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FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL/JORNALISMO FERNANDO HENRIQUE DE ARAUJO OLIVEIRA A APROPRIAÇÃO DE EXPRESSÕES POLICIAIS PELA EDITORIA POLICIAL DO SITE EXTRA DE RONDÔNIA VILHENA RONDÔNIA 2018

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Page 1: A APROPRIAÇÃO DE EXPRESSÕES POLICIAIS PELA EDITORIA ... · A análise dos textos – extraídos de sites de notícias do município de Vilhena (RO) – se apoiará na sociolinguística,

FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA

DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL/JORNALISMO

FERNANDO HENRIQUE DE ARAUJO OLIVEIRA

A APROPRIAÇÃO DE EXPRESSÕES POLICIAIS PELA

EDITORIA POLICIAL DO SITE EXTRA DE RONDÔNIA

VILHENA – RONDÔNIA

2018

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FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA

DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL/JORNALISMO

FERNANDO HENRIQUE DE ARAUJO OLIVEIRA

A APROPRIAÇÃO DE EXPRESSÕES POLICIAIS PELA

EDITORIA POLICIAL DO SITE EXTRA DE RONDÔNIA

Trabalho de Conclusão de Curso

apresentado como requisito parcial para a

obtenção do título de bacharel em Jornalismo

pela Fundação Universidade Federal de

Rondônia (UNIR) – campus de Vilhena –, sob

orientação do Prof. Ms. Marcus Fernando

Fiori.

VILHENA – RONDÔNIA

2018

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação

Fundação Universidade Federal de Rondônia

Gerada automaticamente mediante informações fornecidas pelo(a) autor(a)

Oliveira, Fernando Henrique de Araujo.

A apropriação de expressões policiais pela editoria policial do site EXTRAde Rondônia / Fernando Henrique de Araujo Oliveira. -- Vilhena, RO, 2018.

52 f.

1.jornalismo policial. 2.preconceito linguístico. 3.ideologia. 4.persuasão. I.Fiori, Marcus Fernando. II. Título.

Orientador(a): Prof. Me. Marcus Fernando Fiori

Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Comunicação Social) -Fundação Universidade Federal de Rondônia

O482

CDU 070.43:004.738.5 EXTRA

_____________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________________CRB 11/929Bibliotecário(a) Patricia de Mello Cardoso

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FERNANDO HENRIQUE DE ARAUJO OLIVEIRA

A APROPRIAÇÃO DE EXPRESSÕES POLICIAIS PELA

EDITORIA POLICIAL DO SITE EXTRA DE RONDÔNIA

Banca Examinadora

________________________________________

Ms. Marcus Fernando Fiori

Orientador

Fundação Universidade Federal de Rondônia

_________________________________________

Ms. Thales Henrique Nunes Pimenta

Examinador

Fundação Universidade Federal de Rondônia

_________________________________________

Ms. Luciano de Sampaio Soares

Examinador

Fundação Universidade Federal de Rondônia

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho ao Departamento de Jornalismo da Universidade

Federal de Rondônia, que me proporcionou experiência inédita em minha

formação intelectual.

Dedico, também, aos amigos que fiz durante o período universitário,

amigos sem os quais essa jornada não seria tão divertida.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente, aos meus pais e irmãs, pelo fomento e apoio

en momentos de instabilidade, tanto emocional como financeira.

Agradeço aos professores do Departamento de Jornalismo, em especial

a Marcus Fernando Fiori e Sandro Adalberto Colferai, pela orientação na

confecção deste trabalho e em todo o seu processo de execução.

Agradeço a Rosa Lutero Fior, pela insistência na minha capacidade nos

dias em que a motivação era inexistente.

E, por fim, agradeço aos meus amigos, de todas as gerações. Todos

foram importantes na construção de minha identidade como pessoa no mundo.

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“Polícia para quem precisa de polícia.”

Titãs – grupo musical brasileiro

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RESUMO

Este trabalho pretende discutir a apropriação ou reprodução por textos

jornalísticos – mais especificamente aqueles voltados para a cobertura policial –

de expressões e termos tipicamente recorrentes no linguajar de agentes de

polícia e os motivadores da preferência por um modo de se comunicar em

detrimento de outro, geralmente estigmatizado ou associado a determinada

classe social. A análise dos textos – extraídos de sites de notícias do município

de Vilhena (RO) – se apoiará na sociolinguística, a partir dos estudos de Louis-

Jean Calvet e Marcos Bagno, e também lançará mão de recortes sobre ideologia

e persuasão, com base nos ensaios de José Luiz Fiorin e Adilson Citelli.

Palavras-chave: jornalismo policial, preconceito linguístico, ideologia,

persuasão.

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ABSTRACT

This paper aims to discuss the appropriation or reproduction by

journalistic texts - more specifically those aimed at police coverage - of

expressions and terms that are typically recurrent in the language of police

officers and motivators of the preference for one way of communicating over

another, usually stigmatized or associated with a particular social class. The

analysis of the texts - extracted from news sites of the municipality of Vilhena

(RO) - will be based on sociolinguistics, based on the studies of Louis-Jean

Calvet and Marcos Bagno, and will also draw on ideology and persuasion essays

by José Luiz Fiorin and Adilson Citelli.

Keywords: police journalism, linguistic prejudice, ideology, persuasion.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 09

CAPÍTULO 1: JORNALISMO NA INTERNET ......................................................... 12

1.1. O advento de uma nova ordem ..................................................................... 12

1.2. O jornalismo no ciberespaço ......................................................................... 13

1.3. A interatividade como peça fundamental ...................................................... 17

1.4. A produção de texto no jornalismo digital ..................................................... 18

1.5. Arquitetura e composição da informação ...................................................... 20

1.6. A qualidade da informação ............................................................................ 21

CAPÍTULO 2: JORNALISMO E CRÍTICA SOCIOLINGUÍSTICA ........................... 23

2.1. Jornalismo impresso: ideologia e características .......................................... 23

2.2. A sociolinguística e sua abrangência ........................................................... 27

2.3. O que é discurso? ........................................................................................ 30

CAPÍTULO 3: ANÁLISE DE DISCURSO E RELAÇÕES DE PODER .................... 33

3.1. O controle do discurso ...................................................................................... 37

CAPÍTULO 4: A APROPRIAÇÃO DO LINGUAJAR POLICIALESCO ................... 39

CONCLUSÃO .......................................................................................................... 44

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 46

ANEXOS ................................................................................................................. 48

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INTRODUÇÃO

Presente na estrutura textual jornalística em coberturas de cunho policial, a

apropriação de termos e expressões mais comuns aos policiais militares denota

certa valorização de um modo específico de falar e escrever em detrimento de outro,

marginalizado pelas camadas econômica e culturalmente dominantes da sociedade.

O texto, assim descrito, perde sua originalidade, sua identidade e transforma-se em

mero instrumento de consolidação de estereótipos e reprodutor de preconceitos e

julgamentos precipitados, numa ferramenta de condenação prévia.

O prestígio dispensado a versões oficiais para a explicação de dado

acontecimento é uma constatação relevante quando se nota a intenção do texto

jornalístico em persuadir o leitor a tê-lo como referência de verdade. É provável que

relato analítico muitas vezes dê lugar a descrições superficiais que tentam encerrar

o fato como resultado esperado do cotidiano. Enquanto o jornalista cumpre seu

papel de cronista do dia a dia da sociedade, acaba por incorrer, simultaneamente,

na desumanização dos indivíduos que determinado acontecimento abarca e atribui

ao Estado o status de única e exclusiva fonte de elucidação dos problemas

denunciados nas páginas dos jornais.

As versões apresentadas em casos de delinquência, por exemplo, podem vir

frequentemente acompanhadas da fala de um agente das forças de segurança

estatal, discurso este carregado de marcas presentes no linguajar policial, quase

parnasiano e definitivamente hermético. É possível inferir que essa atitude faça um

contraponto com as declarações do dito infrator, desarticuladas e mostradas de

modo a não inspirar a mais remota credibilidade nos ouvintes, telespectadores e

leitores. Tais configurações vão ao encontro do senso comum disseminado por

muitos veículos de comunicação segundo o qual as atividades dos agentes de

segurança pública estão acima de qualquer suspeita e indubitavelmente dentro dos

parâmetros da lei. Essa prerrogativa é um tanto perigosa se considerarmos que a

sua aplicação anula qualquer oposição a ela e restringe a relação entre justiça e

indivíduo a um mero duelo de forças no qual se pode prever quem sai dele mais

prejudicado.

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Essa é uma questão que pode ser melhor dissecada pelos estudos

sociológicos em abordagens mais amplas. O que se pretende aqui é discutir como a

apropriação da linguagem policial pelo jornalismo pode direcionar a interpretação

dos seus leitores de modo a persuadi-los em favor da versão oficial apresentada

pelo texto. Não estariam as estruturas atuando como base de sustentação de

verdades incontestáveis quando tratamos de relatos jornalísticos sobre a atividade

policial?

A pesquisa aqui desenvolvida pretende destacar um aspecto da imprensa,

seja ela de pequena circulação ou a chamada “grande imprensa”: a cobertura

policial como uma das mais importantes características do noticiário. Observa-se

que este departamento das redações – a editoria policial – é um dos mais “frutíferos”

em termos de produção e circulação e, assim, um objeto promissor para análise.

Este trabalho pretende abordar a adoção, na estrutura textual, de expressões

estranhas ao jornalismo, demarcadamente oriundas do vocabulário policial, de

boletins de ocorrência lavrados pelos escrivães ou de um padrão técnico policial

internamente institucionalizado. Muitas vezes essa mera reprodução ocorre por

simples despreparo do profissional de imprensa. Isso é verificável, mas o objeto aqui

estudado se concentra na manifestação da apropriação no texto escrito, diariamente

divulgado. Escolheu-se para este trabalho textos publicados na editoria policial do

site vilhenense Extra de Rondônia, veiculados entre os dias 1º e 31 de outubro de

2016. A opção baseia-se na relevância deste site para o município de Vilhena,

sendo, segundo estimativas do Google Analytics, o mais acessado na região sul do

estado de Rondônia. Também se considerou aqui o número de publicações na

editoria analisada – em média cinco manchetes por dia –, o que proporciona uma

quantidade considerável de material no mês em questão.

O trabalho tem como objetivos específicos discutir o discurso do texto

jornalístico de editorias policiais a fim de encontrar marcas típicas de apropriação do

linguajar “policialesco”; descrever como acontecimentos de cunho policial são

apresentados no texto jornalístico; caracterizar o texto jornalístico de editorias

policiais; definir o que difere a linguagem jornalística da linguagem policial. Para

tanto se utilizará os estudos de Nilson Lage em Ideologia e Técnica da Notícia

(2001) sobre a composição estrutural do texto jornalístico, bem como a dinâmica da

produção de periódicos numa redação, além de critérios editoriais para a produção

de notícias, considerando vieses ideológicos de quem as veicula. Ainda no campo

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da estruturação textual jornalística, outra referência são as asserções de Mario

Erbolato em Técnicas de Codificação em Jornalismo (2006), que retrata todas as

etapas da construção do texto noticioso, desde a pauta, passando pela redação e

pela revisão, até a composição gráfica nas páginas dos jornais.

