a cobrança das contribuições ao inss na justiça do trabalho

10
Rev. TST, Brasília, vol. 70, n” 1, jan/jul 2004 81 A COBRAN˙A DAS CONTRIBUI˙ÕES AO INSS NA JUSTI˙A DO TRABALHO Aloysio Santos* SUM`RIO: Introduçªo; 1 Origem do problema. Lei Trabalhista de Execuçªo PrevidenciÆria (LTEP); 2 A experiŒncia do TRT da 3“ Regiªo na execuçªo da con- tribuiçªo previdenciÆria; 3 Natureza jurídica da contribuiçªo; 4 Prazos; 5 Processo de cogniçªo ou de execuçªo? Cabe recurso? Qual deles: recurso ordinÆrio, recurso inominado ou agravo de petiçªo?; 6 Acordo feito perante a comissªo de concilia- çªo prØvia. INTRODU˙ˆO É conveniente dizer que nªo tenho a pretensªo de sanar todas as dœvidas dos operadores do direito surgidas com o advento da Lei n” 10.035, de 25.10.2000, que ampliou a competŒncia da Justiça do Trabalho, permitindo que sejam executadas as contribuiçıes previdenciÆrias devidas em face de decisªo ou acordo trabalhista. Tenho a certeza de que muitas delas sªo oriundas do próprio patrimônio jurídico do intØrprete e que, nesse terreno, muito pouco adianta um artigo de oito ou dez pÆginas. O meu objetivo principal Ø tratar, de modo coerente e sistematizado, as normas legais editadas a respeito desse fenômeno jurídico, que trouxe novas preocupaçıes aos juízes trabalhistas e, a partir de entªo, refletir a respeito da adoçªo de atos procedimentais que sejam prÆticos como deve ser o processo do trabalho e, ao mesmo tempo, tØcnicos como exige a ciŒncia do direito. A finalidade da Emenda Constitucional n” 20/98 foi, sine duda, atribuir à justiça obreira a competŒncia heterônoma, especificamente para executar, de ofício, as contribuiçıes sociais incidentes sobre as parcelas identificadas na lei, modificando o procedimento atØ entªo observado nesta jurisdiçªo, que era o de obter-se aqui a declaraçªo e a apuraçªo do crØdito previdenciÆrio para, posteriormente, este ser executado perante a Justiça Federal Comum. Tenho ouvido, com bastante freqüŒncia, comentÆrios sobre o fato de que, repentinamente, a sentença e o acordo tornaram-se um óbice para o exercício tranqüilo da judicatura trabalhista de 1” Grau, em face da intervençªo do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) em processos que, outrora, tramitavam com * Juiz do TRT da 1“ Regiªo. Juiz convocado pelo TST, de agosto de 2000 a dezembro de 2002.

Upload: gilberto-braga

Post on 30-Sep-2015

215 views

Category:

Documents


3 download

DESCRIPTION

Contribuições previdenciárias nos cálculos de liquidação de sentenças.

TRANSCRIPT

  • Rev. TST, Braslia, vol. 70, n 1, jan/jul 2004 81

    A COBRANA DAS CONTRIBUIES AO INSSNA JUSTIA DO TRABALHO

    Aloysio Santos*

    SUM`RIO: Introduo; 1 Origem do problema. Lei Trabalhista de ExecuoPrevidenciria (LTEP); 2 A experincia do TRT da 3 Regio na execuo da con-tribuio previdenciria; 3 Natureza jurdica da contribuio; 4 Prazos; 5 Processode cognio ou de execuo? Cabe recurso? Qual deles: recurso ordinrio, recursoinominado ou agravo de petio?; 6 Acordo feito perante a comisso de concilia-o prvia.

    INTRODUO

    conveniente dizer que no tenho a pretenso de sanar todas as dvidas dosoperadores do direito surgidas com o advento da Lei n 10.035, de 25.10.2000,que ampliou a competncia da Justia do Trabalho, permitindo que sejamexecutadas as contribuies previdencirias devidas em face de deciso ou acordotrabalhista. Tenho a certeza de que muitas delas so oriundas do prprio patrimniojurdico do intrprete e que, nesse terreno, muito pouco adianta um artigo de oito oudez pginas.

