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HERMENÊUTICA JURÍDICA E TEMPOS MODERNOS: UMA METÁFORA PARA MELHOR COMPREENSÃO DA REALIDADE JURÍDICA NACIONAL E DA CRISE DO POSITIVISMO ATRAVÉS DA OBRA DE CHAPLIN. HERMENEUTICS AND MODERN TIMES: A METAPHOR FOR BETTER UNDERSTANDING OF THE LEGAL REALITY AND THE NATIONAL CRISIS OF POSITIVISM THROUGH THE WORK OF CHAPLIN. Gustavo Cristóvão de Oliveira Batista Jânia Maria Lopes Saldanha RESUMO O presente trabalho se situa no âmbito de uma reflexão sobre a crise que assola o direito, o estado e a todo o staff jurídico correspondente a um posicionamento dogmático concernente ao modo de interpretar o direito vinculado ao positivismo. Tal como a crítica de Charles Chaplin, no filme Tempos Modernos ao modo de produção econômica do início do século passado, se denuncia no presente trabalho um comportamento apressado e irrefletido dos operários do direito que acabam por alimentar um sistema voltado unicamente para uma lógica de produção econômica. O filme de Chaplin é o condutor desta jornada, pois se adapta perfeitamente a este tipo de metáfora, e por traduzir o que Heidegger chamou de Ge-stell- essência da técnica, disposição. Não surpreende, portanto, que a sensibilidade demonstrada por Chaplin traduza com perfeita clareza o espírito da modernidade, e que a trajetória da personagem se mostre tão familiarizada com os caminhos em que o direito perseguiu em terrae brasilis. PALAVRAS-CHAVES: POSITIVISMO. HERMENÊUTICA FILOSÓFICA. PARADIGMA INTERPRETATIVO. ABSTRACT This work is in part a reflection on the crisis that devastated the law, the state and the entire legal staff of a dogmatic position regarding how to interpret the law linked to positivism. As the criticism of Charles Chaplin, the film Modern Times to the mode of economic production to the start of the last century, is denounced in this work a hasty and reckless behavior of the workers the right to end up feeding a system geared solely to a logic of economic production. Chaplin's film is the driver of this journey, because it adapts well to this type of metaphor, and translate what Heidegger called Ge-Stell- essence of the technique. Not surprisingly, therefore, that the sensitivity shown by Chaplin lead with perfect clarity the spirit of modernity, and that the trajectory of the character is shown as familiar with the ways in which the right chased in terrae brasilis. 160

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HERMENÊUTICA JURÍDICA E TEMPOS MODERNOS: UMA METÁFORA PARA MELHOR COMPREENSÃO DA REALIDADE JURÍDICA NACIONAL E

DA CRISE DO POSITIVISMO ATRAVÉS DA OBRA DE CHAPLIN.

HERMENEUTICS AND MODERN TIMES: A METAPHOR FOR BETTER UNDERSTANDING OF THE LEGAL REALITY AND THE NATIONAL CRISIS

OF POSITIVISM THROUGH THE WORK OF CHAPLIN.

Gustavo Cristóvão de Oliveira Batista Jânia Maria Lopes Saldanha

RESUMO

O presente trabalho se situa no âmbito de uma reflexão sobre a crise que assola o direito, o estado e a todo o staff jurídico correspondente a um posicionamento dogmático concernente ao modo de interpretar o direito vinculado ao positivismo. Tal como a crítica de Charles Chaplin, no filme Tempos Modernos ao modo de produção econômica do início do século passado, se denuncia no presente trabalho um comportamento apressado e irrefletido dos operários do direito que acabam por alimentar um sistema voltado unicamente para uma lógica de produção econômica. O filme de Chaplin é o condutor desta jornada, pois se adapta perfeitamente a este tipo de metáfora, e por traduzir o que Heidegger chamou de Ge-stell- essência da técnica, disposição. Não surpreende, portanto, que a sensibilidade demonstrada por Chaplin traduza com perfeita clareza o espírito da modernidade, e que a trajetória da personagem se mostre tão familiarizada com os caminhos em que o direito perseguiu em terrae brasilis.

PALAVRAS-CHAVES: POSITIVISMO. HERMENÊUTICA FILOSÓFICA. PARADIGMA INTERPRETATIVO.

ABSTRACT

This work is in part a reflection on the crisis that devastated the law, the state and the entire legal staff of a dogmatic position regarding how to interpret the law linked to positivism. As the criticism of Charles Chaplin, the film Modern Times to the mode of economic production to the start of the last century, is denounced in this work a hasty and reckless behavior of the workers the right to end up feeding a system geared solely to a logic of economic production. Chaplin's film is the driver of this journey, because it adapts well to this type of metaphor, and translate what Heidegger called Ge-Stell- essence of the technique. Not surprisingly, therefore, that the sensitivity shown by Chaplin lead with perfect clarity the spirit of modernity, and that the trajectory of the character is shown as familiar with the ways in which the right chased in terrae brasilis.

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KEYWORDS: POSITIVISM. PHILOSOPHICAL HERMENEUTICS. INTERPRETIVE PARADIGM.

Ninguém pode servir a dois senhores, porque ou há de odiar um e amar o outro ou se dedicará a um e desprezará o outro.

Mateus 6, 24.

1 Introdução

O presente trabalho se situa no âmbito de uma reflexão sobre a crise que assola o direito, o estado e a todo o staff jurídico correspondente a um posicionamento dogmático concernente ao modo de interpretar o direito vinculado à filosofia da consciência e ao esquema sujeito-objeto.

Ocorre que as teorias jurídicas tradicionais foram moldadas de acordo com as necessidades de uma sociedade pré-industrial, do início do século XIX, carregando consigo uma idéia de “pureza” e “completude”. Tais matrizes teóricas colocam o juiz diante de uma tarefa operativa (subsunção), dado que a lei possui em si toda a medida da necessidade.