A metodologia escolhida é a análise do discurso, discutida por Patrick

Charaudeau em Linguagem e Discurso (2011), em que o autor faz compreender

como os seres humanos têm acesso às informações e as especificidades dos

discursos que circulam na sociedade. Outro autor utilizado é Dominique

Maingueneau, em Discurso e Análise do Discurso (2015), em que faz um balanço

dos muitos modos de manifestação do discurso – da conversa casual entre amigos à

filosofia, das interações orais às interações mediadas pela tela do computador –,

porque o universo de discurso em que construímos a nossa identidade e damos

sentido às nossas atividades não pode ser unificado apenas em torno do modelo

dominante da comunicação oral face a face. A análise do discurso é o assunto da

reunião de ensaios organizada por Viviane de Melo Resende e Viviane Ramalho em

Análise de Discurso Crítica (2012) em que as autoras estabelecem o diálogo entre a

Linguística e as Ciências Sociais e exemplificam o uso possível das categorias de

análise da ADC, aplicando-as diretamente a excertos de textos.

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CAPÍTULO I

JORNALISMO NA INTERNET

1.1. O advento de uma nova ordem

O surgimento da Word Wide Web, em 1991, estabeleceu um marco

revolucionário no compartilhamento de informações através do ciberespaço, ou

melhor, do compartilhamento de informações de forma geral. A exploração desse

novo campo despertou o interesse de várias economias, como a brasileira,

preocupada em não ficar para trás na utilização e aperfeiçoamento dessa tecnologia.

A Web transformou-se num símbolo da comunicação digital pois, para J. B. Pinho

(2003, p. 33) ela "é provavelmente a parte mais importante da Internet e, para muitas

pessoas, a única parte que elas usam, um sinônimo mesmo de Internet". Dada sua

recente, porém, fundamental importância na difusão científica e acadêmica, a

discussão em torno da implementação da Internet ganhou contornos oficiais e

prioridade em políticas governamentais.

Preocupados com a situação de exclusão de muitos países, especialistas da ONU sugerem ações urgentes, para que até 2005, todos tenham acesso à Internet. As principais propostas pedem a ampliação dos centros comunitários de acesso e o uso de escolas e bibliotecas como pontos de acesso para a população. Para os países em desenvolvimento, a ONU recomendou o perdão de 1% da dívida externa daqueles que se comprometerem a investir o valor correspondente na difusão da internet. (PINHO, 2003, p. 38)

O termo Internet foi deriva-se da expressão inglesa

“INTERactionorINTERconnectionbetweencomputerNETworks” (PINHO, 2003). É

característica relevante da Internet o emprego de tecnologias diversas – como

satélites e cabos de fibra óptica –, propiciando o funcionamento de uma rede

mundial e a conexão entre governos e pessoas de todos de todos os continentes.

A Internet é uma ferramenta de comunicação bastante distinta dos meios tradicionais – televisão, rádio, cinema, jornal e revista. Cada um dos aspectos críticos que diferenciam a rede mundial dessas mídias – não-linearidade, fisiologia, instantaneidade, dirigibilidade, qualificação, custos de produção e veiculação, interatividade, pessoalidade, acessibilidade e receptor ativo – deve ser mais bem conhecido e corretamente considerado para o uso adequado da Internet como instrumento de informação (PINHO, 2003, p. 49)

Para Carla Schwingel (2012, p. 11), o processo de industrialização em âmbito

global é um acontecimento providencial para a ascensão desta modalidade

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jornalística, uma vez que seu processo de produção – como apuração, produção e

circulação – carrega especificidades inerentes a essa perspectiva. Como resultado

dessa nova era para o jornalismo mundial que data de finais dos anos 1970 e ganha

impulso com a Word Wide Web no início dos anos 1990, muitos veículos passaram a

disponibilizar na íntegra o conteúdo dos seus periódicos (SCHWINGEL, 2012).

Portanto, a historicidade do jornalismo digital o situa como uma evolução dos processos de digitalização das informações e de informatização das redações. O primeiro configura-se como a gradativa desmaterialização dos sistemas de produção; o segundo refere-se à entrada do computador como ferramenta de produção nas redações jornalísticas, substituindo as tradicionais máquinas de escrever e alterando de forma significativa os processos produtivos. O computador transformou-se assim em suporte e sistema de produção de conteúdos. (SCHWINGEL, 2012, p. 27)

Nesse sentido, de acordo com Castells (2005), a dependência dessa malha

de redes no espaço físico não é mais possível, pois o aspecto operacional das redes

tornou-se “fundamentalmente imaterial”. Considerando uma perspectiva histórica, o

jornalismo digital deve seu surgimento ao processo de informatização das redações

e, em sua origem estão os conceitos orientadores do seu, digamos assim,

predecessor.

1.2. O jornalismo no ciberespaço

A disseminação de notícias em tempo real, no exato momento em que essas

se desdobram, é uma inovação anterior à popularização do cibermeio; ela foi

protagonizada pelo rádio e aperfeiçoada pela televisão no decorrer do século XX

(PINHO, 2003). O compartilhamento de informações na Internet rompeu, de uma

certa forma, com a arbitrariedade dos veículos tradicionais da mídia eletrônica,

descartando por completo uma espécie de filtro que separava a visão dos editores e

seus critérios sobre o que seria ou não seria publicado. Os empecilhos gerados por

aspectos espaciais e temporais foram superados pelo fenômeno da dirigibilidade.

Junto a esse aspecto, ganhou espaço a cultura da notícia disponível durante 24

horas, ampliando o conceito de acessibilidade. O receptor ainda escolhe não ser

obrigado a ver e ouvir anúncios comerciais, regra ditadas pelos veículos tradicionais,

independente da vontade da audiência (PINHO, 2003). Pinho apresenta distinções

acerca do conteúdo jornalístico e daquilo caracterizado como publicidade:

A informação jornalística ainda difere da informação publicitária e relações públicas pela periodicidade, universalidade, atualidade e difusão. A informação difundida pelo jornalismo responde a uma necessidade social, pois a comunidade precisa informar-

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se e orientar-se a respeito do que está acontecendo ao seu redor, sobretudo, sobre os fatos que se sucedem em todo o mundo globalizado. (PINHO, 2003, p. 56)

O jornalismo exerce papel vital no aperfeiçoamento e manutenção da

democracia (PINHO, 2003). Destacadamente um protagonista na difusão de fatos

que englobam a sociedade de um modo geral, o jornalismo traz para si uma série de

responsabilidades ao tentar explicar ao público os fatores que orientam a dinâmica

de um mundo globalizado, em que realidades se convergem, apesar de suas

diferenças culturais. Para Pinho (2003), são quatro as etapas essenciais para o

desenvolvimento da atividade jornalística:

• identificar eventos, fatos, experiências ou opiniões que possam ser de interesse do leitor ou de determinada audiência;

• coletar as informações necessárias par desenvolver a ideia inicial e para verificar a sua exatidão e relevância para o leitor;

• selecionar do material coletado as informações que forem de maior valor e interesse para o leitor; e

• ordenar e apresentar a matéria com total precisão e veracidade, de modo que informe, estimule ou entretenha o seu leitor. (PINHO, 2003, p. 57)

É preciso destacar que o jornalismo praticado no na Internet possui

parâmetros peculiares, que o situam de forma paralela aos meios de comunicação

tradicionais. As mais enfáticas são a forma de tratamento dos dados e as relações

estabelecidas com os usuários. "A interação mais próxima e imediata criada pelo

feedback do repórter com seu público permite ainda que as matérias e as

reportagens sejam redigidas tendo mais presentes os interesses e os valores dos

leitores." (PINHO, 2003, p. 64)

Um dos exemplos dessa conduta quase deontológica no jornalismo digital diz

respeito aos press releases. Além de seu formato padrão, contendo data, um título

curto e atraente, ele não deve abrir mão do lead, "que resume a essência da notícia

e o desenvolvimento da matéria, em um texto sucinto e objetivo" (PINHO, 2003, p.

66). Dessa forma, objetiva-se no release eletrônico, assim como no release

impresso, evitar a promoção das qualidades de determinado produto em detrimento

do seu valor noticioso para o jornalista.

O avanço da digitalização dos conteúdos televisivos e radiofônicos requer, de

acordo com Schwingel, uma delimitação que marque a produção jornalística na

Web. Dessa forma prefere-se o emprego do prefixo “ciber”. A preferência por

“ciberjornalismo” em relação a “jornalismo digital” visa a uma adequação, já que não

possuiriam um diferencial em termos de seu processo produtivo. “Precisamente [...]

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há a delimitação de um campo semântico que, quando se visa a uma precisão

conceitual, sempre precede de forma facilitadora a compreensão do fenômeno a que

se refere” (SCHWINGEL, 2012, p. 35). Ciberjornalismo trata de uma modalidade

jornalística cujos sistemas automatizados fundamentam sua produção através de

narrativas hipertextuais, multi-mídias e interativas. Tal produção visa contemplar a

atualização contínua, bem como o armazenamento e recuperação de conteúdos,

atuando com liberdade narrativa propiciada pela flexibilização dos limites de tempo e

espaço. Nesse contexto, considera-se a possibilidade de incorporar o usuário na

produção, isto é, em todas as suas etapas.

Ademais, pode-se situar o jornalismo na Internet, em um primeiro momento,

como a transposição dos veículos impressos; posteriormente este é visto como um

jornalismo impresso metafórico, pois, apesar da apresentação de serviços e

informações específicos para a Internet, não há um distanciamento significativo da

estrutura e da representação do jornal ou da revista impressos; mais recentemente,

o jornalismo de terceira geração propõe produtos mais específicos para o universo

da Web (SCHWINGEL, 2012).

O processo de apuração permaneceu praticamente o mesmo, com as saídas da redação, contatos via telefone, acrescendo o grande banco de dados da internet para a pesquisa. No entanto, as demais modalidades jornalísticas também utilizam o ciberespaço como fonte, não sendo um privilégio ou diferencial do ciberjornalismo. (SCHWINGEL, 2012, p. 48)

A ascensão do jornalismo digital proporcionou mudanças no estabelecimento

de relações do jornalista com suas fontes. Esta teve sua consumação facilitada, uma

vez que o cruzamento de interesses e a manutenção de mailing lists passaram a

representar uma ponte facilitadora do trabalho jornalístico, representando maior

interação dos profissionais com os leitores. Os chats são identificados como

precursores e primordiais na concretização do potencial interativo da Internet em

benefício do jornalismo, principalmente quando "realizam sessões de bate-papo

entre os leitores e a equipe de redação de uma publicação digital e promovem

debates com atores, cineastas, músicos, políticos e outras personalidades de

projeção" (PINHO, 2003, p. 84). Explica Pinho:

Embora a realização dos debates tenha muitas vezes o propósito de aumentar a visitação dos portais, essas iniciativas, podem gerar informação de interesse jornalístico, dependendo dos participantes e dos assuntos que serão discutidos nas salas virtuais. (PINHO, 2003, p. 84-85)

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As facilidades e o encurtamento de distâncias promovido pelo universo Web

não deve, no entanto, servir completamente como um substituto para documentos,

contatos telefônicos e entrevistas com as fontes ou testemunhas, "já que seus

principais propósitos são ajudar o jornalista a obter os documentos, a encontrar

fontes autorizadas e a levantar o contexto dos fatos e acontecimentos a serem

cobertos" (PINHO, 2003, p. 98). De acordo com Pinho, para que a busca por dados

na Web resulte em informação fidedigna, três importantes cuidados devem nortear o

pesquisador. Verificar: quem está por trás do site?; quando ocorreu a última

atualização do site?; o conteúdo do site contém erros gramaticais ou de ortografia?

