a crise da ditadura militar e o processo de abertura política

25
DITADURAS E ABERTURAS POLÍTICAS Objetivo do texto do autor se imbrica a um objetivo político de luta contra o esquecimento da história do tempo presente: a história dos processos de redemocratização. Ele se posiciona claramente contra o esquecimento pregado por aqueles que foram responsáveis pela implantação e manutenção da ditadura e também por aqueles que conduziram a transição para a democracia. Com isso ele afirma a importância de se preservar a memória da crise das ditaduras e do tempo presente: verificando “o lugar da violência e do arbítrio na história recente”, indo além dos interesses políticos imediatos daqueles que articularam a abertura política; assegurando a multiplicidade dos lugares da fala e dos atores político-sociais envolvidos na trama do período dos anos de chumbo; assegurando também a legitimidade deste objeto histórico (processo de redemocratização), e junto a isso, engajarmo-nos na luta por preservar acervos documentais, depoimentos, arquivos e lugares de memória, estes que são alvos de serem destruídos por aqueles que os acham um inconveniente, tanto por militares (aqueles atuantes nos governos militares) como por aqueles políticos que pregam o esquecimento do passado recente. Francisco Carlos Teixeira da Silva, em seu texto, ressalta que os anos 60 e 70 (parte dele) foram marcados pela implantação de ditaduras militares na América-Latina, incluindo o Brasil, e que nos anos 80 ocorreram os processos de crise das ditaduras, os processos de abertura e redemocratização nesses países. Com relação ao Brasil, o

Upload: giovany-pereira-valle

Post on 14-Feb-2016

20 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

A presente resenha do texto de Francisco Carlos Teixeira da Silva, fornece um panorama das questões presentes entorno do processo de abertura política no Brasil entre 1974-1985, colocando e dimensionando os interesses e ações dos diversos atores político-sociais que interagiam ao longo desse processo nada linear de distensão do regime militar brasileiro.

TRANSCRIPT

Page 1: A Crise Da Ditadura Militar e o Processo de Abertura Política

DITADURAS E ABERTURAS POLÍTICAS

Objetivo do texto do autor se imbrica a um objetivo político de luta contra

o esquecimento da história do tempo presente: a história dos processos de

redemocratização. Ele se posiciona claramente contra o esquecimento pregado

por aqueles que foram responsáveis pela implantação e manutenção da

ditadura e também por aqueles que conduziram a transição para a democracia.

Com isso ele afirma a importância de se preservar a memória da crise das

ditaduras e do tempo presente: verificando “o lugar da violência e do arbítrio na

história recente”, indo além dos interesses políticos imediatos daqueles que

articularam a abertura política; assegurando a multiplicidade dos lugares da

fala e dos atores político-sociais envolvidos na trama do período dos anos de

chumbo; assegurando também a legitimidade deste objeto histórico (processo

de redemocratização), e junto a isso, engajarmo-nos na luta por preservar

acervos documentais, depoimentos, arquivos e lugares de memória, estes que

são alvos de serem destruídos por aqueles que os acham um inconveniente,

tanto por militares (aqueles atuantes nos governos militares) como por aqueles

políticos que pregam o esquecimento do passado recente.

Francisco Carlos Teixeira da Silva, em seu texto, ressalta que os anos

60 e 70 (parte dele) foram marcados pela implantação de ditaduras militares na

América-Latina, incluindo o Brasil, e que nos anos 80 ocorreram os processos

de crise das ditaduras, os processos de abertura e redemocratização nesses

países. Com relação ao Brasil, o autor ainda ressalta que mesmo este estando

inserido em uma conjuntura mais ampla de processos de transição democrática

pela América Latina, o país também guarda suas especificidades no seu processo de redemocratização.

O autor coloca que é necessário “reviver as condições que permitiram a

implantação das ditaduras, bem como a natureza e o alcance da sua obra

política e econômica”, para que então se possa analisar o processo de crise, os

atores envolvidos e os condicionantes principais desse processo.

A CRISE DAS DITADURAS

Silva traça brevemente as condições que levaram a implantação das

ditaduras na América Latina, incluindo aqui o Brasil. Ele ainda faz questão de

Page 2: A Crise Da Ditadura Militar e o Processo de Abertura Política

distinguir as ditaduras caudilhescas do século XIX e as ditaduras militares da

segunda metade do século XX, dizendo que não há uma continuidade secular

entre esses dois momentos, onde cada um deles tem características próprias.

Assim, o contexto da sociedade do século XIX em nada se relaciona com o

contexto das ditaduras no pós-guerra, momento de um acelerado processo de

modernização.

Sobre o período pós-segunda guerra, o autor menciona o

condicionamento do contexto internacional da Guerra Fria como um importante

elemento para os golpes de Estado e as ditaduras que se instalaram. No

ocidente o clima de anticomunismo será um fator muito forte para a ação de

tomada do poder pela direita civil-militar.

O autor coloca ainda que, os militares representavam para o

empresariado moderno um meio para estabelecer e desenvolver com

segurança seus projetos econômicos, o que explica o apoio destes aos golpes

de Estado.

