a comercialização da arte marginal e os seus impactos nas
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Universidade de Lisboa
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa
Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril
Instituto de Geografia e Ordenamento do Território
A Comercialização da Arte Marginal e os seus Impactos nas
Comunidades Locais
Estudo de Caso sobre o Bairro Padre Cruz
Jéssica da Silva Gato
Orientada pela Professora Doutora Silvia Valencich Frota, especialmente
elaborada para a obtenção do grau de mestre em Turismo e Comunicação
2021
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Agradecimentos
Gostaria, em primeiro lugar, de agradecer à minha Orientadora de Mestrado, Professora
Silvia Valencich Frota, por toda a disponibilidade, conselhos e apoio que me proporcionou,
tanto na redação desta dissertação, como em assuntos de cariz pessoal.
Aproveito para agradecer, igualmente, a todos os professores das instituições do curso de
Turismo e Comunicação, por me proporcionarem uma experiência letiva positiva e um
agradável espaço de aprendizagem e discussão de ideias.
Agradecimento especial a todos aqueles que se disponibilizaram a conversar
informalmente sobre os tópicos desta dissertação: Fábio Sousa e Gonçalo Ferreira da Junta de
Freguesia de Carnide; Hugo Cardoso e José Vicente da Galeria de Arte Urbana; Ana Paulos do
Bola P’ra Frente; Rosário Cotrim da Biblioteca Natália Correia; Paulo Quaresma e Marta
Mateus da Boutique da Cultura; e, os artistas Urbanos, Robô e Nomen. Todos contribuíram
para uma maior perceção do objeto de estudo e cujo estudo não teria existido sem eles.
Agradeço à minha família que sempre me apoiou e me incentivou a prosseguir com os
estudos. Em especial, aos meus pais, Elisabete e Luciano, e às minhas irmãs, Ana e Alexandra.
Também aos meus avós, que sem eles seria impossível encontrar-me neste lugar.
Aos meus amigos, que me motivaram e auxiliaram a redigir este estudo, através do apoio
e de troca de ideias.
Aos meus colegas, com os quais troquei palavras de encorajamento e experiências
pessoais.
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À memória de Maria Margarida Silva e Severino Marques da Silva.
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Índice:
Introdução ................................................................................................................................... 9
1- Graffiti, Street Art e Arte Urbana ..................................................................................... 12
1.1- Introdução conceptual às iniciativas artísticas ........................................................... 12
1.1.1- Graffiti ................................................................................................................ 13
1.1.2- Street Art e Arte Urbana: o ilegal e o aceitável .................................................. 17
1.2- Banalização Cultural .................................................................................................. 20
1.2.1- Parâmetros legais .................................................................................................... 21
1.3- Banksy, Vhils e o Papel da Ilegalidade para a Street Art .......................................... 22
2. Arte Urbana e o Turismo: Impactos nas Comunidades Locais ......................................... 26
2.1- Introdução ao Turismo: Noções Conceptuais ............................................................ 26
2.2- Importância da Cultura para o Turismo ..................................................................... 28
2.2.1- Turismo Contemporâneo: Autenticidade e Periferização .................................. 30
2.3- Banalização da Arte Urbana e o Papel do Turismo ................................................... 32
2.3.1- Arte urbana em Lisboa ....................................................................................... 34
2.3.2- Iniciativas e organizações ................................................................................... 35
2.4- Comunidades Locais e Inserção da Arte Urbana ....................................................... 37
3- Bairro Padre Cruz: um passado, um presente e um futuro de renovações imagéticas urbanas
39
3.1- Metodologia e Critérios de Análise ........................................................................... 39
3.2- Bairro Padre Cruz: caracterização histórico-geográfica e renovações urbanísticas .. 40
3.3- Arte Urbana no Bairro ............................................................................................... 42
3.3.1- Documentação da arte urbana ............................................................................ 46
3.4- Impactos das intervenções e mudanças registadas .................................................... 49
4- Reflexões ........................................................................................................................... 55
4.1- Arte Urbana: de Marginal a Mainstream ................................................................... 55
4.2- Arte Urbana e o Turismo ........................................................................................... 59
4.3- Transformação Social ................................................................................................ 61
4.4- Integração do Bairro Padre Cruz ............................................................................... 63
4.5- Reflexões sobre o futuro ............................................................................................ 64
Considerações Finais ................................................................................................................ 66
Referências Bibliográficas: ...................................................................................................... 68
Apêndice ................................................................................................................................... 72
Anexos ...................................................................................................................................... 77
5
Índice de Figuras:
Figura 1. Tag de TAKI 183. ..................................................................................................... 82
Figura 2. Tag de CORNBREAD. ............................................................................................. 82
Figura 3. Panfleto da Junta de Freguesia de Carnide (frente) .................................................. 83
Figura 4. Panfleto da Junta de Freguesia de Carnide (verso) ................................................... 83
Figura 5. Panfleto da Junta de Freguesia de Carnide ............................................................... 84
Figura 6. Arte Urbana no Bairro Padre Cruz em 2020. Festival Muro Lx_2016. .................... 86
Figura 7. Arte Urbana no Bairro Padre Cruz em 2020. Festival Muro Lx_2016 ..................... 86
Figura 8. Arte Urbana no Bairro Padre Cruz em 2020. Concursos de Graffiti ........................ 87
Figura 9. Arte Urbana no Bairro Padre Cruz em 2020. Festival Muro Lx_2016 ..................... 87
Figura 10. Arte Urbana no Bairro Padre Cruz em 2020. Festival Muro Lx_2016 ................... 88
Figura 11. Arte Urbana no Bairro Padre Cruz em 2020. Festival Muro Lx_2016 ................... 88
Figura 12. Arte Urbana no Bairro Padre Cruz em 2020. Boutique da Cultura ....................... 89
Figura 13. Arte Urbana no Bairro Padre Cruz em 2020. Concursos de Graffiti ..................... 89
Figura 14. Arte Urbana no Bairro Padre Cruz em 2020. Concursos de Graffiti ..................... 90
Figura 15. Arte Urbana no Bairro Padre Cruz em 2020. Boutique da Cultura ....................... 90
Índice de Mapas:
Mapa 1. Arte Urbana no Bairro Padre Cruz. ............................................................................ 47
Mapa 2. Mapa da arte urbana no Bairro Padre Cruz ................................................................ 84
Mapa 3. Mapa da arte urbana do projeto BIP-ZIP ................................................................... 85
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Índice de siglas:
APAURB: Associação Portuguesa de Arte Urbana
ATL: [Centro de] Atividades de Tempos Livres
BNC: Biblioteca Natália Correia
BC: Boutique da Cultura
BPC: Bairro Padre Cruz
CML: Câmara Municipal de Lisboa
CPCJ: Comissão de Proteção de Crianças e Jovens
EGEAC: Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural
ET2027: Estratégia de Turismo 2027
GAU: Galeria de Arte Urbana
GEBALIS: Gestão do Arrendamento Social em Bairros Municipais de Lisboa
JFC: Junta de Freguesia de Carnide
UNWTO: United Nations World Travel Organization
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Resumo:
A presente dissertação de mestrado foca-se no estudo do graffiti, da street art e da arte
urbana e da conglomeração destes fenómenos em comunidades marginalizadas. Aliadas às
novas tendências do turismo, como a autenticidade e a periferização, a arte urbana e a indústria
turística são facilitadoras da expansão turística para regiões menos propícias para a atividade,
como os bairros municipais.
Esta análise engloba um estudo de caso ao Bairro Padre Cruz, o qual situado na zona
periférica de Lisboa, e que possui cerca de 100 registos de inscrições artísticas legais. Esta
dissertação procura entender as motivações por detrás das instalações artísticas, bem como as
mudanças ocorridas na região com a propagação da arte urbana e a vinda do turismo, sendo que
bastantes das características deste estudo poderão ser transversais a outros territórios de
características similares ou com a ocorrência de iniciativas artísticas do mesmo género.
Palavras-chave: arte urbana, autenticidade, comunidades locais, turismo cultural,
turismo periférico
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Abstract:
The present thesis aligns with the study of graffiti, street art and urban art and how they
perform in marginalized communities. Connected to the new tourism trends, such as
authenticity and peripheralization, urban art and the tourism industry are facilitators of the
touristic expansion to places less prepared to the tourism activity, in this case, communitarian
neighborhoods.
This analysis comprises a case study of Bairro Padre Cruz, located in the periphery of
Lisbon: a neighborhood that contains about one hundred registries of legal urban inscriptions.
This study aims to understand what are the motivations behind the artistic installations and the
changes are occurred in the region with the placement of urban art and the coming of tourism,
being that many of the characteristics in this study can be transversal to places of similar
characteristics or with the same type of artistic initiatives.
Keywords: authenticity, cultural tourism, local communities, periphery tourism, urban
art
9
Introdução
A arte urbana – e os seus fenómenos contíguos – têm sido registados enquanto
tendências crescentes na renovação do espaço urbano. As contínuas intervenções artísticas que
forçam o contacto do transeunte comum com as manifestações presentes na arte mural,
vastamente motivadas pelas representações artísticas e culturais nos media, produzem
modificações relevantes nos tecidos sociais das regiões em que se inserem. A inserção do
considerado marginal em territórios marginalizados, como é o caso maioritário destas
intervenções, é um dos objetos de estudo primários e ao qual se buscam respostas nesta
dissertação de mestrado. Os territórios fragilizados aqui abordados constituem-se em torno da
sua localização periférica, condições sociais enfraquecidas (como condições habitacionais
ineptas e empobrecimento generalizado), onde indubitavelmente se podem inserir os bairros
municipais.
A introdução da indústria turística, um dos maiores polos económicos mundiais, conectada
a novas tendências conceptuais – como a periferização e a autenticidade – que procuram a visita
a locais com as características descritas acima, levam à necessidade de investigação das
implicações que o turismo pode criar nestes mesmos territórios enfraquecidos.
Desta forma, a presente dissertação de mestrado procura a exploração das ligações
explicitadas acima e o estudo destas nas comunidades locais. Para tal, foi realizado um estudo
exploratório num bairro municipal, situado na região periférica da capital, o Bairro Padre Cruz.
Esta é uma região que possui cerca de cem registos urbanos por via de intervenções artísticas
legalizadas e programadas para o território.
Os objetivos do estudo geral subdividem-se: objetivos gerais e objetivos do estudo
exploratório. Os objetivos centrais do estudo focam-se na evolução das tipologias autorizadas
– ou não – em superfícies urbanas e no porquê do seu estabelecimento em locais marginalizados
e com relações sociais enfraquecidas, bem como no comportamento das populações e dos media
em torno do assunto. Ao longo da análise, questiona-se a aceitação da arte urbana, não só nos
círculos sociais do objeto de estudo do caso exploratório, bem como da generalidade da
população, abordando-se o tópico da massificação cultural. O estudo exploratório pretende
responder aos itens apresentados na questão de investigação, a qual: “De que forma a arte
urbana contribui para a imagem do bairro em termos de transformação social, incremento
turístico e integração do bairro no cenário lisboeta e internacional?” – ou seja, o estudo
10
exploratório procura acompanhar a entrada das intervenções artísticas e compreender as
mudanças ocorridas com o estabelecimento dos programas artísticos no bairro.
Existem vários estudos a abordar os conceitos presentes neste trabalho de investigação.
No entanto, a maior parte dos conceitos nos vários estudos são abordados em separado, não
refletindo uma aplicação prática e aprofundada da teoria num estudo de caso. A análise aqui
encontrada distingue-se dos existentes e apresenta-se como uma ferramenta para estudos
futuros, seja em redor dos conceitos abordados ou enquanto referência de estudo para o
território em questão.
O estudo encontra-se dividido em 4 capítulos principais, cada um contendo secções
direcionadas para o estudo em questão ou para servir de ligação com tópicos referenciais.
O primeiro capítulo com o nome de “Graffiti, Street Art e Arte Urbana” revolve em
torno dos próprios itens, analisando as suas origens e características, explorando os seus
significados, formas de atuação e possível aceitação em sociedade. Posto isto, este capítulo
possui uma introdução conceptual às tipografias urbanas, seguindo-se de uma secção para o
estudo do graffiti e de uma outra para a street art e arte urbana. Algo que impulsionou a
existência do presente estudo é a banalização cultural perpetuada em torno destes fenómenos,
pelo que é necessária uma secção para a sua exposição e delimitação dos parâmetros culturais
em termos nacionais. O capítulo termina com o estudo de uma das características mais
relevantes para a street art atualmente – a ilegalidade – e o papel de Banksy e Vhils nos
contributos para a street art e arte urbana respetivamente.
O segundo capítulo, com o título de “Arte Urbana e o Turismo: Impactos nas
Comunidades Locais” tem o objetivo de refletir na atividade turística, conectando-se na vertente
do turismo cultural e pretende posicionar a arte urbana e as tipografias similares neste núcleo e
iniciar o estudo destes nas comunidades locais. Este capítulo inicia-se com uma secção dedicada
à conceptualização do turismo enquanto foco académico e veículo económico, seguindo-se a
importância da cultura para o turismo e uma breve análise do conceito de turismo cultural,
contendo uma secção designada para as novas tendências no turismo – a autenticidade e
periferização. Abordar-se-á o tópico da banalização, mas conectando-o às noções de turismo e
ao papel que o turismo desempenha na promoção das atividades. Nesta secção inserem-se ainda
as principais iniciativas e organizações diretamente conectadas à arte urbana em Lisboa. Por
último, o capítulo aplica as noções anteriormente consolidadas para o estudo das comunidades
11
locais e a inserção de projetos artísticos urbanos, o que serve de conector para o terceiro capítulo
da presente dissertação, o estudo de caso.
O terceiro capítulo, intitulado de “Bairro Padre Cruz: um passado, um presente e um
futuro de transformações imagéticas urbanas” concentra a parcela mais significativa deste
estudo pois trata-se de uma tentativa de aplicação teórica e prática dos capítulos prévios. Após
uma breve secção dedicada à metodologia e aos critérios de análise aplicados, bem como a
algumas fontes de informação relevantes, nomeadamente uma série de conversas do ponto de
vista informal com representantes de entidades ligadas tanto à arte urbana como a centros
comunitários no bairro. De seguida, encontra-se uma caracterização histórico-geográfica do
bairro, contendo as renovações urbanas registadas até à data. Este capítulo contém,
adicionalmente, uma documentação da arte urbana no bairro. É realizada uma análise dos
impactos das intervenções e tentativa de entendimento sobre a ocorrência – ou não – de
mudanças significativas na região sob várias égides: económica, social, cultural.
Por último, o quarto capítulo, denominado de “Reflexões”, pretende refletir sobre todos
os aspetos abordados no decorrer do estudo, interligando-os com as informações e experiências
encontradas no estudo de caso bem como aos itens apresentados na questão de investigação.
12
1- Graffiti, Street Art e Arte Urbana
1.1- Introdução conceptual às iniciativas artísticas
As transformações artísticas visualizadas atualmente em fachadas de edifícios ou muros
não são, de todo, uma prática criada recentemente. Estas expressões públicas apresentam-se
com nomenclaturas bastante distintas, mas os nomes mais comuns são “graffiti”, “street art” e
“arte urbana” e, na sua maioria, são visíveis no espaço público, em locais de passagem, por um
elevado número de pessoas. A vulgarização da demonstração pictórica urbana destes conceitos
levou a um interesse crescente por parte das massas, bem como de organizações e empresas
interessadas no fenómeno. Em parte, este movimento foi também fomentado pelos media.
Apesar de os meios de comunicação social não empregarem nenhuma estratégia de
diferenciação aliada a estes conceitos, a distinção destes é algo bastante importante para este
estudo, pois, apesar de possuírem características comuns e serem facilmente confundíveis, os
seus significados são bastante diferentes e, por vezes, contraditórios entre autores.
A análise histórico-conceptual dos conteúdos mencionados anteriormente constituir-se-á
enquanto objeto de estudo principal para esta secção, com a finalidade de formar as bases
teóricas necessárias para os outros conceitos a abordar no restante do estudo. De modo a
coordenar melhor a informação, o presente capítulo terá a estrutura que se seguirá. A estrutura
do capítulo iniciar-se-á com uma componente histórica, de modo a um levantamento de
informação mais eficaz sobre a origem e evolução do fenómeno. Tal como foi mencionado no
parágrafo anterior, o fenómeno em questão é constituído por iniciativas urbanas dissimilares
umas das outras. O objetivo da contextualização histórica do fenómeno é o de entender os
conceitos sob o ponto de vista cronológico com uma progressão gradual até aos dias que correm,
mas ao mesmo tempo enquadrar as diferenças entre os vários conceitos, a sua integração em
sociedade e as suas diferenças principais. O primeiro conceito a abordar será o de graffiti, o
qual deverá ser o início em qualquer estudo sobre os objetos de estudo artísticos retratados nesta
dissertação. Os conceitos que se seguem serão o de street art e o de arte urbana. Entender as
diferenças e as semelhanças fundamentais entre estes conceitos leva a um maior entendimento
da situação atual. A arte urbana enquanto objeto de estudo popularizado destaca-se enquanto
análise que segue.
Ao longo deste capítulo, serão mencionadas técnicas, materiais, vernáculo corrente
associado ao estudo e alguns artistas de especial interesse. A escolha dos autores e referências
13
bibliográficas em volta do estudo tem o objetivo de o tornar mais globalizado, conseguindo
entender a progressão do fenómeno em torno do globo.
1.1.1- Graffiti
O conceito de graffiti inscreve-se enquanto objeto de estudo primário nesta secção. No
entanto, ao invés de se tentar estabelecer de imediato em que consiste o fenómeno, iniciar-se-á
o estudo com o que vários autores imaginam ser a origem do conceito, de modo a poder
estabelecer-se um panorama espácio-temporal mais adequado para a investigação que advirá.
A utilização contemporânea do graffiti teve origem nos Estados Unidos, na década de 1960.
Todavia, vários autores afirmam que a forma de comunicação que consiste em escrever e
desenhar em paredes é similar à utilizada na pré-história e que deverá existir uma ligação entre
ambos períodos históricos, como afirma Rafael Schacter (2013):
As a practice that is as old as human culture itself, the act of writing upon walls (also known
as parietal writing) is an equally ubiquitous and elemental act, one linked to the primal human
desire to decorate, adorn and physically shape the material environment. (p.9)
Miguel Noronha (2017) procura romper com a noção de que o graffiti possa ser
considerado enquanto uma prática pré-histórica. Apesar da existência de pinturas rupestres ser
inegável, o autor explica: “a institucionalização, ainda que primitiva, daquelas inscrições,
demonstra que é um grande equívoco chamar de Graffiti o que se pintava nas paredes do
Paleolítico.” (p.15)
Os dois autores apresentam noções da origem do graffiti bastante distintas. O certo é que
existem características importantes do fenómeno nas duas ideias. Por um lado, o graffiti é um
ato que utiliza as paredes para comunicar, assim como seria feito na pré-história. Por outro lado,
as mensagens e a estilização presentes, e os objetivos atuais com as inscrições são bastante
diferentes dos das realizadas na pré-história, especialmente se tivermos em conta a inexistência
do conceito de espaço urbano naquela época.
A análise deste conceito deve ter em conta, também, a origem da palavra, como sugere
Marta Simões (2013):
14
No que toca à semântica, o termo ‘graffiti’ provém do termo latino graphium, do infinitivo grego
γράφειν – graphein –, traduzido como ‘escrever’. (…) Assim, graphein corresponde ao infinitivo
de ‘riscar’, ‘esgravatar’, ‘raspar’, ‘gravar’, ‘rabiscar’. Actualmente considera-se que o termo
graffiti partilha uma ligação com o termo italiano (s)graffiare, que corresponde à forma do
plural de (s)graffito. (p.11)
A etimologia é uma ferramenta útil nesta situação, pois permite entender o que se pretende
com o exercício do graffiti: adornar, riscar, decorar ou modificar o ambiente social de alguma
forma - um exercício que pode implicar o objetivo artístico ou não.