(PINHO, 2003, pp. 98-99).

Esse processo de verificação também passa pela avaliação da

respeitabilidade da instituição e da credibilidade daqueles por ela responsáveis, cujo

pleno reconhecimento advém da sua competência e conhecimento de determinada

área.

O trabalho jornalístico na Web exige a organização de uma rede de contatos,

orientada por preferências e necessidades profissionais. Uma lista de endereços de

sites relevantes pode contribuir para esse rol de contatos.

O jornalismo intermediado pela Internet mostra-se como uma nova alternativa

para a reconfiguração e transposição de outros formatos.

Qualquer que seja a sua denominação – jornalismo digital, jornalismo on-line ou werbjornalismo –, o jornalismo marca sua presença no World Wide Web oferecendo informação e conteúdo, em especial nos sites de jornais e revistas impressas que migraram para a rede mundial, nos sites de agências de notícias, nos sites noticiosos especializados, nos portais e nos sites de instituições e empresas comerciais. (PINHO, 2003, p. 113)

O conteúdo on-line é composto por uma série mais ampla de elementos com

relação àquela utilizada tradicionalmente – textos, fotos e gráficos. "Pode-se

adicionar sequências de vídeo, áudio e ilustrações animadas. Até mesmo o texto

deixou de ser definitivo – um e-mail com comentários sobre determinada matéria

pode trazer novas informações ou um novo ponto de vista, tornando-se, assim, parte

da cobertura jornalística" (FERRARI, 2006, p. 39). São classificados como jornalistas

on-line os profissionais encarregados da transposição dessas mídias para o

cibermeio.

O elemento técnico que promove a hipertextualidade são os chamados links,

que permitem que o leitor se sinta desobrigado a seguir uma leitura linear.

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O uso do hipertexto constitui um diferencial significativo por permitir vínculos

com informações relacionadas aos conteúdos de interesse do leitor. Nesse interim,

convém agrupar dados, como os numéricos, em tabelas e gráficos, uma opção mais

atrativa para quem consulta uma página na Web (PINHO, 2003, p. 212-213).

1.3. A interatividade como peça fundamental

O ciberjornalismo tem como uma de suas características o aspecto

colaborativo, em que a construção da notícia leva em conta, em seu processo de

produção, os efeitos da audiência, evidenciados na incorporação de ferramentas

específicas. Mas, o aspecto mais identitário do jornalismo praticado no cibermeio,

talvez sejam suas narrativas muti-mídias e os processos de convergência em nível

das redações que geram novas funções e processos (SCHWINGEL, 2012).

Aspectos relacionados à reconfiguração da mídia tradicional, aos novos modelos de negócios e às alterações no processo de produção, devido ao uso de sistemas para a elaboração de conteúdos e de bancos de dados integrados nas empresas jornalísticas, são fatores estruturantes do ciberjornalismo.

Ampliando a ideia iminente interação promovida pela Internet se faz

necessário destacar a participação decisiva dos portais nesse processo. A maior

facilidade no acesso foi incrementada pela disponibilização de serviços gratuitos,

como e-mails, salas de bate-papo e a consulta a sites noticiosos, aliando a World

Wide Web ao poder de decisão do internauta ao navegar pelo ciberespaço. Mas são

os sites noticiosos, de acordo com Pinho, a gênese de toda odisseia proporcionada

pela rede mundial.

O conteúdo jornalístico é um grande chamariz na rede mundial. Todos os cinco domínios mais visitados da Internet brasileira oferecem notícias nas suas homepages, um recurso empregado (com sucesso) para atrair e manter seus visitantes e seus usuários. (PINHO, 2003, p. 124)

A gratuidade, pensada para romper com a resistência do internauta, não

constitui uma restrição fundamental para que empresas jornalísticas gerem receita

através de modelos de comercialização na Internet.

O ciberespaço, para que se torne atraente para o usuário, precisa fornecer

maneiras de tornar mais fácil a consulta nesse ambiente. Dessa forma, é necessário

o aperfeiçoamento de quesitos técnicos, para que a navegação flua e se torne

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frutífera para o pesquisador. Esses quesitos compõem um campo mais amplo – o da

usabilidade.

Os valores e aspectos funcionais da usabilidade são importantes para que o site atinja os objetivos pretendidos pelo publisher e, de outro lado, resultem em plena satisfação do usuário. Entre elas destacamos a navegação, a interatividade, a estruturação das páginas, o uso correto da tecnologia e o estudo da audiência e do comportamento do internauta. (PINHO, 2003, p. 142)

Buscando localizar o usuário dentro do site, a barra de navegação constitui

um recurso mais comum. Junta-se a ela a divisão do sites por seções,

assemelhando-se a uma característica do impresso – dividido em cadernos –,

deixando ao leitor a decisão sobre a editoria que quer consultar.

Há distinções fundamentais quando se trata de escrever para o jornal

impresso e escrever para a página on-line. "Como o jornalista tem na escrita a

principal maneira de contar suas histórias, ele não pode ignorar os fatores que

condicionam a redação jornalística para a Web" (PINHO, 2003, p. 183). Além disso,

a própria leitura do conteúdo disponibilizado na Web requer atenção de seus

autores, pois "exercem influência direta no texto jornalístico digital. São eles: a

menor velocidade de leitura na tela do monitor, a não-linearidade e a tipologia do

leitor da Web". (PINHO, 2003, p. 183)

1.4. A produção de texto no jornalismo digital

O melhor aproveitamento do conteúdo textual exige que este último seja

claro, conciso e objetivo, exigindo do redator que cada palavra tenha alguma coisa a

dizer. Nesse aspecto, adota-se critérios e técnicas conhecidas e consolidadas pelo

jornalismo impresso, como a pirâmide invertida.

A técnica da pirâmide invertida consiste em dispor as informações de um texto jornalístico por ordem decrescente de importância. O redator inicia o parágrafo de abertura contendo um resumo da história, uma conclusão os fatos principais (o lide, que no texto informativo deve responder às questões básicas: o quê, quem, quando, onde, como e por quê), seguido do corpo da notícia, com informações organizadas em ordem decrescente. (PINHO, 2003, p. 207)

O avanço da digitalização dos conteúdos televisivos e radiofônicos requer, de

acordo com Schwingel, uma delimitação que marque a produção jornalística na

Web. Dessa forma prefere-se o emprego do prefixo “ciber”. A preferência por

“ciberjornalismo” em relação a “jornalismo digital” visa a uma adequação, já que não

possuiriam um diferencial em termos de seu processo produtivo. “Precisamente [...]

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há a delimitação de um campo semântico que, quando se visa a uma precisão

conceitual, sempre precede de forma facilitadora a compreensão do fenômeno a que

se refere” (SCHWINGEL, 2012, p. 35). Ciberjornalismo trata de uma modalidade

jornalística cujos sistemas automatizados fundamentam sua produção através de

narrativas hipertextuais, multi-mídias e interativas. Tal produção visa contemplar a

atualização contínua, bem como o armazenamento e recuperação de conteúdos,

atuando com liberdade narrativa propiciada pela flexibilização dos limites de tempo e

espaço. Nesse contexto, considera-se a possibilidade de incorporar o usuário na

produção, isto é, em todas as suas etapas.

Ademais, pode-se situar o jornalismo na Internet, em um primeiro momento,

como a transposição dos veículos impressos; posteriormente este é visto como um

jornalismo impresso metafórico, pois, apesar da apresentação de serviços e

informações específicos para a Internet, não há um distanciamento significativo da

estrutura e da representação do jornal ou da revista impressos; mais recentemente,

o jornalismo de terceira geração propõe produtos mais específicos para o universo

da Web (SCHWINGEL, 2012).

O processo de apuração permaneceu praticamente o mesmo, com as saídas da redação, contatos via telefone, acrescendo o grande banco de dados da internet para a pesquisa. No entanto, as demais modalidades jornalísticas também utilizam o ciberespaço como fonte, não sendo um privilégio ou diferencial do ciberjornalismo. (SCHWINGEL, 2012, p. 48)

A definição de uma linguagem própria e os bem estruturados processos que

ampliam a possibilidade da aplicação industrial da prática faz com que se

compreenda a evolução do ciberjornalismo como resultado do seu processo

produtivo. Dessa forma, nota-se que a quantidade de informação disponibilizada na

Web é incomparavelmente maior. Um importante diferencial do jornalismo praticado

na Internet é a liberdade estrutural que permeia a composição das informações

dispostas nos sites, muito em função dos recursos materiais e econômicos não

constituírem um empecilho relevante.

Portanto, esses seriam os parâmetros estruturantes do ciberjornalismo,

alguns deles ligados aos aspectos narrativos, como a hipertextualidade, a

multimidialidade, a flexibilização dos limites de tempo e espaço, a memória e a

customização. A atualização contínua, o uso de ferramentas automatizadas e a

interatividade fazem referência às alterações nas rotinas jornalísticas.

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O jornalismo digital adota critérios bem conhecidos na atividade jornalística

em outras realidades espaciais e os adapta ao seu modo de produção. Entre esses

critérios está o que define informações a serem publicadas ou não, bem como

aqueles relativos ao modo de organização do trabalho.

O conceito de noticiabilidade, a sistematização do trabalho jornalístico através da divisão de tarefas e a aplicação dos valores-notícia são algumas das práticas do newsmaking. Tais valores são incorporados no processo produtivo, com forma e função, o que possibilita a qualquer profissional identificar o que é notícia. (SCHWINGEL, 2012, p. 79)

1.5. Arquitetura e composição da informação

Schwingel (2012) sugere a definição do computador não como um

instrumento, pois cada uma das etapas de produção, através das ferramentas de

apuração e composição, do imediatismo da publicação, da atualização constante e

da facilidade de distribuição das informações, adquire características peculiares. Há

ações preliminares de checagem dos fatos que diferenciam o trabalho jornalístico

como instituição. Portanto, a produção da informação não engloba a totalidade do

processo.

A quantidade de informações disponíveis na Web e a forma de buscá-las

constituem uma das diferenciações no ciberjornalismo, mesmo que em muitos casos

a disponibilização das informações não se converta em facilidade para acessá-las, o

que requer a adoção de sistemas de busca específicos.

As etapas de composição, edição e disponibilização dos conteúdos advém da

subdivisão do sistema de produção ciberjornalístico por ser este um fundamento de

publicação. Como define Schwingel (2012, p. 99), a principal delas “[...] refere-se à

construção narrativa da matéria, à programação visual (diagramação), à elaboração

da arquitetura da informação estrita da matéria, à inclusão dos recursos

multimidiáticos e de metadados.” (SCHWINGEL, 2012, p. 99)

Portanto, sobre o fluxo hierárquico e de informações no qual a narrativa é

estruturada, a arquitetura da informação torna-se o principal aspecto da composição.

No sentido de sua aplicação como narrativa, para produtos comunicacionais, a

arquitetura da informação precisa sobrepor as noções de hierarquia das

informações, de mapa ou de fluxo informacional e passar a ser elaborada como um

roteiro que permita compor narrativas multilineares e multimidiáticas (SCHWINGEL,

2012).