Tal como a crítica de Charles Chaplin no filme Tempos Modernos[1] ao modo de produção do início do século passado, através da fenomenologia hermenêutica, se denuncia no presente trabalho um comportamento apressado e irrefletido dos operários do direito, pois de tão preocupados e envoltos com as suas próprias necessidades, acabam por alimentar um sistema voltado unicamente para uma lógica de produção econômica.

O filme de Chaplin foi escolhido como o condutor desta jornada, eis que se mostra semanticamente adaptável a este tipo de metáfora, e por traduzir perfeitamente aquilo que Heidegger chamou de Ge-stell[2] - essência da técnica, disposição. Não surpreende, portanto, que a sensibilidade demonstrada por Chaplin traduza com perfeita clareza o espírito da modernidade, e que a trajetória da personagem se mostre tão familiarizada com os caminhos em que o direito perseguiu em terrae brasilis.

2 Positivismo, massificação e tecnicismo no cenário jurídico brasileiro

Ao se assistir o filme Tempos Modernos, de Charles Chaplin, logo se percebe sua genialidade e como a sua mente, através do filme, soube captar o espírito da modernidade. Seria óbvio afirmar que o filme é um retrato do período que passou os Estados Unidos chamado a Grande Depressão, nos anos de 1929 a 1941, onde em função da quebra da bolsa de Nova Iorque se desencadeou o pior e mais longo período

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de recessão da história americana, com quedas drásticas do produto interno bruto, desemprego em massa e aumento expressivo da pobreza naquele país e no mundo inteiro. Contudo, como o próprio autor afirma no início do filme, Tempos Modernos é “uma história sobre a indústria, a iniciativa privada e a cruzada da humanidade em busca da felicidade”.

E por se tratar de uma história sobre a humanidade, a película é uma severa crítica ao tecnicismo e à massificação social, se assim for necessário reduzi-la a apenas uma frase. No entanto, tendo bem presente que o ser-aí constitui uma compreensão “existencial fundamental”, o que nas palavras de Manfredo Araújo de Oliveira significa dizer que o “eis-aí-ser sempre se movimenta numa compreensão de seu próprio ser e dos outros seres”[3], ou, nas palavras de Gadamer, referindo-se a Heidegger, que o ser é “determinado a partir do horizonte do tempo”[4], muito do que é retratado no filme pode servir de metáfora à dogmática jurídica, que agonizantemente claudica no Brasil.

Dentre as possibilidades interpretativas que se desvelam, e neste trabalho o compreender é o que Gadamer designa como a “forma originária de realização da pre-sença, que é ser-no-mundo”, e a compreensão “é o modo de ser da pre-sença, na medida em que é poder-ser e possibilidade”[5], pode-se dizer que a primeira cena apresentada possui um conteúdo emblemático. Para aqueles que não lembram ou não tiveram a oportunidade de assistir este filme, o que é altamente recomendável, a primeira imagem, após a cena do relógio, projeta na tela do espectador um estouro de um rebanho de ovelhas que logo, no mesmo plano, é substituída por outra imagem de um grupo de trabalhadores que sobem uma escada e correm apressados e irrefletidamente para os seus postos de trabalho.

Antes, porém, uma pequena confissão. Na medida em que era necessário traduzir o evento para o texto ora apresentado, foi necessário revisar a cena por diversas vezes, pois a primeira impressão era de que se apresentavam gados na tela, e este foi o primeiro ímpeto em função de uma compreensão inautêntica. No entanto, para evitar incorreção, com auxílio de pessoas mais familiarizadas com o campo e com animais mamíferos domesticáveis, restou convencionado de que era na verdade um rebanho de ovelhas, o que bem demonstra que o conhecimento carece de um especificidade, que no dizer de Gadamer, é a “característica consistente em que nem o conhecedor nem o conhecido estão simplesmente dados “onticamente”. Eles se dão “historicamente”, isto é, possuem o modo de ser da historicidade”[6].

Neste sentido, Lenio Luiz Streck:

Desse modo, aquele que intenta compreender está exposto aos erros de opiniões prévias que não se comprovam nas coisas mesmas. Elaborar os projetos corretos e adequados às coisas, que, como projetos, são antecipações que devem confirmar-se nas coisas, é a tarefa constante da compreensão. A compreensão só alcança as suas verdadeiras possibilidades quando as opiniões prévias com as quais inicia não são arbitrárias.[7]

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Ademais, não se pode sair por aí trocando os nomes das coisas, “porque é o correto uso da palavra que é aceito como tal na comunidade lingüística que a emprega, pois é, precisamente, este acordo entre os membros de uma comunidade que torna a comunicação possível”, conforme assenta Lenio Luiz Streck[8].

2.1 O modo de interpretar o direito do Positivismo e processo fabril de Chaplin

Justamente, Tempos Modernos pode servir como uma metáfora para uma melhor compreensão da realidade dos juristas, pois cada vez mais a dogmática constrói “uma espécie de adaptação darwiniana do positivismo jurídico face à crescente judicialização do direito”[9], assevera Lênio Luiz Streck.

Gisele Cittadino, discorrendo a respeito da ausência de uma tradição de constitucionalismo comunitário no Brasil, afirma peremptoriamente que, ressalvando as raras exceções, “o pensamento jurídico brasileiro é marcadamente positivista e comprometido com a defesa de um sistema de direitos voltado para a garantia da autonomia privada dos cidadãos”[10].

Este posicionamento dogmático corresponde exatamente o modo de interpretar o direito por parte destes juristas, que, umbilicalmente vinculados à filosofia da consciência e do esquema sujeito-objeto, reproduzem o mesmo comportamento apressado e irrefletido dos operários de Chaplin, pois de tão preocupados e envoltos com as suas próprias necessidades, acabam por alimentar um sistema voltado unicamente para uma lógica de produção econômica.