Silva destaca o papel da Escola Superior de Guerra (ESG) na

construção da ideologia (trata-se da Ideologia de Segurança Nacional, que se

manifestava tanto nos meios militares [parte deles] como em uma parcela da

sociedade civil) de um regime militar salvacionista que colocaria a ordem e

regeneraria a nação, e que atuou quando do golpe de 1964 e a implantação da

ditadura.

A ESG formulou, ainda, uma ideia de Estado forte (autoritário) de viés

desenvolvimentista, autonomista e nacionalista (um nacionalismo à direita

nesse caso), ideia essa que gerava tensão nos interior dos círculos militares,

visto que estes eram heterogêneos. Essa heterogeneidade e as tensões dela

decorrentes se mostrarão ao longo do processo de abertura.

Os países latino-americanos ao final da década de 1970 e nos anos

1980 passaram por transformações importantes, principalmente (mas não

apenas por isso) depois da ascensão de Jimmy Carter à presidência dos

Estados Unidos. Essas transformações consistiam em: “crítica ao predomínio

de um partido oficial (...); recuo do controle do Estado sobre a economia;

estabelecimento da liberdade de expressão e de organização e denúncia da

atuação de polícias políticas responsáveis pela repressão das dissidências”.

Page 3: A Crise Da Ditadura Militar e o Processo de Abertura Política

Com Jimmy Carter à frente da presidência dos Estados Unidos (1976) e

sua ação política em favor dos direitos humanos, a oposição às ditaduras dos

países do continente vão ganhar maior espaço de atuação na luta pela volta à

democracia.

No Brasil, coloca o autor, o processo de luta pela redemocratização do

país e a crise da ditadura iniciou-se já em 1974, por meio de dois pontos de

ação distintos: de um lado o Projeto Geisel-Golbery (militares “moderados”)

visando inserir o Brasil num Estado de Direito, de outro a atuação mais

fervorosa do MDB (único partido de oposição ao regime) na esfera institucional

após a vitória eleitoral do partido em 1974 no Congresso, aumentando

consideravelmente sua bancada e sua influência política.

O autor enfatiza a existência de atores internos e externos que foram

fundamentais, mas não únicos, para o processo de abertura política do Brasil.

Os internos: projeto de abertura de Geisel/Golbery (militares "moderados"); e

oposição civil junto ao MDB. Os atores externos: pressão do governo Carter e

sua defesa pelo Estado de Direito e dos direitos humanos, se colocando contra

as ditaduras; e ainda os condicionantes da economia mundial (crise econômica

que afeta o Brasil). São esses os principais atores, e em suas relações uns

com os outros que irão condicionar a forma, os objetivos e o ritmo da abertura

e transição da ditadura a um Estado de Direito.

O ATOR EXTERNO E SEUS CONDICIONANTES

Nas palavras do autor, “o conjunto de ditaduras militares no continente

seria fortemente abalado quando da mudança da política externa americana no

pós-Guerra do Vietnã”. Após a derrota dos Estados Unidos na guerra do

Vietnã, com a divisão da sociedade americana e o escândalo de Watergate, o

país perdeu sua credibilidade no cenário internacional. Diante dessa perda de

credibilidade surge um nome à presidência dos Estados Unidos: Jimmy Carter.

A campanha eleitoral de Carter apontava para dois objetivos a serem

atingidos: “recuperação do prestígio mundial americano, com sua nítida

associação entre política externa americana e direitos humanos; criar

condições suficientes para retornar ao enfrentamento com a União Soviética,

de forma a projetar eficazmente a hegemonia global americana” dentro do

contexto da Guerra Fria. Tais objetivos podem ser sintetizados em poucas

Page 4: A Crise Da Ditadura Militar e o Processo de Abertura Política

palavras: recuperar a credibilidade dos Estados Unidos como nação modelo de

valores éticos e morais.

Com isso, a crítica ao desrespeito aos direitos humanos e à liberdade de

expressão (ações essas promovidas pelas ditaduras que os próprios

governantes estadunidenses anteriores apoiaram) serviu como um meio de

recuperar seu prestígio no cenário internacional, e influenciar a crise das

ditaduras militares na América-Latina, incluindo o Brasil.

Embora encoberto por outras questões de interesse dos Estados

Unidos, o governo Carter se posiciona criticamente contra as violações dos

direitos humanos que ocorriam no Brasil, atacando assim o governo Geisel.

Geisel com seu nacionalismo militar enfrenta os Estados Unidos, o que levou o

governo Carter a apoiar o partido de oposição ao governo militar, o MDB.

Essa mudança de postura dos Estados Unidos na gestão Carter, porém,

não explica, isoladamente, o processo de abertura política na América-Latina,

além de não ser o único ator externo.

Outro condicionante externo importante para o entendimento dos

processos de abertura será a crise e recessão econômica mundial. A crise do

petróleo de 1973 trouxe consequências para a economia brasileira (embora

esta não tenha se dado de forma imediata). Mas, o autor coloca, que a crise

econômica do Brasil só sairá do controle quando somado os impactos da crise

do petróleo de 1973 (que apesar de não ter efeitos imediatos, acabou por

sangrar a economia brasileira com sua continuidade em meados dos anos

1970) com a crise dos juros externos de 1982.

