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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ RODRIGO KRAEMER A CONSTRUÇÃO DA POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL: UMA HISTÓRIA SOBRE PROCESSOS DE MILITARIZAÇÃO CURITIBA 2006

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Page 1: A CONSTRUÇÃO DA POLÍCIA RODOVIÁRIA …...constituição de uma polícia de trânsito de atuação especificamente rodoviária. Diante disso a questão histórica foi dividida em

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

RODRIGO KRAEMER

A CONSTRUÇÃO DA POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL: UMA

HISTÓRIA SOBRE PROCESSOS DE MILITARIZAÇÃO

CURITIBA

2006

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RODRIGO KRAEMER

A CONSTRUÇÃO DA POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL: UMA

HISTÓRIA SOBRE PROCESSOS DE MILITARIZAÇÃO

Monografia apresentada como requisito parcial à conclusão do Curso de Ciências Sociais, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná.

Orientador: Pedro Rodolfo Bodê de Moraes

CURITIBA

2006

ii

Page 3: A CONSTRUÇÃO DA POLÍCIA RODOVIÁRIA …...constituição de uma polícia de trânsito de atuação especificamente rodoviária. Diante disso a questão histórica foi dividida em

Ao Professor Pedro pela orientação e apoio

em todas as fases desse trabalho.

Aos membros do LEPOL pelas muitas

discussões sobre o tema e especialmente ao amigo

Marcelo Bordin pela indicação bibliográfica.

A incondicional Anilda que percorreu esse

caminho comigo e me deu forças e motivação para

concluir esse trabalho.

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SUMÁRIO

LISTA DE SIGLAS......................................................................................... v

RESUMO.......................................................................................................... vi

ABSTRACT..................................................................................................... vii

INTRODUÇÃO................................................................................................ 01

1 – ASPECTOS HISTÓRICOS..................................................................... 05

1.1 – RODOVIAS E O DNER.......................................................................... 05

1.2 – O POLICIAMENTO RODOVIÁRIO...................................................... 07

2 – EMANCIPAÇÃO...................................................................................... 12

2.1 – DÉCADA DE SETENTA: DNER E REGIME MILITAR...................... 12

2.2 – DÉCADA DE OITENTA: A SAÍDA DO DNER.................................... 21

2.3 – DÉCADA DE NOVENTA: PATRULHEIROS NA DIREÇÃO............. 23

3 – (RE)MILITARIZAÇÃO........................................................................... 27

3.1 – MILITARIZAÇÃO................................................................................... 27

3.2 – A CRIAÇÃO DO GPE............................................................................. 30

3.3 – A AVALIAÇÃO DAS REGIONAIS....................................................... 32

CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................... 38

BIBLIOGRAFIA............................................................................................. 41

ANEXOS........................................................................................................... 43

iv

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LISTA DE SIGLAS

ADR – Avaliação de Desempenho das Regionais

CIOP – Central de Informações Operacionais

DFSP – Departamento Federal de Segurança Pública

DNER – Departamento Nacional de Estradas De Rodagem

DPRF – Departamento de Polícia Rodoviária Federal

GPE – Grupo de Operações Especiais

GSI – Gabinete de Segurança Institucional

NOE – Núcleo de Operações Especiais

NPF – Núcleo de Policiamento e Fiscalização

PRF – Polícia Rodoviária Federal

ROD – Relatório Operacional Diário

SENAD – Secretaria Nacional Antidrogas

SPF – Seção De Policiamento e Fiscalização

v

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RESUMO

Esse trabalho trata do processo de construção do Departamento de Polícia Rodoviária Federal, um órgão de policiamento rodoviário que nasce no interior de uma instituição de construção de rodovias, o Departamento Nacional de Estradas de Rodagem, até se emancipar deste se constituindo autonomamente em 1991. Analisando as relações entre grupos diferentes ocupando posições de mando, como engenheiros, patrulheiros e militares, são analisados dois processos de militarização por qual a instituição passou – o primeiro na década de setenta, período de regime militar, implantando uma extensa normatização, grande distinção hierárquica e um regimento disciplinar altamente punitivo; e o segundo nos anos 2000, período de regime democrático, em que a militarização se constituiu dede forma diferenciada, através da criação de um grupo especial e de um sistema de avaliação que direcionou o trabalho operacional para a repressão ao narcotráfico.

Palavras-chave: Polícia Rodoviária Federal, militarização, dominação, burocracia.

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ABSTRACT

This monograph deals with the foundation process of the Federal Department of Highway Police, a highway patroling agency that originated within a highway building institution, the Federal Department of Circulation Highways, from which it emancipated and developed autonomously in 1991. Through the investigation of the different groups in command positions: Engineers, Patrolmen and Soldiers, two militarization processes throught which the instituition has gone through are analysed – the first one in the 70's during the military dictatorship, implementing extensive normatization, great hierarchical distinction and a highly punitive disciplinary regime. The second one in 2000, in a democratic regime, when militarization is conceived in a different way; through the creation of a special force and an evaluation system where all operational efforts are directed to the repression of drug traffic

Keywords: Federal Department of Highway Police, militarization, domination, burocracy.

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INTRODUÇÃO

As pesquisas sobre instituições policiais surgiram a partir da década de 1960

nos Estados Unidos e desde então estiveram voltadas para temas como a origem das

polícias, sua relação com o comportamento criminoso, organizações policiais como

empregadores, profissionalização das polícias e estudos comparativos em diversos

países. No Brasil esses estudos são recentes, iniciando na década de 1980 e localizados

principalmente no Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Pernambuco e Rio Grande

do Sul. Um levantamento feito sobre os temas violência, criminalidade, justiça

criminal e segurança pública ilustra que os estudos especificamente sobre polícia são

raros em comparação com os demais (KANT DE LIMA, MISSE e MIRANDA, 2000).

Dentre estes a maioria se refere às polícias estaduais, a Polícia Militar e a Polícia Civil,

e nenhum se refere especificamente à Polícia Rodoviária Federal - PRF. Deste modo o

objetivo principal desse trabalho é o de fornecer dados sobre a PRF e ampliar a

discussão sobre polícia no Brasil.

Para descrever o caminho percorrido até a finalização dessa pesquisa é

preciso começar pela minha experiência enquanto policial. A primeira dúvida surgiu

exatamente quando comecei a trabalhar na instituição, quando tudo parecia novo e

diferente. Após um curso de formação de três meses fui trabalhar achando que já sabia

tudo, mas os policiais mais antigos falavam que poderia esquecer o que tinha sido

aprendido no curso porque “é no trecho que se aprende a trabalhar”1. Mas sabia que

toda a atividade no setor público é regulada por leis e regulamentos que são públicos e

comuns a todos, só se podendo realizar aquilo que está previsto, ao contrário do setor

privado, em que se pode fazer tudo, desde que não viole as leis. Ora, segundo essa

lógica bastaria conhecer todos os regulamentos existentes que automaticamente se

1 A palavra “trecho” tem origem nos segmentos de rodovia que são policiados, mas é usado figurativamente como a experiência de trabalho de um policial.

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saberia o que fazer nas diversas situações, pois bastaria cumprir e fazer cumprir a lei2.

Mas pude observar que o aprendizado sobre a atividade vai se construindo aos poucos,

conforme a prática, algo que não difere muito de outras atividades. Mas essa prática

não poderia ser ensinada no curso de formação? Descobri, com a prática, que não.

Partindo dessa dúvida a idéia inicial foi a de realizar uma pesquisa com as

categorias de base, os policiais em seu tradicional local de trabalho, os Postos de

Fiscalização, observando o cotidiano em busca dos mecanismos básicos de atuação

profissional, procurando observar como se realizava o aprendizado do trabalho

operacional.

Ao iniciar a pesquisa consultei os Relatórios de Gestão, os organogramas e

demais documento internos da PRF, feitos na década de noventa, e observei que neles

não constava nada sobre a atividade fim – o policiamento rodoviário. Eram

regulamentos e normas que versavam exclusivamente sobre a atividade meio – o

trabalho administrativo, descrevendo os núcleos, as seções, as coordenações e

divisões, mas sem nenhuma palavra sobre os Postos, sobre as rondas, sobre as equipes,

enfim, sobre as unidades operacionais. Diante da falta de normatização da área

operacional, comecei a procurar documentos históricos. A estrutura burocrática da

PRF foi criada e se desenvolveu no interior do Departamento Nacional de Estradas de

Rodagem – DNER, um órgão de construção de rodovias, até que coma Constituição de

1988 se separa deste órgão e se constitui autonomamente. Encontrei com um policial

antigo o Manual de Operações da PRF, um documento expedido pelo DNER em 1977

que normatizava a atividade fim. Quando olhei o documento fiquei impressionado,

uma extensa normatização da atividade que nunca tinha visto desde que entrei na PRF.

Como poderia ter sido tão bem regulamentada, se no período que entrei as coisas eram

apreendidas pela prática, pela experiência, se não existia nenhum documento que

versava sobre a área operacional? Como compreender a extensa regulamentação na

2 A atribuição básica da polícia é justamente a de “cumprir e fazer cumprir as leis”.

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década de setenta com sua inexistência na década de noventa? Essa dúvida provocou

uma reorganização da pesquisa, pois a pergunta inicial de como funcionava um

trabalho operacional sem regulamentação mudou, se transformando no porquê da

normatização ter sido abandonada.

Procurando nos aspectos históricos a resposta para tal questão, construí

quatro períodos distintos, que para efeito de simplificação foram constituídos em

décadas, representando os últimos quarenta anos de existência da instituição. O

primeiro seria na década de setenta, período de regime militar em que a PRF era parte

integrante do DNER e chefiada por militares, quando houve a maior normatização da

atividade de policiamento. O segundo período se concentra na década de oitenta, onde

a abertura política do país proporcionou um acesso ao processo legislativo e a PRF

acaba por sair do DNER para se constituir autonomamente. O terceiro período seria na

década de noventa, onde a construção autônoma do DPRF proporcionou um órgão

com um único cargo e, com a direção nas mãos dos policiais, a normatização da

atividade foi relegada a segundo plano. O quarto período, nos anos 2000, um general

do exército é nomeado Diretor-Geral do DPRF e as medidas adotadas em sua gestão

foram permeadas por valores militares que ainda influenciam os rumos da atividade

policial.

Como a presença de militares se deu em dois períodos distintos, um durante

o regime militar e o outro no regime democrático, a influência que a militarização

desempenhou na instituição passou a ser um aspecto importante a ser investigado.

Para realizar essa pesquisa consultei livros, sítios na internet, leis e projetos

de lei além de vários documentos da instituição como o Manual de Operações da PRF,

Regulamento Disciplinar, Organização Hierárquica da PRF, Regimento Interno,

Relatórios de Gestão e organogramas do DNER e do DPRF.