Todavia, as teorias jurídicas tradicionais, e sobre as quais a dogmática jurídica brasileira está enraizada, de cariz positivo-normativas, foram moldadas de acordo com as necessidades de uma sociedade pré-industrial, do início do século XIX. Como base filosófica deste modelo está a filosofia da consciência de Immanuel Kant, que considerou a possibilidade da razão organizar e apreender as esferas de conhecimento “a priori”.

Immanuel Kant, a respeito da possibilidade de se apreender as coisas, profere:

Se se atende a que dito sistema tem por objeto, não a natureza das coisas, que é infinita, mas o entendimento que julga sobre a natureza das coisas, e ainda esse entendimento considerado somente em relação aos seus conhecimentos “a priori”, podemos presumir que o sistema não é impossível, nem tão vasto, que se não possa esperar o seu termo.[11]

Tal matriz teórica influenciou profundamente a obra de Hans Kelsen, que esse, na sua teoria, fundado na metafísica kantiana, concebeu um direito puro, separado dos fatos - idealizado. Na verdade se pode dizer que tal proposição é anterior a Kant – a de um mundo idealizado, pois como afirma Gadamer, “isso se articula com uma tradição que

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remonta, enquanto distinção entre filosofia teórica e filosofia prática, a Aristóteles, mas que obteve um outro caráter com o surgimento da ciência moderna”[12].

Este fenômeno, no que concerne à incompletude na aplicação e interpretação das normas jurídicas, para os positivistas, é relativamente novo, pois estes sempre compreenderam o mundo a partir de uma suposta completude do ordenamento jurídico, porque o viam estático e mercê das suas disposições de vontade – caráter solipcista. No entanto, a partir do pós-positivismo e da virada lingüística, se percebe que a realidade se apresenta muito mais rica que se pressupunha, e que o direito não está alheio à faticidade e à invasão da linguagem ocorrida na filosofia.

Até recentemente se tinha a idéia de que os problemas das antinomias do ordenamento jurídico se resolviam a partir de critérios cronológicos, hierárquicos e de especialidade[13], ficando o juiz vinculado à “vontade da lei”. E justamente sobre tal pretensão, de esgotamento do sentido das coisas, que o positivismo jurídico se assentou e manteve- a sua impossibilidade de compreender os fenômenos e relações do novo tipo de sociedade, porque fundamentado em ideais de busca pela segurança e certeza – caráter iluminista.

Para tal sistema, ao se prescrever a norma jurídica reguladora dos comportamentos sociais, o Estado-legislador estaria arbitrando o futuro, ou seja: prescrevendo antecipadamente qual o único tipo de comportamento possível ou aceitável. Estar-se-ia, desta forma, cristalizando o futuro e “impedindo” qualquer característica de mudança que não fosse efetivada através da alteração da norma jurídica, pois esta, em si mesma, possuiria uma propriedade valorativa natural e imanente.

Neste estado de coisas, o papel do processo seria a busca pela “verdade”. Como o sentido da lei sempre foi pensado de forma unívoco, segundo Ovídio A. Baptista da Silva[14] caberia à sentença “revelar” essa verdade e prolatá-la. Para isso, segundo o citado autor, o racionalismo contribuiu fortemente para vincular a impossibilidade de estabelecer critérios valorativos a partir de realidades fáticas diferentes, pois na Lei estaria, segundo a lógica das ciências explicativas, toda a medida da necessidade.

A norma jurídica, ainda, seria um pressuposto “tão evidente como qualquer operação matemática”[15]. O juiz e as partes saberiam, antecipadamente, o resultado do cálculo, o que justificaria “a responsabilidade do sucumbente pelas despesas processuais”, segundo Ovídio A. Baptista[16], pois resistiu a um “direito sempre evidente”.

Ignora-se assim não ser a ciência jurídica uma ciência exata. Pelo contrário, sacraliza-se o método em detrimento de sua substancialidade, para fins de melhor enquadrar suas abstrações. Não se percebe que “o direito será sempre um "problema"[17], não um teorema; não assimila que o litígio brota da incerteza do direito, que a lei é, por sua natureza, uma norma carente de compreensão hermenêutica. Os fatos, neste sentido, são objetos de investigação hermenêutica, que serão lidos de acordo com as circunstâncias de sua existência, a fim de produzir um correto entendimento da narrativa, e não podem ser isolados ou afastado da produção do próprio direito.

Inobstante às hipóteses de alargamento, os sistemas tradicionais continuam baseados em ideais de previsão de segurança, certeza e previsibilidade, mesmo não sendo mais possível arbitrar segurança jurídica nas novas relações e por ser incompatível com esse

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novo tipo de sociedade. Não há mais como se calcular causa e efeitos. Esta idéia de cálculo, que prioriza mais o valor segurança em detrimento do valor justiça, segundo Ovídio A. Baptista da Silva[18], é resultado de uma “completa submissão do pensamento jurídico aos métodos e princípios das ciências da natureza, ou das ciências lógicas, como a matemática”.

Ovídio A. Baptista da Silva[19], discorrendo a respeito do tema, afirma que “ a crise é da modernidade e de seus sonhos, dentro da qual tem curso a chamada crise do Poder Judiciário. [...] essa crise não decorre de um inadequado ou insuficiente desempenho funcional da jurisdição”. Mais adiante, se pronunciando especificamente sobre o sistema processual, conclui que “o que está em crise é o sistema. Certamente não apenas o sistema processual. A crise do Poder Judiciário é reflexo de uma mais ampla e profunda crise institucional, que envolve a modernidade e seus paradigmas.”

Na medida em que os conflitos são metaindividuais, ou, por assim dizer, coletivos, de interesse de toda a sociedade, operar com um sistema que contribuiu para a arbitrariedade e um processo de perfil privado e individualista, é ignorar as conseqüências do graves problemas diagnosticados.