Com relação à crise do petróleo e sua influência sobre o Brasil, nas

palavras do autor: “embora o choque dos preços do petróleo tenha sido

importante, em 1973, a abundância de capitais existentes no mercado

internacional permitiu uma certa navegação sem turbulências por pelo menos

um ano, entre 1973 e 1974 – exatamente na passagem do governo Médici para

o governo Geisel -, o que nos faz crer que a crise petrolífera não desempenha

um papel fundamental nas origens da crise política da dominação militar no

país”.

Em 1973 encerra-se o chamado "milagre econômico" (1969-1973,

governo Médici), ano em que também ocorre a crise do petróleo, mas o autor

deixa claro que a abertura política iniciada em 1974 não foi facilitada por conta

dessa crise, mas foi facilitada justamente por conta de o país estar

Page 5: A Crise Da Ditadura Militar e o Processo de Abertura Política

economicamente estável em 1974 (por enquanto). Ou seja, a crise do petróleo

não foi fator determinante para que se fizesse a abertura política no país, já

que a situação econômica do país ia razoavelmente bem por conta do "milagre

econômico" (este que gerou grandes prejuízos financeiros em longo prazo).

Como já foi destacado, o impacto da crise do petróleo vai ser sentida

posteriormente, somando-se ai a crise dos juros externos em 1982, esta ultima

que, de acordo com o ministro Delfim Netto, atingiu mais profundamente o país

do que a crise do petróleo em 1973.

O autor destaca que a dívida externa brasileira elevada e o aumento dos

juros americanos foram bastante impactantes na economia brasileira, assim

chegando a uma devastadora crise e recessão.

Em 1982 o Brasil se encontra incapaz de pagar suas dividas tamanha a

crise econômica no país. Assim todo um ciclo de crescimento econômico se

esgotara, e a crise do "milagre brasileiro", que foi baseado no arrocho salarial,

repressão sindical e política, coloca em cheque a credibilidade dos militares na

direção do país.

Com isso vemos que a abertura política no Brasil não é condicionada

pela crise econômica, já que durante a troca do governo Médici (linha dura)

para Geisel (“moderado”), (este último lançando o projeto Geisel-Golbery de

abertura política), a situação do país esta relativamente estável, tendendo a

facilitar a transição.

Nas palavras do autor: “não é a crise que condiciona a abertura: ao

contrário, foi a eficiência econômica do governo Médici que favoreceu a

sucessão Geisel-Golbery e , portanto, o projeto de abertura do regime.

Assim, a crise econômica, portanto, não foi o motivo pelo qual se propôs

a abertura política no projeto Geisel/Golbery em 1974, mas sem dúvida tal crise

condicionou o ritmo da abertura, “levando a opinião pública a voltar-se em sua

maioria contra o regime militar”.

O ESTADO E A OPOSIÇÃO: OS ATORES INTERNOS

Silva coloca que os dois principais atores internos que influenciaram o

processo de abertura política no Brasil foram, de um lado, o grupo militar

favorável ao projeto Geisel-Golbery (militares “moderados”), “herdeiros da linha

política denominada castelista e interessados numa imediata

Page 6: A Crise Da Ditadura Militar e o Processo de Abertura Política

reconstitucionalização do regime militar”, e, do outro lado, as forças políticas do

MDB (Tancredo Neves, Ulysses Guimarães, Fernando Henrique Cardoso, etc),

amparadas por “uma sociedade civil extremamente organizada, com os

sindicatos, a Igreja, a imprensa, os artistas e a universidade desempenhando

um ativo papel de crítica ao regime e, mesmo, ao seu projeto de abertura

política”.

Embora a influência da sociedade civil junto ao MDB seja clara no

processo de abertura política, os militares tendem a negar a influência desses

nesse processo. Os militares sustentam a tese “de que a abertura foi um

projeto do poder – o esquema Geisel – conduzindo conforme seus

formuladores e sem alterações de rumo”. Assim, assumem uma postura

conservadora, que recusa considerar o exercício da cidadania de outros atores

no processo de abertura. Com isso estes se veem como os únicos

responsáveis pelo processo de transição para a democracia no Brasil, postura

essa que exclui outros atores políticos desse processo.

Esses atores, o grupo Geisel-Golbery e o MDB, este apoiado na

sociedade civil, e até mesmo a Arena/PDS, tiveram que dividir seus espaços de

atuação ao longo do processo de abertura, além de “ampliar o elenco de

participantes e negociadores, a ponto de, no seu auge – durante a campanha

das Diretas Já – incorporar toda a rua, ocupada por cidadãos exigindo

democracia, ao processo de negociação política”.

A ABERTURA COMO PROCESSO POLÍTICO: ABERTURA OU ABERTURAS?

Silva nos coloca que: “Nas sucessões de Castelo Branco, em 1967, e de

Médici, entre 1973 e 1974, esboçaram-se propostas de abertura política que

foram rapidamente descartadas. Tais insucessos condicionaram fortemente o

projeto que afinal seria adotado por Geisel e Golbery, com seu caráter lento,

gradual e seguro, visando a evitar os recuos antes vividos”.