De forma mais contemporânea e aplicada à realidade social, Pedro Soares Neves (2014)
afirma que esta é uma palavra que pode ter dois significados. De certo modo, pode ser a
realização de inscrições não oficiais ou não autorizadas que ocorrem em espaços públicos. De
outro modo, a palavra pode ser utilizada para identificar um conjunto de convenções
subculturais estilísticas que se desenvolveram a partir de finais da década de 1960, nos Estados
Unidos da América (p. 122). Para o propósito deste estudo, quando se falar do conceito de
subcultura, este será falado tendo em conta a visão de Dick Hebdige, na obra “Subculture: The
Meaning of Style”. Nesta obra, o autor afirma que existe uma grande diferença em termos da
dinâmica de poder e que esta se traduz na forma como alguns grupos possuem mais voz do que
outros, e é a partir dessa base teórica que este estudo fala de vários aspetos, nomeadamente as
abordagens não só às tipologias artísticas urbanas, como também, às relações das comunidades
locais.1
A definição do graffiti, bem como dos conceitos adjacentes, os quais serão analisados nos
próximos capítulos, é algo bastante difícil devido à multitude de nomes conferidos e à rápida
destruição do graffiti em espaço público. Consequentemente, esta dificuldade parece ter
sustentado ainda mais a noção de efemeridade em torno das obras, onde o artista ou writer, ao
realizar a inscrição, encontra-se ciente de que a obra terá um limite temporal bastante reduzido
no espaço urbano, quer por via da deterioração temporal, quer por via da sua remoção ou
alteração. Embora esta noção não ajude com as dissonâncias discutíveis devido às falhas nos
registos históricos acerca da origem do fenómeno, poderá ajudar a definir a forma como este se
apresenta na contemporaneidade. Esta passa pela motivação em cometer atos de transgressão e
ilegalidade. Sendo assim, o graffiti poderá ser entendido, simultaneamente, enquanto um
1 Ver a página 14 do capítulo 1 de “Subculture: The meaning of Style” de Dick Hebdige (1979)
15
exercício que combina um ato de transgressão e um objeto de arte subcultural. Deste modo,
conjugando esta última característica com as raízes etimológicas da palavra “graffiti”, é
possível entender que, mais do que a técnica ou forma utilizada, esta forma de manifestação
artística procura fazer uso da sua ilegalidade para transmitir mensagens, como defende Noronha
(2017):
O graffiti está indubitavelmente associado à transgressão no espaço público, ao desenho não
autorizado, ao desafio à lei e, muitas vezes ao vandalismo. Porém ainda que saibamos a que
nos referimos, parece ser impossível chegar a acordo quanto ao medo de designar este
fenómeno. (p.20)
Esta transposição comunicacional iniciou-se com a prática do tag. O tag baseia-se no
desenho de figuras, assinaturas ou simples inscrições pouco estilizadas no espaço público. Dois
dos usos principais desta técnica desde os seus primórdios são o de demarcar sítios de passagem,
por parte de indivíduos, ou delimitar territórios. Esta é uma ferramenta rápida e simples de
utilizar e que implica pouco risco para o utilizador, visto que os materiais mais utilizados são
marcadores ou latas em spray e a área coberta pelo tag é usualmente limitada, o que auxilia em
questões de tempo relativas à conclusão das obras.
Segundo Nicholas Ganz (2004: 8), o graffiti que podemos observar atualmente deve-se a
artistas de tag como o Taki 183, Julio 204, Cat 161 e o Cornbread. As simples inscrições
tomadas a cabo por estes writers levaram à propagação deste tipo de atividades, o que levou
naturalmente a um maior número de writers a realizarem as suas próprias inscrições no espaço
público. Contudo, conforme foi existindo uma normalização da prática através da disseminação
destes comportamentos marginais, as palavras inscritas foram-se modificando.
Nos anos de 60 e 70, em Nova Iorque, bastante aliado aos movimentos culturais do hip hop
e do punk, o tag fazia uso das paredes e muros encontrados em espaços públicos para dispor as
suas mensagens. O conteúdo destas envolvia, na sua maioria, opiniões políticas e críticas
sociais. Até na Europa, no mesmo período, eram utilizadas várias técnicas consideradas aliadas
ao graffiti para difundir mensagens, que segundo um coletivo de artistas de street art
autodenominados de Visual Street Performance (2007), se dedicavam ao questionamento de:
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(…) temas determinantes, desde a gestão e fruição do espaço público, à reivindicação selvagem
da presença individual no mesmo, passando pelo levantamento de novas propostas formais
estéticas onde se desenvolveram correntes, tendências e movimentos, o graffiti parece ter
tomado de assalto e ter-se fixado de forma permanente no panorama da nova urbanidade. (p.8)
A sua fixação permanente em ambiente social não indica, no entanto, que todos os tags
tenham tido significados políticos, sociais ou providos com qualquer carácter moralista. Aliás,
esta prática, tal como foi mencionado anteriormente, iniciou-se com indivíduos a marcarem
certos territórios ou sítios de passagem. Para gangues, o objetivo desta seria a delimitação de
territórios. Para alguns grupos de indivíduos, seria uma forma de glorificação do
comportamento marginal e, possivelmente, uma espécie rito de passagem à entrada de uma
crew. O tag era igualmente utilizado para reconhecimento da persona que escrevia, sendo que
o costume era inscrever as mensagens ou assinaturas inúmeras vezes no espaço público, em
locais de bastante passagem, de modo que o writer passasse a ser reconhecido.
Embora represente uma prática relevante para a história e atualidade do graffiti, os tags são
vistos, por vezes, como uma prática iniciante. As suas formas simples e o facto de serem
passíveis de realização com um simples marcador leva a que sejam exercícios mais rápidos de
realizar, o que envolve, também, menos risco para quem o realiza, o que é deveras relevante,
tendo em conta que a transgressão é uma característica fulcral no exercício do graffiti. Tais
circunstâncias favoreceram a criação de uma variedade de técnicas e exercícios que lhe eram
inerentes, de modo a ser possível conferir-lhes formas mais artísticas e estilizadas, e também
mais complexas e lentas pois ocupavam mais espaço público, como afirma Ganz (2004):
Over the years the original letter style has developed to encompass a whole range of different
typographic forms: the legible ‘black letter’, the distorted and intertwined ‘wild style’, the
familiar ‘bubble style’ and ‘3D’. (p. 10)
Apesar de serem contribuições caligráficas significativas para o graffiti, e ainda hoje serem
facilmente encontráveis nos meios urbanos, além de representativas de uma evolução a nível
artístico, estas passaram a ser insuficientes. A secção seguinte incidirá sobretudo na street art
e arte urbanas nas suas distinções do graffiti.
17
1.1.2- Street Art e Arte Urbana: o ilegal e o aceitável
A popularização dos tags e a mudança de paradigma em relação ao valor destes levaram a
que vários participantes quisessem evoluir e passar a realizar obras mais complexas e ricas em
composição. Posterior ao tag, surgiu a criação de iniciativas artísticas mais complexas e cujos
estilos e técnicas lhe eram bastante distintos. Esta prática será apelidada de arte urbana ou de
street art neste estudo. No entanto, a sua nomenclatura é alvo de discussão entre autores, e é
comum a utilização de expressões como street art, neo-graffiti e pós-graffiti, como refere VSP
(2007):
Na década de 1990, nos Estados Unidos, vários destes fenómenos gráficos urbanos marginais
seriam gradual e naturalmente aproximados, dando origem a cruzamentos de técnicas, estilos
e meios, que iriam igualmente encontrar eco na Europa e no resto do mundo, agrupados sob
novos chavões: Street-Art, Neo-Graffiti, Pós-Graffiti. (p. 40)
Estas inovações a nível de técnicas e materiais levaram à criação de novas nomenclaturas
para as expressões artísticas da altura, mas sobretudo a uma elevação na complexidade das
obras demonstradas até então. Esta afirmação poderá ser completada por via de Anna Waclawek
(2008):
Post-graffiti art, commonly referred to as "neo-graffiti," "urban painting," or simply "street
art” exists as a new term in the graffiti literature to identify a renaissance of illegal, ephemeral,
public art production. Unlike the easily recognizable letter-based graffiti style, the post-graffiti
art movement boasts greater diversity and includes art produced as an evolution of, rebellion
against, or an addition to the established signature graffiti tradition. (p.3)
Estas distinções apontadas pela autora são bastante relevantes para os estudos artísticos
relacionados com o fenómeno. Segundo a autora, embora as iniciativas que ocorrem sob estas
nomenclaturas se afastem da criação de tags quer seja, por adição a formas imagéticas mais
estilizadas quer por serem consideradas como movimentos artísticos, estas continuam a ser, na
sua grande maioria, iniciativas ilegais, realizadas em espaços públicos, criados sob a prospetiva
da transgressão e aliadas à característica da efemeridade. No entanto, uma das características
mais importantes em termos de reflexão é o da aproximação da street art a estilos artísticos
vistos como convencionais ou pelo menos padronizados na esfera pública. Segundo Ricardo
Campos (2009):
18
A street-art compreende um conjunto de expressões visuais, relativamente coerentes do ponto
de vista formal, simbólico e ideológico, que remetem para processos comunicacionais não-
institucionais, informais e, na maioria dos casos, ilegais. A aproximação às artes plásticas e ao
design é evidente na maioria das propostas, demonstrando a permeabilidade característica do
graffiti e destas linguagens que lhe são tão próximas. Entre as diferentes manifestações
encontramos os stickers, os stencils ou posters, entre outros produtos híbridos que se inspiram
em técnicas e referencias iconográficas variadas (pp. 48 e 49)
O autor confirma a evolução generalizada da street art em relação ao graffiti inicial, a qual
faz uso de diferentes técnicas, materiais e a aproximação desta às artes plásticas. Ou seja,
embora esta se continue a revolver em torno do exercício de inscrever palavras, expressões ou
desenhos em espaço público, tal como acontecia com o graffiti, o certo é que é notável a
progressividade artística em relação aos primórdios deste, com o exemplo do tag. Não obstante
ao registo da evolução artística, o tag continua a ser um dos exemplos do graffiti mais trivial.
Relembrando a afirmação anterior de Waclawek, esta evolução observável foi estudada por
vários académicos, os quais lhes conferiram nomenclaturas díspares. Um dos nomes
comumente associados ao conceito de street art é o de arte urbana: “Em Portugal o termo Arte
Urbana vem sendo o escolhido para anunciar os eventos de pintura mural espetacularmente
promovidos por autarquias e empresas privadas.” (Noronha, 2017: 59), ou seja, podemos dizer
que o termo arte urbana usualmente consiste na fração legal do graffiti.
A dificuldade em entender se a street art se apresenta enquanto uma expressão evolutiva
do fenómeno do graffiti assenta no facto de não existirem testemunhos suficientes da época e
um consenso entre autores. Neste estudo, porém, tendo em conta que este se iniciou com o
conceito de graffiti, este conceito deverá ser visto enquanto primário, colocando, portanto, os
conceitos da street art e arte urbana enquanto fenómenos evolutivos do mesmo.
As peças (comumente apelidadas de pieces) aumentaram em dimensão, mas passou a
existir, também, uma diversificação nas técnicas e materiais utilizados. Os materiais mais
comuns seriam os que também eram usados no exercício do graffiti, como marcadores e latas
de spray, mas passou a existir uma maior aproximação às artes plásticas. Noronha (2017) indica
que, no exercício da arte urbana, “predominam o desenho à mão livre, o estêncil, os
autocolantes e os cartazes, mas na lista de técnicas também figuram o crochet, as instalações,
as esculturas, a manipulação de luzes, os azulejos, etc.” (pp. 48, 49). Acrescenta, ainda, que os
conteúdos presentes nesta expressão artística contêm uma noção superior de liberdade e de
19
afastamento dos restringimentos impostos pelo graffiti norte-americano. Esta liberdade pode
ser observável pela mudança de mentalidade sobre o que se pretende atingir enquanto produto
final, como o autor afirma:
Temos que a finalidade do Graffiti contemporâneo é comunicar dentro de uma comunidade
hermética de writers, de alguns poucos indivíduos que dominam os seus apertados códigos de
interpretação. Por contraste, a Street Art direciona-se a um público mais amplo, podendo ser
apreciada por todo e qualquer transeunte. (p. 49)
Desta forma, é possível afirmar que o tag enquanto exemplo do graffiti, é um exercício
visto como fundamentalmente vandálico para um público geral, o que pode levar a que as
pessoas não o vejam enquanto expressão artística. A arte urbana, em contrapartida, apresenta-
se de formas diversas, mas as suas obras tendem a ser completas e ricas em composição, o que
leva a que, tal como o autor afirma acima, estas possam ser apreciadas publicamente de uma
forma mais facilitada, e que segundo Ulrich Blanché (2015) explícita na citação abaixo:
Street Art consists of self-authorized pictures, characters, and forms created in or applied to
surfaces in the urban space that intentionally seek communication with a larger circle of people.
Street Art is done in a performative and often site-specific, ephemeral and, participatory way.
(p. 33)
A arte urbana é uma expressão artística que faz uso do espaço público para disseminar
conteúdos de interesse para o autor, e neste sentido é uma forma mais eficaz do que o graffiti,
pois consegue comunicar mensagens mais complexas e fazer com que estas sejam entendidas
por um maior número de pessoas. O facto de as obras se mostrarem de forma mais apelativa
esteticamente através da utilização das cores, das formas e até da dimensão leva a que chamem
mais a atenção da população e sejam suscetíveis à atração de pessoas para a sua visualização.
Também a efemeridade é algo que não se pode deixar esquecido, pois é uma característica
presente em todos os conceitos contíguos ao graffiti. Tal como os autores acima indicam, os
writers escolhem os locais especificamente para a passagem de mensagens, e, apesar do
significado que as obras possam ter seja real e os writers despenderem o seu tempo em busca
do local perfeito e do tempo para a confeção destas, estes sabem que estão a criar algo efémero.
Assim, quando o Blanché afirma que a street art é participativa e que qualquer pessoa pode
alterar as iniciativas artísticas (p.33), não só nos remete para a noção de que as próprias obras
20
em fachadas possam sofrer alterações, mas também para a ideia de que um dos papeis principais
das obras é o de atrair a atenção pública ao passar mensagens para a população para que esta se
interesse em participar no fenómeno. A efemeridade está naturalmente conectada ao facto das
obras serem, devido ao seu estabelecimento no espaço público, mais vulneráveis, pois estão
sujeitas a condições de deterioração, que segundo KET (2014):
The lifespan of the art pieces […] is typically short. Many are cleaned off, erased, covered, and
destroyed within days of their creation. Some lucky ones perhaps, the sanctioned ones […] tend
to last much longer but I would argue that their impact isn’t as strong as the art that is illegal
and that we can encounter spontaneously. (p.6)
O autor conclui a sua afirmação ao falar do valor passível de ser encontrado nas obras
legais e ilegais e expressando a sua opinião de que as iniciativas ilegais possuem um valor
superior ao das legais. O valor encontrado nas obras é subjetivo, no entanto, o tópico das
iniciativas legais é de especial interesse para esta análise e algo que será abordado na secção
seguinte. Adicionalmente, tentar-se-á entender as diferenças principais entre os trabalhos legais
e os ilegais, bem como o surgimento da necessidade de criação dos primeiros.
1.2- Banalização Cultural
Tal como foi afirmado no início do capítulo, o exercício do graffiti foi uma atividade
que rapidamente se disseminou para o restante do globo. Esta secção pretende entender a
evolução do fenómeno até à atualidade, através do estudo breve do percurso de alguns artistas
especialmente relevantes e influentes, e entender como é que uma atividade ilegal conseguiu
tornar-se, vulgarizada. Para tal, a secção incidirá na demarcação do carácter legal e ilegal da
street art e arte urbana, bem como na recente normalização destas. Esta análise é sobretudo
relevante para o ponto de vista do estudo que irá ocorrer no capítulo seguinte “Arte Urbana e o
Turismo: Impactos nas Comunidades Locais”, quando se introduzir a atividade turística e a
comercialização da arte urbana.
21
1.2.1- Parâmetros legais
Tal como foi referido anteriormente, até agora o estudo abordou maioritariamente a origem
das atividades ligadas ao graffiti e à arte urbana. Algo que ficou a faltar, no entanto, foi a
separação entre os objetos de estudo legais e ilegais. A presente análise serve para o referido,
tendo em conta as leis existentes em torno do assunto. Foi inevitável reduzir o estudo em termos
geográficos, abordando apenas o regime jurídico nacional. Apresentam-se dois motivos
centrais. O primeiro foca-se no facto de existirem procedimentos legais diversos em torno do
globo, o que tornaria impossível a exploração de todos nesta dissertação. E o segundo é
consequente do primeiro: caso se tentasse investigar os regimes jurídicos de forma global,
perder-se-ia o foco de estudo desta dissertação. Isto significa, portanto, que esta secção será
bastante breve, pois o seu objetivo é o de distinguir o exercício legal do ilegal.
Tal como foi referido até este momento, a grande maioria das atividades ligadas ao graffiti
assenta na ilegalidade, sendo a exceção à regra a comumente apelidada, em Portugal, de arte
urbana.
A Lei 61/2013 (Anexo A12) estabelece o regime jurídico base relativo à realização de
graffiti, bem como de outras formas de alteração da paisagem urbana ilegais. No artigo 3º da
presente lei, é comunicado que cabe às câmaras municipais o licenciamento da inscrição de
graffiti. Nos artigos 6º ao 9º encontram-se delineadas as punições pela realização de graffiti
ilegal, sendo que estas se encontram divididas consoante a gravidade da transgressão, mas os
valores das coimas poderão ir dos 100€ aos 25,000€.
No artigo 212º do Decreto-Lei 48/95 do Código Penal (Anexo A2)3, encontram-se
descritas as punições relativas aos crimes de danificação, desfiguração ou destruição de
propriedade privada, onde as punições poderão ser de pagamento de multa ou prisão até 3
anos.
Tendo em conta o regime jurídico, o que se pode entender é que, apesar da realização de
graffiti ser ilegal, existem exercícios excecionais, como os exercícios autorizados pelas
entidades competentes. O que isto implica é que existiu a necessidade de criar uma vertente
2 Lei 61/2013 – também disponível em: https://dre.pt/dre/detalhe/lei/61-2013-499057
3 Artigo 212º do Decreto-Lei 48/95 do Código Penal – também disponível em: https://dre.pt/dre/detalhe/decreto-lei/48-1995-185720
22
legal voltada para as atividades de graffiti e arte urbana. A próxima secção irá tentar explorar
o porquê do súbito interesse de vários organismos artísticos enquanto analisa alguns artistas
relevantes no exercício da street art e arte urbana.
1.3- Banksy, Vhils e o Papel da Ilegalidade para a Street Art
Como foi mencionado previamente, o fenómeno do graffiti começou a sua disseminação
nos EUA e os consequentes conceitos conectados à prática da escrita e do desenho nas paredes
foram-se espalhando continuamente em torno do globo. Esta secção terá em consideração não
só os conceitos anteriores analisados, como também a adição de dois importantes nomes de
artistas relevantes para o estudo, nos quadros nacional e internacional. Um dos focos de estudo
principais nesta secção será o da tentativa de entendimento do porquê da disseminação destas
atividades, para que se possa entender posteriormente a razão do interesse regional e municipal
nestas. No entanto, é de notar que, contemporaneamente, a arte urbana realizou uma
aproximação com o público ao encontrar-se em contacto deste, não obstante da especialização
ou não especialização deste, algo diferente do realizado em museus e galerias de arte, como
Margarida Calado (2011) afirma:
A novidade trazida pelo séc. XX está em que agora a obra de arte vem ao encontro do público
não especializado, não preparado ou até menos interessado nestas questões. Por outro lado e
se, como dissemos, arte pública sempre existiu, a outra novidade é que a arte que agora se
apresenta como pública não pretende – pelo menos ostensivamente – dar uma imagem ao
poder, transmitir uma mensagem religiosa, ou imortalizar determinada personalidade, mas
visa colocar o público não especializado em contacto directo e involuntário com arte moderna.
