a execução penal e o sistema acusatório - geraldo prado aula 1

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A EXECUÇÃO PENAL E O SISTEMA ACUSATÓRIO 1 Geraldo Prado Com razão Yadira Calvo lembra, ao tratar da discriminação sexual em to- dos os níveis, que se supõe “que Deus escreve certo por linhas tortas; porém não os seres humanos, que quando torcem as linhas o fazem porque têm torcidas tam- bém as intenções 2 .” Assim é em termos de Direito e da mesma maneira quando tratamos de Democracia, principalmente na América Latina e de modo mais específico no Brasil. Muito embora tenha parecido a muitos que a promulgação da Constituição, em 1988, haja representado o ponto culminante da transição para a democracia, os reflexos de um ordem jurídica democrática não são visíveis para além dos contor- nos meramente formais da Democracia procedimental. Por ordem democrática real, é preciso desde logo fixar, entendemos algo mais que a simples conexão de procedimentos entre elementos dispostos a assegurar a participação popular, livre e direta, na eleição dos representantes no Congresso e no Executivo. Em compa- nhia de Lola Aniyar preferimos optar por um conceito substancial, em virtude do qual a existência de três pilares básicos é imprescindível para condensar o verda- deiro significado do termo: “que o poder seja ascendente, isto é, que vá das ca- madas populares, para cima; que seja utilitário, pois que responda a interesses generalizáveis; que tenha capacidade para conter os abusos de poder 3 ”. De concreto, a implementação de uma democracia com essas característi- cas é um projeto dinâmico e sempre não totalmente realizável, porque pressupõe um nível de igualdade social, econômica e jurídica que não corresponde à nossa realidade e, o que é mais grave, a um futuro que sequer hoje a maioria dos brasi- leiros aspira. Da democracia aparente ao processo penal democrático aparente o passo não é largo e costuma ser dado sem dificuldade, infelizmente, por conta do mesmo tipo de cultura que embarga os esforços de redução da criminosa distorção na dis- tribuição de rendas, prêmios e castigos em nossa sociedade. No campo do processo penal de conhecimento, mais visível e interessante para a própria dramaturgia do Estado Espetáculo, várias garantias são dispostas pelo direito para aqueles que têm condições de acesso a melhores recursos jurídi- 1 Trabalho elaborado para publicação na Revista Jurídica da Faculdade de Direito Iguaçu – UNIG – e na Revista Jurídica do Curso de Mestrado em Direito da Universidade Estácio de Sá, que serviu de base para a palestra com o mesmo título, proferida no VI Simpósio Nacional - Direito Penal e Processual Penal - “Novas Idéias - Novos Rumos”, em 30 de abril de 1999, no Hotel Glória, Rio de Janeiro, pelo Instituto de Direito. Texto publicado, na íntegra, no livro Sistema Acusatório, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2 ª edição, 2001. 2 CALVO, Yadira. Las Líneas Torcidas del Derecho, San José, Costa Rica, ILANUD, 1996, p. 5. 3 ANIYAR, Lolita. Democracia y Justicia Penal, Caracas, Congreso de la República, 1992, p. 7.

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  • A EXECUO PENAL E O SISTEMA ACUSATRIO1

