essas irregularidades do que a própria fiscalização.21

Como qualquer outra organização, as empresas de segurança privada se

dividem em departamentos e seções que tornam viável a sua administração. Em

razão do grande número de documentos que constantemente devem ser

atualizados, dentro de sua estrutura organizacional algumas empresas,

principalmente aquelas de grande porte, contam com um departamento próprio

para esses serviço. Para aquelas que não têm estrutura para tanto, existem

escritórios especializados em serviços burocráticos às empresas de segurança. Em

seu quadro também são encontrados policiais que se aproveitam de seu “status”

para agilizarem os serviços de seus clientes.

A estrutura organizacional das empresas corresponde à disposição de seus

recursos através da divisão do trabalho em unidades organizacionais

(departamentos e cargos) e nunca é definitiva pois é reajustada constantemente,

dependendo da análise ambiental. Esta análise refere-se ao exame das condições

e de variáveis como o ambiente legal (eficácia do sistema legal; legislação

comercial; legislação tributária), ambiente econômico (desenvolvimento

econômico; população; produto nacional bruto; renda per capita; infra-estrutura

social; recursos naturais; política monetária fiscal; inflação; sistema de impostos e

taxas; níveis de juros; níveis de salários), ambiente político (forma de governo;

ideologia política; estabilidade do governo; força dos partidos políticos e da

21 Como já foi mencionado no capítulo 3, a Delesp de São Paulo tem uma estrutura muito precária para o trabalho de fiscalização. Entre seus 20 funcionários, apenas três são encarregados da averiguação das denúncias sobre empresas irregulares em toda Grande São Paulo.

Page 133: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

133

oposição; atitude do governo quanto às empresas; política externa) e ambiente

cultural (costumes e normas sociais; valores e crenças; atitudes e motivações;

instituições sociais; símbolos de status e prestígio; crenças religiosas; idioma).

(Chiavenato, 1999)

Entre as empresas nas quais foram realizadas as entrevistas, as estruturas

apresentadas, apesar de diferenciadas, têm como característica serem mais

horizontais – divididas em departamentos, do que verticais – divididas em níveis

hierárquicos. Como já foi discutido no capítulo anterior, ainda é restrito o número

de profissionais habilitados especificamente para atuarem no setor de segurança

privada. Estes profissionais contam mais com a experiência de trabalhos anteriores

na área de segurança (pública ou privada) do que com uma formação específica e

formal para o cargo.

As empresas compõem-se de uma chefia principal, um segundo escalão, e

algumas empresas um terceiro, dividido em vários departamentos, diferentemente

do que ocorre em empresas multinacionais, onde há um presidente, executivos,

diretores, e supervisores. Quanto às empresas menores, que empregam em torno

de 100 a 200 homens, não há um organograma complexo. Delas fazem parte o

dono da empresa e os outros funcionários que podem ser apenas um gerente de

operações ou um chefe de operações, além dos empregados envolvidos nas

atividade de segurança.

Na empresa Columbia há dois sócios gerentes, um superintendente, quatro

gerentes (comercial, operacional, recursos humanos e financeiro) e coordenadores

para cada uma das filiais nas cidades de Campinas, Ribeirão Preto, São José dos

Campos e Baixada Santista. Vinculada à área operacional está o setor responsável

pela organização de toda a documentação da empresa, além dos serviços

prestados por uma assessoria externa, encarregada da renovação das certidões. A

presença de policiais nesta empresa está no auxílio realizado nos durante a seleção

de candidatos às vagas de vigilante. São policiais civis que, durante seu horário de

folga, auxiliam o departamento, realizando as tarefas de investigação de

antecedentes e investigação social dos candidatos.

Page 134: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

134

A empresa Pires, com 19 mil funcionários já apresenta uma estrutura

organizacional um pouco diferente das outras. Trata-se de uma empresa com um

organograma familiar que provém desde a sua fundação. Seu fundador faleceu há

60 anos e, hoje, a terceira geração da família é composta por quatro sócios-

diretores e vários outros membros da família que trabalham em setores

departamentalizados, na área financeira, operacional e de informática. Há também

os diretores de recursos humanos, operações, comercial, corporativo, marketing, e

em seguida as gerências operacionais, comerciais e de recursos humanos, os

supervisores, os chefes de departamento e o pessoal de produção que são os

vigilantes e as guardetes. As regionais de seis estados têm um gerente regional

responsável em cada uma, que responde pelas vendas, limpeza, orçamento,

compras e é fiscalizado pela matriz, onde fica centralizada toda a parte financeira.

Dentro do organograma, a área de recursos humanos e a financeira estão

diretamente ligadas ao sócio diretor sendo que, toda a parte de recrutamento e

seleção de pessoal é orientada diretamente pelos sócios proprietários. A diretoria é

também responsável por grande parte da documentação, além de contar com o

auxílio de uma empresa terceirizada, encarregada dos serviços de cartório e de

certidões junto à Polícia Federal. Trata-se de um escritório especializado em

regularização das empresas de segurança, que conta com um banco de dados e

presta todo o auxílio quanto à documentação necessária, prazos, taxas e se

encarrega do andamento de todo o processo na Polícia Federal. Estes escritórios

possuem todas as informações sobre a empresa cadastrada, sobre todo o seu

armamento, seus funcionários, portarias, autorizações e multas. Assim como foi

constatado em outros casos, há a possibilidade de haver policiais trabalhando

nesta empresa, mas isso não foi afirmado com exatidão pelo entrevistado da

empresa Pires. O executivo desta empresa, durante a entrevista, se queixou que a

morosidade do processo burocrático da documentação na Polícia Federal, às vezes,

prejudica os negócios da empresa. Disse que, pelo fato dos processos serem

finalizados em Brasília e de haver muitos detalhes quanto à documentação exigida,

qualquer erro pode paralisar todo o processo. Como a revisão é anual, há 40

Page 135: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

135

documentos que devem ser entregues à Polícia Federal, afirmou que uma falha na

numeração das armas registradas, às vezes até por um erro de digitação, retarda

todo o processo. Outro item considerado problemático pelos executivos são os

processos para a compra de armas e munição que ficam suspensos durante meses

por causa de funcionários que estão com o período de reciclagem vencido.

Como se trata de uma empresa de grande porte, a Pires trabalha em

parceria com outra empresas e possui um setor de confecção dos uniformes dos

funcionários. Como a empresa é responsável em fornecer o uniforme a seus

empregados, a Pires se encarrega da confecção dos ternos, macacões, camisas,

gravatas, enquanto que os sapatos são comprados de uma empresa parceira.

Na empresa Protege, o organograma é composto por um presidente que é o

proprietário único da empresa. Em seguida, há três diretores executivos

(comercial, operacional e administrativo-financeiro) além de outros dois diretores,

um responsável pelo setor de segurança privada e segurança eletrônica e o outro,

gerente geral do Rio de Janeiro que cuida de todo o complexo que, ao todo, possui

dois mil funcionários. Abaixo destes, há dois superintendentes, um de segurança e

um comercial e, em seguida, as gerências (corpo, normativa, de segurança

pessoal, eletrônicos). Diferentemente das outras empresas, a Protege não usa o

serviço de terceiros, sendo o departamento fiscal o responsável pela regularização

da documentação na Polícia Federal. A regularização é controlada através de um

cronograma no qual constam a data de vencimento de toda a documentação da

empresa, do centro de formação e de todos os funcionários. As empresas que

terceirizam esse trabalho, o fazem em razão do custo, principalmente as empresas

menores, que não comportam um departamento específico para esses trabalhos e

o transferem a uma escritório especializado.

A empresa Estrela Azul tem a presidência, chefiada pela proprietária e um

corpo diretivo com seis diretores que administram os setores comercial,

administrativo, financeiro. Em seguida há um gerente de conta, outro comercial,

operacional, e um gerente executivo-administrativo, que concentra todos os

serviços administrativos. Depois há os coordenadores de área, comercial e

Page 136: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

136

patrimonial, comercial da eletrônica, comercial de cursos, além de um coordenador

para o setor de admissão e seleção de funcionários. Anteriormente havia 7 níveis

hierárquicos na empresa, hoje são cinco e a meta é que sejam estabelecidos

apenas três. Nesta empresa, o setor responsável pela atualização da

documentação é o setor de assessoria jurídica da empresa, sem nenhum serviço

de terceirização

Quanto às formas de accountability, a principal delas, como já foi citado, é o

controle exercido pela Polícia Federal. Esse controle externo do governo é o

principal meio de monitoramento desses serviços. Outro controle, talvez o mais

importante do ponto de vista dos empresários, é o controle exercido pelos próprios

clientes da empresa e pela propaganda que a mídia faz sobre os seus serviços.

