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A CONSTITUIÇÃO DE EDUCADORES E EDUCANDOS NA EDUCAÇÃO DE
JOVENS E ADULTOS NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO POPULAR E DOS
ESTUDOS HISTÓRICO-CULTURAIS: A EXPERIÊNCIA DO GENPEX/UNB
Esta mesa discute três pesquisas desenvolvidas na área de Educação de Jovens e
Adultos no contexto do Grupo de Ensino, Pesquisa e Extensão em educação Popular e
Estudos Filosóficos e Histórico-culturais da UnB. Os trabalhos dialogam com as
contribuições da educação popular, da teoria marxista e da perspectiva Histórico-
Cultural com Vygotsky e seus representantes da segunda e terceira geração. O primeiro
trabalho aborda o lugar da formação do educador de jovens e adultos no curso de
Pedagogia da Faculdade de Educação da UnB. Com base na análise dos espaços de
formação disponíveis no curso, avalia as significações atribuídas pelos estudantes de
Pedagogia ao processo formativo vivenciado na Educação de Jovens e Adultos, bem
como a transformação pessoal e profissional decorrente do contato com educandos
jovens em adultos. O segundo artigo busca contribuir com o ensino-aprendizagem na
formação de pedagogas (os), a partir da experiência e significação desenvolvidas por
meio das ações pedagógicas, de alfabetização/educação de adolescentes e adultos que
cumprem medidas socioeducativas bem como para a constituição dos estudos deste
campo pedagógico. O terceiro analisa a constituição do sujeito de aprendizagem, tendo
em vista o alfabetizador(a) e alfabetizando(a), com enfoque nos aspectos dialógicos das
relações estabelecidas no contexto histórico-cultural, e, situado do aprendiz no Centro
de Cultura e Desenvolvimento do Paranoá – CEDEP. Os trabalhos trazem de diferentes
modos como o contato com os sujeitos jovens e adultos e a reflexão na e sobre essa
prática educativa forja no estudante de Pedagogia e no educador Popular uma
sensibilidade/compromisso em relação a essa realidade, por meio da pesquisa-ação
existencial, da vivência e do desenvolvimento de uma prática pedagógica pautada na
escuta sensível, no diálogo, na amorosidade e no respeito mútuo.
Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos. Socioeducação. Formação de
Educadores.
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A FORMAÇÃO INICIAL DE PEDAGOGOS NA PERSPECTIVA DA
EDUCAÇÃO POPULAR: A EXPERIÊNCIA DO GENPEX /UNB NA EJA
Maria Clarisse Vieira – Faculdade de Educação UNB
Resumo:
O artigo faz parte de uma pesquisa mais ampla que busca avaliar o lugar da
formação do educador de jovens e adultos no contexto do curso de Pedagogia da
Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (FE/UnB). O texto avalia a
experiência desenvolvida no Grupo de Ensino, Pesquisa e Extensão em Educação
Popular e Estudos Filosóficos e Histórico-culturais (GENPEX). Para isso, analisa as
produções individuais e coletivas realizadas no período de 2013 a 2015, nas disciplinas
Projeto III e IV, componentes do currículo de Pedagogia vigente desde 2003. A análise
do material revela indícios de que o contato com os sujeitos jovens e adultos e a
reflexão na e sobre essa prática educativa forja no estudante de Pedagogia uma
sensibilidade/compromisso em relação a essa realidade. A intencionalidade é construir
uma formação inicial em EJA com base nos pressupostos da educação popular. Para
tanto, a pesquisa-ação existencial possibilita ao futuro professor a vivência e o
desenvolvimento de uma prática pedagógica pautada na escuta sensível, no diálogo, na
amorosidade e no respeito mútuo.
Palavras-chave: formação de educadores, Educação de Jovens e Adultos, Currículo.
Introdução:
A Educação de Jovens e Adultos é constituída por pessoas pertencentes às
camadas populares, segmento que não vivencia o atendimento a questões básicas de
sobrevivência (saúde, trabalho, alimentação, educação, etc). Nessa perspectiva, atende
pessoas jovens, adultas e idosas que, não tendo tido o acesso e/ou permanência na
escola, em idade que lhes era de direito, retornam á escola, buscando o resgate desse
direito. Esses sujeitos, ao mesmo tempo em que vivenciam processos de exclusão
social, materializados em processos de segregação cultural, espacial, étnica e
econômica, experimentam, cotidianamente, o abalo de seu sentimento de pertença social
e o bloqueio de perspectivas de futuro social.
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Considerando as especificidades do público da EJA seria ―natural‖ que seus
educadores tivessem uma formação consistente que, embasada no ideário da educação
popular, buscasse superar o quadro de desigualdade social, que se faz presente nos
processos escolares e não escolares. No entanto, essa não tem sido a realidade. Diversos
estudos indicam que a maior parte dos professores que exercem atividades junto a EJA
possui uma formação precária, desconhecendo as peculiaridades destes educandos.
Nesta perspectiva, tendem a reproduzir em suas práticas concepções infantilizadoras de
currículo que desconsideram os saberes e experiências discentes, o que contribui para
reforçar o fracasso das tentativas de reinserção escolar por parte desses sujeitos.
Não obstante este cenário, algumas universidades, por meio de atividades
ligadas à pesquisa e extensão tem desenvolvido ações que se dirigem à formação em
Educação de Jovens e Adultos. Este artigo busca contribuir com a reflexão sobre a
formação docente em EJA por meio da experiência desenvolvida no contexto do Curso
de Pedagogia da UNB, em especial as atividades desenvolvidas no âmbito do Grupo de
Ensino, Pesquisa e Extensão em Educação Popular e Estudos Filosóficos e Histórico-
Culturais – GENPEX.
A pesquisa busca avaliar qual o lugar da formação do educador de jovens e
adultos no curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília
(FE/UnB). Neste artigo, trazemos um recorte dessa pesquisa mais ampla no qual
buscamos ouvir as vozes discentes por meio das produções individuais e coletivas
realizadas ao longo no período de 2013 a 2015, nas disciplinas Projeto III e IV,
componentes do currículo de Pedagogia vigente desde 2003. Nesta produção incluem-se
relatórios finais e diários de bordos, desenvolvidos no interior dos referidos projetos.
Por meio da análise deste conjunto de trabalhos buscamos refletir as significações
atribuídas pelos estudantes ao processo formativo vivenciado em jovens e adultos, bem
como o processo de transformação pessoal e profissional decorrente do contato com
educandos jovens em adultos. Em outras palavras, argüimos em que medida os espaços
de formação existentes no atual currículo contribuem para a decisão do estudante
assumir-se educador da EJA.
É importante destacar que embora o Genpex desenvolva um conjunto de
atividades abrangentes, para efeito de análise consideramos nesse artigo somente as
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atividades desenvolvidas no Projeto Paranoá de alfabetização e formação de
alfabetizadores (as) de Jovens e adultos. O artigo está organizado em 3 partes. Na
primeira, apresentamos de forma breve como o curso de Pedagogia se organiza. Na
segunda descrevemos, de forma breve, a origem do Genpex e seu espaço de atuação. Na
terceira, trazemos as vozes de estudantes de Pedagogia, por meio da análise de diários
de bordo produzidos nos anos de 2013, 2014 e 2015.
A educação de jovens e adultos no interior da reformulação curricular do curso de
Pedagogia da UNB.
O processo de reformulação do Projeto Acadêmico do curso de Pedagogia da
UnB teve início em abril de 1997, concomitante às discussões sobre as Diretrizes
Curriculares Nacionais de Pedagogia. O referencial teórico-metodológico do Projeto
sustenta-se na teoria da complexidade de Edgar Morin, que tem como pressuposto
―vislumbrar novos rumos para a [...] ação formadora e detectar os caminhos que se
apresentam para a compreensão do mundo onde ela se inscreve. ‖(UNB,FE, 2002, p.9).
A teoria da complexidade de Morin parte do princípio que o ser humano só pode
ser compreendido na sua totalidade e percebe o ser humano nas suas diferentes
dimensões – antropológica, sociológica, psicológica, ética dentre outras..
O projeto menciona o contexto da globalização e das rápidas mudanças
tecnológicas e justifica a necessidade de uma nova relação com o saber. Nessa nova
concepção de formação, apresenta o aprendizado personalizado e cooperativo em rede
no qual o docente passa a ser o mobilizador da inteligência coletiva. Percebe-se, na
construção do Projeto Acadêmico, uma preocupação na formação de um profissional
autônomo, capaz de dar continuidade à sua formação e que esteja apto a atuar em
ambientes escolares e não escolares. Segundo o Projeto,
À medida que vai avançando e penetrando no mundo do trabalho
educativo em toda a sua complexidade, o futuro educador é levado a
fazer opções quanto ao perfil profissional que ele pretende ter a partir
de experiências e reflexões, culminando na elaboração de um projeto
profissional próprio. (UnB, 2002, p.13).
De acordo com o Projeto Acadêmico (PA) da FE-UnB ―o egresso do curso será
um pedagogo com registro de professor/educador habilitado a trabalhar em espaços
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escolares e não escolares, admitindo perspectivas diferenciadas de inserção no mercado
de trabalho‖. O currículo da FE é organizado por disciplinas obrigatórias e optativas,
projetos, oficinas e seminários interdisciplinares. O curso de Pedagogia da FE-UnB não
se organiza em uma grade curricular fechada, mas por meio de uma proposta aberta,
apoiada na ideia de fluxo curricular. A base docente e a formação prático-teórica ocorre
por meio da inserção de projetos, ou seja ―atividades orientadas, de observação, de
regência, de investigação, de extensão, de busca bibliográfica [...] tendo como
referencial a vida concreta das organizações onde os fatos e as situações educativas
acontecem‖(UnB, 2002, p.15). O objetivo de se trabalhar por meio de projetos é a
inserção gradativa na vida universitária e na profissão docente, e a possibilidade de
vivência prática do fazer pedagógico. É uma busca de integração entre teoria e prática
ao longo de todo o curso. Na lógica dos projetos emerge a pesquisa, inserida na
articulação prático-teórica substituindo a perspectiva de que os estágios devam ocorrer
apenas ao final de curso, mas essa vivência deve ser ao longo de 8 semestres,
culminando com o Trabalho de Conclusão de Curso.