    Geraldo Prado

    Com razo Yadira Calvo lembra, ao tratar da discriminao sexual em to-dos os nveis, que se supe que Deus escreve certo por linhas tortas; porm no os seres humanos, que quando torcem as linhas o fazem porque tm torcidas tam-bm as intenes2. Assim em termos de Direito e da mesma maneira quando tratamos de Democracia, principalmente na Amrica Latina e de modo mais especfico no Brasil. Muito embora tenha parecido a muitos que a promulgao da Constituio, em 1988, haja representado o ponto culminante da transio para a democracia, os reflexos de um ordem jurdica democrtica no so visveis para alm dos contor-nos meramente formais da Democracia procedimental. Por ordem democrtica real, preciso desde logo fixar, entendemos algo mais que a simples conexo de procedimentos entre elementos dispostos a assegurar a participao popular, livre e direta, na eleio dos representantes no Congresso e no Executivo. Em compa-nhia de Lola Aniyar preferimos optar por um conceito substancial, em virtude do qual a existncia de trs pilares bsicos imprescindvel para condensar o verda-deiro significado do termo: que o poder seja ascendente, isto , que v das ca-madas populares, para cima; que seja utilitrio, pois que responda a interesses generalizveis; que tenha capacidade para conter os abusos de poder3. De concreto, a implementao de uma democracia com essas caractersti-cas um projeto dinmico e sempre no totalmente realizvel, porque pressupe um nvel de igualdade social, econmica e jurdica que no corresponde nossa realidade e, o que mais grave, a um futuro que sequer hoje a maioria dos brasi-leiros aspira. Da democracia aparente ao processo penal democrtico aparente o passo no largo e costuma ser dado sem dificuldade, infelizmente, por conta do mesmo tipo de cultura que embarga os esforos de reduo da criminosa distoro na dis-tribuio de rendas, prmios e castigos em nossa sociedade. No campo do processo penal de conhecimento, mais visvel e interessante para a prpria dramaturgia do Estado Espetculo, vrias garantias so dispostas pelo direito para aqueles que tm condies de acesso a melhores recursos jurdi-

    1 Trabalho elaborado para publicao na Revista Jurdica da Faculdade de Direito Iguau UNIG e na Revista Jurdica do Curso de Mestrado em Direito da Universidade Estcio de S, que serviu de base para a palestra com o mesmo ttulo, proferida no VI Simpsio Nacional - Direito Penal e Processual Penal - Novas Idias - Novos Rumos, em 30 de abril de 1999, no Hotel Glria, Rio de Janeiro, pelo Instituto de Direito. Texto publicado, na ntegra, no livro Sistema Acusatrio, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2 edio, 2001. 2 CALVO, Yadira. Las Lneas Torcidas del Derecho, San Jos, Costa Rica, ILANUD, 1996, p. 5.

    3 ANIYAR, Lolita. Democracia y Justicia Penal, Caracas, Congreso de la Repblica, 1992, p. 7.

  • cos, e tambm, em grau varivel, para todos os demais acusados. Assim, exige-se que um juiz imparcial aprecie a demanda do acusador, em um ambiente filtrado pelo contraditrio, que s possvel graas ampla defesa assegurada pela direta participao do acusado no processo e pela interveno de Defensor profissional. As provas valoradas ao final devem ter sido obtidas de forma lcita e o julgamento h de ser, normalmente, pblico, fundamentando-se a deciso. Cumprida a trajetria do processo de conhecimento, resta, para os definiti-vamente condenados, expiar a culpa, termo religioso que bem demonstra o senti-do que a aplicao da sano e a execuo penal ainda tm. No momento inicial da execuo penal vislumbra-se claramente a distor-o do primeiro eixo deste tipo de processo. Antes de ser um rbitro imparcial de um conflito entre partes Ministrio Pblico e condenado por uma dessas situa-es peculiares ideologia com projeo no mundo jurdico, o juiz deve tomar e manter a iniciativa da execuo, semelhana do modelo inquisitrio. Do ponto de vista subjetivo verifica-se o fenmeno da transferncia para o magistrado da execuo das responsabilidades geradas pela suposta expectativa social, de que o condenado seja efetivamente castigado. A teoria crtica, to importante na dcada passada por evidenciar as incoe-rncias do discurso jurdico, desmoralizando a tese de que a priso eficaz mto-do de reintegrao social do condenado, acaba de certa forma manipulada pelos defensores de uma vivncia social autoritria, conservadora e discriminatria, que dela recolhem somente um retalho para justificar a retribuio pela retribuio, porque possivelmente, dizem, nada mais possvel fazer pela socializao! Perde-se o contato com o sentido de humanidade que deve guiar toda ao estatal opressiva pela prpria natureza e se substitui tal exigncia de humanidade pela expectativa de que o juiz far o condenado perceber de maneira indiscutvel a gravidade da conduta que o levou a ser punido e, portanto, a ser afastado real ou simbolicamente, mediante a priso ou substitutivos penais, da comunidade dos seres humanos saudveis! Tendo por alicerce demandas sociais dessa qualidade que um juiz, na execuo, chamado a cumprir o seu papel, em flagrante contraste com as exi-gncias constitucionais de uma jurisdio imparcial e voltada implementao de medidas de justia social. justamente por fora dessa distoro que a posio do juiz no processo de execuo tem de ser repensada em bases mais democrticas, simultaneamente com a convico na eficcia dos procedimentos jurdicos para conter os abusos. A falncia factual do propsito de ressocializao da sano penal, denun-ciada pela teoria crtica, se no pode levar, contemporaneamente, abolio da interveno punitiva institucionalizada, como a conhecemos, importa em duas concluses que dimensionam a interveno do juiz na execuo da pena: cabe a ele compreender, sem que seja necessria uma profunda reflexo crtica, que a integrao social dos condenados, qualquer que tenha sido a sano eleita, uma via de mo dupla, exigindo adaptaes tanto da parte de quem sofre a pena como da sociedade e do Estado, este devedor de tantos servios sociais elementares para diminuir a pobreza; alm disso, do condenado no se pode exigir mais do que o