Após um período inicial de aceitação, a ditadura militar viu crescer uma

forte oposição sobre si. Uma parcela das classes médias, que apoiou o golpe

civil-militar em 1964, começou a afastar-se do governo “quando este mostra

sua verdadeira face, com amplas cassações e a profunda repressão aos

sindicatos e demais órgãos de representação trabalhista”.

Page 7: A Crise Da Ditadura Militar e o Processo de Abertura Política

Os órgãos da ditadura (como o SNI) não conseguiram melhorar a

imagem do governo, tornando a “ditadura desacreditada, causando especial

mal estar a dureza da política econômica”. Ao mesmo tempo, a oposição

atuava constantemente através de estudantes, lideres trabalhistas e

intelectuais, que ocuparam as ruas entre 1966 e 1968, desgastando a imagem

do regime militar, acentuando sua crise. Artistas também atuaram através de

uma cultura de resistência contra o regime.

Nesse contexto de constante ação da oposição, em diversos campos de

atuação contra o regime, ocorre a derrota da linha defensora do retorno aos

quartéis (estes que pretendiam uma intervenção cirúrgica contra a subversão e

o comunismo [militares da linha castelista]) pela chamada linha dura dos

militares. Embora já atuasse antes como um grupo de pressão dentro da

instituição militar, a linha dura dos militares produziram o chamado golpe dentro

do golpe em 1968, ação essa que mais tarde (final de 1968) acabou

culminando com o decreto do Ato Institucional n° 5 (decreto que ampliou o

aparato repressor da ditadura).

Assim, diz o autor, “a complexidade da vida política nacional” e “a busca

de um novo modelo político” acabou por gerar uma série de dificuldades que

inviabilizou uma abertura sob o governo Castelo Branco e seus seguidores

“moderados” ou castelistas.

As condições de abertura na sucessão do governo Médici serão

apresentados no tópico seguinte.

EUFORIA ECONÔMICA, REPRESSÃO E ABERTURA POLÍTICA

Quando do golpe dentro do golpe (1968) uma Junta Militar assume

durante um curto período de tempo o governo do país, tendo como sucessor o

general Emílio Garrastazu Médici (figura considerada uma ponte entre a linha

dura e os castelistas).

Sob a vigência do AI5, Médici terá uma enorme concentração de

poderes para si, e com isso iniciará um grande projeto econômico, que

posteriormente será denominado pelos seus simpatizantes de “milagre

econômico”.

Nas palavras do autor, “restauradas as condições de crescimento

econômico e as linhas de financiamento internacionais, tranquilizadas pela

Page 8: A Crise Da Ditadura Militar e o Processo de Abertura Política

consolidação do poder militar e o controle das forças sindicais no país, inicia-se

um amplo projeto de desenvolvimento nacional - a verdadeira doutrina da ESG

-, voltado para a construção do Brasil Grande”. Projeto esse que se estende até

o governo Geisel.

Tal projeto atuava por meio da política de concentração de renda, “a

teoria do bolo (segundo a qual é preciso fazer o bolo crescer para depois dividi-

lo), o arrocho salarial e sindical”. Isso somado a continuidade do fechamento

político acabaram por acelerar a reação política da oposição ao regime,

aprofundando as ações de guerrilha urbana e rural. As ações da oposição, no

dizer do militares, impediram um segundo projeto de abertura no governo

Médici, que se encontrava em alta pelo sucesso econômico do “Milagre

Brasileiro”, e que possibilitaria a transição para um regime democrático.

Esse pretenso projeto de abertura dos militares tem um caráter limitado,

que visa uma condução pelo alto (Estado), excluindo assim as forças de

oposição, que através de suas ações críticas ao regime buscavam seu próprio

projeto de abertura com um viés mais democrático.

Com a atuação das oposições ao regime, o governo usa de seu aparato

repressor para praticar sequestros, torturas e assassinatos contra aqueles

considerados “subversivos” (criação e atuação dos DOI-Codis, tendo como

modelo a Operação Oban). Junto a isso, tem-se a intervenção sindical, o

arrocho salarial (meio pelo qual se geriu o chamado Milagre Brasileiro),

perseguição política à oposição emedebista (com cassação de mandatos,

prisões e desaparecimento de parlamentares), e censura prévia aos órgãos de

imprensa. Para encobrir essas ações há uma importante atuação dos meios de

comunicação (sob controle do governo) que visam criar a imagem de um Brasil

Grande.

A ABERTURA LENTA, GRADUAL E SEGURA

Silva coloca que em torno da sucessão de Médici, em 1973, ocorrera o

primeiro ato de enfrentamento da oposição ao projeto oficial de abertura

política. A oposição, desacreditada de uma democratização via derrubada do

regime e com a crise das ações de guerrilha, resolve apostar no espaço

político, ainda que restrito, para buscar através das ações parlamentares a

transição para a democracia.