(p. 2)
A visualização do objeto de estudo desta dissertação é cada vez mais comumente
observável em sociedade, e não só em termos de iniciativas ilegais, mas também por livre
vontade de câmaras e outros órgãos ligados à arte e urbanidade estética. Apesar de não se saber
em concreto quando passou a existir uma maior aceitação das formas artísticas previamente
vistas enquanto marginais, o facto é que cada vez existem mais organizações de promoção e
23
financiamento de writers e da sua arte. Pensa-se, no entanto, que Banksy tenha tido bastante
impacto mundial a este nível.
Em 1997, houve o surgimento de uma obra de crítica social em Bristol, que se pensa ser a
primeira obra assinada do artista. Esta obra não seria a única. Bansky é um artista
contemporâneo que continua a espalhar os seus murais por todo o mundo. Os seus objetos
temáticos principais giram em torno de críticas sociopolíticas, em que o autor faz uso de animais
e de frases e símbolos oportunos para explicitar o que sente em relação a vários tópicos e
momentos em sociedade. Em termos de técnicas e materiais, estes são usualmente simples –
stencils e latas de spray –, o que faz com que o foco da obra seja sobre as mensagens que o
artista procura apresentar.
A popularidade das obras, talvez porque as mensagens ressoavam com a população, levou
a que Bansky ganhasse uma reputação a nível mundial. A partir de 2000, as suas obras haviam-
se espalhado pelo globo, para países como os Estados Unidos, Jerusalém, Síria, Israel, Canadá,
Mali, entre outros. Para além da pintura mural, o artista possui livros escritos sob a sua autoria
e é responsável por um documentário intitulado de Exit Through the Gift Shop, de 2010. Não
obstante a sua popularidade, é relevante notar que os murais de Bansky são constituídos, na sua
grande maioria, por iniciativas ilegais.
O reconhecimento de Bansky mundialmente levou a uma aceitação generalizada das suas
obras e de muitos outros artistas que também procuravam representação urbana. Em Portugal,
pensa-se que grande responsabilidade da propagação da cultura artística urbana tenha começado
com um artista denominado de Vhils.
Alexandre Farto, mais comumente apelidado como Vhils, é um artista urbano português,
célebre pelas suas obras usualmente contendo retratos em fachadas de edifícios. É facilmente
reconhecível, pois Vhils utiliza uma técnica pouco convencional que passa por gravar na parede
ao invés de pintar ou rasurar, tendo por via uma característica ainda mais destrutiva deste modo,
que segundo Miguel Moore, no website do Vhils, afirma:
This striking form of visual poetry, showcased around the world in both indoor and outdoor
settings, has been described as brutal and complex, yet imbued with a simplicity that speaks to
the core of human emotions […] It speaks of effacement but also of resistance, of destruction
yet also of beauty in this overwhelming setting, exploring the connections and contrasts,
similarities and differences, between global and local realities.
24
Tal como Bansky, Vhils não se restringiu à arte urbana: participa em várias iniciativas por
parte de entidades e dirige videoclipes e filmes de curta duração. No entanto, o impacto que a
sua street art teve fez com que fosse considerado atualmente um dos nomes mais relevantes no
ramo e conseguisse propagar as suas obras por várias regiões do globo, sendo capaz de dar voz
a vários outros writers. Não só isso, mas artistas tais como os mencionados serviram de
incentivo para o surgimento de novos writers, dando mais asas à disseminação do fenómeno e
a uma aceitação maior por parte do público.
O crescimento da internet, bem como da sua utilização diária, foi, adicionalmente, uma
ferramenta importante na globalização dos fenómenos. Este levou a que fosse possível a
redução da característica da efemeridade através do ato de partilhar fotografias de graffiti e dos
murais, o que contribui imensamente para a sua massificação. Segundo Simões (2013), este
crescimento é auxiliador de evolução nestes fenómenos ao afirmar que facilitou “o
conhecimento e partilha de novas técnicas, através do contacto com outros writers.” (p. 55)
Contudo, esta banalização também trouxe consequências potencialmente indesejadas. Por
um lado, captou o olhar atento de pessoas no mundo da arte estabelecida e elitista, que
procuraram levar a street art para os museus e galerias – este tópico será abordado de forma
mais profunda no capítulo seguinte aquando se analisar a arte urbana enquanto produto
comercializável. Por outro lado, vulgarizou os fenómenos anteriormente entendidos como
pertencentes às subculturas. O conceito de arte urbana, enquanto esforço legal de um fenómeno
que começou na ilegalidade, passou a abrir portas para alunos com formação em belas artes,
ansiosos por se estrearem nestas novas tendências urbanísticas e com a vantagem de não se
praticar um exercício ilegal.
Numa série de entrevistas, que serão abordadas de forma mais profunda em 3.3, foi
realizada uma entrevista ao artista urbano Robô em abril de 2019. Ao contrário das outras
entrevistas, que se baseiam mais nas ligações ao bairro, esta conversa abordou mais
concretamente aspetos técnicos do graffiti e da street art, bem como uma tentativa de perceber
o ponto de vista de um artista formado em Belas Artes. Um dos aspetos discutidos com o artista
foi o da distinção entre os fenómenos do graffiti e street art, os quais o artista concorda que não
devem ser confundidos. Considera a street art uma versão evoluída do graffiti que se tem
estendido para fins comerciais, o que tem diluído a sua essência. Ao ser questionado sobre a
sua opinião sobre a introdução de artistas com graus académicos em artes no cenário da arte
urbana, o artista afirma que essa distinção não deveria existir, pois as linguagens artísticas
25
encontram-se atualmente todas interligadas. O autor complementa ao afirmar que possuir um
grau académico não garante um futuro enquanto street artist.
A problemática aqui assenta na origem do graffiti, tal como já foi falado, e nas suas
características fulcrais da ilegalidade e do estabelecimento dentro de subculturas. Muitos
writers mais antigos e estabelecidos afirmam que estes novos alunos ou novos artistas nunca
vão conseguir experienciar a essência do graffiti, pois não viveram os anos em que os writers
lutaram para se estabelecerem. As entidades artísticas aplicam valores, consagrando ideais
elitistas da mesma forma. Os grupos sociais excluídos são diferentes, mas a forma de tratamento
dentro do mundo artístico é igual. A questão do papel da ilegalidade para o graffiti é de grande
discussão de forma académica, pois vai ao encontro do valor apresentado, continuamente
comparando entre os exercícios legais e os ilegais, em que Waclawek (2008) contribui:
Some wish to keep graffiti ideologically hidden and inaccessible to mainstream
audiences, arguing that its illegality and sense of mystery empowers them and makes
writing more pleasurable: as a subversive act, graffiti must remain illegal. Others
wish to advance their art form in new directions and make a living out of it, asserting
that graffiti can still be meaningful when disseminated legally. (pp. 164 e 165)
No entanto, não podemos esquecer o facto de as tipologias urbanas implicarem uma forma
participativa e, que para tal, é necessária a existência de uma parcela significativa da população
envolvida nestas atividades. Seguindo o raciocínio lógico da premissa apresentada: pessoas
com formação artística não deveriam ser excluídas do exercício do graffiti ou dos seus
fenómenos contíguos – como a arte urbana e street art – pois os seus contributos são também
para que a população se insira no cenário artístico urbano.
Ou seja, por um lado temos a consequência da vulgarização dos fenómenos do graffiti e da
street art para as culturas mais mainstream, algo que, na altura da proliferação destes, nunca se
pensou possível devido à sua pertença às subculturas. Por outro, possuímos a arte urbana, que
se estabelece enquanto exercício que se desvia da ilegalidade, uma característica chave para a
sua realização.
É impossível chegar a um consenso sobre os valores apercebidos das iniciativas legais
em comparação com as ilegais, sendo estes subjetivos. Apesar do controle que se tentou ter em
relação ao graffiti para que este não se proliferasse entre os grandes grupos sociais, a arte urbana
- e mesmo os exercícios artísticos marginais - encontram-se em constante mutação. Por via do
disposto e da nova atenção recebida pela população não inserida nos grupos sociais onde estas
26
acontecem – mas disposta a aceitar e procura participar nas iniciativas artísticas – foi impossível
conter o crescimento destas, quer fonte de exercícios legais ou ilegais.
No próximo capítulo, abordar-se-á a relação dos fenómenos com o turismo, passando
pela comercialização destes e de iniciativas artísticas legais estabelecidas em Lisboa, assim
como algumas das suas associações e organizações.
2. Arte Urbana e o Turismo: Impactos nas Comunidades Locais
2.1- Introdução ao Turismo: Noções Conceptuais
O turismo consiste atualmente numa das maiores atividades económicas a nível global. É
um dos setores principais destinados à movimentação de pessoas, criação de emprego e
potenciador do PIB de vários países. Segundo a United Nations World Travel Organization
(2019), o número de chegadas turísticas internacionais alcançou os 1.4 mil milhões em todo o
mundo. Este indicador é relevante, pois representa, o poder que a indústria turística possui na
economia global. Em Portugal, estima-se que, em 2018, as chegadas turísticas por não
residentes rondassem os 22,8 milhões, e contribuindo para que o PIB crescesse cerca de 2,1%
(Instituto Nacional de Estatística, 2019: 7-21). É possível, assim, observar que o turismo é um
setor de atividade com grande peso em Portugal.
Esta atividade, ligada ao lazer e à recreação, impulsiona milhões de pessoas a viajar para
fora do seu ambiente habitual todos os anos e por motivos bastante variados. É praticamente
impossível, devido à complexidade do fenómeno, confirmar a sua data de início, mas pensa-se
que certos marcos históricos tenham influenciado a larga movimentação de pessoas, tais como:
o início das peregrinações, os descobrimentos portugueses e espanhóis, o renascimento, entre
outros. O certo é que, mesmo nestes períodos, não existia uma prática de turismo massificada,
tal como a existente nos dias de hoje. Apesar de o fenómeno conhecido como Grand Tour -
tradição em que os filhos da aristocracia viajavam para as principais metrópoles europeias com
o objetivo de entender a cultura desses locais - ser visto por muitos como o início da atividade
turística contemporânea, esta tradição era bastante elitista, estando restrita apenas às famílias
mais abastadas. O turismo mais massificado passou-se a registar a partir de meados de 1950,
vastamente motivado pelas inovações nos transportes marítimo e aéreo.
27
Uma das dificuldades em estabelecer o turismo temporalmente passa pela falta de consenso
no que se refere à definição de turismo a nível conceptual e de funcionamento da atividade. O
turismo pode ser visto enquanto um produto compósito e complexo, visto que se constitui como
uma área de análise pluridisciplinar. Esta noção leva a que existam tentativas de definição da
atividade turística nas várias disciplinas em que esta é registada. Seria, no entanto, impossível
neste estudo, analisá-las todas e tentar chegar a uma definição final, unívoca, pelo que, para
esta análise, será realizado um levantamento das mais relevantes para as áreas de estudo a
desenvolver.
Como foi referido anteriormente, o turismo consiste num objeto de estudo compósito, pelo
que, para a atividade turística, são necessários vários intermediários, tais como o turista, os
serviços de alojamento e transporte e até as próprias comunidades das regiões de turismo, como
atestam, Goeldner & Ritchie (2009):
(…) Tourism can be defined as the processes, activities, and outcomes arising from the
relationships and the interactions among tourists, tourism suppliers, host governments, host
communities, and surrounding environments that are involved in the attracting and hosting of
visitors. (p.6)
Os autores, neste caso, utilizam uma definição do setor turístico voltada para o seu
funcionamento e intervenientes, bem como nas suas relações, o que permite observar a
complexidade do setor. No entanto, falta-lhe qualquer descrição das atividades desempenhadas
e o seu propósito para além da atração de visitantes. O turismo é uma atividade que atua no
económico, social e cultural de uma região e que leva à movimentação das pessoas para fora
do que lhes é habitual, pelo que cria motivações de viagem com vários objetivos distintos, como
pode ser referido pela UNWTO (nd.) no glossário de termos referido no seu website:
Tourism is a social, cultural and economic phenomenon which entails the movement of people
to countries or places outside their usual environment for personal or business/professional
purposes. These people are called visitors (which may be either tourists or excursionists;
residents or non-residents) and tourism has to do with their activities, some of which involve
tourism expenditure.
28
Uma definição mais holística deverá conter todas as características abordadas acima e ainda
procurar estabelecer as ligações necessárias entre os vários setores e os turistas, abordando a
base do desenvolvimento turístico numa região, como o alojamento, o transporte e o
entretenimento, como poderá ser visto abaixo por via de Licínio Cunha (2010):
Turismo: é o conjunto das atividades lícitas desenvolvidas por visitantes em razão das suas
deslocações, as atracções e os meios que as originam, as facilidades criadas para satisfazer as
suas necessidades e os fenómenos resultantes de umas e de outras. (p. 19)
As definições apresentadas reforçam a ideia, previamente elaborada, de que o turismo é
uma atividade complexa, não só devido à natureza dos seus estudos serem multidisciplinares,
mas, também, devido a ser um produto compósito em si, incapaz de operar satisfatoriamente
sem possuir um conjunto de características base, como transporte, alojamento e entretenimento
para os visitantes, bem como de toda uma estrutura de apoio ao turismo na região de destino.
2.2- Importância da Cultura para o Turismo
Uma das ferramentas mais importantes do turismo é a promoção dos atributos culturais da
região em que se insere, sendo que esta é vista enquanto uma das maiores forças motrizes à
movimentação turística. Desta forma, é necessário entender a relação entre o turismo e a cultura
e a forma como interagem.
O turismo e a cultura possuem uma relação sinergética que envolve que necessitem ambos
um do outro. Por um lado, o turismo utiliza a cultura para promover e receber visitantes nas
regiões de destino. Por outro, a cultura faz uso do turismo para manter muitas das suas
instituições operacionais através dos fluxos e receitas turísticas e para manter os fluxos de
criatividade nos locais em que se baseia, como declara Greg Richards (2009):
Culture is an increasingly important element of tourism product as it creates distinctiveness in
a crowded marketplace. At the same time, tourism provides an important means of enhancing
culture and creating income which can support and strengthen cultural heritage, cultural
production and creativity. (p. 17)
29
Por via da ligação entre os dois conceitos, surge o de “turismo cultural”. No entanto, em
consequência da complexidade de ambos componentes é, também, dificultada uma definição
unânime. O facto de a cultura ser bastante abrangente e ser considerado, por muitos, que todos
os aspetos da vida são culturais, essa lógica poderá passar para o turismo cultural, como explica
Richards (2009):
The diversity approaches to the relationship between tourism and culture underlines the
problems of definition which exist in this field. Because culture touches every aspect of human
life, it can be argued that everything is cultural. According to this view, all tourism might be
considered as “cultural tourism”. (p. 25)
Todavia, o que é na prática turismo cultural poderá ser restringido por via das atividades
realizadas no destino, ou seja, pelo interesse no turista em explorar certos atrativos culturais,
atrativos estes que incluem património material e imaterial. Tendo estas características em
conta, a UNWTO (2017) define turismo cultural enquanto:
A type of tourism activity in which the visitor’s essential motivation is to learn, discover,
experience and consume the tangible and intangible cultural attractions/products in a tourism
destination. These attractions/products relate to a set of distinctive material, intellectual,
spiritual and emotional features of society that encompasses arts and architecture, historical
and cultural heritage, culinary heritage, literature, music, creative industries and the living
cultures with their lifestyles, value systems, beliefs and traditions.
Tendo em conta o referido acima, tanto o graffiti, como os fenómenos que lhe são
contíguos, poderão ser vistos enquanto atrações culturais, quer por via de se constituírem
enquanto obras artísticas físicas, quer pelo valor imaterial apercebido devido às suas raízes
subculturais.
Visto que o turismo cultural engloba uma vasta abrangência de atividades, incluindo o
património imaterial, muitas destas atividades demonstram-se imensuráveis estatisticamente a
nível de visitas turísticas. Ou seja, apesar de se ter uma noção de que o turismo cultural é uma
das vertentes turísticas mais manifestadas, é difícil quantificar exatamente o número de
visitantes. Existe, todavia, um esforço recorrente por via das instituições de turismo na
promoção de turismo cultural, o que pode ser visto, a título de exemplo, pelo Turismo de
Portugal na Estratégia de Turismo 2027 (ET2027), onde se insere o turismo cultural por ser
30
visto como um ativo diferenciador entre destinos e se destacam as categorias da “História,
cultura e identidade” e a “identidade própria dos territórios e comunidades locais”. (2016: p.
47)
A noção de turismo cultural é um objeto progressivo, que se vai alterando, dependendo
bastante das tendências turísticas, das alterações do comportamento de compra e da motivação
de viagem. A noção de cultura de viagem, nos anos 80, por exemplo, numa época de
massificação do turismo de sol e praia, é completamente diferente das noções que compõem as
motivações para viajar atualmente. O que se nota agora é que existe uma predisposição muito
maior para a observação dos componentes identitários da região, tentando absorver a cultura e
as formas de vida dos residentes. Isto leva a que existam tipologias turísticas interessadas em
explorar locais menos turistificados de modo a conhecer o estilo de vida e a cultura dessas
populações, especialmente em locais de populações pobres.
A globalização e os avanços tecnológicos, nomeadamente a internet, auxiliaram a expansão
da cultura nos destinos, para além do que nos primórdios da atividade turística era visto nos
folhetos informativos em agências de viagem. Desta forma, existe uma maior ecleticidade
cultural adjacente aos motivos de viagem e escolha de certos destinos em detrimento de outros
por via dos seus atributos culturais.
2.2.1- Turismo Contemporâneo: Autenticidade e Periferização
A mudança de paradigma social e as inovações tecnológicas, juntamente com a
globalização, levaram a uma nova visão sobre a atividade turística e mudanças nos perfis
comportamentais dos visitantes em termos de escolha dos destinos e razões de viagem. No
turismo cultural, passaram a ser integrados conceitos como o de autenticidade e o de
periferização, em que a motivação principal de viagem para certas tipologias de turistas é o de
observar a cultura e o quotidiano de populações em certos locais, afastando-se, por vezes, das
atrações mais massificadas.
O turismo, enquanto indústria complexa e organizada, apresenta-se nos destinos enquanto
conectora dos visitantes aos seus serviços, incluindo as atrações e entretenimento. No entanto,
este tipo de turista não pretende um turismo organizado, quer uma experiência autêntica, e tenta
visitar o que Dean Maccannell apelida de “back regions”, as quais não se encontram
31
predispostas à atividade turística. Estas regiões são então vistas como mais autênticas do que
as tipicamente publicitadas aos turistas. Segundo o autor:
It is only when a person makes an effort to penetrate into the real life of the areas he visits
that he ends up in places specially designed to generate feelings of intimacy and experiences
that can be talked about as “participation.” No one can “participate” in his own life, he can
only participate in the lives of others. (1973: 601)
Ou seja, segundo Maccannell, o turista tem por objetivo o envolvimento com as populações
locais nas suas atividades de dia a dia. John Urry (2002) classifica o turista enquanto um
peregrinador moderno que parte em busca de autenticidade noutros locais (p.90)4,
acrescentando à ideia de Maccannell o facto de o visitante ter de se deslocar da sua própria
realidade quotidiana. No entanto, como as principais metrópoles se encontram atualmente
bastante preparadas para a atividade turística, é pressuposto um afastamento destes visitantes
para locais menos preparados para o turismo.
A não presença de atividades e infraestruturas de apoio à atividade pode apresentar-se
motivo pelo qual a existência de turismo nestas regiões ser potencialmente negativo para a
região de destino. Neste sentido, podemos falar também de uma descentralização dos aspetos
culturais por parte da procura, associando-a geograficamente às zonas periféricas. No entanto,
estas zonas estão vastamente associadas a noções de marginalidade, que segundo Michael Hall
(2013), podem advir de fatores ambientais, culturais, sociais, económicos e políticos
desfavoráveis (p.4)
Ora, se são zonas maioritariamente mais empobrecidas e com poucas condições para a
criação de turismo, o estabelecimento da atividade poderia criar uma dependência não saudável
no local em causa. Mas, existe também a possibilidade de, por via das instituições culturais, a
renovação de áreas estagnadas, rejuvenescendo as economias locais e promovendo o aumento
dos valores imobiliários. (Richards 2009: 24).
