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PRÓ REITORIA ACADÊMICA
MARIA APARECIDA DA SILVA ROCHA
A CONTEXTUALIZAÇÃO DA MATEMÁTICA NA ZONA RURAL NOS MUNICÍPIOS DE BOM RETIRO DO SUL E TAQUARI.
Canoas, 2007
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MARIA APARECIDA DA SILVA ROCHA
A CONTEXTUALIZAÇÃO DA MATEMÁTICA NA ZONA RURAL NOS MUNICÍPIOS DE BOM RETIRO DO SUL E TAQUARI.
Trabalho de apresentação, do Trabalho de Conclusão de Curso II do curso de Matemática licenciatura, do Centro Universitário La Salle como exigência parcial para obtenção do grau de Licenciado em Matemática, sob orientação da Professora Vera Lúcia da Silva Halmenschlager.
Canoas, 2007
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DEDICÁTORIA
Dedico esse trabalho aos meus familiares que sempre me apoiaram em todas as minhas decisões e mostraram-se prestativos nessa pesquisa. Principalmente aos meus pais que proporcionaram meus estudos e confiaram no meu potencial. Aos meus irmãos que tiveram disposição sempre que precisei. Aos meus tios Zeno e José Oscar, meu primo Marcelo, meu pai Flávio, meus vizinhos Micheli e Ademir, e minha irmã Letícia que colaboraram com seus conhecimentos para que ocorresse o desenvolvimento prático do meu trabalho. A minha cunhada Cristiane e meu irmão Adriano que disponibilizaram equipamentos para essa pesquisa. A Professora Vera Lúcia minha orientadora. Que confiou e valorizou minha pesquisa incentivando-me a cada momento.
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................5
2 REFERENCIAL TEÓRICO ................................................................................................7
2.1 A Educação Matemática..................................................................................................10
2.2 Recurso de Pesquisa.........................................................................................................12
2.3 Etnomatemática e Zona Rural........................................................................................14
3 A PESQUISA EMPÍRICA ..................................................................................................17
3. 1 Entrevistas........................................................................................................................18
3.1.1 Vivências .........................................................................................................................18
3.1.2 Anotações de diário de campo e imagens da pesquisa. ...................................................25
3.1.2.1 Arroz.............................................................................................................................25
3.1.2.2 Milho ............................................................................................................................31
3.1.2.3 Fumo.............................................................................................................................34
3.1.2.4 Gado de Corte...............................................................................................................38
3.1.3 Entrevista com Engenheira Agrícola...............................................................................41
4 CONCLUSÃO......................................................................................................................42
REFERÊNCIAS .....................................................................................................................44
ANEXO ....................................................................................................................................46
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1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como objetivo primordial discutir e ao mesmo tempo dar
visibilidade aos saberes matemáticos presentes nas práticas da zona rural, vivenciada por
agricultores e pecuaristas nos municípios de Bom Retiro do Sul e Taquari, no estado do Rio
Grande do Sul. Constitui-se essa pesquisa uma descrição de estratégias matemáticas que se
fazem presentes em atividades profissionais. Neste sentido, a pesquisa busca entender a
presença de conteúdos matemáticos que estão inseridos nas práticas diárias da zona rural,
especialmente, na agricultura no cultivo de arroz, milho, fumo e na pecuária a criação de
alguns animais.
As narrativas que compõem as entrevistas apresentam aspectos significativos sobre
cálculos matemáticos presentes nas práticas diárias do grupo pesquisado. Os suportes teóricos
que atuam como ferramentas de análises do material de pesquisa são oriundos da
Etnomatemática e de teorizações sobre a Educação Matemática.
Assim sendo, meu estudo procura entender as relações existentes entre as diferentes
alternativas de cálculo nas práticas rurais e suas condições de possibilidade nos diversos
contextos sociais. A Matemática Acadêmica está presente em muitas práticas sociais.
Todavia, diferentes grupos culturais apresentam modos diferenciados de cálculo, outras
lógicas que não têm ganhado espaço no currículo escolar.
Ao dar início a esse estudo, fui, várias vezes indagada sobre a pertinência da pesquisa e
sua repercussão em minha prática docente. Entretanto, vejo a importância de dar nitidez e
também legitimar os saberes que são próprios de minha cultura.
É importante ressaltar que nas visitas a campo as questões foram aplicadas à medida que
realizava as entrevistas. Pude também ter a oportunidade de dar voz aos agricultores e
pecuaristas para que contassem um pouco de suas vidas, suas trajetórias no trabalho e
aprender seus modos específicos de calcular, estimar e realizar inferências.
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Para realizar a pesquisa, utilizei uma metodologia com inspiração etnográfica. Assim,
vali-me de recursos como questionário, gravador, máquina fotográfica e diário de campo.
Empreguei técnicas cujas etapas podem ser assim descritas: contato com o grupo, observação,
entrevistas semi-estruturadas. Foram esses os instrumentos significativos para efetivação da
pesquisa.
O trabalho realizado, também, buscou interpretar, comparar e compreender o
significado que as pessoas atribuem ao conhecimento matemático presente em seu cotidiano.
As informações, coletadas a partir de relatos e convívio com o grupo pesquisado, atuaram
como elementos fundamentais para elaboração desse trabalho.
Para contar sobre os diferentes momentos da pesquisa, dividi o trabalho em três
capítulos e mais os anexos. No primeiro capítulo, apresento as idéias presentes na
Etnomatemática, as quais se constituíram em alicerces para elaboração do trabalho.
No segundo capítulo, apresento aspectos do passado e do presente, ligados ao grupo
pesquisado. Faço referências aos integrantes daquela comunidade, descrevendo como vivem,
o que fazem e como exercitam seus trabalhos na agricultura e na pecuária. Para auxiliar nos
objetivos do trabalho realizei uma entrevista com uma engenheira agrícola. Neste capítulo,
falo, também, sobre minha convivência com o grupo social e analiso o trabalho desenvolvido.
Na parte final do trabalho encontram-se as idéias que se configuraram nas possíveis
conclusões da pesquisa, as referências bibliográficas e os anexos.
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2 REFERENCIAL TEÓRICO
Inicio essa reflexão trazendo algumas das teorizações que deram sustentação à pesquisa
que realizei junto a uma comunidade rural. São vários os autores que vêm elaborando teorias
e propostas a respeito dos conhecimentos matemáticos, sobre sua constituição e validação nas
distintas práticas sociais.
O termo Etnomatemática foi utilizado pela primeira vez por Ubiratan D’Ambrósio em
1970 e as pesquisas nessa vertente da Educação Matemática vêm se expandindo em todos os
locais do mundo. Para esse autor, a Etnomatemática é uma proposta de pesquisa que permite a
abordagem das diferentes formas de saber. Não se trata, todavia, apenas do estudo das
matemáticas das diferentes etnias. De acordo com seu ponto de vista a Matemática acadêmica
é uma Etnomatemática que se universalizou em decorrência do predomínio da ciência e da
tecnologia desenvolvidas na Europa a partir do século XVII. (D’AMBRÓSIO, 2001, p.8).
Convergente com a posição de D’Ambrósio, Gelsa Knijnik argumenta que a
Matemática desenvolvida por diferentes grupos culturais diverge especificamente em seus
procedimentos utilizados. Deste modo essa consideração sugere que é necessário:
Uma interpretação das Matemáticas (acadêmica e popular), enquanto conhecimentos produzidos nas (e produtores das) culturas. Em particular, isso significa olhar a Matemática acadêmica não como uma ciência neutra, livre de valor e desvinculada das condições e posições sociais onde ela se (re) produz. Significa, também, contrapor-se às perspectivas teóricas que entendem expressões como “cultura”e “sociedade”(assim como “matemática”) de uma forma unitária e autônoma, independentemente das relações desiguais de poder que constituem o espaço social. (KNIJNIK, 2006, p.149).
Dentro desta perspectivas têm sido desenvolvidas várias pesquisas das quais muitas
delas têm se voltado para o espaço escolar. Outras, entretanto, buscam a inclusão das
diferentes formas de pensar, em particular, no fazer matemática. O desafio de incluir o saber
cotidiano no âmbito escolar gerou diversas propostas curriculares, inclusive os Parâmetros
Curriculares Nacionais – PCNs com a justificativa da necessidade de articular conhecimentos
escolares e não escolares. Os excertos expressam essas questões como se segue:
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A construção e a utilização do conhecimento matemático não são feitos apenas por cientistas, matemáticos ou engenheiros, mas, de formas diferenciadas, por todos os grupos socioculturais, que desenvolvem ou utilizam habilidades para contar, localizar, medir, representar, desenhar, jogar e explicar, em função de suas necessidades e interesses. Valorizar esse saber matemático cultural é aproximá-lo do saber escolar em que o aluno está inserido, é de fundamental importância para o processo de ensino e aprendizagem. [...] destaca-se na educação matemática brasileira, um trabalho que busca explicar, entender e conviver com procedimentos, técnicas e habilidades matemáticas desenvolvidas no entorno sociocultural próprio a certos grupos sociais. Trata-se do Programa Etnomatemática, com suas propostas para a ação pedagógica. [...] procura entender os processos de pensamento, os modos de explicar, de entender e de atuar na realidade, dentro do contexto cultural do próprio indivíduo. A Etnomatemática procura entender a realidade e chegar à ação pedagógica de maneira natural mediante um enfoque cognitivo com forte fundamentação cultural. Assim tanto a História da Matemática como os estudos da Etnomatemática são importantes para explicitar a dinâmica da produção desse conhecimento, histórica e socialmente. (BRASIL, 1998, p.33).
Todavia, a Etnomatemática tem seu principal foco não na metodologia, mas no próprio
conhecimento matemático. Na perspectiva da Etnomatemática, a Matemática é um
conhecimento plural, constituído pelas pessoas nas distintas práticas sociais das quais
participam. O equívoco que leva ao entendimento de que a Etnomatemática trata-se de uma
nova metodologia é discutido por Alexandrina Monteiro (2006, p.436-439). Segundo essa
autora, sem o envolvimento direto dos docentes nos processos de mudanças curriculares pode
ocorrer um ambiente de resistências e, por outro lado, “são cobrados e responsabilizados por
quase todos os problemas, como: a falta de interesse dos alunos e a baixa qualidade do ensino
verificada nas avaliações estaduais e federais do ensino médio e fundamental” (ibidem,
p.437). Desta maneira, os professores são incumbidos de mudar suas práticas, buscar um
trabalho que ofereça condições de articular conhecimentos escolares e práticas cotidianas.