Page 9: A Crise Da Ditadura Militar e o Processo de Abertura Política

Os militares, por sua vez, contando “com amplo controle sobre o pais em

termos de segurança interna” e “com índices de crescimento (econômico)

acima de 10% - que a crise do petróleo logo tragaria – Médici e a cúpula militar

sentiam-se suficientemente fortes para operar a transição para um regime

constitucional”.

Orlando Geisel (irmão de Ernesto Geisel) e Golbery foram os

responsáveis pela construção da ponte entre a linha dura e os castelistas para

empreender a constitucionalização do regime. A pessoa que julgaram ser a

mais apta para a sucessão e realização da abertura política foi o general

Ernesto Geisel.

Geisel e Golbery deveriam, entre 1974 e 1979, organizar a

constitucionalização do regime, que deveria atuar de forma lenta, gradual e

segura, no dizer dos militares. O projeto visava a volta dos militares aos

quartéis enquanto esses ainda tinham algum prestígio perante a sociedade civil

(parcela dela ao menos).

Segundo os militares do Projeto Geisel-Golbery, a abertura deveria ser

lenta para evitar um confronto com a linha-dura dos militares. Assim ela deveria

ser gradual, aos poucos. Além disso, deveria ser segura para impedir a volta a

um regime de exceção.

Tal projeto visava, então, evitar tanto o retorno da linha-dura como a

volta das pessoas, partidos e instituições anteriores a 1964. Deveria ocorrer

num longo espaço de tempo (caráter lento), garantir a escolha do sucessor (à

presidência) de forma segura e formular uma nova constituição (ironicamente

sem uma assembleia constituinte) que asseguraria para o futuro uma ordem,

visando romper com o recurso de quebra de constitucionalidade.

Na verdade, enfatiza o autor, o projeto de abertura dos militares

representava o retorno ao Estado de Direito, a reconstitucionalização do

regime, mas não propriamente a redemocratização do país. O projeto era uma

transição pela ação única do Estado, sem envolvimento da oposição e

sociedade civil. Esses dois últimos eram críticos ao modelo do projeto de

abertura dos militares, estando muito distante do que a oposição desejava.

Assim os militares do projeto viam a oposição como um “estorvo aos seus

objetivos” o que os levou a manobrar gradualmente entre os militares radicais

(contrários à abertura do regime) e a oposição (desejosa de uma abertura

acelerada e mais ampla).

Page 10: A Crise Da Ditadura Militar e o Processo de Abertura Política

A eleição de Geisel (via Colégio Eleitoral), “com a clara promessa de

liberalização, desencadeou o primeiro ato da nova oposição no Brasil”, que

através da anticandidatura de Ulysses Guimarães (MDB) abriu espaço para o

“debate e manifestações de descontentamento público”, ainda que “num

contexto de severa censura aos meios de comunicação”. Geisel venceu,

“confirmando a supremacia da Arena” sobre o MDB, mas isso não duraria

muito tempo.

Pensando estar com boa aceitação pela opinião pública, “a ditadura

realiza eleições para o Parlamento em 1974”. O governo se surpreende com a

estrondosa vitória da oposição, “com a eleição de 16 senadores e 187

deputados do MDB”.

A vitória do MDB nas eleições demonstra a insatisfação da população

para com o regime. Além disso, o fato desencadeou uma divisão no poder

militar, abalando o projeto original de abertura. Assim, a vitória do MDB trouxe

à tona a rearticulação do aparelho repressivo da linha-dura dos militares,

aumentando os atos de violência (como o caso do assassinato do jornalista

Vladimir Herzog, entre outros).

A DINÂMICA PRÓPRIA DO PROCESSO DE ABERTURA

Os militares favoráveis à abertura pensavam (e pensam) que esta

esteve somente sobre o controle militar, e que a oposição e a sociedade civil

em nada contribuíram para esse processo. Pelo contrário, eles teriam

atrapalhado, segundo os militares. Silva coloca: “o projeto Geisel-Golbery

supunha, para seu completo êxito, a subordinação completa da sociedade civil

aos objetivos e prazos estabelecidos pelo poder”.

Geisel afirmou haver grupos contrários à abertura, e que, portanto, era

preciso manter o projeto com seu caráter lento, gradual e seguro de forma a

evitar conflitos com os militares da linha-dura. Assim, esse último grupo que

condicionaria o ritmo da abertura. Para tal, oposição e sociedade civil deveriam

conformar-se com o ritmo proposto pelos próprios militares, sem propor um

projeto próprio de redemocratização.

A já ressaltada vitória do MDB nas eleições parlamentares fez com que

a chamada “comunidade de informações” do regime intensificasse o combate

contra o PCB (este considerado pelos mesmos como o responsável pelas

Page 11: A Crise Da Ditadura Militar e o Processo de Abertura Política

vitórias do MDB). Com isso realizaram uma ação organizada visando

contrapor-se a oposição comunista que estaria desestabilizando o projeto de

abertura.

Com as mortes geradas por meio dessas ações, a revolta da sociedade

continuou a crescer, esta que já se encontrava com desgosto do imobilismo

das reformas e da impunidade com relação aos agentes da “comunidade de

informações”. Assim, aumentava-se a oposição da população ao regime militar.

