a abrangencia territorial da coisa julgada na acp
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FUNDAO DE ENSINO EURPEDES SOARES DA ROCHA CENTRO UNIVERSITRIO DE MARLIA UNIVEM
CURSO DE DIREITO
DIOGO HENRIQUE MENDES RIBEIRO
AO CIVIL PBLICA: COISA JULGADA E SUA ABRANGNCIA
TERRITORIAL
MARLIA
2012
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DIOGO HENRIQUE MENDES RIBEIRO
AO CIVIL PBLICA: COISA JULGADA E SUA ABRANGNCIA TERRITORIAL
Trabalho de Curso apresentado ao Curso de
Direito da Fundao Eurpedes Soares da Rocha, mantenedora do Centro Universitrio Eurpedes de Marlia UNIVEM, como requisito parcial para obteno do grau de
bacharelado em Direito.
Orientador:
Prof. Edinilson Donisete Machado
MARLIA
2012
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Ribeiro, Diogo Henrique Mendes.
Ao Civil Pblica: coisa julgada e sua abrangncia territorial /
Diogo Henrique Mendes Ribeiro; orientador: Edinilson Donisete
Machado. Marlia, SP: [s.n.], 2012.
73 f.
Trabalho de Curso (Graduao em Direito) Curso de Direito, Fundao de Ensino Eurpides Soares da Rocha, mantenedora do Centro Universitrio Eurpides de Marlia UNIVEM, Marlia, 2012.
1. Ao Civil Pblica. 2. Interesses transindividuais. 3. Coisa
julgada. 4. Limitao territorial.
CDD: 341.4622
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RIBEIRO, Diogo Henrique Mendes. Ao Civil Pblica: coisa julgada e sua abrangncia
territorial. 2012. 73 f. Trabalho de Curso (Bacharelado em Direito) Centro Universitrio Eurpides de Marlia, Fundao de Ensino Eurpides Soares da Rocha, Marlia, 2012.
RESUMO
Com o reconhecimento dos interesses transindividuais (aqueles compartilhados por grupos,
classes ou categorias de pessoas), surgiu a necessidade de criao de instrumentos efetivos
que objetivassem a tutela desses interesses em juzo. A partir dessa necessidade, fora editada a
Lei n 7.347/85 (Lei da Ao Civil Pblica), instituindo a ao civil pblica e o inqurito civil
pblico como ferramentas imprescindveis tutela desses interesses. Ocorre que, tempos
depois, a Medida Provisria n 1.570/97, posteriormente convertida na Lei n 9.494/97,
alterou o art. 16 da Lei n 7.347/85 (Lei da Ao Civil Pblica), no sentido de restringir os
efeitos da coisa julgada competncia territorial do rgo prolator. Entretanto, essa limitao territorial dos efeitos da coisa julgada removia completamente a efetividade da
tutela coletiva nos casos em que a violao aos interesses transindividuais fossem de mbito
nacional ou regional.
Palavras-chave: Ao Civil Pblica. Interesses transindividuais. Coisa julgada. Limitao
territorial.
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
art.: Artigo
CF: Constituio Federal
CPC: Cdigo de Processo Civil
CDC: Cdigo de Defesa do Consumidor
LACP: Lei n 7.347/89 (Lei da Ao Civil Pblica)
LMS: Lei n 12.016/09 (Lei do Mandado de Segurana)
CONAMP: Associao Nacional dos Membros do Ministrio Pblico
p.: Pgina
STF: Supremo Tribunal Federal
STJ: Superior Tribunal de Justia
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SUMRIO
INTRODUO .......................................................................................................................... 9
CAPTULO I AO CIVIL PBLICA: INTERESSES E SUA PROTEO ................... 11 1.1 O surgimento da Lei da Ao Civil Pblica ....................................................................... 11 1.2 A ao civil pblica e o Ministrio Pblico ....................................................................... 12 1.3 Origem histrica dos interesses transindividuais ............................................................... 14 1.3.1 Direitos de primeira dimenso ........................................................................................ 17
1.3.2 Direitos de segunda dimenso ......................................................................................... 19
1.3.3 Direitos de terceira dimenso .......................................................................................... 21 1.4 Direitos fundamentais e garantias fundamentais ................................................................ 22
1.5 Interesses transindividuais .................................................................................................. 24 1.5.1 Interesses ou direitos transindividuais?........................................................................... 25 1.5.2 As espcies de interesses transindividuais ...................................................................... 26 1.5.2.1 Interesses difusos .......................................................................................................... 27
1.5.2.2 Interesses coletivos em sentido estrito ......................................................................... 29 1.5.2.3 Interesses individuais homogneos .............................................................................. 31
CAPTULO II ALGUNS ASPECTOS DA COISA JULGADA .......................................... 34 2.1 Conceito .............................................................................................................................. 34 2.2 Coisa julgada e a segurana jurdica .................................................................................. 36 2.3 Funo positiva e negativa da coisa julgada....................................................................... 38
2.4 Coisa julgada material e formal .......................................................................................... 39
2.5 Limites objetivos da coisa julgada ..................................................................................... 43 2.6 Limites subjetivos da coisa julgada .................................................................................... 44 2.7 Meios de contraste da coisa julgada ................................................................................... 47
2.8 A mitigao da coisa julgada .............................................................................................. 48
CAPTULO III A ABRANGNCIA TERRITORIAL DA COISA JULGADA NA AO CIVIL PBLICA ..................................................................................................................... 51 3.1 Inovaes processuais trazidas pela ao coletiva ............................................................. 51
3.2 A disciplina legal da coisa julgada na ao civil pblica ................................................... 54 3.3 Limites subjetivos da coisa julgada na ao civil pblica .................................................. 57 3.3.1 Interesses difusos alcance erga omnes ......................................................................... 57 3.3.2 Interesses e direitos coletivos alcance ultra partes ....................................................... 60 3.3.3 Interesses e direitos individuais homogneos alcance erga omnes .............................. 62 3.4 Limites territoriais da coisa julgada art. 16 da LACP ..................................................... 64 3.4.1 A aplicao do art. 103 do CDC ...................................................................................... 65
3.4.2 A inconstitucionalidade da Lei n 9.494/97..................................................................... 66 3.4.3 O posicionamento do Superior Tribunal de Justia ......................................................... 68
CONCLUSES ........................................................................................................................ 70
REFERNCIAS ....................................................................................................................... 71
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INTRODUO
Com a evoluo do Direito, comeou-se a perceber que os interesses no se dividiam
somente em pblicos e privados. Percebeu-se a existncia de uma categoria intermediria de
interesses, a qual no chegava a ser pblica, mas que por ser compartilhada por um grupo de
pessoas, no poderia ser classificada como exclusivamente privada. Estes interesses foram
denominados transindividuais, metaindividuais, pluri-individuais, ou, ainda, supra-
individuais.