Nesse mesmo sentido, a ET2027, tendo estes aspetos em conta, propõe uma série de linhas
de atuação de planeamento turístico em que inclui “promover a regeneração urbana das cidades
e regiões, o desenvolvimento turístico sustentável dos territórios/destinos” por via de apoios e
reabilitação a várias estruturas sociais, nomeadamente:
4 Ver The Tourist Gaze (2ª Ed.) de John Urry (2002). Sage Publications Ldt
“The tourist is a kind of contemporary pilgrim, seeking authenticity in other ‘times’ and ‘other’ places away
from that person’s everyday life.” (p.90)
32
Operações de regeneração urbana de centros históricos/urbanos, a preservação de
autenticidade e a promoção de um turismo acessível nas cidades, envolvendo, nomeadamente:
(…) melhoria da qualidade de vida das comunidades locais incluindo o apoio à reabilitação de
espaços e equipamentos comunitários (por exemplo, associações culturais, associações de
bairro, clubes recreativos). (p. 55)
Existe, portanto, um esforço crescente em querer tornar algumas das zonas periféricas em
ativos turísticos, algo que pode ser visto adicionalmente por via de organizações que procuram
utilizar o turismo como forma de rentabilizar espaços periféricos que de outra forma
continuariam estagnados (Hall 2013:5). Esta é uma forma pouco positiva de visualizar os
territórios, pois corre-se o risco de ignorar as necessidades da população em prol de estabelecer
a atividade turística.
2.3- Banalização da Arte Urbana e o Papel do Turismo
Tendo em conta o disposto no capítulo anterior sobre os fenómenos da street art, arte
urbana e o panorama turístico explicitado acima, o objetivo desta secção do estudo é o de
entender a forma como estes fenómenos evoluíram até alcançarem uma aceitação mais
globalizada, especialmente por via de instituições artísticas, e o modo como são vistos agora,
como passíveis de criação de riqueza.
Anteriormente havia sido já estabelecida a noção de uma aceitação mais globalizada da
street art e da arte urbana, e isto deveu-se em grande parte ao que se pretende estabelecer neste
estudo. Aquando da propagação do graffiti e nas décadas que se seguiram, existia a conceção
de que este era um fenómeno marginal e, apesar de ainda existir essa predisposição sobre
algumas formas de graffiti, que os fenómenos adjacentes – street art e arte urbana – eram, na
sua maioria, observáveis enquanto arte, pelo menos aos olhos do público geral.
No entanto, não foi o público em geral que promoveu a aceitação inicial, mas sim as
entidades artísticas pré-estabelecidas, que passaram a ver a street art de alguns artistas, como
Harrington ou Basquiat, enquanto atrativas o suficiente para as disporem em espaços artísticos.
Isto levou a que começasse uma das formas mais controversas de street art e graffiti,
caracterizada pela sua mostra em galerias de arte e museus. Essa alteração, que consistiu em
retirar ou estabelecer objetos artísticos pertencentes às ruas – tal como os seus nomes indicam
33
– para os estabelecer dentro de portas fechadas, e desta forma capitalizar na popularização
destes fenómenos, continua a ser alvo de controvérsia, pois criou divisões na comunidade de
writers, sendo que alguns pensam que esta pode configurar uma forma de elitismo artístico,
como Waclawek (2008) afirma:
While for some writers the motivation to create work for galleries was primarily a method to
reverse the negative status writing had garnered on subway trains, for commercial gallery
owners, bringing graffiti inside was predominantly an exercise in capitalizing on a new art
trend. (p. 125)
Pensa-se que a capitalização do vandalismo artístico foi o que levou mais pessoas a
mudarem as suas perceções em relação aos murais que facilmente encontravam nos seus bairros
ou em muitas ruas das metrópoles. Passou a haver uma maior apreciação dos writers que as
faziam, que Calado (2011) corrobora afirmando: “A aceitação destas formas «marginais» de
arte é um […] caminho para a colaboração com o público. Ao mesmo tempo, a participação de
artistas conceituados prestigia formas de expressão artística consideradas secundárias.” (p.101)
Numa sociedade globalizada, um dos recursos também vastamente utilizados para a
popularização do graffiti foi a internet, que ajudou a criar comunidades de writers online, onde
estes partilhavam as suas pieces e murais e contribuíam para a partilha de experiências e forma
de utilização dos materiais, Ganz (2004) elabora:
The emergence of the internet has also played an interesting role in the evolution of graffiti.
[…] Massive archives have been setup by enthusiasts and artists. One example is ‘Art Crimes’,
which has become the definitive worldwide site for highlighting the talent of many writers for a
wider audience. (p. 10)
Mas porque é que as instituições artísticas passaram a expressar interesse no graffiti? Para
começar, o graffiti consistia, na sua maioria, em mensagens da população, nomeadamente
minorias étnicas ou descriminadas, para o público mais geral, com o objetivo de se fazer ouvir.
Então, daqui podemos entender que o graffiti servia para estabelecer comunicação com as
massas. A sua característica efémera auxilia ao facto de poder ser rapidamente alterada
consoante as necessidades de quem as escrevia, que segundo Noronha (2017):
34
A arte urbana é apresentada como tendo razões informais, nascida nos bairros da gente
comum, por isso é um atraente objeto de consumo para as massas. Surge da moderna, sempre
novo, como um apetitoso produto de mercado. Sendo efémera, descartável, é rapidamente
atualizada, os murais sucedem-se, por vezes sobrepostos em camadas refrescantes sobre uma
mesma parede. É um negócio político e comercial lucrativo. (p. 102)
Ao se considerar a arte urbana atualmente enquanto um negócio, apela-se ao facto de esta
ser comercial e leva à ideia de que esta se encontra vulgarizada. Mas quem é que gera lucro
com a arte urbana? Podem ser destacados três grupos principais: os museus e as galerias de arte,
as juntas de freguesia e câmaras municipais e os writers. Os primeiros obtêm receitas por via
dos visitantes que recebem com as exposições deste género de arte ou por via da venda de obras.
Os segundos são por vezes usufruidores de financiamentos públicos para a renovação de certas
regiões, incorporando arte urbana, nomeadamente em bairros municipais. E, por último, os
writers podem gerar receitas por via de trabalhos comissionados.
A arte urbana passou de ser representativa de um comportamento visto como marginal para
se tornar objeto de comercialização pelo Turismo de Portugal, que possui uma página sobre o
assunto no site visitportugal.com, com uma pequena descrição do que pode ser encontrado no
país e a apresentação de alguns dos artistas e iniciativas mais reconhecidos do género. Os jornais
e outros canais de media tradicionais passaram também a escrever artigos sobre os fenómenos
do graffiti, street art e arte urbana, analisando o impacto deste tipo de iniciativas e projetos nas
regiões em que estes se inserem, a nível económico e social.
2.3.1- Arte urbana em Lisboa
Não se sabe ao certo a data de início das iniciativas artísticas em Lisboa, mas pensa-se que
estas tenham advindo de um grupo de jovens de Cascais que criaram a sua crew por volta de
1988/1989, denominados de “CAC - “Criminal Assassins’ Crew” (Miranda 2015: 43) e que
passaram a grafitar dentro daquela área geográfica. Um dos membros desta crew é o Nomen,
que, em conversa informal em 3.3, informou que nos primórdios do graffiti português, o grupo
a que pertencia era o único a realizar este tipo de arte, mas que no início dos anos 90, existiam
já vários movimentos aliados à expressão artística.
35
Por volta dos anos 2000, as formas artísticas e o número de artistas aumentam, mas
continuam a existir sanções à realização do graffiti, sendo vista como um comportamento
altamente censurável. Foram feitos esforços nos anos que se seguiram para a criação de
organizações e iniciativas com o objetivo de promover um exercício legal do graffiti, bem como
de espaços destinados para o fazer.
A secção seguinte visa a compreensão das principais organizações e iniciativas
responsáveis pela reestruturação da street art em Lisboa, com destaque para o modo como estas
passaram a ser maioritariamente legais e comercializáveis.
2.3.2- Iniciativas e organizações
A street art em Lisboa iniciou-se de forma ilícita, mas rapidamente foram realizados
esforços para a sua legalização e aceitação. Esta secção visa um reconhecimento breve das
principais organizações responsáveis pela banalização da arte urbana em Lisboa, com uma
descrição dos seus objetivos e características, bem como do levantamento de algumas
iniciativas realizadas por cada.
● Galeria de Arte Urbana:
Uma das organizações mais influentes em Lisboa, pertencente ao Departamento de
Património Cultural da Câmara Municipal de Lisboa, é a Galeria de Arte Urbana (GAU). A
GAU foi criada em 2008 e o nascimento da organização surge no seguimento de uma ação de
limpeza na cidade, em que se encontravam a limpar todos os vestígios de graffiti existentes:
“Na altura, considerou-se importante criar um espaço alternativo especificamente dedicado à
arte urbana, onde fosse possível exercer a atividade de modo legal e estruturado.” (n.d., GAU).
A GAU é também a responsável pela organização do Festival MURO LX_2016, um
festival que conjuga a arte urbana com música, visitas guiadas e o contacto com as comunidades
locais. A iniciativa do festival mencionado será abordada mais vastamente no capítulo seguinte,
um estudo de caso sobre o Bairro Padre Cruz.
● Underdogs:
A Underdogs intitula-se de plataforma cultural e as suas áreas de ação consistem em
programas de arte pública, na produção de edições de artistas e no desenvolvimento de projetos
artísticos comissionados. (n.d, Underdogs). Esta funciona em parceria com a GAU, o que lhe
36
permite a criação de um número superior de intervenções em Lisboa e o contacto com mais
artistas. Estabeleceram-se em 2010 e possuem já várias iniciativas no seu repertório, algumas
destas sendo: em 2013, a parceria com a Village Underground Lisboa (Miranda, 2015: 47),
algumas versões do Festival Iminente, coorganizados pela plataforma, e várias participações no
Super Bock Super Rock, entre outras.
● APAURB- Associação Portuguesa de Arte Urbana:
Esta associação tem como presidente Octávio Pinho, um street artist conhecido como
SLAP, e tem vindo a realizar projetos focados na reabilitação de bairros municipais e regiões
empobrecidas e degradadas. Duas das obras mais conhecidas foram a retratação do túnel de
Alcântara e o projeto “40 ANOS 40 MURAIS'', com o objetivo de comemorar o 25 de Abril de
1974 (Miranda 2015:48).
Estes exemplos demonstram a apreciação e relevância que os fenómenos associados ao
graffiti foram ganhando. Intervenções como as acima referidas são cada vez mais fáceis de
encontrar e recebem uma grande apreciação das populações nas regiões em que estas se inserem
e levam a que muitos outros indivíduos se desloquem para as visualizarem presencialmente.
Consequentemente, a exposição de obras deste carácter leva ao reconhecimento de artistas neste
ramo e, complementarmente, de novas formas artísticas.
Estas iniciativas, especialmente em locais com uma vasta aglomeração de murais ou pieces,
levaram à criação de roteiros turísticos. Estes dividem-se em dois géneros principais: os roteiros
criados por pessoas da região, que tiveram contacto com os artistas ou conheceram o processo
criativo, e os roteiros realizados com o objetivo de capitalizar com a arte urbana. Tendo em
conta essa segunda modalidade, muitos desses programas são realizados ou por via de empresas
turísticas pré-estabelecidas ou por via de "walking tours”, uma modalidade de roteiros turísticos
mais informais, realizados muitas vezes por pessoas não especializadas em turismo.
Embora estes locais, na sua maioria, se situarem em zonas onde existe turismo massificado,
em certas instâncias, situam-se em locais não turistificados, como é o caso dos bairros
municipais, como será visto na secção a seguinte.
37
2.4- Comunidades Locais e Inserção da Arte Urbana
Desde cedo, foi notado que a presença de graffiti e street art era mais forte em zonas
desfavorecidas e bairros empobrecidos, com fraca essência identitária e sentido comunitário.
Muitas vezes, o graffiti presente consistia apenas em tags com o simples intuito de marcar as
paredes. Mas, também desde cedo, foi notado que as sanções a indivíduos que as realizavam e
as ações de limpeza de edifícios e meios de transporte eram ineficazes na redução ou contenção
destes comportamentos. Foram realizados esforços para reforçar os laços dentro das regiões
afetadas por estes comportamentos através da street art, o mesmo será analisado no estudo de
caso que se seguirá. Mas, as regiões escolhidas para este efeito possuem, na sua maioria, um
grupo de características comuns, como: o empobrecimento das condições de habitação, maior
nível de criminalidade (ou sentimento de maior criminalidade por via de populações exteriores)
e concentração de pessoas provenientes de várias vagas de alojamento forçado; situações que
fomentaram a desfragmentação comunitária. Com o intuito de angariar fundos e visibilidade
para esses locais, bem como de fortalecer as relações entre os habitantes, foram desenvolvidos,
em diversos bairros municipais, vários projetos artísticos urbanos. É relevante nomear alguns,
de entre estes:
● Quinta do Mocho
A renovação urbana, iniciada em 2014, no Bairro da Quinta do Mocho, parte de uma 2ª
edição do festival “O Bairro | O Mundo”, focado na requalificação de um dos bairros sensíveis
de Loures, que quer mostrar uma imagem diferente daquela pela qual é conhecido. (Diário de
Notícias, 2014)
Essa vaga de renovação instigou o interesse de tantas pessoas que não só passaram a existir
registos de visitas por via de turistas, como foi necessária a criação de um programa de visitas
guiadas. (Público, 2017)
● Chelas
Em 2015, a GAU, em colaboração com a Gestão do Arrendamento Social em Bairros
Municipais de Lisboa (GEBALIS) e o Centro Social Paroquial São Maximiliano Kolbe
(CSPSMK), decidiu reabilitar uma zona do bairro municipal de Chelas, de modo a melhorar as
relações entre os habitantes e o bairro, ao “levar para os bairros intervenções artísticas, que
38
envolvam e motivem os residentes a cuidar do seu bairro, estimulem a utilização adequada dos
espaços, aumentem o sentimento de pertença aos territórios e constituam uma mais-valia para
o espaço público" (GAU em entrevista ao Público 2015)
● Lumiar
Em 2019 foi a vez do Lumiar com a 3ª Edição do Festival MURO LX_2016 , um festival
que engloba não só a arte urbana, como muitas outras formas de expressão artísticas e
informativas. No caso do Lumiar, a ação foi levada a cabo mais em concreto na zona do Alto
do Lumiar, e contou com a realização de espetáculos de música ao vivo, bem como animação
de rua, workshops, conferências e a participação dos artistas nestas iniciativas, com o objetivo
de regenerar o tecido social do bairro, como dito pela GAU (n.d.):
A regeneração e valorização do espaço público e a sua apropriação por parte da população
residente são a base da acções programadas para o festival onde se incluem, para além das
intervenções artísticas, visitas guiadas, workshops de arte urbana, conferências, espetáculos
de música, teatro, artes performativas e animação de rua.” Por sua vez, foram também
iniciadas visitas guiadas pela arte urbana neste bairro.
Tendo em conta os exemplos acima referidos, é possível notar quais os objetivos
fundamentais com o estabelecimento de iniciativas de arte urbana em territórios
marginalizados, como o de estabelecer uma maior coesão social, regenerar os tecidos urbanos,
criar uma preocupação crescente por parte da população para a conservação das estruturas dos
bairros. Embora seja difícil notar diferenças imediatas, o certo é que tem existido uma tendência
crescente para a existência destas iniciativas bem como de uma mudança de discurso radical
em relação à representação destes bairros nos media, o que pode incentivar à conservação das
obras urbanas por parte da população e públicos exteriores, assim como procurar estabelecer o
respeito entre comunidades dentro dos bairros.
O capítulo seguinte procura explorar um destes casos mais atentamente, aliado às
iniciativas artísticas estabelecidas no Bairro Padre Cruz, numa tentativa de testar a aceitação
das obras de arte por parte da população e as mudanças que se seguiram às atuações das
organizações responsáveis por estas.
39
3- Bairro Padre Cruz: um passado, um presente e um futuro de renovações
imagéticas urbanas
O Bairro Padre Cruz, inserido na freguesia de Carnide, na zona norte de Lisboa, consiste
no foco de estudo principal neste capítulo. O motivo da escolha desta região para a análise
exploratória deve-se, de entre vários fatores, a ser um bairro que, embora localizado nas
proximidades do centro de Lisboa, era visto como território marginalizado. Em 2016, na altura
das principais instalações artísticas, surgiu um interesse súbito dos media para a reabilitação
feita neste bairro municipal.
Este capítulo tem como objetivo a compreensão do porquê dos pedidos de instalações de
arte urbana nesse território e também dos impactos que estas produziram. Sendo assim, visa o
estudo da história do local de modo a se entenderem as motivações existentes para o
estabelecimento das iniciativas artísticas, mas, também, para se entender as mudanças trazidas
ao bairro municipal. Após esse estudo, far-se-á um levantamento dos principais eventos
artísticos, bem como na documentação imagética da arte urbana.
3.1- Metodologia e Critérios de Análise
O estudo que se segue tem como base a questão de investigação: “de que forma a arte
urbana contribui para a imagem do bairro em termos de transformação social, incremento
turístico e integração do bairro no cenário lisboeta e internacional?”. Esta questão reúne os
tópicos que serão abordados neste estudo de caso. Para o seu desenvolvimento, no entanto, é
necessário delimitar as metodologias e os critérios de análise que serão adotados nesta
investigação. O primeiro passo consistiu no levantamento de informações via consulta a fontes
bibliográficas, bem como de pesquisa a informações contidas nos media. Uma vez concluída
essa abordagem inicial, passou-se à pesquisa de campo, que incluiu a realização de uma série
de entrevistas informais, que serão especificadas de seguida, assim como o acompanhamento
de uma visita guiada. Por fim, realizou-se o mapeamento das principais obras em exposição,
acompanhado de uma avaliação do seu estado de conservação.
O trabalho de campo, acima mencionado, foi realizado em várias visitas ao Bairro Padre
Cruz, entre as quais, uma para acompanhar um roteiro de arte urbana por parte da Boutique da
40
Cultura (BC), uma associação cultural sem fins lucrativos estabelecida em Carnide com o
propósito de dinamizar a cultura e as artes. Numa visita (não guiada), foram realizados registos
fotográficos de uma porção significativa das obras, de modo a ter uma perceção do estado de
conservação em que estas se encontram.
Adicionalmente, foram realizadas conversas informais com indivíduos de várias entidades
e organizações relevantes para o estudo. Em termos de artistas, foram obtidos dois relatos,
sendo um do Nomen e outro do Robô. Na Junta de Freguesia de Carnide (JFC), houve contacto
com o Presidente, Fábio Sousa, e com Gonçalo Ferreira, do Gabinete de Informação e Cultura.
Na GAU, com Hugo Cardoso e José Vicente ambos do Departamento de Património Cultural
da Câmara Municipal de Lisboa. No Bola P’ra Frente, centro comunitário de crianças e jovens
no Bairro Padre Cruz, houve contacto não só com Ana Paulos, coordenadora do centro, como
também com cerca de 15 jovens que foram expondo as suas opiniões sobre as iniciativas
artísticas. Na BC, com Paulo Quaresma e Marta Mateus. E, por fim, na Biblioteca Natália
Correia (BNC), com Rosário Cotrim, coordenadora. Todas estas conversas foram importantes
para a formulação deste estudo, pois foi possível entender, de um ponto de vista mais
personalizado, as visões das várias entidades sobre a arte urbana instalada neste bairro
municipal e as mudanças no bairro entre o antes destas instalações e o depois.