Ocorre que essa necessidade e procura pela prestação jurisdicional, conforme sustenta Lenio Luiz Strek, decorre das promessas contidas no texto constitucional, mais precisamente ao atribuir-se ao Estado, agora adjetivado com a expressão “Democrático de Direito”, a função de transformador social[20]. Neste modelo, o modo de produção do direito não deve se limitar à “resolver disputas interindividuais” [21].

E aqui marcamos o desenvolvimento do personagem de Charles Chaplin. Primeiramente ele é engolido pelo sistema, que representa a primeira fase do constitucionalismo, o de matiz liberal-burguês, para o qual o positivismo foi moldado, e que, na figura do personagem Carlitos, absorve para o seu cotidiano, para sua vida pessoal, as características repetitivas, especializadas e de alienação que faz parte das suas tarefas desenvolvidas. A personagem não tem uma percepção do todo, mas apenas da tarefa que desempenha. Trata-se do modelo taylorista-fordista de produção[22].

A tarefa de apertar porcas[23], diante da estafa da personagem, é aplicada em todas as esferas das suas relações, numa reprodução repetitiva e irreflexiva, baseada tão somente num julgamento individual de similaridade. Os botões da saia da secretária do dono da fábrica ou da senhora que passava desavisadamente pelo local, bem demonstram que o condicionamento da personagem era extremo, o que lhe impedia de cumprir uma tarefa autêntica de compreensão, bem como suspender os seus pré-juízos.

Esta mesma incompreensão vai se demonstrar mais tarde quando, trabalhando na indústria naval, numa clara crítica à especialização do trabalho, procura por um calço de madeira e acaba por encontrar justamente um que servia de trava do navio que estava sendo construído.

Esta realidade, no entanto, não parece distante do cenário jurídico brasileiro. A subversão na aplicação dos princípios, súmulas vinculantes, os recursos especiais repetitivos, a supressão de revisores nas instâncias superiores da Justiça do Trabalho, as decisões unânimes nas câmaras dos Tribunais de Justiça e etc., tudo isso está a revelar esta faceta.

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O relatório do Banco Mundial[24], publicado em 2004, pretendeu estabelecer uma radiografia do sistema judiciário brasileiro, a fim de identificar os gargalos do sistema. Deste modo, constatou que um dos fatores que impulsionava a crise do judiciário, dentre muitos, era o aumento da procura dos serviços judiciais. Para isso, apontou uma solução: restringir a demanda[25]. Também sugeriu a utilização de parâmetros claros de interpretação e aplicação das leis, impondo sanções a quem violasse, bem como se diminuísse as possibilidades recursais. Não é de se estranhar, portanto, em 2006 termos sido presenteados com as súmulas vinculantes, Lei 11.417, e também com a repercussão geral, Lei 11.418.

Soma-se a isto um sistema misto de controle da constitucionalidade (difuso e concentrado), prestigiando-se mais o controle concentrado, as paulatinas reformas no código de processo civil, que mais parecem privilegiar às demandas com características patrimoniais, como por exemplo as reformas no processo de execução para o cumprimento da sentença, sem que igual tratamento se vislumbre às demandas com cariz social, e os recursos especiais repetitivos. Enfim, todas estas reformas e alterações atendem mais a um modelo de linha de produção econômica do direito, do que propriamente uma preocupação com efetividade da jurisdição. O judiciário passa a ser uma indústria de serviços, preocupado com os seus índices de produtividade e estatísticos, muito aquém das tarefas interpretativas que deveria se ocupar.

O judiciário, nesta perspectiva, deve resignar-se à tarefa de aplicação da lei e enquadramento das situações fáticas às hipóteses de incidência da norma jurídica. Tudo tem que estar de acordo com esse modelo pré-programado, e se os juízes excederem-se na sua tarefa interpretativa no processo, está lá a súmula vinculante para devolver-lhe o “sentido”.

Lenio Luiz Strek[26], trabalhando com a obra de Luis Alberto Warat, mais precisamente com o que chama de “sentido comum teórico dos juristas”, afirma que o direito “se sustenta em um emaranhado de crenças, fetiches, valores e justificativas [...] que são legitimadas mediante discursos produzidos pelos órgãos institucionais”. Este emaranhado constituiria um conjunto de saberes acumulados, o que por sua vez representaria o que chamamos de dogmática jurídica[27].

E quanto ao sentido comum teórico sentencia:

O sentido comum teórico “coisifica” o mundo e compensa as lacunas da ciência jurídica. Interioriza – ideologicamente – convenções lingüísticas acerca do Direito e da sociedade. Refere-se à produção, à circulação e à “consumação” das verdades nas diversas práticas de enunciação e de escritura do Direito, designando o conjunto das representações, crenças e ficções que influenciam, despercebidamente, os operadores do Direito. Traduz-se em uma “para-linguagem”, situada depois dos significantes e dos sistemas de significação dominantes, que ele serve de forma sutil, para estabelecer a realidade jurídica dominante. É o local “dos segredos”.[28]

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O sentido comum teórico, segundo Lenio Streck, serviria aos seguintes propósitos: normativo, ideológico, retórico e político. Tais propósitos se prestariam para adestramento, homogeneização e manutenção das relações de poder, através de “um conjunto unívoco e bem ordenado aos fins propostos”[29]. Citando, ainda, Modesto Carvalhosa e Boaventura de Souza Santos, sustenta que o intervencionismo estatal ou o comumente chamado Estado Social são subterfúgios da sociedade capitalista para aplacar a rebeldia e para “compatibilizar as promessas da Modernidade com o desenvolvimento capitalista”[30].

3 A necessidade de se implantar um novo paradigma interpretativo para superação do positivismo

Não duvidamos do protagonismo que os tribunais possam exercer, principalmente quanto à concretização dos direitos sociais e à emancipação da cidadania. Porém, como afirma Lenio Strek, no Brasil, o poder judiciário “não está preparado para o enfrentamento dos problemas decorrentes da transindividualidade, própria do (novo) modelo advindo do Estado Democrático de Direito”.