Nessa ótica, as propostas são discutidas a partir de um aspecto metodológico, em geral com as
etapas a serem seguidas. E é nesta perspectiva que a Etnomatemática vem sendo
compreendida. Porém, segundo o ponto de vista da autora:
A etnomatemática reclama por uma transformação na organização escolar, nas relações tempo/espaço, na inclusão de espaços para a diversidade, para a valorização do saber cotidiano, para a compreensão do currículo como um sistema de valores e identidade, o qual representa conhecimentos validos e, mais ainda, que permita que os alunos e professores sejam agentes do processo (MONTEIRO, 2006, p.445-446).
A autora acrescenta que essa transformação deve ser proveniente da reflexão e das
experiências dos professores que devem abrir cada vez mais espaços para as distintas vozes
que constituem o âmbito escolar.
Uma leitura da construção de conhecimentos tem indicado que a matemática surgiu da
necessidade de atender indigências humanas. Todavia a história ocidental mostra apenas
nomes de personagens como: Arquimedes, Tales, Lagrange, Euler, Newton, Fibonacci,
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Leibniz, Cauchy, Gauss, Galois, Euclides, entre outros, que revelaram suas descobertas
tornando possíveis várias criações que atualmente utilizamos. Onde estaria a história de outros
povos? Quais a razões de sua produção de conhecimento matemático não ter visibilidade nos
livros didáticos e obras que relatam a história da Matemática? Como nos mostra D’Ambrósio:
A história da Matemática é um elemento fundamental para se perceber como teorias e práticas matemáticas foram criadas, desenvolvidas e utilizadas num contexto específico de sua época. Essa visão crítica da matemática através de sua história não implica necessariamente no domínio das teorias e práticas que estamos analisando teoricamente. Conhecer, historicamente, pontos altos da matemática de ontem poderá, na melhor das hipóteses, e de fato faz isso, orientar no aprendizado e no desenvolvimento da matemática de hoje. Mas o conhecer teorias e práticas que ontem foram criadas e que serviram para resolver os problemas de ontem pouco ajuda nos problemas de hoje. Por que ensiná-las? (D’AMBRÓSIO, 2007, p. 29 e 30)
O autor (D’Ambrósio, 2002, p.6-9) argumenta que em tempos pré-históricos a
humanidade acumulava conhecimentos para atender suas necessidades. Desta maneira, os
povos já adotavam meios diferenciados de calcular de acordo com o local em que estavam
situados. Assim, os calendários, os meios de organização do trabalho e outras variadas
práticas, se distinguiam de acordo com as regiões. Todavia, no final do século XV e durante
todo o século XVI, as nações européias estabeleceram colônias em grande extensão do
planeta. Desta maneira o regime colonial, os meios locais de produção e comercialização
foram organizados de acordo com o modelo europeu. Concomitantemente, as particularidades
dos povos conquistados foram ignoradas, silenciadas ou até proibidas. Essas são as razões
para que ficassem invisíveis “os modos tradicionais de medida, organização e quantificação
dos conjuntos dos objetos, do mesmo modo que as línguas, as religiões, a medicina e tantas
outras expressões culturais” (op.cit., p.6). Neste sentido, o centralismo cultural dos ocidentais
é ilustrado pela história e essa é evidente na matemática. Neste sentido, de acordo com o
autor:
A Matemática, com seu caráter de infalibilidade, de rigor, de precisão e de ser um instrumento essencial e poderoso no mundo moderno, teve sua firmada excluindo outras formas de pensamento. Na verdade, ser racional é identificado com dominar a Matemática. A Matemática se apresenta como um Deus mais sábio, mais milagroso e mais poderoso que as divindades tradicionais e outras tradições culturais (D’AMBRÖSIO, 2004, p.49).
D’Ambrósio (2002, p.9) argumenta que desde a década de 1970, quando se
intensificaram os estudos na perspectiva da Etnomatemática, essa se mostrou como uma
significativa pesquisa sobre os saberes e fazeres matemáticos de diversificadas culturas. Tem
abordado as dimensões etnográficas, históricas, epistemológica e pedagógica.
Também nessa obra D’Ambrósio conceitua a educação como uma importância não
apenas individual como estimulo ao crescimento intelectual, mas como um recurso que
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possibilite o agir coletivo. A educação é o foco para um futuro social, no qual haja respeito e
amor ao próximo. Assim, ele compreende a educação “como uma estratégia da sociedade para
facilitar que cada indivíduo atinja seu potencial e para estimular cada indivíduo a colaborar
com outros em ações comuns busca do bem comum.” (D’AMBRÓSIO, 2002, p.68).
Desta maneira, a etnomatemática é uma proposta de ensino que permite estabelecer
relações entre noções de cultura e de matemática que vão além de uma mera metodologia de
ensino. Neste sentido, oferece condições para o diálogo e a articulação de diferentes saberes
que atendem as necessidades de cada grupo social.
2.1 A Educação Matemática
A crescente inquietação com as práticas de sala de aula tem dado origem à produção de
inúmeros trabalhos que estão voltados para essa área do conhecimento. São vários os estudos
que vêm discutindo a relação entre matemática e sociedade e procuram abordar diversas
questões a respeito de como os saberes matemáticos se operacionalizam, são produzidos,
constituídos, legitimados e validados em diversas práticas sociais. Alguns estudos têm se
direcionado para uma matemática aplicada, outros, para práticas de resolução de problemas,
jogos matemáticos, abordagem através da história de suas origens e outras formas que têm
como objetivo estimular os estudantes para a apropriação de conhecimentos matemáticos. A
Etnomatemática conforme D’Ambrósio (2004, p.45) pode ser entendida como:
Por que Etnomatemática? Poderíamos falar de Etnociência, um campo muito intenso e fértil de estudos, ou mesmo Etnofilosofia. A melhor explicação para adotar o Programa Etnomatemática como central para um enfoque mais abrangente aos estudos de história e filosofia está na própria construção do termo. [...] tem como referência categorias próprias de cada cultura, reconhecendo que é própria da espécie humana a satisfação de pulsões de sobrevivência e transcendência absolutamente integradas, como numa relação de simbiose. A satisfação da pulsão integrada de sobrevivência e transcendência leva o ser humano a desenvolver modos, maneiras, estilos de explicar, de entender e aprender, e de lidar com a realidade perceptível. (D’AMBRÓSIO, 2006, p.45).
Trata-se de uma proposta de que permite dar visibilidade e discutir as condições de
existência, as possibilidades e limitações dos saberes provenientes das diferentes praticas
sociais em diferentes contextos. Assim sendo, a Etnomatemática não se limita em apenas
trabalhar a matemática das diversas etnias. Podemos melhor compreender com o significado
da palavra Etnomatemática a partir de D’ Ambrósio (2007, p.111) que afirma que:
A abordagem a distintas formas de conhecer é a essência do programa etnomatemática. Na verdade, diferentemente do que sugere o nome, etnomatemática não é apenas o estudo de matemática das diversas etnias... para significar que há várias maneiras, técnicas, habilidades (tica) de explicar, de entender, de lidar e de
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conviver (matema) com distintos contextos naturais e socioeconômicos da realidade (etno). (D’AMBRÓSIO, 2007, p.111).
Por outro lado, nas instituições de ensino, desde as séries iniciais, usam uma
abordagem, às vezes artificial, para exemplificar os conhecimentos matemáticos. Talvez, seria
importante trazer fatos da vivência das crianças e estimulá-las a encontrar possíveis
alternativas de soluções para os problemas. O que problematizo aqui é descontextualização
das situações oferecidas em algumas práticas de sala de aula. Neste sentido, é importante
haver articulação entre vivências e conteúdos matemáticos de modo que possam contribuir
para enfrentar os obstáculos que se deparam em seu dia-a-dia. Conforme D’Ambrósio a
matemática escolar deveria seguir esse exemplo.
Quando se dá na escola a disciplina Matemática, corta-se da criança essa vivência que faz chegar à Matemática real – e também a necessidade, a curiosidade, uma série de coisas que criam um ambiente onde se acaba tendo de fazer matemática. Por mais que a escola precise acelerar o processo de construção de conhecimento, que a humanidade levou milhões de anos fazendo, ela não pode acelerá-lo a ponto de dar pronto todo conhecimento para a criança. Deve-se dar oportunidade a ela de viver um pouco essa experiência. Dar o enfoque da Etnomatemática significa proporcionar à criança uma vivência que, obviamente, só fará sentido se a criança a tiver no ambiente natural e cultural em que ela vive. A partir daí a criança se envolverá na busca de explicações, maneiras de tentar entender o que ela vive. A partir daí a criança vai dando os seus passos. [...] a criança se envolverá na busca de explicações, maneiras de tentar entender o que a rodeia, como que refazendo o processo de criação das próprias ciências. O professor pode, muito sutilmente, desenvolver, junto com a criança, meios de trabalhar com a realidade, insinuando que um jeito de fazer aquilo é Matemática. Quando a criança estiver sozinha, sem o professor, ela acabará encontrando essas maneiras com naturalidade. (D’AMBRÓSIO apud PINTO, 2003, p.61)
Halmenschlager (2001, p. 25) descreve a repercussão desta abordagem de ensino
direcionada à aprendizagem dos educandos. Indica que pesquisas direcionadas para o estudo
da matemática em diversas culturas dá visibilidade e legitimação à produção de
conhecimentos silenciados nos currículos escolares. As argumentações propostas pela autora
nos permitem compreender as diferentes idéias, raciocínios, formas de realizar estimações nos
diferentes contextos sociais. Segundo seu ponto de vista a Etnomatemática é:
Um programa de pesquisa que se desenvolve junto com a prática escolar. Segundo esses autores, reconhecendo que todas as culturas produzem conhecimentos matemáticos, é importante se conquistem espaços nos currículos para que conhecimentos usualmente marginalizados possam ser contemplados no universo da escolarização. Nesse sentido, pesquisadores são levados a identificar técnicas ou habilidades práticas utilizadas por diferentes grupos culturais, na tentativa de conhecer e entender suas realidades e, por meio disso, direcionar este conhecimento em benefício desses grupos. (HALMENSCHLAGER, 2001, p.25).