    O meu objetivo principal tratar, de modo coerente e sistematizado, as normaslegais editadas a respeito desse fenmeno jurdico, que trouxe novas preocupaesaos juzes trabalhistas e, a partir de ento, refletir a respeito da adoo de atosprocedimentais que sejam prticos como deve ser o processo do trabalho e, aomesmo tempo, tcnicos como exige a cincia do direito.

    A finalidade da Emenda Constitucional n 20/98 foi, sine duda, atribuir justia obreira a competncia heternoma, especificamente para executar, de ofcio,as contribuies sociais incidentes sobre as parcelas identificadas na lei, modificandoo procedimento at ento observado nesta jurisdio, que era o de obter-se aqui adeclarao e a apurao do crdito previdencirio para, posteriormente, este serexecutado perante a Justia Federal Comum.

    Tenho ouvido, com bastante freqncia, comentrios sobre o fato de que,repentinamente, a sentena e o acordo tornaram-se um bice para o exercciotranqilo da judicatura trabalhista de 1 Grau, em face da interveno do InstitutoNacional de Seguro Social (INSS) em processos que, outrora, tramitavam com

    * Juiz do TRT da 1 Regio. Juiz convocado pelo TST, de agosto de 2000 a dezembro de 2002.

    TST_1-2004.p65 14/6/2005, 09:0781

  • Rev. TST, Braslia, vol. 70, n 1, jan/jun 200482

    D O U T R I N A

    placidez no juzo trabalhista. Num piscar de olhos dizem multiplicaram-se asdecises e cresceu o nmero de recursos da Autarquia Federal que chegam a seavolumar sobre as mesas de trabalho.

    Quero deixar registrado, tambm, que um dos fatores que certamente gerouas dificuldades que ora enfrentam os rgos da jurisdio ordinria trabalhista onmero considervel de juzes que assumiram uma postura radicalmente contrria interveno do INSS nos processos, a partir de pressupostos jurdicos queconsideram indiscutveis, como a inconstitucionalidade da Lei n 10.035/00, ailegitimidade da Autarquia Federal para pleitear tal crdito em juzo trabalhista, ou,at mesmo, a inexistncia de ttulo exeqvel. No meu entender, este o quadrojurdico, sem retoque, da maioria dos TRTs.

    1 ORIGEM DO PROBLEMA. LEI TRABALHISTA DE EXECUOPREVIDENCI`RIA (LTEP)

    Toda essa celeuma surgiu quando o Congresso Nacional aprovou a EmendaConstitucional n 20, de 15.12.1998, acrescentando o 3 ao art. 114 da CartaMagna, dispondo que Justia do Trabalho compete a execuo, de ofcio, dascontribuies sociais, id est a contribuio previdenciria e acrscimos legais, quandoresultantes das sentenas aqui proferidas e acordos homologados. A partir de ento,estamos habilitados a executar as contribuies sociais, bem como os consectrioslegais: atualizao monetria, juros e multa de mora.

    Como a regra constitucional em comento no auto-executria, impunha-sea aprovao de uma norma legal especfica, permitindo Justia Trabalhista conciliare julgar outras controvrsias decorrentes da relao de trabalho e os litgios oriundosdo cumprimento das suas decises, como dito no caput do artigo em apreo.

    At aquele momento, no exerccio da jurisdio especializada, o juiz dotrabalho poderia (ou melhor, deveria) classificar e fixar a quantia relativa scontribuies previdencirias devidas pelo empregador e o empregado, mandando,em seguida, dar-se cincia ao INSS e, paralelamente, determinar o seu recolhimento.Findava a a sua competncia. No poderamos, os trabalhistas, ir alm desse limite,como bem destacou o professor e magistrado Francisco Antnio de Oliveira, emum artigo publicado em revista especializada:

    Se determinada, a sua ordem no fosse cumprida, o juiz apenaspoderia notificar Previdncia, nos termos do art. 44, da Lei n 8.212/91,cabendo a esta o procedimento administrativo para a constituio do crditotributrio, por meio do lanamento e inscrio da dvida (art. 2, 3, da Lein 6.830/80 LEF), atividade essa vinculada e obrigatria, sob pena deresponsabilidade funcional (art. 42 do Cdigo Tributrio Nacional, LeiComplementar n 5.172/66). Nesse passo, a cobrana da Justia Federal, nostermos do art. 109, I, CF e da Lei n 6.830/80. 1