De acordo com o Projeto Acadêmico, o currículo do curso de Pedagogia
favorece a vivência de duas modalidades de atividade acadêmica: espaços disciplinares
cuja ênfase é posta na apropriação de teorias e conceitos e, de outro lado, os espaços
curriculares denominados projetos. O Projeto 1 tem por objetivo acolher os estudantes
e inseri-los no contexto da Faculdade e da Universidade e, mais especificamente, na
profissão de pedagogo. O Projeto 2 busca discutir o campo de atuação da Pedagogia,
com base no estudo e investigação epistemológica da Educação. O Projeto 3 busca
oferecer vivência prática do fazer pedagógico em diferentes contextos institucionais,
articulando, no processo formativo, as atividades de extensão, pesquisa e ensino. O
Projeto 4 visa à imersão do aluno de Pedagogia nas práticas educativas que ocorrem no
contexto escolar formal, seja este vinculado a instituições públicas, particulares ou a
organizações/movimentos sociais. Também chamado de TCC, o Projeto 5 constitui a
culminância desse itinerário acadêmico.
Com base nessa organização curricular, A FE/UNB forma professores no curso
de Pedagogia, mediante a oferta de disciplinas teóricas-práticas que compõem o eixo
pedagógico. A Educação de Jovens e Adultos é tratada nos espaços relativos aos
Projetos 3,4 e 5 e também em disciplina optativa no currículo do curso de Pedagogia.
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Nesse artigo, analisamos as significações atribuídas pelos estudantes de Pedagogia ao
processo formativo vivenciado nos Projetos 3, 4 e 5 com enfoque na educação de
Jovens e Adultos, no âmbito do GENPEX. Para tanto, apresentamos de forma breve,
as origens desse grupo, no tópico a seguir.
Origem do Genpex e principais frentes de trabalho
Até a década de 1980, a formação do Pedagogo na UNB tinha como foco a
formação do especialista, tal como prescrevia o parecer 251/62. A despeito da criação
da Habilitação Magistério para as séries iniciais, em 1988, a Educação de Jovens e
Adultos não gozava de importância no currículo do Curso. A partir desse período, a
Faculdade de Educação UNB passa a demarcar sua atuação na Alfabetização e
Formação de educadores de jovens e adultos, por meio de uma práxis político-
pedagógica fundamentada numa ação transformadora, em interação e parceria com
movimentos sociais e iniciativas da Educação Popular. (REIS, 2011). Em meados da
década de 1980, um grupo de mestrandos do Programa de Pós- graduação da FE inicia
um processo de alfabetização de jovens e adultos, baseado nos princípios da educação
libertadora de Paulo Freire, na cidade de Ceilândia (DF). Em decorrência dessa
experiência foram produzidas duas dissertações de mestrado e surgem várias iniciativas
inspiradas em Paulo Freire, em cidades tanto do Distrito Federal quanto de Goiás.
Nesse ínterim, é criado, também, o Núcleo Paulo Freire de Alfabetização de Jovens e
Adultos, uma das iniciativas que justificou o primeiro prédio da UnB-Decanato de
Extensão, em Ceilândia, em 1987.
Nesse mesmo período, na Vila Paranoá, em decorrência da luta pela fixação da
população naquele espaço, é gestada uma proposta de alfabetização que articulava a
contribuição da UnB. Reis (2011) nos informa que houve uma grande organização e
mobilização dos moradores do Paranoá para suprir os bens de serviços necessários à sua
existência e sobrevivência: água, energia elétrica, transporte, alimentação, educação,
entre outros. Esse processo de mobilização emergiu da ação de um grupo de jovens
católicos que, no desdobramento de sua ação-reflexão-ação religiosa, se engajaram num
movimento comunitário, também denominado Grupo Pró-Melhoria do Paranoá.
Organizado e mobilizado, esse grupo pressionou o Estado, alcançando várias melhorias
e, principalmente, o decreto de fixação definitiva do Paranoá. Nesse movimento de
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construção da história, a alfabetização de jovens e adultos se colocou como necessária
ao fortalecimento da luta coletiva. É quando esses grupos recorreram à Universidade de
Brasília e buscaram nessa instituição o apoio necessário aos seus objetivos: ler, escrever
e calcular e, simultaneamente, buscar soluções para os problemas do Paranoá e,
posteriormente, do Centro de Cultura e Desenvolvimento do Paranoá - CEDEP (idem,
2011).
O GENPEX é constituído em 2000, como desdobramento do Projeto Paranoá de
Alfabetização, com registro no Conselho Nacional de Desenvolvimento Tecnológico e
Científico – CNPq. Em 2005, com o início do processo de ocupação da região
administrativa do Itapoã, moradores daquela comunidade que, em sua maioria, não
sabiam ler e escrever procuraram o CEDEP em busca de auxílio para a alfabetização de
seus moradores. Desde então, a denominação do Projeto passou a ser Projeto de
Alfabetização e Formação de Alfabetizadores Jovens e Adultos do Paranoá-Itapoã.
O GENPEX orienta-se pela perspectiva histórico-cultural marxista e pela
metodologia da pesquisa-ação, ancorada em Barbier (2004) e Thiollent (1985). De
acordo com o Thiollent
A pesquisa-ação é um tipo de pesquisa social com base empírica que é
concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com
uma resolução de um problema coletivo, e no qual os pesquisadores e
os participantes representativos da situação ou problema estão
envolvidos de modo cooperativo ou participativo (1985, p. 14)
Barbier (2002), por sua vez, traz uma proposta de pesquisa-ação existencial,
pautada na ação de um pesquisador coletivo de escuta sensível, com uma dimensão
pessoal e comunitária, aberto a complexidade, numa perspectiva processual que visa à
mudança. Considerando essa metodologia, o GENPEX atua também em mais duas
frentes: a Unidade de Semiliberdade de Taguatinga (acompanhamento de adolescentes e
jovens em cumprimento de medidas socioeducativas) e em Ceilândia (integração da
Arte, Tecnologia, Educação de Jovens e Adultos e Educação Profissional nas Escolas
Públicas de Ceilândia, DF. Todas essas atividades estão vinculadas organicamente ao
Currículo Vigente no Curso de Pedagogia e contribuem para a formação de um
pedagogo diferenciada, pois desde o início de sua formação os estudantes são
desafiados a contribuir para a melhoria das condições de vida de educandos jovens,
adultos e idosos numa perspectiva de Educação Popular.
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Significações das vivências experienciadas no contexto da Educação de Jovens e
Adultos
Como já foi mencionado, os Projetos 3, 4 e 5 são componentes curriculares do
Curso de Pedagogia com formato diferenciado das disciplinas, pois visam articular
teoria e prática desde o início da formação docente. Para agregar uma proposta
formativa que contemple as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Pedagogia é
ofertado um leque variado de Projetos com temáticas que abarcam desde a educação
escolar à educação em contextos não escolares.
A Educação de Jovens e Adultos é contemplada nas três frentes de trabalho
atualmente desenvolvidas no GENPEX. Na frente do Projeto Paranoá, existente desde
1986, são desenvolvidas atividades que contemplam a alfabetização e a formação de
Educadores de Jovens e Adultos. A partir de 2011, com a implementação do Programa
Brasil Alfabetizado no Distrito Federal o CEDEP ampliou suas turmas de alfabetização
e aderiu ao Processo de formação de Educadores organizado pela Secretaria de
Educação que preconizava o uso do chamado Método Paulo Freire na alfabetização de
adultos. Em 2015, com a mudança de governo no Distrito Federal, o programa é
interrompido temporariamente. Em função da interrupção iniciou-se um trabalho de
inclusão digital na educação de jovens e adultos, desenvolvido pelo CEDEP e UNB, por
meio da articulação de estudantes do curso de Pedagogia e da Informática.
A prática formativa estimulada pelo Genpex inclui o acompanhamento pelo
estudante de Pedagogia em classes de alfabetização e a participação no planejamento
das aulas, que em geral acontece às sextas-feiras, no movimento popular. A orientação
dos estudantes pela equipe de professores da UNB ocorre às quintas-feiras, onde além
de se realizar a avaliação do andamento dos trabalhos, são tomadas os
encaminhamentos para o trabalho pedagógico realizado na semana posterior. É
estimulada a reflexão e ação na e sobre a prática, bem como o registro das vivências em
um diário de bordo, que é um dos instrumentos de avaliação da disciplina.
Ao analisar esse material produzido pelos estudantes percebem-se diferentes
formas de aproximação com o exercício docente na educação de jovens e adultos.
Uma das estudantes consegue captar na estrutura da proposta o vínculo forte
com a educação popular. Para ela,
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A proposta desde o início do projeto 4 fases 1e 2 foi a construção de
um trabalho pedagógico com os educandos dentro de uma perspectiva
de Educação Popular, baseada nos pressupostos metodológicos
específicos, onde as ações estão alicerçadas pelas práxis Freiriana.
Metodologias, conteúdos e intervenções pedagógicas foram centradas
e articuladas com os educandos, sua voz, experiências, anseios,
particularidades, relatos cotidianos e silenciamentos serviram de base
para construção de uma proposta pedagógica de aprendizagem
replicada na prática diária, que resultaram na produção de um saber
autônomo e crítico. O que se pretende evidenciar a partir dessa
aproximação é o eixo estruturante das diferentes experiências dentro
da educação popular, com uma proposta de educação que considere o
estudante da Educação de jovens e adultos, um estudante com um
percurso anterior a ser analisado e não rotulado.
A fala da estudante traz à tona a intencionalidade da proposta do Genpex:
trabalhar com pessoas excluídas, reconhecendo-as como sujeitos de poder, amor e saber
(REIS, 2011). Partir de uma concepção humanizadora de Pedagogia, tal como preconiza
Freire, no qual ao invés de me ―sobrepor aos oprimidos e continuar mantendo-os como
quase ―coisas‖, com eles estabeleço uma relação dialógica permanente. (2014, p. 77).
Ela também percebe o vínculo do trabalho com a educação popular. Não obstante, a
educação popular ter vivido o seu apogeu na década de 60, sua influência ainda hoje se
faz presente no Brasil e no mundo, no ideário e na prática de diversas organizações
populares. Para Brandão (2008), a educação popular não é uma escola pedagógica, nem
uma proposta datada e situada em um tempo específico. Ela é uma vocação da
educação, um instrumento político e cultural de força pedagógica a serviço das classes
populares. Segundo esse autor, essa proposta educativa pode ser viabilizada a partir de
duas posturas distintas e não antagônicas: por um lado, com ênfase no seu viés político
para preparar as classes populares para algum tipo de transformação social, subordinada
a uma tomada de poder e à instauração de uma alternativa socialista à sociedade
capitalista e opressora; e de outro, com ênfase no seu viés cultural, como forma de
elevar, de uma maneira justa e não supletiva, a qualidade de vida dos excluídos, a
começar pela oferta de um tipo de educação que instaure a plenitude da pessoa cidadã.