Como policial desde 1999, a base da pesquisa foi constituída pela

experiência nesses sete anos de trabalho na PRF, que considerei como parte de uma

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fase exploratória que guiou as dúvidas, perguntas e hipóteses levantadas.

Foram realizadas entrevistas com policiais operacionais e administrativos da

7º Superintendência – Paraná, principalmente com policiais que trabalham na sede em

Curitiba e na 1º Delegacia em Colombo, além de policiais aposentados. As entrevistas,

com perguntas abertas se deram de maneira informal e podem ser mais bem descritas

como uma conversa entre amigos, em que eram feitas perguntas sobre o que pensavam

acerca dos assuntos discutidos, sempre deixando claro que se tratava da realização de

uma pesquisa monográfica sobre a PRF.

O primeiro capítulo serve para situar o leitor sobre os caminhos percorridos

por uma instituição que tem como missão básica o policiamento ostensivo das

rodovias federais, e levanta alguns aspectos do desenvolvimento da construção de

estradas e do órgão construído para esse fim, o DNER. Surgido no interior desse

órgão, percorro os caminhos que a PRF passou até conseguir a autonomia

administrativa, em 1991.

O segundo capítulo trata das décadas de setenta, oitenta e noventa,

analisando a estrutura burocrática do DNER e da PRF, partindo da extensa

normatização para chegar a nenhuma regulamentação, procurando discutir as relações

de poder entre os grupos. Uma fase intermediária, a década de oitenta, procura situar

sobre o processo de autonomia da PRF.

O terceiro capítulo trata de uma nova direção militar na PRF e de como a

militarização é um fenômeno atual, procurando mostrar como foram tomadas ações,

permeadas por valores militares, que ainda influenciam o trabalho operacional

desenvolvido pelos policiais.

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1 ASPECTOS HISTÓRICOS

O trânsito é uma das chaves para se compreender o processo de constituição

da Polícia Rodoviária Federal. Criada como polícia de estradas, sua área de atuação se

limita a rodovias que, por definição, são estradas rurais3, ou seja, vias que estabelecem

ligações entre centros urbanos. Foi pelo desenvolvimento da malha viária com a

atuação do Poder Público na construção de rodovias que possibilitaram e moldaram a

constituição de uma polícia de trânsito de atuação especificamente rodoviária.

Diante disso a questão histórica foi dividida em dois itens, a saber, sobre o

desenvolvimento das rodovias e da constituição, expansão e extinção do Departamento

Nacional de Estradas de Rodagem - DNER; e sobre a constituição e desenvolvimento

de um órgão de policiamento rodoviário no interior dessa estrutura.

1.1 AS RODOVIAS E O DNER

A primeira rodovia pavimentada no Brasil remonta ao Império, sendo

inaugurada pro D. Pedro II em 1861 com o nome União e Industria, estabelecendo um

a ligação entre o Rio de Janeiro e Minas Gerais. A rodovia de 140 quilômetros

demorou nove anos para ser construída e foi necessário que seu empreendedor,

Mariano Procópio Ferreira Lange, que obteve a concessão, contratasse engenheiros

franceses e técnicos alemães. Durante a República, a partir de 1920, o Poder Público

passa a construir rodovias através da Inspetoria Federal de Obras contra as Secas,

limitando sua abrangência ao nordeste brasileiro e ainda sem possuir uma finalidade

especificamente rodoviária. Em 1924 o então governador de São Paulo e futuro

Presidente do Brasil Washington Luiz declara que “governar é abrir estradas” e que as

atividades rodoviárias no Brasil estavam restritas ao Nordeste, mostrando a

necessidade de abrir caminhos.

3 Código de Trânsito Brasileiro, Lei 9.503 de 1997.

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Em 1927 o país já possuía 93.000 automóveis e 38.000 caminhões. Nesse

ano é criada a Comissão de Estradas de Rodagem4, órgão federal com a

responsabilidade de construir estradas. No ano seguinte são definidas as regras gerais

de circulação de veículos no Brasil onde é citada pela primeira vez a possibilidade de

constituição de um polícia de estradas5.

Em 1937, no governo de Getulio Vargas, Comissão é extinta e criada em seu

lugar o Departamento Nacional de Estradas de Rodagem – DNER.

Em 1945, através da Lei Joppert6, o DNER é reestruturado passando a ter

autonomia técnica e financeira, sendo criado o Fundo Rodoviário Nacional, composto

pelo imposto sobre combustíveis e lubrificantes, vinculado às estradas federais. O

DNER passa a centralizar o planejamento sobre a construção e a manutenção das

rodovias em todo o país e a execução se descentraliza, ao se criarem Distritos

Rodoviários nos estados, responsáveis pela execução das obras. A reorganização e os

recursos do Fundo acarretaram um grande desenvolvimento das ligações rodoviárias.

Se em 1945 existiam 423 Km de rodovias pavimentadas, cinco anos mais tarde, em

1950, a extensão dobrou, passando a existir 968 Km. Na década de 60 todas as capitais

de estados, excluindo Manaus e Belém, estavam interligadas por estradas federais. No

governo militar, sob a égide da garantia da unidade e soberania nacional, são

construídas obras faraônicas como a Transamazônica, a Belém-Brasília e a Ponte Rio-

Niteroi. O país chegava à década de 80 com um total de 47.000 Km de rodovias

federais, um salto gigantesco num intervalo de apenas 40 anos.

Mas esse grande desenvolvimento foi interrompido a partir da década de 80.

No ano de 1982 os recursos do Fundo Rodoviário Federal foram suspensos. Em 1988

o DNER perde as atribuições de fiscalização de trânsito, ficando sem as receitas da

4 Lei nº5.141 de 1927.5 Decreto 18.323 de 24 de julho de 1928. 6 Lei 8.463 de 27 de dezembro de 1945. O nome da Lei se baseia no nome do ministro de Viação e

Obras Públicas, Maurício Joppert da Silva.

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aplicação de multas7. Nos anos seguintes foram criados outros recursos adicionais

como o Selo Pedágio em 1989, e o Imposto do Petróleo em 1991, mas os recursos já

não eram os mesmos que anteriormente. Se em 1970 o DNER dispunha de cerca de

US$ 2,3 bilhões, em 1998 havia apenas US$ 1,2 bilhões destinados à construção e

manutenção das rodovias. Devido à escassez de recursos, novas alternativas foram

postas em prática, entre elas a concessão de rodovias para a iniciativa privada e o

Programa Crema, de restauração e manutenção a cada cinco anos, propiciando

pavimentos de menor qualidade.

No ano de 2001 o DNER foi finalmente extinto pela Lei 10.233, sendo

criado em seu lugar o Departamento Nacional de Infra-estrutura de Transportes -

DNIT, cabendo a este órgão o gerenciamento do transporte rodoviário, hidroviário e

ferroviário, e a Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT, responsável pela

fiscalização das concessões rodoviárias e do transporte de passageiros e cargas. Um

dos motivos da extinção pode ter sido a corrupção generalizada que se instalou no

órgão8.

Existem hoje no país cerca de 53.000 Km de rodovias federais pavimentadas.

1.2 O POLICIAMENTO RODOVIÁRIO

A primeira citação sobre um órgão de policiamento das estradas foi no

Decreto 18.323 de 24 de julho de 1928 que define as regras de circulação e trânsito de

veículos9. A data do Decreto é considerada oficialmente como a data de fundação da

7 A PRF desvincula-se do DNER e se estrutura no Ministério da Justiça. Isso será tratado mais detalhadamente no próximo tópico.

8 Segundo o OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA, relatando as principais noticias sobre o tema no dia 20/02/2002: “VEJA deu uma página à história da extinção do que chamou de ‘um dos mais ativos nichos de corrupção’. O JB do domingo disse que ‘ao extinguir o DNER o governo quis se livrar do rótulo de corrupção associado à sigla’. E revela que o Ministério Público deve anunciar alguns indiciamentos de dirigentes do DNER ainda esta semana”. fonte http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos/asp20022002993.htm página consultada em 27 de outubro de 2006.

9 Conforme consta no art. 54 – Para o policiamento eficiente das estradas, serão destacados guardas uniformizados, montados em motocicletas ou voiturettes, automóveis providas de velocímetros exatos.

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Polícia Rodoviária Federal, embora ela só seja efetivamente estabelecida sete anos

mais tarde10.

Em 1935 Antonio Félix Filho, mais conhecido pelo seu apelido de

“Turquinho” e considerado o Patrono da Polícia Rodoviária Federal, foi indicado pela

Comissão de Estradas de Rodagem para organizar os serviços de vigilância nas

estradas. Em 1936 com nove Inspetores de Tráfego iniciam o patrulhamento da

rodovia Rio-Petrópolis e ao final de 1939 já eram 459 Inspetores patrulhando as

rodovias Rio-Petropólis, Rio-São Paulo e União Indústria (Rio-Juiz de Fora).

No Paraná, em 1938, o interventor Manoel Ribas cria o Departamento do

Serviço de Transito – DST, subordinado à Policia Civil, embrião do que é hoje o

DETRAN/PR. Esse departamento, porém, não exercia o poder de polícia de trânsito,

que só foi criada em 1952 com o nome de Serviço de Guarda Sinaleira de Trânsito da

Polícia Militar, atual Batalhão de Polícia de Trânsito.

Em 1943 é criado um núcleo da Polícia de Estradas no Paraná, quando foi

enviado para a localidade de Pedra Preta, atual município de Bocaiúva do Sul, o

Inspetor de Tráfego João Laureano Sorsonas.

Quando o DNER é reestruturado pela Lei Joppert no final de 1945, surge a

expressão Policia Rodoviária Federal. Essa Lei promoveu a descentralização executiva

do órgão, criando-se os Distritos Rodoviários no estados, e o núcleo de policiamento

rodoviário passou a existir somente nos Distritos sem nenhuma coordenação nacional

dos trabalhos, como ocorria até então. Isso ocorreu até o ano de 1957, quando em uma

nova reorganização do DNER11 é criada a Divisão de Trânsito, sediada na capital

federal responsável pela supervisão e a coordenação dos trabalhos da Policia

Rodoviária Federal, possibilitando uma uniformização dos serviços de policiamento

10 A atividade de fiscalização de trânsito não era ainda considerada como exclusiva do poder público, podendo ser feita por qualquer pessoa, como mostra o Art. 86 – “Será permitido a qualquer pessoa, de notória idoneidade, autenticar as infrações ocorrentes e levá-las ao conhecimento de quem de direito. Parágrafo único – Caberá à pessoa que autenticar, metade da multa arrecadada”.

11 Decreto 42.799 de 12 de dezembro de 1957

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nos Distritos.