Também nesta mesma perspectiva encontram-se os estudos de Cláudia Glavan Duarte
(2006). A autora argumenta que “a questão que se coloca frente à existência de outros tipos de
validação, de outras lógicas é porque algumas são legítimas e outras não, porque algumas são
merecedoras de espaços dentro do currículo escolar e outras não”. (DUARTE, 2006, p.197).
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A autora também defende a idéia de que a imposição de determinada racionalidade
através da matemática acadêmica significa ir além de dar primazia a um modo particular de
pensar, a uma lógica específica, mas significa a possibilidade de extinguir os valores e
significados que fazem parte da racionalidade de outras culturas (DUARTE, 2006, p.198).
2.2 Recurso de Pesquisa
No desenvolvimento de toda pesquisa surge da necessidade de recursos práticos
pedagógicos, que contribuíram para o desfecho da pesquisa em campo. A investigação
fundamentada na etnografia é pouco conhecida da prática educacional. Porém, a etnografia é
uma das maneiras de pesquisa em que os antropólogos utilizam para estudar as culturas e a
sociedade. Para esses pesquisadores a etnografia pode ser compreendida em dois sentidos: o
primeiro estaria voltado para a coleta de dados sobre as diferentes culturas e outro consiste em
um relato escrito que expressa a utilização dessas técnicas no ambiente pesquisado. A
etnografia tem o significado de descrição cultural. Assim, de acordo com (ANDRÉ, 2007,
p.27).
A etnografia é um esquema de pesquisa desenvolvido pelos antropólogos para estudar a cultural e a sociedade. Etimologicamente etnografia significa “descrição cultural”. Para os antropólogos, o termo tem dois sentidos: (1) um conjunto de técnicas que eles usam para coletar dados sobre os valores, os hábitos, as crenças, as práticas e os comportamentos de um grupo social; e (2) um relato escrito resultante do emprego dessas técnicas (ANDRÉ, 2007, p.27).
No entanto, a etnografia na educação tem algumas adaptações, ou seja, na educação é
feita uma pesquisa “com inspiração em técnicas etnográficas”, não necessariamente com a
presença permanente no ambiente pesquisado. A pesquisa tipo etnográfica caracteriza-se,
primeiramente, por uso de técnicas tradicionais tais como: observações, entrevista e análise de
documentos. Nas observações, o participante intervém diretamente na situação estudada,
afetando ou sendo afetado por ela, sendo que as entrevistas têm o propósito de desvendar as
questões do objeto de investigação. Já a analise de documentos consiste em descrever, é claro,
com o olhar do pesquisador, fatos presentes ou passados de escritos, imagens, filmes e outras
fontes que compõem esses materiais de pesquisa. O documento assume hoje formas diversas,
abordam distintos conteúdos e podem ser encontrados em lugares variados. Uma infinidade de
registros com informações sobre determinado tema pode ser encontrado em jornais, revistas,
livros, noticiários de rádio e televisão, filmes, documentários, internet, anedotário, linguagem
e oralidade os quais se constituem em apenas alguns exemplos. O pesquisador e o assunto
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pesquisado devem estar interligados, sendo o pesquisador o recurso principal da coleta e
análise dos dados, atuando como um instrumento ativo na pesquisa.
Em primeiro lugar quando ele faz uso de técnica que tradicionalmente são associadas à etnografia, ou seja, a observação participante, a entrevista intensiva e a análise de documentos.
A observação é chamada de participante porque parte do princípio de que o pesquisador tem sempre um grau de interação com a situação estudada, afetando-a e sendo por ela afetado. As entrevistas têm a finalidade de aprofundar as questões e esclarecer os problemas observados. Os documentos são usados no sentido de contextualizar o fenômeno, explicitar suas vinculações mais profundas e completar as informações coletadas através de outras fontes.
[...] o pesquisador é o instrumento principal na coleta e na análise dos dados. Os dados são mediados pelo instrumento humano, o pesquisador. O fato de ser uma pessoa o põe numa posição bem diferente de outros tipos de instrumentos, porque permite que ele responda ativamente as circunstâncias que o cercam, modificando técnicas de coletas, se necessário, revendo as questões que orientam a pesquisa. (ANDRÉ, 2007, p.28).
A ênfase da coleta resulta na busca de fatos atuais da vivência diária do pesquisado e é
relatada pelo pesquisador, que tenta, na medida do possível, transcrever a visão pessoal de
cada participante, através do convívio por um determinado tempo com essas pessoas,
situações, locais, com duração determinada pelo próprio pesquisador, variando muito,
conforme disponibilidade de ambas as partes. Desta maneira:
Outra característica importante da pesquisa etnográfica é a ênfase no processo, naquilo que está ocorrendo e não no produto ou nos resultados finais. [...] preocupação com o significado, com a maneira própria com que as pessoas vêem a si mesmas, as suas experiências e o mundo que as cercas. O pesquisador deve tentar apreender e retratar essa visão pessoal dos participantes. [...] envolve um trabalho de campo. O pesquisador aproxima-se de pessoas, situações, locais, eventos, mantendo com eles um contato direto e prolongado. O período de tempo em que o pesquisador mantém esse contato direto com a situação estudada pode variar muito, indo desde algumas semanas até vários meses ou anos. (ANDRÉ, 2007, p. 29).
Após a coleta dos dados o pesquisador tem como tarefa a reconstrução das entrevistas e
diários de campo, em forma de palavras ou transcrições literais. A pesquisa etnografia não
tem como objetivos uma testagem, mas uma busca por novos conhecimentos, teorias,
conceitos que de acordo com o grupo pesquisado uma realidade a ser compreendida. Assim
André (ibidem, 2007) interpreta a etnografia e o envolvimento do pesquisador, isto é:
[...] O pesquisador faz uso de uma grande quantidade de dados descritivos: situações, pessoas, ambientes, depoimentos, diálogos, que são por ele reconstruídos em forma de palavras ou transcrições literais. Finalmente, a pesquisa etnográfica busca a formulação de hipóteses, conceitos, abstrações, teorias e não sua testagem. [...] O que esse tipo de pesquisa visa é a descoberta de novos conceitos, novas relações, novas formas de entendimentos da realidade. (ANDRÉ, 2007, p. 29-30).
A pesquisa do tipo etnográfica é ampla, abragendo vários recursos em que o próprio
pesquisador pode vir a fazer uso. Desta maneira, torna-se interessante por buscar novos
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horizontes, ou seja, descreve as práticas das diferentes culturas, sociedades e crenças,
permeiam os distintos saberes e não evidenciados por não estarem presentes nos conjuntos de
conhecimentos considerados de caráter acadêmico. Neste sentido, a etnografia encontra e
revela esses dados, e além de buscar compreender a realidade de cada pesquisado, pode
contribuir com propostas para alcançar soluções que favoreçam os grupos sociais que são
participantes das investigações. Sendo assim, a educação encontra nessas técnicas recursos
relevantes para elaboração e reflexão sobre os saberes que podem contribuir para a produção
de conhecimentos realmente significativos para a humanidade. Inspirada nestas
argumentações busquei ao longo de meu estudo considerar que não apenas estava
reproduzindo a falas de meus entrevistados, isto é, a transcrição estava sendo permeada pelo
meu olhar, pela minha forma de vida e, portanto, conto os fatos a partir de minhas
experiências de vida e as práticas que dela fazem parte. Logo, é importante que o pesquisador
defina, a priori, os procedimentos teóricos e metodológicos necessários à realização de seu
trabalho.
2.3 Etnomatemática e Zona Rural
A maior relevância desse trabalho consiste pesquisar as diferentes matemáticas que se
encontram presentes em distintas práticas e sua contextualização de acordo com fatores
culturais. Claudia Lisete Oliveira Groenwald e Rosane Maria Jardim Filippsen (2002, p.21),
caracterizam a Matemática como elemento evolutivo e relacionado com o cotidiano, tanto em
comunidades, como em instituições de ensino.
É preciso relacionar a matemática com a vida. É preciso que a matemática da escola se sintonize com a matemática que se manifesta em nosso ambiente de convivência. A matemática que conhecemos hoje não é um resultado acabado, pronto para ser utilizado e nem será enquanto existirem pessoas capazes de modificá-la, melhorá-la, forçá-la a evoluir. (GROENWALD; FILIPPSEN, 2002, p. 21)
A existência da etnomatemática em diversas culturas, como na Zona Rural, proporciona
conhecimento e compreensão da matemática presente naquela comunidade. Os estudos das
autoras indicam a forte presença da matemática em diversas culturas, como na zona rural, e
nessas práticas, podem ser verificados muitos conceitos matemáticos, assim como a geometria
e unidades de medida e as funções polinomiais. Suas pesquisas centraram-se no plantio e
venda de morangos em uma propriedade rural no município de Feliz, no Rio Grande do Sul.
O excerto abaixo descreve alguns dos cálculos matemáticos que eram executados naquela
comunidade rural:
Um produtor de morangos tem, em média, 700m² de área disponível para o plantio. A plantação inicia a 1m da cerca e é feita em retângulos de 1m de largura por 10m
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de comprimento. Entre os canteiros e em volta da plantação é feito um valo de 30 cm [...] Em cada canteiro as mudas são plantas a uma distância de 30 cm uma da outra [...] as mudas da borda devem estar 20cm do início do canteiro [...] Os morangos são plantados entre abril e maio e cada plantação resulta três floradas. A primeira florada 30 a 50 dias após o plantio, onde são colhidos 25% da produção esperada; na segunda florada são colhidos 50% da produção esperada e na terceira 25% da safra. Esta plantação produz, por média, 7 pés por m², de onde é possível colher em torno de 600g de fruto por pé, por ano. Os morangos são acondicionados em caixas de plásticos de 11cmx11cmx4cm, em média, 450g de morangos e cada caixa são vendidas pó R$2,50. (GROENWALD; FILIPPSEN, 2002, p. 22).
Outro trabalho nesta perspectiva é o desenvolvido na por Knijnik (2007) no qual
apresenta os fundamentos metodológicos e alguns resultados preliminares de um projeto de
pesquisa que tem como objetivo o exame dos processos culturais envolvendo a matemática
oral e as conseqüências curriculares para a Educação de Jovens e Adultos do campo. Segundo
a autora é:
Ao pôr sob suspeição esta “grande narrativa” que é a Matemática Acadêmica – considerada pela modernidade como linguagem por excelência para dizer o universo mais longínquo e também mais próximo – e, explicando a sua intenção de dar visibilidade a outros modos, que não o hegemônico, de produzir significados matemáticos (as etnomatemáticas dos diferentes grupos culturais), a Etnomatemática introduziu um tema até então ausente da Educação Matemática. (KNIJNIK, 2007, p. 31-32).