    1 Revista LTr, n. 67-07, edio de julho de 2003, p. 815.

    TST_1-2004.p65 14/6/2005, 09:0782

  • Rev. TST, Braslia, vol. 70, n 1, jan/jun 2004 83

    D O U T R I N A

    O passo seguinte, no sentido de ampliar a competncia da Justia do Trabalho,foi dado pelo Poder Executivo, quando o Presidente da Repblica, no uso de suasatribuies constitucionais (art. 84, III), encaminhou Cmara dos Deputados, em05.06.2000, um Projeto de Lei PL, visando a regulamentar o 3 do art. 114 daConstituio da Repblica, aparelhando dessa forma a Justia do Trabalho paraexecutar esses crditos. O interesse do Governo Federal era to flagrante que oprojeto em tela foi encaminhado ao Congresso Nacional, sob tramitao de urgncia( 1 do art. 64 da CF), circunstncia esta que permitiu ao Poder Legislativo deliberara respeito e votar a lei em pouco mais de quatro meses.

    Publicada com o n 10.035, em 25.10.2000, a Lei credenciou a Justia doTrabalho a executar as contribuies sociais devidas em razo de processostrabalhistas em que a lide finde por sentena condenatria ou homologatria deacordo. Capacitou-se, pois, a Justia Trabalhista a executar, de ofcio, ascontribuies sociais previstas no art. 195, I, a, e II, e seus acrscimos legais,como previsto no referido 3 do art. 114 da Constituio Federal, com a redaodada pela EC n 20/98.

    Dessarte, desejssemos, ou no, receber esta aptido processual, acompetncia da Justia do Trabalho para executar as contribuies sociais emprocessos decididos nesta jurisdio especializada foi regulamentada, e creio tersido de modo irreversvel. Por isso, o INSS surgiu no cenrio forense trabalhista ea sua atuao deve ser vista como um fato natural: uma espcie de etapa que,brevemente, ser ampliada por ser absolutamente necessria.2

    2 A EXPERINCIA DO TRT DA 3 REGIO NA EXECUO DACONTRIBUIO PREVIDENCI`RIA

    Merece destaque a experincia adquirida pelo 3 Regional, no apenas porser pioneira porque, antes mesmo de a lei que regulamentou a EC n 20/98 vir alume, os juzes mineiros preocuparam-se em adotar procedimentos executivos dessacontribuio , mas, tambm, porque serviu de base para a lei que estamosapreciando.3 Na verdade, a regulamentao adotada pelo 3 Regional trabalhista

    2 H um projeto de lei tramitando no Congresso Nacional que visa a re-regulamentar as Comissesde Conciliao Prvia (CCP) e nele est previsto que, ainda na fase de tentativa de conciliao, nombito das atribuies das referidas comisses, o INSS poder acionar a Justia do Trabalho pararequisitar documentos relativos demanda, por ele considerados necessrios efetivao da suaatividade enquanto administrador do sistema previdencirio nacional. Outra novidade a merecerdestaque que, em havendo parcela de natureza indenizatria, a CCP deve submeter o termo deacordo ajustado Vara do Trabalho competente para homologao.

    3 Em dezembro de 1999, a Corregedoria do TRT da 3 Regio baixou o Provimento n 1, regrando,detalhadamente, as atividades das Varas do Trabalho na atividade jurisdicional de execuo dascontribuies previdencirias. Em Minas Gerais, desde antes de a lei o exigir, portanto, adotou-seuma espcie de manual de execuo da contribuio previdenciria, que permitiu s Varas Traba-lhistas bem desempenhar a nova funo jurisdicional, traduzindo-se em execues mais tranqilase em menor nmero de recursos.

    TST_1-2004.p65 14/6/2005, 09:0783

  • Rev. TST, Braslia, vol. 70, n 1, jan/jun 200484

    D O U T R I N A

    foi a fonte de inspirao do legislador federal que nela buscou os elementos para asregras de execuo da Lei n 10.035/00.