No ano de 1958 o Deputado Federal Colombo de Souza apresenta um

Projeto de Lei propondo a extinção da Policia Rodoviária Federal, que acabou sendo

rejeitado. Segundo Brustolim, o projeto de extinção foi proposto “num momento de

inconformismo do Deputado após ter sido multado numa rodovia” (BRUSTOLIM,

2006, p. 23).

Vindo o regime militar, é reorganizado o Departamento Federal de

Segurança Publica - DFSP12, atual Policia Federal, criando na sua estrutura o Serviço

de Polícia Rodoviária Federal com a atribuição de supervisionar e coordenar as

atividades de policiamento nas rodovias federais. Mas esse serviço já existia no DNER

e não foi oficialmente extinto, acabando por existir em Departamentos diferentes dois

órgãos de policiamento nas rodovias com mesmo nome e atribuições. Nessa época o

DNER muda a denominação de Polícia Rodoviária Federal para Patrulha Rodoviária

Federal. Ao que tudo indica essa mudança de nome se deu de forma administrativa,

pois não existem leis ou decretos tratando desse assunto. Também não se sabe se essa

mudança foi uma estratégia usada pelo DNER para não perder a fiscalização sobre o

trânsito para o DFSP (e conseqüentemente a renda obtida com a aplicação das multas)

ou uma ordem não explícita dos militares. Não está muito claro também se os militares

queriam extinguir a PRF do DNER ou apenas exercer o controle dessa atividade pelo

DFSP. Mas o resultado disso foi a retirada do poder de polícia, restando apenas a

fiscalização de trânsito, o que evidencia a busca por uma centralização, nas mãos do

DFSP, das atividades policiais nacionais.

Após essa confusão legal houve vários acordos entre a DFSP e o DNER e a

realização de um convênio, em 19 de dezembro de 1967, que se transformou no

Decreto nº 62.384, de 11 de Março de 1968, que “Dispõe sobre a fiscalização do

trânsito nas rodovias federais, a cargo do Departamento Nacional de Estradas de

12 Lei 4.483 de 16 de novembro de 1964, regulamentada pelo Decreto 56.510 de 28 de junho de 1965.

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Rodagem, e dá outras providências”:

CONSIDERANDO a conveniência, para a administração pública, de definir e delimitar as áreas de jurisdição e atribuições de cada uma das entidades mantidas pela União e com atuação nas rodovias federais;

CONSIDERANDO a necessidade de sistematizar as atividades de fiscalização do trânsito nas rodovias federais, de modo a evitar superposições ou interpretações colidentes com as atividades atribuídas a órgãos federais,

(...)

Art. 1º. A fiscalização do trânsito nas rodovias federais, para a verificação da observância dos preceitos de facilidade, de comodidade e de segurança do trânsito, estipulados no Código Nacional de Trânsito e demais leis e regulamentos em vigor, é da competência exclusiva do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem.

Parágrafo único. Além das atribuições previstas neste artigo, ao Departamento Nacional de Estradas de Rodagem compete também zelar pelos bens públicos situados na faixa de domínio das rodovias e, bem assim, fiscalizar, no que se relacione com o trânsito, veículos, pessoas ou animais na mencionada faixa.

(...)

Art. 3º. O Órgão do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem com as atribuições de fiscalização do trânsito será supervisionado pelo Departamento de Polícia Federal, apenas no que, por qualquer forma, possa interessar às diferentes atividades de caráter preventivo e repressivo, atribuídas por lei ao Departamento de Polícia Federal. (grifo meu)

Com esse decreto o DNER acaba conseguindo a competência exclusiva da

fiscalização de trânsito (conseguindo assegurar a arrecadação das multas de trânsito),

mas perde a possibilidade de exercer o policiamento nas estradas. A polícia deixa de

existir para se transformar na patrulha, atuando apenas “no que se relacione com o

trânsito”. Interessante notar que o Decreto não menciona o nome de Patrulha ou

Polícia Rodoviária Federal, mas “o órgão do DNER com as atribuições de fiscalização

do trânsito”. Esse fato evidencia que houve uma mudança na nominação e que esta não

estava ainda completamente definida.

Sete anos após o convênio o DNER é novamente reorganizado,

transformando, entre outras coisas, a antiga Divisão de Trânsito em Diretoria de

Trânsito, e criando, subordinada a ela a Divisão de Polícia Rodoviária Federal13. Desse

modo, o serviço de policiamento rodoviário aparece pela primeira vez na

13 Decreto 74.606 de 24 de setembro de 1974.

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administração central com uma Divisão coordenando exclusivamente esses serviços. A

essa divisão cabia a atividade de policiamento bem como de preparar, coordenar,

orientar e fazer executar planos de policiamento e esquemas de segurança especiais.

Desse modo se anteriormente foram retiradas as atribuições de segurança publica,

nesse decreto foram colocadas atribuições de policiamento e “esquemas de segurança

especiais” que são os serviços de batedor e escolta, realizados com motocicletas e

viaturas para o deslocamento de autoridades.

Com a promulgação da constituição de 1988 a Patrulha volta se chamar de

Polícia Rodoviária federal, conseguindo poder de polícia e se “emancipa” do DNER se

transformando em Departamento sendo integrada ao Sistema Nacional de Segurança

Pública.

A partir da Lei 8.028 de 12 de abril de 1990 (define como competência do

Ministério da Justiça a atividade de policiamento rodoviário) e do Decreto II de 18 de

janeiro de 1991 (estabelece a estrutura a as competências do DPRF) acontece a

mudança do Ministério dos Transportes para o Ministério da Justiça. As atribuições

que antes eram apenas referentes a trânsito se ampliam, somando-se as de segurança

pública.

No ano de 1998 com a lei 9.654 cria-se o cargo de Policial Rodoviário

Federal que até então era de Patrulheiro Rodoviário Federal.

11

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2 EMANCIPAÇÃO

Este capítulo trata especificadamente de três períodos distintos por que

passou a PRF, começando na década de setenta, período de regime militar, quando

ainda era um órgão do DNER e um grupo militar assume a chefia da PRF, efetuando

mudanças no sentido de implantar uma extensa normatização, grande distinção

hierárquica e um punitivo regulamento disciplinar. Na década de oitenta é descrita

brevemente a estratégia utilizada pelos patrulheiros recorrendo à construção da nova

Constituição para fugir de tal controle. Já na década de noventa é apresentada a

configuração do DPRF, autônomo e dirigido por patrulheiros. São analisadas as

estruturas burocráticas do DNER e do DPRF e as relações de poder entre os diferentes

grupos no interior da organização.

2.1 DÉCADA DE SETENTA: DNER E REGIME MILITAR

O DNER era composto de uma administração central, sediada na capital

federal responsável pela coordenação e controle, e administrações regionais nos

estados, chamados de Distritos Rodoviários, responsáveis pela execução das

atividades. A administração central era composta pelo Diretor-geral e várias

Diretorias, entre elas a Diretoria de Trânsito, composta por três Divisões, a Divisão de

Engenharia de Segurança de Trânsito, a Divisão de Pedágio e a Divisão de PRF,

conforme organograma em anexo. A Divisão de PRF era, na década de setenta,

chefiada por um militar do exército, o Coronel Fritz de Castro – assim como o

Ministério do Trabalho era dirigido por um general – o fato de militares ocuparem

posições na burocracia estatal era muito comum durante o regime militar e também,

como veremos no capítulo 3, no atual regime democrático.

Os Distritos Rodoviários possuíam abrangência estadual e eram responsáveis

pela execução do Plano Rodoviário Nacional. Subordinado ao Chefe do Distrito existia

12

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o Serviço de PRF, composto de sete seções, a saber, Movimentação de Patrulheiros,

Informações, Operações, Suprimento, Manutenção de equipamento, Registro de

Acidentes e Registro de Notificações e um Núcleo de PRF, conforme organograma em

anexo. Este era o responsável pela execução do policiamento rodoviário dispondo para

isso de Postos de Coordenação e Controle (o hoje chamado Posto de Fiscalização)

Equipes de Ronda, Comandos e Postos de Pesagem, sendo estas as unidades

operacionais básicas compostas de patrulheiros com viaturas trabalhando nas rodovias.

O funcionamento das diferentes unidades operacionais era detalhadamente

normatizada, assim como as funções exercidas nas unidades, tanto de chefes como de

auxiliares14. Também eram bem especificadas as rotinas de trabalho, definindo todas as

atividades desenvolvidas pelos policiais, desde o que se deve fazer quando na chegada

ao posto (se apresentar 30 minutos antes, conferir equipamentos, etc.) durante o

plantão (fiscalização, preenchimento de documentos, preencher parte diária, etc.) e a

saída (passar o serviço, preencher a folha ponto, etc.). Outra questão bem

regulamentada era sobre as técnicas utilizadas pelos patrulheiros, que versavam sobre

o que é e como se faz o patrulhamento rodoviário, a fiscalização dinâmica e estática,

como se deve estacionar as viaturas em pista simples e em pista dupla, incluindo os

critérios a serem observados para a escolha do local de estacionamento da viatura.

A organização hierárquica dos patrulheiros era feita pela seguinte ordem:

Inspetor Chefe, Inspetor Adjunto, 1º Inspetor, 2º Inspetor, Subinspetor e Adjunto.

Todos possuíam o cargo de patrulheiro e esses títulos eram dados pela designação do

patrulheiro a uma função de chefia ou supervisão e seguia uma escala progressiva sem

volta, ou seja, o patrulheiro designado a ser Adjunto nunca mais voltaria a ser

patrulheiro, podendo ficar nesse patamar ou subir para Subinspetor, e assim

sucessivamente. Para as chefias também eram especificadas várias normas que

versavam sobre o gerenciamento do trabalho cotidiano, dos serviços especiais e de

14 Falamos que o funcionamento “era” normatizado porque, como veremos adiante, a extensa normatização deixa de existir na década de noventa.

