a dica do labirinto
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A DICA DO LABIRINTO:
Considerações profundas sobre a fé e a dúvida
PREFÁCIO
As dúvidas escurecem e esfriam o dia. A névoa paira
sobre todas as coisas e os homens se movem como os
antigos egípcios quando presenciaram a escuridão.
Oh, que esta névoa vá embora! O melhor que podemos
esperar é que a presente melancolia passe bem
depressa, e que a nuvem deixe o seu orvalho nutrindo
uma fé mais sólida e inteligente.
O lamacento ceticismo não deixa ninguém correr, mas
o fraco ainda pode ser alimentado. Os homens que são
muito bons nascem nas colinas e amam o ar fresco das
montanhas da verdade.
Os parágrafos deste pequeno livro não pretendem ser
um exaustivo tratado de defesa da fé, pois meu
objetivo não é o de destruir todos os argumentos do
adversário, mas apenas o de ajudar um amigo. Assim
como eu estive por algum tempo perdido no labirinto
da vida, quem sabe não seria a hora de instruir alguém
que se acha na mesma situação. Espero que através
destas páginas algum coração verdadeiro possa
receber o auxílio necessário para obter forças e lutar
contra suas dúvidas. Não permita que o coração de
ninguém caia, pois o prevalecente ceticismo é apena
um “espectro da mente”. Enfrente-o e ele fugirá.
Um grande poeta forjou a expressão “dúvida
honesta”. E quão avidamente ela foi tomada! A
descrença moderna é tão medíocre de qualidade que
ainda aproveitou esse rótulo para suprir para todas as
épocas a necessidade que tinham de um personagem. É
assim que na debilidade de nossas vozes, nos
levantamos em nome da “Fé Honesta”.
VAMOS VIVER.
A parte mais importante da vida humana não é o seu
fim, mas o seu começo. O dia da nossa morte é a
criança do passado; mas os nossos anos de nascimento
são os senhores do futuro. Na última hora os homens
geralmente trazem à sua cabeceira os pensamentos
solenes que, infelizmente, chegaram tarde demais para
algum efeito prático. O olhar silencioso, reverente e
profundo, tão freqüente nos momentos de partida,
deveria ter vindo mais cedo. Recomendo o exemplo do
rei hebreu que jejuava e vestia trajes de luto enquanto
a criança ainda estava viva. Sabiamente ele
compreendeu a inutilidade do seu lamento após a
morte da criança. “Poderei eu fazê-la voltar?” (2
Samuel 12:16-24) Essa foi uma das mais sóbrias
perguntas. Porém, se consideramos que é algo
desapontador tomar o ferro frio da bigorna, muito
pior é ficar parado olhando a barra quente esfriar.
Por isso, meu irmão, quem quer que seja, se mexa!
COMO DEVEMOS VIVER?
Qual martelo devemos usar? Sim, esta é a questão! Não
é um tipo de pergunta que faço apenas para mim
mesmo, mas por desejar ser um verdadeiro irmão e ter
comunhão com você, meu leitor, eu a faço por sua
causa trazendo uma reflexão a partir de uma oficina
de trabalho. Aqui estão martelos, luz, claridade,
muitas coisas! Veja a marca e a garantia, são novinhos!
O velho ferreiro dali diz que não sabe nada sobre essas
ferramentas. Elas foram deixadas por uma nova
empresa que costuma criar bons produtos. “Pelo
menos”, diz ele, “eles chamam a si próprios de uma
nova empresa, mas acredito que seria melhor se
fossem chamados de ‘a velha empresa com novo
nome’. Eles entraram no mercado com um novo nome,
mas são os mesmos picaretas de antigamente”. Com
seu braço forte e o martelo em mãos, o velho ferreiro
golpeia seu instrumento de trabalho, fazendo sair
faíscas para todos os lados – “Lá”, diz ele, “o velho
martelo me serve melhor”. Você vê, meu bom amigo,
ele é apenas um ferreiro, e não conhece nada melhor.
Algumas pessoas gostam demais das coisas antigas.
Pergunto: Este conservador é mais tolo do que os
aficionados pelas novidades? Pensamos que não!
O velho martelo forja a fé em Deus.
A FÉ OPEROU MARAVILHAS.
A fé trabalha pesado, pois os homens de firmes
convicções moldam o mundo sobre suas bigornas. A
confiança cinge os lombos de um homem, incitando-o a
por nela todas as suas forças. No capítulo onze da
Epístola aos Hebreus, Paulo nos apresenta a lista dos
heróis da fé e erige um Arco do Triunfo à suas
memórias. Os nomes são destacados com fulgor: Abel,
Enoque, Noé, Abraão, e as cenas esculpidas são como
estas: “reinos subjugados,” “fecharam a boca de
leões,” “extinguiram a violência do fogo”. Se os elogios
fazem uma pausa não é porque o assunto acabou,
como ele exclama: “E que mais direi? Faltaria tempo
para falar de Gideão, Baraque, Sansão, Jefté, Davi,
Samuel e os profetas” (Hebreus 11:32).
O QUE A DÚVIDA ALCANÇOU?
Como se explica o fato de nunca terem erguido algum
troféu em honra à incredulidade? Será que o poeta da
infidelidade e o historiador do ceticismo ainda
aparecerão? Em caso afirmativo, qual será o seu
legado? “Trabalho justo” e “conquista de promessas”
estão um pouco além do seu alcance, e não parecem
estar muito susceptíveis a suportar tanto sofrimento
para “alcançarem uma melhor ressurreição”, pois
zombam disso. Os que se ufanam da dúvida teriam
que se contentar com conquistas menores. Mas quais
seriam elas? Pois a incredulidade já construiu algum
hospital ou orfanato? Quais missões para as tribos
canibais ela está sustentando? Quais mulheres caídas
ou homens devassos foram regenerados e feitos novas
criaturas pelo ceticismo?
“Cante, musa! Se for um tema, tão escuro, tão errado,
Pode encontrar uma musa que o agraciará com uma
canção”.
O Milton desse trecho pode muito bem vir a ser como
aquele a quem Gray descreve em sua elégia* como
“mudo inglório”. “Pelos seus frutos os conhecereis”.
Quais são as escapatórias do precioso “pensamento
moderno”, que é, aliás, a nova moda para a
incredulidade? Ouvimos os gritos dos artesãos, que
repetem: “Grande é a Diana dos efésios!” Mas onde
estão os resultados santos e felizes da “crítica
avançada” que é tão solícita a minar os fundamentos
da fé?
* John Milton e Thomas Gray foram escritores da literatura inglesa, tendo destaque na
composição de elegias. Tal Gênero poético se caracteriza, sobretudo pela temática
baseada na tristeza dos amores interrompidos. Surgiu na Grécia no século VII a.C. Em
Roma, influenciou fortemente os poetas da Renascença, um período caracterizado pela
valorização da razão e da experiência em detrimento da religiosidade medieval.
DÚVIDA É ESTÉRIL.
O fato é que a dúvida é negativa, destrutiva e estéril.
Ela não leva ninguém as coisas mais nobres, e ainda
produz na mente humana a falta de esperanças e
aspirações. Ela não é, de modo algum, um princípio
sobre o qual devemos basear a essência da vida, pois
sua força é subversiva, e não construtiva. Um
princípio que não leva a nada além da destruição
universal, da qual o homem comum não encontra
satisfação sob seu governo. E se algumas das noções
religiosas forem apenas mera fantasia, impraticáveis e
imaginárias, então seria bom quebrar esses
enfeitizinhos da casa. No entanto, enquanto o apático
sábio se alegra ao livrar-se do que chamam lixo, não
será fácil varrer todos os minúsculos componentes
desses objetos, seria necessário ter o gênio de um
macaco ou de um touro selvagem pra dar conta disso.
A nossa ambição busca uma região mais elevada na
qual poderíamos construir, em vez de destruir. Desde
que aspiramos à vida digna e útil, ansiamos por uma
força que nos lance para frente e para cima. Aqueles
que preferem fazer isso por conta própria podem
duvidar, duvidar e duvidar até a última gota, mas a
nossa escolha é encontrar a verdade e crer nela,
porque isso seria a nossa força vital. Alguns não
partidários ainda tiveram a audácia de pregar um
evangelho de “dúvida e vida”, porém a dúvida que se
apresentou foi semelhante à morte. Nós, porém,
preferimos a mensagem do céu: “crer e viver”.
A AUTOCONFIANÇA E UMA
CONFIANÇA MELHOR.
Em certo sentido, a autoconfiança pode ser
compreendida como uma virtude moral devidamente
estabelecida. A observação e a experiência mostram
que ela é uma força considerável no mundo. Aquele
que a si mesmo se questiona e não conhece sua própria
mente, hesita, treme, falha e fracassa, pois sua
desconfiança ocasiona a sua própria decepção. Por
outro lado, a auto-confiança do indivíduo o leva a
esperar, considerar, planejar, resolver, empreender,
perseverar e ter êxito: sua segurança da vitória é uma
das principais causas do seu triunfo. Um homem que
confia em sua própria capacidade gradualmente
convence outros de que sua estimativa está correta, a
menos que seja alguém completamente fútil. Embora o
auto-conceito e a falta de modestia muitas vezes agem
forçadamente, tal como uma bebida pode ser um
instrumento de coragem, todavia, eles certamente
possuem o seu valor. A essência da questão é que um
certo tipo de confiança é extremamente necessária
para a realização de nossos desígnios; e, em toda e
qualquer situação, desconfiança ou dúvida são fontes
de fraqueza. A fé que temos, portanto, ao invés de nos
levar à dúvida, é a mola propulsora de nossa vida.
CONFIANÇA EM DEUS – NOSSO
PRINCÍPIO DE VIDA.
Agora, se a auto-suficiência pode transformar um
homem, quanto mais a confiança em Deus! Este último
é ainda mais justo, humilde, nobre e seguro. Nossas
próprias forças alcançam apenas certa distância, e não
mais. Todos nós temos restrições, e não podemos ir
além dos nossos limites. O poder de Deus, porém, é
ilimitado, imutável e, portanto, aquele que põe nele a
sua confiança tem sobre si uma força
incomparavelmente superior a qualquer outra. Em
todos os sábios propósitos em que se empenhar, não
precisará medir a suas forças, pois toda a Auto-
Suficiência lhe estará disponível. A sublimidade do
Poder de Deus, o qual o acompanhará por toda a
eternidade, provará ser suficientemente grande para
todas as suas necessidades. Não é pouco o benefício de
confiar em alguém que pode dia-a-dia aumentar a sua
confiança e não expô-lo ao perigo de tê-la em excesso.
A DEPENDÊNCIA SEMPRE CONTRIBUI
PARA O BEM.
Os resultados morais de uma vida de confiança em
Deus são notáveis. Por estabelecer uma vida de firme e
sincera confiança em Deus, o homem de sucesso não
anda em vão, pois toda honra a dá Aquele em quem
confiou. E ainda que sofra uma terrível derrota
enquanto está sob a dependência do braço divino, ele
não é esmagado pela catástrofe, pois seu fracasso
implicaria em mais desonra a Deus do que a si mesmo.
Por outro lado, morrer por causa de sua grande fé em
Deus seria algo muito sublime. Entretanto, qualquer
que seja o caso, tanto no sucesso quanto no fracasso, a
influência da fé no Deus vivo será sempre benéfica.
Independentemente do que a fé em Deus nos
proporcione, o fato é que ela sempre nos conduzirá ao
caminho de vida mais digno, no entanto, cada um deve
provar isso por si mesmo. É razoável que o homem
que confia no seu Criador se beneficie muito disso. Por
tantos momentos de regozijo já desfrutados, alguns de
nós se encontram tão seguros da excelência de sua fé
que chegam até mesmo a esperar com prazer os altos
riscos que advirão das próximas experiências. Nós
deliberadamente dizemos: “Minha alma, espera
somente em Deus, porque dele vem a minha esperança”
(Salmos 62:5).
CETICISMO – UMA CONQUISTA NÃO
MUITO GRANDE.
Foi dito corretamente: “Nada é mais fácil do que
duvidar. Um homem de capacidade ou aprendizagem
mediana pode duvidar mais do que o mais sábio dos
homens acreditar”. A fé exige conhecimento porque é
uma graça inteligente, capaz e ansiosa para se
justificar; mas da infidelidade não é requerida uma
razão para a sua dúvida, pois a atitude arredia e a
rudeza de palavras atendem a esse propósito tão bem
quanto um argumento. Na verdade, o ápice da atual
descrença é o não saber nada, e o que é isso senão a
apoteose da ignorância? Grande é a glória do não
saber nada!
Um homem pode deslizar na insensibilidade do
Agnosticismo e mesmo abatido permanecer ali.
Acreditar, porém, é estar vivo tanto para o conflito
quanto para a vigilância. Aqueles que pensam que a fé
é um negócio meramente infantil terão de fazer
progressos consideráveis para o amadurecimento
antes de serem capazes de testar a sua própria teoria.