    Com quase uma centena de perguntas e esclarecedoras respostas, o TribunalRegional mineiro antecipou-se a Lei Trabalhista de Execuo Previdenciria (LTEP),tornando racionalmente prtica a execuo do valor devido ao INSS por trabalhadorese empregadores, por fora de deciso ou acordo em processo trabalhista. Assim, nombito do 3 Regional, a execuo dessa contribuio social, ao invs de se tornarum problema, em termos de acmulo de incidentes processuais e recursos, atravessousem maiores dificuldades a fase de adaptao dos nossos julgadores ao exerccio dajurisdio fiscal concentrada.

    So do professor e desembargador trabalhista do 3 Regional, Mrcio Ribeirodo Valle, as seguintes palavras:

    Antes do advento da Emenda Constitucional referida, a atuao dojuiz do trabalho, quanto ao dbito da contribuio previdenciria, se noquitada espontaneamente, cingia-se remessa de informaes PrevidnciaSocial. O INSS, aps receber da Justia do Trabalho as citadas informaes,procedia na forma do disposto na Ordem de Servio Conjunta DAF/DSS n66, de 10.10.1997, analisando se existiam parcelas sujeitas incidncia decontribuio previdenciria, fixando prazo para o recolhimento das devidas,se fosse o caso e, por fim, lavrava a Notificao Fiscal de Lanamento deDbito -NFLD, quando esgotadas as gestes para o recolhimento e o prazoeventualmente concedido, tudo para que no fim fosse o dbito inscrito emdvida ativa, possibilitando sua execuo em favor da Previdncia Socialperante a Justia Federal.

    Com a promulgao da Lei n 10.035, de 2000, ficou ultrapassada a fase aque o magistrado fez aluso e a questo ficou posta da seguinte maneira:

    As normas consolidadas (...) vm possibilitar que todos os rgosdesta Justia Especializada procedam de igual modo quando da execuodas contribuies previdencirias decorrentes das suas sentenas, j que, atento, os Tribunais Regionais Trabalhistas, carecendo de uma regulamentaode amplitude nacional, por entenderem auto-aplicvel a norma da EmendaConstitucional n 20/98, vinham adotando normas de procedimento segundoseus prprios entendimentos, editando provimentos que pretendiamregulamentar as cobranas devidas nos respectivos mbitos de suasjurisdies, cada um sua maneira.

    A transformao pela qual vem passando a Justia do Trabalho, com arecepo da competncia heternoma para executar, de ofcio, as contribuiessociais, est bem explicitada nos trechos acima transcritos.

    3 NATUREZA JURDICA DA CONTRIBUIO

    Na redao do 3 do art. 114 da Constituio Federal, os parlamentaresincumbidos de emend-la referiram-se aos incisos I, alnea a, e II do art. 195 da

    TST_1-2004.p65 14/6/2005, 09:0784

  • Rev. TST, Braslia, vol. 70, n 1, jan/jun 2004 85

    D O U T R I N A

    Carta e o fizeram com preciso, porque as contribuies previdencirias devidaspelo empregador (art. 195, I, a, CF) e pelo empregado (inc. II do mesmo artigo) so,por definio legal, contribuies sociais contribuio especial ou parafiscal, naspalavras de Aliomar Baleiro4 e espcies do gnero tributo (art. 149, caput, CF).

    Devo enfatizar que, ao sentenciar ou homologar um acordo, o juzo trabalhistaest definindo um crdito Previdncia Social e, ao praticar os atos de execuo dovalor devido a esse ttulo, ex officio, ou por provocao da Autarquia Federal, aJustia do Trabalho est exercendo uma atividade inerente jurisdio fiscal, nopleno exerccio da competncia constitucional ampliada pela EC n 20/98.

    Considero de toda convenincia destacar, neste ponto, a lio do professorLuciano Amaro que visa a clarificar essa questo:

    Com efeito, a lei no define como fato gerador da contribuioprevidenciria a circunstncia de algum usar ou ter sua disposio osbenefcios da seguridade social. Quem executa trabalho remunerado quepratica o fato gerador da contribuio.5

    Todavia, paralelamente ao prestgio advindo para a justia obreira no concertodos Poderes da Repblica, tal novidade gerou um aumento significativo da carga detrabalho dos nossos juzes, na razo direta do aumento da arrecadao da contribuioem foco.