13

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emergência e sobre o planejamento de operações. A normatização chegava ao extremo

de incluir fórmulas matemáticas para se calcular o numero de patrulheiros necessários

para as diferentes operações, com base no fluxo de veículos, tempo gasto para

preencher uma multa, média de infrações, etc, como exemplificada a seguir:

X = (A.B)/60 + MSendo:A – Número presumível de infratores;B – Tempo médio para o preenchimento do talão;M – Homens encarregados de parar os veículos e fiscalizar;X – Homens necessários num serviço de Comando.Para se descobrir o numero M, de encarregados de parar os veículos utilizava-se outra fórmula:M = V.T/ 60Onde:V – volume médio por hora de veículos que transitam naquela rodovia (número de veículos que passam num dia dividido por 24);T – tempo médio utilizado na fiscalização de cada veículo.Desse modo chegamos ao final com a seguinte fórmula:X = (A.B)/60 + (v/24).T/60

As fórmulas presentes na regulamentação procuravam estabelecer

matematicamente os objetivos da função policial. Tal processo e a intensa e extensa

normatização da atividade fim seria a expressão de uma suposta racionalização. Como

se pode observar a racionalização e normatização está presente na noção de burocracia

proposta por Weber, que coloca como características centrais, a racionalização,

diferenciação e hierarquia de cargos, competências diferenciadas, procedimentos

normatizados e rotinas de trabalho bem definidas (WEBER, 1991). Podemos entender

melhor a definição do papel da burocracia em Weber observando sua teoria sobre as

formas de dominação. Para chegar a essa descrição Weber parte conceituando o poder,

que seria “toda a probabilidade de impor a própria vontade numa relação social,

mesmo contra resistências, seja qual for o fundamento dessa probabilidade” (WEBER,

1991, p.33). Mas se o poder é a capacidade de imposição do arbítrio de uma pessoa

sobre outra, nada garante que seja obedecido. Colocando que esse conceito é amorfo,

Weber então utiliza o conceito de dominação, que consiste exatamente na

14

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probabilidade de uma determinada ordem ser obedecida. Por sua vez, a probabilidade

de uma ordem ser acatada é tanto maior quanto mais ela for percebida como legítima,

sendo esse um vínculo necessário para que a dominação tenha ou não sucesso. Nesse

sentido, para Weber, a legitimidade seria estabelecida com base em consensos sejam

eles formais ou informais, sendo também a base da construção da autoridade15.

Utilizando em sua teoria o conceito de tipo ideal – um modelo idealizado construído

pelo pesquisador que, em confronto com a realidade, guiaria sua análise ao perceber

aproximações ou distanciamentos, Weber sintetiza três tipos ideais próprios de uma

dominação legítima: a dominação tradicional, baseada na crença das tradições

vigentes; a dominação carismática, baseada na veneração pessoal; e a dominação

legal, baseada na racionalidade e em estatutos legais (WEBER, 1991). A dominação

legal seria mais bem representada pelo Estado moderno e a legitimidade dessa

dominação se daria pela crença na legalidade de seus atos, ou seja, a validade da

dominação racional-legal seria a crença existente na legalidade dos atos emanados, das

regras jurídicas que se expressam através de normas gerais e impessoais, altamente

sistematizadas. O direito seria assim a base da própria dominação moderna, e a

formalidade de suas ações o legitimaria. As normas acabam por se tornar uma

representação do “dever ser” que nem sempre corresponde ao que de fato é, mas que

se constitui enquanto modelos de comportamento em que a ação do funcionário é

orientada (WEBER, 1991). Desta forma se exprime uma dominação legitimada pela

legalidade das normas por quem detém o controle da normatização, que seria as

funções de chefia sobre seus subordinados.

Os cargos existentes no DNER eram vários, mas podemos agrupá-los em três

grupos distintos: os engenheiros, que ocupavam as posições de chefia do órgão; os

15 Considerando os limites desta monografia escolhemos não problematizar tal conceituação apontando seus possíveis limites, como sugerido, por exemplo, por BOURDIEU, 2003. Este autor destaca que legitimidade, que para Weber sob muitos aspectos significa a condição suficiente para a produção de um certo equilíbrio social, são processos que invisibilizam, na medida em que naturalizam, o poder. O que em nada contribuiria para a fiscalização do exercício do poder e uma constante ameaça a democracia. Todavia, de forma alguma, a ausência de tal reflexão cria problemas para os fins analíticos que nos propusemos.

15

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técnico-administrativos incluindo nesse item uma gama de atividades que vão desde

assistente administrativo até motorista passando por artífice mecânico; e os

patrulheiros16, que executavam as atividades de policiamento rodoviário.

Crozier, discutindo o fenômeno da burocracia, aponta que uma organização

opera como um conjunto complexo em que grupos distintos procuram maximizar seus

benefícios e minimizar o dos outros (CROZIER, 1991). Ao analisar algumas empresas

estatais francesas ele observou que a eficácia de uma organização não dependeria

apenas dos avanços técnicos, mas principalmente da cooperação entre as pessoas, pois

as organizações possuem grupos que disputam pelo poder no interior das empresas.

Um dos fatores que garantiria o poder de um grupo frente aos demais, denominado de

poder hierárquico, seria a posse de posições de mando, mas esse não seria o único, e

outra fonte importante de poder estaria vinculada ao controle sobre algumas fontes de

incerteza importantes na organização. Um grupo que detém esse poder seria o perito,

que através de seu conhecimento especializado e não compartilhado com os demais

grupos, controlaria de uma maneira eficaz as imprevisibilidades que operam no

interior de uma organização, possuindo um poder de perito. Deste modo seriam duas

as fontes principais de poder dentro de uma organização: o poder de perito, que

consiste no controle de determinada fonte de incerteza que afeta a organização; e o

poder hierárquico devido ao cargo que ocupam exercendo controle sobre os demais

grupos incluindo o dos peritos.

No caso do DNER os engenheiros possuíam formação superior específica e

detinham um poder de perito na atividade de engenharia. O diploma conferira a

legitimidade necessária para se apresentarem enquanto únicos capazes de executar as

atividades do órgão, e justamente por esse motivo detinham também o poder

hierárquico sobre toda a organização, ocupando os postos de chefia. Se o DNER era

16 O cargo de patrulheiro rodoviário federal substituiu o de policial rodoviário federal, pois devido à reorganização do DFSP – Departamento Federal de Segurança Pública (hoje conhecido como Polícia Federal), operada no início do regime militar, monopolizando o poder de polícia da união, o DNER teve de mudar a denominação do órgão de Policia para Patrulha Rodoviária Federal, conforme visto no primeiro capítulo.

16

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um órgão de construção e manutenção de rodovias, o grupo com maior força dentro da

organização era justamente quem detinha o controle sobre como fazer essa atividade.

O serviço de fiscalização de trânsito não era a atividade principal do órgão, e por esse

motivo o grupo dos patrulheiros nunca teve controle sobre o órgão, sempre ocupando

uma posição de coadjuvantes.

Se os engenheiros eram peritos na atividade de construção e manutenção de

rodovias, não o eram na atividade de policiamento, pois os peritos dessa área eram os

patrulheiros, que embora não o fossem pelo conhecimento técnico, o eram pelo

conhecimento prático, pois realizavam esse serviço desde a sua criação, de forma

independente e separada das atividades dos engenheiros. Essa separação entre

atividades se dava de forma complementar, uns construíam e outros fiscalizavam o

trânsito e existiu de forma harmônica desde a criação do órgão até a década de setenta,

quando então um novo grupo entra na instituição e inicia a normatização da atividade

de policiamento que, até então não existia. Mas antes de entrar nesse assunto, veremos

como era a relação distante entre engenheiros e patrulheiros.

A separação entre as atividades pode ser constatada em uma carta enviada

pelo patrulheiro que iniciava o serviço de PRF no Paraná, em 1943, ao Chefe da PRF

no Rio de Janeiro. Em um trecho ele diz: “me apresentei ao Dr. Antonio de Barros (o

chefe do DNER no Paraná) e cumprindo as vossas determinações sobre ordem de

serviço, ele declarou-me que o Dr. Crossato (o administrador na capital federal) já o

tinha dito para não se envolver no nosso serviço”17. Ou seja, o patrulheiro chega para

iniciar o serviço de PRF no estado e se apresenta ao Chefe do Distrito (Antonio de

Barros) e este diz que o Chefe na capital federal já tinha dito para não se envolver no

serviço da PRF, possivelmente por não ser patrulheiro e não conhecer o serviço. Eram

serviços diferentes (engenharia e policiamento) e por esse motivo deveriam ser feitos

pelas áreas correspondentes, sem intromissão de uma área na outra. Na carta também é

citado que o ponto do pessoal seria enviado para o Rio de Janeiro, demonstrando com

17 A carta encontra-se em anexo.

17

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isso que o engenheiro chefe do distrito não era quem controlava o Serviço de PRF,

mas a administração central, através da Divisão de PRF. Podemos perceber que já

existiam dois tipos de subordinação, uma administrativa, pois o patrulheiro se

apresentou ao Chefe do Distrito e outra técnica, pois o serviço era distinto e controlado

pela capital federal, conforme organograma a seguir:

FIGURA 1 – POSICIONAMENTO DA PRF NA ESTRUTURA DO DNER. FONTE: MANUAL DE OPERAÇÕES DA PRF, DNER, 1977.

Existiam três subordinações a que o Serviço de PRF nas regionais era

subordinado: administrativamente à Chefia Distrital e tecnicamente à Diretoria de

Trânsito e à Divisão de PRF, ambas na capital federal. O Chefe do Distrito e o chefe

da Diretoria de Trânsito eram engenheiros e o Chefe do Serviço de PRF e da Divisão

de PRF eram patrulheiros, cada um na sua área de competência, pois embora existisse

uma subordinação hierárquica entre eles, quem comandava o serviço de PRF, tanto nas

Regionais como na Administração central eram patrulheiros.

Mas essa tradicional divisão de serviços e equilíbrio entre os grupos muda na

década de setenta, quando é retirada dos patrulheiros a sua autonomia técnica. Com o

18

Chefia Distrital

Seções Administrativas

Núcleo de PRF

Postos de PRF

Rondas

Serviço de PRF

Linha de Subordinação Administrativa Linha de Subordinação Técnica

Diretoria de Trânsito (DNER)

Divisão de PRF

Órgãos Executivos Regionais Órgãos da Administração Central

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regime militar foi colocado para chefiar a Divisão de PRF um coronel do exército que

lotou com militares os postos de chefia na administração central, formando um novo

grupo que não estava na configuração anterior, não eram funcionários “nativos” da

organização mas vindos das Forças Armadas, se constituindo enquanto o grupo dos

militares. Dessa forma foi retirado dos patrulheiros o controle sobre sua própria

atividade, controle que detinham desde a criação da PRF no DNER, pois se

anteriormente eram subordinados aos engenheiros, o eram apenas

administrativamente, pois tecnicamente sempre foram autônomos.