Todos são unânimes em afirmar que a manutenção da boa imagem da empresa é

fundamental para os negócios. Essa boa imagem é controlada através de

balancetes internos que algumas empresas publicam periodicamente, através do

controle de qualidade dos serviços prestados e de avaliações de nível de satisfação

dos clientes. Algumas empresas têm um setor responsável pelo controle de

qualidade e o fato de receberem algum prêmio do gênero, é motivo para ampla

divulgação. A única abertura para uma avaliação feita pela sociedade, segundo um

dos entrevistados, acontece quando a população, de maneira geral, é atendida por

esses serviços. Isso ocorre quando a empresa presta serviços a órgãos abertos ao

público, onde a circulação de pessoas é maior do que nas empresas fechadas.

Um item fundamental para entender melhor o dia a dia dessas empresas é

a relação que estabelecem com as policias civis e militares. A maioria das

empresas procura estabelecer contatos com os policiais da região onde prestam os

serviços para, no caso de algum incidente, terem todo o apoio necessário. Pode-se

dizer que há uma certa dependência entre os vigilantes e policiais, em que um

colabora com o serviço do outro porque, em muitos casos, os vigilantes são os

primeiros a contatarem a polícia. Há também a colaboração direta de policiais que

fazem “bicos” nas empresas, em atividades distintas às de vigilância. São policiais

que exercem atividades na parte burocrática da empresa, principalmente para a

Page 137: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

137

atividade de investigação social, seja diretamente para a empresa de segurança,

ou através de empresas que prestam este serviço. Neste serviço de investigação

social, os avaliadores deslocam-se até o bairro onde o candidato reside e até

mesmo para lugares onde freqüenta, com o objetivo de colher informações sobre

ele.

No entanto, essa relação se torna um pouco conflitiva em algumas

situações. Esses momentos de conflito acontecem quando há um “choque de

poderes” entre as duas partes quando; por exemplo, policiais armados são

barrados em portas com detectores de metais. Nestes casos, os vigilantes são

orientados para chamar o gerente para autorizar a entrada após a identificação do

policial, porém há muitos casos em que policiais se sentiram constrangidos e

levaram o caso até a delegacia. Outro momento de conflito acontece quando os

policiais estão no papel de concorrentes das empresas de segurança, quer dizer,

quando atuam como vigilantes, apesar da proibição existente na lei estadual, ou

quando são proprietários de empresas, o que também é proibido por lei. Burla-se a

fiscalização, colocando a empresa no nome de algum parente ou sócio. Neste

caso, os policiais surgem como concorrentes diretos dos empresários regulares e

são freqüentemente denominados por estes como os “camelôs da segurança”

porque oferecem os serviços por preços muito inferiores aos das empresas

legalizadas. Apesar dessas situações de conflito, a maioria dos empresários prefere

enfatizar a complementaridade entre as duas atividades e a necessidade de

cumplicidade entre os profissionais envolvidos.

Quanto à clientela atendida pelas empresas onde foram realizadas as

entrevistas, não foge ao perfil das empresas associadas ao SESVESP, conforme a

tabela 3, apresentada no capítulo 3. As empresas Columbia, Pires e Estrela Azul

concentram suas atividades na indústria, comércio e bancos enquanto a Protege é

uma empresa que tem suas atividades mais voltadas para as instituições

financeiras, principalmente para o setor de transporte de valores. Os serviços de

segurança para condomínios residenciais ou de seguranças particulares (guarda-

costas) não é a principal atividade de nenhuma destas empresas. Principalmente

Page 138: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

138

os serviços de guarda-costas são disponibilizados apenas para executivos de

empresas ou bancos que já são clientes da empresa de segurança.

Os empresários entrevistados apontaram algumas mudanças pelas quais

essa clientela vem mudando ao longo dos anos. Afirmam que ela tem se tornado

cada vez mais exigente e cada vez mais bem informada sobre os serviços e, por

isso, exigem serviços de qualidade, por preços acessíveis. Também indicam que há

um aumento na demanda de serviços de segurança para residências, talvez pela

carência de segurança pública, ao mesmo tempo em que há uma queda da

clientela formada por órgãos públicos. Muitas empresas preferem recusar esses

tipo de cliente pelo fato de o considerarem muito problemático, principalmente

pelos constantes atrasos de pagamento e pelos processos de concorrência pouco

claros. O executivo da empresa Pires relatou que havia recebido a proposta para

concorrência dos serviços de segurança para o Correio, mas que a empresa havia

decidido não participar porque há uma tendência em evitar serviços a órgãos

públicos. Por este motivo os serviços prestados pela empresa concentram-se no

comércio, indústrias e em bancos privados.

Também foi apontado que as grandes empresas têm a tendência de

seguirem ao longo dos anos com os serviços de segurança prestados por uma

mesma empresa por causa das dificuldades de adaptação e de instalação de novos

projetos. Não havendo diferenças muito grandes em relação aos custos, a

tendência é que essas empresas contratem os serviços de uma empresa de

segurança durante anos. No caso da Estrela Azul, por exemplo, há clientes que

contratam os serviços da empresa há 30 anos, desde que a empresa foi fundada.

Ao contrário, as pequenas empresas trocam de prestadores de serviços mesmo

quando a diferença de custo é muito pequena porque, para empresas de menor

porte, é muito mais simples a adaptação a novos esquemas e projetos de

segurança.

Outra característica apontada são as mudanças em função da introdução da

segurança eletrônica. Apesar de ainda não ser tão difundida no Brasil, onde um

projeto se divide entre 95% de gastos com mão de obra e 5% com custos

Page 139: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

139

eletrônicos, comparando-se com os Estados Unidos e Europa onde a proporção é

de 70% para mão de obra e 30% de eletrônica, a tendência é o aumento da

procura pelos equipamentos eletrônicos. A segurança eletrônica proporciona um

barateamento dos custos além de ser, segundo os empresários, um sistema de

segurança mais confiável do que o trabalho humano. Muitos órgãos públicos e

indústria perceberam que é possível essa redução de custos com mão de obra e

integraram os equipamentos aos seus projetos de segurança.

Além da conjugação entre segurança eletrônica e mão de obra, há aqueles

clientes que exigem um serviço personalizado. Esse serviço pode ser diferenciado

pela presença de um supervisor que controla toda a equipe de vigilantes, pode ser

o uso de uma arma automática, ao invés de um revólver calibre 38 para o serviços

de segurança pessoal, ou o uso de carro blindado para os serviços de segurança

da família de um empresário. Um dos entrevistados relatou que há casos em que

os clientes se recusam a pagar um valor maior por esses serviço diferenciado e

que, mesmo assim, algumas empresas preferem abrir mão desse valor por uma

razão comercial de fidelidade ao cliente, além de ser uma estratégia de marketing

garantir no quadro de clientes executivos e empresários influentes. Algumas

empresas ampliam ainda mais o leque de ofertas para aproveitar os clientes já

conquistados criando filiais especializadas em outras atividades como treinamento

de porteiros, recepcionistas e brigadas de incêndio.

Quanto à definição do projeto de segurança para os clientes, as empresas

contam com um departamento especializado. É esse departamento que vai

determinar quantos vigilantes são necessários e em quais lugares, se há

necessidade de porteiros, recepcionistas, de guias para estacionamentos, de

câmeras ou alarmes. Cabe também a este departamento determinar se a vigilância

será armada ou não. A necessidade de todos esses recursos é definida através da

análise de risco feita pelos funcionários da empresa que visitam o local em que

será prestado o serviço, avaliam se a área onde está instalada é vulnerável ou não,

se há bens a serem custodiados, quais os dispositivos de segurança já existentes

como muros e grades, qual o tipo de serviço desenvolvido naquele local, se

Page 140: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

140

trabalha com valores, papéis confidenciais, se há vizinhos e se são empresas ou

residências. Após ser feita a análise de risco, é enviada a proposta ao cliente,

justificando-se todas as sugestões e discute-se quais as melhores opções.

Toda negociação sobre o esquema de segurança que será utilizado é

decidido de maneira conjunta, entre empresa e cliente, depois que a empresa

apresenta ao cliente uma proposta (avaliação da vulnerabilidade do local) sendo

que, às vezes, a empresa precisa limitar algumas exigências ou desejos dos

contratantes. Por exemplo, clientes que preferem contratar apenas um porteiro

para o local em que a avaliação determinou que seria necessário um vigilante. Isto

acontece porque o custo do primeiro, com piso salarial de R$368,00 é bem inferior

ao do segundo, de R$600,00. Apesar de as funções de portaria e vigilância serem

muito distintas e considerando que contratar um porteiro para exercer funções de

vigilância é uma prática ilegal, nada impede que o contratante opte pela economia

do serviço.

Sobre a decisão da vigilância ser armada ou não, segundo os empresários

entrevistados, a decisão tem grande influência do contratante do serviço porém,

isso também é um fator considerado na análise de risco. Os avaliadores indicam se

há ou não necessidade da vigilância ser armada naquele determinado local. Apesar

de todos os vigilantes serem treinados para portarem arma, muitos clientes estão

abrindo mão deste recurso para evitar possíveis problemas, preferindo

investimentos em equipamentos eletrônicos. Isto não se aplica às instituições

bancárias, onde a lei determina ser obrigatório a existência de vigilância armada.