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Durante o processo de produção de conteúdos, a disponibilização das

informações de forma hierárquica faz com que o ciberjornalista recorra, de forma

similar a outros meios, ao lead e à pirâmide invertida. Poteriormente, já em poder

das informações apuradas, o jornalista pode “estruturar a matéria de acordo com os

valores-notícia em níveis de profundidade” (SCHWINGEL 2012, p. 104).

De acordo com Schwingel (2012) não houve avanço considerável na

integração dos recursos multi-mídias na linguagem hipertextual do ciberjornalismo,

constituindo este um dos problemas para a narrativa ciberjornalística. A edição dos

conteúdos no cibermeio é de natureza complexa, pois a composição dos conteúdos

individuais precisa se adequar à variedade multimidiática.

A disponiblilização relaciona-se com a tecnologia internet, com os bancos e bases de dados, com os servidores, com as linguagens de programação, com as compatibilidades entre linguagens e formatos para dispor os conteúdos de forma a respeitar a programação visual e a proposta editorial do cibermeio. (SCHWINGEL, 2012, p. 121)

O ciberjornalismo enfrenta hoje, em diversas redações ao redor do mundo o

desafio de consolidar-se como fonte de informações rápidas e qualificadas.

Por não existir uma sistemática própria do ciberjornalismo, o conteúdo segue

as nuances de produção de outras modalidades jornalísticas. Para Schwingel, "as

funções do ciberjornalista podem ser sistematizadas em: a) busca de informações;

b) verificação e checagem de fontes provenientes do ciberespaço; c)

disponibilização dos conteúdos na Web" (SCHWINGEL, 2012, p. 132). No entanto, a

produção ciberjornalística se encontra, hoje em dia, em um espaço paralelo, num

processo de desvinculação com os meios tradicionais como o rádio e a televisão, em

que suas redações funcionam de forma independente e quase sem nenhum contato

com outras modalidades, característica da terceira geração de dinâmicas das

redações dos produtos on-line.

1.6. A qualidade da informação

O maior fluxo de informações não significa necessariamente qualidade de

informação. Nesse sentido, a ampla quantidade de conteúdo disponibilizado na

Internet acaba tendo efeito inverso. Como aponta Pierre Lévy (1997, p. 44) "quanto

mais informações, mais equivocados ficam os leitores. Criamos uma sociedade com

uma consciência sem história, sem passado, voltada para a atemporalidade da

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‘inteligência artificial’. Vivemos a sociedade da informação que não informa, apenas

absorve grandes quantidades de dados”.

Para Pollyana Ferrari, os maiores contribuintes para a formação desse leitor

passivo são os portais, mesmo esses sendo organizados também por editorias. O

leitor acostuma-se a fazer uma consulta superficial em diferentes janelas, mesmo

sem se aprofundar em nada. Segundo Ferrari esse formato

[...] precisa ser dominado por quem almeja ser um editor Web, profissional que enfrenta o desafio de conceber e manter na rede produtos jornalísticos capazes de gerar receita. O problema é que, com a pressão do tempo e da concorrência, a importância da qualidade editorial passou a ser subestimada pelos portais. (FERRARI, 2006, p. 28-29)

As redações on-line optam, majoritariamente, pela produção de notícias,

deixando de ser a reportagem um item do exercício do jornalismo na Internet. Este

empacotamento, como se diz no jargão jornalístico, no entanto, não se converte

numa produção irresponsável, o que gerou, a princípio "uma espécie de

ressurgimento da função do copydesk, cargo comum nos jornais de antigamente,

ocupado por jornalistas com profundo conhecimento da língua portuguesa e domínio

dos recursos da redação expositiva" (FERRARI, 2012, p. 44). Isso quer dizer que a

tarefa no jornalismo digital é complexa e, portanto, não se resume a produzir notícias

e disponibilizá-las na Internet. Cabe aos jornalistas on-line explorar os recursos

midiáticos de forma que possam ser complementados.

A rapidez na disponibilização das últimas notícias pode constituir um

equívoco, uma vez que os leitores raramente notam quem divulgou a notícia

primeiro. "Uma notícia superficial, incompleta ou descontextualizada causa péssima

impressão. É sempre melhor colocá-la no ar com qualidade, ainda que dez minutos

depois dos concorrentes (FERRARI, 2006, p. 49).

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CAPÍTULO II

JORNALISMO E CRÍTICA SOCIOLINGUÍSTICA

2.1. Jornalismo impresso: ideologia e características

Os objetivos da produção noticiosa são diversos, mas, talvez, aquele que o

justifica melhor é a demanda que se convencionou chamar de interesse público. O

valor atribuído à informação jornalística, pelo menos na sociedade ocidental, parece

estar no mesmo patamar das necessidades básicas humanas. Nesse aspecto,

assim como em outros, a notícia encontra-se numa condição de elemento indefinido.

Para Mario Erbolato (2006, p. 54), “[...] se é difícil ou impossível definir a notícia,

maiores são ainda as dificuldades para se dizer, em termos jornalísticos, o que seja

interesse”. Essa incógnita permeia o jornalismo, e a avaliação do que publicar ou

não parece ser um trabalho mais solitário dentro das redações.

Diante da impossibilidade de se definir a notícia, os jornais procuram publicar aquelas que encontram maior número de leitores. Conforme observação de Juan Beneyto, “o jornalista sabe, ou pensa saber, o que seu público deseja. Pode atendê-lo, oferecendo-lhe o material em que está interessado, ou dando o que a organização lhe facilita, de acordo com a maneira desejada pelo receptor”. (ERBOLATO, 2006, p. 57)

O jornalismo desempenha papel significativo na manutenção da opinião

pública. Ligado a grupos de poder e organizado de forma a disseminar ideias que

compactuem com o discurso dominante, o conhecimento da técnica na construção e

apresentação desse discurso é importante para a consolidação de uma ordem que

se procura estabelecer. Considerando o aspecto textual é possível presumir, muitas

vezes, a quem se pretende dar visibilidade ao se lançar mão de uma linguagem

mais característica de uma parcela populacional, quase sempre detentora dos meios

de produção cultural e intelectual, que ditam as regras para que grupos menos

influentes as sigam conforme o padrão ou projeto de sociedade que se tem em vista.

Quando atuando de maneira dependente, a imprensa se converte em porta-

voz dos grupos de prestígio na sociedade, soterrando a premissa do interesse

público. Mas esse é apenas um aspecto diante da forma como são expressados os

acontecimentos. A ideia de falar pelo grupo dá lugar ao falar como o grupo,

manifestando-se num vocabulário incomum ao jornalismo como essência.

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A lógica de produção jornalística, considerando seus critérios de

noticiabilidade1 (MEDINA, 1988), pode interferir no aprofundamento dos fatos,

deixando sob responsabilidade das fontes a determinação de uma "verdade" e de

um direcionamento. Aí se chocam produção jornalística e reprodução de textos

oficiais, sem nenhuma lapidação, numa espécie de difusão de boletins de ocorrência

– no caso aqui tratado –, não proporcionando uma visão ampla e menos hermética

da realidade.

O contexto das notícias parece seguir o das configurações sociais, de modo a

perpetuá-las ou mantê-las intocáveis. Isso se encontra na intensa disseminação de

estereótipos marcadamente consolidados na visão conservadora do mundo

perpetrada por uma elite metropolitana. O texto noticioso acaba priorizando uma

lógica de mercado, tornando repletas de superficialidade questões de cunho social,

pois, de acordo com Nilson Lage (2001, p. 51), "a notícia distingue-se com certo

grau de sutileza da reportagem; [...] nesta, importam as relações que reatualizam os

fatos, instaurando dado conhecimento do mundo". Há que se discutir, portanto,

mesmo que brevemente, se a autoria dos relatos jornalísticos não seria menos uma

produção independente do que uma adequação a padrões de exigência empresarial.

Para Nilson Lage, a questão perpassa tanto a qualidade do produto quanto a

conveniência em veiculá-lo.

Da organização industrial decorre o esvaziamento da responsabilidade pessoal de cada jornalista diante do público, em favor da coletivização da responsabilidade. Na contingência de propriedade privada, ou centralização burocrática, tal responsabilidade é transferida, em última análise, aos editores e chefes e, através deles, à empresa. (LAGE, 2001, p. 37)

A intenção dos pontos de vista impressos nos jornais é ser acessível ao maior

público possível. Com esse objetivo, dá-se mais atenção ao aspecto quantitativo em

detrimento do qualitativo, atitude que dá vazão à banalização dos acontecimentos da

sociedade. As análises são ofuscadas, quando existem, por algo mais próximo do

senso comum, quando em situações em que este não é, de fato, pré-requisito.

Observando o problema, não seria equivocado deduzir que a reprodução ou

apropriação de frases e expressões desligadas do campo da notícia converte-se

numa forma de isenção. O texto, ao fazer essa apropriação, elege os atores a quem

1 De acordo com Cremilda Medina (1988), alguns dos atributos importantes ou valores-notícia que tornam um acontecimento potencialmente publicável são: conflito, curiosidade, tragédia, proximidade, interesse público etc.

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tradicionalmente se deve dar razão. O uso de um vocabulário paralelo, peculiar de

uma instituição e de seus agentes, sugere a anulação da legitimidade de quem não

a domina, torna uníssona toda tentativa de explicação sobre os fatos, escolhe um

lado, marginaliza outro. Tal julgamento traz à tona estereótipos que são produzidos

não pelos jornais, mas pela sociedade que determina a linguagem jornalística e,

assim como na ciência projeta marcas dessas discriminações (LAGE, 2001, p. 151).

Lage sugere que o espaço para incursões em determinados acontecimentos

perpassa a interpretação conveniente no jornalismo à moda tradicional,

materializada na figura de um especialista, para descaracterizar qualquer indício de

parcialidade ou sensacionalismo, um truque providencial.

A verdade particular desse especialista pode ser o instrumento adequado para instaurar perspectiva global errada do que aconteceu. Assim, o depoimento de um psicólogo (analisando, talvez, a infância dos assassinos) poderá descaracterizar o real sentido de um crime político; um antropólogo bem intencionado, ao citar uma lista exaustiva e universal de antecedentes, transformará o extermínio de uma tribo em algo "inevitável". (LAGE, 2001, p. 151)

O jornalismo se prende a estereótipos quando os reproduz em seus veículos,

conscientemente ou não. Parece haver uma inclinação muito forte para a repetição e

consolidação de lugares-comuns, presentes na cultura de uma parcela significativa

dos leitores, que muitas vezes procuram por notícias que alimentem convicções já

bastante enraizadas em seu imaginário. Por outro lado, é possível notar que a

autonomia jornalística está em um plano idealizado, muito mais quando se constata

a incapacidade dos jornalistas em produzir um texto trabalhado com linguagem

própria. O uso de expressões policialescas é sintomático dessa paralisia. É possível

encontrar acentuado apelo a termos técnicos em textos sobre economia

(economês), em textos que tratam de assuntos jurídicos (jurisdiquês) e em textos em

que a compreensão seria facilitada se houvesse uma lapidação das informações

captadas.

Não é incomum se encontrar expressões do tipo “conhecido da polícia” e

“com várias passagens” para classificar a gravidade dos antecedentes criminais de

um indivíduo sob tutela policial. Em alguns casos o jornalista é implacável com o

“infrator” e consensual com a polícia, numa espécie de condenação prévia. Em

outros casos chega ao ponto de parabenizar a ação dos agentes, descartando

eventuais justificativas em favor de quem está sob o domínio policial e reduzindo as

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hipóteses de a polícia porventura ter se equivocado ou ter agido de forma autoritária.