A autonomia dos trabalhos se dava porque os serviços realizados tanto pelos

engenheiros quanto pelos patrulheiros eram distintos não apenas no conteúdo, mas

também na forma de realizá-los. A atividade de polícia possui diferenças profundas em

relação à de engenheiro, pois enquanto este se baseia em planejamento meticuloso, em

projetos de longa duração e de grande controle sobre a execução, o policial se move

pela esfera da incerteza, do inesperado, da improvisação. É um conhecimento de um

“saber prático” que se constrói através de sua experiência de trabalho cotidiana. O

saber policial se constitui de variáveis que dificilmente podem ser previamente

identificáveis, como observado por Muniz num estudo sobre os policiais militares: “O

que os PMs sabem não está ordenado em um formato científico, não aparece

quantificável ou traduzido nas estatísticas, não pode ser provado com números, tabelas

e gráficos. Este saber atrelado ao episódico, constrangido pelas contingências, parece

resistir à padronização” (MUNIZ, 1999 p.157). É um saber que se produz

cotidianamente fortemente marcado pela imprevisibilidade, que na PRF é nomeado

como “conhecimento do trecho”, uma expressão nativa que designa o conhecimento

não apenas da rodovia e das particularidades regionais, mas da forma de trabalho, das

regras morais que existem nessa atividade específica. Esse conhecimento se constitui

também de um certo poder de perito que provoca uma área de incerteza dentro da

organização PRF, mas que sempre foi controlável justamente porque quem o

19

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controlava detinha também esse saber. Quando entra um grupo diferente – os

militares, para comandar esse trabalho cercado de incertezas, foi necessário fazer uma

normatização e regulamentação extensa das atividades cotidianas, inclusive para as

funções de chefia, pois essa forma de controle se dava não apenas nos patrulheiros da

base, que trabalhavam nos postos ou equipes de ronda, mas também nos superiores,

pois a normatização incluía todas as funções, não deixando nenhum espaço de

manobra para sair do ordenamento. Esse sistema de controle foi também observado

por Muniz, quando afirma que na Polícia Militar vigora “o recurso excessivo aos

expedientes de disciplina como uma resposta ao real poder discricionário” (MUNIZ,

1999, p.62). Ora, a Polícia Militar possui uma gradação entre praças e oficiais, e a

melhor forma que os oficiais possuem para controlar essa fonte de incerteza é se

servindo de um regime disciplinar altamente rigoroso. E na PRF o grupo dos militares

se serviu desse mesmo expediente ao criar, em 1977, o Manual de Operações da PRF,

que trazia como objetivo “permitir aos diversos setores operacionais da PRF, desde o

planejamento à execução, a necessária uniformidade de procedimentos”18. Esse manual

trouxe a intensa e extensa normatização de todas as atividades, não ficando qualquer

lacuna sobre as funções, atribuições, rotinas ou técnicas utilizadas, incluindo o

planejamento e também estabeleceu a grande distinção hierárquica com as varias

nominações de Inspetores. Mas se o manual especificava o que e como deveria ser

feito o trabalho e por quem, ele não trazia as punições para o não cumprimento dele.

Foi então quando em 1982 foi publicado o Regulamento Disciplinar normatizando as

punições de cada infração disciplinar, incluindo entre elas a demissão, e como nessa

época eram ainda servidores celetistas, ou seja, regulados pela CLT – Consolidação

das Leis do Trabalho, não se exigia nenhuma justificativa para a demissão, muito

diferente de hoje, em que o Regime Jurídico Único19 garante que um servidor só será

dispensado baseado em processo justificando sua dispensa.

18 Manual de Operações da PRF. DNER, 1977. Grifo no original.19 Lei 8.112 de 1990.

20

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Os militares trouxeram para o âmbito do DNER uma extensa

regulamentação, um rigoroso regimento disciplinar e uma ampla distinção hierárquica,

elementos que não faziam parte nem do mundo dos engenheiros nem do mundo dos

patrulheiros. Como observado por Beato,

“o policial na ‘linha de frente’ não tem diretrizes genéricas de atuação ou arcabouço jurídico e formal a amparar muitas de suas decisões, simplesmente porque isto é impossível em muitos casos. O que se requer é uma boa dose de senso prático e a atuação sob a liderança de profissionais mais experientes, como ocorre em outras profissões, por exemplo, médicos, enfermeiros ou professores. Essa é uma das características mais marcantes da atividade policial em relação a organizações puramente militares, como o exército. Disciplina, hierarquia e obediência cega a normas regimentais são atributos deste último, e também de concepções idealizadas da organização policial.” (Beato 1999, p.20)

O grupo dos militares que assumiu a direção procurou estabelecer um

controle sobre o grupo dos patrulheiros. Quem detinha o poder hierárquico precisava

controlar a fonte de incerteza do órgão, procurando diminuir o poder de perito através

de uma intensa normatização, um regulamento disciplinar rígido e grande distinção

hierárquica. E essa forma de controle pode ter sido um dos principais fatores que

desencadeou a busca, por parte dos patrulheiros, de mudanças legislativas para o

escape de tal situação.

2.2 DÉCADA DE 80: A SAÍDA DO DNER

Diante de um controle disciplinar rigoroso os patrulheiros viram, com a

construção da nova Constituição, a possibilidade de criação de um órgão de

policiamento rodoviário autônomo, tanto para escapar do excessivo controle quanto

para sair de “um barco que estava afundando”, pois a contingência de recursos ao

DNER a partir de 1982, com o fim do Fundo Rodoviário Federal, impedia que novos

investimentos fossem feitos no órgão, incluindo na PRF.

Um dos fatores que contribuiu para uma primeira mobilização dos

patrulheiros foi uma proposta de extinção da Patrulha Rodoviária Federal encaminhada

21

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pelo Deputado Federal Carlos Santana, que foi apreciada e aceita pela Assembléia

Nacional Constituinte. A proposta visava transferir a responsabilidade do policiamento

rodoviário para os estados, a cargo das Polícias Militares, o que significava o fim da

PRF, pois sem rodovias para patrulhar não existiria o porque de existirem.

Nessa época ainda não existia sindicato, que só foi criado a partir de 1991 e

sua criação se deve em muito à mobilização que se operou entre os patrulheiros nessa

época. As reuniões sobre esse assunto se deram principalmente através da associação

nacional, a Casa do Inspetor, que concentrou as discussões e os lamentos sobre essa

questão e levantou alternativas e estratégias que poderiam tomar para tentar contornar

a proposta de extinção. Para que essa matéria, que já tinha sido avaliada pela

Assembléia, fosse reapreciada, seria necessária uma Emenda Popular com um número

mínimo de 30.000 assinaturas. Ora, para um corpo de funcionários que trabalha em

contato direto com o público, a saída encontrada foi a de coletar as assinaturas

necessárias no próprio local de trabalho, os Postos de Fiscalização, onde ao parar

veículos para a fiscalização, solicitavam também a assinatura do condutor do veículo

para a referida emenda, distribuindo para quem assinasse um adesivo da PRF para ser

colocado no veículo. Ao final foi conseguido um total de 175.000 assinaturas em todo

o país, número muito superior ao necessário. Em outra frente, foram criadas comissões

em vários Estados para ir a Brasília acompanhar o processo legislativo da Assembléia,

indo tanto ao plenário nos dias de votação quanto nas Comissões pelas quais estava

esse assunto, procurando fazer representar os interesses da categoria. Em outras

palavras, fizeram lobby para não deixar a PRF se extinguir.

Através dessas ações os patrulheiros conseguiram, pela primeira vez na

história, colocar a PRF na Constituição e no artigo 144, que trata sobre a Segurança

Pública, saindo da esfera dos transportes. Devido ao sucesso das conquistas foi

fundado o primeiro sindicato da categoria em 1989 que se transformou em federação

em 1993, criando um sindicato em cada estado. Devido ao conhecimento e experiência

22

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adquirido na Assembléia Legislativa Nacional, as estratégias de contato com o

legislativo foram mantidas e conseguidas novas conquistas. A partir da Lei 8.028 de

12 de abril de 1990 (define como competência do Ministério da Justiça a atividade de

policiamento rodoviário) e do Decreto II de 18 de janeiro de 1991 (estabelece a

estrutura a as competências do DPRF) acontece a mudança do Ministério dos

Transportes para o Ministério da Justiça. No período de transição 1991-1992 a PRF foi

chefiada por um servidor do DNER e em 1993 assume como Diretor Geral Mauro

Ribeiro Lopes, um patrulheiro de carreira. Mauro foi um dos fundadores do sindicato e

trabalhou ativamente no contato com os constituintes durante a Assembléia.

Permaneceu um ano na direção quando em 1994 se licencia para concorrer à vaga de

Deputado Federal por Minas Gerais, conseguindo se eleger e permanecendo na

Câmara até hoje. Em 1995 é nomeado Diretor Lorival Carrijo da Rocha, que era o

então presidente da federação, que, ao assumir, nomeia como Superintendentes das

Regionais os Presidentes dos sindicatos estaduais.

No ano de 1999 encerra-se temporariamente a recente tradição de assumir a

direção um patrulheiro ligado ao movimento sindical e é nomeado um general do

exército para dirigir a instituição, ponto que abordaremos mais detalhadamente no

próximo capítulo. Em 2003 assume Hélio Cardoso Derenne, que foi Presidente do

Sindicato no Paraná e nomeado Superintendente na gestão de Carrijo.

A federação continua atuando no Congresso Nacional com a criação, em

outubro de 2005, da Frente Parlamentar de apoio à PRF composta de 230 deputados e

senadores20.

2.3 DÉCADA DE NOVENTA: PATRULHEIROS NA DIREÇÃO

A partir de 1991 a PRF deixa de fazer parte do DNER e se constitui como

20 A lista dos parlamentares que compõe a frente pode ser visualizada em http://www.fenaprf.com.br/index.php?a=24horas_temp.php&ID_MATERIA=327. Consulta feita dia 15 de novembro de 2006.

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Departamento vinculado ao Ministério da Justiça. A partir daí era necessário construir

todo um aparato burocrático para administrar o que até então era responsabilidade do

DNER. O modelo organizacional surgiu parecido com o anterior, constituindo-se de

uma administração central em Brasília e 26 unidades regionais nos estados, sendo 21

Superintendências e 5 Distritos21.

A administração central responsável pelo gerenciamento e coordenação dos

trabalhos se constitui de um Diretor-Geral, seis Coordenações, várias Divisões, Seções

e Núcleos, conforme organograma em anexo. As Superintendências possuem

abrangência estadual e se compõem de quatro Seções (Administrativa e Financeira,

Recursos Humanos, Corregedoria, e de Policiamento e Fiscalização), vários Núcleos

administrativos e Delegacias22. As Delegacias são administrações intra-regionais

responsáveis pelos Postos e são o que anteriormente era chamado de Núcleo de PRF.

As Delegacias continuaram a possuir uma equipe de comando, composto de policiais

que não estão lotados nos Postos, que realiza operações de batedor (acompanhamento

e sinalização de cargas superdimensionadas), de velocidade (com radares móveis) e

reforço de policiamento em feriados ou emergências. O Posto de Coordenação e

Controle passou a se chamar simplesmente de Posto de Fiscalização, composto por

Equipes de Ronda que policiam as rodovias com viaturas. O Posto de Pesagem

continuou a cargo do DNER.