Para atingir seu objetivo, a pesquisa envolveu o mapeamento de um conjunto de práticas
de matemática oral produzidas por agricultores cujo exame de suas implicações esteve
direcionado para dois aspectos que ela considera fundamentais. O Primeiro deles diz respeito
às possibilidades e as condições de incorporar matemática oral no currículo da Educação de
Jovens e Adultos do campo. O segundo aspecto se refere às potencialidades de articular
matemática oral às novas tecnologias. As análises preliminares do projeto possibilitaram a
verificação de algumas regularidades referentes às práticas da matemática oral utilizada pelos
integrantes da comunidade agrícola. A primeira regularidade se refere à vinculação das
estratégias mentais às circunstancias onde as mesmas estão situadas. Uma segunda
regularidade está relacionada ao processo de adicionar a partir da decomposição dos valores a
serem computados oralmente, os quais se verificam do maior para o menor. Uma terceira
regularidade está ligada à estratégia de duplicação presentes nas multiplicações efetuadas
oralmente. Neste sentido, suas análises a levaram concluir a importância de incorporar
estratégias de cálculo mental às práticas pedagógicas e aos projetos no meio educativo. Além
disso, a associação de meios tecnológicos nas práticas se constituiu em alternativa que
favoreceu a aquisição de conhecimentos matemáticos. (ibidem, p.42-43).
Outra pesquisa com comunidades na zona rural diz respeito aos estudos realizados por
Alexandrina Monteiro, Elizabeth Conceição Sena Gonçalves e José Augusto dos Santos (2007
16
p.49-63). Eles descrevem alguns dos saberes matemáticas presentes na prática de semeadura
na agricultura e no comércio. Os relatos obtidos por meio de seus entrevistados indicam que
os agricultores que atuam com culturas e com instrumentos diferentes aprenderam através de
processos centrados na tradição oral. Por outro lado, os engenheiros pesquisados
argumentaram que seus saberes são oriundos de pesquisas experimentais que fazem usos de
Estatística. Todavia, os resultados encontrados não diferem daqueles encontrados pelos
agricultores. Assim, segundo esses autores é possível articular saberes acadêmico e não
acadêmico de modo que professores e estudantes possam “construir conhecimentos a partir da
multiplicidade, da valorização da pluralidade de técnicas e procedimentos produzidos em
contextos escolares e não escolares”. (ibidem, p.55).
Após ter trazido as teorizações dos autores que contribuíram e me ofereceram suporte
teórico para realização de minha pesquisa, no próximo capítulo passo então a relatar e analisar
os dados obtidos durante os momentos que sai a campo em busca de informações.
17
3 A PESQUISA EMPÍRICA
A matemática está inserida na vida de agricultores e pecuaristas. Dialogar, comentar,
cultivar e vivenciar essas atividades agrícolas é um modo de se inspirar na perspectiva da
etnomatemática. Com auxílio de entrevistas, diário de campo, gravações e imagens
fotográficas, adequaram a obtenção de várias informações sobre os saberes da cultura da zona
rural onde se faz presente operações matemáticas contextualizadas. Essa pesquisa foi
realizada nos municípios de Bom Retiro do Sul e Taquari no estado do Rio grande do Sul.
Ambos vizinhos Sul e Sudeste, como referência Bom Retiro do Sul. Esses municípios são
banhados pelo extenso rio Taquari, que, para economia do Estado, é importante, pois suas
águas drenam 98 municípios, e tem relevância a esse grupo pesquisado. É das águas do rio
Taquari que são irrigadas as plantações e utilizadas para outros recursos da comunidade. A
extensão de hidrovia é aproximadamente 34 km de um município a outro.
Um meio de ligação aos dois municípios é uma estrada que acompanha o leito do rio
Taquari essa é denominada de Beira do Rio. Nessa localidade foi elaborada a minha pesquisa,
com participação de seis produtores rurais e uma engenheira agrícola que residem neste local.
Os cultivos predominantes entre os entrevistados são: milho, arroz e fumo. Na pecuária são:
bovinos de corte e vacas leiteiras. Durante as entrevistas com esses agricultores e pecuaristas
tive a oportunidade de ouvir seus relatos sobre seu passado, presente e suas expectativas em
relação a um futuro que lhes parece incerto. Expressaram sentimentos de amor e apego às
suas raízes e ao trabalho que desenvolvem na Zona Rural.
No entanto, minha participação nessa pesquisa, ultrapassa a fronteira de um
pesquisador. Desde quando nasci venho vivenciando e participando dessa cultura. Meus pais
são naturais dos dois municípios. Residiram algum tempo na zona urbana. Todavia, nos fins
de semana retornavam a Beira do Rio. Depois de algum tempo fixaram residência na zona
rural. Assim sendo, o amor ao campo expressado pelos meus entrevistados é também um
18
sentimento compartilhado por mim. Essa cultura originou-se há muitos anos, é um sentimento
passado de pais para filhos. Torna-se, deste modo, um orgulho para seus descendentes.
Todos os dados relatados nas entrevistas são provenientes de informações desses
pesquisados, ou seja, para cada cultivador existe uma maneira de plantio que pode divergir de
outros que cultivam a mesma planta.
3. 1 Entrevistas
Esse subcapítulo norteia a descrição das vivências , anotações e imagens da pesquisa
realizadas com o grupo pesquisado. Além disso, a entrevista realizada com a engenheira
agrícola.
3.1.1 Vivências
As seguintes entrevistas revelam aspectos do passado, presente e um panorama do
futuro, segundo o ponto de vista dos pesquisados. Portanto, esse subcapítulo dará voz a esses
agricultores e pecuaristas, aduzindo informações importantes a toda sociedade. Expressam
também a relevância dessa cultura para sobrevivência humana.
Os primeiros pesquisados foram Zeno e Marcelo, pai e filho. São plantadores de arroz e
juntos cultivam aproximadamente sobre uma área de 172 hectares, isto é, o primeiro 130
hectares e o segundo 42 hectares. O entrevistado Zeno nasceu na zona rural, é filho de
agricultor e sua única atividade está ligada a essa prática. Seu grau de escolaridade é Ensino
Fundamental completo. Quando iniciou a vida do campo pensou que dava para viver
exclusivamente da agricultura, pois no passado muitas pessoas tinham essa prática como meio
único de subsistência. O porquê plantar arroz originou-se de seu pai, sendo que inicialmente
plantavam em pequenas áreas. Com o passar dos anos aumentou em decorrência da
necessidade de maquinários e da tecnologia emergente. Hoje a agricultura está enfrentando
obstáculos financeiros para o plantio, manutenção e comercialização do seu produto. De
acordo com as considerações de seu Zeno:
Há dez anos o óleo valia R$0,30 hoje custa R$2,00 o litro; o trator R$37 000,00 atualmente R$100 000,00; o adubo R$14,00 a saca, hoje R$40,00. No entanto, o arroz era R$17,00 a R$20,00. Atualmente varia entre R$20,00 e R$23,00. O que é nosso não vale nada produzir como, viver da agricultura pagando isso tudo? (ZENO, 2007)
Para ilustrar as afirmações do entrevistado constituí o gráfico que sistematiza sua fala:
19
Figura 1 – Valores Plantação de Arroz Fonte: Autoria Própria, 2007.
Ao questionar os usos da matemática na agricultura constatei a importância das contas.
Entretanto, na visão desse agricultor a matemática representa a expressão de resultados
negativos nos momentos em que é necessário examinar os gastos e ganhos na agricultura.
Através da fala do entrevistado a matemática acadêmica só se faz presente nos cálculos de
custos, receitas e lucros. Essa afirmação parece indicar que a matemática das suas práticas
tem uma outra linguagem que tem semelhanças de família com a matemática escolar. Tal
argumento pode ser expresso pelo excerto:
[...] a matemática é muito forte na agricultura, na verdade o que está nos prejudicando na agricultura é a matemática, não tem como fazer conta que feche a conta, os resultados são incoerentes. Se paga um absurdo por adubo, óleo, e tudo. Como vender o produto por nada, não tem com fechar a matemática não fecha e está difícil sobreviver desse jeito, ta muito ruim. (ZENO, 2007).
O solo e a tecnologia são de extrema importância para o grupo pesquisado. A terra é que
leva a obtenção de produtos de boa qualidade. A tecnologia estabelece uma produção em
grandes quantidades, colheitas realizadas em curto período de tempo e redução de mão-de-
obra conforme afirma o entrevistado:
Muito importante. Hoje em dia, por exemplo, não tem como. Tu até desacoroçoa em trabalhar como trabalhava antigamente. Quando guri trabalhava com meu pai colhia em uma quadra1 80 a 100 sacas em 1 hectare e ¾ igual 17000m²(aproximadamente) igual 1 quadra. Um hectare que é 10000m² hoje 140 a 150 sacas tu colhe em 1
1 O termo quadra é uma unidade de medida, o que equivale à 17500m².
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
110
Óleo (l) Trator Adubo (saca) Arroz
Valores Plantação de ArrozNos últimos 10 anos
1997
2007
20
hectare que é 10000m², isso quer dizer tecnologia. Antigamente o trabalho envolvia tempo e mão-de-obra: 10 quadras usavam-se 20 homens pra colher tudo manualmente, a braço. Plantar ocupava 1 a 2 piões e boi. Atualmente 3 a 4 homens plantam 200 hectares, aproximadamente, o recurso é maquinário agrícola. (ZENO, 2007).
Além do cultivo de arroz o produtor planta milho e feijão, veja anexo B. Algumas
imagens fotográficas retiradas da propriedade de seu Zeno reforçam suas afirmações no que
diz respeito à utilização do milho para alimentação de alguns animais e a produção de feijão
para o consumo próprio.
Já Marcelo, seu filho, relatou toda sua trajetória, assim como a de seu pai, expressando
também, desde a infância, o amor pela agricultura. Seu grau de escolaridade é Ensino Médio
completo. Durante determinado período, tentou construir sua vida no meio urbano. Contudo, a
saudade da terra fez com que retornasse ao campo. Ao retornar, sua expectativa era de viver
da agricultura, sendo que via vantagem de não ter que cumprir horários rígidos. Segundo ele,
“[...] somos nosso patrão, tu trabalha pra ti numa coisa que é tua”. Atualmente, produz arroz
em pequena área reservada para plantio. Marcelo comentou sobre a crise dos últimos quatros
anos afirmando que o custo de produção ficou muito alto e a margem de lucro muito pequena.
