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30 de março de 2016 - NOTÍCIA PESQUISA JOSÉ DE ARIMATHÉIA O professor Pedro Alberto Palma dos Santos, do Departamento de Arqui- tetura e Urbanismo (CTU), defendeu e publicou sua tese de doutorado: “Métrica, proporção e luz: arquitetura sagrada no Brasil”, pela editora Novas Edições Aca- dêmicas, mas prossegue em seus estudos com um projeto de pesquisa em ensino, com participação de duas alunas. O obje- tivo, além de aprofundar o conhecimento da proporção na arquitetura religiosa moderna, é produzir um material didático, ilustrado, para ser usado rotineiramente pelos estudantes de graduação e pós- graduação, com exemplares disponíveis nas bibliotecas da UEL. A pesquisa se debruça sobre quatro igrejas: Mãe do Salvador (São Paulo), Capela de São Pedro Apóstolo (Campos do Jordão), Nossa Senhora de Fátima (Brasília) e Capela do Centro Administra- tivo da Bahia (Salvador). O professor, que há muito tempo se interessou pela Arquitetura e pelo Cristia- nismo, explica que a arquitetura sagrada sempre foi fundamental para narrar a História da Humanidade. Porém, a partir da Revolução Industrial no século XVIII, temas e projetos dessacralizados e racionalistas começaram a dominar a ar- quitetura, até chegar ao Modernismo pós- Segunda Guerra Mundial. Segundo o pes- quisador, como a arquitetura moderna tem um olhar no passado, ela continua a utilizar elementos simbólicos sagrados. Não se trata de um retorno aos estilos do passa- do, mas o emprego do simbólico de forma inédita, numa releitura atual, dentro do con- texto e necessidades contemporâneas. De acordo com o professor Palma, o Modernismo é racional, universalista, e A divina Arquitetura humana Desdobramento de uma tese de doutorado, projeto investiga a proporção na arquitetura religiosa moderna brasileira, e mostra que o simbolismo aparece de forma inédita não deseja, por exemplo, a teatralidade barroca ou a desproporção irracional gó- tica. Os materiais usados contribuem para a dessacralização do projeto. Ainda assim, os “mestres modernos” atuam às vezes de modo que nem esperavam, e uma solução funcional, um projeto de ventilação ou iluminação, numa igreja, acaba baseado no simbolismo sagrado. EXEMPLOS - A capela de Campos do Jordão, um anexo do Palácio Boa Vista, do Governo de São Paulo, é um exemplo. Ela apresenta uma grande laje plana que parece se apoiar apenas em paredes de vidro, quando na verdade ela se sustenta em um pilar central, do qual partem vigas. O professor Palma conta que o arquiteto da capela, Paulo Mendes da Rocha, pensava na passagem bíblica em que Jesus diz a Pedro que erguerá sua igreja “sobre esta pedra”, daí o nome da capela: São Pedro Apóstolo. A interpre- tação pode ser teologicamente discutida, mas o projeto arquitetônico é, sem dúvi- da, baseado no sagrado. Em Brasília, muitas obras de Oscar Niemeyer (que era ateu) possuem rampas de acesso. O arquiteto não pensou apenas em facilitar a entrada, pois a rampa tam- bém tem um simbolismo religioso: quem entra, deve fazê-lo olhando para o chão, prestando atenção onde pisa. Ao mesmo Pedro Palma defende que a arquitetura sagrada sempre foi fundamental para narrar a História da Humanidade Capela Nossa Senhora de Fátima, em Brasília Capela de São Pedro Apóstolo, em Campos de Jordão tempo, é um gesto penitente e de humilda- de diante do sagrado. Embora não esteja no corpus desta pesquisa, o professor cita também a Catedral: para entrar, deve-se descer uma rampa, passar debaixo da terra, num ambiente mais escuro, para depois sair numa “explosão de luz” de um espaço sagrado. Ou seja, uma representa- ção arquitetônica moderna para a morte e a vida na Eternidade. PROPORÇÃO ÁUREA - Palma des- taca que a proporção áurea, uma noção dos gregos antigos para designar sime- tria e proporções belas e agradáveis ao olhar, é bastante explorada pela arquite- tura moderna, mas de forma inédita. “Uma arquitetura feita para o homem”, sintetiza. A Igreja do Centro Administra- tivo da Bahia, em Salvador (projeto do arquiteto João Filgueiras Lima), apresen- ta uma espiral no teto, que remete aos números da proporção áurea, que for- mam uma espiral. Os efeitos desta pro- posta arquitetônica são um dos vários interesses do pesquisador nesta igreja. Segundo ele, a proporção é usada para acolher, e não causar um efeito claustrofóbico. A exemplo das catedrais góticas medievais, ele lembra que muitas igrejas modernas convidam o fiel ou visi- tante a um percurso, rumo ao altar, e as proporções da igreja, arquitetônica e reli- giosamente, influenciam este percurso, levando a percepções de natureza espiritu- al. Mas há exceções: ele cita uma igreja de Cataguases (MG), que apresenta uma ar- quitetura interior claustrofóbica. O professor Palma afirma, enfim, que a arquitetura religiosa não é laica e, mesmo no modernismo, as igrejas são cheias de simbolismo sagrado. “Elas são o lugar que pode levar a pessoa à disposição religiosa, a manifestar a graça divina”, completa.