Se a avaliação de risco conclui que é necessário a existência de vigilância armada,

ela é alocada. Caso essa mesma avaliação determine que a arma não é necessária

ao vigilante daquele posto, a decisão final fica a cargo do cliente. Se ele exigir o

uso de armas e se os avaliadores concluírem que isto não representará perigo para

o cliente e seus funcionários ou para o público, então define-se pelo uso de

vigilância armada. No caso contrário, da avaliação de risco entender que há

necessidade de vigilância armada e o cliente não aceitar esse serviço, isto é

acrescentado como cláusula contratual. Mesmo com essa considerável liberdade de

Page 141: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

141

escolha por parte do cliente, alguma empresas também têm receio e evitam o uso

desnecessário de arma já que, um vigilante armado, dependendo do posto onde se

encontra, pode se tornar alvo de algum assalto e ter sua arma levada, gerando

inúmeros entraves burocráticos à empresa.

Apesar de possuir o porte de arma, o armamento usado pelo vigilante é

registrado em nome da empresa que o desloca para o local onde vai ser usado. A

arma usada pelo vigilante pertence a um determinado posto, é registrada em

nome da empresa e pode ser usada apenas pelo vigilante e durante o seu período

naquele posto. Nenhum vigilante é autorizado a portar a arma da empresa fora do

seu posto. O procedimento correto é que a arma fique guardada no posto onde é

utilizada, sendo totalmente proibido que essa arma seja retirada do local de

trabalho. Quando chega ao trabalho, na empresa, no shopping ou na residência, o

vigilante a retira do cofre e no final de seu expediente ou a entrega ao vigilante

que dará continuidade ao trabalho, ou a guarda novamente no cofre. Mesmo

estando a arma em nome da empresa, a responsabilidade de sua guarda fica por

conta do cliente. Os únicos profissionais de segurança privada que estão

autorizados a portarem arma da empresa durante os trajetos, são os que fazem

serviços de escolta e transporte de valores e os de segurança pessoal sendo que,

em ambas as situações, precisam portar o certificado de autorização. Estes são os

dois únicos casos em que vigilantes estão autorizados a portarem armas fora do

local para onde foram designados. Se o local onde serão prestados os serviços de

vigilância não tiver o local apropriado para a guarda de armas, o serviço armado

não é autorizado.

Apesar de toda a fiscalização que parece existir sobre o armamento destas

empresas, esse controle ainda é muito frágil. Em dezembro de 2000, o disque-

denúncia do Instituto São Paulo Contra a Violência, através de telefonema

anônimo, recebeu a denúncia de que a empresa Excel possuía armas com

numeração duplicada. Esta tática é usada para aumentar, irregularmente, a sua

disponibilidade de armamento. Ainda segundo o denunciante, uma dessas armas

foi desviada por um funcionário da empresa para um menor da favela Elba, no

Page 142: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

142

município de São Paulo. O disque-denúncia passou o caso à Delegacia de Controle

de Segurança Privada que, através de diligências , apreendeu seis revólveres com

numeração duplicada.

Além dos vigilantes, responsáveis pela segurança do local, há os

supervisores de área, responsáveis por uma determinada região. A sua função é

percorrer os postos (clientes), verificar o caderno de ocorrências e verificar se há

alguma queixa ou necessidade, do cliente ou do funcionário. O supervisor de área

também é encarregado de atender aos chamados de ocorrência. Caso um posto da

empresa tenha sofrido um assalto, cabe ao supervisor, com o apoio de um gerente

e do advogado da empresa, acompanharem os vigilantes para o registro do caso

na polícia. Esse procedimento, segundo o entrevistado da empresa Estrela Azul, é

adotado não apenas para acompanhar o funcionário da empresa, como também

para evitar que o vigilante seja acuado pelos policiais durante o interrogatório. No

caso de um assalto a um banco, por exemplo, assim que a polícia chega, os

vigilantes são orientados a deixarem o local sob responsabilidade dos policiais. Em

seguida, são encaminhados ao distrito policial onde o vigilante dá o seu

depoimento.

Outro item explorado foi o da relação entre empresa e clientes quanto ao

pagamento dos serviços. Os entrevistados afirmaram que a inadimplência no setor

de vigilância é muito pequena porque se trata de um serviço essencial, do qual o

cliente não pode abrir mão. No caso de algum cliente ficar em débito com a

empresa, é estipulado um período entre aproximadamente 30 e 60 dias,

dependendo do acordo, para que a dívida seja quitada ou para que a empresa

retire seus homens daquele posto.

Os serviços de segurança também tiveram que ser readaptados ao atual

contexto de criminalidade e o treinamento dos vigilantes é apontado pelos

empresários como o fator fundamental da qualidade e eficiência do serviço. Isto

acontece porque, além do serviço ser, em sua maioria, realizado pelo trabalho

humano, há um limite, estabelecido por lei, sobre o armamento a ser utilizado

pelos vigilantes. Revólveres calibre 38 e carabinas calibre 12, para os serviços de

Page 143: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

143

transporte de valores, segundo os executivos, são muito inferiores ao armamento

usado pelas quadrilhas. Dessa forma, o treinamento, associado ao uso de

equipamentos eletrônicos, visa suprir essa inferioridade em armamento. Segundo

o executivo da empresa Protege, essa intensificação no treinamento não apenas

torna o funcionário mais capacitado como também reduz as possibilidades do seu

envolvimento em crimes.

Vigilantes: recrutamento e seleção

O artigo 5º do Decreto 89.056/83 estabelece que “vigilância ostensiva

consiste em atividade no interior dos estabelecimentos e em transportes de

valores, por pessoas uniformizadas e adequadamente preparadas para impedir ou

inibir ação criminosa”. Define que o vigilante “é o empregado contratado para

proceder à vigilância patrimonial das instituições financeiras e de estabelecimentos

públicos ou privados, à segurança das pessoas físicas e realizar o transporte de

valores ou qualquer outro tipo de carga” (Almeida, 1997)

A lei 7.102, que determina o funcionamento dos serviços de segurança

privada, estabelece também os requisitos aos candidatos às vagas de vigilantes.

Entre eles, exige que o candidato deve ser brasileiro (nato ou naturalizado); ter

idade mínima de 21 anos; possuir no mínimo a 4ª série primária e a aprovação no

curso de formação de vigilante que, em seguida, deve ter seu registro efetuado,

pela empresa empregadora, na Delegacia Regional do Trabalho. Para o registro é

necessário um atestado de saúde física e mental que deve ser renovado

anualmente; atestado negativo de antecedentes criminais; exame psicotécnico e

documentos que comprovem estar em dia com as obrigações eleitorais e militares.

Para aqueles que exercem atividade de segurança pessoal privada, é necessário,

além de todos estes documentos, ter experiência mínima comprovada de um ano

na atividade de vigilância; ter concluído o curso de extensão para segurança

pessoal; utilizar em serviço traje adequado à atividade, estabelecido pela empresa

e portar credencial de trabalho fornecido pela empresa. Independente da atividade

exercida, todos os vigilantes são obrigados a freqüentar os cursos de reciclagem a

Page 144: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

144

cada dois anos.

Entretanto, empresários do setor afirmam que estes requisitos já não são

suficientes àqueles que pretendem ocupar uma vaga de vigilante. Apesar de serem

os únicos requisitos exigidos por lei, no momento da contratação, alguns itens

estabelecem um diferencial entre os candidatos. Ao procurarem preencher suas

vagas, as empresas esperam que os candidatos, além das exigências estabelecidas

pela lei tenham ainda, no mínimo o 1° grau completo, noções de informática, boa

redação, noções de inglês, boa comunicabilidade e facilidade em aprender novas

técnicas. Essas exigência decorrem não apenas da possibilidade de encontrar mão

de obra mais qualificada no mercado como também de exigências advindas com a

introdução de novas tecnologias como os equipamentos eletrônicos em sistemas

de segurança. Apresentar uma boa caligrafia e redação têm tido grande peso para

a disputa de vagas já que os vigilantes estão freqüentemente preparando

relatórios de suas atividades. Também é fundamental a constante reciclagem do

profissional porque as atividades de segurança estão se modernizando cada vez

mais, principalmente na área de segurança eletrônica. Assim como em outras

áreas, a idade também é um fator limitador na profissão de vigilante. Acima de 40

anos muitos profissionais não conseguem mais uma boa colocação e acabam se

sujeitando aos trabalhos oferecidos pelas empresas clandestinas. Na tentativa de

melhorar a qualificação de seus funcionário, a empresa Pires desenvolveu um

projeto chamado Projeto Aprender, que permite a seus funcionários completar o

primeiro grau. Este programa não é obrigatório mas caso o funcionário esteja

interessado em dar continuidade aos estudos, a empresa fornece todo o material.