A instituição passou a funcionar com um único cargo, o de policial

rodoviário federal23, trabalhando tanto na área operacional como na área

administrativa. As várias designações anteriormente existentes (Inspetor Chefe,

Inspetor Adjunto, 1º Inspetor, 2º Inspetor, Subinspetor, Adjunto) foram abolidas

21 Os Distritos são unidades menores que existem nos estados de RR, AP, AM, TO e DF.22 O fato de se chamar Delegacia não deve ser confundido com as delegacias da polícia judiciária

(Polícia Federal e Polícia Civil), pois não possuem cartório nem Delegado como autoridade policial. São apenas unidades descentralizadas responsáveis diretas pela execução do policiamento rodoviário. Os Postos de Fiscalização são subordinados à elas.

23 O antigo cargo de patrulheiro foi substituído pelo de policial devido à volta do poder de polícia, que tinha sido retirado pelos militares em 64.

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mantendo apenas as de Inspetor, para as funções de chefia e a de Adjunto, para a

função de Supervisor. A ordem progressiva foi abandonada, podendo um policial

assumir uma função de chefia (e assim ser chamado de Inspetor) sem passar pela de

Adjunto, sendo verdadeiro também o contrário, quando um Inspetor deixa o cargo de

chefia (e perde com isso também a denominação) voltando a trabalhar nos Postos. Essa

estrutura única de cargos pode, inclusive, inverter a situação hierárquica, com o antigo

subordinado ocupando uma posição de chefia e o antigo chefe ser agora subordinado.

Dentre as polícias existentes hoje no Brasil, a PRF é a única em que existe essa

estrutura única de cargos, pois na Polícia Federal e na Polícia Civil existe a separação

entre agentes e delegados e na Polícia Militar uma grande gradação de postos, sendo a

diferenciação maior entre praças e oficiais.

Se a estrutura burocrática se manteve muito parecida com a de antes –

Administração central em Brasília coordenado os trabalhos e Regionais nos Estados

executando e as mesmas unidades operacionais – as Delegacias (os antigos Núcleos de

PRF), os comandos, os Postos e as Rondas, o que mudou, porém, foi a forma de

controle ocasionando uma grande descentralização, passando a conferir maior

autonomia às unidades operacionais. Se antes com um grupo diferenciado dirigindo

era necessário um grande controle normativo, com o mesmo grupo dirigindo e

executando o controle sobre a fonte de incerteza se tornou dispensável, pois quem

chefia também possui o “conhecimento do trecho”. Há uma noção muito presente

entre os policiais que para ser designado para qualquer posto de chefia é necessário

que o policial tenha trabalhado na área operacional por algum tempo e adquirido com

isso o tal “conhecimento do trecho”. Isso é muito claro na configuração particular que

o Chefe do NPF tomou na nova estrutura. Ele é reconhecido como o “operacional” da

Delegacia e assim é sua nominação no meio policial. O Chefe da Delegacia

administra, mas quem realmente controla o serviço é o “operacional”, que está sempre

presente nos postos. Essa função é designada pelo Chefe da Delegacia mas este

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escolhe com cautela, pois ele precisa ter legitimidade perante os policiais, e essa

legitimidade é estabelecida pela experiência de trabalho operacional.

A extensa regulamentação sobre as unidades operacionais, englobando as

rotinas de trabalho, as técnicas operacionais, as fórmulas para se calcular o número de

policiais num comando, tudo isso foi abandonado. Como regimento disciplinar foi

adotado o constante na Lei 8.112 que trata do Regime Jurídico dos Servidores Civis da

União.

Na década de setenta o grupo dos militares impôs uma grande distinção

hierárquica, uma alta normatização e um regimento disciplinar punitivo, e foram

justamente esses os pontos que foram mudados quando os patrulheiros assumem a

direção.

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3 A (RE)MILITARIZAÇÃO

No ano de 1999 é nomeado como Diretor-Geral um general do exército

onde, em sua gestão, ocorreram mudanças gerenciais permeadas por valores militares

que estavam presentes na concepção dos projetos, particularmente sobre a forma de se

tratar sobre a questão das drogas, que de maneira geral é cada vez mais criminalizada e

militarizada. As ações implementadas tratadas nesse capítulo se referem à criação de

um grupo especial para ações contra o narcotráfico e a criação de mecanismos de

incentivo que possibilitaram um direcionamento das ações executadas pelas Regionais.

3.1 MILITARIZAÇÃO

Se desde a autonomia o DPRF foi chefiado por patrulheiros, no ano de 1999

há um rompimento dessa tradição quando o Presidente Fernando Henrique Cardoso

nomeia um general do exército para comandar o DPRF. A PRF já tinha sido chefiada

por um militar, mais especificamente por um coronel do exército, no regime militar.

Mas qual o motivo assim como a justificativa moral ou técnica para um general dirigir

um órgão civil em pleno regime democrático?

Parece haver um senso comum que após 1985 os militares deixaram o

governo e voltaram aos quartéis, abrindo espaço para a redemocratização, e após

alguns governos civis já se pensava que nossa democracia estaria consolidada e os

militares não representariam mais uma força política. Mas Zaverucha, estudando o

fenômeno da democracia, discorda dessa tese mostrando que as forças armadas

continuam a exercer influência política possuindo prerrogativas que não condizem

com um regime democrático (ZAVERUCHA, 2005). Os militares influíram

significativamente na realização da Assembléia Nacional Constituinte exigindo que

algumas questões não seriam mudadas, principalmente as que tratavam das forças

armadas, utilizando para isso uma estratégia tipicamente militar, o poder de dissuasão,

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que consiste em ameaçar o “inimigo” mostrando seu poderio para ganhar vantagens

em negociações. A ameaça era a desestabilização do novo regime com a conseqüente

volta dos militares, e os constituintes aceitaram abrir mão de alguns tópicos para poder

garantir a redemocratização. E esse modo de ação continuou nos governos civis

posteriores em que a elite política acabou aceitando não influir em determinados

pontos sob ameaça de serem desestabilizados, confirmando a influência militar perante

assuntos de natureza civil, pois “o silêncio da elite política civil ante tais

constrangimentos confirma ser o militarismo um fenômeno amplo, regularizado e

socialmente aceito no Brasil” (ZAVERUCHA, 2005, p.262).

Segundo Bobbio o militarismo

“constitui um vasto conjunto de hábitos, interesses, ações e pensamentos associados com o uso das armas e com a guerra, mas que transcende os objetivos puramente militares. O militarismo é tal que pode até chegar a dificultar e impedir a consecução dos próprios objetivos militares. Ele visa a objetivos ilimitados; objetivos de impregnar a indústria e a arte, conferir às Forças Armadas superioridade sobre o governo; rejeita a forma cientifica e racional de efetuar a tomada de decisões e ostenta atitudes de casta, de culto, de autoridade e de fé.” (BOBBIO, 2000, p.748)

Dessa forma exposto, o militarismo representa “hábitos, interesses, ações e

pensamentos” que fazem parte do meio militar e procura escapar dos muros dos

quartéis influenciando, pelo seu modo específico de visão de mundo, outras esfera da

sociedade. De uma maneira mais simples Cerqueira define militarização como “o

processo de adoção e uso de modelos militares, conceitos, doutrinas, procedimentos e

pessoal em atividades de natureza civil” (CERQUEIRA apud ZAVERRUCHA, 2005,

p.128). Visto desse modo, o militarismo não se reduz apenas à ocupação dos cargos de

direção política, mas vai além, se constituindo em um processo de impregnação de

valores militares em lugares diversos do meio militar, entre eles a política.

Um exemplo nítido de valor militar sobre um assunto de natureza civil é a

abordagem sobre as drogas, em que ao invés de ser encarado como problema social ou

de saúde pública, passa a ser encarado como uma “mal” a se combater e exterminar

por meio de uma “guerra as drogas”.

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Além de valores, Codato especifica que o regime militar deixou heranças

institucionais que permaneceram não apenas intocáveis, mas que inclusive foram

reforçadas: “na área militar foram mantidos três ‘feudos burocráticos’ intocáveis: o

Gabinete de Segurança Institucional (antiga Casa Militar), a Agência Brasileira de

Inteligência (ABIN, antigo Serviço Nacional de Informações (SNI)) e a Justiça

Militar” (CODATO, 2005, p.101). Além desses três podemos também colocar a

permanência de uma polícia militar.

O governo Fernando Henrique foi, dentre os governos civis, um dos que

mais propiciaram a militarização, possibilitando que os militares reforçassem seu

poder político na esfera de governo trazendo para a esfera política seus pressupostos

sobre assuntos diversos que não apenas questões militares (ZAVERUCHA, 2005).

Essas medidas se deram em várias esferas do governo e um caso notável pôde ser visto

no Gabinete de Segurança Institucional – GSI, do qual seu titular era o General

Alberto Cardoso. O GSI é composto por cargos que são ocupados exclusivamente por

militares e seu titular possui status de ministro de Estado. GSI é a nova denominação

da Casa Militar, um órgão do executivo responsável pela assessoria do presidente em

relação a questões de segurança nacional, como defesa, inteligência, relações

exteriores, gerenciamento de crises e outras nem tanto, como sobre drogas24.

Especificamente no governo FHC o Gabinete acabou por concentrar poderes que antes

eram de outros órgãos federais, como por exemplo na criação da SENAD – Secretaria

Nacional Antidrogas, que trouxe para o GSI a competência de gerir assuntos sobre o

narcotráfico e o tratamento de dependentes, retirando essa competência dos

Ministérios da Justiça e da Saúde. O próprio nome da SENAD, “antidrogas”, já revela

24 As competências do GSI são: - assistência direta ao Presidente da República; gerenciamento de crises; assessoramento ao Presidente da República em assuntos militares e de segurança; coordenação das atividades de inteligência; segurança pessoal do Chefe de Estado, do Vice-Presidente da República e dos respectivos familiares; segurança dos palácios presidenciais e das residências do Presidente da República e do Vice-Presidente da República; coordenar e integrar as ações do Governo nas atividades de prevenção do uso indevido de substâncias entorpecentes, bem como daquelas relacionadas com o tratamento, a recuperação e a reinserção social de dependentes; supervisionar, coordenar e executar as atividades do Sistema Nacional Antidrogas -SISNAD; executar as atividades do Conselho de Defesa Nacional - CDN; e exercer as atividades de Secretaria-Executiva da Câmara de Relações Exteriores e Defesa Nacional. Grifo nosso.

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como o assunto foi tratado pelo GSI, na forma de “combate”, de “guerra” às drogas,

como se fosse possível, através de ações militares eliminar um problema social que

atinge o país inteiro como se elimina um “inimigo”. Os cargos de direção da SENAD

também eram compostos por militares de carreira, o que trazia uma forte visão militar

para a Secretaria, que queria a primazia no combate ao narcotráfico, disputando com a

Polícia Federal e o Ministério da Justiça. O então Ministro da Justiça, José Carlos

Dias, ao deixar o cargo afirmou em nota oficial que o motivo de sua saída era “a

disputa entre o ministério e os militares da Secretaria Nacional Antidrogas pelo

controle da Polícia Federal e pelo combate ao narcotráfico” (ZAVERUCHA, 2005,

p.135).