  • que a sentena impe e tudo o que se deve exigir dele h de estar condicionado pelo fim de humanizar as relaes sociais presentes e futuras. Em um quadro com tais notas, o juiz funciona atento para eliminar os abu-sos durante este processo e pronto para resolver as controvrsias sobre a execuo do julgado, seus limites e possibilidades, e a respeito da tutela dos inmeros inte-resses jurdicos do condenado. Colocar o juiz no ponto central do procedimento de execuo penal acarre-ta, como conseqncia inevitvel, levar o Ministrio Pblico para a extremidade da relao, como permanente parte autora da execuo, em todos os seus momen-tos, como acontece em Portugal, enquanto o condenado passa a ter, obrigatoria-mente, presena decisiva na definio do curso da sua vida, durante a execuo da pena, influindo, pessoalmente e por seu Defensor, na conformao da convico judicial4. possvel a partir da comear a desenhar um modelo de procedimento em contraditrio na execuo, que, na viso de Elio Fazzalari, mencionado por An-tnio Magalhes Gomes Filho, pode ser identificado pela:

    simetria das posies subjetivas, a sua mtua implicao e a substancial paridade que se traduzem para cada um dos par-ticipantes, na possibilidade de dialogar no episodicamente, mas sobretudo de exercitar um conjunto de controles, reaes e escolhas.5

    verdade que isso no basta e que se alcanssemos a excelncia do pro-cedimento contraditrio na execuo, ainda assim a vida e as perspectivas do con-denado sofreriam somente pequena alterao. A nosso juzo a arquitetura ideal da execuo est ligado a reformulaes na prtica e na cultura da execuo penal. Na prtica porque, como salientava Marcuse, se a teoria trabalha com o universo estabelecido do discurso, que aque-le de um mundo no livre, o pensamento dialtico, que na essncia nada mais sig-nifica que dilogo com a razo, sempre destrutivo e qualquer libertao que ele possa trazer libertao em pensamento, em teoria. Porm o desencontro entre pensamento e ao, teoria e prtica , ele mesmo, sublinhava o filsofo, parte de um mundo no livre, de sorte que nenhum pensamento e nenhuma teoria podem desfaze-lo. necessrio atuar incisivamente sobre a realidade, guiando-se pela teoria, se o propsito transformar para melhor, visando alcanar um modo de tratamento da pessoa condenada mais de acordo com a pauta de valores ticos difundida no meio social. Nesta perspectiva Wolfgang Leo Maar6 adverte que os

    4 Gomes Filho salienta, com razo, que a defesa do condenado no processo de execuo penal no se confunde, pois, simplesmente, com a eventual oposio s pretenses dos rgos esta-

    tais incumbidos de promover o cumprimento das penas impostas, mas se caracteriza, antes de tudo, como um conjunto de garantias atravs das quais o sentenciado tem a possibilidade

    de influir positivamente no convencimento do juiz da execuo, sempre que se apresente uma oportunidade de alterao da quantidade ou da forma da sano punitiva Antnio Maga-lhes Gomes Filho. A Defesa do Condenado na Execuo Penal, in: Execuo Penal, coord. Ada Pellegrini Grinover., So Paulo, Max Limonad, 1985, p. 41. 5 Idem.