Não está preparado, não porque não o deseje. Não está preparado porque, como afirma Álvaro Felipe Oxley da Rocha, está neutralizado por “uma rede de dependências”[31]. A primeira delas é o subsunção lógico formal, que o confina à microlitigação, e a outra, pelo sistema recursal, que é a formula de controle das decisões dos juízes por parte das instâncias superiores. Noutro sentido, não se encontra apta, também, porque os seus agentes foram treinados somente para dirimir conflitos individuais e não tiveram a formação[32] adequada para ter “um entendimento preciso das estruturas socioeconômicas”[33].

Outro aspecto que bem demonstra a crise do modelo é a cisão entre a normatividade e a faticidade. Nesta ordem, interessa imensamente “ao jurista comprometido com o processo é o "significado" dos fatos, que se transforma, conforme o contexto em que são empregados; e transforma-se ainda mais profundamente quando as condições históricas e culturais se transformam”[34]. Pois, para Ovídio A. Batista da Silva[35], é esta a tarefa para o qual o processo deve ser colocado à serviço. Uma tarefa essencialmente hermenêutica. Contudo, tudo o que se vê é o privilegiamento da fórmula (procedimento), em detrimento do conteúdo.

3.1 A hermenêutica jurídica a partir da virada lingüística-ontológica na filosofia: uma realidade a ser construída

Neste sentido podemos dizer que a grande massa de juristas nacionais foi inoculada por aquilo que Heidegger chama de Ge-Stell – passando da época da objetividade para a época da disponibilidade, pois “a essência da ciência moderna fundamenta-se na

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essência da técnica”, e a “a essência da técnica é dispositivo, porque o dispositivo é que converte sempre em objeto a coisa” [36]. Estes operadores do direito foram impelidos pelo método a transformar o direito em objeto. Objetificando o direito, este deixou de ser uma construção humana advinda de sua condição histórica mediado pela lingüisticidade.

Ocorre que, como bem afirma Manfredo Araújo de Oliveira, “o ser não é objeto; por essa razão, é aquele espaço em que toda a representação e práxis são possíveis”[37]. Outrossim, é a partir da linguagem que se tem condição de possibilidade e esta não pode reduzir-se a mero instrumento, “pois, em todo saber de nós mesmos, como em todo saber do mundo, já sempre estamos envolvidos pela linguagem, em que se dá a clareira do ser, onde se manifesta a compreensão do ser e onde fala a “voz do ser””[38].

Logo, a superação do positivismo, que resiste injustificadamente nesta quadra da história, é condição necessária para a implantação e consolidação de um modelo de constitucionalismo compromissório, valorativo e principiológico, fundado em um Estado Democrático de Direito.

Neste sentido, os princípios devem ocupar um papel essencial na construção deste modelo, o que não vem ocorrendo. Segundo Lenio Luiz Streck, os princípios que “deveriam superar o modelo discricionário do positivismo, passaram a ser anulados por conceitualizações, que acabaram por transformá-los “regras” ou “proto-regras” (verbetes, conceitos lexicográficos, enunciados, súmulas, etc.)”[39]. Exatamente por ter o método (ou o procedimento que pretende controlar o processo interpretativo) – “que sempre chega tarde, porque o dasein já se pronunciou há muito”[40] – ocultado a diferença ontológica, pela qual o ser é sempre o ser de um ente, e o ente, é sempre o ente de um ser, se está colocando vinho novo em odres velhos[41].

Assim, deve-se ingressar e abraçar o novo constitucionalismo, despertados do sono do velho dogmatismo, assim como o personagem de Chaplin, que após conhecer sua amada, decide resistir bravamente às dificuldades que se lhe apresentam ao longo da sua jornada. Na verdade o filme inteiro é uma prova de resistência da personagem, que passa por todos os tipos de situações, desde clínicas de reabilitação, prisão, pobreza extrema e momentos de resignação: como aquele em que mesmo tendo sido sua liberdade assegurada, prefere continuar enclausurado em face dos graves problemas pelos quais se passavam fora da prisão e sobre os quais se informa a partir da leitura do jornal. Contudo não é essa atitude final da personagem, e nem deve ser a do hermeneuta.

O filme, assim como inicia, termina também com uma cena emblemática belíssima, cheia de conteúdo semântico. Na verdade o filme inteiro é repleto de conteúdos simbólicos bastante significativos. Mas na cena final, Carlitos e a amada, após sofrerem com todos os seus desajustes sociais, decidem compartilhar a jornada e vão de braços dados em direção ao horizonte, numa viagem sem qualquer indicação de destino ou certeza, munidos apenas da esperança do amanhecer.

Tal esperança pode ser traduzida por uma necessária mudança de paradigma. Mas esta mudança, como sustenta Ernildo Stein[42], “quando hoje temos ocasião de constatar uma “virada” na forma filosófica de estilo e na situação da discussão”, não ocorre simplesmente por uma imposição da vontade. Ocorre porque “a mudança de paradigma

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que se anuncia em determinado grupo de filósofos ou em determinada obra fundamental deve-se muito a certas inércias históricas”, e as contribuições de mentes privilegiadas.

Sendo assim, em face da absoluta obsolescência do velho positivismo, um novo paradigma filosófico deve orientar as ciências jurídicas, e que deve ser construído a partir da viragem lingüístico-ontológica, pois este giro lingüístico-hermenêutico “proporciona um novo olhar sobre a interpretação e as condições sob as quais ocorre o processo compreensivo”, conforme leciona Lenio Luiz Streck[43].