No Brasil, o surgimento de legislao sobre o assunto ocorreu timidamente, a partir
da dcada de cinquenta, com a edio das Leis n 3.164/57 (Lei Pitombo-Godoy Ilha) e n
3.502/58 (Lei Bilac Pinto), alm da Lei n 4.717/65 (Lei da Ao Popular), ambas voltadas
defesa do patrimnio pblico. Estas leis foram as primeiras a trazer, mesmo que de forma
ainda restrita, a ao coletiva.
No entanto, daquela poca at hoje ocorreram mudanas. As Leis n 3.164/57 (Lei
Pitombo-Godoy Ilha) e n 3.502/58 (Lei Bilac Pinto) foram revogadas pela Lei n
8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa) e, com a edio das Leis n 7.347/90 (Lei da
Ao Civil Pblica) e n 8.078/90 (Cdigo de Defesa do Consumidor), os interesses
transindividuais obtiveram plena proteo.
De acordo com a classificao legal (art. 81 do CDC), os interesses transindividuais
so divididos em trs espcies: difusos, coletivos e individuais homogneos. Para a tutela
desses interesses surgira o processo coletivo, no qual um dos legitimados previstos na lei (art.
5 da LACP), utilizando-se da legitimao extraordinria (defesa em juzo de direito alheio
em nome prprio), prope a ao coletiva na defesa dos interesses comuns do grupo.
Ocorre que o processo coletivo, ou tutela coletiva, revolucionou a coisa julgada e a
legitimao no processo civil, pois, na tutela individual, a sentena produz efeitos dentro dos
limites objetivos (pedido) e subjetivos (partes) da lide, enquanto a tutela coletiva, alm de ser
fundada na legitimao extraordinria (exceo regra do CPC), permite ao julgador, quando
necessrio, proferir sentenas erga omnes ou ultra partes, fazendo com que os efeitos da coisa
julgada extrapolem as partes da relao processual e sejam de mbito regional ou at mesmo
nacional, visando garantir a efetividade do provimento jurisdicional.
Entretanto, fato que desde o reconhecimento dos interesses transindividuais e o
surgimento de legislao sobre o assunto, o Poder Executivo, apesar de ter apresentado o
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projeto de lei que resultou na criao da LACP, tambm tentou, em momentos posteriores,
por inmeras vezes, retirar a eficcia da tutela coletiva.
Isto porque, na tutela coletiva, o Judicirio possui instrumentos capazes de obrigar o
Executivo a agir contra seus interesses (leia-se interesse pblico secundrio, que a forma
pela qual o Estado atua), quando estes desrespeitam os direitos e garantias fundamentais dos
cidados.
Uma das tentativas de retirar a eficcia da tutela coletiva e objeto principal de estudo
do presente trabalho, fora a edio da Medida Provisria n 1.570-5/97, posteriormente
convertida na Lei n 9.494/97, que alterou o art. 16 da LACP, no sentido de restringir os
efeitos da coisa julgada aos limites da competncia territorial do rgo prolator, com o
intuito de retirar a efetividade da tutela coletiva nos casos decorrentes de prejuzos de mbito
nacional ou regional.
O presente trabalho desenvolver-se- sobre a limitao territorial imposta pelo art. 16
da LACP, buscando a realizao de uma pesquisa sistemtica, utilizando principalmente de
doutrinas e jurisprudncias, no sentido de abordar os interesses transindividuais, os aspectos
da coisa julgada e suas peculiaridades quando decorrente de sentenas em sede de ao civil
pblica.
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CAPTULO I AO CIVIL PBLICA: INTERESSES E SUA
PROTEO
1.1 O surgimento da Lei da Ao Civil Pblica
No Brasil, o primeiro anteprojeto criado para a defesa dos interesses transindividuais
(Projeto da Lei da Ao Coletiva) foi elaborado por Ada Pellegrini Grinover, Cndido Rangel
Dinamarco, Kazuo Watanabe e Waldemar Mariz de Oliveira Jnior, todos professores ligados
Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo (USP). Este anteprojeto foi denominado
Lei da Ao Coletiva, sendo apresentado ao I Congresso Nacional de Direito Processual, na
cidade de Porto Alegre/RS, em julho de 1983 e, em momento posterior, apresentado Cmara
dos Deputados pelo parlamentar paulista Flvio Bierrenbach (MAZZILLI, 2011, p. 123).
Entretanto, existiam alguns aspectos no Projeto da Lei da Ao Coletiva que eram
vistos como negativos por outros juristas, dentre eles a no concesso de legitimao ao
Ministrio Pblico, a ausncia de instrumento investigatrio prprio da tutela coletiva e a
ausncia de tutela aos interesses difusos.
Desse modo, nessa mesma poca, Antnio Augusto Mello de Camargo Ferraz, dis
Milar e Nelson Nery Jnior, todos integrantes do Ministrio Pblico de So Paulo,
retomaram a discusso do projeto inicial, alterando-o e incluindo novos entendimentos, como
a legitimao do Ministrio Pblico, a criao do inqurito civil e a tutela de todo e qualquer
interesse difuso e coletivo.