Devemos preferir a dúvida porque ela está tão pronta
à mão ou vamos buscar a verdade ainda que tenhamos
de mergulhar como os pescadores de pérolas? Isso
dependerá da mentalidade de cada um, pois
escolhemos as regras de nossa vida de acordo com o
espírito que está em nós. Uma alma corajosa não vai
seguir comodamente o desprezível caminho de muitos,
mas aspirará aos caminhos mais elevados, ainda que
sejam os mais difíceis.
FÉ NO INVISÍVEL.
É um absurdo supor que devemos limitar a nossa
confiança apenas às regiões alcançadas pelos nossos
sentidos. Ninguém viu, ouviu ou provou a maioria das
forças conhecidas. Vapor, eletricidade, gravitação e o
resto dos gigantes são invisíveis. A terra é preservada
em sua órbita por forças que não podemos
compreender. “Ele suspende a terra sobre o nada” (Jó
26:7). Os poderes visíveis são os de menor categoria ou
os mais insignificantes, pois podem ser medidos pela
capacidade humana.
Tomemos uma ilustração da vida cotidiana: o velho
provérbio latino diz que a marca do homem pobre é
que ele pode contar o seu rebanho. As poucas libras
que tem guardadas, o artesão pode manuseá-las a hora
que quiser, mas o grande banqueiro nunca viu os seus
milhões, e as provas de que os possui estão em certas
obrigações e contas nas quais deposita inquestionável
confiança. Ele é rico pela fé! E dificilmente poderia ser
muito rico se sua riqueza estivesse restrita apenas as
coisas que lhe fossem visíveis.
Para ter uma vida de excelência, o homem deve
confiar em uma grande força, a qual deve ser extensa,
invisível e além de sua compreensão. Isso certamente
seria muito difícil para um homem puramente
racional. Se em algumas circunstâncias devemos
depender exclusivamente de forças que ultrapassam a
nossa visão, por que também não repousamos no Deus
Eterno com relação as demais circunstâncias? A
prática de confiar em um poder superior provará ser
elevada e ajudará a nos elevar acima do maçante nível
do materialismo. Não poderia o hábito, se buscado na
vida, ser a melhor preparação possível para a morte,
que, segundo o julgamento de tantas pessoas, é uma
peregrinação a uma terra escura e desconhecida? O
cego é tão bom na escuridão como aqueles que têm
seus olhos, ou melhor, seu hábito de encontrar seu
caminho no escuro faz dele o melhor dos dois. Se,
portanto, a fé nos ensina a ir onde a visão não pode ir,
seremos os mais preparados para ver essa esfera que o
olho mortal não consegue vislumbrar.
O certo é que, se nós seguirmos a Deus pela fé, não
ficaremos afligidos por causa de sua aparente ausência
e invisibilidade real, pois, como o cão, que caça pelo
faro, não precisa ver o seu brinquedo, assim o que
segue o caminho de obediência, pela fé, não terá
necessidade de procurar sinais e símbolos, pois sua fé
lhe fornece segurança.
DEUS PODE SER CONHECIDO.
Tem-se dito por aí que Deus não pode ser conhecido.
Ora, aqueles que fazem tais alegações afirmam que
não conhecem nada além de alguns fenômenos, e por
isso, em sua sinceridade, são obrigados a admitir que
não sabem se Deus pode ou não ser conhecido. Logo,
já que esses tais confessam que não sabem nada do
assunto, não deverão ficar ofendidos se os deixarmos
de fora de nossa consideração.
Aquele que fez o mundo é certamente um Ser
inteligente, na verdade, a maior inteligência, pois as
suas obras manifestam de inúmeras formas a presença
de pensamento e conhecimento profundo. Lord Bacon
disse: “Prefiro acreditar em todas as fábulas do
Talmude e do Corão, do que acreditar que a composição
do universo veio a existir sem Uma Mente”. Sendo
assim, e tendo isso em mente, compete a nós
conhecermos a Deus da seguinte maneira: Dispondo-
nos a confiar nele! Aquele que fez todas as coisas é
indubitavelmente muito mais confiável do que todas as
coisas por ele feitas.
Seria por demais estranho uma mente que não se
permite conhecer: tão estranho quanto o fogo que não
queima ou a luz que não brilha. Seria muito difícil
acreditar no eterno e solitário confinamento do Ser
que fez o mundo.
FÉ EM DEUS É PERMITIDA.
Um homem pode confiar em Deus? Há uma outra
pergunta que responde essa questão. Por que uma
criatura não confiaria em seu Criador? O que a
impediria disso? Essa confiança deve ser honrosa
tanto para o homem quanto para o seu Criador,
segundo a necessidade de um e a natureza do outro.
Quem, através de uma pesquisa detalhada, poderia
encontrar o menor traço de razão para não confiar no
Deus vivo?
A EXISTÊNCIA DE DEUS NÃO É
EVIDENTE?
A existência de Deus é algo incerto? Claro que não!
Nós a temos como um fato comprovado e acima de
qualquer suspeita. Para a mente sincera, não infectada
por objeções banais, mas que raciocina com
honestidade, a existência de um trabalho confirma a
existência de um trabalhador, tanto quanto um
projeto necessita de um designer e o pensamento exige
que alguém o tenha pensado. Agora, se estivéssemos
num deserto com Mungo Park*, um pouco de musgo
seria argumento suficiente para provar que Deus
estava lá; ou mesmo o fato da areia estar sob os nossos
pés e o sol sobre nossas cabeças seriam suficientes para
evidenciar isso. Todavia, morando numa ilha justa**,
repleta de todas as formas de vida, podemos apenas
contar com provas da Divindade à medida que haja a
diversidade dos objetos da visão, audição, paladar e
olfato. Isto, naturalmente, é chamado de “um mero
chavão”, mas, com a permissão dos cavalheiros, seu
Latim não faz a menor diferença para a absoluta
veracidade do argumento.
Se mais provas fossem oferecidas, eles, sem dúvida, as
recusariam do mesmo jeito, porém epítetos
desdenhosos não são respostas para o raciocínio justo.
Entendemos que uma simples evidência sonora é
melhor do que vinte evidências defeituosas; e se isso
não os convencer, nem mesmo uma legião o faria. Os
sábios franceses, em rota para o Egito, perturbaram
Napoleão requerendo-o que negasse a existência de
Deus, mas seu intelecto astuto não se deixou levar.
Conduziu-os até uma plataforma, e, apontando para
as estrelas, perguntou: “Quem fez tudo isso?”
* Explorador escocês na África (1771-1806).
** Como Spurgeon era britânico e vivia na Inglaterra, certamente a ilha que ele tem em
mente é a Grã-Bretanha, a qual abrange a maior parte do Reino Unido. Ao se referir à
ilha “ilha justa”, é possível que ele esteja sendo irônico.
DÚVIDAS EXECUTADAS
LOGICAMENTE.
A dúvida quanto à existência de um Deus, para
terminar a sua carreira legítima, só possui um
caminho curto a percorrer. Nenhum homem que
acredita que tem uma alma pode dar melhor prova de
seu estado mental do que a que podemos dar da
existência de Deus. Deixe-o experimentar! Ele afirma
que sua própria consciência é uma prova de que está
vivo. Nós respondemos que pode ser uma prova muito
boa para si mesmo, mas que pode não significar nada
para nós, e que nenhum homem racional tentaria usá-
la dessa forma. O nosso amigo responde: “eu trabalho,
e meu trabalho demonstra que eu estou vivo”.
Precisamente, e as obras de Deus também
demonstram que ele está. Rapidamente responde:
“Mas você me vê trabalhar, e você não vê Deus”. Ao
que respondemos: “Nós de maneira alguma o vimos
trabalhar: o seu corpo não é você mesmo e nunca vimos
o seu verdadeiro “eu”. Sua mente executa seus objetivos
por meio de seu quadro externo e vemos seus membros
em movimento, mas a alma que os move está além da
visão, ela é um mistério dos mistérios e, como uma
subsistência espiritual, assim como a mente, deve ser
capaz de operar sobre a matéria”. A impressão inicial
da mente sobre a matéria é um segredo que nenhum
mortal revelou. Você não pode provar para outro
homem a existência de sua alma, exceto pelos mesmos
argumentos que provam a existência de Deus.
Se você abrir suas asas para um vôo de dúvida, deve
ser corajoso o suficiente para voar até à Última
Thule*. Dúvidas sobre a sua própria existência;
dúvidas sobre a dúvida; dúvida sobre a existência de
alguma coisa que você duvida; dúvida sobre se há
alguma coisa para ser posta em dúvida. Um Agnóstico
ferrenho não deve ter a certeza de que é um agnóstico,
de fato, nem deve ter muita certeza sobre quem ele
mesmo seja, ou de que ele seja alguma coisa.
* Nas fontes clássicas, Thule é um lugar, geralmente uma ilha. Na geografia medieval,
“Última Thule” pode também denotar qualquer lugar distante localizado além das
“fronteiras do mundo conhecido”.
SEM ALMA.
Certo pregador fez o melhor que pode para o bem do
seu auditório, mas um dos seus ouvintes se aproximou
dele e disse de um modo áspero: “Sua pregação é inútil
para mim. Eu não acredito que tenho uma alma e não
quero perder tempo conversando sobre coisas
imaginárias do além: vou morrer como um cão.” O
ministro respondeu calmamente: “Senhor, eu,
realmente, falhei devido a uma má compreensão. Dei o
meu melhor para o bem de todos, mas eu não imaginava
que encontraria pessoas sem alma. Se eu soubesse que
estariam presente criaturas que não tinham alma e que
iriam morrer como cães, eu teria providenciado uma boa
porção de ossos para eles”. “Brincadeira”, diz um.
“Senso-comum”, dizemos nós. Quando lidamos com o
ludibriante sarcasmo, que tipo de gentileza podemos
esperar de pessoas que manifestam uma compreensão
tão degradante de si mesmas? Certamente ninguém
precisa se preocupar com eles. Eles confessam sua
própria incapacidade de nos ajudar, e implicitamente
admitem que não somos obrigados a aceitar suas
colocações. “A luz não existe,” alguém assevera, “pois
não tenho olhos para vê-la”. Existe algum argumento
para isso? Não, pois apesar de nos compadecermos de
alguém que está cego, não podemos conceder algum
peso as suas opiniões sobre ótica e cores. Seres sem
alma podem asseverar quantas filosofias desejarem e
suas opiniões podem ser tão interessantes quanto
curiosas, mas não podem de forma alguma influenciar
os homens com alma.
DEUS EM NOSSA ESFERA DE VIDA.
Quando confiamos em Deus, nós não estamos
exercitando uma dependência ilusória sobre um poder
distante e inativo. É perguntado se Deus sempre opera
em nome daqueles que confiam nele, e é sugerido que
ele está ocupado demais e não pode dar muita atênção
aos pequenos cuidados das pessoas. Obviamente isto é
um erro! A obra de Deus está em nossas portas e em
nossos quartos, sim, em nossos corpos e mentes. O pai
da criança está muito ocupado, mas está ocupado no
quarto em que se encontra seu filho necessitado, e por
isso ele está onde se deseja que ele esteja.
O discurso comum é sobre “As operações da
Natureza”. Mas, senhor, o que é Natureza? O
cavalheiro que havia usado o termo olha em volta com
surpresa. Ele deu uma gaguejada e balbuciou, dizendo
o que todos já sabiam. “Ora”, diz ele, “é muito fácil, a
Natureza é… a Natureza é a Natureza”. Na verdade,
quem, de fato, trabalha é o próprio Deus, e outra força
com o seu poder está longe de ser encontrada. Os
movimentos em torno de nós não são produzidos por
leis, como os simplistas dizem. As leis não fazem nada,
elas não passam de métodos, os quais são observações
do trabalho do grande Criador, pois Ele mesmo foi
quem fez todo o trabalho. Assim, podemos confiar
nEle para trabalhar para nós, pois é Ele quem está
trabalhando em tudo ao nosso redor.
RESPOSTAS DO GRANDE DEUS À FÉ.
No mais, do chão da nossa insignificância, não
podemos nos recusar a pôr a nossa confiança em Deus,
pois não é concebível que alguma coisa seja pouca
demais para Ele. As maravilhas que nos fornecem o
microscópio são tão marcantes quanto as do
telescópio. Logo, nós não podemos definir para o
Senhor limites maiores em uma direção do que em
outras, pois Ele pode e há de manifestar a sua
habilidade na vida de um homem da mesma forma
como o faz através do circuito de um planeta.
Testemunhas estão vivas para testificar das obras do
Senhor, o qual tem revelado o seu braço em nome
daqueles que nEle confiam. Qualquer um pode testar
esse princípio por si mesmo, e é notável que ninguém
tem feito isso em vão. Não existem razões em sua
natureza pelas quais Deus não deva responder à
confiança de suas criaturas, pelo contrário, há muitas
razões para que Ele responda. Em qualquer caso, na
medida em que somos afligidos, estamos prontos para
colocar as nossas preocupações à prova e deixar que
essa experiência dure por toda a vida.