    Por outro lado, no politicamente correto, com a devida vnia, dizer-se quenos tornamos rgo arrecadador de contribuies previdencirias, porquanto partedessa tarefa j era atribuio da Justia do Trabalho, encarregada de uma atividademenor, que credenciava a execuo dessas contribuies na Justia Federal Comum.

    de toda relevncia destacar que a lei em apreo suprimiu isto , tornoudesnecessrias as etapas administrativas do lanamento do tributo (art. 142 e segs.do CTN) e a inscrio da dvida ativa (arts. 201 a 204 do mesmo Diploma Legal),operaes estas imprescindveis para a existncia legal do crdito tributrio nonosso caso da contribuio social conforme disposto no 3 do art. 2 da Lei n6.830, de 22.09.1980 .

    Merecedor de destaque, tambm, o comando legal de que o juiz do trabalho,em caso de decises cognitivas ou homologatrias, deve sempre especificar anatureza jurdica das parcelas constantes da sentena ou do termo de conciliao(art. 832, 3, CLT). Esta ordem legal no est dissociada do contexto jurdico maisamplo, porquanto a Lei n 8.212/91, que dispe sobre a organizao da SeguridadeSocial, institui o seu Plano de Custeio e d outras providncias, definindo no seulongo e detalhista art. 28, o que deve e o que no deve ser considerado salrio-de-contribuio (valor sobre o qual, mensalmente, incidem as alquotas de contribuio

    4 Direito Tributrio Brasileiro. 11. ed., Forense.

    5 Direito Tributrio Brasileiro. So Paulo: Saraiva, 2003, p. 84.

    TST_1-2004.p65 14/6/2005, 09:0785

  • Rev. TST, Braslia, vol. 70, n 1, jan/jun 200486

    D O U T R I N A

    dos segurados). Os juzes trabalhistas devem ter isso fixado sob o vidro da mesa detrabalho.

    Acrescenta-se a isso o fato de que, por constar em pargrafo do art. 832 daCLT, a falta de indicao da natureza jurdica das parcelas constantes da condenaopode gerar, inclusive, a nulidade da sentena por ser elemento essencial do ato dojuiz, na forma do caput do art. 832 consolidado, se levarmos em rigor o textoconsolidado.

    Dessarte, a interveno do INSS nos processos trabalhistas em que se discutea contribuio previdenciria no deve ser vista apenas como uma extravagnciado legislador ordinrio. Na verdade, no devemos nos esquecer de que, por forado 3 do art. 114 da CF, a execuo em apreo deve iniciar-se e prosseguir deofcio; logo a iniciativa da Autarquia Federal seria, a princpio, at mesmo dispensvel repito para enfatizar.

    Como o Instituto Nacional de Seguro Social, Autarquia Federal criada peloDecreto n 99.350, de 27.06.1990, o rgo encarregado de administrar o sistemaprevidencirio do Pas,6 a lei determina que as contribuies sociais a ele devidaspor trabalhadores e empregadores (contribuintes) devem ser descontadas e recolhidaspelo empregador (que, alm de contribuinte, responsvel tributrio), nos prazosdefinidos na legislao especfica (art. 30, Lei n 8.212/91) ou, nos casos de aestrabalhistas em que a contribuio em tela seja devida, o recolhimento ser imediato determinao judicial (art. 43 do mesmo Diploma Legal).

    Citando Ovdio Batista, o professor Srgio Shimura (da PUC de So Paulo)destaca, didaticamente, que quando o juiz condena, emite um enunciado lgico,de cunho valorativo, mas no desce ao mundo dos fatos, ao mundo dos fenmenos,para transformar a realidade fsica; ao passo que, pela execuo, o juiz realiza o quedeveria ter sido feito pelo demandado e no o foi.7

    Por ter sido o juiz do trabalho a autoridade judicial que emitiu o pronun-ciamento condenatrio ou homologatrio de acordo, nada mais natural e tcnico doque ele mesmo presidir os atos processuais e administrativos que visem a tornarefetiva a sua deciso ou aquilo que ficou ajustado entre as partes e ele homologoupor sentena. um ttulo.