Brandão também argumenta que, ao mesmo tempo em que é necessária a
ampliação de experiências autônomas de uma educação realizada a partir da iniciativa
dos movimentos populares, é também fundamental a redefinição da escola pública de
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modo a que ela venha a se transformar em uma educação oferecida pelo Estado, mas
que incorpora os anseios, interesses e necessidades das classes populares.
Esta mesma aluna afirma que ao ser matriculada em Projeto 4 ―o formato das
aulas, o contato, convivência, generosidade, amorosidade, cuidado, interação,
integração e compartilhamento em um primeiro momento causou estranhamento e
uma certa desconfiança de como seriam sistematizadas as atividades de Projeto 4‖. Essa
compreensão aos poucos foi reconstruída e após dois semestres consecutivos no Projeto
ela afirmou que o que ―que era uma disciplina, se tornou um aprendizado de vida‖. Ela
também argumenta que as atividades realizadas durante todo o primeiro semestre
agregaram sentido e significação aos 3 anos do curso de pedagogia. Segundo ela:
a base teórica fundamentada em diversos teóricos e teorias vistos no
decorrer do curso, foi se materializando nas idas e vindas do Paranoá,
nos encontros, trocas de conhecimentos, planejamentos coletivos,
escuta dos colegas, agregando a minha formação de pedagoga,
valores, aprendizados, conhecimentos que deram uma relevância e
qualidade que não esperava incorporar em mais um semestre de curso.
Em direção semelhante outro estudante relata que reencontrou ―sentido na
educação através de um dos seus segmentos mais frágeis e ricos: a educação de jovens
e adultos‖. Ele nos conta que, no grupo Genpex, aprendeu ―a dar voz a quem é
silenciado, a dar carinho a quem não conhece o sentido da palavra, a acolher e
conquistar através do coração as pessoas que desejam mudar suas vidas‖.
Um dos diferenciais do processo de alfabetização desenvolvido com o CEDEP é
o acolhimento, a ―amorosidade‖ com que as alfabetizandos (a) são tratados (REIS,
2011, FREIRE, 1996). Parte-se do pressuposto que quando se atua com pessoas as
quais foi negado algo tão essencial como o acesso à escola e a própria língua escrita,
trabalha-se com pessoas excluídas de várias formas e que não têm como habitual tal
acolhimento. Ser acolhido no processo de alfabetização garante o bem estar do
educando e conseqüentemente a permanência do mesmo no ambiente educativo.
Em direção semelhante, outra estudante de Pedagogia relata que se surpreendeu
ao presenciar o dessilenciamento dos educandos. ―È bonito demais ver aquelas pessoas
sabendo que têm voz‖. Ela nos conta que ―ficava admirada com questões de política,
direitos, história e muito mais. Aquelas pessoas possuem um conhecimento muito rico e
somente agora que elas estão se dando conta disso‖. Esta estudante reflete sobre os
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saberes que estes sujeitos constroem ao longo da sua vida, o que traz à baila a
necessidade dos alfabetizandos terem voz, vez e decisão. Para isso, é preciso que
percebam que não são sujeitos que nada sabem, condição na qual eles mesmos se
descrevem quando buscam ou são levados à alfabetização, mas que se vejam como
protagonistas de suas próprias histórias (REIS, 2011).
Uma vez que foram silenciados, ―a língua, a palavra são quase tudo na vida
humana‖ (BAKHTIN: 2003, p. 324) encontrar pessoas (alfabetizadoras) que estão
dispostas a ouvi-los com amorosidade e atenção facilita muito a apreensão da
alfabetização num sentido amplo, uma alfabetização transformadora e libertadora.
Além de perceber a importância do acolhimento e dessilenciamento, os estudantes de
Pedagogia tornam-se sensíveis às condições desumanas presentes na negação do direito
à educação.
Percebe-se que participar do trabalho de alfabetização de adultos numa
perspectiva de pesquisa-ação os torna mais sensíveis aos processos produtores de
desigualdades na sociedade brasileira, como revela a fala do estudante a seguir: ―Ser
velho, pobre e analfabeto no Brasil é algo terrível‖. Ao mesmo tempo, reconhecem que
a alfabetização e a escolarização de jovens e adultos é algo transformador para os
sujeitos, pois ao se apropriarem da leitura e da escrita o alfabetizando passa por um
processo de mudança pessoal que afeta vários aspectos de sua vida: ― Tudo muda... suas
posturas, de cabisbaixas e silenciosas, até mesmo envergonhadas, para pessoas mais
felizes e sorridentes‖ (estudante).
Uma estudante de Pedagogia e moradora da cidade do Paranoá teve a
oportunidade de ressignificar sua compreensão acerca dessa cidade, já que segundo ela,
morava nesta cidade, mas não pertencia ao local:
Moro no Paranoá há quase dez anos e nunca me havia passado pela
cabeça conhecer a história de sua fundação, não tinha idéia de que a
cidade do Paranoá era fruto da luta de um grupo de trabalhadores que
trabalharam na construção da barragem que deu origem ao Lago
Paranoá. Não conhecia sua gente, sua cultura, sua história, suas lutas,
não pertencia.
É importante reiterar que em 2015, devido à paralisação das atividades do Brasil
Alfabetizado, o CEDEP iniciou trabalho de acompanhamento na Escola Classe 03 do Paranoá,
utilizando a informática e a escuta dos estudantes como estratégia de intervenção
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pedagógica. Com base na partilha e em um trabalho interativo, buscou-se construir o
planejamento de metodologias que pudessem dialogar com a realidade percebida e
vivida por cada educando.
As experiências sem hierarquias, foram relatadas, complementadas e
mesmo as não ditas em determinado momento da aula foram
conteúdos preciosos para alimentarem as reuniões de planejamento
coletivo, espaço de reflexão na gestão de iniciativas e conflitos,onde a
interlocução com outros atores do processo, agregavam novas
percepções às ações a serem produzidas na organização da prática
docente (estudante de Pedagogia).
No início, foram encontradas algumas dificuldades no desenvolvimento das
atividades, pois alguns professores não queriam aceitar o trabalho por acreditarem que o
conteúdo seria prejudicado; a direção da escola também colocava empecilhos para
aceitar o projeto. Não obstante, os estudantes tentaram manter uma perspectiva
dialógica e propositiva. Ao avaliar esse processo, uma estudante assim se manifesta:
Nós da Pedagogia, ficamos responsáveis por essa turma do primeiro
horário de segunda-feira, e foi o dia que eu escolhi para estar
participando do projeto. Pude acompanhar a turma e ver o crescimento
de muitos, mas também a frustração de alguns por não conseguirem
achar as letras no teclado, ou clicar com o mouse, e vi e aprendi como
é importante nessas horas a figura do professor que motiva e acredita
no potencial do aluno. Muitos queriam desistir, mas quando nós
insistíamos e eles tentavam mais uma vez e conseguiam realizar o
exercício, o que para nós poderia ser pouca coisa, para eles era uma
grande vitória. Foi assim todos os dias, cada um a seu tempo
avançando.
Percebe-se que a prática pedagógica desenvolvida na Escola Classe 3 do Paranoá
foi marcada pela escuta sensível das histórias de vida dos educandos, pelo diálogo e
negociação com os gestores e professores acerca da importância do projeto para a
aprendizagem e desenvolvimento dos educandos jovens e adultos. Esse processo foi
salutar para o reconhecimento e ressignificação de suas concepções e preconceitos em
torno da EJA, processo que ultrapassa o âmbito das salas de aulas da universidade, e
que instaurou no educando/futuro professor convicções acerca das suas opções
profissionais.
o semestre mudou muito em mim e naqueles que estão ao meu redor
porque foi perceptível a minha alegria por estar no projeto e por ele
ser na EJA, e também a minha posição com relação a outros
assuntos.[...] consegui quebrar muitos preconceitos que tinha com
relação ao Paranoá e o seu povo, e isso só aconteceu por meio das
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nossas conversas, dos relatos das vertentes e pela experiência/prática
que tive na Escola 03 do Paranoá.
Considerações finais:
Nesse artigo, analisamos a experiência do curso de Pedagogia da Faculdade de
Educação no tocante à formação de educadores de EJA, com base no trabalho
desenvolvido nos projetos 3, 4 e 5. Nossa pretensão não foi a de esgotar as informações
acerca desse tema, mas constituir uma reflexão inicial acerca das possibilidades
formadoras dos diversos espaços disponíveis no âmbito da FE/UNB. Percebe-se no
desenvolvimento do trabalho do GENPEX a intencionalidade de construir uma
formação inicial em EJA com base nos pressupostos da educação popular. Para tanto, a
pesquisa-ação existencial possibilita ao futuro professor a vivência e o desenvolvimento
de uma prática pedagógica pautada na escuta sensível, no diálogo, na amorosidade e no
respeito mútuo. A análise das falas revela indícios de que o contato com os sujeitos
jovens e adultos e a reflexão na e sobre essa experiência forja no estudante de
Pedagogia uma sensibilidade/compromisso em relação a essa realidade.
Bibliografia citada
BAKHTIN, Mikhail. Estética Da Criação Verbal. 4ª Ed. São Paulo: Martins Fontes,
2003.
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15
A CONSTITUIÇÃO DO ALFABETIZADOR(A) E ALFABETIZANDO(A) COMO
SUJEITOS DE APRENDIZAGEM: UMA PERSPECTIVA DA APRENDIZAGEM
SITUADA
Betânia Oliveira Barroso- UFMA
Resumo:
O presente artigo é resultado da pesquisa de doutorado ―A Constituição do Sujeito de
Aprendizagem: uma perspectiva da Aprendizagem Situada na Alfabetização de Jovens e
Adultos no Centro de Cultura e Desenvolvimento do Paranoá – CEDEP – DF. Tem
como objetivo contribuir para a compreensão da constituição do sujeito de
aprendizagem, tendo em vista o alfabetizador(a) e alfabetizando(a), importando-nos
com aspectos dialógicos das relações estabelecidas no contexto histórico-cultural, e
situado, do aprendiz. Para tanto, a pesquisa se fundamenta na perspectiva Histórico-
Cultural com Vygotsky, seus representantes da segunda geração, com Leontiev e da
terceira geração, com Lave, Wenger e Engeström, com os quais foi possível desenvolver
o conceito de Zona de desenvolvimento proximal implicado ao conceito de
aprendizagem expansiva na relação dialógica entre a alfabetizador(a) e os
alfabetizandos. Para o desenvolvimento metodológico a pesquisa centrou-se no
paradigma qualitativo de investigação, com referência em Minayo, Reis e Rios e a
metodologia da situação problema – desafio, que se caracteriza pela discussão e escolha
de um problema entre os participantes do grupo e a construção de estratégias para
superação. Os dados foram construídos e analisados em quatro categorias temáticas.