Embora não aparente ser mais intensamente alarmante, a servidão a que se

prestam os redatores de textos jornalísticos em coberturas policiais é preocupante,

pois parece atuar não como lugar de contestação da versão policial, mas sim como

extensão ou, melhor, assessoria de imprensa das instituições de segurança pública.

“Ao fim da gritaria e das ameaças gostam de condenar, muitas vezes por conta

própria – antes mesmo que a justiça haja se manifestado –, os verdadeiros ou

pretensos crimininosos, ladrões, violentadores, transgressores da ordem e da lei”

(CITELLI, 2004, p. 80).

Em situações semelhantes, considerando a classe social do indivíduo

abordado pela polícia, o tratamento dado a ele muda, quando eventualmente o fato

é noticiado. Talvez as relações de poder e de classe sejam determinantes nessas

ocasiões: a maneira escancarada de expor o sujeito se retrai (muito em função de

possíveis processos judiciais), seu nome se reduz a iniciais e as declarações

condenatórias se abrandam, sendo colocadas em um patamar secundário, periférico

dentro da estrutura textual.

É possível inferir que talvez não seja um absurdo deduzir que a chamada

segurança pública é um aparato das classes alta e média para a proteção dos seus

bens patrimoniais. Não é à toa que em grandes cidades a polícia atua para manter

afastados dos centros urbanos indivíduos “indesejáveis”. Há textos jornalísticos que

lançam mão de eufemismos como “pacificação” e “patrulhamento” – constantes no

vocabulário policial – para nomear intervenções violentas e repressão. A intenção

parece ingênua, mas não o é.

Presume-se que, ao utilizar a linguagem policial sem uma tradução para o

leitor comum, o jornalista busca a isenção como indivíduo sobre o que escreve,

deixa a cargo do vocabulário complexo do agente de segurança o papel de

convencer o leitor, ainda que este último não compreenda semanticamente esse uso

vocabular e se prenda muito mais à condição de autoridade de quem está falando.

Pior que isso é o aspecto de valoração dado pelo profissional de imprensa a um

modo de falar em detrimento de outros – inclusive o seu – ao escrever.

A intensa divulgação de notícias policiais não representa necessariamente

heterogeneidade de um veículo para outro. Eles atuam como instrumentos de

consolidação das características daqueles que representam o Estado através da

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força policial e daqueles mais comumente repreendidos por ela. Eis algumas delas:

classe social, cor da pele e principalmente o modo de falar.

A reflexão sobre o quão vulnerável é a percepção sobre a linguagem, no que

diz respeito ao que é “certo” e o que é “errado” em seu uso, se materializa na

apropriação, pelos grupos sociais periféricos/marginalizados, do modo oficial ditado

pelos detentores da “verdade” no cenário cultural, seja pela sua posição de

autoridade ou por convenções sociais históricas ou pelos dois. Essa apropriação se

manifesta de várias formas e atinge também a imprensa e o jornalismo policial.

Longe de estabelecer uma forma “correta” de redação para esse tipo de cobertura

jornalística, a adoção e a reprodução de expressões muitas vezes estranhas ao

jornalismo diário – considerando aqui o jornal impresso – apontam para uma

imponente rejeição e abandono das características que identificam, mesmo que

parcialmente, o texto escrito em jornais e veículos de imprensa. Essa atitude

contraria a ideia de que “[...] o importante da comunicação é fazer-se entender”

(ERBOLATO, 2006, p. 90).

2.2. A sociolinguística e sua abrangência

A linguagem é um aspecto importante nas relações de poder em sociedade e

isso pressupõe que sua estruturação atua como instrumento de controle à

disposição dos grupos dominantes. Considerando este aspecto da linguagem, é

provável que a padronização caracterizada pela hegemonia exercida por uma norma

culta – um padrão firmado, por exemplo, em acordos ortográficos entre países com o

mesmo idioma – venha corroborar os interesses de classes voltadas para a

perpetuação de estruturas sociais. A influência que emerge desse contexto é forte,

levando os “usuários marginais” da língua a um estranhamento com relação ao

próprio modo de se comunicar, numa espécie de rendição ou reconhecimento

forçado da linguagem como ferramenta invariável e inflexível, onde se permite

apenas um único modo de expressão oral ou escrita. Tal hipótese auxilia na

determinação de questões lançadas por alguns estudos sociolinguísticos, sobretudo

nas asserções do franco-argelino Louis-Jean Calvet (2002) e do brasileiro Marcos

Bagno (2003).

De acordo com a concepção da sociolinguística, a língua e o comportamento

linguístico são influenciados pelas relações sociais estabelecidas entre os falantes.

Em muitos casos isso se dá através de convenções e normas, ditadas pelo aspecto

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de valorização ou estigmatização dispensado a determinados modos de falar. Neste

caso, na perspectiva de Calvet (2002, p. 69), “[...] o que interessa à sociolinguística é

o comportamento social que essa norma pode provocar” porque “[...] ela pode

desenvolver dois tipos de consequência sobre os comportamentos linguísticos: uns

se referem ao modo como os falantes encaram a própria fala, outros se referem às

reações dos falantes ao falar dos outros”.

A idealização de um modo de falar prestigioso cria novos parâmetros para a

identificação e julgamento das pessoas, segundo a adoção ou não de uma maneira

padronizada e mais intensamente difundida (CALVET, 2002). Isso acarreta certo

status de domínio de uma cultura sobre a outra, muitas vezes alicerçado em

aspectos econômicos e nas relações de poder. Mas suas implicações são mais

profundas e se convertem num fenômeno que Calvet destaca como “insegurança

linguística”, uma espécie de negação ou desconforto com relação ao próprio modo

de falar e a iminente apropriação de variantes dominantes “[...] quando os falantes

consideram o seu modo de falar pouco valorizador e têm em mente outro modelo,

mais prestigioso, mas que não praticam” (CALVET, 2002, p. 72).

A adaptação a configurações de fala “mais bem aceita”, ainda que não seja

quantitativamente mais usual, constitui de certo modo um atalho sombrio, pois a

mudança radical subverte variantes comuns em determinadas classes e culturas,

atribuindo a elas um caráter de “falar periférico”, desembocando não apenas na

estigmatização da fala, mas também do indivíduo. Essa adaptação pode ocorrer de

maneira desenfreada e gerar considerável incompatibilidade e assimetria com as

características do falar dominante: “É por considerar o próprio modo de falar como

pouco prestigioso que a pessoa tenta imitar, de modo exagerado, as formas

prestigiosas” (CALVET, 2002, p. 79).

É na vertente do “preconceito linguístico” e suas incidências na

sociedade brasileira que o linguista Marcos Bagno dedica parte significativa de sua

obra. Para Bagno (2003), a imposição de uma “norma culta” e a desconsideração

das variantes da língua portuguesa em território nacional servem às classes

prestigiadas como instrumentos de poder e de exclusão dos não adeptos ao modelo

convencional, utilizado pelas parcelas letradas da sociedade. O autor recorre ao

contexto social em que os falantes estão inseridos para dissecar aspectos que

motivam a ideia do “bem-falar” em detrimento daquilo que a elite intelectualizada e

os aspirantes a ela classificam como “jeito errado”. E explica que “[...] a resposta

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talvez esteja naquilo que costumo chamar de ‘fantasma colonial’” (BAGNO, 2003, p.

77).

Desde os primórdios da colonização europeia houve alguns movimentos em

favor da preservação da língua portuguesa tal qual a falada na alta sociedade

metropolitana, chegando a influenciar decretos como o da proibição do ensino de

qualquer outra língua na colônia que não fosse a portuguesa2 (BAGNO, 2003). O

clímax da prerrogativa segundo a qual só existe uma norma-padrão para a língua

talvez tenha se materializado, segundo Bagno, na criação da Academia Brasileira de

Letras (ABL), em 1896, uma instituição caracterizada pelo ativismo em prol do “bem-

falar” e do “bem-escrever” e pela inflexibilidade em aceitar variantes linguísticas

nacionais – o que constitui o modo de falar predominante:

A Academia Brasileira de Letras quer preservar ad immortalitatem uma atitude estranhamente elitista diante dos fatos linguísticos, uma vez que seus 40 membros (quase todos alheios aos desdobramentos da pesquisa e da teorização científica da língua e de seu ensino) se autoproclamam capazes de tomar decisões e decretar escolhas em detrimento das opções linguísticas dos outros 175 milhões de falantes da língua majoritária do Brasil, inclusive dos mais letrados. (BAGNO, 2003, p. 92)

A ideia um tanto pretensiosa de classificar o próprio modo de falar como o

correto advém, intensamente, de acordo com Bagno, do aspecto socioeconômico,

uma vez que, detendo os meios de produção cultural e industrial, bem como

pertencer a uma parcela economicamente abastada, a elite nacional considera,

desse modo, a sua maneira de falar como a “correta”: “Isso se verifica em todo lugar.

[...] E no Brasil não é diferente: as pessoas excluídas do poder político e do poder

aquisitivo também são excluídas do poder falar” (BAGNO, 2003, p. 75). A dualidade

que se encontra em “falar certo” e “falar errado”, nas asserções de Bagno (2003, p.

141), é menos determinada por fatores estritamente linguísticos do que por

características sociais dos falantes da língua.

A proclamação de uma única forma de fazer uso do idioma desencadeia uma

série de avaliações negativas, que transcendem o fator linguístico, tornando-se base

de julgamentos mais acentuados a respeito do indivíduo. Bagno exemplifica este

preconceito na seguinte hipótese: “Alguém fala errado porque pensa errado, porque

age errado, porque é errado... O outro lado da mesma moeda ideológica é fácil de

2 Em 1757, o primeiro-ministro português Marquês de Pombal decidiu proibir o ensino de qualquer outra língua em território nacional que não a portuguesa. A medida objetivava, sobretudo, a prática pedagógica dos jesuítas, que se serviam da língua geral, de origem tupi, para catequizar os índios brasileiros.

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imaginar: quem fala certo pensa certo, age certo, é certo...” (BAGNO, 2003, p. 149-

150).

Outra vertente da abordagem discursiva é análise de discurso crítica e tem

como um de seus maiores contribuidores o linguista holandês Teun A. van Dijk, que

explora a relação entre o discurso e a manutenção do poder em sociedade pelas

classes historicamente prestigiadas.