Este projeto elaborado pelos promotores paulistas foi apresentado no XI Seminrio
Jurdico de Grupos de Estudos do Ministrio Pblico de So Paulo, em dezembro de 1983,
onde recebeu o apoio do CONAMP, que o apresentou ao governo federal, e este, por sua vez,
apresentou-o ao Congresso Nacional.
O ltimo projeto, apresentado pelo Poder Executivo, tramitou mais celeremente,
sendo aprovado e sancionado, convertendo-se na Lei n 7.347/85, mais conhecida como Lei
da Ao Civil Pblica.
Cabe mencionar que em razo do regime de ditadura militar em que o Brasil se via
na poca, o Executivo, com receio de que os legitimados utilizassem a ao civil pblica para
afrontar interesses do regime, sancionou parcialmente o Projeto de Lei, retirando de seu texto
a defesa de qualquer outro interesse difuso ou coletivo, pelo fato dessa expresso conceder
certa abrangncia ao objeto da ao civil pblica. Por essa razo, muitos doutrinadores
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entendem que a LACP somente se tornou plena com o advento do Cdigo de Defesa do
Consumidor - CDC.
Isto porque o Cdigo de Defesa do Consumidor, criado em 1990, devolveu LACP
sua redao inicial, qual seja, a defesa de qualquer outro interesse difuso ou coletivo,
tornando seu objeto amplo e concedendo plena proteo aos interesses transindividuais.1
1.2 A ao civil pblica e o Ministrio Pblico
Aps a queda do regime militar, e com a promulgao da Constituio Federal de
1988, o Ministrio Pblico fora elevado instituio essencial administrao da justia, sua
atuao fora ampliada de forma substancial e, com a sua desvinculao do Poder Executivo,
adquiriu independncia oramentria, administrativa e funcional para o cumprimento de suas
atribuies constitucionais e legais.
As funes institucionais do Ministrio Pblico foram elencadas no art. 129 da CF, e
so, dentre outras, a promoo do inqurito civil e da ao civil pblica para a proteo do
patrimnio pblico e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.2
Desse modo, a Constituio Federal consagrou ainda mais o texto da LACP,
trazendo para o mbito constitucional a legitimidade do Ministrio Pblico para a propositura
da ao civil pblica e do inqurito civil j existente na aludida lei ordinria.
A maneira usual de analisar a atuao do Ministrio Pblico no processo civil
consiste em distinguir suas funes de parte e de fiscal da lei. Contudo, para Mazzilli (2011,
p. 83/84), essa distino no satisfaz, primeiro, porque no enfrenta em profundidade todos os
aspectos da atuao ministerial; em segundo lugar porque, nem por ser parte, o Ministrio
Pblico no esteja a zelar pelo correto cumprimento da lei; em ltimo lugar, porque, nem por
ser fiscal da lei deixa o membro do Ministrio Pblico de ser titular de nus e faculdades
processuais, e, portanto, sempre deve ser considerado parte, para todos os fins processuais.
1 O art. 1, pargrafo nico, da LACP, limita o objeto da ao civil pblica aos casos que envolvam tributos,
contribuies previdencirias, Fundo de Garantia do Tempo de Servio - FGTS ou outros fundos de natureza
institucional cujos beneficirios podem ser individualmente determinados. No entanto, no se verifica natureza
jurdica nessa limitao, apenas o interesse governamental em proibir que a ao civil pblica discuta tais
matrias.
2 Art. 129, inciso III, da CF.
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Desse modo, o Ministrio Pblico pode atuar como autor por legitimao ordinria;
autor por substituio processual; interveniente em razo da qualidade da parte; interveniente
em razo da natureza da lide e; at mesmo como ru, nos embargos do executado ou nos de
terceiro em que exequente, ou nas aes rescisrias de sentena proferida em ao civil
pblica em que autor.
Sobre a atuao do Ministrio Pblico como ru, Kluge (2009, p. 43) assevera que:
Quanto ao Ministrio Pblico, por tratar-se de rgo pblico, sem
personalidade jurdica, sua participao no polo passivo da ACP resta, via de
regra, inviabilizada, devendo constar, na verdade, o ente federado. Todavia,
excepcionalmente, por ser detentor de personalidade judiciria nas hipteses
em que a lei lhe atribui capacidade para atuar em juzo, pode figurar no polo
passivo, como, por exemplo, em sede de ao rescisria de sentena
proferida em ao civil pblica.
Em sede de ao civil pblica, a atuao do Ministrio Pblico no se restringe
somente defesa de interesses transindividuais.
Isto porque, para a doutrina, ao civil pblica seria a ao de natureza no penal
promovida pelo Ministrio Pblico, ou seja, somente o Ministrio Pblico teria legitimidade
para propor a ao civil pblica, enquanto os outros legitimados previstos na LACP, quando
pretendessem atuar na defesa de interesses transindividuais, estariam se utilizando da ao
coletiva (MAZZILLI, 2011, p. 73).
Nesse sentido, Lima Moraes (2007, p. 21) assevera que:
[...] possvel afirmar que ao civil pblica, sob o ponto de vista tcnico-
jurdico-processual, considerando a gnese deste instituto, toda ao civil
ajuizada pelo Ministrio Pblico, quer envolva interesse difuso, coletivo
stricto sensu, individual homogneo ou simplesmente individual
indisponvel, ou ainda em defesa da ordem jurdica ou do regime
democrtico, pois o adjetivo publica est intimamente correlacionado
qualidade da parte que prope esta ao, causa determinante do uso dessa
terminologia, e no com os bens jurdicos objeto da tutela judicial.
Desse modo, qualquer ao de natureza no penal movida pelo Ministrio Pblico
seria ao civil pblica, podendo-se concluir que o Ministrio Pblico, quando buscasse
exercer a defesa da ordem jurdica, do regime democrtico e de direitos individuais
indisponveis, estaria assim fazendo por meio da ao civil pblica.