Segundo as análises foi possível obter como resultado a consideração de que uma zona
de desenvolvimento proximal, para o alfabetizando ou a alfabetizanda jovem ou
adulto(a) no processo de ensino com a alfabetizadora, é o espaço compreendido entre as
atividades cotidianas, ou seja, os hábitos, as compreensões, as convivências, as
experiências de trabalho, o ato de ler, dentre outras, de cada sujeito, e a forma de
organização, histórica e culturalmente nova dos grupos sociais e da sociedade. Essa
nova forma, ou zona de desenvolvimento potencial, ou ciclo expansivo da
aprendizagem pode ser construída na relação com o outro, ou seja entre a
alfabetizador(a) e alfabetizando(a), mas também coletivamente como uma solução para
as situações-problemas-desafios do cotidiano.
Palavras-chaves: Aprendizagem; alfabetizador(a); alfabetizando(a).
Introdução:
O presente artigo concretizou-se a partir da pesquisa de doutorado ―A
constituição do sujeito de aprendizagem: uma perspectiva da aprendizagem situada na
alfabetização de jovens e adultos do Centro de Cultura e Desenvolvimento do Paranoá –
CEDEP – DF. Nesse sentido, a pesquisa visou contribuir para a compreensão da
constituição do sujeito de aprendizagem, tendo em vista o professor(a) alfabetizador(a)
e alfabetizando(a), dando importância aos aspectos dialógicos das relações estabelecidas
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no contexto histórico-cultural, e, situado do aprendiz no Centro de Cultura e
Desenvolvimento do Paranoá – CEDEP.
Para o desenvolvimento da pesquisa, busquei fundamentação teórica na
perspectiva histórico – cultural de Vygotsky (1995, 1996, 2007), Leontiev (1978,
1980a, 2006), também em Bakhtin (1992, 2002) e colaboradores contemporâneos que
desenvolveram a teoria da aprendizagem situada e aprendizagem periférica de J. Lave e
E. Wenger (1991), Wenger (1998, 2001, 2002), bem como, a da aprendizagem
expansiva de Engeström (1987, 1999, 2001/2005).
Para a construção e desenvolvimento metodológico busco a abordagem da
Pesquisa Qualitativa, com base em Minayo (2007), Denzin e Lincoln (2010) e nos
princípios metodológicos de pesquisadores da educação, como Demo (1998, 2012),
Reis & Rios (2010) e Reis (2000, 2011) com a metodologia da situação-problema-
desafio, a partir dos problemas do grupo apresentados nos fóruns de discussão, a fim de
nortear e alcançar o objetivo proposto na pesquisa.
Nessa perspectiva, aproximo-me da ideia de que a constituição do professor(a)
e do alfabetizando(a) como sujeitos de aprendizagem, é um processo
pessoal/social/coletivo e expansivo no contexto ou na comunidade em que desenvolvem
suas relações sociais. Em outras palavras, é possível expressar que o sujeito de
aprendizagem constitui-se no processo dialógico das práticas sociais nos espaços que
atua, sendo que em um desses espaços situa-se a escola, a qual exerce função instrutiva
e socialmente educativa.
2. Fundamentação teórica:
2.1 A constituição do sujeito histórico-cultural
A constituição do sujeito histórico-cultural foi compreendida a partir da
perspectiva de Vygotsky (1996), tendo em vista os conceitos de filogênese e ontogênese
com base na relação dialógica do ser humano.Essa relação é possível a partir da
compreensão da função dos signos e ferramentas, que para o autor têm a mesma função
– mediação,
Vygotsky (1995) teve como propósito na psicologia realizar uma investigação
empírica sobre o papel dos instrumentos e signos na atividade mediadora do
comportamento, tendo como base de análise três teses. A primeira é a que compreende a
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semelhança entre o signo e a ferramenta, que têm a mesma função - mediação. A
segunda é o esclarecimento dos pontos fundamentais de divergência entre a ferramenta
e o signo, em que estes têm distinta orientação, pois por meio da ferramenta o homem
influi sobre o objeto de sua atividade, ou seja, quando a atividade é dirigida para fora do
sujeito, provocando mudanças externas, na natureza, ou no objeto.
O signo não modifica nada no objeto da operação psicológica, mas é o meio
onde pode influenciar psicologicamente sua conduta e a do outro. É, pois, o meio pelo
qual sua atividade interior (subjetiva) pode ser dirigida a dominar o próprio ser humano.
O signo, portanto, tem sua atividade direcionada internamente. A terceira tese tem por
finalidade realizar o nexo real entre as duas atividades, a externa com a interna e
consequentemente o nexo real de seu desenvolvimento nafilo e na ontogênese
(VYGOTSKY, 1995, 2007).
De semelhante modo à Vygotsky (1995, 2007), Bakhtin (2002) considera o
papel do signo como responsável pela atividade mental, compreendendo que o material
semiótico pode ser encontrado em qualquer gesto ou processo do organismo, como por
exemplo, as formas de articulação, mímica, movimento corporal, reação a estímulos
externos. Estes podem se tornar material para expressão da atividade psíquica, como
também, ―a palavra (o discurso interior) que se revela como material semiótico
privilegiado do psiquismo‖ (Idem, p. 52).
Ainda na perspectiva anteriormente exposta por Bakhtin, também para
Vygotsky (2003, p.70) ―o signo age como um instrumento da atividade psicológica de
maneira análoga ao papel de um instrumento no trabalho‖, exercendo a função de
mediação, mas também compreendendo que ―os usos de instrumentos e signos estão
mutuamente ligados, ainda que separados, no desenvolvimento cultural da criança‖
(VYGOTSKY, 2007, p. 71). Partindo dessa compreensão, Pino (2005) interpreta que a
relação entre instrumentos e signos ocorre por meio de uma dinâmica de ruptura e
continuidade, explicando:
Ruptura pela ação transformadora que o signo (sistemas simbólicos)
exerce sobre as funções naturais que passam a operar sobre as leis da
história. Continuidade porque as funções superiores (culturais)
pressupõem, necessariamente, uma base natural, biológica, que as
torne possíveis e concretas (PINO, 2005, p. 89). Pois, ―a cultura – diz
Vygotsky – não cria nada, apenas modifica os dados naturais para
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adaptá-los aos objetivos do homem‖ (VYGOTSKY, 1994, p. 59, apud
PINO, 2005, p. 89).
Desse modo, o processo de desenvolvimento histórico e cultural das funções
psicológicas superiores explica sua origem social, tendo em vista os objetivos de
mudança, adaptação e transformação da própria natureza para a produção e
cumprimentos dos seus propósitos de vida. Assim, com o domínio da natureza pelo ser
humano fez nascer um homem, do qual se perguntava Vygotsky: o que seria este
homem? Ao que, responde Reis (2011, p. 98): ―Para Hegel, ele é um sujeito lógico.
Para Pávlov, é uma soma, é um organismo. Para Vygotsky, o homem é uma
pessoa social, um agregado de relações sociais, corporificadas no indivíduo (funções
psicológicas construídas segundo a estrutura social)‖. Para Reis o homem é o
acontecimento humano como um todo (drama), do qual o sujeito é e faz parte como
singularidade (Idem).
Portanto, para os autores citados, o homem é um sujeito que pode ser lógico,
pode ser um organismo, bem como uma pessoa social, mas, como bem disse Reis, o
homem é um acontecimento humano imerso num drama, isto é, no fato concreto da
vida. E por este ser um sujeito que se constitui no acontecimento do drama da vida,
compreendemos que também é um sujeito que se constitui com as relações humanas, de
modo ativo e aprendendo com a dinâmica dialógica de seu contexto.
2.2. A constituição da aprendizagem: A teoria social da aprendizagem e
aprendizagem situada:
Na perspectiva da teoria da aprendizagem situada, a aprendizagem é vista
como prática social, a qual consiste em que o sujeito participe de uma maneira ativa nas
práticas das comunidades, sustentando o compromisso mútuo na ação; compartilhando
de seus recursos históricos e sociais, que implicará na construção de identidades em
relação a essas comunidades (WENGER, 1998), ou seja, implica na constituição de uma
comunidade de prática, a qual―consistem na membresia e dependem dela, incluindo as
biografias /trajetórias, relações e práticas que as caracterizam‖ (LAVE & WENGER,
1991, p. 14).
Desse modo, uma comunidade pode ter como prática, por exemplo, o
engajamento coletivo e popular de alfabetizadores, da própria comunidade para
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alfabetizar e escolarizar crianças, jovens e adultos, bem como para desenvolver
estratégias de enfrentamentos para resolução de problemas pertinentes aos membros da
escola, ou seja, que fazem parte dessa comunidade de práticas.
A partir dessa ideia surge o conceito de aprendizagem como atividade situada,
que é o ―entendimento compreensivo que compromete a pessoa na totalidade, em lugar
da ‗recepção‘ de um corpo de conhecimento fatual sobre o mundo, e na proposta de que
a pessoa, a atividade, e o mundo se constituem mutuamente uns aos outros‖ (LAVE &
WENGER, 1991, p. 4).
Para os autores a atividade situada e aprendizagem situada não podem ser
confundidas com a noção de localismo, obrigatoriedade e limitações de um tempo com
tarefas determinadas. Pois, reafirmam que a aprendizagem situada, ―(...) é parte integral
da prática social geradora no mundo em que se vive‖ (Idem).
Desse modo, por meio dessa construção teórica os autores ampliaram e
superaram as abordagens tradicionais de aprendizagem, bem como a conotação de
relação professor-aluno, de mestre e aprendiz, pois com a compreensão de que a relação
de participação é mutável e transformadora das identidades nas comunidades de
práticas, deram outro significado e direcionamento ao conceito de aprendizagem,
legitimando-a como uma prática social em comunidade.
Para Leontiev (1989; 2006) a aprendizagem é uma atividade que prenuncia a
noção de um processo sociocultural do trabalho do homem. O autor também considera
que, a apropriação da aprendizagem é o processo de aquisição, por parte do homem, da
experiência da espécie, mas não só da experiência filogenética de seus antepassados
animais, e sim a experiência humana, ou seja, a experiência histórico-cultural das
gerações precedentes, dos produtos da atividade social objetivados na cultura. A
aprendizagem é, pois, o processo de apropriação da experiência humana, culturalmente
acumulada e desenvolvida pela atividade coletivado ser humano, a qual Engeström
(1990) compreende como sistema de atividade.