    Pontes de Miranda comentando o CPC (Forense, 2. ed., t. IX, p. 151-153,atualizado por Srgio Bermudes), ensina que ttulo executivo uma atribuio (porexemplo, o ttulo de propriedade, a titularidade de direito real, a herana a ttulo

    6 Por fora de lei, o INSS promove a arrecadao, fiscalizao e cobrana das contribuies sociais eoutras definidas em lei, alm de gerir os recursos do Fundo de Previdncia e Assistncia Social FPAS, conceder e manter benefcios e servios previdencirios, entre outras atividades inerentes administrao da Previdncia Social.

    7 Ttulo Executivo. So Paulo: Saraiva, 1997, p. 171.

    TST_1-2004.p65 14/6/2005, 09:0786

  • Rev. TST, Braslia, vol. 70, n 1, jan/jun 2004 87

    D O U T R I N A

    universal) ou documento (vale dizer, a escritura pblica ou particular, a letra decmbio, a nota promissria).

    Mais expressivo, Alcides de Mendona Lima (Comentrios ao CPC, Forense,v. VI, t. I, 1977, p. 296-297) diz, textualmente:

    Ttulo tem vrios significados na terminologia jurdica. Ora considerado no seu sentido substancial, ou seja, a qualidade, o atributo ou acondio referente a um direito (v.g., a ttulo universal, quanto ao sucessor;justo ttulo, quanto aquisio de propriedade, etc.); ora considerado noseu sentido instrumental, ou seja, a expresso material, como um documento,um papel ou outra manifestao escrita (v.g., ttulo cambial; ttulo depropriedade, escritura pblica; ttulo patrimonial, de uma sociedade, etc.;ttulo de dvida particular, etc.).

    Por fora de sentena condenatria (que se enquadra no art. 584, inc. I, doCPC) ou da que homologa acordo (referida no inc. III do mesmo dispositivo legal),a Autarquia Federal Previdenciria tem em mos um ttulo executivo judicial.

    A regra, nesses casos, a de que o devedor da obrigao previdenciriacumpre o dever legal de recolher o tributo, espontaneamente, antes mesmo daqualquer manifestao do INSS. Como bem lembrado pelo tributarista LucianoAmaro,8 se o devedor da obrigao tributria no apurar e, em seguida, recolher otributo ou ainda, se o fizer em valores inferiores ao devido o sujeito ativo estobrigado a fazer o lanamento,9 a fim de habilitar-se a exigir o cumprimento dessaobrigao no mbito administrativo ou por meio de ao judicial.

    No custa recordar que o legislador suprimiu, deliberadamente, a faseadministrativa da inscrio da dvida ativa em caso de sentena trabalhistacondenatria e homologatria e, como se sabe, a Certido de Dvida Ativa, por sis, um ttulo executivo (art. 585, VI, CPC).

    Essa circunstncia deve ser levada em conta pelos juzes do trabalho aosentenciar ou homologar acordo (art. 831, pargrafo nico, CLT): o INSS torna-secredor das contribuies sociais e consectrios legais pelo ttulo executivo que recebe.

    No caso, no posso evitar repetir que esto atendidos os requisitos legaispara que a Autarquia Federal promova a execuo das contribuies previdencirias se o juiz no o fizer de ofcio porque se toda execuo tem por base ttuloexecutivo judicial ou extrajudicial (art. 583, CPC), o INSS detm, nessa hiptese,uma sentena condenatria ou um termo de acordo homologado. tudo o que eleprecisa para cobrar esse crdito na Justia do Trabalho.

    8 Op. cit., p. 325.

    9 Por ele definido como ato formal administrativo do sujeito ativo, previsto em lei, para determinaodo valor do tributo, e dele dando cincia ao sujeito passivo da obrigao tributria.

    TST_1-2004.p65 14/6/2005, 09:0787

  • Rev. TST, Braslia, vol. 70, n 1, jan/jun 200488

    D O U T R I N A

    4 PRAZOS

    princpio de direito que, via de regra, os prazos processuais s se iniciamaps a regular notificao, citao ou intimao da parte ou interessado (arts. 774,CLT e 240, CPC), e no por outra razo que a lei trabalhista determina que o INSSser intimado por via postal sempre que houver deciso homologatria de acordocontendo parcela indenizatria10 (e quando a sentena assim dispuser, acrescento).Intimado para qu? pergunta-se.