No entanto, em sentido contrrio, a LACP em nada diferenciou esses conceitos. De
acordo com a aludida lei, qualquer ao que vise a tutela dos direitos previstos na LACP
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denominada ao civil pblica, independentemente do autor desta ao, seja ele o Ministrio
Pblico ou outro legitimado (art. 5 da LACP).
Desse modo, embora exista o entendimento doutrinrio em sentido contrrio,
qualquer dos legitimados previstos no art. 5 da LACP podem se utilizar da ao civil pblica
para a tutela dos interesses transindividuais, com exceo do inqurito civil, que instrumento
investigatrio privativo do Ministrio Pblico, por expressa previso legal.3 Cabendo aos
outros legitimados instaurar procedimentos investigatrios prprios, diversos do inqurito
civil.
Cumpre destacar ainda que, o CDC, por sua vez, trouxe a expresso ao coletiva
ao invs de ao civil pblica, seguindo o entendimento de que ao civil pblica espcie
de ao coletiva, assim como o mandado de segurana coletivo e a ao popular tambm o
so.
Ainda, o art. 15 da LACP estabelece a obrigatoriedade de execuo da sentena pelo
Ministrio Pblico quando as associaes no a promoverem no prazo de sessenta dias,
facultando tal execuo aos outros legitimados.
Desse modo, observa-se que dentre os legitimados previstos no art. 5 da LACP, o
Ministrio Pblico seria o de maior destaque, isto porque suas atribuies constitucionais e
legais esto diretamente relacionadas ao exerccio da ao civil pblica para a defesa dos
interesses transindividuais, bem como a defesa da ordem jurdica, do regime democrtico e de
direitos individuais indisponveis4.
1.3 Origem histrica dos interesses transindividuais
Na dcada de setenta, Mauro Cappelletti comeou a despertar a ateno da
comunidade jurdica, alertando que os interesses no se dividiam somente na clssica
dicotomia entre pblico e privado. Surgindo, assim, a discusso sobre uma categoria
intermediria de interesses, a qual no chegava a ser pblica, mas que por ser compartilhada
por um grupo, classe ou categoria de pessoas, no poderia ser classificada como
exclusivamente privada (MAZZILLI, 2011, p. 48).
3 Art. 8, 1, da LACP.
4 Alm disso, o Ministrio Pblico observa o princpio da obrigatoriedade da ao civil pblica, ou seja, exerce
um dever de agir, quando verifica hiptese em que a lei exija sua atuao.
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Estes interesses foram denominados pela doutrina como transindividuais,
metaindividuais, pluri-individuais, ou, ainda, supra-individuais. Significa dizer, em sntese,
que essa categoria de interesses transcende o interesse exclusivamente individual.
Entretanto, para a melhor compreenso do assunto, faz-se necessrio discorrer sobre
o surgimento dos interesses transindividuais, passando, de forma inevitvel, pela origem
histrica dos direitos fundamentais do homem.
Os direitos fundamentais surgiram tendo como ideia-matriz o objetivo de que era
preciso proteger o ser humano contra investidas do Estado em pontos vitais para o exerccio
pleno de sua condio de ser racional, relacionadas com seus direitos vitais, como igualdade e
liberdade (LIMA MORAES, 2007, p. 67).
De acordo com Norberto Bobbio5, a origem histrica dos direitos do homem
classificam-se em dimenses6, tendo como marco histrico inicial a aprovao da Declarao
dos Direitos do Homem e do Cidado, na Revoluo Francesa de 1789. Nesse sentido,
Bobbio (2004, p. 99) assevera que:
Os testemunhos da poca e os historiadores esto de acordo em considerar
que esse ato representou um daqueles momentos decisivos, pelo menos
simbolicamente, que assinalam o fim de uma poca e o incio de outra, e,
portanto, indicam uma virada na histria do gnero humano. Um grande
historiador da Revoluo, Georges Lefebvre, escreveu: Proclamando a liberdade, a igualdade e a soberania popular, a Declarao foi o atestado de
bito do Antigo Regime, destrudo pela Revoluo.
Ainda, Lima Moraes (2007, p. 67 apud LEAL, 2000, p. 45), nos explica que os
direitos humanos so produto da histria, originrios de lutas travadas objetivando a
preservao da liberdade e a implementao da igualdade do ser humano.
Nesse sentido, levando em considerao que os direitos fundamentais no surgem
instantaneamente, e so fruto de lutas e produto da histria, no podemos olvidar que, mesmo
antes da Revoluo Francesa, j existiam indcios de documentos jurdicos nos quais havia a
ideia de direitos fundamentais, mesmo que de forma ainda restrita, como as doutrinas
filosficas, antes de constiturem temtica jurdica; as ideias do direito natural, desde a poca
dos esticos, pois estes j falavam em dignidade e igualdade; e, alm disso, o Cristianismo,
especialmente na Idade Mdia, aps So Toms de Aquino, e sob forte influncia escolstica,
5 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 2004, Rio de Janeiro. Editora Campus.
6 Os direitos de 1, 2 e 3 dimenses sero trabalhados de forma mais detalhada no decorrer do trabalho.
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apregoava, em sntese, que todos os homens so filhos de Deus e, nesta condio, so iguais
em dignidade, no havendo razo, assim, para qualquer distino entre eles em razo de raa,
cor ou cultura (LIMA MORAES, 2007, p. 67).
Ainda sobre o assunto, Moraes (2002, p. 19), nos explica que os direitos
fundamentais surgiram como produto da fuso de vrias fontes, desde tradies arraigadas nas
diversas civilizaes, at a conjugao dos pensamentos filosficos, das ideias surgidas com o
cristianismo e com o direito natural. E completa sua explicao:
Essas ideias encontravam um ponto fundamental em comum, a necessidade
de limitao e controle dos abusos de poder do prprio Estado e de suas
autoridades constitudas e a consagrao dos princpios bsicos da igualdade
e da legalidade como regentes do Estado moderno e contemporneo.