Diante de tais acontecimentos Geisel interveio, como maneira de se

reafirmar perante o militares e a sociedade, “demitindo o comandante do II

Exército, o general Ednardo d’Ávila Melo”, embora este não estivesse ligado

diretamente às ações de tortura. Os reais responsáveis nunca foram

investigados.

O afastamento do comandante não fez cessar a repressão política. Em

1976 militantes do PCdo B foram mortos em ação da polícia militar, porém

nesse caso não houve represálias. Ataques com bomba a sedes de instituições

civis de opositores do regime também passaram a fazer parte do contexto

turbulento do regime.

Além da questão da lentidão da abertura política, a população também

passa a se descontentar com a situação econômica do país (efeito da crise do

petróleo de dois anos antes, em 1973), levando o governo a buscar soluções

para o problema com a criação do II Plano Nacional de Desenvolvimento, que

possibilitaria pela última vez uma face desenvolvimentista ao país (mas que tal

medida em longo prazo será sentida negativamente do ponto de vista

econômico [junto ao social], principalmente na década de 1980).

“Visando a evitar novas vitórias da oposição”, Armando Falcão (ministro

da Justiça de Geisel) “elabora uma nova legislação eleitoral – Lei Falcão” essa

que evitaria o acesso da oposição (MDB) aos meios de comunicação, em

especial a televisão. De acordo com Silva, “enquanto a extrema direita militar,

os radicais, porém sinceros, avançam e procuram limitar ainda mais o projeto

inicial de abertura, o próprio governo se esforça para dividir e inviabilizar a vida

da oposição”.

Assim, no dizer do autor, havia um problemático impasse, “em que a

oposição, fortalecida pelas vitórias nas urnas, exige maiores concessões, e o

poder militar, pressionado na sua retaguarda pela linha-dura, procura manter o

controle do processo de abertura, bem como seus objetivos iniciais”. Esse

Page 12: A Crise Da Ditadura Militar e o Processo de Abertura Política

impasse leva a uma crise em 1977 com um “desentendimento entre o MDB e

os projetos do governo”, este último que desejava realizar alterações na

Constituição (visando seus próprios interesses). A oposição negou-se a votar

favoravelmente a tais alterações, e o resultado disso nos leva ao fechamento

do Congresso por Geisel, que edita uma série de alterações na Constituição.

Trata-se do chamado Pacote de Abril (ocorrência do ato em abril de 1977).

Quem vai realizar um enfrentamento ao projeto oficial de abertura e aos

mandos e desmandos de Geisel será o líder da oposição (MDB) Ulysses

Guimarães. Sua ação de chamar para si a responsabilidade de enfrentamento

visava evitar que outros deputados da oposição se tornassem alvo de

cassação ao enfrentarem o governo. No dizer do autor, “entre Geisel e Ulysses

desenvolver-se-ia uma intensa, profunda e insuperada inimizade”.

Ulysses “considerava sua tarefa de vida restabelecer a democracia no

país”. Porém seus posicionamentos e atitudes em relação a Geisel “acabariam

por afastá-lo de qualquer negociação possível com o poder, que se voltaria

para uma liderança considerada mais construtiva e moderada – Tancredo

Neves”.

Além de uma complicada relação com a oposição, Geisel contava com

problemas no interior da corporação e entre os membros de seu próprio

governo, que ameaçavam o seu projeto de abertura. O seu ministro do

Exército, general Sílvio Frota, visava uma “estratégia de reorganizar as forças

militares na sua periferia e desestabilizar Geisel, criando condições para sua

indicação como sucessor do presidente”. Geisel mais tarde o demitiu. Assim

uma crise institucional se instalara na corporação militar, paralisando o projeto

de abertura. Isso somado à crise financeira e econômica (que avolumava-se) e

com as denuncias de endividamento do país e das ações da comunidade de

informações (com a nova liberdade de expressão dos órgãos de impressa de

oposição ao regime), tornava delicada a situação do governo.

Em 1979, João Baptista Figueiredo sucede Geisel na presidência.

Segundo Silva, “um dos principais pontos da agenda de Figueiredo era a

anistia”, que seria um item importante para a “retomada do processo político de

abertura, cada vez mais sob o risco de ultrapassagem do governo pelo

movimento popular”. As ruas foram mobilizadas por diversos grupos da

população em torno da campanha pela Anistia. Porém, a lei da anistia se deu

por decreto do governo “sem negociação com a oposição”. A preocupação dos

Page 13: A Crise Da Ditadura Militar e o Processo de Abertura Política

militares com o dispositivo da anistia era evitar os “revanchismos”, assim os

militares envolvidos com a repressão não seriam julgados ou condenados por

praticarem tais atos em nome do governo.

Sob o governo Figueiredo surge um novo personagem no cenário

político: as lideranças sindicais. Com o cenário econômico em estado crítico

ocorrem inúmeras greves exigindo aumentos salariais, ampliando a crise que já

pairava sobre o governo.