O Sistema de atividade, é definido como um grupo de pessoas que
compartilham um objetivo e motivo em comum ao longo do tempo, bem como a ampla
gama de ferramentas que usam em conjunto para agir sobre o objeto em que se
desenvolve uma atividade de estudo ou de trabalho (ENGESTRÖM, 1990).
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Partindo desse pressuposto o autor citado a cima, também, desenvolve o
conceito de Aprendizagem expansiva, queocorre com o processo de confrontação
consciente das contradições ou das ambivalências que, ao serem postas como dilemas
socialmente essenciais, geram ações que fazem emergir formas historicamente novas de
atividade (ENGESTRÖM, 1987).
Essa perspectiva teórica considera o conceito de Zona de Desenvolvimento
proximal como ―coletivista‖ ou ―societário‖, na medida em que ―Engeström define a
zona de desenvolvimento proximal como a ―distância entre as atividades diárias dos
indivíduos e a forma, historicamente nova, da atividade da sociedade que pode ser
gerada coletivamente como uma solução para o duplo vínculo potencialmente
materializado nas atividades cotidianas‖ (ENGESTRÖM, 1987, p. 174, apud LAVE &
WENGER, 1991, p.11).
A atividade de aprendizagem do sujeito é, portanto, uma atividade que se
processa pelo caráter relacional da experiência no cotidiano e do conhecimento, e pelo
caráter negociado do significado comprometido com a natureza social da atividade de
aprendizagem do sujeito envolvido. É, pois, o entendimento compreensivo que
compromete a pessoa em sua totalidade, em lugar da recepção de um corpo de
conhecimento fatual sobre o mundo, ou seja, é a proposta de que o sujeito, a atividade e
o mundo se constituam mutuamente uns aos outros.
3.Metodologia e procedimento metodológico
Como processo metodológico a pesquisa foi fundamentada na perspectiva da
pesquisa qualitativa, com autores como Denzin e Lincoln (2010), Demo (1998, 2012),
Reis (2000, 2011) e Rios (2007, 2010). Estes, desenvolvem estudos e pesquisas em
educação, dando relevância aos processos qualitativos de investigação.
Demo, ao refletir sobre pesquisa qualitativa, considera a questão da qualidade
humana uma dimensão histórico-dialética, compreendendo que ―a dialética humana é da
unidade de contrários, encontrando aí sua dinâmica histórica própria. Faz parte desta
lógica polarizada, entre outras coisas‖ (DEMO, 1998, p. 08). Desse modo, para o autor,
―pesquisa qualitativa significa, na esteira de nossa argumentação, o esforço jeitoso de
formalização perante uma realidade também jeitosa. Trata-se de uma consciência
crítica da propensão formalizante da ciência, sabendo indigitar suas virtudes e vazios‖
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(Idem, p. 13). Ou seja, é importante mostrar como se processa o desenvolvimento
qualitativo da pesquisa qualitativa.
Desse modo, a pesquisa foi desenvolvida no Centro de Cultura e
Desenvolvimento do Paranoá (CEDEP), com uma turma mista(aquela que tem alunos
iniciantes, intermediários e concluintes) da Alfabetização de Jovens e Adultos, tendo
como sujeitos participantes 2 alfabetizandos, 2 alfabetizandas, 1 professora e a Diretora,
segundo a conveniência de cada sujeito participante e a situação problema desafio
escolhida nos fóruns de discussão, conforme Reis (2000, 2011) e Rios (2007, 2011).
Para a coleta de dados utilizei como instrumentos de investigação a entrevista
aberta ou em profundidade, a observação participante e o diário de campo, com base em
Minayo (2007). Esses instrumentos funcionaram como instrumentos que possibilitaram
a construção das informações pretendidas, bem como a viabilidade para interpretações
pertinentes à construção do diálogo entre sujeitos e objetos da pesquisa.
O procedimento metodológicoadotado para análise dos dados, ocorreu com a
exemplificação dos dados empíricos, que foram explorados por meio da triangulação
metodológica, que envolve a combinação de diversos métodos, geralmente a observação
e a entrevista, de modo a compreender melhor os diferentes aspectos de uma realidade e
a evitar os enviesamentos de uma metodologia única (DEZIN; LINCOLN, 2000).
Nesse sentido, por meio do procedimento da triangulação das informações,
pude verificar quais as categorias temáticas de maior recorrência, destacando-se nesse
artigo as seguintes: 1. Aprendizagem mediada; 2. Aprendizagem como situação-
problema-desafio; 3. Aprendizagem como atividade/vontade/enfrentamento; 4.
Aprendizagem coletiva. Essas categorias foram construídas a partir do cruzamento entre
os dados fornecido pelos instrumentos, ou seja, pelas observações, anotações do diário
de campo e pelas falas dos seis sujeitos participantes da pesquisa, o Carlos, o Francisco,
a Dona Édina, a Dona Tereza, a professora Silvana e Lourdes, a Diretora do CEDEP.
4. Discussão e resultados
4.1 A Aprendizagem mediada: “Que eu não enxergava nada, só batia na testa e
voltava, né?”
Foi possível verificar o processo de mediação por meio de signos
culturais/significação. Também a relação dialógica entre alfabetizando(a) e
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alfabetizador(a), como ferramenta do processo de aprendizagem. Como nos diz Dona
Tereza:
Dona Tereza: ―Tive muita dificuldade, mas quem confia..., Um dia eu
tava assim que eu disse meu Deus do céu, o que eu vou fazer? Que eu
não enxergava nada, só batia na testa e voltava, né? Aí eu me senti tão
aperreada aí eu me debrucei em cima da carteira assim, e clamei,
clamei mesmo e não tenho vergonha de falar. Clamei ao Senhor e
disse assim: Senhor, eu preciso conhecer ao menos seu nome escrito.
Aquele momento ali parece que eu tava dentro de uma redoma de
vidro que eu não ouvia nada que tivesse fora. Aí a professora foi e fez
uma pergunta lá, o que significava TCB? Aí eu levantei a cabeça e
disse assim: Transporte Coletivo de Brasília. Aí eu disse, meu Deus
do céu, isso não fui eu. Aí um menino que me conhecia disse, Dona
Teresa, que aconteceu? Aí eu disse, meu filho, não sei, só sei que eu
me apeguei com Deus e saiu a resposta. Aí eu disse, por que eu não
vou fazer essa tentativa e tô aí confiante, confiando no Senhor e nessa
moreninha (professora) que tá aí que é uma pessoa maravilhosa (...)‖.
O diálogo intrapsicológico e o interpsicológico que dona Tereza desenvolve no
momento conflituoso sobre a ―incompreensão‖ da aula, possivelmente fez ativar um
processo de pensamento que desencadeou em um caminho de rodeio que
correspondesse ao significado das siglas TCB (Transporte Coletivo de Brasília), uma
vez que essas siglas estão presentes, enquanto signos linguísticos no cotidiano dos
brasilienses.
Nesse momento pergunto à professora Silvana:
P:em que momento você percebe que eles aprenderam?
Profa. Silvana: ―Geralmente eles começam a sorrir... ‗nossa eu nunca
saberia que isso era desse jeito, que assim que se escreve‘. Tem uns
que já conhecem as letras pelo nome deles... ‗ah, essa aqui é a letra do
meu nome‘. A partir daí eles começam a conhecer as palavras, fazer
semelhanças, a associar‖.
Como aponta Vygotsky (apud VAN DER VEER & VALSINER, 2009), a
gênese dos processos psicológicos superiores do homem não pode ter sua raiz na mente
ou cérebro de uma pessoa individualmente, ―mas deve ser procurada nos sistemas de
signos sociais ‗extra cerebrais‘ que uma cultura proporciona (p. 243-244).
4.3 Aprendizagem como situação-problema-desafio: ―Fiquei encantada com o
trabalho desenvolvido pelas professoras sobre o trânsito, pois os alunos sabiam o que
era o semáforo, mas não conheciam o significado e função das cores”.
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Foi possível constatar que a aprendizagem como situação-problema-desafio
encontra-se na interdependência relacional entre o sujeito, a comunidade que pertence e
suas demandas (pessoais e coletivas) são realidades da constituição do sujeito de
aprendizagem situada, no CEDEP.
Foi possível verificar, também, que a aprendizagem situada na comunidade de
prática do CEDEP, ocorre também por meio da organização e dos encaminhamentos da
atividade de aprendizagem, de acordo com as discussões dos fóruns de Alfabetização de
Jovens e Adultos e com base na situação-problema-desafio, que mobiliza a organização
do trabalho pedagógico. Como nos diz Lourdes:
Lourdes: “Fiquei encantada com o trabalho desenvolvido pelas
professoras sobre o trânsito, pois os alunos sabiam o que era o
semáforo, mas não conheciam o significado e função das cores.
Também, é possível que tenha alunos daltônicos, pois as vezes
confundem as cores. O material didático produzido pelas professoras,
não serve apenas para aprender suas funções, mas também para
trabalhar as formas geométricas‖.
A partir da fala de Lourdes, é possível verificar que, o que define a prática
social de uma comunidade são as articulações e o envolvimento dos sujeitos na
atividade. Desse modo, uma comunidade pode ter como prática, por exemplo, o
engajamento coletivo e popular de educadores/alfabetizadores da própria comunidade
para alfabetizar e escolarizar crianças, jovens e adultos, bem como para desenvolver
estratégias de enfrentamentos para resolução de situações-problemas-desafios
pertinentes aos membros da comunidade de prática, e que tem compromisso com a
constituição dos sujeitos de aprendizagem, como é o caso do Centro de Cultura e
Desenvolvimento do Paranoá.
5.4. Aprendizagem como atividade/vontade/enfrentamento: ―...eu acho que aquela
época um livro tinha um valor de um celular, desses caros. Então quando eu recebi
aquele material eu fiquei assim... É impressionante, eu nunca tive acesso a isso‖.
Foi possível verificar que as condições históricas concretas do sujeito de
aprendizagem exercem influência tanto sobre o conteúdo concreto de um processo
individual do desenvolvimento, como sobre o curso total do processo de
desenvolvimento psíquico como um todo. Ou seja, a aprendizagem como
atividade/vontade/enfrentamento na constituição do sujeito se processa por seu
envolvimento na vida social, de trabalho, familiar, experiências pessoais e em grupos,
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pois o engajamento nessas atividades significa a preparação, a constituição de uma
pessoa em sua totalidade.
Dona Édina: ―...Naquela época não tinha livro. Era um livro por
família e ia passando de filho pra filho, até chegar ao mais novo.