    6 Introduo a Marcuse: Em busca de uma tica materialista, in Herbert Marcuse: Cultura e Sociedade, So Paulo, Paz e Terra, 1997.

  • problemas ticos demandam solues prticas. A postulao de uma nova praxis importa em modificar a cultura da e na execuo penal, alterar o sentido do patri-mnio simblico dos modos padronizados de pensar e de saber que se manifes-tam, expressamente, atravs da conduta social de todos os principais atores. Compreende-se melhor o desafio vista da seguinte hiptese, certamente bem real: mesmo que o processo de execuo esteja sendo regularmente impulsio-nado pelo Ministrio Pblico, diferena do que ocorre hoje, e no seu desenvol-vimento normal a Defesa postulasse, para ilustrar, tutela jurdica consistente na aplicao da lei penal posterior benfica, que prev substitutivos priso (Lei n. 9.714/98), a um caso de condenao de traficante de drogas a trs anos de reclu-so, pena mnima, uma soluo fora de parmetros puramente ideolgicos, com raciocnio do tipo o trfico de drogas um crime grave e, portanto, seus autores a priori no merecem a substituio, no seria de se esperar. Vamos buscar um exemplo menos polmico: Caio, reincidente em crime doloso condenado a dezoito anos de recluso, em regime fechado, trabalha internamente durante nove anos. Como para cada trs dias de trabalho possvel a remio de um dia de pena, Caio tem direito a remir trs anos de sua pena, que ficaria reduzida a quinze anos, nove dos quais cumpri-dos! Acontece que, de acordo com o artigo 127 da Lei de Execuo Penal (Lei n. 7.210/94), o condenado que for punido por falta grave perder o direito ao tempo remido, de sorte que se Caio, num dia menos inspirado, cometer falta grave, por essa indisciplina receber a sano adicional correspondente a trs anos de reclu-so, pena superior a de muitos crimes! O episdio de um nico dia de Caio na priso poder determinar uma vira-da decisiva e negativa na continuidade da vida do condenado, eliminando aquilo que ainda a insulada e frgil garantia da sociedade no retorno dele ao convvio social amplo: sua esperana. Enfrentando a questo no Rio de Janeiro, o juiz Marco Aurlio Belizze, em deciso fundada na eqidade, reconheceu o excesso imprevisto para o legislador (excesso culposo, provavelmente) e, aplicando por analogia as condies do indul-to, encontrou soluo razovel, que no importou em sacrifcio inconstitucional da posio jurdica do condenado, limitando a perda dos dias trabalhados aos doze ltimos meses, parmetro inspirado nos decretos de indulto7. Hipoteticamente, de trs anos de recluso, o saque em conta de um condenado pode atingir quatro me-ses! A soluo equilibrada e justa s se tornou possvel porque o juiz soube, inspirado na constitucional proibio do excesso, mediar o conflito entre partes opostas, e atender a interpretao legal mais condizente com os direitos funda-mentais, premissa bsica da democracia. Isso no tira, todavia, o carter excepcional da deciso. A seguir prestigia-dos autores, como Mirabete8, os juzes decretam a revogao da remio, que ter-mina por alcanar a totalidade do tempo trabalhado e atingir o condenado, punin-

    7 Vara de Execues Penais do Rio de Janeiro processo n. 90/02843-2, deciso de 10 de julho de 1998. 8 MIRABETE, Jlio Fabrini. Execuo Penal, 5 edio, So Paulo, Atlas, 1992, p. 319.