Para se ter um controle maior sobre essa questão o então chefe do GSI,

general Cardoso, indicou um militar de confiança para assumir a direção do DPRF, o

General da reserva Álvaro Henrique de Moraes (ZAVERUCCHA, 2005, p.132), que

ao assumir a direção do órgão preencheu a Administração central com militares em

suas principais Coordenações e abordou o problema das drogas de maneira

tipicamente militar.

A seguir vamos explanar algumas das ações da gestão dos militares no

DPRF, que propiciaram uma influencia do trabalho operacional, direcionando suas

ações para essa visão militarizada.

3.2 A CRIAÇÃO DO GPE

No ano de 2001 foi criado o GPE – Grupo de Policiamento Especial, que

consistia num grupo com treinamento especializado para trabalhos especificadamente

policiais25. Esse grupo foi usado várias vezes e algumas até em operações fora das

rodovias, ou seja, fora da circunscrição tradicional e também legal do DPRF. O

25 Como o DPRF trata de assuntos relacionados a trânsito, segurança pública e atendimento emergencial de vítimas de acidentes, os trabalhos especificadamente policiais são as que não atingem os quesitos trânsito e socorrismo.

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objetivo da proposta era a de se ter um grupo de elite, altamente treinado e

disciplinado para ser usado exclusivamente em situações policiais de “combate ao

crime”. Esse grupo foi formado mesmo já existindo na estrutura regimental do DPRF

um Núcleo de Operações Especiais – NOE, presente nas Superintendências, que

possuía como atribuições básicas executar operações de policiamento rodoviário,

operações de prevenção e repressão ao crime, operações de prevenção e repressão às

infrações de trânsito, executar escolta e segurança no deslocamento de autoridades, e

manter o corpo de motociclistas da regional. Ao NOE cabem várias responsabilidades

e não apenas as ligadas à criminalidade, mas também as de trânsito e escolta. O NOE é

a nova configuração dos comandos que existiam na estrutura antiga responsáveis pelas

operações extracotidianas, para focar sobre um trabalho específico, seja ele de trânsito

ou de policiamento. Mas o GPE era algo totalmente novo na PRF e sua forma de

atuação era bem distinta da do NOE, pois enquanto este era um grupo permanente,

com um núcleo administrativo e lotação dos integrantes no núcleo, no caso do GPE os

policiais continuariam a trabalhar nos postos, em regime de escala e seriam chamados

apenas em situações de crise que exigissem a presença do grupo. O modelo construído

foi idealizado como os Grupos Especiais das Forças Armadas, um grupo de pessoas,

altamente treinadas, com funções especializadas, que agem em situações críticas. Cada

unidade básica contava com dezesseis policiais fortemente armados e quatro viaturas.

As especializações eram: negociador, para agir em casos com reféns; sniper, um

atirador que utiliza uma arma de longa distância e alta precisão; especialista em

explosivos; especialista em telecomunicações; socorrista. Além dessas especializações,

todos eram treinados em OCD – Operações de Controle de Distúrbio, para comporem

uma espécie de “grupo de choque” que, com capacetes, escudos e armas com munição

não letal (munição de borracha, gás lacrimogênio, bombas de efeito moral), poderiam

fazer frente a manifestações das mais diversas. O treinamento básico era de trinta dias

em regime de internato e após a conclusão seriam feitos outros cursos específicos para

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especializações individuais. Foram formadas três turmas de GPE nível básico e

treinados policiais de quase todas as Superintendências, mas os cursos de

especialização não se concretizaram, pois logo após a saída do general da Direção o

projeto do GPE foi abandonado. Os estados em que mais foram feitas operações

utilizando o GPE foram Rio de Janeiro e Pernambuco e a maioria em operações de

“combate ao narcotráfico”. As operações não se limitavam à circunscrição da PRF, as

rodovias federais, e era comum o trabalho em favelas no Rio de Janeiro e no sertão

pernambucano, tradicional produtor de maconha.

Segundo Zaverucha,

“a militarização é crescente quando os valores do Exército aproximam-se dos valores da sociedade. Conseqüentemente, quanto maior o grau de militarização, mais tais valores se superpõe. E isto influi no modo como as instituições coercitivas se organizam para produzir violência. A retórica vigente é a de ‘guerra’ às drogas e de ‘combate’ aos delinqüentes, através do uso de ‘forças tarefas’” (ZAVERUCHA, 2005, p. 128).

O GPE foi usado, nesse período, no sentido de enfrentar o problema das

drogas com forças especialmente treinadas para “aniquilar o inimigo”, aprofundando,

dessa maneira, as ações tomadas de repressão ao narcotráfico, consoante à missão do

GSI e da visão dos militares sobre a forma de se lidar com esse problema.

3.3 A AVALIAÇÃO DAS REGIONAIS

Como a execução dos trabalhos é função das Regionais, cabendo à

Administração central apenas a coordenação dos trabalhos, era preciso incentivar, de

um modo legítimo, as regionais para que direcionassem suas ações para as questões

consideradas mais importantes pela Direção. Num primeiro momento foi necessário

conhecer a área operacional descobrindo as atividades feitas pelas regionais, quais os

trabalhos que executavam para depois implementar um índice de produtividade que

direcionassem as ações das regionais.

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A primeira ação nesse sentido foi a implantação do CIOP – Central de

Informações Operacionais, uma central nacional que coordenava os trabalhos das

centrais regionais. As centrais de rádio regionais já existiam e tinham como serviço

básico o atendimento de chamadas de emergência e o repasse da ocorrência aos postos

via rádio, não sendo um centro de controle ou supervisão, mas apenas um local

centralizador do recebimento de ocorrências pelo telefone 191. Essas centrais

regionais foram subordinadas à CIOP nacional que passou a normatizar e coordenar os

trabalhos das centrais regionais.

Foi então implantado o ROD – Relatório Operacional Diário, uma planilha

que cada central regional deveria preencher com as atividades diárias desenvolvidas

pelas unidades operacionais, como número de veículos fiscalizados, quantidade de

multas, número de acidentes, apreensões feitas, pessoas detidas, etc. O ROD

proporcionou um conhecimento sobre o trabalho operacional que nunca tinha sido

visto, pois até então não se sabia exatamente o que e quanto era feito nas

Superintendências em relação a atendimento a crimes. O único controle que existia era

com relação a multas e acidentes, do qual eram confeccionados relatórios distintos e

não informatizados.

O fechamento do relatório ocorre à meia-noite, quando então as equipes

passam os dados para o Posto de Fiscalização que recolhe de todas as equipes, fecha e

repassa para o adjunto na Delegacia. O adjunto recolhe as informações dos Postos e

repassa à Central regional, que junta os dados de todas as Delegacias e repassa a CIOP

nacional. Esta por sua vez junta os dados de todas as Superintendências e produz um

relatório final, que fica pronto de manhã, sendo então repassado para a direção, que

fica sabendo logo cedo todas as atividades desenvolvidas em todo o Brasil pela PRF.

Os dados constantes no relatório se referem à quantidade de acidentes, multas,

apreensões de drogas e contrabando e pessoas detidas.

A implantação do ROD proporcionou uma ferramenta de análise no qual foi

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possível conhecer numericamente os serviços efetuados nas regionais, quantificando o

trabalho operacional. Estava presente, em forma de relatório, o conhecimento

necessário das atividades desenvolvidas pelas regionais. A partir disso a comparação

entre as Superintendências, que antes não era possível realizar, foi inevitável. Mas os

dados eram muito díspares para serem comparados, pois existem diferenças grandes

entre as Superintendências. Como seria possível comparar as diferenças de um modo

equânime? Foi criada então a ADR – Avaliação de Desempenho das Regionais, que

consistia em proporcionar critérios diferenciadores estabelecendo graus de dificuldade

no qual as diferenças entre as Regionais fossem compensadas, criando com isso um

índice de produtividade para mensurar e comparar as atividades entre as diferentes

Regionais.

O funcionamento se baseia numa pontuação ganha sobre cada ação

desenvolvida, as constantes no ROD, em que estabelecem pontos positivos e pontos

negativos, conforme as tabelas 1 e 2.

TABELA 1 – PONTOS POSITIVOS DA ADR INDEXADOR EXPLICAÇÃO PESO

FATOR TRÂNSITOacidentes Variação percentual negativa em relação ao período anterior

(diminuição de acidentes).10

notificações Quantidade de infrações, variando o peso de acordo com a gravidade:- Gravíssima – 5- Grave – 4- Media – 3- Leve – 2- Sem abordagem – 1- Por equipamentos eletrônicos - 1

5,4,3,2 ou 1

Produto perigoso Notificações de transporte rodoviário de produtos perigosos 4Transporte Notificações de transporte por convênio 4Veículos retidos Quantidade de veículos removidos/retidos/apreendidos 2CNH Quantidade de Carteira Nacional de Habilitação recolhida 2Auxilio a usuário Quantidade de auxilio a usuários 3Socorro a vitimas Quantidade de auxílios a feridos 5Escolta Quantidade de escolta/batedor 2Animais Quantidade de animais soltos apreendidos 3

FATOR CRIMINALIDADEVeículos recuperados Quantidade de veículos recuperados 50Pessoas detidas Quantidade de pessoas detidas 50Contrabando Quantidade de ocorrências de contrabando/descaminho 200

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apreendidoArmas de fogo Quantidade de armas de fogo apreendidas 50Maconha ou outras drogas Quantidade de apreensões de drogas:

- até 1 tonelada– 200- maiores de 1 tonelada - 1000

200 ou 1000

Cocaína Quantidade de apreensões de cocaína:- até 100 quilos - 250- maiores que 100 quilos - 1000

250 ou 1000

Trabalhador libertado Quantidade de ocorrências com trabalhadores em condição análoga ao trabalho escravo libertados

150

Crimes ambientais Quantidade de ocorrências relacionadas a crime ambiental 150Assalto a ônibus Quantidade de ocorrências de detenção de assaltantes a ônibus 250Carga recuperada Quantidade de ocorrências de detenção de assaltante de carga 500Demais crimes Quantidade de ocorrências de intervenção aos crimes 200

FATOR PLANEJAMENTO E CONTROLEAtividades educativas Quantidade de atividades 50Auxílio a outro órgão Quantidade de auxílio a outro órgão, outra regional. 3FONTE: CGO/DPRF

TABELA 2 – PONTOS NEGATIVOS DA ADR. INDEXADOR EXPLICAÇÃO PESO

FATOR TRÂNSITOAcidentes Variação percentual positiva em relação ao período anterior

(diminuição de acidentes).20

FATOR CRIMINALIDADECargas roubadas Taxa entre a variação do número total de cargas roubadas no

mesmo período pelo total da malha viária100

Assalto a ônibus Taxa entre a variação do número total de assalto a ônibus no mesmo período pelo total da malha viária

50

FATOR PLANEJAMENTO E CONTROLERelatório pendente Relatório pendente (não enviado à CIOP) 10 por dia de

atrasoAutos de infração cancelados

Quantidade de autos de infração cancelados, inconsistentes, arquivados ou tornados sem efeito.