Assim, a noo de direitos fundamentais mais antiga que o surgimento da
ideia de constitucionalismo, que to-somente consagrou a necessidade de
insculpir um rol mnimo de direitos humanos em um documento escrito,
derivado diretamente da soberana vontade popular.
Por sua vez, Lima Moraes (2007, p. 68/69 apud LUO, 1999, 111/112) explica que o
processo de positivao dos direitos fundamentais comea na Idade Mdia, mesmo que de
forma fragmentria e com significao duvidosa, e vai evoluindo aos poucos no decorrer da
histria. Esses documentos seriam uma srie de cartas que tinham como ponto comum o
reconhecimento de alguns direitos, tais como o direito vida, integridade fsica, de no ser
preso sem previso legal, propriedade e livre escolha de domiclio e sua inviolabilidade. E
completa sua explicao:
Mas, como salienta Prez Luo, de todos os documentos medievais,
inequivocamente, o que alcanou maior significao, sendo o mais
importante no processo de positivao dos direitos humanos, foi a Magna
Charta Libertatum, ou seja, a Carta Magna, pacto estabelecido entre o Rei
Joo (cognominado Sem Terra) e os bispos e bares da Inglaterra em 15 de
junho de 1215, em que eram de certa forma reconhecidos os privilgios
feudais, o que representava uma involuo sob o ponto de vista poltico, mas
que, por outro lado, assinalou um marco histrico significativo para o
desenvolvimento das liberdades pblicas inglesas.
Sobre a evoluo do processo de positivao dos direitos fundamentais, Lima
Moraes (2007, p. 69), continuando sua explicao, assevera que:
[...] com as declaraes americanas, se abriu uma nova fase no processo de
positivao dos direitos fundamentais. Impe-se aqui tambm registrar a
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contribuio dada pela Frana para o surgimento de uma vontade efetiva que
levou ao reconhecimento dos direitos humanos, especialmente advinda das
filosofias reinantes no sculo XVIII, com destaque para o Contrato Social de
Rousseau, o que contribui para que mais tarde eles fossem positivados, pela
primeira vez, com o advento da Declarao dos Direitos do Homem e do
Cidado, de 26 de agosto de 1789; antes disso, a Gr-Bretanha, mediante o
Bill of Rights, de 1689, e a Declarao de Independncia dos Estados
Unidos, de 1776, j haviam reconhecido a importncia dos direitos do ser
humano.
Assim, a ideia de direitos fundamentais, aqueles que visam proteger o homem de
investidas arbitrrias do Estado, j surgira na Idade Mdia, principalmente com a Carta
Magna de 1215, na qual foram reconhecidos os privilgios feudais dos bares e bispos,
representando, de certa forma, uma limitao ao poder do Estado. Mas, de fato, os
historiadores definem a Revoluo Francesa de 1789 como o grande marco histrico dos
direitos fundamentais, representando o fim da Idade Mdia e o incio da Idade
Contempornea.
Mesmo havendo indcios na histria de que ocorrera certa limitao ao poder do
Estado em momentos anteriores, os direitos fundamentais surgiram de fato com a aprovao
da Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado na Frana em 1789. Assim, a prxima
etapa ser analisar a evoluo desses direitos ao longo da histria.
A doutrina divide a evoluo dos direitos fundamentais em dimenses e, atualmente,
h at mesmo quem defenda a existncia de direitos fundamentais at de 4 dimenso (LIMA
MORAES, 2007, p. 71).
Contudo, como este no o objeto principal do presente trabalho, tentaremos abord-
lo de forma sinttica, o que ser realizado a seguir.
1.3.1 Direitos de primeira dimenso
Os direitos de primeira dimenso so os direitos civis e polticos, que dizem respeito
s liberdades e aos direitos de igualdade. So considerados direitos de carter negativo, pois
exigem uma absteno do Estado, ou seja, exigem uma conduta de no fazer por parte do
Estado (LIMA MORAES, 2007, p. 75). So os direitos surgidos com a Revoluo Francesa
de 1789.
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De acordo com Tavares (2011, p. 366), so direitos de primeira dimenso aqueles
surgidos com o Estado Liberal do sculo XVIII. Foi a primeira categoria de direitos humanos
surgida, e que engloba, atualmente, os chamados direitos individuais e direitos polticos.
Por sua vez, Bonavides (2011, p. 517/518) assevera que:
Os direitos da primeira gerao ou direitos da liberdade tm por titular o
indivduo, so oponveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou
atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que seu trao mais
caracterstico; enfim, so direitos de resistncia ou de oposio perante o
Estado. Entram na categoria do status negativus da classificao de Jellinek
e fazem tambm ressaltar na ordem dos valores polticos a ntida separao
entre a Sociedade e o Estado. Sem o reconhecimento dessa separao, no se
pode aquilatar o verdadeiro carter antiestatal dos direitos da liberdade,
conforme tem sido professado com tanto desvelo terico pelas correntes do
pensamento liberal de teor clssico. So por igual direitos que valorizam
primeiro o homem-singular, o homem das liberdades abstratas, o homem da
sociedade mecanicista que compe a chamada sociedade civil, da linguagem
jurdica mais usual.
Assim, os direitos de primeira dimenso so exercidos pela pessoa em relao ao
Estado. So opostos perante o Estado como necessidade de preservao do ser humano em
seus valores fundamentais, como os referentes sua vida, propriedade, igualdade e liberdade,
nas suas variadas formas.
Nesse sentido, Lima Moraes (2007, p. 76) nos explica que:
Em sntese, os direitos de primeira dimenso tm como caracterstica bsica
o fato de exigirem do Estado uma absteno de conduta, em pontos
essenciais para o desenvolvimento pleno e digno do ser humano, no que se
refere aos direitos de igualdade e das liberdades. Sem isso, o ser humano
perde essa condio, torna-se refm do Estado; este passa a ser o centro mais
importante das atenes, numa total inverso de valores, pois aquele que
deve situar-se no patamar mais elevado da escala axiolgica.