2.3. O que é discurso?

Na reunião de ensaios Discurso e Poder, Van Dijk (2008) estuda as relações

de domínio entre grupos através da construção de estruturas de discurso,

intencionando a legitimação de suas práticas e a transformação delas em

convenções sociais. Para Van Dijk, as motivações discursivas advêm de uma série

de fatores que necessitam ser levados em conta. O discurso dominante surge de

determinado contexto e suas várias características, demonstrando que o terreno

onde a influência desse grupo é exercida é um tanto peculiar. É relevante, portanto,

de acordo com Van Dijk, que:

Ao definirmos o discurso como evento comunicativo também precisamos considerar, por exemplo, os domínios sociais gerais em que são usados (político, jornalístico, educacional); as ações sociais globais por eles realizadas (legislação, educação); as ações locais que produzem; o cenário atual de tempo, lugar e circunstâncias; os participantes envolvidos, assim como seus muitos papéis sociais e comunicativos e o pertencimento a grupos (étnicos, por exemplo); e, não menos importantes, as crenças e objetivos desses participantes. (DIJK, 2015, p.140)

A função social do discurso se materializa no controle e na ordem criados por

sua ação persuasiva, ocasionando também transformações ideológicas, bem como

comportamentais e cognitivas. Van Dijk (2015, p. 39) enfatiza que um ponto de

partida na observação das manifestações discursivas dominantes é compreender

"[...] como esse poder é exercido, manifestado, descrito, disfarçado ou legitimado por

textos e declarações orais dentro do contexto social". O discurso dominante é

estruturado de maneira a abranger uma ampla gama de aspectos sociais, dando

consistência a posicionamentos ideológicos a fim de criar consenso e legitimidade

em várias dimensões das práticas em sociedade:

o controle se aplica não só ao discurso como prática social, mas também às mentes daqueles que estão sendo controlados, isto é, seus conhecimentos, opiniões, atitudes, ideologias, como também às outras representações pessoais ou sociais. (DIJK, 2008, p.18)

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Tal exercício da linguagem discursiva desencadeia certo processo de

manipulação, perpetrada principalmente pela mídia e pelos políticos. É preciso, de

acordo com Van Dijk, ter consciência da presença desse tipo de controle como uma

forma de imunidade ao exercício de dominação por parte dos detentores do poder –

em várias dimensões – "em um sentido amplo, incluindo características não verbais

como gestos, expressões faciais, layout de texto, imagens, sons, música" (2008, p.

251).

Antes de Van Dijk, José Luiz Fiorin (2003) estabelece uma relação entre

ideologia e linguagem. O poder ideológico dos discursos está ligado à sua

construção textual, no que se refere aos propósitos da enunciação com relação ao

público. Em muitos casos, essa enunciação, como simples ferramenta para externar

ideias, se encontra em um nível primitivo, enquanto seu arcabouço guarda uma série

de questionamentos não possibilitados num nível de aparência, como classifica

Fiorin (2003, p. 20). Para ele, este nível “[...] apresenta-se como a totalidade da

realidade, o que denota que, no modo de produção capitalista, a aparência é vista

como totalidade de realidade. [...] o nível da aparência é a inversão do nível da

essência” (FIORIN, 2003, p. 28). O que Fiorin destaca é que nem tudo se encerra na

primeira impressão, que a origem e os desdobramentos dos discursos são diversos

e muitas vezes ocultos para um olhar “destreinado”, superficial.

O modo como o discurso é apresentado é essencial para o texto que se

pretende persuasivo. É o que propõe Adilson Citelli (2004). Para o autor, “[...]

persuadir não é apenas sinônimo de enganar, mas também o resultado de certa

organização do discurso que o constitui como verdadeiro para o destinatário” (2004,

p. 15). As palavras ganham novos contornos e significados dependendo do contexto

em que estão inseridas. Para além do propósito de “embelezar” a frase ou

compensar insuficiência vocabular com rebuscamentos, por exemplo, as palavras

têm cunho ideológico em quase tudo em que são empregadas. Muitas convicções

são consolidadas pelo domínio exercido por discursos “repletos de jargões, frases

feitas, clichês linguísticos, num exercício de adequação ao tempo em que vivemos.

[...] A tentativa de se produzir dominância discursiva faz parte das lutas pela

construção de hegemonias de poder que se afirmam na sociedade” (CITELLI, 2004,

p. 33-39). Essas características são manifestadas no jornalismo e nos textos

jornalísticos de editorias policiais. A apropriação de certo padrão linguístico converge

com a legitimação de um domínio ideológico.

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Nesse caso, trata-se de menos preconceito linguístico e mais de uma

imposição da lógica de produção jornalística, do dead line, do número de acessos e

da exclusividade.

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CAPÍTULO III

ANÁLISE DE DISCURSO E RELAÇÕES DE PODER

De acordo com Resende e Ramalho (2016, p. 19), existe todo um arcabouço

implícito na sociedade e principalmente nas instituições, cuja demanda seria o

controle do modo de pensar das pessoas, numa espécie de ajuste destinado a criar

certo consenso acerca de questões cruciais para a manutenção da existência de um

poder maior. Nesses moldes se estabeleceria também “técnicas” de controle do

discurso. Lançando mão de conclusões de um dos maiores filósofos franceses do

século XX, as autoras lembram que:

Em Vigiar e Punir, Foucault discute o conjunto de práticas discursivas disciplinadoras de escolas, prisões e hospitais. O autor defende que essas instituições utilizam técnicas de natureza discursiva, as quais dispensam o uso da força, para “adestrar” e “fabricar” indivíduos ajustados às necessidades do poder. (RESENDE; RAMALHO, 2016, p. 19)

O linguista holandês Teun A. van Dijk analisa as relações de poder

discursivas sob a premissa de que o indivíduo quase sempre está subjugado por

convenções sociais prévias, que ditam as regras de como o discurso deve ser feito,

de modo a corroborar com convicções pré-estabelecidas. O alvo da Análise de

Discurso acaba sendo os aspectos deontológicos e éticos que regem determinadas

atividades intelectuais de produção e reprodução de discursos e ideias.

Esse controle é difuso na sociedade. Poucas pessoas têm uma liberdade total para dizer e escrever o que querem, onde e quando querem e para quem querem. Há restrições sociais de leis (por exemplo, contra a difamação ou a propaganda racista) ou de normas sobre o que é apropriado. Além disso, a maioria das pessoas tem empregos nos quais são obrigadas a produzir tipos específicos de fala e escrita. Nesse sentido, o controle do discurso parece ser a regra, e não a exceção. Para investigar o abuso desse controle de discurso, então, precisamos formular condições específicas, tais como violações específicas dos direitos humanos ou sociais. (DIJK, 2015, p. 18)

Charaudeau (2014, p. 103) explica que a reprodução do discurso muitas

vezes acontece de forma automática, ainda que não de modo “copiado”. Talvez essa

predisposição para reproduzir o discurso esteja centrada na figura de fontes oficiais

humanas, com sutis alterações, uma vez que “[...] discurso de origem pode ser

simplesmente reproduzido em sua forma. Trata-se de uma repetição do que já foi

dito, mas pode ainda sofrer algumas modificações”.

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A Análise de Discurso, como metodologia de investigação discursiva,

predomina como ferramenta recorrente no estudo da Comunicação na mídia e em

suas derivações representadas pelos veículos noticiosos, pois adota o corpus

presente em publicações também jornalísticas como potencial objeto reprodutor de

narrativas carregadas por vieses ideológicos que estão presentes, ainda que

subjetivamente, no discurso convencional. Então, na visão de Resende e Ramalho

(p. 22) “a desconstrução ideológica de textos que integram práticas sociais pode

intervir de algum modo na sociedade, a fim de desvelar relações de dominação”.

As várias características concernentes à sociedade devem ser consideradas

na empreitada que pretende ligar o desenvolvimento e a dinâmica social às

construções discursivas que regem e viabilizam as relações de poder entre os

grupos em determinados espaços, em especial aqueles que reproduzem e veiculam

ideologias determinadas a perpetuar certo distanciamento entre as camadas

socioeconômicas. Van Dijk (p. 22) resume que quando “fazemos” análise de

discurso como análise social, nós nos envolvemos com estruturas de organização,

controle e poder vastamente complexas, das quais a fala e a escrita públicas podem

ser apenas uma de muitas outras práticas sociais a serem examinadas.

Essa imersão da Análise de Discurso tem propósitos voltados à resolução de

questões subjetivas inerentes à construção de formas discursivas e sua presença

nas relações sociais que se fazem diariamente entre os indivíduos e as instituições e

que muitas vezes se repetem na elaboração do discurso dos meios de comunicação,

expressamente a imprensa. Ainda que essa vertente da comunicação não seja a

causa da existência da Análise de Discurso, toma-se como importante objeto de

desconstrução, na medida que ela perpassa importantes acontecimentos da vida em

sociedade. Dessa forma:

Entender o uso da linguagem como prática social implica compreendê-lo como um modo de ação historicamente situado, que tanto é constituído socialmente, como também é constitutivo de identidades sociais, relações sociais e sistemas de conhecimento e crença. Nisso consiste a dialética entre discurso e sociedade: o discurso é moldado pela estrutura social, mas também é constitutivo da estrutura social. (RESENDE; RAMALHO, 2016, p. 26-27)

Vários aspectos são considerados no levantamento de pontos importantes

acerca da construção da fala e da escrita porque “[...] a natureza da prática

discursiva é variável entre os diferentes tipos de discurso, de acordo com fatores

sociais envolvidos” (RESENDE; RAMALHO, 2016, p. 28). É por isso que cabe se atentar

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para as características dos enunciadores e do contexto em que se enuncia.

Resende e Ramalho orientam que o reconhecimento de fatores paralelos ao

discurso propriamente dito e estruturado é fonte de contribuição para conclusões

mais efetivas, uma vez que este, o discurso...

[...] é tanto um elemento da prática social que constitui outros elementos sociais como também é influenciado por eles, em uma relação dialética de articulação e internalização. Por isso, através de análises de amostras discursivas historicamente situadas, pode-se perceber a internalização de outros momentos da prática no discurso, ou seja, a interiorização, de momentos como, por exemplo, relações sociais e ideologias no discurso. (RESENDE; RAMALHO, 2016, p. 26-27)

O domínio exercido por determinadas práticas discursivas encontra eco em

teorias que levantam a hipótese de uma cultura social e política que vai ao encontro

de uma doutrina hegemônica. Resende e Ramalho (p. 44) apresentam um ambiente

em que “[...] o próprio discurso apresenta-se como uma esfera da hegemonia, sendo

que a hegemonia de um grupo é dependente, em parte, de sua capacidade de gerar

práticas discursivas e ordens de discurso que a sustentem”.

O exercício do domínio discursivo por grupos específicos que constituem uma

sociedade heterogênea baseia-se numa arquitetura ideológica que é projetada e

executada de maneira sutil, e que depende da coparticipação de alguns elementos,

tais como a predisposição dos indivíduos e a internalização de preceitos germinados

ao longo do tempo, mas que pode ser “combatida”, uma vez que:

os sentidos a serviço da dominação podem estar presentes nas formas simbólicas próprias da atividade social particular ou podem se fazer presentes nas autoconstruções reflexivas, caso a ideologia seja internalizada e naturalizada pelas pessoas. No entanto, a busca pela autoidentidade que deve ser criada e sustentada nas atividades reflexivas do indivíduo, também pode sinalizar possibilidade de mudança social. (RESENDE; RAMALHO, 2016, p. 45)

Existem concepções neutras que tentam caracterizar fenômenos ideológicos

sem implicar que esses fenômenos sejam, necessariamente, enganadores ou

ilusórios ou ligados com os interesses de algum grupo em particular (Resende e

Ramalho, p. 48). Isso demanda um olhar mais apurado na análise de características

que, mesmo menos aparentes que outras, são imprescindíveis na associação de

determinados fenômenos sociais com suas possíveis causas. Um desses

fenômenos seria o favorecimento de indivíduos e grupos dominantes, pois, de

acordo com Ramalho e Rezende (2016, p. 49), “[...] a concepção crítica postula que

ideologia é, por natureza, hegemônica, no sentido de que ela necessariamente serve

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para estabelecer e sustentar relações de dominação e, por isso, serve para

reproduzir a ordem social”.