POR QUE DEUS NÃO É INVOCADO?
Não parece estranho que são poucos os que anseiam
por amorosamente ligarem suas vidas a Deus pela fé?
Por que será? O moralista severo prontamente
responderia: “Porque eles não têm nenhum desejo de
levarem uma vida com a qual poderiam ter alguma
relação com Deus.” De fato, esses são os que não
buscam a pureza, a verdade, a justiça e a santidade,
tanto quanto o poder de Deus que neles trabalha. Sem
dúvida este é o caso, mas que isto não se aplique a nós!
A virtude é tão admirável que nós não podemos
esgotá-la. E o fato do poder divino nos conduzir em
direção à bondade é um dos principais atrativos aos
olhos dos homens sensatos.
NÃO DEVEMOS DESANIMAR!
Eventualmente pode haver alguns que não são tão
contrários à bondade quanto desânimados em
conquistá-la. Isso pode ser útil para esses refletirem
que, quando Deus está interessado em um assunto, o
desânimo fica fora do tribunal. Neste caso, sem
dúvida, devem se engajar, pois Deus pode tornar puro
os mais imundos, uma vez que Ele é capaz de fazer
todas as coisas. É chocante recusar-se a confiar em
Deus pelo simples fato de que não desejamos ser
puros. É uma desonra para a sua glória quando
fraquejamos em confiar no poder que Ele tem de nos
levantar porque ainda nos achamos demasiadamente
injustos. Deus é bom, e por essa ser uma virtude de um
ser bom é que Ele deseja ajudá-los a serem bons. Deus
é onipotente, e seu poder governa o mundo da mente e
da matéria. Está claro que tanto a vontade quanto a
habilidade se unem em Deus a favor do objeto de
nosso desejo, ou seja, a pureza e o propósito de nossas
vidas. Portanto, podemos com muita espontaneidade
voarmos para Ele e descansarmos em Sua esperança.
OUTRAS CAUSAS DA DESCRENÇA.
No seu íntimo, todos os homens depositam a sua
confiança em alguma coisa, ainda que recusem confiar
em Deus. Eles fazem a si mesmos deuses, repousando
em sua auto-suficiência. Aquele que nunca viu o seu
rosto pode facilmente acreditar na sua inigualável
beleza, ainda mais se for auxiliado por bajuladores.
Então, um homem que não conhece o seu próprio
coração pode facilmente formar uma opinião muito
elevada de sua própria excelência e encontrar
demasiada confiança em sua sabedoria, a qual irá se
expandir como uma planta de rápido crescimento.
Este é um dos piores inimigos da fé, pois aquele que
sempre confia em si mesmo não tem paciência quando
o assunto é a própria fé em Deus. Por ser muito
refinado, ele relega aquilo que é humilde aos
subalternos. Seu domínio próprio é perfeito, seu
julgamento é infalível, sua apreciação do moralmente
belo é completamente sofisticada. Ele é um homem
auto-criado, sendo, ao mesmo tempo, a sua própria
Providência e Recompensa.
“O homem é um tolo!” Mentes rápidas e sensatas
falam impacientemente e suas gélidas observações do
amor confirmam, com tristeza, o seu veredito. Nós,
com quem o leitor agora compartilha, não somos
grandes e infalíveis em nosso auto-governo. Tememos
que nossos apetites e paixões carnais possam nos trair;
que nossa razão venha a nos desencaminhar; que
nossos preconceitos nos aplaquem; que nosso ambiente
nos faça tropeçar. É dessa forma que deliberadamente
desejamos fixar os nossos olhos naquele que é Forte a
fim de encontrarmos força e podermos lançar a nossa
loucura sobre a sabedoria do Eterno. É claro que não
se deve esperar imitadores entre os vãos dos gloriosos,
dos fúteis e dos iludidamente perfeitos.
O DESPREZO.
A zombaria não passa de miséria e insignificância. Ela
não nasce no peito dos bons homens e os mais sábios a
desprezam quando essa os importuna. Ela não quebra
nenhum osso e os homens de coragem dão risadas
dela. No entanto, quando atinge os mais fracos é uma
terrível arma de guerra, e o pavor dela tem feito mais
covardes do que o rugido do canhão.
Quando as pessoas desprezam a fé em Deus tornam-se
miseráveis, beirando o mais alto grau de imbecilidade.
Ao confiarmos em um charlatão somos perdoados,
mas ao confiarmos no Todo-Poderoso somos
insultados. Pessoas que nunca questionaram a sua
própria sabedoria riem com desdém daqueles que
descansam na sabedoria do Senhor. Em tais casos,
porém, deveria ser fácil para um homem de bom senso
se postar com bravura. Rir de uma criatura por crer
em seu Criador é desprezar o argumento mais simples
da razão. É como contestar uma hipótese óbvia ou
atacar uma evidência. É como ridicularizar um
homem de precisão matemática pela honestidade; ou
desprezar um engenheiro por confiar nas leis da
gravidade; ou escarnecer de um agricultor por esperar
o retorno de sua colheita. É claro que se os homens
gostam de serem escravos, eles darão ouvidos à
zombaria dos tolos, porém nós escrevemos para
homens que podem dizer de coração:
Direi que preferira não viver, a viver sempre com medo
de um ser tal como sou*.
* Julio César – William Shakespeare – Ato 1, Cena 2.
UM MAIOR CONHECIMENTO DE DEUS
É DESEJÁVEL.
Um homem deve estar disposto a por a sua confiança
em Deus, porém, para isso, a sua fé deve estar muito
bem alicerçada sobre o seu conhecimento. É quase
impossível ter confiança num Grande Desconhecido. A
variedade e a amplitude de nosso conhecimento de
Deus ajudará a fé a se sustentar diante de situações em
que um conhecimento restrito excluiria a sua
praticidade. O que percebemos pela Criação pode
muito bem nos levar a confiar no poder de Deus, se
pudéssemos ter a certeza de que isso seria exercido em
nosso favor. No entanto, qual a dúvida quanto a esse
ponto? O que observamos pela Providência pode
razoavelmente nos levar a uma dependência da
bondade divina, a menos que por algum motivo se
torne necessário que ela seja retida. Isto um homem de
consciência não pode considerar como algo totalmente
improvável. Se o nosso conhecimento de Deus se limita
a sua grandeza, bondade e sabedoria, já estamos em
uma condição incômoda, pois ainda não alcançamos
de modo pleno essa qualidade divina, a qual poderia
satisfazer uma certa inquietação entre os que
começam a ser feridos pela consciência. Tendo em
nosso coração a suspeita de que não somos tudo o que
devemos ser, precisamos conhecer muito mais a Deus
se quisermos desfrutar de uma confortável confiança
nele.
QUANTO MAIS HÁ PARA SER
CONHECIDO?
É certo afirmar que quanto mais conhecemos a Deus
mais fácil será confiar nEle. O caráter daquilo que
pode ser conhecido excede em muito o prazer por
tatear o desconhecido. Mas de que forma podemos
obter mais conhecimento? Nós podemos a partir da
natureza tocarmos na natureza divina? Talvez! Mas
seria muito mais eficaz se a natureza divina viesse até
nós, e Ele mesmo se revelasse. Nenhum homem pode
ser completamente conhecido através de suas obras,
muito menos Deus. O universo de Deus é tão vasto que
se pudesse ser verificado para se obter uma
compreensão total de si mesmo, isso ficaria muito além
de nossa capacidade. Como nós podemos conhecer
tudo o que o universo ensina? As obras de Deus são
extensas demais para um conhecimento completo.
Então, como podemos aprender a multiforme
sabedoria revelada? Se elas fossem réplicas nós
poderíamos aprender tudo em sua singularidade, mas
como são infinitamente variadas, nossa capacidade
torna-se limitada, exigindo a necessidade de
condescendência divina que mediante síntese se
comunique de forma adequada à nossa natureza.
DEUS SE REVELA.
Deveria ser a coisa mais natural para uma criatura
inteligente confiar em seu Criador, e se fosse o caso de
obter um conhecimento de Deus que vá além das vias
naturais, não seria razoável supor que o sábio e
benevolente Criador capacite suas criaturas
inteligentes a conhecê-lo, pelo menos no que se refere
aos propósitos da fé? Se fosse essencial para o bem-
estar de seus subordinados que o rei lhes fosse
pessoalmente conhecido, nós não poderiamos conceber
que um bom rei se prive completamente do seu povo
ou que se feche inteiramente de sua vista, recusando
dirigir-se a eles. De fato, a glória de Deus não necessita
da observação humana, nem podemos supor que os
seus motivos sejam egoístas na busca por ser
conhecido, mas desde que a débil condição humana
exija a revelação divina, não é irracional esperar que o
Único que é supremamente bom permita fazer-se
conhecido. Pelas rochas, árvores e animais, a
manifestação de Deus em suas obras de Providência,
ao sustentá-las, dá-las fecundidade ou alimento é
abundantemente suficiente, ou melhor, mais do que
suficiente, mas para as mentes inteligentes deve haver
uma manifestação de Deus na alma, no espírito, pois,
do contrário, a fé em muitos aspectos seria impossível
e à alma restaria apenas o desamparo. Pois se
fossemos rejeitados pelo trabalho de suas mãos jamais
poderíamos esperar a infinita bondade.
UMA PALAVRA – REVELAÇÃO.
A linguagem é o melhor meio de comunicação entre
duas pessoas, por isso, é normal que Deus use o melhor
meio para se comunicar, e que, especialmente, faça
isso através de palavras. Apesar de restrita, a
linguagem escrita é o meio mais preciso e o que melhor
resiste ao tempo; é assim que em todos os sentidos e
entre todos os meios discursivos disponíveis seria esse
o mais provável para que o Deus Infinito utilize para
se comunicar com homens finitos a fim de preservar o
conteúdo de sua mensagem. Sobre isso, devemos
esperar que os escritos divinos cheguem até nós a
partir de uma ordem processada completamente de
acordo com a vontade de Deus, os quais jamais
imporiam sobre nós qualquer inquietação proveniente
de elementos de confusão ou anormalidade.
Dificilmente poderia pertencer a um vigoroso
trabalhador uma mente completamente trancafiada
em si mesma, pois o que ele faz deve ser bem claro em
termos de propósitos comunicativos. Da mesma forma
devemos esperar isso de um Deus tão criativo e excelso
como o nosso, o qual anela por estabelecer diálogo com
nossas mentes, mesmo que sejamos inferiores e a ele
subordinados, especialmente no que se refere a um
tema tão necessário como o da natureza divina e suas
ordenanças. Ninguém espera ouvir de um grande
artista que ele é um eremita; no entanto, tais são as
qualidades do Grande Trabalhador que Ele é aquele
que produz um amigo, um irmão, um pai, é assim que
podemos esperar que o Criador seja comunicativo. De
fato, um sábio trabalhador pode até mesmo não falar,
pois poderá ser que ele tenha alguma deficiência
auditiva ou visual, mas esse não seria o caso daquele
que criou todos os ouvidos e línguas de todos os
homens.
O LIVRO DEVERIA SER EXAMINADO.
Se não fosse nada mais do que um rumor pairando
sobre uma sociedade respeitável de que um livro que
fora inspirado por Deus como revelação de seu
próprio caráter, pensamentos e vontade estivesse
disponível, certamente um homem honesto e desejoso
de viver dignamente examinaria o quanto antes e com
muito cuidado esse tão crucial escrito. O venerado
livro que nossos pais reconhecem como a Palavra de
Deus tem sido aceito como tal por um vasto número de
sábios, homens justos que não podem tratá-lo como
algo qualquer. Este livro trata de assuntos anteriores
ao surgimento do mundo e com muita reverência tem
sido recebido por muitos dos mais nobres homens de
todas as épocas.
OS EFEITOS DO LIVRO.
Os efeitos que a Bíblia tem produzido entre as nações
que se submetem a sua autoridade são notáveis,
mesmo entre aquelas que lhe rendem uma obediência
parcial: elas estão muito à frente daquelas que lhe dão
um lugar apenas secundário, e nem mesmo podem ser
comparadas com aquelas que nem sequer estão
familiarizadas com ela. O benéfico resultado desse
livro em nossos dias de brutais desafios está fora de
cogitação. Ninguém pode duvidar de que as ilhas dos
mares do sul foram resgatadas da pior selvageria pelo
ensino deste volume. De fato, não temos ouvido ainda
de que algum outro livro tenha produzido tal efeito, e
assim somos atraídos pelos inegáveis resultados de sua
influência, tanto nas eras antigas como em nossos dias.
É muito comum nos depararmos com pessoas que
tiveram seu caráter completamente transformado pela
leitura desse livro; e mais fácil ainda é encontrarmos
aqueles que reinvindicam que têm nesse livro o seu
conforto para todas as circunstâncias, o seu norte para
todas as dificuldades e o seu inestimável alimento para
a alma.