  • do-o hoje com o sacrifcio de tanto tempo empenhado muito antes de viver o pro-blema que resultou na falta grave. Por isso que, a nosso juzo, a reformulao terica do processo de execu-o h de implicar em alteraes prticas sensveis no plano cultural. Alm do deslocamento do julgador para o ponto central do processo de execuo, deixando ao Ministrio Pblico a iniciativa, imperativo que se assegure a dinmica do contato pessoal entre juiz e condenado, propiciada verdadeiramente pela predomi-nncia da forma oral de procedimento, que pode oferecer ao juiz algo das sensa-es e das dificuldades experimentadas pelos condenados no cumprimento das mais variadas modalidades de pena e dar ao magistrado, que as desconhece, o sen-tido dos limites e possibilidades reais dos seres humanos em condies desfavor-veis. Hassemer chama a isso de compreenso cnica, cujo objetivo consiste em, reconhecendo-se as peculiaridades da comunicao humana que no est limitada a palavras, e menos ainda a palavras escritas, que o juiz interpreta na hora de jul-gar como se estivesse interpretando um texto escrito, uma obra literria qualquer, fornecer as condies de comunicao prximas ao ideal9.O sentido dos gestos, tom de voz, a fora de argumentos que um defensor pouco hbil desconsidera e, principalmente, a possibilidade do condenado sentir-se confiante para revelar ao juiz, diretamente, as experincias mais arbitrrias que possa estar sofrendo, tudo isso demonstra que a forma primeira do procedimento de execuo deve ser a oral, ao contrrio do que est preconizado no artigo 196 da lei de execuo. Hoje o pro-cedimento na execuo penal tudo, menos predominantemente oral. O Projeto de Lei n. 2.687-96, em tramitao no Congresso, prev a modi-ficao dos artigos 195 a 197 da LEP e introduz o procedimento oral e a audincia como regra. limitado quanto possibilidade das partes provarem, o que deve ser melhorado, contudo avana ao incorporar a audincia, que tende a reduzir as dis-tncias entre o juiz e o condenado, seu jurisdicionado na execuo. Um procedimento oral, no qual, ainda conforme Hassemer, o juiz desa do seu pedestal e encare as partes como pessoas portadoras de direitos e deveres, -nus e faculdades, e que esteja inserido em um contexto de distribuio rigorosa das funes na execuo, entre juiz, Ministrio Pblico e condenado, assistido por Defensor, pode oferecer solues equnimes, justas, para situaes diferenciadas no transcurso do processo, em virtude das quais mesmo ao condenado por trfico no se negue, sistematicamente e sem motivao jurdica, quando for o caso, a substituio da priso por outra medida. A oralidade envolver a, por outro lado, cuidados especiais com o empre-go da tecnologia no procedimento de execuo. Enquanto incontestvel que a era da informtica e da telemtica pode oferecer vantagens indiscutveis, em ter-mos de controle do tempo de durao das penas e medidas e da celeridade na pro-duo dos atos jurdicos necessrios, um dos pressupostos elementares do proces-

    9 HASSEMER, Winfried. Fundamentos del Derecho Penal, Barcelona, Bosch, 1984. SANTOS, Boaventura de Sousa. Pelas Mos de Alice, So Paulo, Cortez, 1995, p. 67. GRINOVER, Ada Pellegrini. Anotaes sobre osspectos Processuais da Lei de Execues Penais., in: Execu-o Penal, coord. Ada Pellegrini Grinover., So Paulo, Max Limonad, 1985, p. 15.