Quando chegava, aí passava pra outra pessoa da família, um primo,
tio... Então assim, os livros não saíam da família. Eu lembro que a
minha avó, ela pra conseguir os livros da minha irmã, ela batia de
porta em porta pedindo. Eu acho que aquela época um livro tinha um
valor de um celular, desses caros. Então quando eu recebi aquele
material eu fiquei assim... É impressionante, eu nunca tive acesso a
isso. Tudo que eu aprendi com meus pais eu passei pros meus filhos e
hoje eu tô tendo oportunidade de estudar.
Os processos de aprendizagem e de desenvolvimento possuem um conteúdo
preciso (apropriado) e sequência temporal, os quais estão em movimento e mudanças,
pois o desenvolvimento é um processo contínuo implicado com a história e a cultura,
com o contexto social e de vida de Dona Édina. Assim, sua constituição como sujeito de
aprendizagem na dimensão da vontade e do enfrentamento se processa por suas escolhas
e por ser protagonista de sua própria história.
5.5 A aprendizagem coletiva: “Porque vimos paisagens e partes do nosso país. A
gente vive aqui e não conhece os rios, a mata, os índios”.
É possível perceber que se processa uma organização das situações em que as
atividades de aprendizagem ocorrem, pois para cada um, foram realizadas de forma
única. As situações de atividade para cada sujeito de aprendizagem são experiências
particulares, singulares de cada sujeito, embora imersa em fatores sociais comuns de um
mesmo sistema de atividade. Nesse sentido, na sala de aula da professora Silvana
ocorre um diálogo sobre a visitação da exposição das fotografias de Sebastião Salgado,
como podemos conferir abaixo:
Profa. Silvana: o que mais chamou atenção na exposição?
Dona Édina: ―Prestei atenção nos animais, no leão e na manada de
elefantes. Entendo que a elefanta é a líder‖.
Dona Tereza: ―O olhar das pessoas e dos bichos parecia que estavam
falando com a gente professora‖.
Dona Édina: ―O mais interessante que eu achei foi que as fotos são
em preto e branco‖.
Interagindo com a conversa seu José Ayrton diz:
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Seu José Ayrton: ―Mas esse passeio foi melhor que o outro não é
mesmo?‖
Dona Tereza: ―Pois é, a gente fica só trancafiado em casa, só perto do
fogão e lá (na exposição) a gente se sente diferente, outra pessoa‖.
Seu José Ayrton: ―Quando eu tô nesse lugar eu não penso mais em
nada‖.
O movimento dialógico sobre os variados países, sobre diferentes povos e as
diversas culturas representadas e apresentadas na obra ―Gênesis‖ de Sebastião Salgado,
interviu significativamente no processo de aprendizagem e desenvolvimento expansivo
dos sujeitos participantes. Podemos verificar isso quando a professora Silvana pergunta:
Profa. Silvana: Qual a maior aprendizagem de vocês com a
exposição?
Dona Edna: ―A maneira, a cultura deles. A simplicidade. Acho que
eles têm tão pouco... já imaginou...hoje a gente vê que as pessoas têm
tanto recurso, mas lá entre eles tem tanto amor, carinho, alegria e a
gente não vê isso aqui hoje. Eles são felizes com tão pouco‖.
Dona Tereza: ―Eles são felizes como vivem, mesmo sendo
diferentes‖.
Posso considerar queuma zona de desenvolvimento proximal, para o
alfabetizando ou a alfabetizanda jovem ou adulto(a), na relação dialógica com a
alfabetizadora, é o espaço compreendido entre as atividades cotidianas. Ou seja, os
hábitos, as compreensões, as convivências, as experiências de trabalho, o ato de ler,
dentre outras, de cada sujeito, e a forma de organização, histórica e culturalmente nova
dos grupos sociais e da sociedade. Essa nova forma, ou zona de desenvolvimento
potencial, ou ciclo expansivo da aprendizagem, pode ser construída coletivamente como
uma solução para as situações-problemas-desafios do cotidiano.
5. Considerações finais
Percebi, que os alfabetizandos(as) mostram-se, verdadeiramente, atentos em
relação ao que o outro falava, ao que a professora alfabetizadora ensina. Compartilham
das ideias dos outros, interferem, complementam, dialogam, conforme suas percepções,
seus interesses, seus objetivos, seus entendimentos e compreensões. Tudo isso, desvela-
se de maneira instigadora e conexa.
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Também é evidente que os alfabetizandos(as) falam, interpretam a partir
daquilo que sabem, com base nas experiências de vida, com base no que compreendem
como leitura de mundo. São sujeitos que hipotetizam, conforme suas curiosidades e
criatividades, percebendo com dignidade o valor de suas sabedorias, mas também o
valor do ―desconhecido‖ e o da descoberta, tendo em vista a dimensão social e coletiva,
o que implica diretamente a professora alfabetizadora no processo de constituição como
sujeitos de aprendizagem.
Considero que a constituição do alfabetizador(a) e alfabetizando(o) como
sujeitos de aprendizagem: uma perspectiva da aprendizagem situada, ocorre na
dimensão de um processo ativo, coletivizado e favorecedor de novas áreas do
desenvolvimento e expansão humanizada dos sujeitos envolvidos e do coletivo.
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28
UMA CONTRIBUIÇÃO Á FORMAÇÃO ACADÊMICA E CONSTITUIÇÃO
PRÁXICA DE PEDAGOGAS (OS), COM ADOLESCENTES QUE CUMPREM
MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS, NO SISTEMA DE SEMILIBERDADE
Nirce Barbosa Castro Ferreira- Faculdade de Educação da UNB
RESUMO
O presente artigo tem como objetivo central compartilhar o conhecimento apreendido
na pesquisa em andamento, cuja base é a dimensão da práxis para a constituição e
formação do profissional pedagogo (a) na/da educação de adultos socioeducativas em
regime de semiliberdade. A pesquisa contempla a ação de ensino-pesquisa-extensão de
professores e graduandos da Faculdade de Educação do Curso de Pedagogia e outras
licenciaturas da Universidade de Brasília. Os mesmos atuam desde o ano de 2008 com
sujeitos pré-adolescentes, adolescentes, jovens e adultos que cumprem medidas no
Sistema Socioeducativo em uma Unidade de Semiliberdade do Distrito Federal. O
trabalho tem apresentado resultados positivos, sobretudo, no aspecto da constituição e
transformação da realidade vista/vivida por todos os envolvidos no processo. Esse
trabalho de pesquisa privilegia a práxis pregada por Karl Marx e outros marxistas. A
metodologia adotada para o desenvolvimento da pesquisa fundamenta-se na concepção
materialista histórico-dialética de Marx (2007) Kosik (1996) e tem base fundante na
Pesquisa-Ação, onde autores como Barbier (2007) e Thiollent (2008) são consultados à
pesquisa. O trabalho baseia-se na abordagem qualitativa de pesquisa, com Ludke e
André (1986). Esses autores, entre outros, trazem suas contribuições, tendo em vista a
busca da pesquisadora para compreender a significação que a práxis pedagógica pode
ter na constituição e formação do (a) pedagogo (a) na/da Educação de adultos regulari e
nas instituições socioeducativas.
Palavras-chave: Socioeducação, Formação de Pedagogos, Educaç.
1 – INTRODUÇÃO
Em geral, a pessoa em formação almeja colher frutos em futuro próximoii. Os
alunos (as) do Curso de Pedagogia e outras licenciaturas, que estudam conosco também
demonstram preocupação ao pensar na abertura de novos campos de trabalho. Sendo
assim, os graduandos (as) demandaram o cumprimento do tripé ensino-pesquisa-
extensão, proposto pela Faculdade de Educação na Universidade de Brasília – UnB.
Essa necessidade levou-os a procurar o Grupo de Ensino, Pesquisa e Extensão em
Educação Popular e Estudos Filosóficos e Históricos-Culturais, GENPEX-FE-UnB para
uma proposta de atuação dentro da socioeducação que fosse contemplada dentro do
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currículo do curso e pudesse atendê-los. A atuação extensionista dentro do curso de
pedagogia, a nosso ver, deve ser orgânica-processual. Devendo ser mantida a
permanência da relação acadêmica concomitantemente à intervenção para a
transformação, prevalecendo a democratização da ciência.
2- O GENPEX
2-1 A origem do grupo GENPEX – Grupo de Pesquisa e Extensão e Estudos
Filosóficos Históricos - Culturais
O GENPEX/ FE-UnB completará, em 2016, 30 anos de fundação, e sempre
trabalhou na perspectiva marxista, alinhado com a teoria histórico/cultural que entende a
práxis educativa como um fator fundamental para a construção do processo educativo
real concreto e significante. Sobre a práxis, Vigotski nos diz:
As mais complexas contradições da metodologia psicológica recaem
sobre o terreno da prática, porque somente aí podem encontrar
solução. Nesse terreno as discussões deixam de ser estéreis e chega-se
a resultados. O método, ou seja, o caminho seguido é visto como um
meio de cognição: mas o método é determinado em todos seus pontos
pelo objetivo a que conduz. Por isso, a prática reestrutura toda a
metodologia. (VIGOTSKI, 2004, p. 346)
O trabalho do GENPEX inicia-se em 1986, com a parceria do Movimento
Popular na Região Administrativa do Paranoá-Distrito Federal e permanece até os dias
de hoje, com outras frentes de trabalho extensionistas dentro da Faculdade de Educação
na Universidade de Brasília. Em 2008, o Grupo GENPEX aceita o desafio proposto
pelos alunos e abre uma frente de trabalho na Socioeducação. O trabalho é feito
coletivamente por graduandas (os) em Pedagogia e outras licenciaturas junto a
adolescentesiii que cumprem medidas socioeducativas em uma Unidade de
Semiliberdade, no DF. Após cumprimento dos trâmites legais dessa nova futura
parceria, inicia-se, então, o processo fundamentado na práxis.
A vivência/convivência do grupoiv na Unidade de Semiliberdade no DF- Casa
v, a
relação social/afetiva observada, entre graduandos (as) de diversas licenciaturas e
adolescentes/gestores da Casa, sugerem o início de um trabalho pautado na
amorosidade, confiança e lealdade entre todos. Chamo de amorosidade o
desenvolvimento dessa capacidade de escutar/ouvir/pensando no falar do outro.
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Levando em conta o outro que fala/ ouve/escuta. Talvez também a motivação, os
desejos, necessidades, interesses e emoções que estão por trás das palavras e dos
pensamentos. Esse contato inicial de construção de vínculo afetivo e de confiança entre
sujeitos humanos torna, a cada um de nós, sujeitos convictos de uma transformação.