Muitos outros livros foram calorosamente elogiados
por seus leitores, mas nós jamais encontramos algum
que tenha impulsionado a um tão frequente
entusiasmo e a um tão devoto zelo como a Bíblia; nem
temos ouvido de qualquer outro que responda a tantas
e tão profundas questões da vida humana.
VENDO POR SI MESMO.
Nós não estamos exigindo demais quando requeremos
que cada um leia a Bíblia por si mesmo. Ao
experimentar um livro que professa ser a revelação da
mente de Deus, agiríamos indignamente se
confiássemos a outros aquilo que poderíamos fazer.
Informações de segunda mão carecem de segurança e
vivacidade, o que torna uma investigação pessoal
muito mais proveitosa. Alguém que é considerado
superior intelectualmente que descarte de vez um
debate com um veredito final ou que interrompe
precocemente uma argumentação não é assim tão
culturado como se poderia imaginar. Por acaso nossa
sabedoria decide algum assunto antes de ouví-lo?
A natureza exige árdua e perseverante atenção
daqueles que são verdadeiros cientistas, assim também
a Palavra de Deus merece que seu conteúdo seja
investigado com reverência. Por que não deveriam as
Escrituras serem estudadas com profundidade?
Mesmo como mera literatura ela já recompensaria o
cuidado de um estudioso. É parte da vida de um sábio
procurar com calma e sinceridade os mais importantes
escritos, os que são apreciados pelas principais mentes.
A voz que gritou para Agostinho, “Tolle: lege” (“Pega
e lê”), não ressoou nenhum som de loucura. Tomar e
ler um bom livro jamais seria de prejuízo para
alguém.
A LEITURA QUE O LIVRO MERECE.
Seria algo vergonhoso utilizar críticas de segunda mão
para distanciar as pessoas de conhecerem a Bíblia.
Logo, esse Livro não deve ser lido apressadamente,
pois isso não seria justo para um autor que
cuidadosamente delineia assuntos tão sérios. Somente
os tolos fariam isso, desprezando um livro que tem
sido reverenciado pelas mentes mais brilhantes.
Ler o Livro é sentir que ele é repleto de poder.
Somente alguém deliberadamente pervertido
recusaria tal veredito, ainda que odiando-o. Isto tem
sido mais considerado do que seus oponentes poderiam
imaginar. Sua contraposição é apenas a verdade
bíblica de ponta-cabeça e, portanto, deve sua origem
ao próprio livro atacado.
Um ponto importante que ainda pode ser mencionado
é sobre o fato de que aqueles que mais amam este livro
são os que mais o lêem e, como sempre acontece,
aqueles que mais se empenham a estudá-lo, o
conhecem apenas superficialmente.
ALGO MAIS DO QUE UMA LEITURA
CONVENCIONAL.
Muito da instrução contida no universo material pode
ser discernida pelos olhos atentos de um observador,
mas uma outra parte de seus segredos nenhum homem
pode discernir, além de que muito experimento
científico autêntico seria necessário para se chegar a
uma descoberta. Um químico, por exemplo, adquirirá
pouco conhecimento se não estiver envolvido em testes
e pesquisas. Por isso, na busca pela verdade não
devemos nos limitar a uma mera leitura: se as
Escrituras pedem que a testemos ou a
experimentemos, sempre que for razoável, devemos
estar preparados para realizar isso, nos submetendo
aos processos por ela requeridos. Professores cristãos
por toda parte nos dizem que a religião da Bíblia não
pode ser conhecida exceto pela experiência, e essa
afirmação não é tão diferente do que diz o químico
quando nos leva ao laboratório e aos testes que
comprovam seus experimentos. Não obstante, para
sermos capazes de confiar em Deus nós devemos
conhecê-lo; e para obter tal conhecimento devemos
ansiar por uma revelação. Dada a revelação, isto exige
que a deixemos transformar a nossa mente:
Haveremos de retroagir? Não! Se há uma verdade
para ser conhecida, nós buscaremos conhecê-la; se há
uma vida para ser recebida, nós a receberíamos; se há
um caminho perfeito para ser percorrido, nos
seguiríamos por ele.
ESTILO DO LIVRO.
Aquele que inicia a leitura da Bíblia pelo Evangelho de
João se depara com as seguintes palavras: “No
príncipio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o
Verbo era Deus”. Alguém culturado intelectualmete e
de espírito sincero ficaria pasmo com essa linguagem
de significativa simplicidade e insondável
profundidade. Pouco importa de onde a leitura
começa, basta deixar o Livro como que por acaso cair
aberto e a sua majestade singular poderá ser
descoberta. Ele é único! Embora os muitos livros que
compõem essa biblioteca chamada Bíblia tenham sido
escritos por uns quarenta ou mais autores, e cada um
deles tenham a sua própria expressão idiossincrática,
ainda assim o estilo de sua obra como um todo
permanece único. De fato, é algo singular que a
unidade e harmônia da obra sejam tão eminentemente
preservadas em meio à pluralidade de vozes.
Eu me aventuro a dizer que o estilo da Bíblia é, per si,
completamente inimitável. Seria impossível alguém
compor um complemento para o Pentateuco, ou ditar
outro Evangelho, ou mesmo escrever outra Epístola.
Houveram tentativas disso antes, mas não foi possível
ludibriar os leitores das Escrituras, apesar de que
falsificações de seus grandes autores foram comuns e
alguns deles chegaram até a incomodar. Não obstante,
a igreja rejeitou todas as tentativas de forçar a
inserção de livros apócrifos com muito menos
dificuldade do que o mundo literário foi capaz de
combater as falsificações de Shakespeare. Nem a
honestidade e nem a religiosidade dos homens
impediram o crime de adicionar invenções perversas
aos livros sagrados do Velho e do Novo Testamento,
mas as tentativas sempre fracassaram devido à
impossibilidade de uma imitação que tenha o mesmo
estilo da verdade perfeita, que é a peculiaridade da
Palavra de Deus. Não temos como imaginar um mero
homem falando à maneira de Deus e, de fato, nenhuma
pessoa não inspirada seria capaz de falar
harmoniosamente com o estilo do Espírito Santo.
Poderíamos encarregar a um estudante o trabalho de
detectar a grande diferença entre um livro apócrifo ou
um pretensamente sagrado e os escritos inspirados de
um salmista, um profeta ou um apóstolo. É ridícula a
noção de que os Vedas dos brâmanes, o Avesta de
Zoroastro e o Corão de Maomé são comparáveis em
estilo com a Palavra de Deus. Max Muller nos diz que
“aqueles que acreditam que estes são livros de sabedoria
primitiva e entusiasmo religioso ou, pelo menos, que
soam como simples ensinos de moralidade, ficarão
desapontados ao consultá-los”, assim como poderia a
rima rude de um palhaço ser confundida com os
versos majestosos de Milton ou uma mente instruída
tenha imaginado que a mais nobre linguagem humana
poderia passar como o pronunciamento de Deus.
O estilo das Escrituras não é nem empolado e nem
bombástico, ainda que tão suave, é realeza sem
ostentação; e isso caracteriza a Bíblia como
completamente distinta dos demais escritos e a
assinala como o rei dos livros. Longe de estar presa a
meras convenções, ela é livre como o ar, estando sua
música sempre sintonizada a uma harmonia uniforme.
É variada, alegre, denunciativa, plangente, descritiva,
simples, complexa, e ainda permanece em todas as
fases fiel à sua própria peculiaridade: sempre humana
e ainda, ao mesmo tempo, sempre divina.
A PLENITUDE DO LIVRO.
Uma das coisas mais maravilhosas da Bíblia é a sua
completude singular. Ela não é um livro com folhas de
ouro, mas suas sentenças são pepitas da pura verdade.
O livro de Deus é claramente o deus dos livros, pois é
infinito. Como bem disse um autor alemão, “Neste
pequeno livro está contido toda a sabedoria do mundo”.
“Corremos o mundo atrás da verdade;
Coletamos o bem, o puro, o belo
Do rolo escrito e da escultura de pedra,
De todas as antigas flores da alma;
Caçadores exaustos buscando o melhor,
Voltamos cansados de tal trabalho,
Encontrando o que os sábios disseram
Que está no livro que nossas mães zelam”.
Dois literatos discutiram brevemente sobre qual de
todos os seus livros preferidos levariam para uma
prisão caso fossem lá encerrados e tivessem que
escolher apenas um, o qual não poderia ser substituído
por doze meses. O primeiro fez uma cuidadosa seleção
e indicou Shakespeare como sua companhia, pois suas
obras estão tomadas de pensamentos suaves e
expressões magistrais. Porém, achamos que o segundo
homem deu uma incontestável razão ao preferir a
Bíblia. “Por quê?” Questionou o amigo: “Você não
acredita nela!” Ao que ele respondeu: “Não, mas quer
eu acredite ou não, este é um livro inesgotável!”
Nós somos gratos por essa palavra: De fato ela é “um
livro inesgotável”. A sua gama de assuntos é ilimitada
e sua variedade de gêneros é indescritível. Sua
profundidade de pensamento e a altura de suas
expressões são imensuráveis. É totalmente inesgotável!
Um milhão de vezes mais magnífica e completa do que
a Bodleian*. As linhas desse livro e sua essência são da
mais sublime e concentrada espécie. Ele, aliás, tem
sugerido uma vasta gama de literatura humana,
possuindo, inequivocamente, uma extensão
inacreditável, sem contar que contém uma
avassaladora quantidade daquilo que poderia ser
chamado de pensamento-fundante ou pensamento-
mãe.
Depois de ter sido rotulado, criticado, caricaturizado e
crucificado em todos esses séculos, ainda permanece
um livro novo, proliferando a sua circulação ao invés
de esgotar-se. Quanto mais o mundo envelhecer e
multiplicar a sua sabedoria, mais o livro sagrado será
o clássico-mor. Assim como foi no começo quando a
recém-nascida nação hebraica soletrava a primeira
parte recebida desse livro, tendo nele os rudimentos da
verdade e da justiça, assim também será ao longo de
toda a história da humanidade.
* A famosa biblioteca da Universidade de Oxford.
DEIXE A BIBLIA SER TESTADA.
Deixe a Bíblia ser testada por suas próprias evidências
internas e cuidadosamente estude as suas
coincidências. Ela é rica delas, as quais são
profundamente interessantes a ponto de alguns
leitores as terem como o padrão de referência para
julgar as obras mais recentes.
Deixe a Bíblia ser testada pelos antigos registros e
memoriais. Se ela fosse um produto de elaboração
meramente humana, não estaria, certamente, sujeita a
erros em suas indicações históricas? Cada evidência
tem estado continuamente sob investigação.
Recentemente tem sido encontradas inscrições e
fragmentos escavados ao longo das antigas civilizações
do Egito, Palestina, Moabe, Basã e Nínive, não
obstante, em todas elas, o testemunho histórico das
Escrituras tem sido confirmado. Com que prazer não
teriam trazido alguma laje de algum monte ou
catacumba que contradissesse Moisés ou os profetas?
Não obstante isso, o registro sagrado tem sido até
agora vindicado.
Nos últimos anos alguns dos seus mais ferrenhos
adversários têm sido ridicularizados por suas
desastrosas suposições. Eles trabalham com o mais
empunhado ódio, apropriando-se inclusive de lupas de
grande precisão, porém seu esforço é inútil. A partir
de uma leitura honesta qualquer mente ficaria
incomodada com a incoerência das objeções, com a
arrogância dos oponentes e com a ignorância com que
incitam seu público. Seria fácil refutar as suas
acusações contra a exatidão histórica das Escrituras,
mas isto é uma tarefa sem fim que não valeria a pena
quando não se deseja conhecer os fatos, mas apenas se
entreter com fúteis especulações.
INFLUÊNCIA: UM EXCELENTE TESTE.
O melhor teste é aquele que apenas os crentes
poderiam descrever. Qual é a influência das Escrituras
na vida deles? Tem lisonjeado a sua vaidade, reduzido
seu padrão moral, nutrido seu egoísmo ou
desestimulado suas esperanças por dias melhores?
Não! Nela encontram Deus que pelo Livro se revela
como Pai e amigo, e apresenta seus métodos de justiça
como os mais elevados e puros a ponto de mantê-los
plenamente justificados pela fé, habilitando-os a
confiarem na bondade e nobreza de Deus até mesmo
em meio as maiores adversidades. Dia-a-dia eles
provam da fidedignidade das declarações das
Escrituras, as quais lhes são confirmadas com poder.
As palavras de Deus despertam ecos em nossos
corações. O livro é onisciente e onipresente como o
Espírito que a inspirou. Ele sabe tudo sobre nós,
revelando nossos segredos mais profundos. Isto é algo
divino, pois desvenda os pontos nevrálgicos da alma
que apenas poderiam ser conhecidos por Aquele que
formou o coração. Ele observa as falhas das
engrenagens de suas máquinas tão de perto que torna-
se impossível ludibriá-lo, e é dessa forma que Ele age,
como somente um grande Observador agiria. A
revelação das Escrituras supre com precisão cada uma
de nossas necessidades, aliviando nossos medos; não
me refiro tão somente aos superficiais pavores da
frivolidade humana, mas as profundas e terríveis
necessidades de uma mente esmagada pelo passado.