Segundo Silva: “A anistia deveria ter devolvido ao governo a iniciativa do

processo de abertura política, retirando da oposição sua bandeira de

mobilização popular. Contudo, partirá da oposição militar, de direita, centrada

na própria corporação, o mais contundente ataque à autoridade do general

Figueiredo. Em face da ameaça de a oposição definitivamente tomar a

liderança do processo de abertura, e em face da perda dos privilégios de que

gozava sob o regime militar, a ‘comunidade de informações’ retomou seu

projeto de desestabilizar a abertura”. Com isso, “grandes espaços públicos são

alvo de atentados”, sendo o mais terrível o atentado no Riocentro (embora este

tenha falhado, sabe-se de sua organização). Em decorrência do ato, tem-se

uma grande pressão para apuração do acontecimento por parte da sociedade

civil, gerando um intenso conflito no interior do governo, este já bem

desgastado tanto do ponto de vista político-institucional como pela situação

econômica vivida pelo país.

A abertura que deveria ser realizada sob a tutela militar em todo seu

processo, com seu ritmo lento, acabou sucumbindo. Mesmo com certa primazia

do governo “numa primeira fase do processo de abertura política”, apesar da

atuação forte da oposição, “como no caso da campanha da anistia”, o projeto

iniciado por Geisel-Golbery estava órfão. É nesse momento que a atuação da

oposição (MDB) (que ampliou suas vitórias eleitorais entre 1976 e 1979) e

sociedade civil irá constituir-se “numa segunda fase do processo de abertura”,

com grandes mobilizações de massa – como na campanha das Diretas Já!, ou

as eleições de Tancredo Neves -, “com o governo perdendo a iniciativa das

reformas”.

A FASE FINAL DA ABERTURA: OPOSIÇÃO POPULAR E PARTIDOS

POLÍTICOS ASSUMEM A INICIATIVA!

Page 14: A Crise Da Ditadura Militar e o Processo de Abertura Política

Com a crise da ditadura, o movimento popular cresce e ocupa as ruas

(campanha pela anistia; Diretas Já). Os militares, que diante desse contexto

temiam saírem do poder e ir direto para julgamento e prisão, simpatizaram com

o modelo de solução pactuada, como ocorrera na Espanha. Porém, tal solução

não era tão fácil, devido os partidos de direita, inclusive o dos militares (PDS,

antiga Arena) serem frágeis “e não oferecerem garantias estáveis de

funcionamento democrático”.

O governo Figueiredo é “marcado pela inépcia econômica, com a

declaração de moratória brasileira (1983), e a continuada impunidade da

chamada ‘comunidade de informações’ (conjunto de militares engajados nos

órgãos de repressão e espionagem política), que organizava inúmeros

atentados contra personalidades e instituições da oposição”.

Por outro lado, com uma intensa mobilização popular crítica do regime,

“um milhão de pessoas exigem eleições Diretas Já!”. Conforme Silva, “a

proposta de Diretas Já! Representava um rompimento radical com a abertura

limitada e pactuada que o regime vinha implantando e levaria, através da

eleição de um presidente pelo voto direto, com uma Constituinte, a uma ruptura

constitucional extremamente desfavorável para as forças que implantaram a

ditadura militar no país”. Assim, “o regime militar não tinha nem recursos nem

projetos para a crise do seu projeto de abertura, e recolhia-se (...) ao

imobilismo, enquanto manifestações de massa ocupavam as ruas”.

O final da transição para um regime democrático-representativo passaria

a ser gerido pelos partidos políticos e a oposição popular, com a perda da

iniciativa do governo, estes agora ditariam o ritmo da abertura. A questão se

dava agora em torno da forma, dos riscos e consequências da transição.

Entre os dois modelos clássicos de transição se destacam: a transição

por colapso, com uma forte e clara ruptura com o regime autoritário vigente,

levando-se a julgamento e prisão os responsáveis pela implantação e

manutenção da ditadura; e a transição acordada ou pactuada, encaminhada de

forma, lenta, gradual e segura “para as forças até então no poder, fruto de

acordo entre setores conservadores no poder e as forças moderadas na

oposição”. No Brasil ocorrerá a segunda opção, uma transição pactuada.

No final dos anos 1970, e no início da década de 1980, já com o fim do

bipartidarismo, surgem novos partidos políticos, e os já existentes mudam de

nome. Têm-se, então, o surgimento do PT, do PDT, além da volta do PTB,

Page 15: A Crise Da Ditadura Militar e o Processo de Abertura Política

embora não mais como um partido de esquerda. Os antigos partidos Arena e

MDB, tornaram-se respectivamente o PDS e o PMDB. Além desses, em 1978,

Tancredo Neves funda o PP, reunindo a ala conservadora do ex-MDB e

setores do PDS, ex Arena, que se encontravam deslocados no partido, embora

sua existência tenha sido curta.

“É nesse momento, diante do vazio de ação, com o presidente fechado

no Planalto e sem iniciativas, que os partidos tomam a direção do processo de

abertura. Não era mais a abertura Geisel-Golbery, mas a abertura dirigida por

um colegiado de cardeais, com anos de política, de vários partidos”. Claro, com

os partidos no comando desse processo, as pressões populares também

imprimem seus interesses sobre esse.