Reis afirma: ―[...] Transformações que desnudam/desvelam origens e posições de
classes do sujeito: suas oscilações, ambiguidades, certezas, incertezas, dúvidas no
transcorrer da própria transformação. [...]‖ (REIS, p. 116,2011)
Na reflexão-ação-reflexão coletiva surge a ideia de se tornar real um projeto de
trabalho envolvendo os adolescentes com a tecnologia. A tecnologia pareceu um ―prato
cheiovi‖ nesse momento, que saciaria tanto aos adolescentes, quanto os futuros
pedagogos (as). Nesse momento ainda estávamos buscando entender o que era a
socioeducação e qual seria o seu campo de estudo.
Para compreender melhor a Socioeducação na Semiliberdade, pode-se consultar
seu marco legal onde se destacam as diretrizes do Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA), Lei Nº 8.069/1990 e do Sistema Nacional de Socioeducação (SINASE), Lei Nº
12.94/2012. Esses textos preveem a garantia de direitos aos adolescentes,
independentemente de sua condição social, cultural ou étnico-racial. O SINASE veio
regulamentar o ECA e afirma as seguintes necessidades específicas para entidades e/ou
programas que executam a medida socioeducativa de semiliberdade:
A ênfase do programa de semiliberdade é a participação do
adolescente em atividades externas à Unidade (família e comunidade).
A sua execução deve prever programas e espaços diferenciados para
adolescentes com progressão de medida e adolescentes oriundos de
primeira medida. Para atender até vinte adolescentes na medida
socioeducativa de semiliberdade a equipe mínima deve ser composta
por: um coordenador técnico, um assistente social, um psicólogo, um
pedagogo, um advogado (defesa técnica), dois socioeducadores em
cada jornada, um coordenador administrativo e demais cargos nesta
área, conforme a demanda do atendimento. Deve-se considerar, nos
casos de haver mais de uma residência de atendimento em pequenos
grupos de até quinze adolescentes, poderá ser instituída uma
coordenação administrativa, uma coordenação técnica e um advogado
para duas ou três casas simultaneamente. (SINASE, p. 44, 2006)
Somente a observação do marco legal, a sua institucionalização e
regulamentação não ―ressocializa‖ os adolescentes. Nem tampouco os fazem serem
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reconhecidos pela sociedade como sujeitos de direitos. Apesar de ser um avanço, não é
o marco legal que fará com que sujeitos, na maior parte das vezes mantidos à margem e
estigmatizados como ―marginais‖, se tornem membros da ―sociedade‖.
O grupo atuante na Casa logo percebe que a exclusão e a baixa autoestima são as
marcas presentes em todos os adolescentes, e que realizar projetos de médio e longo
prazo com adolescentes dentro da Semiliberdade será complexo. Além disso, mesmo
sabendo que um dia terão que pagar a medida socioeducativa, os adolescentes ―podem‖
deixar de cumprir essa medida quando desejarem. Eles ―pinam‖vii
como eles dizem. Isso
invalida qualquer planejamento ―a priori”, sendo necessário pensar sempre em projetos
de curta duração. O grupo começou a se envolver com o fator pedagógico dos
adolescentes. Foi possível perceber que o analfabetismo ainda impera na Casa (até hoje,
2016), apesar de todos estarem matriculados na escola pública mais próxima da Casa
naquele ano, 2008. Os graduandos (as) que acompanhavam os encontros semanais com
os adolescentes pressentiam que eles não gostavam da escola, mas o que os graduandos
ainda não sabiam era que a ―escolaviii
‖ também não gostava deles.
A atividade escolar é base fundante no Sistema Socioeducativo e isso pode ser
confirmado no art. 1°, O parágrafo 2° do SINASE, que conceitua: ―[...] II - a integração
social do adolescente e a garantia de seus direitos individuais e sociais.‖ (SINASE,
2012). Como estar na escola é direito garantido ao adolescente que passa pelo sistema
socioeducativo, observamos a necessidade de investigar o porquê da maioria desses
adolescentes não avançarem na aprendizagem, permanecendo em estado de semi
analfabetismo. Essa investigação começou considerando a práxis aplicada no processo.
A pesquisa apresenta uma tese inicial de se tentar compreender a dimensão da
contribuição da práxis como pré-requisito básico para a formação do profissional na
educação de adultos com a devida especificidade para trabalhar junto ao sistema
socioeducativo, bem como para a constituição dos estudos deste campo pedagógico.
Para se chegar a uma análise real sobre o assunto, a pesquisadora pretende identificar as
trajetórias de vida dos adolescentes em formação na educação de adultos, desvendando
os motivos que fazem com que estes sujeitos não aceitem permanecer na escola. Com
isso, pretende contribuir com o ensino-aprendizagem na formação de pedagogas (os), a
partir da experiência e significação desenvolvidas por meio das ações pedagógicas, de
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alfabetização/educação de adolescentes e adultos que cumprem medidas
socioeducativas.
3 - PRINCÍPIOS NORTEADORES E METODOLÓGICOS.
O trabalho dos graduandos (as) na Casa é norteado pela práxis educativa, ou
seja, teoria e prática imbricadas na esperança de se alcançar alguma superação de
desafio que venha a ser transformador. É preciso transformar realidades, conceitos e
consciências já cristalizados, nas várias equipes multidisciplinares que trabalham na
Casa. O tcheco Kosic assevera que:
[...] O homem [...] na práxis se descobriu o fundamento do real centro
de atividade, da real mediação histórica de espírito e matéria, de
cultura e natureza, de homem e cosmos, de teoria e ação, de ente e
existente, de epistemologia e ontologia. [...] A totalidade do mundo
pertence também ao homem com a sua relação de ser finito com o
infinito e com a sua abertura diante do ser, sobre as quais se baseia a
possibilidade da linguagem e da poesia, da pesquisa e do saber‖. (
KOSIK, pp. 206 e 207, 1976).
Além do trabalho com os adolescentes, é intenção dos estudantes pesquisadores
colaborar com a vida cotidiana vivida pelas pessoas que trabalham na Casa, pois é
necessário que se vejam enquanto sujeitos de transformação de si mesmos e dos outros.
―O educador é forjado na práxis‖ (FERREIRA. 2009.p. 24)
3.1 - Escola: um espaço de inclusão ou de exclusão?
Nas primeiras observações (2008) foi possível notar que uma das primeiras
ações dos gestores da Casa ao receber o adolescente era sempre a de efetivar a matrícula
do mesmo na escola pública mais próxima da Casa. Um aspecto importante para se
compreender essa atitude dos gestores é o seguinte: esse ―estar na escola‖ faz parte do
Sistema de Garantia de Direitos, e isso está estabelecido nas disposições finais e
transitórias da Lei do SINASE, onde se estabelece:
[...] entidades de atendimento deverão garantir a inserção de
adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa na rede
pública de educação, em qualquer fase do período letivo,
contemplando as diversas faixas etárias e níveis de instrução (3)
garantir o acesso a todos os níveis de educação formal aos
adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de
internação, podendo, para tanto, haver unidade escolar localizada no
interior do programa; unidade vinculada à escola existente na
comunidade ou inclusão na rede pública externa; [...] SINASE, 2012,
p. 59).
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No decorrer dos anos, percebemos que, mesmo tendo a educação garantida e
regulamentada por lei, isso não significa que todos os adolescentes serão matriculados
na escola, e nem que essa escola cumprirá o papel a ela destinado, ou seja, o de
contribuir na ressocialização dos adolescentes.
A modalidade de educação que atende aos adolescentes da Semiliberdade é
sempre a Educação de Jovens e Adultos (EJA). Não entendíamos bem naquela época
(2008), mas o grupo de graduandos (as) e professores coordenadores do projeto vem
percebendo, a cada semestre, que há algo ―não convencional‖ na relação dos
adolescentes com a escola e vice-versa. Percebeu-se que não há interesse no avanço de
aprendizagem dos adolescentes, nem pela escola e nem pelos gestores da Casa. Os
adolescentes continuam em sua maioria semi, ou completamente analfabetos. Pela fala
de alguns adolescentes, a escola é um lugar ruim. Não os acolhe. É fato que eles
também não têm quase nenhum interesse pela escola. Para o corpo docente da escola e
seus servidores em geral, eles são ―bandidos‖, com raras exceções de acolhimento
dentro do professorado. Em geral, não há avanço que se possa considerar na educação
desses adolescentes. É possível afirmar que, pela experiência vivida por nós, professores
e estudantes da Faculdade de Educação, não há formação pedagógica adequada para os
professores que trabalham com sujeitos privados de liberdade. O corpo docente que hoje
se apresenta no sistema socioeducativo e nas escolas públicas, que recebem sujeitos
privados de liberdade, sofre da falta de uma formação contínua no campo da Pedagogia,
ou quem sabe, de uma disciplina especifica que possa tratar da formação pedagógica
para a Socioeducação. Relatos de alguns professores da rede pública de ensino que
recebem os adolescentes, inflamados pela ira, nos alertam que os mesmos não foram
preparados para o exercício da profissão na área prisional em todos os segmentosix.
A equipe multidisciplinarx também não tem formação continuada constante, a
não ser dentro do próprio sistema prisional, onde nas palavras de uma servidora ―a
formação do sistema só ensina a autodefesa‖ e a práxis exercitada na Casa pelos
graduadas (os) ao longo desses anos, está dizendo que: o caminho é pelo afeto, pelo
vínculo, pela amorosidade, pelo acolhimento. Aparentemente, para nós, parece ser a
escola, até esse momento, o único espaço de liberdade cotidiana desse adolescente
ansioso por estar na rua. Afirmamos isso porque, desde o primeiro dia quando
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chegamos para o nosso trabalho na Casa, até hoje, a pergunta que não cala é essa:
―Vamos sair para passear quando ―tia‖xi
Podemos sentir que a Semiliberdade ―aprisiona‖. Semiliberdade aprisionante?
Parece paradoxal, mas é verdadeiro. A realidade dentro do sistema continua sendo
vigiar e punir, como já disse Foucault (1977). Todas as portas da instituição têm
vigilantes com imensos cadernos de anotações. Foucault assinala: ―Ser olhado,
observado, contado detalhadamente, seguido dia por dia por uma escrita ininterrupta
[...]‖. Os procedimentos disciplinares reviraram essa relação, abaixando o limite da
individualidade descritível e fazem dessa descrição um meio de controle e método de
dominação [...]‖ (FOUCAULT, 1977, p. 170). O poder da vigilância é exercido
continuamente. Como compreender isso? Eles não são semilibertos? Talvez, daqui a
mais alguns anos de trabalho poderemos dar essa resposta. Nesse momento, em uma
análise mais geral, pensamos que a reinserção social deveria ser o objetivo tanto da
instituição quanto da escola. Mas, o que tem importância vital aos nossos olhos, na
Casa e na escola são os mecanismos de controle dos adolescentes.