Este Livro é a salvação para os homens que fazem
negócios em águas profundas, onde as pechinchas
estão fora de cogitação. É uma estrela-guia para as
mentes em torno da qual a meia-noite do desespero
está se aproximando. Ó incomparável revelação da
verdade! Se tu não vens de Deus, de onde fizeste vir?
Se tudo não passasse de um sonho, quisera nós
sonhássemos novamente ou morrêssemos em nosso
sono! Até agora temos encontrado todos os seus fiéis
ensinos para nossa vida interior, e disso não podemos
deixar de testemunhar!
UM HOMEM SEM PECADO.
Uma prova clara da origem divina das Escrituras nos
é oferecida pelo seu retrato de homem perfeito. Jesus
não apresenta pecados nem por palavras, nem por
pensamentos e nem por atos; seja por excesso ou
carência, seus inimigos são incapazes de encontrar
qualquer falha nele. Em nenhum outro lugar do
mundo encontramos tal retrato de um homem! Seria
quase que redundante dizer que não existe outro
homem como esse. Jesus é único! Ele é original em
todas as suas características peculiares, porém sem
jamais se afastar do reto padrão da justiça. Ele não é
alguém que vive isoladamente e tem poucos amigos, e,
consequentemente, poucos testes; pelo contrário, sua
vida e reino se manifestam de modo intenso entre os
homens, dando-se a conhecer de inúmeras maneiras
em todos os seus relacionamentos. Ele é um grande
Professor de ética que inculcou um sistema moral
muito superior a qualquer outro, o qual, incorporado
em sua própria vida, coroou, sublimemente, o edifício
de uma vida perfeita quando consumou sua missão
através da rendição de si mesmo até a morte por seus
inimigos. De onde veio este retrato se esse homem
nunca existiu? Nenhum pintor vai além de seu próprio
ideal. Nenhuma mente imperfeita poderia ter
inventado a perfeita mente de Cristo. O registro é
divino!
O LIVRO E A CIÊNCIA EM HARMONIA.
Entre a revelação de Deus escrita na Palavra e a
revelação manifesta por suas obras na criação, não
pode haver qualquer discrepância. Uma, porém, pode
ir mais longe do que a outra e apresentarem, assim,
grandes diferenças em certos aspectos, porém ambas
devem estar em perfeita harmonia. Deve ser admitido
com franqueza que algumas vezes homens do Livro
tem perdido a essência de sua mensagem,
principalmente quando não sustentam a doutrina da
infalibilidade das Escrituras. Em alguns casos, porém,
no afã por defender a Bíblia, muitos tentando conciliar
as verdades bíblicas com as descobertas científicas
agem imprudentemente, torcendo suas palavras ou
expondo-as a uma luz arficial. Nisso reside sua
deficiência, pois se tivessem sempre buscado
compreender o que Deus tem dito através do Livro,
mantendo seu significado original, eles teriam sido
sábios em meio a qualquer que fosse o avanço
científico; e como a ciência professa que esse avanço
científico busca um conhecimento real, as novas
evidências encontradas apenas confirmariam mais e
mais as verdades do Velho Livro.
AS AFIRMAÇÕES CIENTÍFICAS NÃO
SÃO INFALÍVEIS.
Aqueles que se dedicam ao estudo da Natureza e
desprezam a Palavra de Deus, certamente não podem
reivindicar imunidade ao erro tanto quanto exigem
uma nova revisão da interpretação das Escrituras
sempre que surge uma nova hipótese. Desde os seus
primórdios até os nossos dias, a história da filosofia
mais parece uma comédia de erros. Cada geração de
eruditos que surge tem sido mais eminentemente bem
sucedida em refutar todos os seus predecessores, e há
uma grande probabilidade de que muito do que agora
é aceito como ciência ortodoxa será completamente
rejeitada em poucos anos. Quando lembramos que um
círculo de sábios veio a provar que não existe nada
como a mente, enquanto outro grupo tão bem sucedido
provou que não há nada como a matéria, então somos
forçados a levantar a questão: “Quando os médicos se
contradizem, quem traz a palavra final?”
CIÊNCIA, UM LUGAR INSEGURO.
Há muitas vozes no mundo, umas mais poderosas e
outras nem tanto, mas mesmo entre os mais sérios
pesquisadores não há ainda nenhuma posição
suficientemente forte que demonstre que alguma
abordagem científica seja absolutamente verdadeira.
Sem dúvida, o processo indutivo de Bacon produziu
uma abordagem mais próxima da certeza, mas mesmo
essa não foi capaz de apresentar uma dedução
absoluta, pois nenhum cientista conhece todos os fatos
que podem incidir numa pesquisa, e ainda, sua
dedução que se estabelece a partir do que lhe é
conhecido pode ser igualmente prejudicada por certas
inferências que lhe são desconhecidas. E mesmo que
perdure por séculos, o tempo pelo qual as observações
científicas poderiam se estender são como a vigília da
noite em comparação com a eternidade de Deus; e o
período de suas observações científicas seriam como a
queda de um balde em comparação com o círculo dos
céus; e ainda que apresentem mais de mil elementos
que incidam numa pesquisa, todavia, no céu e na terra
há mais coisas do que jamais a mais acurada filosofia
dos cientistas poderia sequer sonhar. Desde Aristóteles
essas boas pessoas tem feito o seu melhor, mas o que
provaram até agora foi a nossa burrice e que um mero
figo é melhor do que todos nós juntos.
O QUE SERIA MAIS FÁCIL PARA
APERFEIÇOAR?
Em vez de querer corrigir a Bíblia ou afirmar que ela
esteja errada em assuntos de ordem natural, seria
muito mais seguro aceitar que a ciência trilha um
caminho inacabado de aperfeiçoamento, pois ela é
feita de uma substância tão plástica que nenhum
grande esforço é requerido para reverter os modos de
sua presente forma. Do primeiro ao último doutor
formado nas escolas de ciência, nenhum deles tem
escapado dos erros, os quais se levantam não apenas
como meras possibilidades, mas inevitavelmente
surgem sempre que a limitação das faculdades
humanas se depara com o mistério do fenômeno.
Acrescenta-se a isso o fato que muitas vezes são
grosseiros os erros cometidos por tais intérpretes da
Natureza, e que embora muitos dos intérpretes das
Escrituras também tenham falhado em suas
conclusões, todavia não chegaram a ir tão longe
quanto aqueles. Sobretudo, porém, o Livro mantém
uma posição inexpugnável ainda que nunca tenha
dicotomizado os campos do conhecimento, arbitrando
entre confiar numa ou noutra, ou na revelação de
Deus ou na ciência humana, o que não nos impede de
afirmar sem exitação: “Seja Deus verdadeiro e todo
homem mentiroso”.
ATÉ AGORA, NENHUMA GRANDE
DIFICULDADE!
Não vemos nenhuma grande dificuldade até o presente
momento. As Escrituras podem não se ajustar com
algumas das hipóteses propostas, mas concordam com
os fatos conhecidos. Interpretadas de forma correta,
elas exibem de forma clara a sua harmonia entre a
Natureza e a Providencia de tal modo que as Palavras
podem ser observadas pelas Obras. Um artigo do
Illustrated London News descreve por palavras uma
cena que na página ao lado também fora pintada por
um virtuoso artista: as duas formas de comunicação
coincidiram completamente, apesar de que a
impressão que causou sobre o leitor, que não
conseguiu ver a gravura, não foi a mesma que
produziu sobre o observador que considerou apenas a
gravura e negligenciou a impressão tipográfica. O
homem que se preocupava apenas com a tipografia
poderia brigar com o devoto do bloco de madeira,
enquanto que o observador da gravura poderia
igualmente replicar contra o leitor; se fosse possível
combiná-los, porém, a intenção do autor, certamente,
seria melhor compreendida. Quem lê a Palavra
considera a Obra, e quem lê a observação natural
atenta para a Revelação, e o aumento da sabedoria
será a recompensa de ambos.
ANCORADOURO E PÉ DE APOIO DA
FÉ.
Quando a Bíblia é completamente aceita como a
própria revelação de Deus, a mente encontra um
ancoradouro seguro, e isso não é pouco ganho. Um
lugar tranquilo de descanso é uma necessidade urgente
da alma. Assim, para encontrar um firme pé de apoio
os homens investem suas expectativas numa igreja
infalível ou mesmo em suas próprias suposições de
uma razão infalível. De dois irmãos um tornou-se
papista e outro infiel. Não nos sentimos atraídos por
nenhum deles, ainda que ambos venham a reivindicar
terem encontrado um lugar de refúgio. Nós preferimos
por conta própria e de uma vez por todas lançar
âncora numa revelação infalível. À deriva diante
daquilo que pode ser de prejuízo ao caráter e de
influência fatal, um pé de apoio é essencial. Quando
pela primeira vez a âncora desce e a sua base se firma,
nesse momento pouco se é conhecido em comparação
com o que será descoberto pelo teste da experiência.
Milhares estão calmamente atracados no Justo
Refúgio das Escrituras; miríades estão crescendo e
dando frutos no jardim do Senhor. Seu testemunho é
garantido, mas a nossa própria experiência vai trazer
a mais satisfatória convicção. Abaixo vai a âncora: a
raiz abraça o solo.
O PECADO PERTURBA A FÉ.
Aceitando as Santas Escrituras como a Revelação do
próprio Deus, podemos, assim, conhecê-lo mais por
fins práticos do que poderíamos por qualquer outro
meio, principalmente no que se refere a um assunto
ainda não mencionado. Nossa consciência (pela qual
somos muito gratos, e sem a qual nossa batalha teria
sido sem esperança, se é que, de fato, fosse possível
imaginar alguma batalha.) nos lembra que não
estamos no começo da vida, pois já percorremos
alguma distância, e que não a trilhamos de um modo
tão perfeito como desejávamos. Com um suspiro nossa
memória sinaliza muitos registros, os quais nos
causam desconforto. Podemos não ter sido o pior dos
homens, mas lamentamos que haja alguém pior do que
nós. É possível que tenhamos evitado as rochas do
vício, porém, até agora, temos sido puxados pelo
turbilhão da indiferença. Não fizemos o nosso melhor e
começamos a suspeitar que o nosso melhor não esteja
à altura do mal que fizemos. Felizmente este livro
divinamente inspirado trata em grande medida do
tema do pecado e do método eficaz pelo qual o culpado
pode ser expiado de sua vileza, sendo equipado para
uma vida pura. Aprendemos assim como o imperfeito
pode se atrever a confiar no Perfeito, ou como o
infrator pode se aventurar a confiar naquele a quem
tem ofendido. Feliz é o homem que nasceu para tal
conhecimento e para o caminho que já lhe pode ser
trilhado!
ORAÇÃO SUGERIDA.
Quando surge uma nova descoberta, qualquer que
seja, tanto para o bem quanto para o mal, o crente é
conduzido a Deus. Ele é levado quase que
instintivamente a orar, especialmente quando está
sabiamente arraigado sobre uma verdadeira fé no
coração. Desde que vemos que Deus tem aumentado
nosso conhecimento por revelar a si mesmo através do
Livro, e desde que ouvimos que ele tem esclarecido
elementos escuros e difíceis que poderiam prejudicar
nossa fé, somos inclinados a adorá-lo. Feito isto,
devemos estar empenhados a ler com fervorosa oração
o inestimável Escrito, para que ele ajude o nosso
entendimento a perceber o seu significado,
habilitando-nos a obedecer os seus preceitos.
O Livro é para nosso uso, não para nossa diversão.
Compete a nós lidarmos com esse presente de forma
digna. Ele não deve ser tratado com displicência, mas
de modo sério, imediato e contínuo a fim de que se
imponha como um guia tanto para esta vida quanto
para o porvir. Ele não deve ser posto de lado como um
mero travesseiro para um distante dia da morte, mas
devemos pedir a Deus para que ele se torne o nosso
presente instrumento para uma vida de dignidade,
como um tutor diário na arte de se afastar do mal e
buscar o bem.
A REMOÇÃO DO GRANDE OBSTÁCULO
À FÉ.
Quanto a má consciência oriunda dos pecados do
passado e a inclinação maligna em nossa natureza, a
Bíblia é muito clara, sendo admirávelmente explícito o
modo pelo qual Deus remove esses obstáculos para
nosso progresso futuro. Nas Escrituras vemos um
método mais sábio e gracioso para nos livrar da culpa,
sem prejuízo para a justiça divina. A expiação
oferecida pelo Senhor Jesus, que é a essência da
revelação de Deus, é uma solução eminentemente
satisfatória para resolver os graves problemas da
alma. Nosso sentimento é de que o Soberano Deus do
universo deve fazer tudo o que deve ser feito segundo a
sua misericórdia, pois afrouxar o mandamento que
causou o mal traria apenas o mal como consequência.