3.2- Bairro Padre Cruz: caracterização histórico-geográfica e renovações
urbanísticas
O Bairro Padre Cruz, objeto de estudo deste capítulo, constitui-se sob a forma de um bairro
municipal inserido na zona periférica da cidade de Lisboa. Este é um bairro com uma existência
curta, mas que foi adquirindo uma imagem negativa junto ao público exterior, sendo, por um
certo período, mais conhecido pela ideia de criminalidade apercebida do que sendo celebrado
por ser um dos maiores bairros municipais da península ibérica ou pela sua proximidade ao
centro histórico de Carnide.
Fundado nas décadas de 1950 e 1960, o Bairro Padre Cruz foi criado com o principal
objetivo de alojar populações provenientes de outros bairros, na sua grande maioria impróprios
para habitação. Segundo Fátima Freitas (2012): “(o) Bairro Padre Cruz foi um bairro criado de
raiz, em 1959-60, para acolher populações transferidas de outros bairros precários da cidade,
alguns deles, também provisórios” (p.13). No entanto, como vai ser observado logo de seguida,
41
este foi um bairro que passou por várias alterações urbanísticas, consequência de se encontrar
constantemente em processos de recebimento de populações de outros locais. As suas primeiras
estruturas, que já não existem, foram realizadas com um material denominado de “lusalite”. A
construção de casas em alvenaria iniciou-se cerca de dois anos após a criação do bairro,
acompanhada por uma ampliação na sua área geográfica.
Nos anos 80, surgiram motivações para a expansão do bairro, como o recebimento de novas
populações. Isto num período em que, segundo Freitas (2012: 14), o bairro estava a passar por
momentos de tensão entre a população e fragmentação nas relações sociais. A década de 1990-
2000, porém, foi a que registou as maiores migrações populacionais, devido aos prédios
construídos noutra zona do bairro para o efeito. Essa época contou com o realojamento de
populações vindas de vários locais, contando com alguns bairros municipais mais
empobrecidos e com vários problemas sociais, e esse movimento resultou num novo
enfraquecimento da coesão social dentro do bairro, especialmente entre as primeiras populações
que lá habitavam e os recém-chegados.
Em janeiro de 2012, foi iniciada uma nova fase de reestruturação do bairro. As condições
de habitação nas casas de alvenaria estavam a deteriorar-se e a população que lá vivia era na
sua maioria envelhecida, pelo que era importante garantir condições de habitação a essa
população. Esta é uma reestruturação que ainda se encontra em andamento. Consiste num
processo faseado de realojamento, demolição e construção de novos edifícios, cujo propósito é
remover as casas de alvenaria e construir, pouco a pouco, blocos de prédios nessas zonas.
Mais uma vez, estas renovações urbanísticas e arquitetónicas levaram a novos períodos de
tensão na comunidade. Neste caso, houve uma parcela da população que foi forçada a sair das
suas habitações e mudar-se - quer para um apartamento no bairro, noutra zona, quer para uma
opção localizada noutros bairros do município lisboeta. Consequentemente, esta população que
se movimentou ficou longe da comunidade com quem interagia diariamente, o que, em parte,
gerou uma tensão social mais percetível. Esta é uma tensão que se pressupõe que irá continuar,
visto que serão ainda destruídas mais casas de alvenaria.
Estas tensões foram sentidas pelas populações, ao mesmo tempo em que a imagem que o
bairro passava para o exterior era o de um bairro perigoso, marcado por mostras de
criminalidade. Tal situação pode ter acalmado, entretanto, visto que se previa o fecho da
Esquadra Municipal em 2014, aparentemente motivado, segundo Paulo Quaresma em 2020, em
conversa informal, pela falta de criminalidade no bairro municipal. O fecho, entretanto, não
chegou a ocorrer. Tal fato parece relevante para a presente reflexão, uma vez que um dos
42
objetivos deste estudo é o de entender qual é a visão que o bairro passa para o exterior num
contexto mais atual.
3.3- Arte Urbana no Bairro
Em capítulos anteriores, foram abordados os fenómenos da street art ou arte urbana. Nesta
secção, procura-se aplicar esses conhecimentos às iniciativas artísticas que foram levadas a
cabo no Bairro Padre Cruz.
Neste caso, no entanto, não serão tidos em conta os graffitis realizados pela população
devido ao seu carácter efémero, à sua rápida renovação e falta de documentação, apesar da forte
presença destes em determinadas zonas do bairro, especialmente de forma anterior a 2016. Esta
secção procura analisar as principais atividades e iniciativas ligadas à street art ou arte urbana
no bairro, bem como tentar estabelecer a sua finalidade. Desta forma, serão analisados dois
registos principais: Os concursos de graffiti realizados nos anos 90 e as iniciativas artísticas de
2016.
As primeiras iniciativas a relatar foram três projetos ligados ao graffiti, realizados em 1996
e 1997, segundo informações da BC e da Junta de Freguesia de Carnide. O concurso de 1996
foi organizado pela Associação Juvenil Renascer e os seus desenhos foram realizados em placas
de madeira, não existindo registos físicos da iniciativa. Os outros dois projetos, mais uma vez
organizados pela Associação Juvenil Renascer, foram realizados em dois espaços diferentes do
bairro: um nos muros do Campo de Jogos de Futebol Os Unidos e outro num muro adjacente à
Escola 167. As iniciativas faziam parte de um grupo de projetos voltados para a promoção da
cultura e para a coesão comunitária, não só dentro do bairro, mas também com as regiões
circundantes. (conferir Anexo C)
Apesar da rápida degradação das obras de registadas dessa época, ainda se constitui
possível visualizá-las, sendo que algumas destas estão surpreendentemente bem conservadas
após cerca de 30 anos da sua realização. Alguns dos nomes assinados nas paredes de graffitis
constituem-se agora como writers bastante estimados hoje em dia no paradigma da arte urbana
ou street art, incluindo um artista mencionado em 3.3: o Nomen.
Estas iniciativas, no entanto, acabaram por cair no esquecimento coletivo. Desse modo, em
parte devido às novas movimentações urbanas, tornou-se necessária a realização de novos
43
projetos e iniciativas que contivessem a fragmentação social. Foi esse o cenário que motivou
as iniciativas decorridas recentemente.
Em 2016, foram implementadas duas iniciativas para a transformação artística do bairro,
a primeira sendo o “MURO | Festival de Arte Urbana Lx_2016”, e a segunda o projeto “Criar
mudança através da Arte Urbana”. Um festival seguiu-se ao outro, pelo que o espaço urbano
passou por grandes mudanças visuais num curto espaço temporal.
O “MURO | Festival de Arte Urbana Lx_2016” foi realizado entre 30 de abril e 15 de março
e foi organizado pela GAU, em parceria com a Junta de Freguesia de Carnide, Empresa de
Gestão de Equipamentos e Animação Cultural (EGEAC) e GEBALIS, organismo responsável
pela gestão de bairros municipais. Esta iniciativa englobou uma série de atividades em redor
das expressões artísticas, para além das realizadas por via dos artistas. Um exemplo é o projeto
“Lata 65”, desenhado por Lara Seixo Rodrigues, uma das artistas e curadoras do projeto, que
consiste em workshops para seniores e crianças. A GAU, num livro realizado sobre as
iniciativas no Bairro Padre Cruz (2016), aponta que, no total, foram realizadas mais de 60 obras
que contaram com artistas nacionais e internacionais (p.6). Com este projeto, a GAU indica
mais adiante que foi possível promover um maior acesso à cultura por parte da população do
bairro e que foram reforçados os laços sociais, como abaixo destacado:
O município de Lisboa, como entidade organizadora, no contínuo investimento nas políticas de
proximidade, valorizou a vida de bairro, promoveu a democratização do acesso à cultura,
reforçou a inclusão social e criativa numa colaboração profícua com todos os que pretenderam
intervir no espaço público. (p. 7)
Para além das iniciativas artísticas, o Festival MURO LX_2016 procedeu também à criação
de espetáculos para a população, com o objetivo de concretizar as afirmações acima. Segundo
a GAU, numa das suas edições periódicas (2017: 11), afirma: "O MURO incluiu igualmente
um conjunto de espetáculos apresentados pelas instituições e associações locais, no âmbito de
trabalho de intervenção comunitária, como sessões de teatro de rua, performance, marionetas,
leitura e capoeira”.
O segundo projeto, “Criar mudança através da arte urbana”, foi levado a cabo entre 24 de
junho e 31 de julho de 2016. Este foi apresentado pela BC e a Crescer a Cores, em 2015, sendo
a última uma instituição social sem fins lucrativos situada no bairro e com o objetivo da
44
promoção de inclusão social das várias populações do bairro, especialmente as que se
encontram socialmente desprotegidas. Este projeto foi financiado através da candidatura e
aprovação ao programa BIP-ZIP da Câmara Municipal de Lisboa, um programa que consiste
em conceder financiamento a bairros e zonas prioritárias de intervenção com o objetivo de
melhorar as condições de habitação das populações. A GEBALIS foi também parceira neste
projeto, que englobou a realização de cerca de 29 murais, sendo a maioria destas obras de
dimensão bastante grande.
Os dois projetos foram compostos por uma panóplia de artistas e curadores, muitos destes
que se constituíram no cenário da arte urbana em grande escala. A prestação da GAU no bairro
subdividiu-se por pequenos grupos de artistas com curadores. Curadores estes que, no sentido
geral da arte, possuem os objetivos da criação dos conceitos e supervisionamento das obras. No
bairro, foram criadas 7 divisões com curadorias: a própria GAU; Underdogs, através de Vhils
e Pauline Foessel; Ana Vilar Bravo; Lara Seixo Rodrigues; Pedro Soares Neves; Miguel
Negretti; e, Pariz One.
Licenciada e pós-graduada em Arquitetura pela Universidade Técnica de Lisboa, Lara
Seixo Rodrigues participou nas iniciativas no Bairro Padre Cruz, por via de ser um dos
curadores e por ter realizado os workshops da Lata 65 no bairro. Apesar de não ser uma artista
urbana, Lara é uma produtora, curadora e fundadora de vários projetos em redor da arte urbana,
sendo exemplos disto o “Wool - Covilhã Arte Urbana”, os projetos da “Lata 65”, workshops
para crianças e idosos; e, a plataforma de intervenção urbana “Mistaker Maker”.
A Underdogs, brevemente abordada em 2.3.2, foi também curadora deste projecto,
realizada por Vhils e Pauline Foessel, dois dos responsáveis pela fundação da plataforma
cultural. Vhils, tal como abordado em 1.3, é um artista especializado numa técnica diferente de
arte urbana que consiste na perfuração e demarcação de paredes. Pauline Foessel, uma curadora
artística de nacionalidade francesa com uma vasta experiência em gestão empresarial e criação
de plataformas artísticas e culturais como “We don’t do flowers” em 2017 e “Art Curator Grid”
em 2018.
Conhecido no cenário musical enquanto DJ Glue (integrante da banda Da Weasel),
Miguel Negretti foi um dos curadores deste projeto. A sua maior ligação ao graffiti e arte urbana
parece surgir em 2009 aquando da criação da loja Lisboa Montana fixada à venda de materiais
destinados ao exercício deste género de arte e a exposição de trabalhos de vários artistas em
45
colaboração com a Underdogs. Atualmente, a loja chama-se Crack Kids, e procura dar realce a
artistas de graffiti pouco conhecidos.
Pariz One é um street artist nascido em França e cuja ligação com o graffiti se iniciou
em 1999. É um artista com formação em Audiovisuais e tem tido bastante reconhecimento a
nível internacional enquanto não só artista, como também Diretor Criativo e Curador de Arte.
No caso do Bairro Padre Cruz, Pariz One desempenhou tanto o papel de curador como o de
artista.
Pedro Soares Neves, também conhecido pelo seu pseudónimo no cenário urbano –
UBER – é um artista urbano com formação académica em várias áreas como o design, a
arquitetura, o urbanismo e arte pública. É uma das maiores referências nacionais a nível de
conhecimentos sobre o graffiti e arte urbana, bem como dos seus tópicos adjacentes, tendo
lançado vários registos sobre estes, bem como a incursão em conferências sobre os tópicos.
Ana Vilar Bravo, do Centro de Filosofia das Ciências da Universidade de Lisboa, foi
uma das curadoras deste projeto. Antiga estudante da FLUL no Mestrado de Cultura e
Comunicação, Ana Vilar Bravo formou uma ligação inegável às artes urbana e pública,
participando não só no Muro LX_2016, como também no projeto LumiARTE do mesmo ano.
Em termos de artistas, foram convidados mais de 50 entre os dois projetos no BPC, de entre
os quais, nomes bastante conhecidos à escala nacional e internacional, como: Bordalo II, Robert
Panda, Pantone e Low Bros.
Artur Bordalo, com o nome artístico de Bordalo II, é um artista conhecido
internacionalmente pelas suas obras fora do comum. O artista faz uso de materiais pouco
convencionais, considerados por muitos enquanto lixo, e compõe os seus murais de figuras
animalescas, com o objetivo de consciencializar as pessoas sobre o consumismo excessivo e a
destruição ambiental do planeta. Este é um artista com exposições de murais em vários países
do mundo, como Suíça, Itália e Brasil.
Robert Panda é um artista visual português conhecido pelas suas esculturas
antropomórficas em espaço urbano, às quais o artista apelida de “estúpidos”. Estas culturas são
usualmente construídas com materiais voláteis, como papel e fita adesiva. No caso do BPC, o
artista realizou duas instalações, uma principal feita com esses materiais que foi facilmente
destruída e, uma segunda, mas realizada com cimento, a qual ainda se encontra no bairro. Estas
esculturas, são comumente visualizadas também, em festivais, como o Eminente, e em várias
exposições artísticas.
46
Pantone, ou Felipe Pantone, é um artista urbano nascido na Argentina. A sua arte contempla
a manipulação das formas geométricas, por via de inspiração em correntes artísticas cinéticas,
e faz uso das cores por via da contraposição entre cores vivas e as cores neutras, como o branco
e preto. É um artista bastante reconhecido internacionalmente, tendo murais e exposições por
todo o mundo.
Dois irmãos alemães, Christoph e Florin Schmidt, compõem a dupla apelidada de Low
Bros, formada em 2011. As suas obras são usualmente constituídas por imagens animais,
formas geométricas e o uso do desenho 3D. Os seus trabalhos são reconhecidos mundialmente,
com exposições na Rússia, França e nos Estados Unidos.
No total, pensa-se que tenham sido realizadas cerca de 106 obras entre as iniciativas. No
entanto, devido ao carácter efémero da arte urbana, aos materiais utilizados e às condições de
deterioração naturais, como, por exemplo, a extrema volatilidade das condições atmosféricas,
muitas destas obras já não existem e muitas outras encontram-se em vias de desaparecer. Por
isto mesmo, a próxima secção dedica-se a uma documentação da arte urbana presente
atualmente no Bairro Padre Cruz, bem como à tentativa de análise básica do estado de
conservação das obras ainda existentes.
3.3.1- Documentação da arte urbana
Esta secção destina-se a uma tentativa mais detalhada de documentação da arte urbana no
Bairro Padre Cruz, interligando os projetos e iniciativas artísticas que ocorreram no bairro. Para
tal, foi realizado um mapa, apontando a maioria das obras imagéticas neste. Este mapa encontra-
se numerado para facilitar a listagem das obras. A fabricação deste mapa teve como base não
só visitas presenciais, como também mapas concedidos pelas várias organizações presentes nas
iniciativas: GAU, BC, Centro Cultural de Carnide e Gonçalo Ferreira da JFC. (Anexo B3)
47
O mapa contém 98 iniciativas realizadas no Bairro Padre Cruz. Segundo os dados das
organizações, a totalidade das obras terá sido de 106, mas é possível que se tenham perdido
alguns dos registos ou que a demasia seja formada por iniciativas como workshops da
população. De modo a fornecer um registo sólido das iniciativas, neste mapa estão incluídas as
que se sobrepõem em maioria dos registos há pouco falados ou que se consigam ver vestígios
por via das visitas guiadas.
Para facilitar a leitura, as obras encontram-se separadas em função da instituição de origem
da iniciativa, sendo atribuída a cada uma dessas organizações uma cor diferente. O vermelho
indica as obras realizadas pela GAU, com o Festival MURO LX_2016; o azul, indica as
iniciativas realizadas por parte da BC; o verde é o indicativo da zona dos workshops, como o
“Lata 65”, um dos workshops dos quais ainda se encontram vestígios. O amarelo, por sua vez,
encontra-se dividido: um dos pontos é relativo aos concursos de graffiti dos anos 90, enquanto
o outro ponto se refere a uma obra refeita em 2016. Esta última, teria sido apagada anos antes,
aquando de uma ação de limpeza, e, na altura dos festivais, surgiu a preocupação de convidar
o artista para a refazer, uma vez que este é também morador do bairro.
Figura . Mapeamento das obras presentes no Bairro Padre Cruz. Autoria própria. Mapa 1. Arte Urbana no Bairro Padre Cruz. Fonte: autoria própria
48
O mapa acima referido é relativamente interativo, pelo que pode ser mais facilmente
acedido e melhor visualizado a partir do website: https://umap.openstreetmap.fr/en/map/arte-
urbana-no-bairro-padre-cruz_546602#17/38.77064/-9.18980. Este mapa segue acompanhado
de uma listagem que, consoante os números indicados no mapa, identifica o estado de
conservação das obras (conferir Apêndice).
Os dados para a listagem foram registados entre visitas ao bairro entre março e julho de
2019. Nestas visitas surgiu a preocupação de entender o estado de conservação das obras e a
interação da população com estas. Apesar de só se contabilizarem 98 registos na listagem e no
mapa aqui apresentados, a análise será realizada de acordo com o número total de obras
fornecido pelas várias entidades, que é de 106. Tendo isto em conta, de entre os 106 registos, e
cerca de 3 anos após as iniciativas, apenas 12,3% não existiam. No entanto, é impossível saber
se a sua inexistência foi causada por atos de vandalismo ou pela deterioração natural e o caráter
efémero das obras. Das restantes, cerca de 3,8% apresentava sinais óbvios de vandalismo, como
tags, mas o que se constitui num valor relativamente baixo em relação ao número total de obras.
E, em termos do estado de conservação e tendo em conta ser algo inevitável, cerca de 15,1%
das obras mostravam algum grau de esmorecimento nas cores apresentadas, o que poderia ir de
um grau leve a um grau considerável. O grau considerável é mais concretamente marcado por
duas obras que apresentam um grande esbatimento nos respetivos tons vermelhos.
Foi realizado, adicionalmente, um pequeno registo fotográfico da arte urbana, registado
em setembro de 2020 (Conferir anexo C). Este registo encontra-se incompleto devido
principalmente às condições climatéricas do dia, tendo este sido um dia chuvoso. Existiu uma
adversidade adicional para a captação de imagens devido aos residentes do bairro utilizarem os
passeios de algumas ruas enquanto estacionamento, o que dificulta, não só a visualização das
obras como também a captação fotográfica. Por último, este registo contemplou essencialmente
as obras situadas nas zonas de casas térreas do bairro devido às especificidades da câmara
utilizada que possuía uma lente de 55mm, o que aproxima a imagem e, tendo em conta os
relevos existentes na região, reduziu a capacidade de retirar fotos às zonas prediais.
49
3.4- Impactos das intervenções e mudanças registadas
O Bairro Padre Cruz passou por uma enorme transformação imagética, através da ação
de limpeza do bairro e das iniciativas que nele foram realizadas. Nesta secção, o objetivo é
entender como a comunidade acompanhou essas mudanças e se a imagem para o exterior se
modificou. Desse modo, esta seção compreende as conversas informais realizadas com as várias
instituições e artistas, uma descrição da visita guiada, coberturas media sobre o bairro e assim
como, uma tentativa de entendimento da situação turística deste.