Ainda sobre o assunto, Sarlet (2003, p. 32) assevera que:
Os direitos fundamentais, ao menos no mbito de seu reconhecimento nas
primeiras Constituies escritas, so o produto peculiar (ressalvado certo
contedo social caracterstico do constitucionalismo francs), do pensamento
liberal-burgus do sculo XVIII, de marcado cunho individualista, surgindo
e afirmando-se como direitos de defesa, demarcando uma zona de no-
interveno do Estado e uma esfera de autonomia individual em face de seu
poder. So, por este motivo, apresentados como direitos de cunho negativo, uma vez que dirigidos a uma absteno, e no uma conduta positiva por
parte dos poderes pblicos, sendo, neste sentido, direitos de resistncia ou de
-
19
oposio perante o Estado. Assumem particular relevo no rol desses direitos,
especialmente pela sua notria inspirao jusnaturalista, os direitos vida,
liberdade, propriedade e igualdade perante a lei. So, posteriormente,
complementados por um leque de liberdades, incluindo as assim
denominadas liberdade de expresso coletiva (liberdades de expresso,
imprensa, manifestao, reunio, associao, etc.) e pelos direitos de
participao poltica, tais como o direito de voto e a capacidade eleitoral
passiva, revelando, de tal sorte, a ntima correlao entre os direitos
fundamentais e a democracia. Tambm o direito de igualdade, entendido
como igualdade formal (perante a lei) e algumas garantias processuais
(devido processo legal, habeas corpus, direito de petio) se enquadram
nesta categoria.
Os direitos de primeira dimenso, portanto, so os civis e polticos, relacionados aos
direitos de igualdade e de liberdade, representam uma proteo ao indivduo perante a
arbitrariedade do Estado.
Por outro lado, Bobbio (2004, p. 34/37), nos ensina que nenhum fundamento
absoluto. Isso significa que, de tanto acumular razes e argumentos, terminaramos por
encontrar a razo e o argumento irresistveis, aos quais ningum poderia recusar a prpria
adeso. Contudo, este argumento irresistvel seria uma mera iluso, pois na realidade ele no
existiria.
Portanto, nem o direito liberdade, por mais fundamental que seja, absoluto. Isto
porque at mesmo a liberdade do indivduo pode ser limitada pelo Estado, em razo de
restries que protejam a segurana ou a propriedade dos outros7.
1.3.2 Direitos de segunda dimenso
Os direitos fundamentais de segunda dimenso dizem respeito aos direitos sociais,
culturais e econmicos (LIMA MORAES, 2007, p. 80).
Ao longo do sculo XIX, o proletariado foi adquirindo importncia medida que
avanava o processo de industrializao, e, ao adquirir, conscincia de classe, passou a
reivindicar alguns direitos econmicos e sociais frente aos clssicos direitos individuais, fruto
do triunfo da revoluo liberal burguesa. O marco fundamental desse processo e comeo de
uma nova etapa histrica de reivindicao desses novos direitos pode ser considerado o
Manifesto Comunista de 1848 (LIMA MORAES, 2007, p. 80).
7 Art. 5, XLVI, da Constituio Federal.
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20
Assim, a mera absteno do Estado em no atentar contra os direitos fundamentais
individuais no era mais suficiente, era preciso, neste momento, uma ao do Estado, no
sentido de assegurar o direito ao mnimo existencial, inerente dignidade do ser humano.
Nesse sentido, Sarlet (2003, p. 52/53) leciona que:
A nota distintiva destes direitos a sua dimenso positiva, uma vez que se
cuida no mais de evitar a interveno do Estado na esfera da liberdade
individual, mas, sim, na lapidar formulao de C. Lafer, de propiciar um
direito de participar do bem-estar. No se cuida mais, portanto, de liberdade do e perante o Estado, e sim de liberdades por intermdio do
Estado. Estes direitos fundamentais, que embrionria e isoladamente j
haviam sido contemplados nas Constituies Francesas de 1793 e 1848, na
Constituio Brasileira de 1824 e na Constituio Alem de 1849 (que no
chegou a entrar efetivamente em vigor), caracterizam-se, ainda hoje, por
outorgarem ao indivduo direitos a prestaes sociais e estatais, como
assistncia social, sade, educao, trabalho, etc., revelando uma transio
das liberdades formais abstratas para as liberdades materiais concretas,
utilizando-se a formulao preferida na doutrina francesa. contudo, no
sculo XX, de modo especial nas Constituies do segundo ps-guerra, que
estes novos direitos fundamentais acabaram sendo consagrados em um
nmero significativo de Constituies, alm de serem objeto de diversos
pactos internacionais.
Aqui cumpre destacar que a efetividade dos direitos sociais pressupe a prtica de
atos positivos pelo Estado, e, para que isso ocorra, so necessrios recursos financeiros, os
quais so limitados.
Nesse sentido, Molaro (2009, p. 18/19), ao discorrer sobre os direitos de segunda
dimenso, assevera que:
[...] tendo em vista que esses novos direitos no se satisfazem com a mera
absteno do Estado - exigindo, pois, uma postura ativa, com polticas
pblicas elaboradas com a finalidade de promover direitos sociais,
econmicos e culturais -, fica evidente que seu cumprimento demandar
significativas despesas. Aqui reside o nico fundamento para a criao de
tributos: propiciar ao Estado condies financeiras razoveis para a busca
dos direitos conquistados pelos cidados.
A Constituio Brasileira de 1988, em seu art. 6, estabelece um alcance amplo aos
direitos sociais, ao dizer que neles esto compreendidos os referentes educao, sade, ao
trabalho, moradia, ao lazer, segurana, previdncia social, proteo maternidade e
infncia e assistncia aos desamparados.
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21
Sobre o assunto, Tavares (2011, p. 585/586) sustenta que os direitos de ordem social
elencados na Constituio Federal no excluem outros que se agreguem ao ordenamento
jurdico, seja pela via legislativa ordinria, seja por fora da adoo de tratados internacionais.
Isto porque o prprio art. 7 da Constituio Federal estabelece no estarem excludos outros
direitos sociais que visem melhoria da condio social dos trabalhadores.