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30 de março de 2016 - NOTÍCIAPESQUISA

JOSÉ DE ARIMATHÉIA

O professor Pedro Alberto Palma dosSantos, do Departamento de Arqui-

tetura e Urbanismo (CTU), defendeu epublicou sua tese de doutorado: “Métrica,proporção e luz: arquitetura sagrada noBrasil”, pela editora Novas Edições Aca-dêmicas, mas prossegue em seus estudoscom um projeto de pesquisa em ensino,com participação de duas alunas. O obje-tivo, além de aprofundar o conhecimentoda proporção na arquitetura religiosamoderna, é produzir um material didático,ilustrado, para ser usado rotineiramentepelos estudantes de graduação e pós-graduação, com exemplares disponíveisnas bibliotecas da UEL.

A pesquisa se debruça sobre quatroigrejas: Mãe do Salvador (São Paulo),Capela de São Pedro Apóstolo (Camposdo Jordão), Nossa Senhora de Fátima(Brasília) e Capela do Centro Administra-tivo da Bahia (Salvador).

O professor, que há muito tempo seinteressou pela Arquitetura e pelo Cristia-nismo, explica que a arquitetura sagradasempre foi fundamental para narrar aHistória da Humanidade. Porém, a partirda Revolução Industrial no século XVIII,temas e projetos dessacralizados eracionalistas começaram a dominar a ar-quitetura, até chegar ao Modernismo pós-Segunda Guerra Mundial. Segundo o pes-quisador, como a arquitetura modernatem um olhar no passado, ela continua autilizar elementos simbólicos sagrados. Nãose trata de um retorno aos estilos do passa-do, mas o emprego do simbólico de formainédita, numa releitura atual, dentro do con-texto e necessidades contemporâneas.

De acordo com o professor Palma, oModernismo é racional, universalista, e

A divina Arquitetura humanaDesdobramento de uma tese de doutorado, projeto investiga a proporção na arquitetura

religiosa moderna brasileira, e mostra que o simbolismo aparece de forma inédita

não deseja, por exemplo, a teatralidadebarroca ou a desproporção irracional gó-tica. Os materiais usados contribuem paraa dessacralização do projeto. Ainda assim,os “mestres modernos” atuam às vezes demodo que nem esperavam, e uma soluçãofuncional, um projeto de ventilação ouiluminação, numa igreja, acaba baseado nosimbolismo sagrado.

EXEMPLOS - A capela de Camposdo Jordão, um anexo do Palácio BoaVista, do Governo de São Paulo, é umexemplo. Ela apresenta uma grande lajeplana que parece se apoiar apenas emparedes de vidro, quando na verdade elase sustenta em um pilar central, do qual

partem vigas. O professor Palma contaque o arquiteto da capela, Paulo Mendesda Rocha, pensava na passagem bíblicaem que Jesus diz a Pedro que erguerá suaigreja “sobre esta pedra”, daí o nome dacapela: São Pedro Apóstolo. A interpre-tação pode ser teologicamente discutida,mas o projeto arquitetônico é, sem dúvi-da, baseado no sagrado.

Em Brasília, muitas obras de OscarNiemeyer (que era ateu) possuem rampasde acesso. O arquiteto não pensou apenasem facilitar a entrada, pois a rampa tam-bém tem um simbolismo religioso: quementra, deve fazê-lo olhando para o chão,prestando atenção onde pisa. Ao mesmo

Pedro Palma defende que a arquitetura sagrada sempre foi fundamentalpara narrar a História da Humanidade

Capela Nossa Senhora de Fátima, em Brasília Capela de São Pedro Apóstolo, em Campos de Jordão

tempo, é um gesto penitente e de humilda-de diante do sagrado. Embora não estejano corpus desta pesquisa, o professor citatambém a Catedral: para entrar, deve-sedescer uma rampa, passar debaixo daterra, num ambiente mais escuro, paradepois sair numa “explosão de luz” de umespaço sagrado. Ou seja, uma representa-ção arquitetônica moderna para a morte ea vida na Eternidade.

PROPORÇÃO ÁUREA - Palma des-taca que a proporção áurea, uma noçãodos gregos antigos para designar sime-tria e proporções belas e agradáveis aoolhar, é bastante explorada pela arquite-tura moderna, mas de forma inédita.“Uma arquitetura feita para o homem”,sintetiza. A Igreja do Centro Administra-tivo da Bahia, em Salvador (projeto doarquiteto João Filgueiras Lima), apresen-ta uma espiral no teto, que remete aosnúmeros da proporção áurea, que for-mam uma espiral. Os efeitos desta pro-posta arquitetônica são um dos váriosinteresses do pesquisador nesta igreja.

Segundo ele, a proporção é usada paraacolher, e não causar um efeitoclaustrofóbico. A exemplo das catedraisgóticas medievais, ele lembra que muitasigrejas modernas convidam o fiel ou visi-tante a um percurso, rumo ao altar, e asproporções da igreja, arquitetônica e reli-giosamente, influenciam este percurso,levando a percepções de natureza espiritu-al. Mas há exceções: ele cita uma igreja deCataguases (MG), que apresenta uma ar-quitetura interior claustrofóbica.

O professor Palma afirma, enfim, quea arquitetura religiosa não é laica e, mesmono modernismo, as igrejas são cheias desimbolismo sagrado. “Elas são o lugar quepode levar a pessoa à disposição religiosa,a manifestar a graça divina”, completa.