Para nosso próprio bem, quando em nosso melhor
estado de espírito, nós não desejaríamos ter esta lei
restauradora revogada. Pecado deve ser punido:
mantenha a lei, venha o que vier de nós. Um Deus
injusto seria o mais terrível dos males imagináveis.
Pecado conectado com recompensa ou divorciado de
duras consequências seria a morte do grande princípio
de justiça que é a aspiração de toda a perfeita saúde
moral. As Escrituras não propõem a abolição da lei ou
o abrandamento da pena, mas revelam o plano de
substituição: o juiz ofendido carrega sobre si as
consequências do delito do homem rebelde. Ele assume
a natureza humana, levando sobre si mesmo o castigo
do pecado. Ele toma o fardo da transgressão do
homem, tendo sobre sua cabeça as palavras divinas:
“O castigo que nos traz a paz estava sobre Ele, e pelas
suas pisaduras fomos sarados.” Toda a transação de
substituição, descendo até a vergonhosa morte no
madeiro, e subindo para a ressurreição e ascensão, é
uma grande maravilha: ela não pode ser uma ficção,
ela supera toda a invenção, é o fato dos fatos.
Cuidadosamente estudado, analisado e pesado, o
sacrifício que a si mesmo ofereceu o Filho de Deus
opera em muitas mentes uma convicção que não pode
ser resistida, trazendo uma paz que pode apenas ser
concebida por aqueles que nele se satisfazem. Aceitar o
sacrifício que Deus aceitou faz com que nós mesmos
sejamos aceitos pelo Senhor.
O MÉTODO DA MISERICÓRDIA DE
DEUS.
Perdão de pecados através de um sacrifício satisfaz um
enigmático mas verdadeiro anelo da humanidade por
justiça, esse fator é quase que unânime em todos os
povos e culturas. Mesmo a não iluminada consciência
dos povos selvagens não descansa até que a espada seja
empunhada e uma vítima caia. Como que por um
estatuto, o homem não se atreve a se aproximar de
Deus sem oferecer-lhe sacrifício. Não obstante, as
mentes mais esclarecidas não se contentam em ficar
sem respostas sobre a questão da necessidade e
finalidade do sacrifício: tal explicação é encontrada
com grande amplitude nas inspiradas Escrituras.
Quando bem compreendida e aceita, a morte vicária
do Filho de Deus fornece paz ao crente a ponto de
fazê-lo sentir-se tão à vontade como se nunca tivesse
quebrado a lei. Pela morte da divina Vítima a lei é tão
vindicada que o crente se põe mais sob o
reconhecimento do universo do que se sua completa
punição tivesse sido exigida. O coração é assim
aquietado de uma vez por todas mediante o favorável
parecer de uma consciência plenamente satisfeita. Por
ter Jesus lançado fora todo o pecado por meio da
expiação, que é a grande maravilha da eternidade, o
crente tem agora tantos motivos para temer quanto
tinha Sansão ao ver que o leão morto a seus pés estava
cheio de mel.
PRIMEIROS TRABALHOS DA FÉ.
O pavor da culpa que foi removida pela fé em Deus,
tal como revelado em Cristo Jesus, faz com que a
mente seja tomada por gratidão diante do grande
amor demonstrado pela dádiva da propiciação,
provocando também um intenso ódio pelo mal que
requereu tal sacrifício. Isto imediatamente inicia uma
purificação que o coração nunca havia visto antes. No
resplendor da divina bondade, o prazer uma vez
sentido pelo pecado é secado, e posteriormente
evaporado; e ainda do meio daquele fogo consumidor
surgem saltos de júbilo provenientes do novo
nascimento para a justiça oriunda das chamas
imortais do infinito amor. Isto se torna uma força
motriz para uma vida altaneira, surpreendente para
aquele que o recebe, o qual fica maravilhado com a
alegria e a esperança que transbordam dentro dele.
Quanto mais forte é a fé na propiciação revelada, mais
completo é o descanso e mais intenso o poderoso desejo
por uma completa santidade. Assim, a confiança em
Deus e em seu filho Jesus Cristo se torna um instinto e
uma alegria, como pode ser lido pelas entusiásticas
palavras: “Vós credes em Deus, crede também em
mim.”
A FÉ SE DELEITA NUM EVANGELHO
SIMPLES.
É um motivo de profunda gratidão que o evangelho é
tão simples quanto uma vara de bambu. Ele poderia
ter sido destinado a ser um remédio secreto para uma
seleta elite que o usufruiria de modo oculto e filosófico,
mas é feito para gente pobre, iletrada e não dotada da
sociedade, sendo, por isso, necessário que seja o que é
– a própria simplicidade. Graças a Deus, o evangelho
não se presta ao charlatanismo, apesar de muitos de
nossos elegantes pensadores o rebaixarem ao invés de
o exporem, o que faz com que o evangelho se pareça
com um sistema exclusivo e aristocrático destinado a
entretê-los. Temos, todavia, o prazer de encontrá-lo
exposto de forma simples pelas Escrituras, não é a toa
que, enquanto seus mais ferrenhos críticos estão
tombando em seus túmulos, a sua perfeita doutrina já
salvou milhões, está a salvar outros tantos e ainda
salvará miríades. Às vezes, a fé exige grande paciência,
principalmente quando é atormentada por acusações,
as quais ignoram seu incrível alcance e sua grande
operosidade confirmada por seus resultados. Por que
seus opositores não fazem objeções contra o sol? Por
que não negam que ele dá luz ou calor?
A DESCOBERTA DA FÉ.
Quando a fé recém-nascida balbuciava suas primeiras
palavras de surpresa, ela indagou: “De onde eu sou?
Como vim ao coração?” A resposta recebida do Livro e
também da própria consciência foi a seguinte: Esta é a
operação de Deus! Foi o Espírito Santo quem a
produziu de forma tão nova, viva, poderosa e superior
a qualquer outra experiência ordinária da vida. Se isto
é assim, uma nova fonte de confiança é aberta, levando
o crente a dizer: “De fato, Deus tem começado a operar
em minha natureza, e como ele é imutável, ainda
continuará esse trabalho até completá-lo.” Dessa forma,
Deus entra numa terra fértil que mana leite e mel. O
sagrado pacto torna-se um fato real projetado pelo
Pai, pois se assim não fosse, ninguém jamais teria
vindo a Cristo, e nisso está o amor! Cristo fez a
expiação completa do pecado, e nisso está o amor! O
Espírito Santo operou fé nos corações e concebeu suas
bençãos espirituais, e nisso está o amor! O coração do
crente é introduzido a uma nova relação com Deus,
obtendo íntima comunhão e recebendo os primeiros
frutos que lhe foram poderosamente confiados. O
mesmo Espírito que está, evidentemente, no coração, é
declarado ser seu Consolador permanente, seu
Santificador, seu eficaz Professor da alma, o que torna
o futuro algo bem diferente do que anteriormente se
podia esperar. Assim, a revelação do Livro aplicada ao
coração leva o homem a crer que depois de uma obra
tão sublime, ele ainda será conduzido a um grau de
forças que suas esperanças mais otimistas sequer
poderiam ter sonhado.
UMA NOVA CATEGORIA DE FÉ.
Confiando no Senhor Jesus Cristo para a sua completa
salvação e estando certo de que por esse meio é salvo, o
crente se submete a um novo princípio-mestre. Antes
ele imaginava que para ser redimido deveria trabalhar
incansavelmente para isso, a ponto de cada fragmento
de suas virtudes buscarem esse fim. Ele agia ou
abstinha-se de agir, era justo ou generoso, louvava ou
orava a Deus com o propósito de se auto-beneficiar.
Quão pouco da essência da virtude poderia ser assim
encontrada! Ainda que os motivos do trabalhador não
estejam imunes a isso, pelo menos, salvando-lhe, o
Senhor poderia conduzí-los para muito além do anseio
de produzir sua propria salvação, e então poderia
levá-los a seguir as coisas nobres e benevolentes do
puro amor de Deus. É natural que quando um homem
está em perigo ele procure principalmente pela sua
própria segurança, é por isso que, primariamente, a
própria natureza é o inimigo do altruísmo. Quando,
porém, os melhores interesses do homem estão
graciosamente seguros e lhe estão postos acima de todo
o perigo, ele olha além de si mesmo para seu Doador e
regula sua vida não pelo egoísmo, mas pela gratidão.
Este é um grande passo para a maioridade, quando o
medo servil é substituído pelo amor filial, pois quando
somos levados a agir instintivamente não conseguimos
entender uma paixão, como a de Xavier:
“Meu Deus, eu te amo,
Não porque por isso chegarei ao céu,
E nem porque sem isso queimarei eternamente.
Tu, ó meu Jesus, que abraças-te-me na cruz,
Suportando pregos, lança, desgraças,
Mágoa, tormentos, agonia e suor;
Sim, a morte mesma, e tudo mais por mim, o teu
inimigo.
Então, por quê, ó Bendito Cristo,
Não devia eu amar-te assim?
Mais que a esperança do céu,
Mais que o escape do inferno.”
No amor grato temos o impulso que alavanca a moral,
o princípio nobre, elevado e poderoso que produz
obras infinitamente mais valiosas do que qualquer
outra que pudesse sobrevir do medo de um escravo ou
da esperança por recompensa.
FÉ E A NATUREZA DE CRISTO.
Não relevo nenhuma abordagem do Senhor Jesus
Cristo que desconsidere as suas naturezas divina e
humana unidas numa única pessoa. Nele, em quem
tais naturezas se misturam, porém não se confundem,
ambas, Divina e Humana, proporcionam juntas o mais
completo socorro para o mapeamento de uma fé
prática. Jesus se solidariza com a condição de um
lutador que busca a excelência, pois ele também foi
tentado em todas as coisas como nós. Ele conhece
todas as dificuldades que brotam das limitações da
carne e sangue, pois também sentiu fome, dor,
pobreza, doença, depressão e fraqueza. De notável
valor e grande auxílio para a carreira é usufruir de
um poder ilimitado que se compadece de nossa
fraqueza.
Não há qualquer desvantagem em declarar que Ele é
um homem, o qual se liga a nós pelo mais afetivo laço e
relacionamento. Ele não é apenas terno para com os
nossos mais terríveis sofrimentos, mas também é tão
sábio quanto fraterno, tão poderoso para subjugar
nossas faltas quanto gentil para suportar nossas
fragilidades. Sua humanidade traz Jesus até nós,
enquanto que sua divindade nos leva a Deus. Dessa
forma, o Senhor Jesus não apenas ministra para o
nosso conforto, mas também para o nosso progresso, o
qual, dos dois, seria o mais importante.
Poderia a fé crer num Ser mais hábil para lidar com
todas as nossas necessidades e mais útil para suprir
todos os nossos mais nobres anseios? Unidos a Jesus,
nós aspiramos confiantemente nos assemelharmos ao
nosso Criador, tanto quanto seja possível uma criatura
suportar.
ENTUSIASMO PELA PESSOA DE JESUS.
O amor do crente pelo Senhor Jesus é intensamente
pessoal e apaixonado, estando acima de qualquer
outra afeição. Seu amor, sofrimento, perfeições e
glórias enchem e incendeiam o coração. Ora, há mais
força no amor de uma pessoa viva e real do que no
registro inscrito de um conjunto de doutrinas
importantes, da mesma forma que a coragem de um
líder instiga ações mais audaciosas do que qualquer
filosofia. Assim, Cristo Jesus, nosso glorioso líder,
inspira seus seguidores com uma paixão ardente, um
zelo que a tudo consome e um indomável entusiasmo
que fornece todo o poder que os mais nobres
necessitam. Para aqueles que desejam ter o coração
capturado pela santidade, isso não é nenhuma
ajudinha qualquer.
FÉ NA VIDA QUE CRISTO VIVEU NA
TERRA.
Quanto mais examinamos o caráter do Senhor Jesus
Cristo, mais tomados de admiração ficamos. Por
diferentes ângulos temos nos Evangelhos uma
quádrupla fotografia do seu rosto, os quais, quando
agrupados ou mesmo observados particularmente, nos
deixam encantados com a sua beleza especial. E essa
afirmação não é tão notável, pois quase todos os
homens do mundo, mesmo os não-cristãos,
reconhecem a singular excelência da vida de Cristo. É
tão original, transcendente e perfeita que quase todos
assim a apreciam, exceto alguns partidários cegos que
banalizam as coisas sagradas e se curvam diante de
sua própria glória, os quais se consideram o beau-ideal
da perfeita maioridade. No entanto, o que as
Escrituras nos apresentam como um exemplo deve ser
também o modelo a ser imitado, ou seja, o padrão
ordenado pelo qual o crente como obra de Deus deve
ser conformado. Para um tão alto padrão, e para que
possamos ter a certeza da possibilidade de alcançá-lo,
temos um Auxiliador apto o suficiente para nos
conduzir a esse alvo, em quem podemos ter a certeza
de uma grande assistência à vida virtuosa. Fé naquele
que é o nosso exemplo e Salvador nos fortalecerá para
as batalhas da vida. Todavia, para que possamos
aspirar a esse caráter perfeito, tal como a glória eterna
que desejamos mais que tudo, é preciso que a obra da
salvação tenha sido já aplicada anteriormente em
nossas vidas. É um grande conforto ser consumido por
um ardente desejo de ser como Jesus, pois a salvação
do inferno para o céu qualquer miserável egoísta pode
desejar, mas a salvação do egoísmo para ser
transformado à imagem de Cristo é anelada somente
por aqueles que possuem um coração renovado, pelo
que isso também confirma que esses têm a sua
salvação assegurada.