Existem quatro tipos de atividades de vigilância, divididos conforme os

serviços disponíveis no mercado: o vigilante comum, aquele que executa o

serviço de vigilância patrimonial zelando e inibindo a ação dos agressores; o

vigilante condutor (de cães), que trabalha acompanhado por um cão adestrado;

o vigilante para transporte de valores e escolta armada, que trabalha no

acompanhamento do serviço de transporte de valores, auxiliando

operacionalmente tal serviço ou garantindo o transporte de qualquer outro tipo de

Page 145: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

145

carga; o vigilante para segurança pessoal privada, mais conhecido como

guarda-costas, que trabalha diretamente com as pessoas, acompanhando-as

praticamente a qualquer lugar, visando garantir sua incolumidade física. Cada uma

dessas funções tem diferentes níveis de capacitação técnica, obrigação que

decorre da própria lei.

Em expansão também se encontra as vagas disponíveis para as vigilantes

femininas, conhecidas como guardetes. Segundo um dos entrevistados, o motivo

das guardetes serem tão requisitadas se deve ao fato delas serem menos

agressivas que os homens. O setor de transporte de valores é o único que ainda

não conta com o trabalho feminino porém, em países como Estados Unidos,

Venezuela e México as mulheres podem ser encontradas como motoristas de

carros-fortes. O motivo para essa ausência é o alto risco da atividade de escolta e

transporte de valores entretanto, o entrevistado fez questão de ressaltar que se

houver interesse, nada impede que uma mulher, se estiver devidamente

habilitada, candidate-se a uma vaga para este serviço.

Conforme acordos realizados pelas duas categorias, aos vigilantes são

assegurados o uniforme, que deve ser fornecido gratuitamente pela empresa

empregadora; porte de arma válido para o local de trabalho; prisão especial por

ato decorrente da atividade de vigilância e seguro de vida pago pela empresa

empregadora.

Quanto à formação de seu quadros de funcionários, as empresas atuam de

maneiras diferentes. Algumas abrem vagas e realizam a triagem dos candidatos.

Outras já têm um banco de dados com os profissionais formados por seus centros

de formação e dão preferência a eles para o preenchimento de vagas. De maneira

geral, é dada preferência àqueles que já possuem o curso de formação porque,

assim, as empresas podem dispensar essa etapa de formação e encaminham os

recém-contratados diretamente para o curso de reciclagem. Em todas elas, logo

depois de contratado, o vigilante passa pela reciclagem não apenas para

regularizar sua documentação mas também para se adaptar ao perfil da empresa.

Page 146: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

146

Na maioria das empresas, é o departamento de recursos humanos o setor

responsável pela seleção dos candidatos. Essa seleção inclui a passagem por

entrevistas com psicólogas, além dos exames físicos, onde é verificado se o

candidato possui o porte físico mínimo para exercer a atividade de vigilante.

Segundo um dos executivos entrevistados, a avaliação realizada pelas psicólogas

da empresa é necessária para verificar o “nível de agressividade do indivíduo” e se

o seu perfil é o mais adequado ao posto que irá ocupar. Em seguida é realizada a

investigação social que, na empresa deste entrevistado, é realizada por um

departamento composto por delegados e investigadores que vão até o endereço

indicado pelo candidato em sua ficha de inscrição para checar as informações e

“verificar seu rol de amizades”. Todas essas informações são essenciais para a

contratação e qualquer suspeita de que o candidato conviva com “más

companhias” é o suficiente para sua dispensa.

Quando são realizadas as pré-seleções de candidatos às vagas de vigilantes,

a grande parte já tem o curso de formação porque são ex-funcionários de outras

empresas. Nas grandes empresas, além desse setor de recrutamento, há os

departamentos médicos onde toda avaliação física é realizada na própria sede. A

empresa Pires, por exemplo, realiza o recrutamento de candidatos todas as

segundas e terças feiras, onde são selecionados os candidatos para todas as áreas

da empresa: porteiros, recepcionistas, vigilantes e funcionários para o setor

administrativo. Estes candidatos pré selecionados também são incluídos em um

banco de dados e chamados assim que a empresa tem necessidade de ampliar

seus quadros. Um dos empresários afirmou que a rotatividade na atividade de

vigilância é muito alta porque é muito comum uma empresa precisar contratar

vigilantes e regulamentá-los para a atividade em poucos dias. Isso ocorre quando

as empresas fecham um novo contrato, que requer um número grande de mão de

obra, sem terem um quadro de vigilantes suficiente para o novo posto.

Page 147: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

147

Vigilantes: treinamento

Posterior ao decreto que regulamenta a constituição e o funcionamento das

empresas de segurança privada baixou-se o decreto no qual os cursos de

formação devem ministrar aulas de defesa pessoal para estimular o

desenvolvimento do poder combativo, aperfeiçoando suas habilidades naturais e

seus reflexos. Segundo a lei, o tempo do curso completo de formação do vigilante

é bem reduzido, sendo exigido o mínimo de 120 horas, divididas em 10 dias.

Destas, 20 horas são dedicadas à defesa pessoal pois considera-se que o objetivo

do treinamento não deve ser apenas o de preparar o aluno para lidar com armas,

mas também de prepará-lo fisicamente e psicologicamente para enfrentar

situações de risco.

Considerando que a vigilância privada é um dos setores que continua

empregando muita mão de obra, esse é um dos principais fatores que estimula a

procura pelos cursos de formação de vigilantes. Os cursos de formação de

vigilantes também se tornaram um negócio altamente rentável porque

acompanham toda essa demanda por serviços de segurança, além de serem um

serviço requisitado constantemente devido a exigência por lei, da reciclagem

periódica dos vigilantes, realizada obrigatoriamente a cada dois anos.

Normalmente, os cursos de formação são abertos ao público porém, como o

número de funcionários que necessitam passar pela reciclagem é muito grande,

restam poucas vagas nas grandes empresas para a realização de cursos ao público

externo. Aproximadamente 70% das vagas do centro de formação da empresa

Pires são ocupadas pelos próprios funcionários da empresa. O restante das vagas

são disponíveis ao público, para outras empresas, inclusive as empresas de

segurança de menor porte, ou para as polícias militar e civil. Também existem

cursos que são muito solicitados, como aqueles ministrados especialmente para os

altos executivos de grandes empresas. O centro de formação é contratado para

dar cursos de segurança a esses executivos e suas famílias e, no caso de

executivos estrangeiros, é dado um treinamento sobre segurança no Brasil,

indicando os perigos e as medidas de prevenção.

Page 148: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

148

Os cursos de formação, ministrados por instituições capacitadas e

devidamente autorizadas pelo Ministério da Justiça, visam proporcionar ao futuro

vigilante as habilidades e conhecimentos sobre técnicas para a atividade de

vigilância. Segundo o material relativo a esses cursos, a principal diferença entre o

treinamento dado ao vigilante e o treinamento militar é a orientação de cada um

deles. Ao militar é dado um treinamento para que possa agir tanto de maneira

preventiva quanto repressiva, enquanto que o caráter da ação do vigilante é

apenas preventivo e defensivo. A ele cabe apenas a preservação do patrimônio ou

da integridade física de seu cliente e sua ação acontece apenas em momentos de

extrema necessidade. Atualmente existem em São Paulo 35 empresas de cursos

de Formação de vigilantes, autorizados pela Polícia Federal. O currículo básico de

formação de vigilantes tem duração de 120 horas e é composto de:

Quadro 5. Currículo do curso de formação de vigilantes

Curso Módulos

treinamento físico defesa pessoal e primeiros socorros

noções elementares

de direito penal

órgãos policiais, conceito de crime, identificação de provas objetivas

e subjetivas de crimes, noções de crime contra a pessoa, noções de

crime contra o patrimônio

treinamento de tiro

e armamento

segurança e conservação do armamento, posições de tiro, técnicas

de tiro, noções sobre munição química

técnica operacional definição de local do crime, métodos de observação e descrição de

pessoas e locais, capacitação para busca e apreensão de pessoas ou

veículos, noções sobre registro de ocorrências

segurança física de

instalações

segurança interna e externa, segurança física das instalações,

identificação, manuseio e cautelas de explosivos, medidas de

emergência, manuseio de equipamentos de comunicação, funções e

deveres do vigilante, sigilo profissional

prevenção e

combate a incêndios

formação e propagação de incêndios, combate a incêndios,

primeiros socorros

relações humanas

no trabalho

autocrítica, comunicação interpessoal, relações interpessoais, ética e

disciplina no trabalho, apresentação pessoal

Fonte: Manual das empresas de segurança privada

Page 149: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

149

O treinamento tem aulas práticas e teóricas e, no final, há uma avaliação de

cada curso. A partir deste curso e após um período de atividade na profissão, os

alunos estão habilitados a realizarem os cursos de extensão, qualificando-se para

outras atividades. O aperfeiçoamento para a atividade de escolta exige um ano de

experiência em transporte de valores e um acréscimo de 24 horas no curso.