2

FONTE: CGO/DPRF

A computação dos pontos se dá pela soma da cada indexador multiplicado

pelo seu respectivo peso. A partir disso é necessário incluir o grau de dificuldade para

equiparar as diferenças regionais sendo obtido a partir de três quesitos: malha viária –

a quantidade de quilômetros policiados; efetivo – a quantidade de policiais das

regionais; e volume médio diário – a média diária da quantidade de veículos que

circulam nas rodovias. A fórmula final é a seguinte:

ADR = (∑ PP - ∑ PN) * ( Malha*VMD ) Efetivo

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Esse sistema de avaliação acabou por criar uma competição entre as

regionais pela melhora de seus índices de produtividade, propiciando que as

administrações regionais direcionassem as operações e foco das atenções para as

atividades que melhor pontuassem. Embora seja um modelo de avaliação de

desempenho caracterizado por uma aparente objetividade, ele privilegia algumas

questões em detrimento de outras justamente pelo estabelecimento dos diferentes

pesos para os diferentes indexadores. As ações relativas a trânsito são as mais sub-

representadas enquanto as de criminalidade estão super-representadas, especialmente

as com relação a drogas. Para fazermos uma comparação, uma apreensão de 100

quilos de maconha se equipara, por exemplo, ao salvamento de 200 vítimas de

acidentes de trânsito, ou a 333 auxílios a usuários das rodovias. Pode-se argumentar

que o tráfico de entorpecentes cause vários males à sociedade e que não se pode

mensurar os efeitos benéficos de uma apreensão desse porte. Fazendo então outra

comparação, uma apreensão de 2 gramas de maconha, por exemplo, se equipara a

apreensão de 66 animais soltos na rodovia. Pode-se argumentar que alguém dirigindo

sob influência de drogas pode causar um acidente, mas 66 animais soltos na rodovia,

não podem causar 66 acidentes?

Outro problema da avaliação é que ela, por ser representada numericamente,

acaba por deixar de fora todas as ações que não podem ser contabilizadas, exatamente

as que mais são realizadas por uma polícia ostensiva. Como exemplificado por Beato,

“a manutenção da ordem se dá mediante a presença visível do Estado e não se refere exclusivamente aos delitos criminais, que constituem menos de 15% do que é efetivamente realizado pelo policiamento ostensivo, mas às atividades de pacificação, mediação de conflitos, inclusive em âmbitos doméstico, patrulhamento e, em volume significativo, assistenciais” (BEATO, 1999, p.19).

As ações que não se constituem exclusivamente de delitos criminais que são

realizadas diariamente pelos policiais podem ser contabilizadas no tópico “auxílio a

usuários” que engloba boa parte dessas ações e que garantem um peso “3”. A simples

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presença visível do policial que tanto pode inibir a ocorrência de crimes quanto

transmitir uma sensação de segurança para a população não entra na contabilidade.

Se na década de setenta com a entrada na instituição de um novo grupo, o

dos militares, para comandar a PRF, aumenta o controle sobre a área operacional

através de distinção hierárquica, normatizações e regulamento disciplinar, para

controlar uma área de incerteza que é o policiamento, nos anos 2000 esse novo grupo

de militares que assume a direção procura realizar o mesmo controle mas de forma

diferenciada. Se o grupo dos militares possui o poder hierárquico, essa forma de poder

vai procurar controlar a fonte de incerteza dentro da instituição, a atividade

operacional. Nessa configuração o poder de perito que é a própria atividade policial

assume uma importância maior que na década de setenta, pois enquanto o DNER era

um órgão de construção de rodovias, os peritos em rodovias eram os engenheiros e,

exatamente por esse motivo controlavam a instituição. Nesse caso é diferente, pois o

órgão agora é de policiamento de rodovias, e os peritos nessa área são os policiais,

dominando um conhecimento que os militares não possuíam. Ocupando a

Administração central, que é a responsável apenas pela coordenação dos trabalhos

(pois são as regionais que executam), sua ações se deram no sentido criar um grupo

executor no âmbito central (GPE), obter um conhecimento das atividades

desenvolvidas (ROD) e estabelecer critérios de incentivos para certas ações em

detrimento de outras (ADR). Procurou-se, nesse caso controlar a fonte de incerteza – a

atividade operacional, através de mecanismos indiretos que incentivassem a sua

execução num direcionamento específico além da criação de um grupo executor que

atuasse nas regionais subordinado à Administração central.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A PRF foi criada inicialmente com a responsabilidade de realizar o

policiamento das estradas federais e mantém essa missão até os dias atuais. Porém sua

estrutura burocrática bem como sua forma de atuação sofreu alterações durante o

percurso, surgindo no interior de um órgão de construção de estradas (que acabou

sendo extinto) até chegar a ser administrativamente autônoma.

No primeiro capítulo foram apresentados alguns aspectos históricos da PRF.

Analisando-a pelas relações entre os grupos que por ela passaram, podemos reconstruí-

la, partindo da década de setenta, de uma forma um pouco diferente.

Em 1974 há uma mudança na estrutura do DNER em que a antiga Divisão de

Trânsito torna-se uma Diretoria e é criada a Divisão de PRF, aparecendo pela primeira

vez a PRF numa posição de destaque dentro da estrutura do órgão. Mas a Divisão, ao

invés de ser chefiada por um patrulheiro acabou sendo preenchida por militares, que

trouxeram da caserna seus princípios e valores e, através deles, reformularam a

instituição. Em 1977 foi feito o Manual de Operações da PRF, normatizando a

atividade e aumentando a distância hierárquica ao criar os vários postos de Inspetor.

Em 1982 foi concluído o Regimento Disciplinar trazendo as punições correspondentes

a cada infração da normatização anteriormente imposta. Após oito anos de

militarização somados à proposta de extinção da PRF compuseram os ingredientes

necessários para que os patrulheiros se organizassem buscando no Legislativo o escape

de tal controle.

Na criação de um novo Departamento, desta vez autônomos tanto dos

militares quanto dos engenheiros, os patrulheiros organizaram o aparato administrativo

da nova estrutura burocrática abandonando justamente os três elementos que os

militares implantaram, a distinção hierárquica, eliminando os diversos postos de

Inspetor e implantando um cargo único; o regimento disciplinar antigo e implantando

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o da nova lei dos servidores públicos civis da união; e a extensa normatização da

atividade, deixando os policiais livres para decidir sobre o seu serviço.

Essa fase pós-emancipação durou também oito anos quando o governo de

Fernando Henrique nomeia um general do exército para comandar a instituição,

preenchendo novamente os cargos de direção com militares. Esse grupo procurou

propor uma modernização da instituição através da criação de novas formas de gestão,

conseguindo com isso um maior controle sobre a atividade operacional, mas desta vez

de maneiras diferentes do da década de setenta. As ações nesse período se basearam

tanto na execução direta, como a criação de um grupo especial comandado pela

Administração central, o GPE, atuando principalmente em ações contra o narcotráfico,

quanto pela coordenação indireta, estabelecendo um sistema de avaliação das

Regionais que, por estabelecer pesos diferenciados através de critérios

preestabelecidos, privilegiou a atuação em delitos criminais, principalmente os

relacionados às drogas, em detrimento de outros relativos à segurança do trânsito.

Quando novamente um policial assume a direção, em 2003, o projeto do

GPE é abandonado, mas não a avaliação das regionais que permanece na instituição.

As regionais buscam conquistar índices melhores a cada ano, o que propicia um

planejamento das atividades anuais direcionado a prisões e apreensões de drogas.

Neste caso a militarização marca ainda a atividade desenvolvida por um

órgão civil como a PRF através de um direcionamento específico calcado em

princípios aparentemente técnicos e isentos de subjetividade, e se revestiu como um

processo de modernização do órgão procurando se mostrar como uma forma técnica e

objetiva de gestão, proporcionando uma legitimidade que mesmo após a saída dos

militares conservou seus princípios.

Já as inovações implantadas pelos militares na década de setenta e oitenta

foram abandonadas, incluindo a normatização da atividade que não é um aspecto

apenas militar, mas de qualquer organização burocrática. Sua falta se deve em muito

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ao fato de representar uma libertação do controle a que foram submetidos. Associaram

normatização, aspecto essencial em qualquer organização, à militarização.

As pesquisas especificamente sobre polícia, além de serem poucas, são

focadas apenas nas polícias estaduais, principalmente na Polícia Militar. Mas e as

polícias federais? Não se conhece o que fazem, como fazem, o que percorreram, o

quanto foram militarizadas e nem o acesso que possuem, através de entidades de

classe, ao Poder Legislativo.

Muitas outras questões podem ser mais bem analisadas em trabalhos futuros,

como é o caso do processo de organização e constituição sindical e suas relações com

a direção formada exclusivamente por sindicalistas, até os aspectos mais corriqueiros

como a forma de trabalho cotidiano e sua comparação com outras polícias, procurando

destacar características mais ou menos comuns entre elas. Entre essas questões

podemos destacar a corrupção e a brutalidade da função policial. Como é possível uma

mudança drástica de comportamento, se na década de sessenta os patrulheiros eram

reconhecidos como “anjos do asfalto”?

Para finalizar fica o hino do “Vigilante Rodoviário” que estava presente nos

lares brasileiros na década de sessenta26:

De noite ou de dia, firme no volante, vai pela rodovia, bravo Vigilante!

Guardando toda estrada, forte e confiante,

é o nosso camarada, bravo Vigilante!

O seu olhar amigo, é um farol que avisa do perigo,

audaz e temerário, prá agir a todo instante, da estrada é o Vigilante,

VIGILANTE RODOVIÁRIO!

26 O “Vigilante Rodoviário” foi a primeira série da televisão brasileira, indo ao ar em 1961 pela TV TUPI e seu protagonista, o Inspetor Carlos, pode ser considerado o primeiro herói brasileiro.

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BIBLIOGRAFIA

BEATO FILHO, Cláudio C. Políticas públicas de segurança e a questão policial. São Paulo Perspec., São Paulo, v. 13, n. 4, 1999.

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OUTRAS FONTES CONSULTADAS

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OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA <http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos/asp20022002993.htm> Acesso em 27 de outubro de 2006.

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ANEXOS

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ADMINISTRAÇÃO CENTRAL DNER - 1974

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DISTRITOS REGIONAIS DNER - 1974

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ADMINISTRAÇÃO CENTRAL DPRF

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REGIONAIS DPRF

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