Não há mais como sustentar posições que proponham regras (método) ou cânones para o processo interpretativo, pois todos estes, como bem demonstrou Gadamer[44], não passam de argumentos arbitrários sob o predomínio da objetividade ou da subjetividade. Como ensina Lenio Luiz Streck, “não resistem às teses da viragem lingüístico-ontológica, superadoras do esquema sujeito-objeto, compreendidas a partir do caráter ontológico prévio do conceito de sujeito e da desobjetificação provocada pelo círculo hermenêutico e pela diferença ontológica”[45]. Com o ontologische wendung há a superação dos paradigmas metafísicos objetivista aristotélico-tomista e subjetivista – filosofia da consciência.

Resta perfeitamente explicável a partir de tais explicitações do Dasein – um aí antes do ser, uma clareira no ser – que a interpretação não pode ser cindida, assim como sustenta a dogmática jurídica tradicional. Não há como se sustentar que o processo interpretativo é dividido ou especializado, tal como apresentado no sistema de produção taylorista-fordista. Não se compreende (subtilitas intelligendi), para depois explicar (subtilitas explicandi), e para, por fim, aplicar (subtilitas applicandi).

Neste sentido Wálber Araújo Carneiro:

A fenomenologia hermenêutica se mostra, assim, como a analítica de um processo inevitável no qual o ser se desvela. Esse desvelamento só é possível se algo se põe aquele que compreende; àquele que carrega os ser velado, ou seja, quando algo se mostra ao Dasein [é um termo da língua alemã decorrente de dois outros signos (da+sein). “Sein” significa ser, enquanto o “da” estaria próximo da nossa preposição “ai”. O ser-aí (Dasein) é o ser que se coloca em meio à linguagem, que a compreende por estar imerso no local onde as expectativas comunicativas se dão]. Esse algo que se mostra ao Dasein é o ente, aquilo que será nomeado, valorado, estigmatizado, enfim, humanizado. Esse ente, portanto, não entra no Dasein, nem tampouco é reproduzido na consciência do sujeito do conhecimento. Esse ente apenas toca o sujeito provocando nele a compreensão, o desvelamento do ser. Vê-se, assim, que não há uma reprodução, mas um bombardeio ôntico no Dasein que provoca uma reação no mundo da linguagem provocando compreensão.[46]

Ademais, para Gadamer, não há nenhum ideal existencial, pois a existência humana está sustentada por algo extra-histórico, natural; o conhecimento histórico é uma adequação à coisa, uma mensuratio ad rem, e a coisa não é um factum brutum. Fazemos história na medida em que somos “históricos” – significa que a historicidade do Dasein (pre-sença

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humana) em toda a sua mobilidade do relembrar e do esquecer é a condição de possibilidade de atualização do passado em geral. A partir do que ele desenvolve como “pertença”, esta se configura como uma condição para o sentido originário do interesse histórico, porque a pertença a tradições faz parte da finitude histórica do Dasein tão originária e essencialmente como seu estar-projetado para possibilidades futuras de si mesmo.

Por isso, como afirma Lenio Luiz Streck[47], “compreender não é produto de um procedimento (método) e não é um modo de conhecer”, compreender é “um modo de ser, porque a epistemologia é substituída pela ontologia da compreensão”. Noutras palavras, o processo de compreensão parte de uma compreensão prévia, constituída de estrutura prévia do sentido. Funda-se em uma posição prévia (vorhabe), uma visão prévia (vorsichti) e em uma concepção prévia (vorgriff). Por isso estamos condenados a interpretar, e o horizonte de sentido, que no sentido gadameriano é o âmbito de visão que abarca e encerra tudo o que é visível a partir de um determinado ponto, nos é dado pela compreensão que temos de algo. Compreender é um existencial.

A partir do círculo hermenêutico, uma interação ontológico-dialético entre a consciência histórica e a abertura interpretativa permitida pelo objeto, em seu próprio ambiente, Gadamer faz uso, em sua fundamentação, da existência destes dois horizontes, concluindo que interpreta-se a partir da “fusão de horizontes”, ou seja: a interação entre aquilo que se conhece e aquilo que se propõe a conhecer, incluído aí também uma ação circular entre passado e presente, este em constante mutação, o que por sua vez produz uma verdadeira compreensão. Por tal decorrência, aquelas características concebidas distintamente se fundem. Compreensão, interpretação e aplicação ocorrem conjunta e instantaneamente - applicatio. Compreende-se porque se aplica, e se aplica porque se compreendeu. Não há cisão. Aplicação compreende e integra o ato de compreender, pois interpretar é explicitar o compreendido.

Poderia se seguir sustentando a respeito da fenomenologia hermenêutica, mas isto é tarefa para vida toda. Mesmo assim, os conceitos aqui apresentados e ainda outros, tais como a mediação, o diálogo, o distanciamento temporal e a lingüisticidade, não explorados no presente trabalho, atentam para o fato de que o intérprete é finito, e seu horizonte de conhecimento limitado, o que demanda uma atitude sempre reflexiva e contínua de convicções e de aprendizado, não podendo se cristalizar posições, especialmente no âmbito jurídico, o que parece ter sido a posição reinante na dogmática jurídica brasileira.

A cena final do filme de Chaplin pode ter terminado com uma caminhada numa estrada em direção ao amanhecer. Mas aquele horizonte, se imaginarmos uma continua caminhada das personagens, não é estático, assim como o de cada um de nós. Na medida em que avançamos, nossos horizontes se modificam e novas revelações e desafios se nos apresentam.

Por isso, se comunga do pensamento de Lenio Luiz Streck:

[...] a força normativa da Constituição – compreendida “como” (etwas als etwas) Constituição que nasce da revolução copernicana que institui o neoconstitucionalismo –

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dependerá de uma adequada interpretação, uma vez que esta – a interpretação – que se constitui como condição de possibilidade para o acontecer de uma nova teoria das fontes e de uma nova teoria da norma jurídica, completando-se, assim, a superação do positivismo a partir dessa batalha travada nessas três frentes (teoria das fontes, teoria da norma e a hermenêutica).[48]

Sendo assim, a caminhada em direção ao horizonte, é uma caminhada em direção ao um novo constitucionalismo, que inexorável, assim como amanhecer, impõe os seus raios para iluminar o árduo dia de trabalho que se apresenta os juristas.