Outra hipótese que Charaudeau levanta é que a narrativa deve ser vista como

uma representação linguística criada pelo narrador e não como um relato de um

fenômeno ou acontecimento que descreve perfeitamente a realidade concreta do

contexto e dos elementos que fazem parte dessa narrativa. A percepção sobre o

mundo é variável de acordo com os atributos do narrador que reflete na maneira

como ele narra.

Toda narrativa se apresenta ao leitor como um conjunto organizado e contado por um narrador. Mas é apenas aparência. Com efeito, o dispositivo do processo de narração comporta muitos tipos de sujeitos que têm cada um uma identidade própria, uma identidade que os leva a desempenhar um papel particular na encenação de uma narrativa. (CHARAUDEAU, 2014, p. 188)

Formas de dominação discursiva é objeto da Análise de Discurso pela sua

“repetição” sistemática no que tange a relação entre diferentes grupos de fala sob a

dualidade dominador e dominado, considerando certos contextos necessários à

identificação da ocorrência de relações de poder quase sempre desiguais. Formas

assim são permeadas por recursos confeccionados sob o propósito de se fazer valer

a relativa superioridade desse lugar de fala dos grupos historicamente favorecidos,

como a seletividade do acesso aos meios de comunicação. Para Resende e

Ramalho (2016, p. 51) “[...] outra estratégia é o expurgo do outro, em que se objetiva

representar simbolicamente o grupo que possa constituir obstáculo ao poder

hegemônico como um inimigo que deve ser combatido”.

A presença constante de falas atribuídas a determinados personagens da

composição social, expressamente autoridades reconhecidas, prevalecem num

ambiente de embate entre partes distintas que buscam anular a efetivação de

declarações contrárias a objetivos e dominação e imposição ideológica. Isso é

perceptível e equacionado da seguinte maneira:

Quando discursos entram em competição em um texto, é comum haver um discurso “protagonista” e um discurso “antagonista”. Nesse caso, a articulação serve a propósitos de negação de um discurso em nome da afirmação do outro. (RESENDE; RAMALHO; 2016, p. 53)

As várias características concernentes à sociedade devem ser consideradas

na empreitada que pretende ligar o desenvolvimento e a dinâmica social às

construções discursivas que regem e viabilizam as relações de poder entre os

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grupos em determinados espaços, em especial aqueles que reproduzem e veiculam

ideologias determinadas a perpetuar certo distanciamento entre as camadas

socioeconômicas. Van Dijk (p. 22) resume que quando “fazemos” análise de

discurso como análise social, nós nos envolvemos com estruturas de organização,

controle e poder vastamente complexas, das quais a fala e a escrita públicas podem

ser apenas uma de muitas outras práticas sociais a serem examinadas.

3.1. O controle do discurso

De acordo com Van Dijk (2015), é no direcionamento da forma de pensar dos

indivíduos que se materializa a consolidação do poder de um grupo sobre o outro,

através de uma estratégia centrada no papel que o convencimento ideológico pode

desempenhar na manipulação do modo de pensar de grupos essencialmente

marginalizados no espaço do discurso público.

Muitas formas de poder contemporâneo, contudo, devem ser definidas como poder simbólico, isto é, em termos do acesso preferencial a – ou controle sobre – o discurso público. Controle do discurso público é controle da mente do público e, portanto, indiretamente, controle do que o público quer e faz. Não há necessidade de coerção se se pode persuadir, seduzir, doutrinar ou manipular as pessoas. (DIJK, 2015, p. 22)

Compreensões distintas de um mesmo fenômeno dão base para essa

inferência, pois, segundo Charaudeau (p. 198), se para descrever o personagem o

narrador apela para uma interpretação, para suposições sobre o que sente ou pensa

este, trata-se então do ponto de vista interno, subjetivo.

Pelo fato de que nenhum sujeito é ingênuo, essa busca do verdadeiro torna-se uma busca do “mais verdadeiro”, ou seja, do verossímil (o verdadeiro não sendo graduável), de um verossímil que depende das representações socioculturais compartilhadas pelos membros de um determinado grupo, em nome da experiência e do conhecimento. (CHARAUDEAU, 2014, p. 206)

O impacto gerado por uma definição geral de dominação discursiva em todos

os seus aspectos específicos depende da perspectiva de cada pessoa, o que torna a

precisão sobre as consequências sociais negativas para os receptores algo muito

difícil (Van Dijk, p. 30). Isso evidencia a ocorrência nem sempre explícita no discurso

de pontos que poderiam indicar dominação. A perspectiva que é projetada num

panorama mais geral de atitudes e comportamentos sociais responde a um

comando que evita individualizar essas demandas para consolidar conclusões mais

abrangentes.

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Há pouca dúvida, por exemplo, que a repetida ênfase e o enfoque nas características desviantes ou criminais das minorias criam ou confirmam atitudes racistas socialmente compartilhadas na sociedade, e não somente as opiniões de alguns indivíduos preconceituosos. (DIJK, 2015, p. 33)

As questões que envolvem a Análise de Discurso através da perspectiva do

domínio discursivo e dos veículos que materializam a propagação de padrões de

fala de alguns grupos em detrimento de outros são complexas. Van Dijk propõe a

delimitação de inferências mais importantes acerca do tratamento dispensado aos

grupos “autorizados” ou não a se valerem do seu lugar de fala para a expressão de

suas ideias sem os implícitos impedimentos levados a cabo por convenções

arbitrárias.

Sendo assim, as perguntas centrais são: quem pode falar ou escrever o que, para quem, em quais situações? Quem tem acesso aos vários gêneros de formas do discurso ou aos meios de sua reprodução? Quanto menos poderosa for uma pessoa, menor o seu acesso às várias formas de escrita e fala. No fim das contas, os sem-poder “não têm nada para dizer”, literalmente, não têm com quem falar ou precisam ficar em silêncio quando pessoas mais poderosas falam, como no caso das crianças, dos prisioneiros, dos réus (e em algumas culturas, incluindo algumas vezes a nossa) das mulheres. (DIJK, 2015, pp. 43-44)

Dado que práticas sociais encerram diferentes discursos e interesses

particulares, a presença de uma voz específica, de maneiras específicas, em vez de

outras, sinaliza o posicionamento do autor do texto inserido, em determinadas

conjunturas, nas lutas de poder. Resende e Ramalho (2016, p. 101), dizem que a

seleção das vozes nessa recontextualização, bem como elas são representadas, diz

muito sobre o posicionamento político desse evento discursivo na rede de práticas

sociais.

Van Dijk afirma que escolha e seleção de um corpus de análise focados em

discursos proferidos pela mídia têm base numa cultura em que as fontes de

informação quase não se diversificam para a maioria dos indivíduos e “[...] aquisição

de conhecimento e a formação de opiniões sobre a maior parte dos eventos do

mundo parece basear-se largamente no discurso jornalístico presente na imprensa”

(2015, p. 77).

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CAPÍTULO IV

A APROPRIAÇÃO DO LINGUAJAR POLICIALESCO

A identificação dos sujeitos enunciativos, isto é, quem, de alguma forma, tem

algo a dizer sobre determinado assunto, ligados ao tema dessa análise baseia-se na

coleta de textos da editoria policial do veículo escolhido. A partir dessa etapa, tenta-

se qualificar os termos e expressões utilizados para a construção textual e

responder por que tais termos são escolhidos em detrimento de outros, que imagens

são criadas para representar alguns acontecimentos e como pontos de vista refletem

na construção social da linguagem. Assim, como orienta Michel Pêcheux (1993), a

análise discursiva tem parâmetros que devem ser seguidos para que se torne efetiva

e responda as questões apresentadas no problema relacionado ao tema de

pesquisa:

[...] é interessante explicar o motivo que induziu a escolha do recorte sócio-histórico, pois este faz parte das “condições” de produção do discurso, representadas no corpus em análise, bem como a necessidade de ilustrar as condições da constituição do corpus. Após ter delimitado o eixo temático o analista irá trabalhar com este, o que supõe o estabelecimento de “recortes discursivos”, onde se representam linguagem e situação. O recorte resulta da teoria e é uma construção do analista; no estudo do recorte se busca caracterizar as regularidades na “formação discursiva”, no confronto com sentidos heterogêneos. (PÊCHEUX, 1993, 61)

Os recortes aqui analisados foram extraídos do site “Extra de Rondônia”, e

abrangem publicações de editorias policiais do referido veículo entre os dias 01 de

outubro e 31 de outubro de 2018. Trata-se de uma pesquisa qualitativa e não

quantitativa. A escolha desse tipo de editoria pode ser facilmente compreendida,

uma vez que é nela que se manifestam versões sobre determinados casos ligados à

segurança pública e, essencialmente, à atividade policial diária, através de

ocorrências, prisões ou acidentes de trânsito.

Não se pretende aqui generalizar a cobertura policial como homogênea em

um contexto geográfico. Essa intervenção se faz por se notar a presença de traços

textuais estranhos ao texto jornalístico, pela incorporação de termos e expressões

mais características do modo de falar de policiais militares e não do repórter,

pressupondo que essa apropriação elege previamente a parte a quem se deve dar

voz e, sobretudo, credibilidade. A análise se apoia na prerrogativa da existência de

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um discurso burocrático-institucional mais passível de validação, o que perpetua as

relações de dominação entre aqueles que falam pela instituição e aqueles que por

ela são falados (CITELLI, 2004). Também se analisará os recortes a partir da

perspectiva do “preconceito linguístico”, em que determinada camada social elege

um modo de falar e escrever como sendo este “melhor do que outro”, muito em

função das características socioeconômicas dos falantes (BAGNO, 2003).

Em matéria publicada em 01/10, intitulada “Apenado tenta atacar comandante

a mordida durante abordagem policial”, o texto baseia-se somente em documento

oficial para desenvolver sua narrativa, considerando a prerrogativa de que os dados

ali contidos reproduzem uma realidade não passível de contestação ou pelo menos

mais verossímil do que seria a declaração – não captada – do suposto agressor:

[...] De acordo com o registro da ocorrência, [...] os suspeitos investiram contra a guarnição, sendo necessário o uso da força física para contê-los. [...] Durante a imobilização, o apenado tentou atacar o comandante da guarnição com mordidas, porém, foi contido... (Extra de Rondônia, 1º out. 2018)

Para criar uma imagem de normalidade à ação violenta, o autor da matéria

utiliza-se de um eufemismo – “o uso da força física” –, e apresenta um panorama em

que todas as informações do texto recorrem a uma única fonte – a policial e oficial –

para a composição do relato daquele acontecimento.