A manutenção e maquinário têm um custo muito alto e, em conseqüência, repercutiu em
aprendizagem de novos saberes visto que era necessário realizar reparos caseiros como
medida para redução dos custos. De acordo com suas palavras, “o custo de produção está
encostando-se ao custo de venda. Não se sabe até quando vai se ficar na agricultura, mesmo
gostando. Quatro empregados passaram pra três e agora um. Absorvemos o serviço pra nós
mesmo e quase morremos trabalhando, não tem hora, nem dia.”.
Ao se referir ao futuro expressou incertezas. Pretende trabalhar e liquidar suas dívidas,
plantando o suficiente para manutenção do maquinário e sobrevivência. Não tem grandes
expectativas em relação a essa área de trabalho. Conforme sua afirmação: “ganhar a vida
honestamente nesse país parece ser impossível, muito menos atuando como agricultor, pois é
o último da classe.” Marcelo tem sua renda única e exclusiva da agricultura. Assim narrou seu
envolvimento na agricultura e as situações que enfrenta no cotidiano:
Vivo agricultura 24h por dia. Tenho gastos o ano todo e recebo uma vez, uma quantia que quase não cobre os custos. Tem que repartir, sanar algumas dívidas: o alimento é o combustível da gente e está no bolo das dívidas. Hoje apenas planto arroz e estou colhendo pepino. Está complicado viver aqui. No fim da produção colho 7 mil sacas e quando coloco os gastos no papel cada saca paga as dividas: tantos pro Fulano, Sicrano, Beltrano e prestação da máquina. Quando vejo não tem mais nada pra mim, não sobrou nada. Na época de colheita, tu colhes e não espera melhor oferta, todos estão com a corda no pescoço, muita gente pra vender. Todos colhem e no primeiro caminhão que tu colhe já vai junto o talão pro engenho. Vende e coloca na conta, porque amanhã esta entrando um cheque pra rolamento, pra
21
ceifadeira2. Ah!Se pudesse esperar um preço melhor! Mas não dá, sou obrigado a vender e tenho que pagar a manutenção. (MARCELO, 2007).
O agricultor exemplificou algumas variações de preços de um mesmo produto. Já
vendeu, por exemplo, um saco de arroz por R$30,00 (maior oferta), R$15,00(menor preço) e
atualmente está no valor de R$23,00. No momento da entrevista o pesquisado comentou que a
matemática, no passado, não existia na agricultura. Todavia, agora se faz necessária nos
cálculos das dívidas. Tal argumentação indica que a matemática só é utilizada nos cálculos
financeiros. Em outros momentos ela é entendida como uma prática social.
O próximo entrevistado foi o agricultor José Oscar, com Ensino Fundamental
concluído. Ele cultiva arroz e milho e também plantou fumo. A agricultura, segundo seu
relato, é uma prática que lhe foi transmitida por seus antepassados bem como o apreço a essa
atividade de trabalho. Apesar de ter trabalhado em outro ramo retornou ao ambiente rural em
busca da felicidade.Atualmente essa modalidade de trabalho tem se restringido apenas em
meio de cobrir despesas que foram necessárias para dar continuidade à produção agrícola.
Para isso, ele conta com a contribuição familiar.
O agricultor ocupa uma área de 30 hectares para o plantio de arroz e o 12 hectares para
o plantio de milho. Conforme argumentou, o milho consiste em base para agricultura. Esse
pode ser utilizado para alimentação de animais (gado, suíno, frango e eqüinos). Já, o arroz é
um produto utilizado para a alimentação da população. Para estimar a quantidade necessária
de milho a ser plantada por ano José diz: “Calculo pelo movimento que vou fazer durante o
ano, me projeto durante o inverno e programo o que vou fazer. Faço o cálculo da quantia que
vou plantar.” Isso significa que a matemática, neste contexto, se faz presente sem, contudo,
ser considerada como conhecimento necessário à prática. Para definir onde será cultivada
cada modalidade de planta, o agricultor averigua qual terra será mais adequada para irrigação,
principalmente, quando se trata de plantio de arroz e, mais seca, quando envolve o plantio de
milho. O entrevistado comenta sobre a atual situação agrícola:
No dia-a-dia, a agricultura tornou-se insustentável não tem como sobreviver. A tecnologia avançou muito e não tem condição financeira pra acompanhá-la. O teu produto não tem preço, há impostos, não tem como acompanhar e sobreviver, a produção fica muito atrás. Acho absurdo pagar imposto de tudo que tu produz e o atravessador vende na cidade pelo dobro do preço, e não sabe o custo que tu tiveste. Por exemplo, o boi em torno de R$2,30 tu vende, sendo que a carne é vendida, em média, por R$9,00 o quilo. Paga 2,2% de fundo rural de tudo que sai da propriedade. Uma dúzia de ovos é acrescida de 2,2%. Sem agricultura não tem alimento é à base da cidade, se não tem agricultura forte, não tem alimento [...] Agricultura base de tudo. (JOSÉ, 2007).
2 O termo ceifadeira refere-se à máquina colhedora de arroz.
22
De acordo com o depoimento do entrevistado, o avanço tecnológico trouxe sérias
conseqüências para o solo e para a qualidade dos alimentos. O mercantilismo não leva em
consideração os resultados que agridem a natureza que, consequentemente, irão incidir nas
condições de sobrevivência.
A terra como era, tinha menos tecnologias e cuidavam muito melhor do solo. Hoje tem que ter mais produção e tirando muito mais recursos da terra pra sobreviver. No inverno não fica cobertura correta do solo. O futuro do Brasil tem que ter mais incentivo senão daqui uns anos terão terra fraca e os resultados de resíduos de veneno. Se houvesse mais incentivos teria mais condição de um produto orgânico3. Na realidade nos últimos 6 anos a agricultura tornou-se insustentável. Não tem condições financeiras de se manter. Só há prejuízo. (JOSÉ, 2007).
A Matemática se fazia presente constantemente na fala do agricultor quando se referia
ao seu dia-a-dia. Ele aludiu, várias vezes, conhecimentos Matemáticos como, por exemplo:
porcentagem, juros, regra de três, as quatro operações aritméticas, estatística, geometria e
unidades de medidas presentes na agricultura.
A Matemática está presente em tudo que tu faz. Pra ti plantar tem que calcular semente por metro quadrado; pra regular uma plantadeira4 e/ou pulverizador5 de veneno. Regra de três, juros tudo que tu compra e tudo o que tu vende, porcentagem, hora de trator, combustível, sacos de adubo (50 kg) e uréia, e semente (21000 grãos por saco) aproximadamente 20 a 21 kg por hectare milho, rende 90 saco por hectare (produção baixa). O arroz 150 kg por hectare, 130 sacos por hectare (produção baixa). (JOSÉ, 2007).
O seu José comentou que a maior prova de existência da matemática está no preparo da
terra para o cultivo de arroz. Nessa etapa o agricultor faz uso de um aparelho chamado
Teodolito responsável pelo levantamento topográfico da área. São marcadas as curvas de
nível no sistema convencional, e são feitos cortes ou aterros no sistema pré-geminado. A
imagem a seguir foi retirada de uma propriedade já com as medidas verificadas, em que as
estacas demarcam o território de preparo pelos maquinários.
3 O termo Produto Orgânico refere-se a uma alternativa de cultivo através da utilização de plantas que reponham nutrientes retirados do solo no exercício da atividade agrícola. 4 O termo Plantadeira = Plantadora, equipamento agrícola. 5 O termo Pulverizador é um equipamento agrícola.
23
Figura 2: Terreno com demarcações Topográficas Fonte: Autoria Própria, 2007.
O agricultor é também pecuarista. Flávio, em sua entrevista, revelou que a agricultura
vem de “berço”. Seu pai e avô paternos eram agricultores. A família praticamente toda viveu
e vive na zona rural. Expressando sua crença na terra, com olhar atual, argumenta que o lucro
recebido tem sido insignificante em relação às despesas. Ele cultivou e ainda cultiva: Milho,
feijão, cana-de-açúcar, batata, arroz entre outros. Quando se referiu à pecuária, afirmou que
trabalha com criação bovina de corte (engorda) e já trabalhou com criação de frangos. Flávio
tem Ensino Superior Incompleto. Sua renda mensal é proveniente da sua aposentadoria e
conta com auxílio de sua esposa que também está aposentada. Apenas vende gado de corte.
Hoje planto esperança (rindo) e milho pra manter os animais. Mas lido com a pecuária de corte, rebanho de 100 cabeças, tiro por ano aproximadamente 20 cabeças. Atualmente tenho 60 vacas. Estimo nascimento do animal, entouro6 na época certa que é dezembro para nascer em setembro. Nesse ano, a enchente prejudicou tive que reunir o gado pra escapar da cheia do rio. (FLÁVIO, 2007).
De acordo com seu depoimento, o milho é plantado só para alimentação dos animais,
assim como feijão, aipim, batata, alface, couve, cenoura entre outros legumes e verduras para
consumo próprio (familiar). A área de plantio para sustentar todos os animais ocupa cerca de
4 a 5 hectares. O sustento dos animais é feito do plantio do milho através de um método
denominado “silagem7”. Dependendo da qualidade do milho o processo de silagem obedece,
proporcionalmente, a quantia necessária para alimentação dos animais. Na época de inverno, é
6 O termo Entouro na linguagem da comunidade do campo é utilizado para designar a época de cruzamento. 7 O termo Silagem significa um subproduto derivado da colheita da planta de milho (pé, palha e espiga), da compactação desta massa verde é armazenada em silos tipo trincheiras visando à fermentação lática. Pode durar até 6 meses quando bem vedado e bem feito, mas em geral sua utilização é prevista para os meses de inverno, onde as pastagens nativas ficam castigadas e o alimento do gado é mais escasso.
24
necessário ter reservas alimentares. Isso significa que, utiliza-se de silagem, azevém8, aveia9 e
minerais com objetivo de um reforço alimentar.