Segurança pessoal, também chamada de segurança de dignitários exige mais 40

horas de aula.

Após passar por todas as etapas de avaliação, o candidato à vaga é

encaminhado ao curso de reciclagem, de acordo com a função que irá exercer. Nas

grandes empresas, a reciclagem de vigilantes é realizada em seus próprios centros

de treinamento enquanto que as empresas menores realizam os treinamentos

através de convênios com as escolas e centros de formação.

Ainda, de acordo com a lei, todas as empresas têm que oferecer um curso

de requalificação a cada dois anos, com no mínimo oito horas de duração.

Entretanto, a carga horária destinada para o treinamento de defesa pessoal é

questionada pela maioria dos instrutores que afirmam que o tempo destinado a

esta disciplina é suficiente para que os alunos terminem o curso contando apenas

com uma base dos golpes e atitudes a serem tomadas.

Considerando que a segurança privada foi criada, inicialmente, com a

finalidade de proteger as instituições bancárias, e posteriormente sofreu muitas

mudanças, hoje, este setor está em pleno crescimento e dá início a novos serviços.

Isto gerou alguns problemas, entre eles, a ausência de um curso de graduação

específico para a área de segurança. Com isso, o setor agrega pessoas egressas

do Exército, da Polícia Militar ou Civil, ou de setores de administração de logística

ou de pessoal, fazendo com que cada um, à sua maneira, adapte seus

conhecimentos às necessidades do mercado.

A Universidade Anhembi Morumbi criou o Curso Superior de Gestão de

Segurança Empresarial e Patrimonial, com duração de 1600 horas/aula, ministrado

em dois anos, e que concede o direito ao diploma de nível superior. Este curso é

fundamentado na Lei de Diretrizes e Bases, segundo a qual, o ensino superior

Page 150: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

150

abrange os cursos seqüenciais - cursos de aprimoramento em determinada área do

conhecimento e cursos de formação específica, com 1600 horas/aula. O fato de ser

uma universidade lhe dá autonomia para a criação de um curso seqüencial, no

entanto, o reconhecimento do MEC - Ministério da Educação e Cultura só será

possível depois que os primeiros alunos se formarem. O curso conta atualmente

com 35 alunos, entre eles profissionais do setor e policiais; abrange as seguintes

disciplinas: conceitos, forma e mercado de trabalho no setor de segurança;

logística e estratégia aplicada à segurança; administração de recursos humanos;

gerenciamento de agentes de segurança; prevenção de acidentes; emergências

médicas; patrimônio convencional, intelectual e de dados; seguros comerciais e

industriais; gerenciamento de sistemas digitais e mecanismos de segurança;

legislação pertinente e rotinas policiais. Também fazem parte os cursos comuns a

todos os cursos seqüenciais como psicologia, filosofia, ciências sociais,

comunicação e expressão, organização para a produção e para o trabalho, história

da ciência e metodologia científica.

Quanto ao treinamento para os vigilantes, a partir do módulo básico, alguns

centros têm cursos complementares de acordo com a atividade que será exercida

pelo profissional e com as necessidades do cliente. Dependendo do campo de

atuação do vigilante, o curso de formação ou reciclagem é complementado por um

curso de atendimento ao público, por exemplo, para aqueles que vão trabalhar em

condomínios ou shoppings centers; há um cursos de atendimento telefônico para

aqueles que usarão o equipamento no dia a dia; noções de equipamentos como

balança para pesagem de caminhões, para aqueles que trabalham em industrias

onde o sistema é utilizado na portaria. Estes centros de formação procuram

acrescentar cursos extras aos conteúdos básicos, de acordo com a necessidade de

cada cliente. Em relação às aulas teóricas sobre direito, a ênfase é dada em direito

penal, sobre o funcionamento da legislação para casos de furto, roubo e

seqüestro.

Há também um curso de boas maneiras, ministrado principalmente àqueles

que exercem a atividade de guarda-costas, para que saibam os cuidados

Page 151: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

151

necessários com a aparência pessoal e como proceder nos ambientes em que

freqüentarão, acompanhando seu cliente. Alguns cursos de formação de agentes

de segurança pessoal oferecem até aulas de cerimonial e etiqueta para ajudar o

profissional no desenvolvimento de sua atividade em ocasiões e lugares especiais

freqüentados pelos clientes. Este é um item que preocupa as empresas porque as

pessoas que exercem esta atividade pertencem à classes bem distintas das de

seus clientes e essa diferença suscita que o funcionário pode se tornar uma

ameaça. Em uma matéria publicada no Jornal da Segurança, sobre a profissão de

segurança pessoal, foi discutida a importância do profissional ter consciência de

que aquele é apenas o seu trabalho, e não o “seu mundo”. Foi apresentado o

exemplo de um segurança particular, morador da região do Campo Limpo, na

periferia de São Paulo, que “embora tenha convivido com o luxo e a riqueza,

jamais foi alvo da tentação de usar em causa própria tudo o que vê ou o que ouve

na casa do Morumbi”. (Jseg, outubro de 2000). O principal objetivo deste tipo de

orientação é tentar impedir que os funcionários aproveitem o contato e as

informações que têm sobre os clientes para atuarem de maneira inversa a qual

foram contratados.

O departamento jurídico das empresas é o setor responsável pelo

acompanhamento de funcionários que se envolvem em conflitos, inclusive os mais

graves, que resultam em um homicídio durante o desempenho das atividades de

trabalho. Caso o vigilante seja ferido, a empresa providencia toda a assistência

médica e, conforme o estabelecido por convenção coletiva, toda a parte jurídica é

assistida pela empresa. Na empresa Protege, há o departamento de assistência

social, encarregado de acompanhar a família do funcionário, seja no caso de

homicídio ou de prisão, além do trabalho realizado pelas psicólogas, com o

funcionário e sua família. No caso de envolvimento de funcionários em conflitos

armados, normalmente a empresa o transfere para um posto não armado, em

uma industria ou shopping, onde a possibilidade de um novo confronto é mínima.

Dependendo da gravidade do caso, esse funcionário pode até ser retirado do

trabalho de vigilância e passar para atividades administrativas. A assistência da

Page 152: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

152

empresa se aplica para os problemas ocorridos durante o horário de serviço,

inclusive durante o trajeto de ida ou de volta do trabalho. Em outros casos, de

envolvimento em conflitos armados fora do seu horário de serviço, é cumprida

apenas a assistência trabalhista.

Apesar de todos os esforços em se aperfeiçoar o treinamento de vigilantes e

tornar mais rigorosos os processos de seleção, uma pesquisa de 1998 sobre o

setor de segurança privada idealizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica

Aplicada (Ipea), mostra que 19,5% dos vigilantes que trabalham no estado não

atendiam à lei que exige um mínimo de quatro anos de estudo no ensino básico. A

pesquisa se baseou em dados da Pesquisa Nacional por Amostragem em

Domicílios, realizado pelo IBGE, que verificou a instrução dos entrevistados que

disseram trabalhar com segurança privada. Concluiu-se que quem trabalha nesta

área tem menos escolaridade dos que os integrantes da segurança pública.

Segundo os números, a média de anos de estudo nos serviços de segurança

pública foi de 9,9 anos para cada policial (67% têm, no mínimo, o 1º grau

completo) e o índice de analfabetismo foi de 1%, enquanto a dos vigilantes

privados chegou a 7% (não havia informação sobre a média de anos de estudo

para os vigilantes privados).

Estes números podem se referir àqueles que fazem parte do mercado

clandestino de segurança. Considerando que o Departamento de Polícia Federal

exerce um rígido controle ao menos sobre os vigilantes das grandes empresas,

estas estariam de acordo com as exigências mínimas. Porém, isto não impede que

estas mesmas empresas estabeleçam critérios diferentes de avaliação de

candidatos, às vezes, muito subjetivos, ou que tenham parte destes serviço

realizados por policiais. Apesar de todo esses controle, o mercado da segurança

privada ainda é profundamente marcado pela participação de policias, de maneira

direta ou indireta, como proprietários ou como “colaboradores” em algumas

atividades.