Assim, vamos verificar as atuações dos principais partidos desse

processo e como se deu a relação entre eles.

Como já mencionado, Tancredo Neves fundou o PP em 1978. O partido

constituía, no dizer dos oposicionistas, em uma “linha auxiliar do projeto

governista” (PDS, ex-Arena). Porém, o partido foi desfeito em 1981, tendo seus

quadros aglutinados no PMDB, junção mal vista por vários setores deste

partido.

Em outra frente encontrava-se o PMDB, partido que terá importante

atuação no processo de transição pactuada para a redemocratização. A

pessoa escolhida para levar a transição seria Tancredo Neves, já que Ulysses

Guimarães se mostrara intransigente aos olhos dos militares governistas.

Assim, Tancredo representava um papel-chave na estratégia dos militares

aderentes da abertura lenta, gradual e segura.

O PDS, agora sem a tutela dos militares, toma a “iniciativa política,

diante do processo de abertura, criando uma crise” em seu interior, essa que

mais tarde levaria à emergência da chapa Tancredo-Sarney. Quando da

convecção partidária, o PDS se dividia entre aqueles favoráveis à candidatura

de Sarney, e aqueles favoráveis a Paulo Maluf à presidência da República.

Sarney representava “uma transição controlada para um regime constitucional

e representativo, de cunho conservador, ‘sem os militares’!”. Maluf

representava a aliança com a linha-dura dos militares, contrários à abertura

política. Esse último, Maluf, é o escolhido para disputar a presidência com

Tancredo Neves.

Page 16: A Crise Da Ditadura Militar e o Processo de Abertura Política

Nesse momento ocorre uma dissidência no interior do PDS. Com isso,

Aureliano Chaves, um dos dissidentes, vai aconselhar Sarney para que este

rompa com o PDS e se alie ao PMDB e a Tancredo.

Tal medida tinha por objetivo evitar que Maluf vencesse as eleições,

assim evitando que a transição acabasse por se realizar no seu modelo por

colapso, o que levaria os responsáveis pela ditadura a julgamento e prisão.

Assim, “tornava-se (...) imprescindível uma ampla negociação entre a oposição

e a base governista quanto aos termos e alcance da transição”.

A já mencionada dissidência do PDS se encontrava em difícil situação

de se manter no partido. Porém, “a solução foi habilmente negociada. Embora

permanecessem no PDS, votariam no candidato do PMDB, Tancredo Neves,

caso fosse garantida pela oposição uma transição sob controle. A garantia de

uma transição que não escapasse ao controle das elites políticas do regime

agonizante seria feita através da incorporação do próprio José Sarney como

vice-presidente, na chapa do PMDB, além da indicação de alguns dos

principais políticos do PDS para o futuro ministério (...) – era o Acordo de

Minas”.

O grupo dissidente do PDS formará a Frente Liberal, mais tarde se

retirando do PDS e fundando o Partido da Frente Liberal (PFL). “A aliança

partidária entre o PMDB de Tancredo e os dissidentes liberais do PDS”

constituíram a chamada Aliança Democrática.

Outro partido que atua em meio ao processo de transição democrática é

o recém-fundado PT. Este, segundo o autor, “fora um dos elementos centrais

da mobilização popular na campanha das Diretas Já!, sendo o responsável, em

boa medida, pela incorporação ao debate político de amplos segmentos de

trabalhadores”. O partido, que foi ferrenho apoiador da campanha das diretas e

das mobilizações de rua, se recusava a apoiar outra campanha que vigora

quase ao mesmo tempo no Congresso, aquela destinada a apoiar Tancredo

Neves nas eleições. Eles viam na candidatura de Tancredo “uma transição

conservadora e pactuada com o autoritarismo”. E suas desconfianças

aumentaram ainda mais quando da aceitação de Sarney no PMDB (sendo este

antes o ex-presidente da Arena e do PDS) e como candidato a vice na chapa

de Tancredo. Assim, “o PT não só nega a compor uma frente com as

oposições (oposições ao regime militar), como ainda acusa a frente

oposicionista de capitulação diante dos interesses conservadores”. Por

Page 17: A Crise Da Ditadura Militar e o Processo de Abertura Política

conseguinte, esse não pôde conter a ação daqueles que levaram a cabo a

transição pactuada.

A campanha das Diretas Já!, embora tenha sido um grande evento de

mobilização popular, não conseguiu atingir seu objetivo de conquistar as

eleições diretas. As eleições foram realizadas via Colégio Eleitoral, tendo o

dispositivo da Aliança Democrática (PMDB + FL) alcançado seu objetivo de

transição pactuada, conseguindo a vitória eleitoral de Tancredo e Sarney em

janeiro de 1985.

* Todas as citações do texto do autor resenhado se encontram entre aspas.

SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Crise da ditadura militar e o processo de

abertura política no Brasil, 1974-1985. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO,

Lucília de Almeida Neves (orgs). O Brasil Republicano - O tempo da ditadura: regime militar e movimentos sociais em fins do século XX. Rio de

Janeiro: Civilização Brasileira, p. 243-282, 2003.