As pessoas da zona rural expressam sua grande preocupação com o futuro. Seu Flávio
revela que se os processos de cultivo não forem incentivados os jovens de hoje não
exercitarão funções nessa área de trabalho. Esta afirmação está presente na fala do agricultor
quando diz:
[...] se não houver subsídios e interesses ficarão no campo somente velhos e aposentados. Mudou muito a agricultura. Antigamente era na base da inchada e do arado. Hoje é predominantemente tecnológica. Futuramente, a agricultura vai morrer, é pessimismo, pouco incentivo. E preciso subsidio para plantar e ter um preço garantido. Quando o boi está em alta não se vende, pois é entressafra10 preço garantido. O arroz não cultivo porque muitos agricultores investiram e atualmente estão enfrentando uma crise financeira. (FLÁVIO, 2007).
A entrevista concedida com os agricultores e pecuaristas, Ademir e Micheli, revelou que
o casal vive da renda agrícola. Cultivam o fumo e criam vacas leiteiras. Micheli relatou que,
antes de casar, trabalhava em uma das fábricas de calçados situada no município de Bom
Retiro do Sul. Sabendo da necessidade de mão-de-obra abandonou o emprego e começou a
ajudar seu esposo nas atividades agrícolas. Ambos argumentam que o custo na produção de
fumo está alto. A necessidade de mão-de-obra e os custos para mantê-la levam os agricultores
a desistiram desse cultivo. Seu comentário destaca esse aspecto:
Não vale a pena plantar fumo. Temos que contratar mão-de-obra e acaba saindo elas por elas. Teve uma época que o fumo teve altas. Isso aconteceu há uns dois anos atrás. Mas, agora não vale. O custo de um empregado é alto e não dá pra manter. E como temos envolvidos com o leite, não damos conta. (MICHELI, 2007).
O casal está investindo na criação de vacas leiteiras. Porém, não sabem até quando iram
plantar fumo. O orçamento familiar é oriundo da agricultura e da pecuária. Essas afirmações
revelam mais um exemplo da matemática que se faz presente na vida daquelas pessoas.
Nas entrevistas, a mim concedidas, todos os agricultores e pecuaristas expressaram seus
apreços ao trabalho que executam apesar da crise no setor agrícola e da falta de subsídios
governamentais. Apesar de existir falas que fazem alusão a cálculos matemáticos, a
matemática acadêmica somente é mencionada quando aquelas pessoas se remetem a custos,
receitas, lucros e impostos a serem pagos. Todavia, a comunidade local tem modos próprios
de calcular e são expressos por cálculos mentais sofisticados e rápidos sem, necessariamente,
apresentarem registros escritos.
Depois das entrevistas realizadas com os agricultores meu ponto de vista se ampliou em
relação aos valores que anteriormente eram por mim priorizados. Penso que a qualidade de 8 O termo Azevém (Lollium multiflorum) gramínea de inverno, utilizada como alternativa de pastagem. 9 O termo Aveia (Avena sativa) gramínea de inverno, utilizada como alternativa de pastagem. 10 O termo entressafra é o período entre uma safra e outra.
25
vida das pessoas bem como sua saúde, segurança e educação estão estreitamente ligadas à
qualidade dos alimentos. Além disso, condições ambientais, como evidenciaram meus
entrevistados, estão afetando o meio ambiente e as condições de vida das pessoas. Estas são
decorrentes dos abusos da tecnologia e de um mercantilismo que prisma por produções em
grande escala, sem considerar os danos à saúde humana e à natureza.
3.1.2 Anotações de diário de campo e imagens da pesquisa.
As informações, anotações e fotografias foram diretamente coletadas na localidade da
Beira do Rio. Os dados de pesquisa foram fornecidos pelos pesquisados, podendo haver
divergências de opiniões. As observações, gráficos, tabelas, diagramas foram por mim
elaboradas, enquanto pesquisadora. As visitas às lavouras, plantações e criações foram
autorizadas mediante contato com agricultores e pecuaristas desta comunidade. As imagens
fotográficas também foram retiradas das propriedades dos entrevistados durante o processo de
pesquisa.
3.1.2.1 Arroz
O entrevistado desse cultivo foi Zeno da Silva Rocha, residente no município Taquari.
Relatou que o arroz antes de ser plantado, requer um preparo do solo que passa por etapas
especiais. São construídas canchas11 de indeterminados tamanhos. Essas são elaboradas na
tentativa de deixar o solo o mais plano possível, conforme o relevo da propriedade. As
canchas são indeterminadas, mas uma quadra de arroz equivale um hectare e 3/4, ou seja,
17500m². As fotos foram retiradas do local em que acontece o preparo do solo e no qual o
agricultor utilizou água de modo que se formasse um lodo nas canchas. Com a ajuda de
tratores, todo esse processo requer várias horas de dedicação por dia. No dia da entrevista, o
agricultor acordou às 5h da manhã e até as 15h da tarde havia apenas destinado 1 hora para
alimentação.
11 O termo Canchas são medidas indeterminadas, feitas de acordo com o relevo da propriedade. O instrumento Teodolito é utilizado para determinar essas medidas.
26
Figura 3: Preparo do lodo para germinação. Fonte: Autoria Própria, 2007.
Figura 4: Preparo do lodo para germinação. Fonte: Autoria Própria, 2007.
Além do preparo da terra, é necessário executar um processo de cuidado com as
sementes. Para evitar incidências de insetos e outros prejuízos à qualidade do arroz, a semente
é pulverizada ou colocada em um tanque para receber um tratamento específico. O tanque que
me foi exposto durante a entrevista tem capacidade de 90 sacas de arroz (50 kg cada) e têm
dimensões de 2m x 4m x 1,40m. A semente, ensacada, permanece no tanque em torno de
48horas (tempo quente) ou de 2 a 3 dias para germinar (tempo frio). Essa estimativa é toda
realizada pelo produtor que ao ser questionado sobre o processo ressaltou a importância da
27
temperatura na lavoura e toda a influência climática. As imagens do tanque podem ser aqui
visualizadas externa e internamente.
Figura 5: Tanque de pré-germinação das sementes do arroz. Fonte: Autoria Própria, 2007.
Figura 6: Tanque de pré-germinação das sementes do arroz. Fonte: Autoria Própria, 2007.
Para seu Zeno, que ocupa 130 hectares de terra, são preparadas, para plantação, em
torno de 325 sacos de semente, ou seja, 2 ½ sacos por hectare. Essas são semeadas nas
canchas após ter ocorrido à germinação no tanque que, por sua vez varia de 8 a 15 dias
conforme o clima. As canchas recebem uma irrigação de, aproximadamente, 3 cm à 5cm de
28
água. A seguir são ilustradas imagens de uma plantação de arroz localizada em canchas em
período posterior a germinação. A imagem também destaca a profundidade da água.
Figura 7: Plantação de Arroz. Fonte: Autoria Própria, 2007.
Figura 8: Lâmina d’água na plantação de arroz. Fonte: Autoria Própria, 2007.
Depois da semeadura, a irrigação deve ser mantida com a quantia acima determinada,
isto é, por um período de seis meses. A seguir terá início a colheita. O agricultor relatou que
durante o período de irrigação faz uso de três bombas, sendo que duas delas têm capacidade
de 110 l/s e uma têm capacidade de 220 l/s. No local da pesquisa, os agricultores se utilizam
da água do rio Taquari que consiste em um barranco (encosta) de 15m de altura. O agricultor
29
afirmou que a irrigação é alternada, ou seja, 24h de irrigação e 24h de pausa. Além de bombas
existem canos de 25 cm de diâmetro com comprimento da circunferência de 80 cm. As
imagens a seguir foram retiradas de uma das bombas que conduzem água do rio Taquari para
a lavoura do entrevistado. Além desses canos há um conduto côncavo que conduz a água por
toda a lavoura.
Figura 9: Barranco do rio Taquari e canos que conduzem a água até os condutos. Fonte: Autoria Própria, 2007.
Figura 10: Conduto côncavo conduz a água por toda a extensão da lavoura. Fonte: Autoria Própria, 2007.
Se a colheita for razoável, a média de produção será de 130 sacas de arroz. Todavia, em
algumas quadras ocorrem perdas de produção e a variação é então situada entre 80 e 100
30
sacas. Se a produção for boa, a quantia terá variações em torno de 100 e 180 sacas. No
maquinário de colheita existe um acessório denominado graneleiro e/ou marreco, com
capacidade de 45, 80 e 220 sacos de arroz. No momento em que a colheitadeira (máquina que
colhe o arroz) passa para esse acessório, pode armazenar o arroz já colhido. Possui capacidade
de recolher, aproximadamente, 1000 a 1400 sacos de arroz por dia que corresponde 25 000 a
30 000 sacos de uma lavoura. Essas imagens são da lateral e da parte interna de um graneleiro
com capacidade de 80 sacas. Observe que a figura geométrica consiste em uma pirâmide com
base quadrangular.
Figura 11: Marreco ou Graneleiro implemento agrícola. Fonte: Autoria Própria, 2007.
Figura 12: Lavoura de arroz após colheita. Fonte: Autoria Própria, 2007.
31
A tabela abaixo foi elaborada com base em dados retirados da entrevista com seu Zeno.
Indica o tempo de cultivo e cada etapa: do preparo até a colheita. Esses valores expressam o
envolvimento do agricultor, no ano, que consiste em 318 dias, ou seja, 318/365. Essa
informação pode vir a variar, de acordo com a situação climática, acarretando um número
maior de dias envolvimento com essa prática agrícola.
Quadro 1 – Tempo do Cultivo de Arroz
Processos do Cultivo Tempo do Processo
Preparo do solo 90 dias
Semente no tanque 2 a 3 dias
Plantio para germinar 8 a 15 dias
Crescimento e Amadurecimento 180 dias
Colheita 30 dias
Fonte: Autoria Própria, 2007.
Imagens fotográficas da plantação de arroz, ver anexo A, da propriedade de seu Zeno e
Marcelo.
3.1.2.2 Milho
Os dados coletados referem-se ao plantio de milho do produtor José Oscar Pereira de
Souza, e compreende uma área de aproximadamente 12 hectares de suas terras. O plantio é
realizado por sementes e utiliza máquinas agrícolas, plantadoras devidamente reguladas, e
arados de trator (disco). Por hectare é necessário 1 saca que equivalente a 21mil sementes. A
distância entre linhas ou entre camalhões é de aproximadamente 85 cm e entre as plantas de,
aproximadamente, 15 a 20 cm. Depois de feito o plantio leva, em média, de 4 a 7 dias para
germinar, conforme o clima.