    Logo, se a Autarquia Previdenciria Federal no for intimada, o prazo sobretudo o recursal no correr.

    O prazo para executar o ttulo judicial, melhor dizendo, o prazo para que oINSS cobre os crditos da seguridade social, apurados e constitudos, conformedisposio do art. 45 da Lei n 8.212/91, de dez anos,11 enquanto que, para recorrer,o rgo previdencirio tem o prazo dos recursos trabalhistas (oito dias) em dobro,dado o privilgio do art. 1, III, do Decreto-Lei n 779, de 1969 (idem art. 188 doCPC, em face da regra do art. 10 da Lei n 9.469, de 1997).

    5 PROCESSO DE COGNIO OU DE EXECUO? CABE RECURSO?QUAL DELES: RECURSO ORDIN`RIO, RECURSO INOMINADO OUAGRAVO DE PETIO?

    A redao do 4 do art. 832 da CLT tem dado margem a repetidos debatese gerado dvidas no seio da magistratura trabalhista. A expresso legal pouco tcnicautilizada nesse dispositivo a seguinte:

    O INSS ser intimado, por via postal, das decises homologatriasde acordos que contenham parcela indenizatria, sendo-lhe facultado interporrecurso relativo s contribuies que lhe forem devidas.

    O que pretendeu efetivamente o legislador com o texto acima?

    O magistrado trabalhista e professor Guilherme G. Feliciano12 inova dizendoque o legislador criou um recurso inominado para o INSS atacar o termo deconciliao trabalhista, embora admita que h casos em que a AutarquiaPrevidenciria Federal dever opor recurso ordinrio.13

    Entendo que o dispositivo de lei em tela trata de dois casos distintos: a)acordos em que haja parcela de natureza indenizatria e b) previso de recurso nocaso de contribuio incidente sobre parcela remuneratria no recolhida.

    10 Art. 832, 4 da Consolidao das Leis do Trabalho.

    11 Art. 46. O direito de cobrar os crditos da Seguridade Social, constituda na forma do artigo ante-rior, prescreve em 10 (dez) anos.

    12 FELICIANO, Guilherme Guimares. Execuo de Contribuies Sociais na Justia do Trabalho.LTr, 2002, p. 78-85.

    13 Op. cit., p. 80.

    TST_1-2004.p65 14/6/2005, 09:0788

  • Rev. TST, Braslia, vol. 70, n 1, jan/jun 2004 89

    D O U T R I N A

    Tem-se que admitir que, por tratar-se de hiptese legal de execuo de ofcio,no necessria a intimao do INSS em todos os processos trabalhistas que findempor sentena condenatria ou acordo e a obrigao de recolhimento das contribuiesprevidencirias seja cumprida regularmente pelo empregador condenado. Apuradoo valor devido e intimado o empregador sucumbente, este deve recolher normalmentea contribuio em referncia. Esta a presuno legal.

    O INSS, por fora do dispositivo consolidado, dever ser notificado noscasos de acordo (entendo que tambm nos casos de sentena condenatria) em quehaja estipulao de parcela de natureza indenizatria, porque nessa hiptese aAutarquia deve ficar ciente de que o valor total do acordo ou da condenao nocorresponde exatamente ao quantum sobre o qual incidiro as contribuies sociais.

    Como o texto legal j cuidando da segunda hiptese fala em contribuiesque lhe forem devidas, pode-se concluir que somente nos casos em que haja parcelasremuneratrias o INSS poder recorrer.

    Aqui reside a grande e atual polmica a respeito da atuao do rgoprevidencirio federal: para uns, se ele discorda do acordo ou da deciso com relaos parcelas, ou mesmo dos valores descritos na sentena ou no termo de acordo,deve recorrer ordinria ou inominadamente; outros dizem que ele pode, desde logo,agravar de petio; outros mais negam ao INSS a possibilidade de impugnar asentena ou o acordo em qualquer circunstncia.

    Divida-se a questo em partes para que sejam obtidas concluses mais diretas.O INSS , sem sombra de dvidas, credor legal das contribuies previdenciriassempre que houver condenao ou acordo envolvendo parcelas remuneratrias e,com a sentena condenatria ou homologatria de acordo, a Autarquia Federal temum ttulo judicial em mos. A execuo desse ttulo faz-se, de ofcio, como princpiode direito processual do trabalho consagrado h dcadas e no processo em queo ttulo foi definido.