As conversas informais foram realizadas nas fases iniciais deste estudo, que decorreram
entre o período de dezembro de 2018 e abril de 2019, são bastante importantes, pois servem de
ligação entre as vivências no bairro antes das renovações urbanas e as vivências no bairro de
hoje. Muitos destes agentes possuem, também, fortes laços com a comunidade, o que confere
perspetivas mais próximas e, muitas vezes, pessoais. Seguir-se-á um breve resumo destas,
organizadas por instituição. No caso dos artistas, um é devido à sua participação nos projetos
de 2016 e pela sua experiência artística enquanto old-school artist, e o outro, apesar de não ter
participado nas obras do bairro, possui um base de estudos académicos artísticos, o que permitiu
formular algumas das considerações em 3.3.
Na conversa formal com Gonçalo Ferreira, da JFC, que terá ocorrido em dezembro de
2018, abordou-se sobretudo os concursos de graffiti dos anos 90 e as iniciativas de 2016, com
a candidatura ao projeto BIP-ZIP e a organização do “Festival MURO LX_2016”. Foi,
adicionalmente, relatado que as visitas guiadas pela arte urbana naquela altura eram sobretudo
realizadas pela GAU, pela BNC e pela BC.
A conversa com o Presidente Fábio Sousa, da JFC, ocorreu em fevereiro de 2019. Ao
ser questionado acerca das mudanças no bairro, este indica que estas se manifestaram
principalmente de duas formas. Por um lado, passou a existir uma maior preocupação dos
habitantes com a limpeza e manutenção dos espaços do bairro. Por outro, verificou-se uma
mudança enorme em relação à imagem do bairro nos media. Neste segundo ponto, Fábio Sousa
recorda que, quando acedeu ao cargo, em 2013, ao pesquisar por “bairro de Carnide”, a maioria
dos resultados consistia em violência e em notícias depreciativas em torno da área geográfica,
mas que passou a conferir-se uma mudança bastante relevante em que as coberturas passaram
a incidir sobre as feiras de Carnide e as iniciativas de arte urbana. Fábio Sousa indica também,
em relação à presente vaga de realojamento da população, que, apesar de ter havido alguma
resistência, especialmente da população mais idosa, considera que a arte urbana veio melhorar
o sentimento de autoestima.
50
A conversa com a GAU, em dezembro de 2018, teve sobretudo a presença de Hugo
Cardoso e, em alguns momentos, a colaboração de José Vicente. Na entrevista, foi questionado
o motivo da escolha do Bairro Padre Cruz para tais iniciativas. As razões mencionadas foram:
a criação de novas centralidades e a valorização do património municipal, de modo que a este
fosse conferido um maior poder local e um movimento associativo mais forte. A GAU forneceu,
adicionalmente, materiais adicionais para análise, muitos dos quais se encontram nas
referências bibliográficas deste estudo, como um livro sobre o Muro Lx_2016 e revistas
periódicas.
A entrevista a Paulo Quaresma, da BC, foi realizada em janeiro de 2019. Nesta conversa,
realizada no Espaço Boutique da Cultura sob forma de uma conversa particular, foram
abordados vários tópicos, sendo um destes as séries de realojamentos no bairro e os concursos
de graffiti que foram realizados com o intuito de minimizar os efeitos da fraca essência
identitária e comunitária associada de tais realojamentos. Ao se abordarem os projetos de 2016
e ao ser questionado por um certo número de visitantes, Paulo Quaresma indica que foram
realizadas cerca de 50 visitas de grupo em 2017, que resultaram em cerca de 900 visitantes
nesse ano. Por fim, uma das últimas questões apresentadas referiu-se à questão da criminalidade
e da existência ou não de dados que corroborassem uma descida do índice de criminalidade no
bairro, à qual Quaresma respondeu que o índice de criminalidade, à época, era já bastante baixo.
Marta Mateus, da mesma entidade, e em conversa informal no mesmo período, foi
questionada acerca das iniciativas e das visitas guiadas. Marta, que esteve presente quando as
obras estavam a ser realizadas pelos artistas, falou em maior detalhe sobre algumas das
experiências e interações entre a população e os artistas. Uma das histórias que Marta contou
foi que, enquanto um dos artistas se encontrava a pintar um dos murais nas zonas prediais, foi
pedido ao artista para prestar homenagem na sua obra a uma pessoa que tinha morrido naquele
prédio. Apesar do projeto já se encontrar praticamente terminado, o artista - Nomen - inscreveu
o número 71 na sua obra, número relativo ao número do prédio, mas que passou também a
representar um momento de luta naquele local, ação que, segundo Marta, agradou bastante os
seus habitantes. Relativamente às visitas guiadas no território, Marta Mateus é uma das
operacionais da BC.
A conversa na BNC aconteceu em março de 2019 e foi realizada com Rosário Cotrim,
coordenadora da instituição. O tópico central da conversa girou em torno das visitas guiadas
realizadas pela biblioteca, que adotou a estratégia de organizar atividades repartidas por vários
grupos: estudantes, idosos e crianças. Tais ações compreendem atividades lúdicas, como jogos
de memória, pedipapers - atividade que envolve o percurso pedestre com a resolução de tarefas,
51
como as de responder a questionários ou associação de fotografias a locais – bem como,
descrições das técnicas e história da arte urbana. Rosário Cotrim foi também questionada acerca
da preocupação da população com a conservação das obras. Respondeu com o relato de um
acontecimento aparentemente banal, mas que revela, em alguma medida, os ânimos da
comunidade: um jovem realizou um tag numa parede em frente à biblioteca e um outro jovem
ficou bastante indignado com essa ação.
Ana Paulos, coordenadora do projeto “Bola P’ra Frente”, da Associação Nacional de
Futebol de Rua, organizou um grupo de jovens dispostos a relatar as suas experiências e
opiniões em abril de 2019. A sessão de grupo contou com cerca de 15 jovens, entre os 7 aos 18
anos, que relataram as suas perspetivas enquanto moradores do bairro. A maior parte das
opiniões foram positivas em relação às instalações no bairro, contendo algumas comparações e
opiniões negativas subjetivas sobre alguns murais artísticos, mas, positivas em relação ao
produto final presente no bairro.
A conversa com Nomen ocorreu em visita ao seu estúdio, em Oeiras, em janeiro de
2019. Esta teve como foco principal os primórdios do graffiti e da arte urbana em Portugal,
assim como das motivações para este se constituir enquanto artista. Nomen indica que iniciou
a sua atividade em 1989 e que não existia quase ninguém a fazer o mesmo. Ao ser questionado
em relação aos concursos de graffiti dos anos 90 no bairro, o artista recorda a sua presença e
comentou que sentiu alguma “tensão”, ao ponto de ter receio de ser assaltado, mas que o mesmo
não se passou em 2016. Em termos da sua opinião em relação ao nosso paradigma da street art
ou arte urbana, o artista indica que considera que a cultura do graffiti sofreu bastante com a
comercialização porque esta passou a ser a maior motivação para as pessoas se introduzirem no
cenário do graffiti e street art. Nomen acrescenta ainda que, os novos artistas, muitas vezes
académicos e de outras gerações, não possuem a experiência dos primórdios do graffiti em
Portugal e que, portanto, as obras destes possuem menos valor.
Adicionalmente, existiu a conversa com o street artist Robô, a qual foi abordada em 3.3
ao se abordar acerca da importância da ilegalidade no graffiti e street art. O contacto com este
artista foi estabelecido após informação equívoca de que este teria participado nos projetos
artísticos de 2016. Após o ocorrido, adaptou-se a conversa para o cenário do graffiti e arte
urbana generalizado, composto por uma visão de um street artist com formação artística, e o
qual participou em várias iniciativas até aos dias de hoje, como o festival “InSTR” de Santarém
e o festival “Paredes com História” de Leiria. Embora não tenha participado nos acontecimentos
do bairro, a conversa com o artista fornece pontos de vista interessantes acerca do cenário do
52
graffiti e street art em Lisboa, bem como do mencionado anteriormente, em relação à formação
dos artistas.
As conversas informais aqui relatadas, vagamente inspiradas no conceito de observação
participante, foram um canal importante de informação e permitiram um maior conhecimento
sobre as iniciativas ocorridas no bairro, os acontecimentos, os procedimentos e as mudanças
observadas. Apesar das conversas possuírem um grau de conversa pouco formal, o objetivo
destas era o da comunicação com pessoas de vários círculos, interligadas aos tópicos centrais
do estudo, com o intuito de possuir um olhar mais aproximado do cenário em que o bairro se
encontra e as mudanças ocorridas. A maior parte dos tópicos abordados nas conversas são
analisados, em momento determinados, neste estudo. Alguns foram introduzidos casualmente
ao se falar abertamente dos acontecimentos, pelo que as conversas informais foram bastante
benéficas neste estudo. Um objetivo inicial seria o de falar informalmente com mais artistas, o
que não foi possível. Existiu, igualmente, a tentativa de falar com algumas das entidades de
gestão do bairro, como a GEBALIS, a CPCJ (Comissão de Proteção de Crianças e Jovens)
situada no bairro, a Associação de Moradores do Bairro Padre Cruz e as escolas de ensino
primário e básico lá instaladas.
Outro canal de informação relevante são as visitas guiadas. Quando ocorreram as
instalações da arte urbana, que suscitaram não só o interesse da comunidade local, como
também o de populações de fora, surgiu a oportunidade de criar programas de visitas guiadas
pelo bairro. Neste sentido, e considerando a oferta atual, existem duas vertentes: uma que surge
de uma colaboração entre as várias entidades que participaram nas iniciativas artísticas públicas
e uma outra, organizada por empresas alheias à realidade do bairro, ligadas à área do turismo.
A primeira vertente consiste em repartir funções entre algumas das entidades ligadas à
arte urbana e ao bairro. A GAU teve um papel duplo: de um lado, em parceria com as várias
entidades presentes nas iniciativas, procedeu à realização de sessões de formação para habilitar
pessoas para a realização de visitas guiadas; por outro lado, a própria GAU realizou visitas
guiadas especialmente direcionadas para escolas dos 2º e 3º ciclos, universidades e associações
ou clubes culturais, sem fins lucrativos. A BC também organiza visitas guiadas, em colaboração
com a JFC, pelo menos uma vez por mês, aos domingos, e com o custo de 4€. Segundo Paulo
Quaresma da BC (como foi anunciado anteriormente), esta contabilizou cerca de 50 visitas e
acompanhou cerca de 900 visitantes pelas ruas do bairro no ano de 2017. A BNC investiu
também na realização de visitas, envolvendo conteúdos mais lúdicos e especialmente
direcionados para escolas e grupos de idosos.
53
A segunda vertente consiste na oferta de roteiros realizados por empresas de turismo, que
procuram explorar o novo fenómeno da arte urbana realizando passeios pagos, a maior parte
destes sem trajeto pedestre, talvez devido à possibilidade de uma realização de visita mais
rápida. Um destes exemplos é a empresa Estrela D’Alva Tours, com o roteiro “The Real Lisbon
STREET ART tour”, cujo preço por visita ronda os 35€ por pessoa.
As duas vertentes são bastante diferentes, sendo que uma é realizada pelas entidades que
participaram nos projetos e a outra é por empresas exteriores. A primeira, ao ser realizada por
pessoas que estiveram presentes quando as obras se encontravam em execução, pode fornecer
informações pertinentes sobre as técnicas, os materiais e até a nível do contacto com os artistas.
A nível da promoção dos roteiros, estes por canais tradicionais, como os flyers, muitas vezes
dispostos na sede da BC ou na JFC, e por canais online, como a promoção destes por via das
páginas de facebook das várias entidades e pelos seus sites, poderá limitar o público a que
consegue chegar. É necessário que o visitante se interesse pelo bairro ou pela arte urbana até
que chegue a essas informações, ou que habite nos locais de distribuição dos flyers, pelo que
limita o público visitante a um público que reúna as condições apresentadas pois os canais de
comunicação encontram-se limitados.
A segunda vertente, apesar de não ter a experiência de campo que a primeira vertente inclui,
apresenta as vantagens de serem canais de turismo pré-estabelecidos. Isto significa que, com a
interação dos sites de turismo, é possível que estes tenham um roteiro de arte urbana que possa
captar a atenção dos visitantes do site, o que não implica necessariamente que estes possuam
um interesse prévio pelo bairro ou pela arte urbana. Através deste meio, são capazes, então, de
atrair públicos de locais mais afastados ou com interesses diferentes.
No entanto, sendo dada a opção a nível de preço e experiência, tendo em conta que as
visitas da BC são bastante mais acessíveis a nível monetário e que os guias tiveram uma
vivência especial com o objeto de consumo, caso os canais de informação das visitas guiadas
fossem melhorados, seria possível uma maior adesão às visitas guiadas do primeiro exemplo.
No âmbito deste estudo, foi acompanhada uma visita guiada pela arte urbana no bairro em
março de 2019. A visita guiada foi realizada por Marta Mateus, da BC, e José Amaral, um
morador do bairro e entusiasta da arte urbana. O ponto de encontro foi o Centro Cultural de
Carnide, situado na Rua do Cávado, no bairro. O trajeto perfez um círculo, o que permitiu a
visualização de todas as obras disponíveis. A visita iniciou-se nas casas de alvenaria, onde se
situam a maioria das obras, e só depois seguiu para as zonas prediais. A visita durou quase 2
horas em passo lento. Marta Mateus, ao guiar a visita, falou das suas experiências pessoais com
54
os artistas enquanto estes pintavam os murais, mas também realizou uma descrição das técnicas
e materiais que estes usaram. No turismo, acompanhar uma visita guiada com alguém bastante
informado sobre os tópicos é de extrema importância. Marta, ao se encontrar presente nos
projetos artísticos, conseguiu fornecer descrições pormenorizadas, as quais serão praticamente
impossíveis provindas de alguém sem ligação ao território ou aos acontecimentos deste.
Este súbito interesse em estimular o turismo pelo bairro foi bastante fomentado pelos
media. Anteriormente, foi abordada a realidade de que a imagem generalizada do bairro era
algo negativa, mas essas iniciativas, em 2016, levaram a que o Bairro Padre Cruz recebesse
tamanha atenção que passou a ser mais reconhecido pelas obras de arte urbana do que pelo
passado de criminalidade existente. Jornais como o Público, Diário de Notícias, Jornal de
Notícias e revistas como a Mutante e a TimeOut escreveram artigos sobre a arte urbana no
bairro, de pontos de vista diferentes, mas que encorajavam a visita por parte dos leitores.
A cobertura nos media levou a que passassem a existir páginas com sugestões de roteiros
pela arte urbana, não só no BPC, como também roteiros maiores, que incluíam outras regiões e
bairros lisboetas, como Telheiras e Lumiar, tendo por exemplo os realizados pela empresa
Green Trekker. Os roteiros e as coberturas mediáticas não só alteraram a imagem percecionada
do bairro para a população geral, como também permitiram uma maior reaproximação deste ao
cenário lisboeta, ao interagir com outras regiões com presença de arte urbana.
Os roteiros e a formação para as visitas guiadas incrementaram as visitas turísticas numa
região onde esta atividade era praticamente nula. O número conferido pela BC, de 2017, indica
que o bairro recebeu cerca de 900 visitantes, como já referido, e é possível também confirmar
a realização de visitas por via de outras empresas, como a Estrela D’Alva Tours e a Green
Tekker, pelo que pode-se afirmar que o bairro recebeu um número ainda superior ao fornecido
pela BC. No entanto, mesmo considerando apenas os 900 visitantes da BC, pode dizer-se que
é um número bastante relevante quando se fala de um bairro municipal periférico e uma região
nada preparada para acolher turistas.
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4- Reflexões
No decorrer deste estudo foram abordados múltiplos tópicos conceptuais. A questão de
investigação, a qual resume a direção geral do estudo e sobre a qual se procuram respostas,
sendo esta: “de que forma a arte urbana contribui para a imagem do bairro em termos de
transformação social, incremento turístico e integração do bairro no cenário lisboeta e
internacional?”, leva a que o estudo necessite de levar uma abordagem pluridisciplinar de modo
a entender as interações entre os itens nela presentes. Consequentemente foram abordados
tópicos não presentes na questão de investigação, mas pertinentes para o estudo generalizado e
que servem como conectores entre os itens da questão.
Desta forma, a presente secção pretende refletir sobre o todo do estudo, porém
utilizando esta secção para realizar uma conexão entre os capítulos mais teóricos, o primeiro e
segundo, e o capítulo do estudo de caso.
4.1- Arte Urbana: de Marginal a Mainstream
Foi, desde cedo, importante no estudo procurar analisar a origem dos itens artísticos e,
através da análise histórico-geográfica foi fácil entender que os fenómenos do graffiti e da street
art eram sobretudo encontrados em locais de passagem, zonas empobrecidas e lugares de
habitação de populações minoritárias. O estabelecimento de que estes exercícios possuíam o
objetivo de comunicar com a população geral, aliado às suas localizações geográficas,
confirmou que este é um exercício com raízes sucbculturais e fomentados, na sua maioria, pela
opressão de determinados grupos de indivíduos.
A norma social determina que os indivíduos em sociedade se comportem de acordo com
um determinado código de valores e formas de pensar, apresentando geralmente aspetos
coincidentes em várias culturas e sítios de atuação. O exercício do graffiti, no entanto,
apresenta-se como desviante, pois vai contra o que é pré-estabelecido em vivência comunitária.
É um exercício que adultera a paisagem urbana sem consentimento dos proprietários ou do resto
da comunidade.
Uma nova visão dos fenómenos foi vastamente influenciada pelas evoluções dos
mesmos que, embora não anulassem o exercício primordial do graffiti, se basearam neste e
complexaram as suas obras, tanto em termos da dimensão dos murais, como em termos de
56
variedade de técnicas, instrumentos e formas artísticas. Esta rápida evolução, que passou para
a street art ou arte urbana, levou ao interesse de museus e galerias de arte em levar a arte de rua
para dentro das instalações artísticas. Este novo movimento, pouco convencional para os street
artists da altura, criou as bases para que, algumas décadas mais tarde, surgisse uma nova forma
de transformação imagética urbana, caracterizada pela pintura em paredes e edifícios
autorizados por entidades ligadas à arte urbana ou gestão do espaço público, como câmaras
municipais, por exemplo. A criação de entidades para a promoção e salvaguarda desta tipologia
de arte foi um exercício revolucionário. Levou à criação de projetos, como festivais e
exposições em torno da arte urbana, o que permitiu uma visão aprimorada dos fenómenos
através do seu exercício, mas, também, pôde conferir aos street artists lugares de destaque. E,
elevando-se a arte urbana para um novo paradigma social, não visto enquanto uma atividade
marginal, mas sim um exercício artístico e o writer enquanto artista e não vândalo, passou a
existir uma maior aceitação por parte do público em geral.
Esta forma de arte urbana suprime ou adultera alguma das características-base dos seus
antecessores - graffiti e street art. Ao retirar a arte das ruas, estar-se-á a desconectar o fenómeno
das suas raízes culturais e a desprover significado ao seu conceito, pois os fenómenos adjacentes
à arte urbana não são apenas uma forma artística, são frutos das subculturas e pertencentes aos
locais de habitação destas. O estabelecimento da street art em museus e galerias de arte vai,
adicionalmente, diretamente contra tudo o que é apresentado nas suas várias nomenclaturas.
Subsequentemente, a característica da efemeridade é também afetada, pois esta é demarcada,
muitas das vezes, pela deterioração das obras pelas condições atmosféricas ou por via de outros
writers contribuírem numa obra já pré-estabelecida. Para uma peça que se encontre em
exposição num local como um museu, torna-se impossível a sua alteração ou modificação
constante.
O graffiti, contudo, continua a ser um exercício controverso para a generalidade da
população, ou seja, apesar de possuir as suas raízes subculturais, não significa que tenha ganho
reconhecimento nas sociedades em que se insere. Continuam a existir sanções a quem realiza
graffiti, o que não acontece com a arte legalizada, sendo que a arte urbana legal poderá ter
criado ainda mais distinção entre os dois conceitos e a sua forma de ser visualizada. Ao
considerar que a arte urbana se insere num patamar superior da arte pública em contraste com
o graffiti, um exercício vulgarmente considerado marginal, estar-se-á a retirar interesse ao
57
graffiti em detrimento da arte urbana e continuamente a depreciá-lo enquanto esforço vandálico
e fruto da criminalidade.