Figura 13: Distância entre plantas(camalhões) e entrelinhas. Fonte: Autoria Própria, 2007.
Distância entre plantas (1)
Distância entrelinhas (2)
32
Figura 14: Plantação de Milho. Fonte: Autoria Própria, 2007.
Figura 15: Plantação de Milho. Fonte: Autoria Própria, 2007.
Os estágios do milho variam de acordo com a situação climática: o milho verde de 4 a 5
meses; milho para silagem (louro) de 5 a 6 meses; milho seco de 6 a 7 meses. Dependendo da
variedade da semente (super precoce) o estágio seco pode perdurar de 5 a 6 meses.
33
Figura 16: Estágio do Milho. Fonte: Autoria Própria, 2007.
Obs.: Para que as etapas descritas nesse diagrama ocorram, normalmente, são
fundamentais condições climáticas favoráveis.
No plantio do milho são utilizados determinados tipos de adubos na terra. Assim sendo,
o agricultor deve observar atentamente do segundo ao quarto estágio. Conforme explicação do
entrevistado, as etapas ocorrem da seguinte maneira: Na primeira, a adubação é feita no
momento do plantio da semente; na segunda, a partir do nascimento da segunda e da terceira
folha (banho de nitrogênio – uréia); na terceira ocorre quando nasce a sexta folha; na quarta
quando surgir a décima segunda folha.
Antes de receber adubação, uma amostra do solo é submetida a uma analise. A partir
dos resultados dessa análise, são estabelecidas as quantias necessárias de adubo necessárias às
áreas e variam de 4 a 7 sacos por hectare. Contudo, meu entrevistado relatou que utiliza
apenas 4 sacos por hectare, com peso de 50kg. O surgimento de Herbicidas e Inseticidas
inicia-se entre a quarta ou sexta folha, porém, trata-se de um processo que é prejudicial para
uma plantação de qualidade.
34
Figura 17: Processo de Adubação do milho. Fonte: Autoria Própria, 2007.
No momento da colheita, a propriedade produz de 90 a 100 sacas por hectare. Cada
unidade contém 50 kg e é vendida por valores situados entre R$18,00 a R$20,00.
Quadro 2 – Tempo do Cultivo de Milho
Processos do Cultivo Tempo do Processo
Preparo da lavoura 3h/ha = 3 x 12 = 36horas
Tempo de Plantação 1h/ha = 1 x 12 = 12horas
Germinação 4 a 7 dias
Crescimento até estágio “verde” 120 a 150 dias
Estágio “Louro” ou “Silagem” 150 a 180 dias
Estágio “Seco” 180 a 210 dias
Colheita 1h/ha = 1 x 12 = 12horas
Fonte: Autoria Própria, 2007.
Pode-se verificar, através da tabela, o tempo necessário que envolve o plantio de milho,
para esse agricultor, correspondente a 220/365 dias. Ver anexo C, imagens do cultivo de arroz
de seu José.
3.1.2.3 Fumo
Os pesquisados sobre a produção de fumo foram Ademir Lopes Oliveira e Micheli
Costa Oliveira residentes no município de Bom Retiro do Sul. A extensão de terra que
Adubação
0
1
2
3
4
No plantio da
semente Nasce a 2º a 3º
folha
Nasce a 6º folha Nasce a 12º folha
EtapasAdubação
35
cultivam o fumo corresponde a 3 hectares, ou seja, tem capacidade para 35.000 pés desta
planta. Para o preparo da terra utilizam arado com força animal, formando camalhões.
Os agricultores recebem as sementes e produzem as mudas em sua propriedade. Essas
mudas são desenvolvidas em três estufas e cada uma tem capacidade para conter
aproximadamente 12mil mudas. Eles fazem uso sistema float12 que nada mais é que o
desenvolvimento das mudas em canteiros. As estufas possuem aproximadamente 11m x
1,15m de área. Como, possuem 3 canteiros utilizam uma área que corresponde a 15m x 5m de
terra para estabelecimento dessas estufas. O arco da estufa mede aproximadamente 175cm x
85cm e as bandejas aproximadamente 60cm x 30cm. As imagens abaixo, foram obtidas em
sua propriedade e as setas indicam a extensão dos canteiros, o arco da lona e também as
bandejas.
Figura 18: Canteiro de mudas de fumo. Fonte: Autoria Própria, 2007.
12 O termo sistema float significa produção de mudas em bandejas de isopor em canteiros inundados melhorando a qualidade da muda através de um maior volume de raízes.
36
Canteiro: Arco da Estufa:
Figura 19: Ilustração do tamanho dos canteiros e do arco na estufa. Fonte: Autoria Própria, 2007.
Bandejas:
Figura 20: Ilustração das bandejas. Fonte: Autoria Própria, 2007.
Após as mudas permanecerem nas estufas por um período de 60 dias, são deslocadas
para a terra. Nesta etapa do processo, o solo já deve estar preparado e de acordo com as
normas de medidas entre plantas que obedecem a um padrão de aproximadamente 40 cm a 50
cm e, entre linhas, de 1,20m. São necessários 60 dias para início da colheita. Esta é realizada
por folha.
3cm
1cm
Área do quadrado = 9cm² Largura entre quadrados = 1cm
1,75cm
85cm
1,15 m
11 metros
37
Figura 21: Plantação de Fumo Fonte: Autoria Própria, 2007.
Figura 22: Plantação de Fumo Fonte: Autoria Própria, 2007.
Após a colheita ocorre o processo de secagem que requer 60 mais dias. Através de
material proveniente das folhas são construídos uma espécie de bastão que compreendem,
aproximadamente 1,25m de comprimento. Esses são levados ao forno e obedecem três
processos: amarelação, secagem da folha e secagem do talo, perdurando 8 dias. A fornalha
tem capacidade para 500 bastões por vez. As medidas do forno são 7m x 4m. No forno há um
termômetro com capacidade máxima de 170ºC que possibilita ao produtor a observações das
temperaturas necessárias para cada etapa da secagem.
38
Figura 23: Etapas de temperatura na secagem do fumo. Fonte: Autoria Própria, 2007.
O fumo, após secagem, é variado e, desta maneira, requer uma classificado conforme
qualidade em cada fardo constituído. A tabela abaixo ilustra o tempo de envolvimento dos
agricultores no cultivo do fumo em uma área de 3 hectares, ou seja, 340/365.
Quadro 3 – Tempo do Cultivo de Fumo
Processos do Cultivo Tempo do Processo
Preparo do solo 15 dias
Cultivo das Mudas 60 dias
Transplantação 60 dias
Crescimento e desenvolvimento no solo 60 dias
Colheita 70 dias
Secagem 8 dias por fornalha
Sortido e em fardado 45 dias
Fonte: Autoria Própria, 2007.
3.1.2.4 Gado de Corte
Na criação do gado de corte, o entrevistado Flávio José da Silva Rocha afirmou que é
necessário utilizar aproximadamente 100 hectares de campo para sua criação, ou seja, estima
1 hectare de campo para cada 1 cabeças de gado. Na época de geada e frio o pecuarista faz
uso de recursos alimentícios que vão além da pastagem, isto é, azevém e silagem que são
Temperatura na Secagem do Fumo
0
20
40
60
80
100
120
140
160
180
1 2 3 4
Etapas
Tem
pera
tura
1 - 2. Amarelação 2 - 3. Secagem da folha 3 - 4. Secagem do talo
39
plantados pelo próprio pecuarista. Para silagem prepara aproximadamente 100 toneladas, que
compreende 1 tonelada por cabeça de gado.
A procriação de seu rebanho é entourado na época de dezembro. Conforme a condição
de gestação estima os nascimentos para o mês de setembro (9 meses). O rebanho consiste das
seguintes raças: charolês, nelori (zebu), red ângus, holandês (leiteiros). Conforme o
entrevistado, o tempo de engorda é de aproximadamente de 3 anos até que seja atingido um
peso de 400 quilos. Porém, são necessários cuidados tais como: vacinações e aquisição de
nutrientes necessários ao bovinos. Algumas vacinações são obrigatórias no território de
criação e, outras, são aplicadas em decorrência dos cuidados fundamentais para manutenção
do rebanho. Os tipos, o valor das vacinas e o número de aplicações são ilustrados na tabela
abaixo:
Quadro 4 – Tipos, Valores e Aplicações de vacinas e minerais para o gado.
Tipo Valor R$ por cabeça Aplicações ao Ano
Aftosa R$5,00 2
Carbúnculo R$5,00 2
Vermífugo R$12,00 2
Vitaminas R$ 1
Mineral R$345,00 = R$3,45 p/ cabeça 2
Outros gastos (mão-de-obra e
cuidados com as cercas)
R$5,00 por dia -
Fonte: Autoria Própria, 2007.
O pecuarista relatou que é necessário se envolver de modo significativo durante a
criação do gado. São indispensáveis freqüentes observações no sentido de tomar medidas
necessárias para o bom andamento do trabalho. Afirmou que as inspeções e deslocamentos
necessários do gado são realizados com auxílio de cavalos. A imagem abaixo ilustra um
campo de criação de gado no local da pesquisa.
40
Figura 24: Território de criação bovina. Fonte: Autoria Própria, 2007.
Imagem da mangueira13 utilizada pelo pecuarista para vacinação, separação do gado e
também para outros recursos referentes na necessidade de isolar um de seus animais do
restante do rebanho.
Figura 25: Mangueira utilizada separação e vacinação bovina. Fonte: Autoria Própria, 2007.
As imagens fotográficas da criação bovina de corte, ver anexo D, e da plantação de
milho, ver anexo E, do entrevistado.
13 O termo mangueira é utilizado pela comunidade para indicar um local apropriado para que o criador possa verificar seu rebanho.
41
3.1.3 Entrevista com Engenheira Agrícola
O profissional da área agrícola tem uma visão ampla e ao mesmo tempo mais
específica, pois entende que em todas as etapas da produção existe a relação direta com a
matemática. A teoria em alguns casos diverge um pouco da prática dos agricultores, variando
de região para região e levando em consideração as mudanças climáticas, os tipos de solo e a
maneira que cada agricultor tem de conduzir o seu negócio.