4 Considerações finais

As transformações sociais são inevitáveis, e fazem parte da nossa realidade cotidiana. No entanto, grande parte da comunidade jurídica ainda não atentou para contundente transformação por que passa a sociedade, especialmente a que se caracteriza pela invasão da linguagem na filosofia, e porque não, no direito também.

Não percebe a impossibilidade de se apreender integralmente a realidade social através de um ordenamento linear. Continua refratária e resistente às mudanças, mesmo que previsível o esgotamento e o esfacelamento de um modelo estrutural concebido para a sociedade do início do século XIX.

O enfrentamento e a denúncia em relação a conceitos objetificantes são prioritários, na medida em que a reprodução de modelos já esgotados – como se estes pudessem responder satisfatoriamente às necessidades do tempo presente, plural, dinâmico e complexo – já não se tornam mais plausíveis de sustentação.

De outra banda é preciso enfrentar os desafios que nos cercam, combatendo o desperdício das experiências e a funcionalidade do direito, sob pena de se perder o rumo. Para isso, as razões e as ideologias que trouxeram a ciência jurídica até esta quadra da história não podem ser esquecidas, mas não devem ser reproduzidas como modelo, especialmente àquelas apresentadas com clara intenção de encobrir os mecanismos de dominação.

Desvelar esses sentidos é tarefa dos juristas, bem como, responsavelmente, apontar e discutir soluções que representem avanço, progresso da democracia e uma adequada interpretação constitucional.

Como afirmamos anteriormente, caminhamos em direção ao horizonte, e esta caminhada não traz qualquer antecipação de sentido, pois é caminhando que se faz o caminho, é caminhando que se avança para o futuro, é caminhando que se mostram novos horizontes.

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Obras consultadas

BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento Jurídico. (Trad. Maria Celeste C. J. Santos; ver. téc. Cláudio de Cicco; apres. Tércio Sampaio Ferraz Júnior. – Brasília: Editora. Universidade de Brasília, 10ª ed., 1997.

CARNEIRO, Walber Araújo. Hermenêutica Jurídico-Filosófica: a produção do direito como compreensão no processo jurisdicional. Artigo cedido diretamente pelo autor.

CITTADINO, Gisele. Pluralismo, Direito e Justiça Distributiva: Elementos da Filosofia Constitucional Contemporânea, 3ª Edição, Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris,2004.

DICIONÁRIO de Filosofia. Verbete Hermenêutica jurídica.

DICIONÁRIO de Filosofia do Direito. São Leopoldo: Unisinos, 2006.

GADAMER, Hans-Georg. Hermenêutica em Retrospectiva, Vol. III. Tradução Marco Antonio Casanova, Petrópolis: Editora Vozes, 2007.

_____________________. Verdade e Método I: Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Revisão e Tradução: Enio Paulo Giachini. Petrópolis: Editora vozes, 2008.

KANT, Immanuel. Versão eletrônica do livro Crítica da Razão Pura. Tradução: J. Rodrigues de Merege. Membros do grupo de discussão Acrópolis (Filosofia). http://br.egroups.com/group/acropolis. p. 12.

NEVES, Antônio Castanheira. O Direito hoje e com Que sentido? Lisboa : Instituto Piaget, 2002.

OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Reviravolta lingüistico-pragmática na filosofia contemporânea. São Paulo, Edições Loyola, 1996.

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SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma revolução democrática da justiça. São Paulo: Cortez, 2007.

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__________________________. Jurisdição e execução na tradição romano-canônica. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

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__________________________. Processo e Ideologia: o paradigma racionalista. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

STEIN, Ernildo. Racionalidade e Existência: o ambiente hermenêutico e as ciências humanas, 2ª Edição, Ijuí: Ed. Unijuí, 2008.

STRECK, Lenio Luiz. A Atualidade do debate da crise paradigmática do direito e a resistência positivista ao neoconstitucionalimo. In: Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica col. 1, nº 4. Porto Alegre: Instituto de Hermenêutica Jurídica, 2006.

_________________. A hermenêutica filosófica e as possibilidades de superação do positivismo pelo (neo)constitucionalismo. In: Constituição, sistemas sociais e hermenêutica: programa de pós-graduação em Direito da UNISINOS: mestrado e doutorado / orgs. Leonel Severo Rocha, Lenio Luiz Streck, José Luis Bolzan de Morais...[et al.]. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed.; São Leopoldo: Unisinos, 2005, anuário 2004.

_________________. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007.

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Sítios consultados

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SILVA, Ovídio A. Baptista da. Da função à estrutura. Disponível em: <http://www.baptistadasilva.com.br/artigos018.htm.> Acesso em: 03 ago 2008.

[1] O título original é “Modern Times”, de 1936, escrito, produzido , dirigido e interpretado por Charles Chaplin.

[2] O assunto será melhor analisado posteriormente no sub-capítulo 3.1 do presente trabalho.

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[3] OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Reviravolta lingüistico-pragmática na filosofia contemporânea. São Paulo, Edições Loyola, 1996, p. 210.

[4] GADAMER, Hans-georg. Verdade e Método I: Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Revisão e Tradução: Enio Paulo Giachini. Petrópolis: Editora vozes, 2008, p. 345.

[5] Ibid., p. 347.

[6] Ibid., p., 350.

[7] STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Juridica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007, p. 208

[8] Ibid, p. 170.

[9] STRECK, Lenio Luis. Verdade e Consenso: Constituição, Hermenêutica e Teorias Discursivas da possibilidade à necessidade de respostas corretas em direito, 2ª Edição, Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007, p. 174.