A contínua distinção apresentada acerca do valor apercebido das demonstrações
artísticas urbanas leva a divisões na comunidade. Separar o valor das obras urbanas de artistas
com formação artística das de artistas old school devido à diferenciação de vivências que estes
tiveram é válido no sentido em que as suas experiências foram bastante diferentes, no entanto,
não significa que umas obras se insiram num patamar superior às outras. Existem vários fatores
que podem fazer com que uma obra seja mais valorizada do que outra no seu nível base como
a capacidade artística em termos de desenho, composição ou até de transmissão de mensagens,
mas o valor real da arte é subjetivo pois é dependente das preferências de quem o vê: o público.
O carácter legal abordado no presente estudo não posiciona igualmente a arte num patamar mais
elevado, procura apenas uma abertura maior ao cenário da arte urbana a um leque de artistas
mais diversificado e, consequentemente, uma mostra artística mais significativa às populações.
Ou seja, assim como os projetos urbanísticos legais se mostram disponíveis a acolher artistas
de formações diferenciadas, assim deveria ser o mesmo com uma maior predisposição por parte
dos artistas old school em dar relevância às técnicas, mensagens e cenários históricos. Desta
forma, conseguir-se-ia uma verdadeira colaboração artística generalizada, algo benéfico para
todos os intervenientes através da coparticipação.
O Bairro Padre Cruz é um local caracterizado enquanto bairro periférico da cidade de
Lisboa e cenário para várias iniciativas artísticas, com destaque para as ocorridas em 2016.
Previamente a estas, o bairro possuía já várias presenças de graffiti e street art, o que tornou
estas tipologias artísticas já relativamente conhecidas para a população. Não significa, no
entanto, que a maioria não pensasse nestas enquanto comportamento marginal. Contudo a
escala da arte urbana que passou a existir no bairro foi completamente diferente. O que passou
a existir foi uma demonstração artística de dimensão especialmente relevante, apresentando-se
enquanto uma espécie de galeria ou museu a céu aberto, uma multitude de obras artísticas e
projetos num só bairro. Obras artísticas estas conseguidas através de vários projetos legalizados,
aprovados e apoiados por múltiplas entidades, como mencionado em 3.4.
Apesar de este ser considerado um dos maiores bairros da Península Ibérica, foram
englobadas nesta região mais de cem obras num espaço temporal inferior a um ano, com a
dimensão de muitas destas a ocupar fachadas inteiras de prédios com 6 andares. O graffiti e a
street art, que funcionam em ocupar espaços públicos determinados para a publicação das obras
58
de índole artística, escolhem o lugar sem a autorização dos habitantes. A conduta das entidades
para o exercício legal dos projetos pode também ter conduzido a uma aceitação mais facilitada
por parte da população pois todos os projetos foram aprovados pelas pessoas que viviam no
sítio onde iriam colocar as obras. Para os projetos serem realizados, procedeu-se também a uma
limpeza das ruas, a qual acabou por remover a grande maioria do graffiti no bairro. Este número
avultado de obras não foi observável em mais nenhuma das iniciativas do Festival MURO
LX_2016 ou do projeto BIP-ZIP, o que leva à conclusão de que, apesar de existir uma continua
aposta na transformação imagética urbana através da arte urbana, talvez tivesse existido um
excesso de obras num só local. Isto pode ser também reportado por se tratar de um bairro
municipal com uma área geográfica considerável, mas ao tratar-se de dois projetos da mesma
índole num curto espaço de tempo, conduziu a maiores mudanças entre a população e a
perceção externa. As obras também que se passaram a verificar, fruto das ações de limpeza,
consistiram todas em iniciativas legalizadas o que poderá ter fomentado uma visão mais
benéfica do ocorrido para públicos exteriores.
É possível visualizar os diferentes critérios de determinação do que é artístico ou não
por via do regime legal. O graffiti que o bairro continha anteriormente era considerado enquanto
comportamento marginal, e por isso foi alvo das ações de limpeza enquanto as instalações de
2016 foram consideradas enquanto movimento artístico. Existiam, no entanto, obras estimadas
pela população que se foram perdendo, e embora sem saber se devido à limpeza ocorrida, foram
pedidas às entidades para reporem - como o caso da obra de Carlos Raimundo, numa das
entradas do bairro. Esta é uma exceção à predisposição de que a street art ou o graffiti são
apenas exercícios marginais e representa também a vontade da população em possuir aquela
obra especificamente no espaço onde havia sido realizada. A arte urbana neste caso encontrou-
se a repor de forma legal uma obra consumada ilegalmente anos antes.
Outro aspeto interessante é o de tentar inserir algo previamente considerado enquanto
marginal e vandálico numa região visualizada dessa forma. Como se, de acordo com as leis da
matemática, duas forças negativas dessem um resultado positivo, as iniciativas artísticas foram
implementadas no bairro com intuitos benéficos, tanto para a população, como para as entidades
que participaram nos projetos. Adicionalmente, estas iniciativas chamaram a atenção dos
media, que contribuíram imenso em conceder uma nova imagem ao bairro.
59
4.2- Arte Urbana e o Turismo
O turismo, como foi analisado no capítulo 2 (Arte Urbana e o Turismo: Impactos nas
Comunidades Locais), é um dos maiores motores económicos atualmente. Faz uso de uma
relação sinergética com a cultura para motivar a deslocação de pessoas do seu ambiente
habitual. Foi possível conectar a arte urbana – e os fenómenos contíguos – à noção de cultura
por via do seu conceito abrangente, mas também por serem exercícios artísticos com raízes
subculturais.
Um dos tópicos relatados na questão de investigação é o do posicionamento do bairro
num contexto turístico e se esta atividade terá sido incrementada por via da arte urbana. No
entanto, sendo este um bairro municipalizado e não uma atração turística estabelecida, os dados
sobre a atividade turística antes de 2016 não existem. Pode ser por não se terem estabelecido
registos ao longo dos anos, ou o cenário mais provável, que é a procura turística não ser
relevante ao ponto de se necessitar de manter registos.
É possível também, que anterior a 2016 não existisse muito conhecimento sobre o
bairro, sendo que até nas comunicações sociais atualmente, a maior parte dos registos é sobre
os projetos artísticos urbanos.
No entanto, ao analisar e ao receber os dados que a BC forneceu sobre o número de
turistas registado em 2017 através das visitas ao bairro, surgiu o interesse de estudar o porquê
de existirem motivações em visitar locais usualmente conhecidos enquanto marginais. Aqui
encontramos os conceitos de periferização e autenticidade, onde é possível estabelecer
características comuns do bairro com estas. As constantes mutações a nível das tendências
turísticas e uma vasta saturação do turismo massificado, levam a que certos visitantes sintam
interesse em visitar locais ou regiões com pouca presença de turistas. Estes tipos de visitantes
procuram visitar locais periféricos ou que ocupem o backstage de uma região bastante
movimentada turisticamente e observar o dia-a-dia das populações. Estes locais são zonas que,
na maioria das vezes, possuem vários problemas estruturais, como o empobrecimento
generalizado da população, confrontos sociais e uma perceção exterior destes enquanto locais
marginalizados. Em cenários internacionais, é-nos tipicamente apresentada a noção destes
conceitos através da observação de exemplos de favelas- No entanto, é possível aliar outros
locais a estas características, como os bairros municipais. Os bairros municipais, apesar de
60
consistirem em locais com facilidade de habitação para pessoas mais carenciadas
economicamente, consistem também, como já foi abordado, em locais onde os realojamentos
forçados são algo recorrente e com pouca preocupação das entidades de gestão do território
para com a inserção das novas populações nesses locais. Estas situações constituem-se bastante
perturbadoras para os vários intervenientes pelo que deveriam ser de extrema importância, de
modo que seja possível a redução de conflitos internos.
É do interesse do turismo capitalizar numa variedade de locais, pelo que existem
esforços em tornar muitos destes enquanto ativos turísticos, o que poderá ser prejudicial para
muitos, caso não exista um planeamento prévio ou a não preocupação com a população
residente. A atividade turística, poderá, no entanto, ter consequências ou impactos positivos
numa região, por via de aumentar a economia local e conceder-lhe uma maior visibilidade.
O Bairro Padre Cruz, possuindo uma economia reduzida, concentrando em si apenas
pequenos negócios e o qual é composto por habitações municipais ou associações e entidades
ligadas ao serviço da comunidade, ao ser apresentado a um turismo massificado ou apenas
desregulado, poderia passar a sentir as pressões de co-dependência do turismo a longo prazo.
Tal como o Bairro Padre Cruz, este tipo de iniciativas artísticas foi realizado em diversos outros
bairros municipalizados. Os contínuos esforços das entidades ligadas ao projeto em se
manterem informadas sobre os sítios onde operaram, demonstram uma preocupação com o
bem-estar dos seus habitantes. Apesar de existir o interesse em tornar estes locais enquanto
locais passíveis de receber turistas, não aparenta que esta seja a maior motivação para a
implementação das expressões artísticas urbanas. Segundo a GAU, a JFC e BC, o bairro, através
da sua história de contínuos realojamentos populacionais, concentrava em si uma fraca essência
identitária e um débil sentido comunitário, pelo que os objetivos do estabelecimento dos
projetos e da inserção da população na confeção destes, eram os de promover a coesão social.
No entanto, foram realizados esforços para a realização de roteiros turísticos no bairro,
pelo que surgiu a necessidade das entidades se estabelecerem com a indústria turística. Este
contacto poderá ter várias motivações. Uma destas poderá ser tentar estabelecer o bairro
enquanto um maior motor económico, através de um rejuvenescimento nos negócios locais. A
melhoria de imagem do bairro poderá ser outra, por via de demonstrar à população exterior que
o bairro é um organismo recetivo ao recebimento de pessoas exteriores, o que por sua vez apela
ao esquecimento da ideia de passado criminal da zona. E, ainda, estabelecer uma maior
autoestima na população, ao tentar passar a imagem para as comunidades de que o património
61
e cultura no bairro devem ser preservados e estimados, por via de existirem pessoas motivadas
a visitar o bairro.
Existiu, a possibilidade da presença turística no bairro se ter constituído enquanto
negativa. Todavia, não se parecem ter registado ações significativas por via do turismo. Não
parece ter existido um aumento do poder económico local, sendo que se existisse, estabelecer-
se-iam outros negócios ou existiria inovação nos existentes, mas a esse nível o bairro parece
ter-se mantido intacto. As visitas turísticas aconteceram e ainda parece existir insistência de
entidades como a BC em roteiros ao bairro. Porém, apesar dos dados de 2017 serem relevantes,
não existem registos adicionais que demonstrem que o turismo no Bairro Padre Cruz tenha
apresentado um crescimento exponencial. Em termos da autoestima no bairro, o que pode servir
como indicador favorável a um aumento desta no local seria o da preservação - ou não
destruição - das obras dos projetos artísticos. Isto demonstra que existe uma preocupação da
população em manter as obras inalteradas por enquanto, já desde o ano de 2016.
4.3- Transformação Social
O estudo das comunidades locais e das relações entre a arte urbana e o turismo permitiu
que se procurasse entender as motivações das entidades e autarquias na introdução da arte
urbana nesses locais. Através da análise histórico-geográfica foi possível posicionar os
concursos de graffiti dos anos 90 numa época de tensões sociais no bairro, através de múltiplas
vagas de realojamentos em poucos anos. Os programas artísticos de 2016 instalaram-se numa
altura com o mesmo clima social. O que poderá ser indicativo de que a introdução destes
programas artísticos terá a ver com mudanças registadas nos tecidos sociais após estes
estabelecimentos.
O tópico da coesão social abre a discussão sobre se os resultados esperados pelas
entidades foram de facto atingidos. As repetidas tentativas de iniciativas artísticas urbanas deste
foro no bairro e noutros bairros similares, demonstram o esforço constante das autarquias em
investir nestes locais para fomentar algum tipo de mudança, mudança esta que poderá ter como
objetivo final ou característica a coesão social. E, algo indicativo de mudança, no caso do bairro,
poderá ser a preservação - ou não destruição - das obras, sendo que a grande maioria se encontra
intacta. Este argumento não é, no entanto, completamente indicativo do surgimento de um
62
sentido comunitário, podendo ser apenas formado por ações individuais na não destruição deste
novo património artístico.
Para existir coesão social e sentido comunitário num local que está em constante
mutação e em reação a múltiplas entradas e saídas populacionais, deverá existir um
entendimento prévio de que se está a lidar com diferenças culturais relevantes. A chave para
solucionar os problemas comunitários passa, na sua maioria, por atenuar as diferenças culturais
ao fomentar o respeito intercultural. Esta ligação entre culturas procura ser realizada já há
bastante tempo através de centros comunitários no bairro, como a BNC, o Bola P’ra Frente e
locais que existiam anteriormente, como os ATL’s e a Ludoteca. Algo que a arte urbana poderá
ter feito aqui é tentar reconectar as populações através de um exercício artístico que funciona
de forma multicultural em si também. Os vários artistas presentes nas iniciativas possuem todos
variados backgrounds culturais, muitos destes provenientes de outros países ou zonas do país
e, as suas obras possuem, também, objetos bastante variados. A arte urbana, através desta
diversidade criou um espaço de maior intimidade no local de atuação, o que poderá ter
fomentado o diálogo entre as populações através do objeto comum que absorveu o bairro. Este
diálogo, subsequentemente, poderá ter contribuído para uma maior preocupação da população
para com a preservação das obras e limpeza e manutenção dos espaços públicos.
Outra consequência que adveio dos projetos de 2016, foi a avultada cobertura mediática
acerca das instalações artísticas no bairro, em que vários canais de media se interessaram em
explorar a mudança na paisagem urbana no bairro. Esta mudança, focada em demonstrar as
obras e os habitantes, em contraste às anteriores mostras de criminalidade, levou a que imagem
exterior passasse a ser positiva e esse sentimento poderá ter sido passado à população e ter
motivado a autoestima e coesão comunitária.
O interesse em realizar roteiros turísticos e promover as visitas pela arte urbana no bairro
foi uma das mudanças mais relevantes, pois conjuga as anteriores. Ao se valorizar um bairro
municipal ao ponto de querer fomentar a visita de populações exteriores por entidades ligadas
à gestão deste bairro e tendo em conta as tensões sociais e a falta de autoestima no bairro, leva
a população a achar-se mais valorizada e por vezes a entender que o que possuem nos seus
locais de habitação é de especial interesse para pessoas exteriores. No caso do bairro, através
da análise foi possível conferir que a grande maioria das obras se encontrava intacta, o que
serve enquanto indicador de uma preocupação generalizada na conservação da arte urbana. A
contínua realização de visitas através da BC – demonstra igualmente que ainda existem
63
visitantes interessados em incorrer no roteiro, ou que, pelo menos, ainda há interesse das
entidades em promover a atividade turística na região. A população também tem aceitado bem
os visitantes. Isto poderá ser devido a não ser um turismo massificado ou opressivo, o que leva
a que a população reaja de forma menos sensível à entrada de pessoas.
4.4- Integração do Bairro Padre Cruz
A questão da investigação fala do posicionamento do bairro num cenário lisboeta ou
internacional, pelo que o turismo poderá ter auxiliado positivamente neste processo. Através de
um interesse generalizado na arte urbana, passaram a existir roteiros realizados para satisfazer
as necessidades da procura. No bairro não foi diferente. Não só passaram a surgir roteiros de
várias entidades com visitas guiadas, por via da BC, BNC ou GAU, como, também, empresas
turísticas exteriores passaram a querer fazer parte do processo, às vezes realizando visitas
guiadas entre vários bairros lisboetas. Este pode ser um fator a favor do posicionamento do
bairro enquanto mais próximo da cidade. Os canais media auxiliaram neste sentido igualmente
devido à publicidade que faziam ao bairro, e estando este integrado na cidade de Lisboa, ainda
que na periferia, poderá ter juntado os dois.
É mais difícil definir este impacto em termos de cenário internacional. Existe um
registo de uma visita guiada realizada pela GAU a estudantes de Erasmus de países diferentes,
como os Estados Unidos, Polónia, Bélgica e Alemanha. Apesar de ser uma notícia positiva
acerca do interesse de pessoas estrangeiras na arte urbana realizada num bairro municipal, não
chega a ser indicativo de que o bairro conseguiu inserir-se, de forma convicta, no cenário
internacional. No entanto, através das iniciativas artísticas, foram convidados vários artistas
estrangeiros para a realização de obras no bairro. Estes artistas poderão ter despertado o
interesse de várias pessoas ao redor do globo para os programas artísticos do bairro, através
das suas documentações nas redes sociais ou até após o feito, ao publicarem fotos com a
indicação do local. O facto de os artistas internacionais poderem ter posto o bairro no mapa
enquanto local de interesse para a arte urbana, pode ter feito surgir o interesse por parte de
vários públicos, podendo ter-se traduzido em visitas turísticas. No entanto, apesar de não
existir prova concreta, este aparenta ser um bom indício do estabelecimento do bairro num
contexto internacional, através da arte urbana.
64
4.5- Reflexões sobre o futuro
Até ao momento foi tida em conta uma visão do Bairro Padre Cruz e da arte urbana – e
fenómenos contíguos –, na sua maioria, sob um alcance temporal curto, mais focado no presente
ou no futuro próximo. A reflexão aqui pretende incidir sobre o futuro de todos esses
intervenientes de discussão nesta secção tendo em conta as informações presentes em todo o
estudo e as prospetivas apresentadas.
Tal como determinado previamente, o BPC passou por várias transformações desde o
ano da sua criação. As múltiplas vagas de realojamento moldaram o bairro e fomentaram a
existência de tentativas de preparação das populações para novas entradas populacionais,
através dos centros de apoio à comunidade e à gestão de habitação pública. O cenário
atualmente presente no bairro, no entanto, é um de reestruturação da imagem urbana – não só
devido à arte urbana, mas também devido à reorganização do bairro. Esta última é uma que
ocorre desde 2012 e parece ter terminado com a demolição de cerca de 300 casas de alvenaria
e o realojamento de cerca de 167 até 2019 (Jornal de Notícias, 2019). No entanto, as obras no
bairro continuam contendo ainda o projeto dedicado à Feira Popular de Lisboa, a ser situada no
bairro, na zona de interligação com a Pontinha. Este projeto iniciou-se em 2016, mas ainda com
pouco progresso, pelo que se prevê que este se constitua num projeto demorado, talvez também
atrasado devido aos efeitos da pandemia do SARS-CoV 2.
Isto significa que, apesar de, neste caso não se falar de enfraquecimento de laços
comunitários por via de entrada de novas populações, pode prever-se que no futuro poderão
existir momentos de tensão novamente devido ao excesso de população para visitar a nova Feira
Popular de Lisboa.
Em termos da evolução do turismo no bairro, esta é uma análise dificultada. Como foi
possível verificar anteriormente, não existem mostras de turismo massificado no bairro. O
número de turistas não parece ter aumentado ou até sido mantido, pois caso tivesse ocorrido,
haveria uma maior necessidade de manter registos anuais (pelo menos). No entanto, com a Feira
Popular de Lisboa, e analisando num alcance temporal mais prolongado, é necessário ter em
consideração a dimensão do projeto que se pretende aplicar e a popularidade da índole do
projeto. Caso não exista preocupação com um planeamento estratégico do turismo e uma
preocupação com a população local, o turismo futuro no bairro, que é praticamente seguro de
65
que irá ocorrer, poderá ser um turismo mais danoso para a população e área geográfica do que
recompensador.
Aquando da inauguração da Feira Popular de Lisboa é também possível uma nova ação
de limpeza do bairro, o que pode fazer com que se limpem registos anteriores de arte urbana
que se encontrem em degradação ou mesmo para fazer espaços para novos projetos artísticos.