Os direitos de segunda dimenso surgem, portanto, no sentido de promover o direito
ao mnimo existencial, decorrendo da ideia de que seria necessrio garantir ao homem a
preservao de sua dignidade. Tanto que a Constituio Federal de 1988 estabelece ser um
dos fundamentos da Repblica Federativa do Brasil a preservao da dignidade da pessoa
humana (art. 1, inciso III).
1.3.3 Direitos de terceira dimenso
Os direitos de terceira dimenso so os relacionados com o meio ambiente,
consumidores, patrimnio cultural, comunicao e desenvolvimento (LIMA MORAES, 2007,
p. 95).
Por sua vez, Sarlet (2003, p. 52/53) sustenta o entendimento de que os direitos de
terceira dimenso objetivam proteger a famlia, o povo, a nao, o que faz com que eles
tenham uma titularidade de natureza difusa ou coletiva.
Sobre o processo de desenvolvimento dos direitos de terceira dimenso, cumpre
transcrever a explicao apresentada por Molaro (2009, p. 17):
Em consequncia da busca desenfreada pelo crescimento econmico e ainda
como resultado da produo em massa de manufaturas, ficou cada vez mais
ntida a existncia de ofensa a direitos que no tinham como titulares pessoas
determinadas, mas sim um grupo ou toda a humanidade. Nesse contexto,
nota-se o desrespeito cada vez maior, por exemplo, ao meio ambiente, aos
consumidores, qualidade de vida, etc.
So, assim, interesses que transcendem a esfera individual, podendo alcanar
toda a coletividade ou um determinado grupo de pessoas. Desta forma, no
podem ser considerados pblicos porque no so especificamente do Estado,
como tambm no podem ser considerados privados, pois se referem a toda a
coletividade ou a um grupo de pessoas dentro da sociedade. Trata-se dos
interesses transindividuais, tambm denominados metaindividuais,
supraindividuais ou, ainda, pluri-individuais.
Os direitos de terceira dimenso so, portanto, os prprios interesses
transindividuais, aqueles compartilhados por grupo, classe ou categoria de pessoas, podendo
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22
alcanar toda a coletividade, os quais so tutelados por meio da ao civil pblica, objeto de
estudo do presente trabalho.
1.4 Direitos fundamentais e garantias fundamentais
Abordada a origem histrica dos direitos fundamentais, passemos a relacion-los
com a ao civil pblica.
A princpio, cumpre realizar a seguinte indagao, o que os direitos fundamentais
(sejam eles de primeira, segunda, ou terceira dimenso) tm em relao com a ao civil
pblica?
No obstante os direitos fundamentais de terceira dimenso sejam os prprios
interesses transindividuais, antes de responder esta indagao, faz-se necessrio distinguir
direitos fundamentais de garantias fundamentais.
Direitos fundamentais so aqueles interesses relevantes para o ser humano, que, de
acordo com a Constituio Federal, especialmente em relao ao art. 5, 2, so no somente
os inseridos no catlogo constitucional (Ttulo II), mas tambm os dispersos ao longo de todo
o texto constitucional, bem como os consagrados em tratados internacionais (LIMA
MORAES, 2007, p. 96).
Enquanto as garantias fundamentais seriam disposies inseridas no plano
constitucional destinadas a tornar efetivos os direitos fundamentais consagrados na
Constituio Federal. Nesse sentido, Dimoulis (2006, p. 105) sustenta a existncia de
garantias fundamentais repressivas e preventivas, e explica:
As garantias preventivas, que seriam as garantias da Constituio, tem a ver
com os princpios de organizao e fiscalizao das autoridades estatais que
objetivam limitar o poder estatal e concretizam o princpio da separao dos
poderes, enquanto as garantias repressivas seriam os remdios
constitucionais a serem usados para impedir violaes de direitos ou sanar
leses decorrentes de tais violaes (habeas corpus, mandado de segurana,
ao popular, etc.).
Lima Moraes (2007, p. 96), por sua vez, nos explica que as garantias fundamentais
so os instrumentos constitucionais aptos a tornar efetivos os direitos fundamentais.
aqui que se insere a ao civil pblica, como garantia fundamental repressiva8.
8 Art. 129, inciso III, da Constituio Federal.
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23
Portanto, os direitos fundamentais se relacionam diretamente com a ao civil
pblica, porque ela o instrumento processual (ou remdio constitucional) adequado para
evitar violao a direitos fundamentais ou pleitear a reparao do dano decorrente de tais
violaes.
A propsito, o problema dos tempos atuais no est mais relacionado ao
reconhecimento dos direitos fundamentais, mas sim em criar ferramentas efetivas no sentido
de assegur-los. Nesse sentido, Bobbio (2004, p. 45) assevera que:
Com efeito, o problema que temos diante de ns no filosfico, mas
jurdico e, num sentido mais amplo, poltico. No se trata de saber quais e
quantos so esses direitos, qual sua natureza e seu fundamento, se so
direitos naturais ou histricos, absolutos ou relativos, mas sim qual o modo
mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes
declaraes, eles sejam continuamente violados.
Portanto, atualmente, quando estamos tratando de direitos fundamentais, nossa
precpua preocupao deve estar relacionada criao de instrumentos processuais voltados
para sua efetivao. Caso contrrio, todo o esforo histrico empreendido desde o seu
reconhecimento at a expanso desses direitos no ter sentido (LIMA MORAES, 2007, p.
96).
Tanto que podemos considerar que esta foi uma preocupao da Constituio
Federal, que instituiu como garantias fundamentais repressivas: o habeas corpus (art. 5,
LXVIII); o mandado de segurana individual (art. 5, LXIX); a ao popular (art. 5, LXXIII);
o mandado de segurana coletivo (art. 5, LXX); o mandado de injuno (art. 5, LXXI), e; o
habeas data (art. 5, LXXII).