Um bom exemplo para demonstrar a relação matemática conforme a Engenheira
Agrícola refere-se o caso do arroz, “no preparo do solo tanto para a sistematização quanto
para o cultivo convencional são feitos levantamentos topográficos de corte e aterro são
construídas curvas de níveis, ou seja, é feito todo um levantamento altimétrico e
planiométrico para que a irrigação seja realizada com sucesso, na irrigação são utilizados
princípios de vazão, velocidade da água, lâmina de água desejada em cada quadra, fazendo-se
uma estimativa da quantidade de água a ser utilizada durante o cultivo. Para que esta água
chegue a todas as partes da lavoura são construídos canais de adução, estes canais têm
formatos matemáticos diferentes dependendo da constituição do solo e do desejo de cada
produtor.”
A entrevista comenta que deve-se entender que tudo que é feito desde o início até o final
da safra é denominado custo operacional, principalmente o trabalho do propriedade, ou seja, a
sua mão-de-obra que em muitos casos passa despercebida pelos mesmos. A manutenção de
máquinas e equipamentos, o transporte e a armazenagem também devem ser considerados
como custos de produção, a engenheira diz que “somente tento este entendimento que se pode
perceber o quanto as atividades agrícolas estão diretamente relacionadas com a matemática.”
42
4 CONCLUSÃO
A pesquisa de saberes matemáticos presentes nas práticas rurais, objeto empírico deste
estudo recebe, neste espaço do trabalho, algumas considerações. Nos relatos das pesquisas
aqui apresentadas, indico diferentes procedimentos utilizados em contextos não acadêmicos e
seus meios de legitimação. Em algumas das falas dos entrevistados, o processo de legitimação
é garantido pela prática e transmitido por gerações. Já na academia, essas práticas são
legitimadas pelos processos científicos como, por exemplo, os processos estatísticos.
Com auxílio de técnicas de inspiração etnográfica como entrevistas, diário de campo,
gravações e imagens fotográficas, pude obter várias informações sobre os saberes da cultura
da zona rural onde se faz presente operações matemáticas contextualizadas.
Ao questionar os usos da matemática na agricultura constatei a inquietação com as
dívidas. Neste sentido, na visão dos agricultores pesquisados, a matemática representa a
expressão de resultados negativos nos momentos em que é necessário examinar os gastos e
ganhos na agricultura e na pecuária. Através da fala dos entrevistados a matemática
acadêmica só se faz presente nos cálculos de custos, receitas e lucros. Essa afirmação parece
indicar que a matemática das suas práticas tem uma outra linguagem que tem semelhanças de
família com a matemática escolar. Todavia, a comunidade local tem modos próprios de
calcular e são expressos por cálculos mentais sofisticados e rápidos sem, necessariamente,
apresentarem registros escritos. Cabe aqui destacar que um dos pesquisados expressou uma
visão diferenciada dos demais entrevistados. Ele tem ensino fundamental completo e indicou
a existência da matemática em vários procedimentos de cultivo. Um exemplo que ele
comentou, foi que a maior prova da existência de matemática nas práticas agrícolas, é na
topografia de uma terra na plantação de arroz. Também esse exemplo foi utilizado pela
engenheira agrícola, que diz que esse cultivo é o mais completo, e que tem diversas relações
matemáticas.
43
No que se refere aos diferentes usos da matemática, pode-se dizer no contexto em que
realizei a pesquisa, nos modos específicos de resolver problemas diários estão evidentes
diversificadas estratégias de cálculo. Entretanto, na concepção dos pesquisados, essas praticas
quantitativas não são consideradas como matemática.
Conforme a expressão de Claudia G. Duarte, minha pesquisa não se constituiu apenas
de relatar operações matemáticas e critérios a serem seguidos. Essa trouxe elementos de uma
matemática “recheada de vida” através das histórias da comunidade bem como suas práticas
tiveram um papel central que são visibilizados nesse trabalho.
De acordo com os depoimentos dos entrevistados, o avanço tecnológico trouxe sérias
conseqüências para o solo e para a qualidade dos alimentos. O mercado não leva em
consideração os resultados que agridem a natureza que, consequentemente, irão incidir nas
condições de sobrevivência. Nas entrevistas, a mim concedidas, todos os agricultores e
pecuaristas expressaram seus apreços ao trabalho que executam apesar da crise no setor
agrícola e da falta de subsídios governamentais.
Depois das entrevistas realizadas com os agricultores meu ponto de vista se ampliou em
relação aos valores que anteriormente eram por mim priorizados. Hoje penso que a qualidade
de vida das pessoas bem como sua saúde, segurança e educação estão estreitamente ligadas à
qualidade dos alimentos. Além disso, as condições ambientais, como evidenciaram meus
entrevistados, estão afetando o meio ambiente e as qualidades de vida das pessoas. Estas são
decorrentes dos abusos da tecnologia e de um mercado que prisma por produções em grande
escala, sem considerar os danos à saúde humana e à natureza.
É importante ressaltar que apesar de serem seus próprios patrões, os trabalhadores da
agricultura e pecuária, dedicam-se a essa função, em média, 310 dias do ano, não existindo
exclusividades a sábados e domingos, principalmente para pecuaristas que devem dar atenção
diária aos animais, em especial às vacas leiteiras, que devem ser ordenhadas todos os dias da
semana. A importância climática para os agricultores interfere ativamente na produção do
produto, podendo variar o tempo de envolvimento com seu cultivo.
Ao finalizar penso ser importante ressaltar que este trabalho não só buscou entender a
matemática presente nos fazeres da zona rural, mas também aprender, de forma mais
particularizada, uma prática social que permitiu re-significar e também legitimar aspectos
inerentes a minha própria cultura. Minha participação nessa pesquisa ultrapassou a fronteira
de um pesquisador, o amor ao campo expressado pelos meus entrevistados é também um
sentimento compartilhado por mim.
44
REFERÊNCIAS
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BIEMBENGUT, Maria Salete; HEIN, Nelson. Modelagem Matemática no ensino. 3 ed. São Paulo-SP: Editora Contexto, 2003.
BRASIL. PCNs Matemática. 1998. [BibVirt: biblioteca virtual do estudante de língua portuguesa. Brasília: Secretaria de Educação Fundamental, 1998.] Disponível em: < http://www.bibvirt.futuro.usp.br/textos/didaticos_e_tematicos/pcns_matematica> Acesso em: 25 out. 2007. D’ AMBRÓSIO, Ubiratan. Educação Matemática: da teoria à prática. 14 ed. Campinas-SP: Papirus, 2007. p. 29–30.
D’AMBRÓSIO, Ubiratan. Prefácio. In: MONTEIRO, Alexandrina; POMPEU, Geraldo. A matemática e os temas Transversais. São Paulo: Moderna, 2001. p.8
D’AMBRÓSIO, Ubiratan. A Etnomatemática em Cenários de Escolarização: Alguns Elementos de Reflexão. In: KNIJNIK, Gelsa; WANDERER, Fernanda; OLIVEIRA, Cláudio José de. (org.). Etnomatemática: currículo e formação de professores. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2006. p. 39–52.
______. Volta ao mundo em 80 Matemáticas. Sientific American Brasil, São Paulo, n.11, p.20-23, 2005.
______. Etnomatemática: elo entre as tradições e a modernidade. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.
GROENWALD, Cláudia Lisete O.; FILIPPSEN, Rosane Maria J.. O meio ambiente e a sala de aula: função polinominal de 2ºgrau modelando o plantio de morangos. Educação matemática em revista, Porto Alegre-RS, v.9, nº 12, p.21 – 29, jun. de 2002.
HALMENSCHLAGER, Vera Lúcia da Silva. Etnomatemática: uma experiência educacional. São Paulo-SP: Selo Negro, 2001.
KNIJNIK, Gelsa.WANDERER, Fernanda. OLIVEIRA, Cláudio J. Educação Matemática, culturas e conhecimento na luta pela terra. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2006.
______. Cultura, currículo e matemática oral na educação de jovens e adultos. In: MENDES, Jackeline Rodrigues; GRANDO, Célia Regina (orgs.). Múltiplos Olhares:Matemática e produção de conhecimento.São Paulo: Musa Editora, 2007. p. 31–43.
45
MONTEIRO, Alexandrina. A Etnomatemática em cenários de escolarização: alguns elementos de reflexão. In: KNIJNIK, Gelsa; WANDERER, Fernanda; OLIVEIRA, Cláudio José de. (org.). Etnomatemática: currículo e formação de professores. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2006. p. 445–446.
PINTO, Luciane da Silva. A educação matemática e a construção do cálculo na confecção de sapatos: perspectivas socioculturais. Porto Alegre-RS: Premier, 2003.
46
ANEXO A - Fotos da Plantação de Arroz – Zeno e Marcelo
Figura 26: Lavoura de arroz do agricultor Marcelo. Fonte: Autoria Própria, 2007.
Figura 27: Lavoura de arroz do agricultor Marcelo. Fonte: Autoria Própria, 2007.
47
Figura 28: Lavoura de arroz do agricultor Zeno. Fonte: Autoria Própria, 2007.
Figura 29: Lavoura de arroz do agricultor Zeno. Fonte: Autoria Própria, 2007.
48
ANEXO B – Plantação de feijão e milho da propriedade de Zeno.
Figura 30: Plantação de feijão do agricultor Zeno. Fonte: Autoria Própria, 2007.
Figura 31: Plantação de feijão do agricultor Zeno. Fonte: Autoria Própria, 2007.
49
Figura 32: Plantação de milho do agricultor Zeno. Fonte: Autoria Própria, 2007.
Figura 33: Plantação de milho do agricultor Zeno. Fonte: Autoria Própria, 2007.
50
ANEXO C – Fotos da Plantação de arroz de José Oscar
Figura 34: Lavoura de arroz do agricultor José. Fonte: Autoria Própria, 2007.
Figura 35: Lavoura de arroz do agricultor José. Fonte: Autoria Própria, 2007.
51
ANEXO D – Criação bovina de corte da propriedade de seu Flávio.
Figura 36: Propriedade de Flávio, no fundo da imagem esta seu rebanho bovino. Fonte: Autoria Própria, 2007.
Figura 37: Vaca holandesa uma das raças criadas pelo seu Flávio. Fonte: Autoria Própria, 2007.
52
ANEXO E – Plantação de milho na propriedade de Flávio
Figura 38: Plantação de milho do agricultor e pecuarista Flávio. Fonte: Autoria Própria, 2007.
Figura 39: Plantação de milho do agricultor e pecuarista Flávio. Fonte: Autoria Própria, 2007.