Sendo que a Feira Popular de Lisboa se vai situar no bairro, existe a probabilidade que procurem
conceder uma imagem do bairro benéfica e que seguindo exemplos históricos, o façam através
da arte urbana. Não se pode excluir a probabilidade de existirem futuramente novos projetos
artísticos urbanos e que tornem a imagem de marca do bairro numa galeria ou museu a céu
aberto.
A arte urbana, como foi falada durante toda esta análise, parece estar continuamente em
crescimento. A facilidade na comercialização da arte e a mostra de interesse por parte tanto de
artistas de backgrounds diferentes e da população em recebê-los ou deslocar-se até eles, levam
a que a tração ganha pelas entidades responsáveis pelos projetos como os apresentados neste
estudo se concentrem em apresentar cada vez mais projetos, sendo estes cada vez mais
inovadores. As experiências obtidas das iniciativas realizadas na década passada têm servido
para educar o que poderá ser feito nos anos que se irão seguir. No seguimento do Festival
MURO LX_2016 do BPC, a GAU sentiu uma maior preocupação em conceder menos murais
aos bairros de atuação, mas de os posicionar em locais de maior importância. Ora, isto leva a
crer que este género de urbanismo será cada vez mais planeado de modo a demonstrar os
resultados que as entidades esperam, o que em si revela preocupação com os projetos e também
com as populações residentes. Este planeamento pode levar também à possibilidade de realizar
projetos mais focados numa temática em certos polos de atuação e em vez da maior
preocupação se revelar com a dimensão do projeto, talvez de se revelar em realizar projetos
mais curtos em dimensão e número de murais, mas das atuações das entidades se espalharem e
espelharem para outras regiões.
A própria arte urbana é algo em si que não parece ter estagnado até agora. São visíveis
sinais de constante evolução nas técnicas e materiais utilizados, bem como dos locais onde são
realizados e experiências académicas ou profissionais dos artistas.
66
Considerações Finais
A arte urbana e os seus fenómenos contíguos tornaram-se numa tendência global. Aliada à
indústria turística, esta cria potencial para a movimentação exponencial de pessoas entre
regiões. A presente dissertação tem como objetivo o entendimento da origem da arte urbana, o
porquê do seu estabelecimento em locais marginalizados e a como é que conseguiu evoluir de
prática vandálica a produto comercializável para as massas.
De modo a entender melhor as implicações destes fenómenos foi selecionado um bairro
municipal, o Bairro Padre Cruz, o qual não só contou com a presença de iniciativas artísticas
por parte de organizações voltadas para os fenómenos em 2016, como também já tinha tido
projetos precedentes no final dos anos 90. Com o presente estudo de caso foi possível confirmar
a presença da atividade turística, ainda que em números pequenos relativamente a Lisboa. Foi
possível visualizar que a presença turística num destino pouco preparado não é necessariamente
negativa, quando esta não é em excesso, e que esta poderá fomentar a coesão comunitária e
orgulho de pertença, enquanto procura estimular as economias estagnadas.
Foi também possível entender que, através da arte urbana, foi possível uma nova
aproximação da capital e uma renovação da imagem do bairro nos media, que passou de um
bairro marginalizado, a uma espécie de museu a céu aberto.
O estudo de caso explanatório permitiu documentar uma espécie de arte conhecida pela sua
característica efémera, e por isso, com poucos relatos escritos. Esta documentação permitiu
também analisar o estado de preservação das obras e entender a preocupação das populações
com a sua deterioração, algo que neste caso foi positivo.
O presente estudo é sobre algo que pode ser tendencial, pois como foi demonstrado, este
bairro não terá sido o único a receber estas iniciativas como renovações imagéticas e, deste
modo, é um estudo que poderá ser transversal a outras regiões ou até outro género de renovação
urbanística. No entanto, o estudo possuiu as suas limitações. A falta de consenso nos conceitos
estudados, especialmente nos de graffiti, street art e arte urbana, são dificultadores de análise,
pois existem ainda mais conceitos adjacentes a estes e pouca diferenciação entre uns e outros,
pelo que poderão existir mais estudos sobre os tópicos, mas catalogados de forma diferente,
assim como existirão relatórios lidos que não serviram para a inclusão neste estudo porque o
conteúdo era inteiramente diferente do aqui abordado.
67
Existiram alguns fatores que limitaram o estudo. A restrição deste a uma só região foi uma
decisão tomada para permitir o seu aprofundamento à região escolhida e apesar de se te terem
exemplificado outras regiões e outras iniciativas e muitas das características serem transversais,
não é subjetivo de que o terá limitado. No futuro a expansão desta forma de estudo poderá ser
construída a partir desta análise, com mais estudos de caso sobre regiões com as mesmas
características. Mesmo os próprios tópicos de análise eram bastante abrangentes, pelo que será
possível realizar um número infinito de análise sobre os temas presentes e tomar em linha de
consideração aspetos diferentes, através das suas interligações ou não, ou até das regiões em
que são aplicadas ou os seus alcances temporais.
Outra limitação adveio com a propagação da pandemia SARS-CoV 2, a qual veio limitar a
circulação e medidas de contactos. Anteriormente existia o objetivo de contactar com mais
entidades localizadas no bairro, de modo que estas se constituíssem ainda mais enquanto
importantes objetos de estudo. O contacto foi realizado com entidades como a GEBALIS, as
escolas do bairro e a Associação de Moradores, no entanto, infelizmente, não foi possível
conversar com estas e consequentemente obter informações valiosas. Porém, esta pode
manifestar-se como uma preocupação primária em novos estudos sobre o bairro, sendo que
estes são bastante reduzidos.
Referente ao turismo, seria interessante uma análise maior do turismo na região ou mesmo
dos efeitos do turismo em tempos de pandemia e observar os resultados observados em relação
à tipologia de turistas que procura visualizar arte urbana e street art, bem como de uma
representatividade em termos numéricos.
O que este estudo constitui é uma nova abordagem ao turismo contemporâneo, ao estudar
a direta aplicação dos conceitos de autenticidade e periferia numa região que era previamente
marginalizada, mas cuja opinião pública se alterou por via de uma prática anteriormente
considerada enquanto marginal. A realização de um estudo de caso numa região tão pouco
estudada acaba por contribuir para a literatura referente à região e conceder mais conhecimento
relevante. A elaboração de uma dissertação sobre o tópico da arte urbana, dada a sua
popularidade, é algo que continha já precedentes. Este estudo procura inovar através da
exploração de outras formas de atuação dos fenómenos. A associação a este do estudo das
comunidades locais e da associação dos tópicos à indústria turística pode revelar-se enquanto
uma mais valia para a literatura sobre todos os tópicos aqui abordados.
68
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72
Apêndice
Listagem das obras resultantes das iniciativas artísticas presentes no Bairro Padre Cruz atualmente
Nº Estado de Conservação
1 Bom estado de conservação
2 Bom estado de conservação
3 Bom estado de conservação
4 Existente, com esmorecimento das cores
5 Bom estado de conservação
6 Bom estado de conservação
7 Bom estado de conservação
8 Existente, com esmorecimento das cores relevante
9 Bom estado de conservação
10 Bom estado de conservação
11 Bom estado de conservação
12 Bom estado de conservação
13 Bom estado de conservação
14 Bom estado de conservação
15 Presença de tags
16 Bom estado de conservação
17 Bom estado de conservação
18 Bom estado de conservação
19 Presença de tags
20 Existente, com bastante esmorecimento das cores.
73
21 Bom estado de conservação
22 Existente, com leve esmorecimento das cores
23 Bom estado de conservação
24 Bom estado de conservação
25 Bom estado de conservação
26 Bom estado de conservação
27 Bom estado de conservação
28 Bom estado de conservação
29 Existente, com leve esmorecimento das cores
30 Bom estado de conservação
31 Bom estado de conservação
32 Bom estado de conservação
33 Bom estado de conservação
34 Bom estado de conservação
35 Bom estado de conservação
36 Existente, com esmorecimento das cores
37 Existente, com danos visíveis
38 Bom estado de conservação
39 Bom estado de conservação
40 Existente, algum dano
41 Bom estado de conservação
42 Bom estado de conservação
43 Não existente
74
44 Bom estado de conservação
45 Existente, com esmorecimento das cores
46 Bom estado de conservação
47 Bom estado de conservação
48 Bom estado de conservação
49 Existente, com algum esmorecimento das cores
50 Bom estado de conservação
51 Bom estado de conservação
52 Bom estado de conservação
53 Bom estado de conservação
54 Bom estado de conservação
55 Existente, com esmorecimento considerável das cores
56 Bom estado de conservação
57 Bom estado de conservação
58 Bom estado de conservação
59 Não existente
60 Bom estado de conservação
61 Bom estado de conservação
62 Bom estado de conservação
63 Bom estado de conservação
64 Bom estado de conservação
65 Existente, com esmorecimento das cores
66 Bom estado de conservação
75
67 Bom estado de conservação
68 Bom estado de conservação
69 Bom estado de conservação
70 Bom estado de conservação
71 Bom estado de conservação
72 Bom estado de conservação
73 Bom estado de conservação
74 Bom estado de conservação
75 Bom estado de conservação
76 Bom estado de conservação para graffiti dos anos 90
77 Bom estado de conservação
78 Bom estado de conservação
79 Bom estado de conservação
80 Existente, com esmorecimento das cores
81 Bom estado de conservação
82 Existente, com esmorecimento das cores
83 Não existente
84 Existente, com esmorecimento considerável das cores
85 Bom estado de conservação
86 Existente, com esmorecimento das cores
87 Não existente
88 Existente, com esmorecimento das cores
89 Bom estado de conservação
76
90 Bom estado de conservação
91 Bom estado de conservação
92 Bom estado de conservação
93 Não existente
94 Bom estado de conservação
95 Bom estado de conservação
96 Existente, com esmorecimento das cores
97 Bom estado de conservação
98 Bom estado de conservação
77
Anexos
ANEXOS A – Regimes Jurídicos ligados ao graffiti
Anexo A1- Lei 61/2013 de 23 de Agosto, artigos 1º, 3º e do 6º ao 9º
Lei n.º 61/2013
de 23 de agosto
Estabelece o regime aplicável aos grafitos, afixações, picotagem e outras formas de alteração, ainda
que temporária, das caraterísticas originais de superfícies exteriores de edifícios, pavimentos, passeios,
muros e outras infraestruturas.
A Assembleia da República decreta, nos termos da alínea c) do artigo 161.º da Constituição, o
seguinte:
Artigo 1.º
Objeto
1 - A presente lei estabelece o regime aplicável aos grafitos, afixações, picotagem e outras formas
de alteração, ainda que temporária, das caraterísticas originais de superfícies exteriores de edifícios,
pavimentos, passeios, muros e outras infraestruturas, nomeadamente rodoviárias e ferroviárias,
vedações, mobiliário e equipamento urbanos, bem como de superfícies interiores e ou exteriores de
material circulante de passageiros ou de mercadorias, quando tais alterações não sejam autorizadas pelos
respetivos proprietários e licenciadas pelas entidades competentes conforme nela definido.
2 - A presente lei não se aplica:
a) À afixação e à inscrição de mensagens de publicidade e de propaganda, nomeadamente política,
regime consagrado na Lei n.º 97/88, de 17 de agosto, alterada pela Lei n.º 23/2000, de 23 de agosto, e
pelo Decreto-Lei n.º 48/2011, de 1 de abril;
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b) A formas de alteração legalmente permitidas.
(…)
Artigo 3.º
Licenças e autorizações
1 - Compete às câmaras municipais licenciar a inscrição de grafitos, a picotagem ou a afixação, em
locais previamente identificados pelo requerente, mediante a apresentação de um projeto e da
autorização expressa e documentada do proprietário da superfície ou do seu representante legal, quando
este exista.
2 - As licenças referidas no número anterior são emitidas nos termos do regulamento de taxas e
isenções definido pelo município competente para o licenciamento.
3 - Não são suscetíveis de licenciamento as intervenções que descaracterizem, alterem,
conspurquem ou manchem a aparência exterior e ou interior de monumentos, edifícios públicos,
religiosos, de interesse público e de valor histórico ou artístico ou de sinalização destinada à informação
legal, à segurança, à higiene, ao conforto, à regulação da disciplina da circulação de veículos e pessoas,
e à exploração adequada dos meios de transporte público, ou que com estas contendam.
4 - O disposto no presente artigo não implica, em qualquer caso, uma apreciação do conteúdo
temático ou da expressão criativa da alteração em causa, salvo quando seja suscetível de consubstanciar
a prática de um crime.
(…)
Artigo 6.º
Contraordenações
1 - Fora dos casos permitidos, e quando não for aplicável sanção mais grave por força de outra
disposição legal, a realização de afixação, grafito e ou picotagem constitui:
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a) Contraordenação muito grave, quando descaracterize, altere, manche ou conspurque, de forma
permanente ou prolongada, a aparência exterior do bem móvel ou imóvel, ou a aparência do exterior ou
interior de material circulante de passageiros ou de mercadorias, pondo em grave risco a sua restauração,
pelo caráter definitivo ou irreversível do meio utilizado para a sua alteração;
b) Contraordenação grave, quando descaracterize, altere, manche ou conspurque, de forma
prolongada, a aparência exterior do bem móvel ou imóvel, ou a aparência do exterior ou interior de
material circulante de passageiros ou de mercadorias, mas sendo reversível por via da simples limpeza
ou pintura;
c) Contraordenação leve, quando descaracterize, altere, manche ou conspurque a aparência exterior
do bem móvel ou imóvel, ou a aparência do exterior ou interior de material circulante de passageiros ou
de mercadorias, mas sendo reversível por via da simples remoção, limpeza ou pintura.
2 - As intervenções a que se referem as alíneas b) e c) do número anterior que descaracterizem,
alterem, manchem ou conspurquem a aparência de monumentos, edifícios públicos, religiosos, de
interesse público e de valor histórico ou artístico, constituem sempre contraordenação muito grave.
Artigo 7.º
Apreensão e perda
1 - Os objetos, equipamentos e materiais que se destinem ou tenham sido utilizados nas
intervenções não licenciadas a que se refere a presente lei são apreendidos e perdidos a favor do Estado,
sendo o seu destino decidido pela autoridade administrativa competente nos termos do artigo 8.º
2 - Quando, devido a atuação dolosa do agente, se tiver tornado inexequível, total ou parcialmente,
a perda de objetos a favor do Estado que, no momento da prática do facto, lhe pertenciam, pode ser
declarada perdida uma quantia em dinheiro correspondente ao valor daqueles.
3 - A perda de objetos ou do respetivo valor pode ter lugar ainda que não possa haver procedimento
contra o agente ou a este não seja aplicada uma coima.
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4 - A perda de objetos pertencentes a terceiro só pode ter lugar:
a) Quando os seus titulares tiverem concorrido, com culpa, para a sua utilização ou produção ou do
facto tiverem tirado vantagens; ou
b) Quando os objetos forem, por qualquer título, adquiridos após a prática do facto, conhecendo os
adquirentes a proveniência.
Artigo 8.º
Instrução e aplicação de coimas e outras sanções
1 - A instrução dos processos de contraordenação compete às câmaras municipais e a aplicação das
coimas e demais sanções ao respetivo presidente.
2 - Quando o ordenamento, a gestão ou manutenção do património objeto de alteração não sejam
da competência do município a instrução do processo cabe à entidade administrativa competente para a
gestão e manutenção do património em causa, competindo a aplicação das coimas e demais sanções ao
respetivo dirigente máximo.
3 - Tratando-se da alteração de superfície interior e ou exterior de material circulante de passageiros
ou de mercadorias, designadamente de comboios, metropolitanos, elétricos, elevadores, autocarros ou
barcos, a instrução dos processos contraordenacionais compete ao Instituto da Mobilidade e dos
Transportes, I. P., e a aplicação das coimas e demais sanções ao respetivo presidente, sem prejuízo das
competências dos órgãos e serviços próprios das administrações regionais.
Artigo 9.º
Coima
1 - Às contraordenações leves corresponde coima de (euro) 100 a (euro) 2500.
2 - Às contraordenações graves corresponde coima de (euro) 150 a (euro) 7500.
81
3 - Às contraordenações muito graves corresponde coima de (euro) 1000 a (euro) 25 000.
4 - Nos casos do n.º 1 do artigo anterior o produto das coimas constitui receita do município
competente para a instrução dos processos de contraordenação, revertendo 10 % para a entidade
autuante.
5 - O produto da coima reverte, nos casos dos n.os 2 e 3 do artigo anterior, em:
a) 60 % para o Estado;
b) 30 % para a entidade competente;
c) 10 % para a entidade autuante.
6 - O produto da coima a que se refere a alínea a) do número anterior, quando a mesma seja aplicada
em virtude de contraordenação praticada em região autónoma, reverte para a respetiva região.
Anexo A2 – Artigo 212º do Decreto-lei 48/95 do Código Penal
1. Artigo 212.º
Dano
1 - Quem destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável coisa ou animal
alheios, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.
2 - A tentativa é punível.
3 - O procedimento criminal depende de queixa.
4 - É correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 206.º e 207.º
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Anexos B – Documentos concedidos por organizações ligadas ao graffiti, street art e arte urbana
Anexo B1 – Demonstração de formas estilísticas do tag
Figura 2. Tag de CORNBREAD. Fonte: https://philadelphiaweekly.com/godfather-of-graffiti/
Figura 1. Tag de TAKI 183. Fonte: https://www.taki183.net
83
Anexo B2- Panfletos da Junta de Freguesia de Carnide publicitados entre os anos de 1996 e 1997
Figura . Panfleto dos Concursos de Graffiti. Fonte: Junta de Freguesia de Carnide
Figura .Panfleto dos Concursos de Graffiti. Fonte: Junta de Freguesia de Carnide
Figura 3. Panfleto da Junta de Freguesia de Carnide (frente)
Figura 4. Panfleto da Junta de Freguesia de Carnide (verso)
84
Anexos B3: Mapas do Bairro Padre Cruz
Figura . Panfleto dos Concursos de Graffiti. Fonte: Junta de Freguesia de Carnide Figura 5. Panfleto da Junta de Freguesia de Carnide
Mapa 2. Mapa da arte urbana no Bairro Padre Cruz. Fonte: Biblioteca Natália Correia
85
Figura . Mapa da arte urbana no Bairro Padre Cruz. Fonte: Boutique da Cultura Mapa 3. Mapa da arte urbana do projeto BIP-ZIP. Fonte: Boutique da Cultura
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Anexos C- Registos fotográficos da arte urbana no Bairro Padre Cruz em 2020
Figura 6. Arte Urbana no Bairro Padre Cruz em 2020. Festival Muro Lx_2016. Fotografado por: Teresa Beirão
Figura 7. Arte Urbana no Bairro Padre Cruz em 2020. Festival Muro Lx_2016. Fotografado por: Teresa Beirão
87
Figura 8Figura 9. Arte Urbana no Bairro Padre Cruz em 2020. Concursos de Graffiti. Fotografado por: Teresa Beirão
Figura 9. Arte Urbana no Bairro Padre Cruz em 2020. Festival Muro Lx_2016. Fotografado por: Teresa Beirão
88
Figura 10. Arte Urbana no Bairro Padre Cruz em 2020. Festival Muro Lx_2016. Fotografado por: Teresa Beirão
Figura 11. Arte Urbana no Bairro Padre Cruz em 2020. Festival Muro Lx_2016. Fotografado por: Teresa Beirão
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Figura 12. Arte Urbana no Bairro Padre Cruz em 2020. Boutique da Cultura. Fotografado por: Teresa Beirão
Figura 13. Arte Urbana no Bairro Padre Cruz em 2020. Concursos de Graffiti. Fotografado por: Teresa Beirão
90
.
Figura 14. Arte Urbana no Bairro Padre Cruz em 2020. Concursos de Graffiti. Fotografado por: Teresa Beirão
Figura 15. Arte Urbana no Bairro Padre Cruz em 2020. Boutique da Cultura. Fotografado por: Teresa Beirão