A esperança de ver a escola como um espaço de inclusão, desde o ano de 2008
até os dias de hoje, ainda não logrou êxito. O medo e o preconceito têm facilitado para
que a escola se torne, nesse caso, mais um espaço excludente na vida dos adolescentes.
Para explicar esse fenômeno estamos na busca de um referencial teórico.
4 – EM BUSCA DO REFERÊNCIAL PRÁXICO MÉTODOLOGICO.
Na busca de um caminho metodológico que possa auxiliar a superação e a
transformação da realidade hoje (2016) vivida pelos adolescentes que cumprem medidas
socioeducativas na Casa, foi feito um estudo inicial de duas teorias bem conhecidas e
próximas: a Teoria Histórico-Cultural, de Lev S. Vigostski e o Materialismo Histórico
Dialético, de Karl Marx. Na produção das ciências humanas e sociais o confronto entre
os métodos e teorias de pesquisa às vezes é percebido. Isto poderá ser parte importante
na produção de conhecimento. Porém, nesse trabalho, é possível perceber não o
confronto e sim as contribuições entre os autores escolhidos.
Uma das maiores contribuições da teoria de Marx está na descoberta do papel
histórico mundial da classe operária. ―[...] De todas as classes que hoje em dia
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defrontam a burguesia só o proletariado é uma classe realmente revolucionária [...]‖
(LENINE 1979, p. 13). É por ser essa opção de classe, ou seja, o proletariado, que Marx
se debruça e constrói a sua teoria denominada Materialismo Histórico Dialético, onde a
realidade objetiva das relações sociais tem função basilar, qual seja, a relação do ser
humano com a natureza e com os outros seres humanos. O ser humano não tem a sua
vida determinada pela natureza, é ele quem produz os meios de satisfazer as suas
necessidades. ―[...] O ponto de vista do novo materialismo é a sociedade humana, ou a
humanidade social‖ ( MARX, 2007, p. 103). O Materialismo Histórico Dialético nos
parece teoricamente plausível para a fundamentação desse trabalho.
A atividade práxica dentro da Casa nos faz perceber que a gênese desse
problema de pesquisa, ou seja, a exclusão social e, portanto escolar, de adolescentes e
jovens socioeducandos da Semiliberdade do DF está diretamente ligada a duas questões
: a deficiente formação inicial e continuada de pedagogas (os) e das outras equipes
multidisciplinares que atuam no sistema; e, na mesma dimensão, o modo de produção
capitalista, onde o trabalho de ―caráter artesanal‖, que é uma produção de vida foi,
como afirma Lombardi, ―[...] gradativamente substituído por uma nova organização de
produção, assentado num sistema de máquinas que impôs à produção um ritmo e
regularidade de produção independente do trabalhador [...]‖ (LOMBARDI, 2011,
p.164). É possível afirmar que, em muitos casos, esse fator contribui muito para o
afastamento das famílias dos seus filhos, que acabam ficando sem atenção e orientação
familiar.
É possível pensar que, a necessidade de existência e sobrevivência do
trabalhador pai de família ou do adolescente da Casa em Semiliberdade, ambos no
mesmo contexto histórico, faz com que busquem trabalho. Isso tem feito com que a
grande maioria desses adolescentes com formação deficiente sejam contratados com
baixos salários, tornando-se presas fáceis para o tráfico de drogas - um inimigo sempre
disponível nas comunidades carentes que habitam os subúrbios urbanos no Distrito
Federal. A ausência dos pais pode estar sendo decisiva na condução da educação e
orientação de conduta dos filhos. Pais ausentes são uma realidade constatada na
vivência dos pesquisadores que fazem parte desse trabalho com os adolescentes na
Casa. Em resumo, como nos afirma Marx: ―[...] a simplificação da maquinaria e do
trabalho utiliza-se, para transformar em trabalhador, o homem que ainda está a crescer,
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totalmente imaturo – a criança – da mesma maneira que o trabalhador se tornou uma
criança desprovida de todos os cuidados [...]‖ ( MARX, 1963, p, 208).
Essa afirmação de Marx é histórica e aparece na historicidade dos adolescentes
da Semiliberdade hoje (2016) com muita clareza. Por essas e outras semelhanças entre a
teoria de Marx e a realidade vivida na Casa este trabalho fez a escolha do Materialismo
Histórico Dialético para sua fundamentação teórico práxica.
Concluo a busca de alternativa para fundamentação metodológica desta pesquisa
em andamento com a afirmação de Lenine: ―[ ...] O modo de produção da vida material
condiciona o processo da vida social, política e intelectual, em geral. Não é a
consciência dos homens que determina o ser, mas, pelo contrário, é seu ser social que
determina a sua consciência [...]‖ (LENINE. 1979,p.11).
4.1 Ainda dentro do Referencial Teórico Práxico Metodológico.
Conhecer a historicidade desses adolescentes é fundamental no processo de
conhecimento mútuo. A nossa esperança, no tocante a um futuro digno com a inclusão
dos adolescentes em todos os níveis da sociedade, são as relações sociais construídas a
partir da historicidade de cada sujeito, vivida e compartilhada pelos graduandos (as) e
seus professores-coordenadores nas instituições UnB - FE/ Escola / Casa. Acerca disso,
buscamos em Angel Pino o entendimento dado por ele ao pensamento de Vigotski:
―[...] História é entendida por Vigotski de duas maneiras: em termos
genéricos, significa uma abordagem dialética geral das coisas; em
sentido restrito, significa a história humana‖. Distinção que ele
completa com uma afirmação lapidar: a primeira história é dialética; a
segunda é materialismo histórico [...]‖. (PINO, 2000, p. 48)
A questão da historicidade dos estudantes graduados por vezes se mistura com a
dos adolescentes. Por isso, torna-se prazeroso para os estudantes e seus professores
coordenadores observarem as pequenas transformações no grupo em virtude da atuação
dentro da Casa de Semiliberdade, onde se desenvolve uma relação teórico-prática, em
encontros semanais com os adolescentes e servidores presentes. Cada encontro tem
como tema de discussão um assunto proposto, em geral, pelos adolescentes.
Filmes, composição de músicas, vídeos e vários passeios culturais extra Casa
são realizados, gerando uma reflexão da ação, posteriormente. A inserção dos
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adolescentes no ambiente cultural, tão importante para o sujeito em constituição, vem a
se fundamentar em Vigotski e seus pressupostos sobre a inserção do sujeito na cultura:
[...] Vygotsky tem como um de seus pressupostos básicos a ideia de
que o ser humano constitui-se enquanto tal na relação com o outro
social. A cultura torna-se parte da natureza humana num processo
histórico que, ao longo do desenvolvimento da espécie e do indivíduo,
molda o funcionamento psicológico do homem. [...](VIGOTSKI,
Apud, La Taille, Oliveira e Dantas 1992, p. 24)
Esse projeto faz parte do currículo que compõe o tripé ensino – pesquisa e
extensão dentro da Faculdade de Educação, desde 2008, e tem sido uma alavanca para o
desenvolvimento da pesquisa no campo da educação. Em geral, os Trabalhos de
Conclusão de Curso (TCC) dos estudantes que fazem parte deste projeto abordam temas
recortados e construídos, a partir das experiências vividas da teoria e prática na Casa e
tem se mostrado material fundamental de construção de conhecimento. Esta atuação real
e concreta dentro da Casa, por meio dos relatos escritos dos estudantes, dos relatos
falados dos adolescentes e de todos os envolvidos no processo nos tem feito observar
que, ao longo dos anos, o projeto socioeducativo dentro da Casa da Semiliberdade vem
apresentando resultados transformadores.
Considerações finais:
Levando-se em consideração a proposta feita pelos graduandos (as) das
licenciaturas, em especial os (as) da Pedagogia da FE UnB no sentido de serem
inseridos em atividades extra classe dentro da comunidade, é possível afirmar que esse
trabalho vem obtendo êxito. Durante os anos de 2008 a 2016 é possível perceber que os
graduandos (as) que passaram pelo projeto Casa desenvolveram aptidões e
compreensões imensuráveis para a sua formação. Somos sabedores agora de que a
reinserção dos adolescentes em uma sociedade que historicamente os colocou à margem
é necessária. Porém, não é isso que a lógica de uma sociedade preconceituosa e
excludente deseja. Mas essa é a luta na qual estamos firmados, se de fato desejamos de
alguma maneira caminhar rumo à igualdade de direitos, ao cumprimento das leis e da
oportunidade real para todas as crianças e adolescentes. Concluímos com o texto de
Marx: ―A classe dominante numa determinada sociedade [...] que dispõe também dos
meios da produção intelectual, de tal modo que o pensamento daqueles aos quais são
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negados os meios de produção intelectual está submetido também a classe dominante‖
(MARX E ENGELS, 2007,p, 48)
Este trabalho de pesquisa, ainda em andamento, está longe de finalizar as
discussões acerca do tema proposto. Apenas pretende mostrar que a práxis aqui exposta,
à luz das teorias do Materialismo Histórico Dialético proposto por Karl Marx, e da
teoria Histórico-Cultural, de Lev S. Vigotski, a Socioeducação dentro do Sistema de
Semiliberdade no DF, vai encontrando superações e transformações possíveis que
permitam a transformação da realidade hoje estabelecida.
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i Educação de jovens e adultos oferecida regularmente pela rede pública de ensino no Distrito Federal
ii Trabalhar na sua área de formação.
iii Jovens do sexo masculino de idade entre 14 a 21 anos.
iv Grupo – GENPEX representado pelos graduandas (os) dos Cursos de Pedagogia e outras Licenciaturas
da Universidade de Brasília. v Instituição de Semiliberdade onde o grupo de trabalho denominou chamar de: CASA.
vi Prato cheio: Excelente oportunidade de atração para os adolescentes.
vii Pinam – Evadem.
viii Escola: aqui representada por todos os sujeitos que a compõem. Gestores, professores, vigilantes,
serviços gerais, coordenadores etc.. ix
Alguns seguimentos prisionais: prisão, cárcere, liberdade assistida, semiliberdade, semiaberto. x Equipe multidisciplinar: pedagogos (as), psicólogos (as), assistentes sociais, especialistas
socioeducativo. ATRS-Atendente de Reintegração Socioeducativo, gerentes, supervisores, vigilantes.
serviços gerais etc... xi
Tia – tratamento dado pelos adolescentes à pesquisadora
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
10156ISSN 2177-336X