  • so oral est em permitir o contato direto entre o juiz e a parte, contato que no deve ser mediado por sofisticados recursos de transmisso de voz e imagem, dis-tanciando fisicamente os protagonistas do processo e deixando um deles, aquele mais necessitado da segurana que o contato direto proporciona, isolado em ambi-entes que lhe podem ser hostis. A cultura ps-moderna implicada em determinadas atitudes, louvveis sob inmeros aspectos, porque visam agilizar e melhorar a prestao jurisdicional, tem de se render realidade instrumental da tecnologia. Ela no vale por si, como o processo igualmente no um fim em si mesmo! A tecnologia importante pelos resultados que a sua aplicao prtica proporciona, de modo que, se estes resulta-dos no atendem aos objetivos de propiciar uma adequada tutela jurdica, devem justificar o abandono, ainda que provisrio, do recurso mais sofisticado. No caso, o contato pessoal, na velha conhecida audincia, se causa transtornos de locomo-o, segurana etc. um aparente atraso que, em termos de processo jurisdicional, humaniza e, neste sentido, acaba sendo um atraso progressista, algo como de volta para o futuro. Seguindo este caminho creio que no necessitaremos temer pela advertncia de Boaventura de Sousa Santos, de que um dia teremos pateti-camente de inventar, sempre com atraso, o que j tivemos quando ramos atrasa-dos10. s vantagens da audincia devemos somar a convenincia, no caso de pre-sos, tendo em vista a sempre alegada dificuldade de transporte e segurana, do ato realizar-se nas unidades prisionais. Um dos pontos mais sensveis e de mais deli-cada soluo jurdica est relacionado aos desvios e excessos de execuo. Quantas vezes o indivduo devia estar cumprindo pena em regime semi-aberto ou aberto e, apesar da penitenciria ter essa qualificao, na prtica o sis-tema fechado. Quantas vezes a nica progresso se d exclusivamente de siste-mas mais fechados para outros apenas menos fechados! Pior, todos sabemos que o artigo 88 da LEP, que trata das mnimas condies fsicas dos crceres, sistema-ticamente desrespeitado pelos governos estaduais. So excessos na execuo das penas, conforme a tipologia desenhada no artigo 185 da LEP, que o juiz poder perceber in loco, reforando o seu dever de fiscalizar ao mesmo tempo em que o jurisdicionado tem certeza, porque est em audincia com o juiz, no prprio ambi-ente carcerrio, que o magistrado haver de leva-los em considerao na hora de decidir sobre os pleitos deduzidos. Se as partes tradicionalmente tm o direito de serem ouvidas pelo juiz dito que tm direito ao seu dia na corte o juiz passa a ter o direito ao seu dia na priso: one day in jail. Para os presos a configurao procedimental com essas caractersticas, aproximando o juiz da realidade de vida do condenado, benfica, se houver a pretenso de convenc-los da justia intrnseca da ordem jurdica. No plano processual, algumas conseqncias podem ser desde logo perce-bidas:

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    SANTOS, Boaventura de Sousa. Pelas Mos de Alice, So Paulo, Cortez, 1995, p. 67. GRINOVER, Ada Pellegrini. Anotaes sobre osspectos Processuais da Lei de Execues Penais., in: Execu-o Penal, coord. Ada Pellegrini Grinover., So Paulo, Max Limonad, 1985, p. 15.

  • a) quanto ao excesso de execuo, alm da providncia jurdica bvia de eliminao da medida excessiva ou desviada por exemplo, transferindo-se o preso para unidade compatvel com as exigncias da fase de execuo caber imaginar a viabilidade de pretenses jurdi-cas que no se restrinjam indenizao preceituada no artigo 5, inciso LXXV, da Constituio da Repblica, mas que, aplicando o princpio da proporcionalidade, importem na compensao quantitativa de san-o pela violncia qualitativa constatada. Verdadeira e jurdica reduo da pena. De lembrar que se outro preso, condenado ao mesmo tempo de recluso em regime idntico, vai sofrer uma limitao da sua liber-dade na mesma poro de tempo a ser suportada por este, em visvel excesso, h quebra do princpio constitucional da isonomia, que o Po-der Judicirio no pode deixar de coibir;

    b) quanto aos adolescentes, rompe-se muitas vezes a ideologia do senso comum, que pode inspirar alguns juzes, levando-os a crer na efi-ccia da internao como medida estacionria da situao de conflito. Muitas vezes o carter banal da internao est fundamentado na cren-a em uma eficcia corretiva dela, absolutamente distante da realidade, como demonstra a criminologia. O juiz ao ter contato direto com o cr-cere e com o adolescente em cumprimento de medida em condies concretas, estar melhor instrudo para pesar o que realmente pretende internando o jovem e no se deixar iludir pela denominao comum de Escolas ou Educandrios que muitas destas unidades ostentam.