O sociólogo Paixão abordou a interdependência organizacional entre a

segurança privada e a polícia. Afirma que a esta, caberia a manutenção da ordem

Page 153: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

153

no espaço público e à outra, a manutenção da propriedade privada. Entretanto, a

falta de um amplo controle sobre esses serviços privados afeta as liberdades dos

cidadãos, sobretudo numa sociedade democrática, em benefício a interesses

particulares. A associação da segurança privada à presença rarefeita do Estado

envolve a discussão sobre a fronteira entre os domínios públicos e privados da

ação e a combinação de mecanismos estatais e de mercado na manutenção da

ordem. Outro agravante, segundo o autor, é que na atividade da segurança

privada os guardas estão autorizados a usar armamento, símbolos de autoridade

pública como uniforme, insígnias, algemas e a deter, revistar ou interrogar os

possíveis ou reais violadores dos direitos de seus clientes. Porém, este profissional,

no exercício de suas atividades, está fora dos formalismos e controles que limitam

sua ação dentro do respeito aos direitos humanos dos indivíduos ou grupos, assim

como está o policial. “A segurança privada - no contexto democrático - não

apenas detém poder de polícia no âmbito privado (...) como também o exerce (...)

livre dos formalismos que, no espaço público, protegem o indivíduo contra o

arbítrio do Estado”. (Paixão, 1991:136)

Um dos motivadores dessa constante presença de policiais nos serviços de

segurança privada pode estar ligada à lacuna existente de profissionais na área de

segurança que não tenham nenhum vínculo com as forças policiais, que se tornam

a única fonte de profissionais especializados no assunto. Eles próprios ou até

mesmo os executivos pensam que pessoas que já foram treinadas para a atividade

de segurança pública são as mais indicadas para repassarem esse treinamento aos

vigilantes. É muito comum que policiais ou ex-policiais ministrem cursos aos alunos

dos centros de formação de vigilantes. Apesar de existir um currículo mínimo a ser

cumprido para a formação de vigilantes, assim como ocorre na formação das

polícias públicas, não há um monitoramento externo sobre como esses currículo é

aplicado.

Pode-se dizer que a Polícia Federal representa a forma de fiscalização

externa e o controle burocrático sobre as empresas de segurança. À ela é que as

empresas devem prestar contas de todo o seu funcionamento porém, seu alcance

Page 154: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

154

ainda é muito limitado e restringe-se às empresas de grande porte que se dedicam

em manter uma boa imagem no mercado. Entretanto, formas de fiscalização

internas, como o conteúdo dos cursos de formação e extensão, os princípios

desses treinamentos e o próprio modo de ação dos vigilantes durante em serviço,

ainda são muito limitadas. Restringem-se principalmente à própria empresa, que

avalia cada um destes itens, e, no máximo, estende-se aos clientes diretos destas

empresas (que pagam pelos serviços) e, em menor proporção, aos clientes

indiretos (os freqüentadores de espaços privados abertos ao público).

Enquanto as polícias públicas têm espaços abertos ao controle externo,

como as corregedorias e as ouvidorias de polícia, exercido pela população, espera-

se que num país democrático, esse controle externo também seja possível sobre

as polícias privadas. Para tanto, é necessário que o debate sobre a segurança não

se limite à lógica de mercado, da simples relação de compra e venda de serviços, e

se torne uma discussão realmente de domínio público. Se o aumento da massa de

privada, usando o termo de Clifford e Shering (in CHRISTIE, 1998), sobretudo

daquelas destinadas ao uso público requer uma ampliação dos serviços privados

de segurança, é essencial que isso se torne pauta para o debate. A intenção deve

ser a de encontrar resoluções para um problema social e tornar alvo de melhorias

não somente aqueles que pagam por serviços de segurança mas toda a população.

Page 155: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

155

Considerações Finais

A cidade de São Paulo evidencia o uso de esquemas privados de segurança.

Seja pelas ruas fechadas, pelas grades e muros altos, esse uso fica mais evidente

no grande número de empresas de segurança que se instalaram nos últimos anos

ou no crescimento de antigas empresas existentes no mercado.

Nas empresas onde foram realizadas as entrevistas para este trabalho, a

empresa Protege é a mais recente, fundada em 1979, enquanto a mais antiga, a

empresa Pires, foi fundada em 1968. Apesar desta última prestar serviços de

segurança desde essa data, outros serviços oferecidos pelas empresas do grupo já

existiam desde os anos 30. Quando as empresas de segurança começaram a

surgir, em meados dos anos 60, não havia nenhuma regulamentação nem pessoal

qualificado para exercer a atividade de segurança privada. A primeira iniciativa foi

a de transferir conhecimento daqueles que faziam parte das polícias públicas, e

isto se deu tanto na parte de gerenciamento e treinamento quanto na parte de

execução das tarefas. É muito provável que a falta de regulamentação favorecesse

aqueles que, no caso de não serem diretamente integrantes das corporações

policiais, tivessem estreitas relações com os órgãos responsáveis em delegar esse

poder de explorar e exercer a atividade de segurança particular. Dessa forma, a

presença de policiais ou ex-policiais marca a existência da segurança privada no

Brasil desde o seu início.

No contexto atual, o aumento da massa de propriedade privada, usando o

termo de Shearing e Stenning, principalmente aquelas destinadas ao uso público, é

fundamental para se compreender o processo de expansão das empresas de

segurança. Não se pode ignorar a necessidade no mundo moderno, e mais

especificamente nos centros urbanos, dos serviços de segurança privada. Existem

áreas, como as grandes indústrias, shopping centers, centros empresariais, nas

quais seria impossível o serviço público garantir a demanda por segurança.

Tratam-se de espaços privados abertos ao público que requerem forças de

segurança específicas para esses locais. São Paulo é uma cidade na qual os

Page 156: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

156

shopping centers substituíram as ruas para boa parte da população. Alguns mais

sofisticados que outros porém todos com a mesma característica, nesses centros

de lazer e consumo o que sobressai é a sua estrutura de espaço público fechado e

monitorado.

Paralelamente à urbanização, o processo de terceirização tem um

importante papel no aumento de serviços de segurança. Não só na área de

segurança, mas em várias outras áreas tornou-se muito mais vantajoso contar com

serviços realizados por uma terceira empresa, especializada num determinado

ramo, do que arcar com os custos de possuir um corpo próprio de funcionários. À

medida que a massa de propriedade privada se desenvolve, os serviços de

segurança vão se tornando necessários para suprir uma demanda por segurança,

tanto das pessoas que circulam por essas áreas quanto de suas próprias

instalações. Diante dessa necessidade, as empresas ou vão ter um corpo próprio

de funcionários responsáveis por essas atividades ou vão estabelecer um contrato

de serviço com uma empresa especializada.

Outro fato freqüentemente relacionado ao aumento da segurança privada é

o aumento da criminalidade. Existe a idéia de que com o aumento da criminalidade

as pessoas procurariam alternativas privadas para sua segurança. No entanto,

cabe ressaltar que a expansão de segurança privada, atualmente, é um fenômeno

mundial, que ocorre mesmo em países onde os índices de criminalidade não têm

apresentado um acréscimo. Isso mostra que os números da criminalidade não são

a razão única desse processo de expansão.

Apesar disso, não se pode negar que o aumento dos números de crimes

praticados acabe impulsionado as pessoas a adotarem esquemas eletrônicos de

segurança ou a contratarem pessoas para fazerem a vigília de suas ruas e

residências. Isso se agrava ainda mais quando o Estado não consegue apontar

para soluções eficientes para controlar esse aumento da criminalidade, que dêem

uma resposta rápida e diminuam a sensação de insegurança da população.

Nesse sentido, alguns autores destacam que há uma generalização sobre os

graves crimes, o que resulta em uma evitação do outro para a manutenção da

Page 157: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

157

separação entre grupos socialmente distintos. Frédéric Ocqueteau (1997) é o

pesquisador francês que vem se ocupando em pesquisar a segurança privada na

França. Sua tese é a que este setor da segurança não é totalmente autônomo

pois, para se tornar viável, necessita do aval dos poderes públicos. Também supõe

que nas democracias ainda não consolidadas, cita o Brasil como exemplo, o setor

de segurança privada cresce com maior independência do Estado. Afirma que o

principal motivo desses serviços de segurança privada estarem crescendo está

mais relacionado ao desejo das parcelas proprietárias que querem se proteger da

violência dos pobres, devido às grandes desigualdades sociais, do que pela fraca

atuação do Estado no controle da ordem. Nessa mesma linha, Pierucci (1999)

afirma, a partir da análise de entrevistas realizadas com a população paulistana,

que o sentimento de insegurança engendra discursos explicativos, baseados no

preconceito social, muitas vezes, associando insegurança e migração,

principalmente a de nordestinos. Diante da ameaça de destruição de seu mundo,

abalado pelo aumento de insegurança e da criminalidade, essa população passa a

procurar bodes expiatórios, em cima dos quais despeja seu ressentimento. Isso se

transforma numa situação de constante ameaça e de uma necessidade de

separação e evitação do outro.

No caso brasileiro existem características próprias que colaboram para que

esse processo se desenvolva. É muito importante ressaltar que no Brasil, é muito

fraca a presença de um Estado mediador de conflitos e, como nos mostrou a

bibliografia apresentada, a resolução privada dos conflitos sempre foi a alternativa

adotada por boa parcela da população.