FÉ NOS PRINCÍPIOS DA VIDA DE
CRISTO.
Deve ser notado que a completa abnegação de nosso
Senhor Jesus está acima de qualquer suspeita, a qual
também tornou-se o caminho para a gloriosa
preeminência que agora desfruta. Ele está acima de
todas as coisas porque se voltou para a pior e mais vil
condição. A sua honra está em ter aberto mão de sua
glória e se inclinado para o que havia de mais vil e
vergonhoso. Da mesma forma, a sua glória no coração
de seus redimidos está em que a si mesmo se esvaziou,
tomando sobre si a forma de servo e chegando até a
morte, o Justo pelos injustos, para nos conduzir a
Deus. Nenhum motivo secundário deteriorou o
compassivo auto-sacrifício de Jesus ou o obstruiu da
entrega de si mesmo que o levou a sua triunfante
exaltação. A fé verdadeira percebe isso e sabe que a
regra é válida não apenas para o líder mas também
para o seus discípulos, os quais se submetem a todos os
tipos de serviço inferior, consentindo com entusiasmo
a um completo auto-esvaziamento. Perder a vida por
causa do amor e da graça está em completo acordo
com o caminho bíblico da salvação. Não é a toa que o
aniquilamento completo de si mesmo é a mais segura
das rodovias para a glória e a imortalidade, nela a
alma está preparada para rejeitar qualquer paixão
que entre todas as coisas é o que mais enfraquece a
força da virtude.
JESUS NUNCA TEVE DÚVIDAS.
As dúvidas na vida de um líder são motivos de
fracasso para seus seguidores! Nesse sentido, seguir
Jesus é uma grande vantagem para a vida de fé, pois
Ele nunca duvidou. Em toda a história de sua vida,
desde a infância até sua morte, não há traços de
dúvida. Todos os demais homens, o melhor, mais
firme, mais instruído e mais piedoso tiveram seus
momentos de questionamento, suas horas negras de
incredulidade, porém isso jamais aconteceu com Jesus
que nunca foi tomado por incertezas e nunca sequer
hesitou. Ele conhece o Pai, sendo totalmente
conformado a Ele, procurando apenas a sua glória e
confiando plenamente no poder eterno. Ele nunca
tateou na escuridão, pelo contrário, sempre seguiu
adiante com serenidade, calma e clareza. Na hora do
triunfo de seus inimigos e de sua própria paixão, ele
está “profundamente triste até a morte”, mas nunca
desconfiado ou duvidoso. Sua mente nunca hesitou ou
temeu o fracasso de seu grande empreendimento,
apesar de todos os seus discípulos o terem abandonado
e fugido.
Para o soldado na batalha, a confiança em seu capitão
vale mais do que muitas fileiras. O olhar calmo e
resoluto do comandante e a sua face segura fazem com
que até o vacilante cresça firme e os mais ansiosos
sejam tranquilizados. Se Cristo tivesse titubeado, o
cristão comum teria razões para entrar em desespero,
mas como Aquele que suportou o peso da batalha
nunca vacilou, não há o que temer. Fosse a dúvida algo
meritório e útil, Jesus não teria ficado sem isso. Assim,
quando observamos que Jesus jamais foi tomado por
dúvidas, não temos que dedicar nenhuma reverência
ao Ceticismo. Julgamos que isso não é nenhum pouco
necessário para uma humanidade perfeita e quanto
menos nos envolvemos com isso, melhor.
FÉ E AS SUAS PRIMEIRAS DÚVIDAS.
Nossa condição crônica de incredulidade se finda com
uma plena confiança em Deus do modo como Ele se
revelou, porém os abruptos anseios por fazer uma
adaptação da Revelação podem resultar numa
inesperada emboscada. Não seria isso uma espécie de
epilepsia da mente? Pois crer no Grande e Invisível
Deus não faz parte de nossa disposição natural, que
ainda anseia por sinais que levem os olhos a
contemplar admirados. Ora, é comum que crentes
imaturos apresentem fraquezas por desejarem se
manter sobre os seus próprios pés, inclusive a própria
grandeza e estranheza de suas descobertas espirituais
podem levá-los a isso. E a sua memória dos pecados
anteriormente cometidos e a sensação de fraqueza no
presente também podem aterrorizá-los. No entanto, no
dia em que eles empenharem com firmeza mortal a
sua fé em Deus, as trevas passarão sobre as suas
almas. Nessas horas, a experiência virá em seu auxílio
e eles acharão mais fácil confiar quando a fé já lhe tem
sido habitual. Assim, um dia eles poderão até mesmo
alcançar uma fé triunfante como a do aflito Jó, que
disse: “Ainda que Ele me mate, eu Nele confiarei.”
A FÉ DEVE PERMANECER LIVRE DE
QUALQUER MISTURA.
Muitos que procuram viver dignamente tendem a
misturar a sua fé em Deus com outras coisas. No
ímpeto por desfrutarem de todas as ajudas possíveis à
fé, chegam ao ponto de dar uma ajudinha a Rocha dos
Séculos, fornecendo madeira de suas próprias
florestas, o que obviamente provará ser uma grande
fonte de confusão. Se nós, de fato, confiamos em Deus,
devemos nos entregar a ele sem reservas, pois se ele é
aquele que tem todo o poder sobre tudo e todos, então,
quem supõe que pode dar um auxílio a Deus faz algo
tão absurdo que chega a ser um insulto. Será que
realmente cremos que o meio de salvação definido por
Deus pode nos salvar dos pecados? Devemos, então,
crer que ele cumprirá a sua promessa
independentemente de nos sentirmos melhores ou
piores. Se é em Deus que cremos, não há como
imaginar a possibilidade de qualquer fracasso ou
mudança de planos. É verdade também que podemos
fraquejar, porém a ênfase deve sempre descansar
sobre a fidelidade de Deus, e até que possa ser
levantada alguma convincente oposição a isso, por que
razão deveríamos duvidar? Imaginar que os
propósitos eternos devem ser alcançados por meio de
duas forças pode fazer com que a nossa confiança
oscile entre uma e outra. Porém, se tudo está nas mãos
de um só, então a falta de confiança sempre será
injustificável, a menos que o Único Poder manifeste
sinais de fraqueza. Dessa forma, a fé em Deus não deve
ser adulterada, e nem mesmo a santa ansiedade ou a
vigilância estão autorizadas a deslocar o terreno de
nossa confiança. Devemos, assim, com todas as nossas
forças depender daquele que é exaltado como Príncipe
e Salvador.
O CRENTE É UM MISSIONÁRIO.
Aquele que realmente crê em Jesus trará muita
esperança para os seus companheiros. Sem dúvida,
esta esperança é uma grande ajuda na prática do bem.
É verdade que muitos falharam em sua tarefa de
evangelização por que não creram que determinados
indivíduos poderiam ser salvos, entretanto, um cristão
genuíno jamais descartaria essa possibilidade, pois se a
graça foi capaz de alcançá-lo, certamente ela poderia
fazer o mesmo com qualquer um. A Palavra que atuou
profundamente em seu próprio ser poderia muito bem
efetuar o mesmo em outros. Por isso, caso tivesse uma
chance, o crente tentaria converter até mesmo o papa.
Na falta desse, porém, ele começa a empenhar as suas
forças com o primeiro que tiver a oportunidade. De
fato, a fé viva se propaga! Logo, se não tens nenhuma
preocupação com a alma do teu vizinho, já está mais
do que na hora de começar a se preocupar com a tua
própria.
A FÉ NÃO É UMA FANTASIA!
Devemos crer em Deus por aquilo que ele é, e não por
aquilo que ele não é. Precisamos esperar
confiantemente que ele aja de acordo com a sua
natureza, mas nunca o contrário. Imaginar que Deus
faça isso ou aquilo apenas por que nós desejamos que
faça, isto não é fé, mas fanatismo. A fé só poderá se
manter se estiver firmada sobre a verdade! Nesse
sentido, nós podemos ter a certeza de que Deus sempre
agirá para honrar a sua própria justiça, misericórdia,
sabedoria e poder, em uma palavra, de modo a ser
quem ele é. Sem qualquer sombra de dúvida, ele
cumprirá as suas promessas; e quando a fé se prende a
elas, encontra-se em terreno seguro. Esperar que Deus
nos dê o que ele nunca prometeu, é pura fantasia, pois
fé sem uma promessa implícita ou revelada é tolice.
Dessa forma, mesmo que a nossa confiança se derrame
em profundo clamor e oração, ela seria como um velho
caduco, caso não houvesse Palavra de Deus para
justificá-la. Felizmente, as promessas e revelações das
Escrituras abrangem cada emergência real da vida,
porém, quando aplicados desenfreadamente, visando
seu cumprimento, tendem a capturar os mais
desastrosos caprichos da mais louca imaginação; a
decepção deles não deveria nos causar surpresa. De
fato, é nosso dever crer nas coisas certas da Revelação
de Deus, mas não devemos desperdiçar um grão de
preciosa confiança com qualquer coisa fora disso.
POSTURA PROGRESSISTA?
Nenhum de nós já aprendeu todas as coisas que Deus
tem a ensinar pela sua Palavra. Nós apenas temos
caminhado pela superfície do grande mar, mas Oh
profundidade! Estamos a crescer na sabedoria
celestial! Ora, possivelmente uma geração ultrapassa a
outra em termos de conhecimento, porém, alguns
crescimentos são suspeitos, especialmente esses
provenientes de uma fé enfraquecida. É certo que do
período apostólico à Idade das Trevas, se a igreja
avançou foi para trás. O pensamento religioso fez
mediocres progressos estando por vários séculos longe
da verdade. É mais do que possível que o pensamento
moderno esteja iniciando mais um desses períodos
progressistas.
Aqueles que são aficionados pelas novidades podem
fazer doutrina de qualquer declaração divina como
“Ainda mais luz está para romper da Palavra”, nós,
porém, sem negar isso, pedimos licença para
levantarmos algumas questões sobre a interpretação
primária das profecias. Se isto quiz dizer que os
apóstolos, confessores e mártires não conheciam o
significado da Revelação de Deus; que os homens
santos do passado eram ignorantes quando
comparados com os mestres de nossos dias; e que os
puritanos e outros afins devem ser descartados porque
novas lâmpadas têm eclipsado a velha luz, então nós
temos que asseverar que tal afirmação não passa de
uma grande, óbvia e pestilenta mentira. Deus não
deixou estes dezenove séculos sem a sua graça. Ele não
tem atormentado as eras com uma Bíblia que só pode
ser aberta por uma sucessão de alemães com grandes
tubos de ensaio. Nós medimos os presunçosos
apóstolos do “pensamento moderno” e somos lentos
em admitir que a verdade do evangelho foi
propositadamente envolvida na obscuridade que seus
vastos intelectos desenvolveram nesses dias. Sob sua
liderança nossas igrejas estão famintas, a religião está
caindo no desprezo e ainda querem que esperemos
todos os dias por seus textos, os quais invertendo
continuamente os oráculos apenas revelam a sua
teologia progressista.
Xô! Continuaremos alimentando os homens com o Pão
do céu, enquanto estes pretendentes estão provando
que serragem é o verdadeiro recheio para os bonecos
humanos.
FÉ PARA TODAS AS OCASIÕES.
Deus é um! Suas obras e Seus caminhos são um! Tanto
as Suas leis para a terra quanto as para o céu estão
registradas no mesmo Livro. Diante de Deus, o natural
e o espiritual não entram em conflito. Perniciosa e
imaginária é a distinção que se faz entre o secular e o
sagrado. Cremos em Deus tanto para o presente
quanto para a eternidade, tanto para a terra quanto
para o céu, tanto para o corpo quanto para a alma.
Longe de qualquer homem honesto está o confinar a
sua fé em Deus apenas aos assuntos misteriosos e
impalpáveis, excluindo-a dos interesses imediatos e das
provações diárias da vida. Somos ensinados pelo nosso
Grande Mestre a orar ao Pai celestial: “Venha o teu
reino;” sendo que na mesma oração está inclusa a
petição: “Dá-nos hoje o pão nosso de cada dia.”