    Muitas outras questes mereceriam ser enfocadas, mas a limitao de tem-po permite to-s cit-las, para orientar a meditao dos interessados: o cabimento da execuo penal provisria, idealizada tendo em vista interesses reais do conde-nado; a possibilidade jurdica do Ministrio Pblico recorrer a favor do processa-do, durante a execuo; o no cabimento do mandado de segurana para impedir a imediata execuo de deciso favorvel ao condenado; o procedimento do recurso de agravo (semelhante na execuo penal ao do recurso em sentido estrito); o ca-rter jurisdicional pleno da execuo, para englobar a questo das faltas graves e suas conseqncias; a impossibilidade da regresso de regime cautelar (objeto de recente deciso do Des. Valmir da Silva, do Rio de Janeiro); e, finalmente, o deba-te sobre se o preso tem direito a no progredir de regime (por convenincia, segu-rana ou conforto, por exemplo).

    A teoria jurdica pode e deve fornecer os elementos indispensveis construo de um processo de execuo penal mais humanizado e comprometi-do com os fins da sano, reformulando em linhas gerais o atual. J se disse que, embora disponha de duzentos e quatro artigos, a lei de execues penais dedica apenas dezoito ao processo, demonstrando em linhas gerais, como h muito sali-entou Ada Grinover, uma certa falta de ateno da lei para com as garantias processuais das partes e da jurisdio11.

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    GRINOVER, Ada Pellegrini. Anotaes sobre osspectos Processuais da Lei de Execues Penais., in: Execu-o Penal, coord. Ada Pellegrini Grinover., So Paulo, Max Limonad, 1985, p. 15.

  • Temos certeza que a elaborao de um novo processo de execuo, no en-tanto, no suficiente para remodelar as relaes sociais penetradas pelo problema do crime.

    A democracia no processo penal de execuo, preconizada no incio, a ser alcanada, em sntese, por intermdio do reforo estrutura caracteristicamente de acusao, com distribuio rigorosa de funes, e levando em conta no futuro um procedimento oral, ainda que repercuta na mentalidade dos operadores jurdicos de modo a torn-los protagonistas em um enredo de respeito aos direitos funda-mentais, s um dos caminhos em direo ao contexto democrtico mencionado por Lola Aniyar.

    A democracia substancial, que o nosso postulado, acaba algo parecida com a utopia e, como tal, novamente nas palavras de Boaventura de Souza Santos, est a indicar os caminhos a seguir muito embora apenas vislumbre nas sombras de um futuro incerto o lugar de chegada. Semicega a utopia democrtica, diria Boaventura, enxerga o processo de execuo penal carente de mudanas, mas re-clama tambm a democratizao do sistema penal como um todo e a humanizao do controle social hoje extraordinariamente brutal. preciso e urgente redimensi-onar o papel das classes populares em todo o percurso ideal deste sistema. E o fim ou destino desta utopia, gostaramos que fosse a emancipao dos grupos carentes da sociedade. Se semicega a utopia democrtica, quem sabe no tambm semividente e nos indique, ao final, como ponto de chegada e repouso da e-mancipao uma sociedade justa, livre e fraterna. Uma sociedade verdadei-ramente socialista.

    Geraldo Prado Juiz de Direito da 37a Vara Criminal do Rio de Janeiro Mestre em Direito e doutorando Membro do Instituto Carioca de Criminologia, do Instituto Brasileiro

    de Direito Processual e do grupo brasileiro da Associao Internacional de Direito Penal (AIDP)

    Professor de Garantias Constitucionais do Processo Penal nos cursos de Mestrado em Direito das Universidades Estcio de S e Cndido Mendes

    Conferencista da Escola da Magistratura do Tribunal de Justia do Estado do Rio de Janeiro EMERJ