    A Autarquia Federal poder opor agravo de petio em caso de sentenatransitada em julgado ou acordo homologado que contenha tal parcela e esta notenha sido recolhida. Nessa hiptese, o INSS deve promover a cobrana dos crditosrelativos s contribuies sociais peticionando nos prprios autos da reclamao providenciando, inclusive, se necessria, a liquidao do ttulo executivo, se o juzo(art. 878, CLT) ou as partes (art. 879, 1-B, CLT) no tiverem tomado tal iniciativa.A deciso residente no feito ser atacvel por meio do agravo previsto no art. 897,a, CLT, como dito acima, porque a redao do 8 do art. 897 consolidado nodeixa dvida a esse respeito.

    Dever, contudo, recorrer ordinariamente, v.g., se o juiz excluir na partedispositiva da sentena a contribuio social devida por lei, ou se ele isentar oempregador e o empregado dessa obrigao tributria como poder faz-lo,tambm, o Ministrio Pblico do Trabalho, diante do evidente interesse pblico nacausa.

    TST_1-2004.p65 14/6/2005, 09:0789

  • Rev. TST, Braslia, vol. 70, n 1, jan/jun 200490

    D O U T R I N A

    Pensei durante algum tempo que, se por outro lado, o termo de acordocontivesse clusula estabelecendo que as parcelas pagas eram indenizatrias (ou asentena o dissesse), no se admitiria a interveno do INSS, porque, no caso, nohaveria ttulo executivo e a Autarquia Federal Previdenciria no teria legitimidadepara atuar na Justia do Trabalho (a Lei n 10.035/00 s permite a interveno daAutarquia Previdenciria no feito trabalhista em caso de haver parcela de naturezasalarial)14 porquanto a competncia fiscal digamos assim da Justia do Trabalhoest limitada aos lindes impostos pela Lei n 10.035, de 2000. Mas evolu e admitoque o INSS pode impugnar tal deciso pela via do recurso ordinrio. Tal medida sedeve necessidade de a Autarquia Previdenciria evitar que a sentena transite emjulgado e no possa ser modificada no prprio processo.

    E se a sentena ou o termo de conciliao for omisso? Admito que o INSS,como terceiro interessado, pode embargar de declarao, a fim de suprir a omissodo ato judicial (mas no o far certamente porque, nesses casos, por fora do dispostono pargrafo nico do art. 43 da Lei n 8.212/91, a contribuio deve incidir sobreo valor total do acordo homologado ou da condenao, conforme apurado emliquidao de sentena). Nessas situaes, o INSS deve prosseguir atuando at orecebimento do valor devido. Se o juiz criar obstculo sua atuao, a Autarquiadever agravar de petio, porque ainda que o termo de conciliao no sejaconsiderado como sentena transitada em julgado com relao ao INSS (art. 831,pargrafo nico, CLT), a fase , indiscutivelmente, de execuo de ttulo judicial.

    6 ACORDO FEITO PERANTE A COMISSO DE CONCILIAO PRVIA

    Merece destaque, finalmente, a questo ligada ao acordo acertado perante aschamadas Comisses de Conciliao Prvia de que trata a Lei n 9.985, de 2000,que acrescentou o Ttulo VI-A CLT (arts. 625-A a 625-H).

    Diz a Consolidao, com os novos dispositivos, que a conciliao firmadaperante a comisso instituda, na forma desta lei, ttulo executivo extrajudicial no sendo exigida homologao judicial o que exclui a possibilidade de o INSSexecutar na Justia do Trabalho as contribuies sociais incidentes sobre as parcelasremuneratrias, tendo em vista que o 3 do art. 114, da Constituio Federal falaem contribuies sociais decorrentes das sentenas que a Justia do Trabalho proferir.

    14 A ementa da lei a seguinte: Altera a Consolidao das Leis do Trabalho CLT, aprovada peloDecreto-Lei n 5.452, de 1 de maio de 1943, para estabelecer os procedimentos, no mbito daJustia do Trabalho, de execuo das contribuies devidas Previdncia Social destaquei.

    TST_1-2004.p65 14/6/2005, 09:0790