Confiar ao céu os grandes cuidados e deixar os
menores na descrença seria tão insensato quanto se
comprometer a cuidar da casa de um vigia e esquecer
uma janela aberta. O que é pouco? O que é
insignificante? Não existe isso na vida de um homem
sábio que anseia por fazer o que é correto. Não
mesmo! Nós devemos manter a fé sempre presente e
disponível para todos os momentos como uma casa
limpa, cujos móveis estão lustrados e as compras estão
feitas, pois se o nosso sustentáculo está disponível
apenas para as grandes ocasiões, poderemos estar
completamente despreparados para os males que vêm
de surpresa. Ora, “O justo viverá da fé!” A fé não é um
casaco que só usamos quando vamos para alguma
reunião, mas uma vestimenta diária. A fé deve ser
compreensiva, presente em todas as horas e sempre em
operação. Ela é fundamental para todos os momentos,
necessidades e contínuos perigos da vida. Da forma
como a espada do querubim impede todos os caminhos
de entrada para o Éden, assim também a fé guarda a
alma do avanço dos inimigos, não importando de que
ponto da bússola eles venham.
A FÉ TRABALHA.
A fé sincera não pertence à tribo dos lazzaroni* que
levam a vida de qualquer jeito e não se esforçam em
nada. Esse é sim o acompanhamento do desespero, e
não da confiança. Convencido da fertilidade do solo, o
agricultor semeia; certo da vitória, o soldado luta;
seguro do seu bom navio, o marinheiro se põe ao mar.
Não podemos crer que Deus, que trabalha cada vez
mais, pare de trabalhar. A fé nunca acredita ter
alguma vantagem na ferrugem do inglorioso ócio.
Não! A fé do dia-a-dia atinge os Alpes, une os mares,
invade o desconhecido, desbrava os perigos; e quando
se exercita na força do Senhor, ela afugenta os maus
hábitos, aniquila as cobiças, reveste-se de abnegação e
faz do homem um herói. Quanto mais fé maiores são
as conquistas! Como a válvula que regula a
quantidade de vapor que pode ser liberada, assim
também a fé pelo seu declínio ou avanço diminui ou
aumenta a força espiritual que é exercida em direção
ao coração de Deus. Sem dúvida, este é um assunto do
mais alto valor, pois não apenas temos que ter fé, mas
temos que tê-la mais e mais abundantemente. A regra
do Reino é “Seja segundo a tua fé.”
* Desocupados sem-teto de Nápoles, Itália, que viviam ao acaso ou da mendicância. Foram
assim chamados por causa do Hospital de São Lázaro que lhes servia de refúgio.
A FÉ ESPERA.
O coração incrédulo precisa ver imediatamente o
efeito de todas as causas, pois do contrário corre o
risco de duvidar até mesmo da própria causa. A fé,
porém, não tem pressa! Na natureza os mais preciosos
processos são lentos. É verdade que o aparecimento de
cogumelos em apenas uma noite é algo admirável, no
entanto, há processos mais nobres do que o dos fungos,
os quais não acontecem assim tão rapidamente.
Em termos de produzir uma certa condição, o
fenômeno dos fungos não seria o exemplo mais
apropriado, ao invés dele, pensemos, então, num belo
jardim nos meses de Junho*, tudo muito florido e bem
colorido. Para que haja esse cenário, porém, é
necessário que ele seja precedido pelo choroso céu
nublado de Abril e as instabilidades de Maio. O que
decorre daí? Do mesmo modo, a fé aceita a
imutabilidade da natureza de Deus e se compromete
com o seu consolo e segurança diante das mais
diversas circunstâncias externas, pois olhando por
detrás do visível cenário de constantes mudanças, ela
não está perplexa diante das aparências adversas.
Deus trabalha como lhe agrada. Ele não explica seus
métodos, mas dá a oportunidade de crer nas suas
promessas. Os mais nocivos elementos podem parecer
desfavoráveis para o alambique, e a fumaça do forno
pode surgir no processo, mas o maior bem é destilado
no devido tempo. Em nenhum momento durante o
processo deve-se estar descontente ou duvidoso do seu
desfeixo, nem mesmo desferindo as críticas da
ignorância, pois o homem de fé se abstém de julgar o
trabalho inacabado. Seus olhos são proféticos, ele é
capaz de ver o bem que está por vir e, portanto, jamais
arranca a maçã enquanto não está madura. Pressa,
preocupação, irritação e ansiedade são coisas para os
de paixão míope, mas descanso, calma, força e
prudência resultam de grande confiança.
* Spurgeon tem em mente os períodos do ano no Hemisfério Norte, especialmente em
Londres, onde as estações são bem marcadas por traços bem característicos que
distinguem uma das outras.
A FÉ CANTA.
A vida de fé é música! Ela marcha para as batalhas
com os salmos. Ela sofre com hinos nos seus lábios. Ela
glorifica a Deus no fogo. Ela transcende a esfera
natural exultando com louvores, tais como o Te
Deum*, e não com as dolorosas notas dos hinos
fúnebres. Ela se afasta das lamentações dos
“carpideiros de plantão” e entra sozinha na sala, tendo
em sua companhia apenas o Senhor, que é a
Ressurreição e a Vida. A dúvida faz sonetos ou canta
Hosanas? Ela escreve um réquiem? Dela são todas as
coisas que o poeta chama de “notas amargas”. Deixe
ela ir embora e uivar pelo Mar Morto sobre Sodoma e
Gomorra!
* Te Deum é um hino litúrgico que começa com as palavras “Te Deum Laudamus” (A
Vós, ó Deus, louvamos). Ele foi composto por Ambrósio e Agostinho num momento
de profunda inspiração espiritual.
A FÉ FAZ MUITA ORAÇÃO.
O crente se refugia em Deus todas as vezes que tem a
oportunidade de aquecer a sua comunhão com a
mente divina. A oração não é um monólogo, mas um
diálogo; não é uma introspecção, mas um olhar para
os montes, de onde lhe vem o socorro. Há um alívio em
desafogar o coração para um amigo de alma, e fé sente
isso abundantemente; mas há mais do que isso na
oração. Quando mediante obediência o dever da
oração é completado, e o pedido apresentado não é
respondido, então a mão de Deus é confiável para nos
apresentar propósitos maiores, tal como em outras
ocasiões. A fé não tem o desejo de seguir o seu próprio
caminho quando esse não está de acordo com a
vontade de Deus, pois isso seria o impulso de uma
descrença que não se submete ao juízo divino como o
melhor guia. Todavia, a fé sabe que a vontade de Deus
é o mais sublime bem, e caso sejam ouvidas as nossas
petições, o serão para o nosso próprio benefício. Todas
as coisas já são nossas por dádiva de amor, porém pela
oração é como se tudo isso fosse outra vez endossado
em nossa própria conta bancária com Deus, o que leva
o crente a ter um senso das Suas riquezas ilimitadas.
A FÉ GOZA DA HARMONIA ETERNA.
Confiar no Grande Pai estimula a nos satisfazermos
em todas as suas obras. O certo é que estamos fora da
engrenagem do universo até que estejamos em paz
com Deus; quando isso ocorre, todas as criaturas
entram num elo de amizade conosco e vice-versa, pois
na casa do Pai todas as coisas se congregam para a Sua
glória. Muitas igrejas são construídas sem necessidade,
pois esquecem-se de que toda a criação é templo do
Senhor e que, por isso, nada mais é tão simples ou
impuro. É assim que montanhas e colinas rompem
com cantos diante de nós e todas as árvores do campo
exultam com palmas. Não é de admirar que um
grande santo chamou os pássaros de suas “irmãs”,
pois se assemelhavam a tudo o que vinha das mãos do
nosso Criador. Em vez de descartarmos as pedras
soltas como inúteis, meditemos sobre o fato de termos
sido edificados na fábrica do divino Arquiteto, o qual
faz todas as coisas conforme a sua vontade. Logo,
ninguém tem mais prazer na natureza do que o
inteligente amigo de Deus. Ele conhece os segredos
mais íntimos, pois lhe foram expostos por aquele que é
a Voz e o Intérprete do mundo. A natureza para ele é
apenas um nome para um efeito cuja causa é Deus. Ele
percebe Deus em toda parte, especialmente no
Getsêmani e na cruz.
Um Espírito, o Seu, o qual o vestiu de espinhos
trançados sobre a fronte ensanguentada. Regras
Universais da Natureza.
O cientista fala de “Leis da Natureza” e o teólogo
discorre sobre o Decálogo, mas para o crente todas as
leis estão no Livro-Estatuto, e ele honra todas as coisas
por causa do Rei. Ele não vê a santidade enclausurada
por detrás de muros olhando para o lado de fora, pois,
se Deus estiver lá, cada lugar lhe é sagrado. Assim, a
chuva é água benta; a montanha um batistério; o vôo
dos pássaros uma sagrada procissão; a colheita um
sacramento; o trovão um hino e o relâmpago um
sermão. A fé inunda o universo com a Deidade quando
revela a ilimitada Presença daquele que é cada vez
mais a sua vida e felicidade.
SOB ALERTA!
Em tempos de conflito espiritual, quando a verdade do
evangelho é confrontada, eu costumo lembrar de um
crente que se levantava de madrugada e olhando para
a estrelada abóbada do céu dizia: “Meu Deus, eu sinto
tanto amor por ti, por teus caminhos, tuas leis e tuas
obras! Porque tu és infinitamente bom e glorioso.”
Desse modo, é confirmado o evangelho que lhe trouxe
um estado de grande afeição por Deus, e isso nos leva a
observar a sua veracidade. De modo inconsciente, a
mente é levada a identificar juízos do tipo: verdadeiro
e correto. Tal instinto é verídico, pois a verdade
purifica o homem; a mentira, porém, não faz isso, ela
apenas perverte.
AINDA MAIS AJUDA.
Um homem sob tentação entrou no seu quarto, dobrou
o seu joelho e orou de todo o coração em favor da
humanidade, desejando-a sinceramente o bem e
pedindo a Deus que a concedesse a graça necessária.
De modo especial, ele também pediu a Deus o perdão
dos pecados de todos aqueles que sem motivo lhe
haviam feito o mal. E, além disso, ainda expressou o
quanto reprovava o egoísmo e os pensamentos
desprovidos de amor. Ao levantar-se, ele já possuía na
mão uma arma contra a dúvida, pois a fé que o levou a
esta condição de puro e sincero amor não deve ser
outra coisa se não a própria verdade. Embora não seja
interessante trabalhar com silogismos como esse, e
essa lógica talvez não seja assim tão aceitável para
alguns, porém, mesmo assim, nós afirmamos que o
próprio homem é em si mesmo uma apropriada
evidência da verdade, e em muitos casos ainda uma
evidência melhor do que um argumento verbal. De
fato, amor e verdade estão em comum acordo, pois um
trabalha com as mãos do outro. A verdade gera amor
e o ódio brota da falsidade.
VERDADE, E TÃO GRANDE QUANTO A
VERDADE.
Se aquilo que a nossa fé recebe são realmente fatos,
eles são tremendamente verdadeiros, exigindo-nos
uma vida de alto padrão. Revelação não lida com
ninharias. Que os homens cuidem por manterem uma
conduta compatível com as verdades eternas! E que
também se regozijem com essa glória, pois sua é uma
herança de inconcebível magnificência cujas verdades
que abrangem a vida de fé são dignas dos imortais,
sim, dignas do próprio Deus. Andemos, assim, de
acordo com nossa elevada vocação. Oh, que neste dia
haja um fervor compatível com o templo do Infinito
ministrado por nós!
FÉ E O FIM.
O Senhor Jesus prometeu voltar, e a fé se apega a esta
promessa. Às vezes, ela anseia que o seu cumprimento
ocorra o quanto antes para que não precise passar
pela morte. Porém, os tempos e as épocas são de pouca
importância, uma vez que todas as bênçãos da
Segunda Vinda serão dela de um modo ou de outro.
Por que se o Senhor vier rapidamente, de modo que
não víssemos a morte, nós seremos transformados; e se
Ele demorar, de modo que viessemos a morrer, então
ressuscitaremos incorruptíveis. De qualquer jeito,
estaremos com Ele eternamente. Portanto, quer
durmamos ou não, este assunto não nos aflige com
suas terríveis dores no coração, pois dizemos: “Se eu
viver, Cristo estará comigo; se eu morrer, vou estar com
Cristo.” Que diferença isso faz?
FINALMENTE.
Nós nunca vimos um caso de alguém que à beira da
morte se arrependeu de sua fé em Deus. São milhares
os casos de pessoas que entediaram o seu leito de
morte com arrependimento, mas ninguém jamais
lamentou ter tido uma confiança em Deus muito
precoce, ou completa, ou prolongada. O que seria isso
que nenhum homem lamentou e que todos perseguem?
Nossos pais e antepassados passaram por este caminho
antes de nós, e eles nos imploraram a seguí-los. Eles
nos amaram muito para que tivéssemos imaginado que
confiar em Jesus lhes tivesse sido algo inútil. Seus
testemunhos na hora da morte clamam pela nossa
reverente obediência. Assim, então, que o tempo e a
eternidade tragam o que lhes é devido, nós, porém,
estamos comprometidos com Deus, o Fiel Criador.
A QUEM SEJA A GLÓRIA
PARA TODO O SEMPRE
AMÉM.