[10] CITTADINO, Gisele. Pluralismo, Direito e Justiça Distributiva: Elementos da Filosofia Constitucional Contemporânea, 3ª Edição, Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2004, p. 14.

[11] KANT, Immanuel. Versão eletrônica do livro Crítica da Razão Pura. Tradução: J. Rodrigues de Merege. Membros do grupo de discussão Acrópolis (Filosofia) Disponível em: <http://br.egroups.com/group/acropolis> p. 12. Acesso em 03 ago 2008.

[12] GADAMER, Hans-Georg. Hermenêutica em Retrospectiva, Vol. III. Tradução Marco Antonio Casanova, Petrópolis: Editora Vozes, 2007, p. 16.

[13] BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento Jurídico. Tradução Maria Celeste C. J. Santos; ver. téc. Cláudio de Cicco; apres. Tércio Sampaio Ferraz Júnior.10ª Edição, Brasília: Editora Universidade de Brasília,1997, p. 91-97.

[14] SILVA, Ovídio A. Baptista da. Jurisdição e execução na tradição romano-canônica. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 99.

[15] SILVA, Ovídio A. Baptista da. Jurisdição, direito material e processo. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 116.

[16] Ibid. p. 116.

[17] Ibid. p. 117.

[18] SILVA, Ovídio A. Baptista da. Jurisdição e execução na tradição romano-canônica. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 89.

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[19] SILVA, Ovídio A. Baptista da. Da função à estrutura. Disponível em: <http://www.baptistadasilva.com.br/artigos018.htm.> Acesso em: 03 ago 2008.

[20] Neste sentido ver STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise, p. 33-37.

[21] Ibid., p. 33.

[22] Modelo de administração de produção baseado em critérios científicos de Frederick W. Taylor. Este, em 1911, propôs a intensificação da divisão do trabalho com o fracionamento das etapas do processo produtivo de modo que o trabalhador desenvolvesse tarefas ultra-especializadas e repetitivas e fazendo um controle sobre o tempo gasto em cada tarefa e um constante esforço de racionalização, para que a tarefa seja executada num prazo mínimo. Este modelo de produção foi implantado primeiramente por Henry Ford na sua empresa Ford Motor Company, que absorvendo as idéias de Taylor, instituiu três princípios básicos no seu modelo produtivo: o da intensificação, o da economia e o da produtividade.

[23] Aqui, segundo o Dicionário Aurélio, no sentido de “pequena peça de ferro, em geral sextavada ou quadrada, munida de furo em espiral que se atarraxa na extremidade de parafuso cilíndrico”.

[24] RELATÓRIO do Banco Mundial. Fazendo com que a justiça conte: medindo e aprimorando o desempenho do judiciário no Brasil. Disponível em: <http://siteresources.worldbank.org/BRAZILINPOREXTN/Resources/3817166-1185895645304/4044168-1186404259243/29Justica.pdf.> Acesso em: 03 ago 2008.

[25] Ibid., p. 134.

[26] STRECK. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise, p. 67.

[27] Ibid., p. 67.

[28] Ibid., p. 67.

[29] Ibid., p. 68.

[30] Ibid., p. 22.

[31] ROCHA, Álvaro Filipe Oxley da. Sociologia do direito: a magistratura no espelho. São Leopoldo: Ed. Unisinos, 2002, p. 33.

[32] SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma revolução democrática da justiça. São Paulo: Cortez, 2007, p. 66-78.

[33] STREK. Hermenêutica Juridica e(m) crise. Op. cit., p. 36.

[34] SILVA. Jurisdição, direito material e processo. p. 115.

[35] Ibid., p. 115.

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[36] STRECK.Hermenêutica Juridica e(m) crise. Op. Cit., p. 205.

[37] OLIVEIRA. Op. cit., p. 217.

[38] Ibid., p. 216.

[39] STRECK. Verdade e Consenso, Op, Cit., p. 174.

[40] DICIONÁRIO de Filosofia do Direito. São Leopoldo: Unisinos, p. 432.

[41] "Ninguém costura remendo de pano novo em veste velha; porque o remendo novo tira parte da veste velha, e fica maior a rotura. Ninguém põe vinho novo em odres velhos; do contrário, o vinho romperá os odres; e tanto se perde o vinho como os odres. Mas põe-se vinho novo em odres novos" (Evangelho de Marcos 2:21-22).

[42] STEIN, Ernildo. Racionalidade e Existência: o ambiente hermenêutico e as ciências humanas, 2ª Edição, Ijuí: Ed. Unijuí, 2008, p. 126.

[43] STRECK, Lenio Luiz. A hermenêutica filosófica e as possibilidades de superação do positivismo pelo (neo)constitucionalismo. In: Constituição, sistemas sociais e hermenêutica: programa de pós-graduação em Direito da UNISINOS: mestrado e doutorado / orgs. Leonel Severo Rocha, Lenio Luiz Streck, José Luis Bolzan de Morais...[et al.]. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed.; São Leopoldo: Unisinos, 2005. anuário 2004, p.159

[44] GADAMER.Verdade e Método.

[45] STRECK, Lenio Luiz. A Atualidade do debate da crise paradigmática do direito e a resistência positivista ao neoconstitucionalimo. In: Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica col. 1, nº 4. Porto Alegre: Instituto de Hermenêutica Jurídica, 2006, p. 242.

[46] CARNEIRO, Walber Araújo. Hermenêutica Jurídico-Filosófica: a produção do direito como compreensão no processo jurisdicional. Artigo cedido diretamente pelo autor. p. 6-7.

[47] DICIONÁRIO de Filosofia. Verbete Hermenêutica jurídica, p. 433.

[48] STRECK. A hermenêutica filosófica e as possibilidades de superação do positivismo pelo (neo) constitucionalismo. Op. Cit., p. 164.

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