Assim como ocorre nas áreas da saúde, educação e dos transportes, a

precariedade dos serviços públicos de segurança parece impulsionar a demanda

por serviços particulares. Porém, em todos esses setores, apenas uma minoria da

população é que pode pagar por estes serviços, aprofundando ainda mais a

desigualdade social. Os serviços de segurança particular são essenciais para alguns

setores, porém, a questão é quando ele passa a ser essencial para toda a

população porque o que seria algo apenas complementar, se torna a única

Page 158: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

158

alternativa para a efetivação do sentimento de segurança. O questionamento a ser

levantado é quando esses serviços particulares de segurança passam a ser vistos

como os substitutos à segurança pública. Numa sociedade em que os espaços

públicos nunca foram muito definidos, fica fácil esse enclausuramento entre muros

ou a apropriação do espaço público para a evitação dos potencialmente perigosos.

A cidade passa a não ser mais uma forma de sociabilidade, sendo vista como

forma condensadora de relações conflituosas e a sensação de medo e insegurança

acaba por justificar a exclusão, reafirmando as diferenças e proporcionando novas

formas de relação social nas metrópoles. É o que Kowarick (1991) vai denominar

como subcidadão público e o cidadão privado. Sendo o espaço público o da

desordem e da violência, nele o cidadão não tem respeitados os seus direitos e é

no seu espaço particular, na sua casa, o lugar onde ele encontra a ordem, o

respeito e se sente uma pessoa realizada. Este seria o único lugar em que ele teria

a sua "cidadania" reconhecida.

Ao mesmo tempo em que se expandem as ofertas dos serviços privados de

segurança, torna-se essencial expandirem também os seus mecanismos de

controle. Sobretudo, para estabelecer o papel de cada um, Estado e empresas, na

atividade da segurança, além de estabelecer em que medida os serviços privados

podem contribuir para a segurança pública. Entre os quatro executivos

entrevistados, três deles concordam plenamente que a segurança privada pode

funcionar como um serviço auxiliar no controle da criminalidade. Esse

complemento seria prestado por vigilantes bem treinados que atuariam não

apenas para inibirem o crime, mas também para gerarem informações aos órgãos

competentes através dos relatórios elaborados que poderiam ser usados como

uma fonte de informação para a polícia. Porém, é importante lembrar que entre

todo o efetivo de vigilantes há um enorme contingente de profissionais totalmente

despreparados e irregulares e, apesar de condenarem a presença de policiais nos

serviços clandestinos, várias empresas regularizadas contam com o serviço de

policiais em seus departamentos.

Page 159: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

159

Considerando que no Brasil a participação da população em assuntos

referentes à segurança pública é um tanto quanto frágil e não encontra canais

onde essa participação se torne efetiva, isso se reproduz no tocante aos serviços

de segurança privada, que atendem apenas a interesses particulares. Os

empresários são unânimes em afirmar que estes serviços não afetam a

legitimidade do Estado. Afirmam isto porque consideram que a segurança privada

não se efetiva através da falência da segurança pública, mas sim por seu papel de

serviço complementar à segurança pública.

No entanto, para venderem seus serviços, as empresas acentuam a questão

da desigualdade social e a da divisão entre serviços públicos para os que não

podem pagar e serviços particulares para aqueles que dispõem de recursos. Os

serviços de segurança não são vendidos como algo complementar à segurança

pública, mas como um substituto a um serviço ineficaz. É importante lembrar que

as empresas desenvolvem produtos e serviços, sustentados por um plano de

marketing que acaba por exacerbar a necessidade de seus serviços, principalmente

a necessidade de se preocupar com sua própria segurança e de sua família. Numa

sociedade tradicionalmente marcada por ações e motivações individuais, pela

ausência de espaços para o debate das questões públicas, o resultado é que a

contratação de serviços de segurança, mesmo irregulares, aparece como a melhor

saída em tempos de aumento da sensação de insegurança.

Pode-se dizer que as duas hipóteses iniciais deste trabalho se confirmam. O

contexto atual de “crise” do Estado, que não consegue garantir segurança aos

cidadãos acaba abrindo espaço para o desenvolvimento de um mercado altamente

lucrativo. Ao mesmo tempo, a indistinção entre as esferas do público e do privado

e a tendência para resoluções privadas das questões que dizem respeito ao

Estado, característico da sociedade brasileira, acaba favorecendo a aceitação por

serviços privados de segurança e justiça.

Tais medidas particulares e individuais para garantir a segurança não são

novas na sociedade brasileira, pode-se dizer que, neste momento, há uma

mudança apenas na forma como isso é feito. A tecnologia é fundamental para se

Page 160: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

160

entender essa nova forma de regulação e controle da sociedade. Presente nos

equipamentos para monitoramento e segurança, trata-se de uma nova tecnologia

de poder. A suspeição mútua e a adoção de sistemas que possam prevenir crimes

por parte de entidades privadas, faz com que estes se antecipem e passem a

tomar responsabilidades que antes eram do Estado.

Considerando que sociedades de democracia tradicional e consolidada

enfrentam os desafios de controlar os serviços de segurança privada, esse

problema é muito maior no caso de sociedades onde há persistência de graves

violações de Direitos Humanos e o não respeito aos direitos civis. A oferta de

serviços privados de segurança pode não representar um problema em sociedades

em que esse serviço funciona como um complemento à atividade da segurança

pública e onde o Estado tem um forte controle no funcionamento e fiscalização

dessas empresas. Numa sociedade extremamente desigual, na qual o poder

público não consegue garantir a segurança pública de sua população, esses

serviços funcionam como um substituto à segurança pública, como uma opção

para os que podem pagar por sua segurança. Cabe aqui levantar a questão sobre

a gravidade quando esses serviços se expandem numa sociedade onde o

monopólio do Estado nunca se efetivou, caso do Brasil, que nunca teve um Estado

com presença significativa para garantir a segurança da população de forma

eqüitativa e indiscriminatória.

A expansão desses serviços apontam para a necessidade do seu debate se

tornar realmente público. Cabe realmente às empresas e indústrias se

preocuparem com a segurança de seu patrimônio e funcionários. À população, de

uma maneira geral, também é dada essa opção, entretanto ela não pode se tornar

a única. Nesse sentido, um ponto extremamente frágil, que parece não suscitar

maiores atenções, é a forma como esse produto é vendido. A idéia de que vivemos

num mundo caótico, desordenado e violento, e que isso nos obriga a tomar

alguma atitude em relação à insegurança, justifica a opção por iniciativas

individuais e isoladas. Não há nenhum estímulo em sentido contrário, da existência

de canais pelos quais a população, de maneira coletiva, possa contribuir com

Page 161: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

161

alternativas. A questão da violência, como afirmou Beato (1999), que deveria ser

tratada como uma questão social e problema público passa a ser tratada de

maneira individual e não democrática. Isto se agrava mais ainda quando se leva

em consideração que as áreas mais violentas dos grandes centros urbanos, com

maior número de homicídios por habitante, são as periferias, cujos moradores não

fazem parte da clientela atendida por esses serviços. Numa sociedade

extremamente desigual, os serviços privados de segurança não se apresentam

como uma opção, como algo que complemente a segurança previamente

garantida pelo poder público. Tornam-se regra para aqueles que quiserem e

puderem arcar com os custos da sensação de segurança.

A expansão da segurança privada não é um problema inevitável da

modernidade. Problemática é a forma através da qual se dá essa expansão, dentro

de regras pouco claras, frágeis ou, sobretudo, sem um sistema de fiscalização

eficaz. Questionável também é o rumo que o debate sobre a violência tem

tomado, principalmente o enfraquecimento da idéia do monopólio do Estado

dentro desse debate e a sua relação com a segurança privada, afinal de contas, a

sua legitimidade é que está em jogo.

Page 162: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

162

Bibliografia

ADORNO de Abreu, Sérgio, 1998. “Consolidação democrática e políticas de segurança pública no Brasil: rupturas e continuidades.” In: Democracia e Instituições Políticas Brasileiras no final do século XX, Recife. ALMEIDA, Amador Paes de, 1997. “Manual das Empresas de Segurança Privada”. São Paulo, Editora Saraiva. ALVARADO, A. & DAVIS, D. 2000. “Banking security in Mexico City: mixing public and private police”, In: workshop The Public Accountability of Private Police. Lessons from New York, Johannesburg, and Mexico City. Vera Institute of Justice, August 2000, New York, pp. 33-45 BAYLEY, David H., 2001. “Padrões de Policiamento: Uma análise internacional comparativa”. São Paulo, Edusp. BEATO FILHO, Cláudio C., 1999. “Políticas públicas de segurança e a questão policial” In São Paulo em Perspectiva, revista da Fundação SEADE, n.º 13, vol. 9: 13 - 26, S. Paulo. BENDIX, Reinhard, 1996. “Construção Nacional e Cidadania”. São Paulo, Edusp. CALDEIRA, Teresa P. R., 1989. “Ter medo em São Paulo”. In Brant, V.C. (org.). São Paulo Trabalhar e Viver. São Paulo, Editora Brasiliense. __________, 1991. “Direitos humanos ou “privilégios de bandidos”?”. Novos Estudos, Cebrap, (30):162-174, São Paulo. __________, 1997. “Enclaves fortificados: a nova segregação urbana”. Novos Estudos, Cebrap, (47):155-176, São Paulo. ________, 2000. “Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo”. São Paulo, Edusp. CÓDIGO PENAL, 1996. Editora Saraiva, 11ª ed. Canadian Foundation for the Americas (FOCAL), In: workshop The Privatization of Security in Latin America, Otawa, Ontario, FOCAL, October, 9, 1998. CHIAVENATO, Idalberto, 1999. “Administração dos Novos Tempos”. Rio de Janeiro, Editora Campos.