A utilização de dados registrados pelas fontes oficiais é recorrente nos textos

aqui analisados. Além disso, parece haver uma mera reprodução, sem qualquer

critério contido em manuais de redação, daquilo que o escrivão de polícia cria em

seus arquivos. Um dos critérios basilares da boa prática editorial diz respeito à

“pluralidade de fontes”, que nos remete à ideia de que, em um texto jornalístico, o

autor (repórter) deve ouvir todos os lados envolvidos no desenrolar da ação a ser

narrada. Notamos que esse princípio é ignorado nos textos analisados. E não

percebemos traços de que houve algum esforço nesta direção. Expressões de

caráter um tanto rebuscado, que poderiam ser substituídas por outras menos

parnasianas, são colocadas nos textos a fim de que o relato agregue certo status de

credibilidade. Em texto publicado em 08/10 – “Preso que fugiu de cela hospitalar é

recapturado pela PATAMO” –, o redator recorre novamente ao boletim de ocorrência

para construir sua narrativa e adota algumas expressões cuja construção é pouco

usual em texto jornalístico:

[...] De acordo com o registro da ocorrência, uma guarnição do Patrulhamento Tático Móvel (PATAMO) realizava ronda pelo referido bairro, com o intuito de localizar o

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suspeito de um roubo ocorrido em um estabelecimento comercial, quando visualizou Cristiano transitando em uma bicicleta, trajando as mesmas vestes que as vítimas relataram que o agente do crime usava. Ao receber a voz de parada, o homem empreendeu fuga até que sofresse uma queda e, mesmo assim, não parou, correndo até um terreno pertencente a uma igreja, onde acabou sendo capturado com o uso da força física, por ter resistido à prisão. (Extra de Rondônia, 08 out. 2018)

A substituição do termo “vestindo” pela expressão “trajando as mesmas

vestes” e o termo “fugiu” pela expressão “empreendeu fuga” revela certa inclinação

ao referido rebuscamento. Busca-se usar um termo técnico, muito comum na

redação de boletins de ocorrência, de maneira que se consiga uma aproximação

mais estreita com a versão que se quer enfatizar. Não se busca, portanto, a opinião

do indivíduo detido pela polícia, suas motivações. A verdade teria um “dono”, mais

próximo do poder do que seu antagonista. Os trechos citados funcionam como

afirmação de um consenso e a legitimação do uso da violência, embora na

passagem “sendo capturado com o uso da força física” pretenda-se dar a essa

violência um caráter de mera eventualidade e normalidade.

A seleção de dados considerados para a construção de uma narrativa pode

desempenhar um papel identificador dos objetivos de persuasão no narrador, a fim

de confirmar certos preconceitos e de se levantar indícios que expliquem as

potenciais causas de um evento. Em matéria veiculada em 11/10, com o título

“Homem é assassinado com cinco tiros na cabeça na frente de amigo no Embratel”,

o boletim de ocorrência volta a ser a única base para a confecção do texto.

Constata-se também a substituição da palavra “morto” pela expressão “estava em

óbito”, numa tentativa de tornar a oração “mais técnica”.

[...] De acordo com o registro da ocorrência, dois amigos estavam sentados na frente do imóvel, quando dos indivíduos chegaram em uma motocicleta, quando o carona desceu, se dirigiu até a vítima e efetuou vários disparos contra a cabeça da mesma. Uma Unidade de Resgate do Corpo de Bombeiros chegou a comparecer no local, mas a vítima já estava em óbito. [...] No local também foram encontrados dois invólucros de entorpecente do tipo crack. (Extra de Rondônia, 11 out. 2018)

No último parágrafo, a afirmação de que a investigação policial encontrou no

local do crime serve para dar tom de justificativa para a ocorrência desse tipo de

violência, de modo que a hipótese normalmente aceita no imaginário popular seria a

de que o homicídio é o desfecho mais esperado nesse contexto.

Por assim dizer, o relato fatalista ganha espaço como mais promissor objeto

de persuasão. A relação de causa e efeito passa a ser embasada por convicções

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morais que muitas vezes são diluídas no texto, mas que almejam uma interpretação

mais generalizada dos eventos, desconsiderando o fato em si e destacando o

ambiente físico onde ele se desenvolveu, ainda que a licitude desse ambiente não

seja discutida de forma imparcial. Essas são inferências que podem ser feitas sobre

o texto que traz a manchete “Homem leva quatro facadas em briga de bar no Jardim

Primavera”,

[...] a vítima identificada como sendo Marcos José estava num bar no endereço citado e consumia bebidas alcoólicas na companhia de alguns conhecidos. Porém, em dado momento, José se desentendeu com um colega que também estava no recinto. Com isso, os ânimos se alteraram e os dois entraram em vias de fato. (Extra de Rondônia, 12 out. 2018)

No trecho, há uma transcrição cronológica dos acontecimentos narrados que

destacam principalmente o consumo de bebidas alcoólicas como desencadeador de

violência, como se fosse uma espécie de padrão. O uso da expressão “vias de fato”

concede amenização ao termo “briga” e um enquadramento mais estreito em

relação ao que a narrativa do registro oficial da ocorrência poderia sugerir.

A cobertura jornalística da rotina policial pelo site “Extra de Rondônia” parece

acompanhar diretrizes de uma assessoria de imprensa, dando enfoque à atividade

policial e incorporando a agenda dos militares. Ainda reproduz nomenclaturas

pejorativas ao se referir aos indivíduos, revelando estigmas sociais dos quais o

veículo parece não estar imune. Outra matéria, publicada em 15/10 – “Em arrastão,

jovens roubam celulares de transeuntes fazendo uso de simulacro de arma de fogo”

–, o termo técnico “simulacro” é empregado para designar uma réplica de uma arma

ou arma de brinquedo. O texto descreve, também, uma ação cronológica da

operação policial e lança mão de expressões mais comuns ao linguajar dos policiais

militares.

Após receberem várias denúncias de roubo a transeuntes, na noite de domingo, 14, onde as vítimas relatavam sempre o mesmo modus operandi dos meliantes, assim como as mesmas características físicas destes, uma guarnição da Polícia Militar (PM) deu início às diligências em busca dos suspeitos... [...] Ainda, segundo o menor, parte dos aparelhos adquiridos no arrastão ficaram em posse do terceiro elemento, que conseguiu empreender fuga. (Extra de Rondônia, 15 out. 2018)

O emprego da expressão latina “modus operandi” para determinar como os

supostos criminosos costumam agir vai ao encontro de diversas repetições que

muito se assemelham com a fala dos policiais. O texto se refere aos suspeitos de

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praticar dos delitos narrados como “meliantes”, um sinônimo para “vagabundo” ou

“malandro”, mediante uma espécie de pré-condenação feita pelo próprio repórter.

Em 16/10, numa publicação com o título “PM recupera motocicletas furtadas;

uma delas teria sido usada em arrastão”, o texto narra o acontecimento e enfatiza a

ação policial, lançando mão também de expressões policialescas.

Nas últimas 24 horas, guarnições da Polícia Militar de Vilhena lograram êxito na recuperação de duas motocicletas furtadas. [...] uma guarnição deu início às diligências em prol da localização do veículo quando recebeu informações da Central de Operações de que estava ocorrendo um arrastão na cidade e os meliantes faziam uso de uma motocicleta... (Extra de Rondônia, 16 out. 2018)

Novamente o redator se utiliza de um rebuscamento – “lograr êxito” – para

falar da eficiência da operação policial e dos objetivos por ela alcançados, adotando

uma expressão que muitas vezes é enunciada pelos agentes de polícia. Também

usa a expressão “início às diligências” para designar um lado burocrático da

atividade policial.

A arquitetura social é um aspecto importante ao se analisar o emprego

da língua e os preconceitos que esse emprego traz consigo. No entanto, uma

análise promissora deveria abranger os agentes que empregam a língua ao

escrever. No caso da cobertura policial, saber quem são os repórteres, seu grau de

formação e suas condições de trabalho podem indicar alguns agravantes da

apropriação do “falar oficial” em detrimento do seu próprio falar. Ao que parece, tais

textos seguem um padrão que não permite questionamentos mais profundos, de

modo a evitar que o público leitor forme convicções equivocadas e se prenda a

lugares-comuns. Pelo contrário, os textos reforçam essa prerrogativa. A banalidade

com que tratam os assuntos premiam o vazio e o uso de termos policiais ao escrever

mostram de que lado estão. A preferência pela versão institucional ou especializada,

na asserção de Citelli (2004), não justifica repetir, ao pé da letra, seus discursos. O

“preconceito linguístico” tem participação importante num uso padrão da língua – em

muitos casos num uso rebuscado, como o foi no período parnasiano –, mas como

Bagno (2003) também destaca, a educação, em todos os níveis, passa por uma

crise, crise esta que não permite evoluir rumo à flexibilização da língua portuguesa

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CONCLUSÃO

O jornalismo se prende a estereótipos quando os reproduz em seus veículos,

conscientemente ou não. Parece haver uma inclinação muito forte para a repetição e

consolidação de lugares-comuns, presentes na cultura de uma parcela significativa

dos leitores, que muitas vezes procuram por notícias que alimentem convicções já

bastante enraizadas em seu imaginário. Por outro lado, é possível notar que a

autonomia jornalística está em um plano idealizado, muito mais quando se constata

a incapacidade dos jornalistas em produzir um texto trabalhado com linguagem

própria. O uso de expressões policialescas é apenas um sinal dessa paralisia.

É possível encontrar acentuado apelo a termos técnicos em textos sobre

economia (“economês”), em textos que tratam de assuntos jurídicos (“jurisdiquês”) e

em textos em que a compreensão seria facilitada se houvesse uma “lapidação” das

informações captadas. Nesse caso, trata- se de menos preconceito linguístico e

mais de uma imposição da lógica de produção jornalística, do dead line, do número

de acessos e da exclusividade.

Para além da imparcialidade jornalística, já descartada pela sua própria razão

de ser, o jornalismo precisa, agora, correr atrás de sua identidade.

Baseando-se nas inferências de autores da pesquisa em Comunicação,

Linguística e Análise do Discurso, pode-se concluir que as demandas apresentadas

ao redator e repórter do veículo aqui analisado estão subjugadas por certa

subserviência em relação à autoridade oficial. Tal subserviência encontra apoio nas

diferenças de poder que essas duas esferas possuem entre si, mas também se

sustenta em convenções sociais que eleva os porta-vozes da segurança pública ao

status detentores da única verdade aceitável. Há também que se enfatizar as

características da plataforma em que os textos jornalísticos são publicados e em que

isso interfere na confecção de matérias para a editoria policial.

Depreende-se que, no caso específico do site “Extra de Rondônia”, não há

relação direta entre o conteúdo e o meio de divulgação, uma vez que a estrutura do

texto não difere daquela que poderia ser encontrada num jornal impresso. Ou seja,

trata-se de uma produção que não leva em conta as peculiaridades estruturais ou

textuais apontadas pelos autores no primeiro capítulo do presente trabalho.

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Com relação ao comportamento que a reprodução das normas vocabulares

dos agentes de segurança pública, conclui-se que ela se encontra em evidência nos

textos aqui analisados, e se repetem, tanto sintática como semanticamente na rotina

da cobertura das atividades policiais feita pelo site. De certa forma, há nessa

doutrina uma tentativa do jornalista de apresentar os fatos com isenção superficial,

acreditando que a simples “cópia” dos boletins de ocorrência o exime de qualquer

responsabilidade em relação às personagens do seu relato, principalmente aquelas

que poderiam manifestar o seu direito a voz e reivindicar justiça.

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REFERÊNCIAS

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Paulo: Parábola Editorial, 2003.

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São Paulo: Parábola, 2002.

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Ática, 2006.

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1993.

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interpretativa transnacional. Vol 2. Florianópolis: Insular, 2004.

TRAQUINA, N. Teorias do jornalismo: porque as notícias são como são. Vol 1.

3ª ed. Florianópolis: Insular, 2004.

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ANEXOS

Extra de Rondônia, 01 de outubro de 2018.

Extra de Rondônia, 08 de outubro de 2018.

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Extra de Rondônia, 11 de outubro de 2018.

Extra de Rondônia, 12 de outubro de 2018.

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Extra de Rondônia, 15 de outubro de 2018.

Extra de Rondônia, 16 de outubro de 2018.

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