Page 163: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

163

CHRISTIE, Nils, 1998. “A indústria do controle do crime”. Editora Forense. COELHO, Edmundo Campos, 1987. “A criminalidade urbana violenta”, In Série Estudos, Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, n.º 60, dezembro de 1987. DAMATTA, Roberto, 1991. “A casa e a rua”. Rio de Janeiro, Editora Guanabara Koogan. DAVIS, R.C. & DADUSH, S., 2000. “Balancing Public and private interests: the Metro Tech business improvement district”, In: workshop The Public Accountability of Private Police. Lessons from New York, Johannesburg, and Mexico City. Vera Institute of Justice, August 2000, New York, pp. 07-20. ELIAS, Norbert, 1994. “O Processo Civilizador - Uma história dos Costumes”. São Paulo, Editora Zahar. Vol. I ____________, 1994b. “O Processo Civilizador - Formação do estado e Civilização”. Rio de Janeiro, Editora Zahar. Vol. II

FAORO, Raymundo, 1958. “Os Donos do Poder – Formação do patronato político brasileiro”. Editora Globo, RS. FEIGUIN, D. & LIMA, R. S., 1995. “Tempo de violência: medo e insegurança em São Paulo”. São Paulo em perspectiva 9(2): 73-80 FRANCO, Maria S. C., 1983. "Homens livres na sociedade escravocrata". São Paulo, Editora Kairós. FREYRE, Gilberto, 1997. “Casa Grande e Senzala”. Rio de Janeiro, Editora Record. GONÇALVES, M. F. & SEMEGHINI, U. C., 1992. “A modernização do setor terciário paulista”. São Paulo em Perspectiva 6(3):60-9 HOLANDA, Sérgio B., 1995. “Raízes do Brasil”. São Paulo, Companhia das Letras. IRISH, J. “The business of private policing in South Africa: Sentry Security and the armed-response sector”, In: workshop The Public Accountability of Private Police. Lessons from New York, Johannesburg, and Mexico City. Vera Institute of Justice, August 2000, New York, pp. 21-33 JONES, T. & NEWBURN, T, 1995. “How big is the private security sector?” In Policing and Society, Vol. 5, pp. 221-232, London

Page 164: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

164

KOWARICK, Lúcio, 1991. "Cidade e Cidadania: cidadão privado e subcidadão público". In São Paulo em perspectiva, 5(2):2-8, Fundação SEADE, São Paulo. LEAL, Victor Nunes,1949. “Coronelismo, enxada e voto – O município e o regime representativo no Brasil”. Rio de Janeiro. MARTINS, José de Souza, 1997. “Exclusão social e a nova desigualdade”. Edições Paulinas, São Paulo. OCQUETEAU, Frédéric, 1997. “A expansão da segurança privada na França - Privatização submissa da ação policial ou melhor gestão da segurança coletiva?”. In Revista de Sociologia da USP, 9(1):185-195, São Paulo. PAIXÃO, Antônio L., 1991. “Segurança privada, direitos humanos e democracia”. Novos Estudos, (31):131-141, Cebrap, São Paulo. PIERUCCI, Antônio Flávio, 1999. “Ciladas da Diferença”. Editora 34, São Paulo. PINHEIRO, Paulo Sérgio, 1990. “Notas sobre o futuro da violência na cidade democrática” In Revista USP, n.º 5, 43-46, São Paulo. ___________________, 1997. “Violência, crime e sistema policial em países de novas democracias” In Tempo Social, Revista de Sociologia USP, Vol. 9(1): 43-52, maio de 1997, São Paulo PINHEIRO, P.S.: POPPOVIC, M. E. e KAHN, T., 1994. “Pobreza, violência e direitos humanos” In Novos Estudos Cebrap, n.º 39, julho de 1994, pp. 189-208 PINTO, Luiz de Aguiar Costa, 1980. “Lutas de Famílias no Brasil”. Ed. Brasiliana, São Paulo. PINTO, Élida Graziane. “Plano diretor da reforma do aparelho do estado e organizações sociais – Uma discussão dos pressupostos do “modelo” de reforma do Estado brasileiro” In Jus Navigandi, n.º 51. [Internet] http://www.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2168 [Capturado em 16.Abr.2002] QUEIRÓS, Maria Isaura Pereira de,1969. “O mandonismo local na vida política brasileira”. São Paulo, Instituto de Estudos Brasileiros. REIS, Elisa Pereira, 1998. “Processos e escolhas - estudos de sociologia política”. Rio de Janeiro, Editora Contra Capa. SANTOS, Boaventura S., 1998. “Reinventar a Democracia”. Editora Gradiva, Lisboa. No prelo

Page 165: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

165

SANTOS, Wanderley Guilherme dos, 1992. “Razões da Desordem”. Editora Rocco, Rio de Janeiro. SEABRA, Odette C. L., 1992. “São Paulo e os signos da modernidade: a questão da segurança privada”. In Revista do Departamento de Geografia. São Paulo, (6):123-126, São Paulo. SIMMEL, Georg, 1983. “Sociabilidade – Um exemplo de sociologia pura ou formal”. In Coleção Grandes Cientistas Sociais, org. Evaristo M. Filho. São Paulo, Editora Ática. TELLES, Vera Silva, 1996. “Questão Social, afinal do que se trata?”. In São Paulo em Perspectiva, 10 (4), pp.85-95. URICOECHEA, Fernando, 1978. “O Minotauro Imperial”. Rio de Janeiro, Editora Difel. VIANA, Oliveira, 1973 . “Populações Meridionais do Brasil”. Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra. WEBER, Max, 1993. “Os três tipos puros de dominação legítima”. In Coleção Grandes Cientistas Sociais, org. Gabriel Cohn. São Paulo, Editora Ática. ____________, 1983. “Ciência e Política, duas vocações”. São Paulo, Editora Cultrix. WIEVIORKA, Michel, 1997. “O novo paradigma da violência” In Tempo Social, Revista de Sociologia USP, Vol. 9(1):5-41, maio de 1997, São Paulo. REVISTAS: EXAME, 20 de Maio de 1998

SECURITY, n.º 10 (1999); n.º 11 (2000); - n.º 14 (novembro/dezembro de 2000 e

janeiro 2001); n.º 13 (agosto/setembro/outubro de 2000)

VEJA SÃO PAULO, , 18 a 24 Maio 1998; 04 a 10 Outubro 1999; 30 de Novembro a

5 de Dezembro de 1999.

PIRES EM REVISTA Ano XX - n.º 89, março de 2000; n.º 90, junho de 2000; n.º

91, setembro de 2000; n.º 93, março de 2001

REVISTA SESVESP Ano X, n.º 40, dezembro/janeiro de 2001; n.º 41,

fevereiro/março de 2001

Page 166: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

166

JORNAIS: DIÁRIO POPULAR, 02/04/99

FOLHA DE SÃO PAULO, 11/11/1992; 19/12/97; 02/01/98; 04/07/98; 16/03/99;

20/03/2000; 30/04/2000; 08/07/00; 24/09/00; 25/11/00

JORNAL DO BRASIL, 14/06/99

JORNAL DA SEGURANÇA, nº48/49/61 a 82

O DIA, 18/08/99; 19/08/99

O ESTADO DE SÃO PAULO, 16/10/00

REVISTA CENTROPORT - Segurança Eletrônica

Relatório Anual de Prestação de Contas da Ouvidoria de Polícia do Estado de São

Paulo, 1997

Homepage: Ministério da Justiça www.mj.gov.br Secretaria de Segurança Pública de São Paulo www.segurança.sp.gov.br/conseg

Page 167: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

167

Anexos

Folders divulgados em feiras, anúncios e charge publicados na imprensa.

Page 168: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

168

Page 169: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

169

Page 170: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

170

Page 171: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

171

Page 172: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

172

Page 173: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

173

Page 174: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

174

Page 175: A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo Viviane.pdf · 2019-06-19 · um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem

175