Ademais, a Constituio Federal instituiu tambm a ao civil pblica como garantia
fundamental repressiva. Neste ponto cumpre transcrever a explicao apresentada por Lima
Moraes (2007, p. 97/98 apud MARINONI, 2004, p. 179):
A ao civil pblica, como instrumento processual destinado a tutelar
interesses e direitos individuais indisponveis, coletivos lato sensu, a ordem
jurdica e o regime democrtico, tambm se insere no rol das garantias
repressivas fundamentais, apta a tutelar os direitos fundamentais (arts. 127,
caput, e 129, III).
De outro lado, o entendimento, aqui sustentado, de que a ao civil pblica
constitui garantia fundamental repressiva, na medida em que tambm se
presta a tutelar direitos fundamentais, insere-se, neste ponto, na preocupao
doutrinria apregoada por Luiz Guilherme Marinoni, de que, em face do
disposto no art. 5, XXXV, da CF, nele est consagrado o direito a uma
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24
prestao jurisdicional efetiva, o que se caracteriza um direito fundamental
efetividade da tutela jurisdicional. E esta, em muitas situaes, realmente se
perfectibiliza por meio da ao civil pblica.
Com efeito, havendo um direito fundamental prestao jurisdicional
efetiva, ele somente se realiza, na plenitude, quando admitidos todos os
instrumentos processuais constantes do direito positivo brasileiro capazes de
viabiliz-lo, entre os quais est a ao civil pblica. E esta linha de
entendimento fica mais fcil de ser entendida quando se observa que o art.
5, XXXV, da CF, incisivo ao dizer que a lei no excluir da apreciao do Poder Judicirio leso ou ameaa a direito. Isso significa, em outras palavras, que para realmente tornar concreta a proteo de direitos
ameaados ou lesados, entre os quais esto a compreendidos os direitos
fundamentais, devem ser considerados todos os instrumentos processuais
capazes de atender a essa norma superior.
Assim, o desafio dos tempos atuais no consiste mais no reconhecimento dos direitos
fundamentais, mas sim na criao de instrumentos efetivos que visem assegur-los, para
evitar que, mesmo aps todo esse reconhecimento, fruto das lutas sociais, esses direitos
continuem sendo constantemente violados. por essa razo que a ao civil pblica deve ser
considerada uma garantia fundamental repressiva, apta a tutelar direitos fundamentais.
1.5 Interesses transindividuais
A terceira dimenso dos direitos fundamentais consiste nos direitos ou interesses
transindividuais, que so aqueles compartilhados por grupos, classes ou categoria de pessoas,
e estes so os tutelados diretamente pela ao civil pblica.
A doutrina denomina os interesses de grupos como transindividuais,
metaindividuais, pluri-individuais ou, ainda, supra-individuais.
No obstante essa variedade de expresses, Mazzilli (2011, p. 53/54), apesar de
preferir a expresso transindividuais, entende que a doutrina e jurisprudncia tm usado
ambos os termos, no mais das vezes indistintamente, para referir-se a interesses de grupos, ou
a interesses coletivos, em sentido lato.
Apesar disso, meramente doutrinria a discusso etimolgica sobre qual expresso
seria a mais correta para definir os interesses de grupos.
A legislao utiliza a expresso transindividuais9, e por essa razo, no decorrer do
presente trabalho, adotaremos esta expresso para nos referirmos aos interesses de grupos,
classes ou categorias de pessoas.
9 Art. 81, incisos I, II e III, do CDC.
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25
1.5.1 Interesses ou direitos transindividuais?
Interesse seria uma relao de reciprocidade entre um indivduo e um objeto que
corresponde a uma determinada necessidade daquele, enquanto direito seria uma faculdade
legal de praticar ou deixar de praticar um ato (FERREIRA, 2004).
No entanto, seria correto afirmar interesses ou direitos transindividuais?
O art. 81 do CDC no faz essa diferenciao e, inclusive, utiliza da redao
interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais homogneos.10
Ademais, a expresso interesse plurvoca, e compreende diversas definies.
Entretanto, cumpre destacar o posicionamento de Mazzilli (2011, p. 54/55):
[...] em tese ambas as expresses esto corretas, mas significam coisas
diversas. Para os fins que ora nos dizem respeito, interesse pretenso;
direito a pretenso amparada pela ordem jurdica. Assim, p. ex., uma ao
civil pblica que busque a tutela de valores transindividuais que, ao final, se
vejam definitivamente reconhecidos como inexistentes, essa ao objetivou a
defesa de interesses difusos; j outra ao que busque a tutela de valores
transindividuais definitivamente reconhecidos como existentes, objetivou a
defesa de direitos difusos.
Desse modo, segundo o entendimento acima mencionado, estaremos falando acerca
de valores transindividuais que, quando reconhecidos, se transformariam em direitos
transindividuais e, quando no reconhecidos, seriam somente interesses.
Por outro lado, Vigliar (1999, p. 60) entende que a preferncia, verdade, recai na
expresso interesses, justificando seu entendimento:
[...] a expresso direitos traz uma grande carga de individualismo, fruto
mesmo de nossa formao acadmica, sempre convidada a associar a defesa
de direitos atravs do emprego de aes, numa perspectiva que pretende
colocar o processo civil a servio do autor, ou seja, daquele que afirma a
posio favorvel a partir do ordenamento jurdico.
Vigliar (1999, p. 60) nos trs, portanto, outro entendimento, se posicionando no
sentido de que a expresso direitos traz grande carga de individualismo, fruto da formao
acadmica sobre o processo civil clssico, no qual no havia a tutela coletiva.
10
Art. 81, incisos I, II e III, do CDC. Os interesses difusos, coletivos em sentido estrito e individuais
homogneos so espcies de interesses transindividuais.
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26
Embora haja essa discusso sobre qual expresso seria tecnicamente mais correta,
cumpre destacarmos as palavras de Vigliar (1999, p. 59/60): mais importante ser a
compreenso de cada uma daquelas categorias e que, chamemos direito, chamemos interesses,
o que importar ser a criao dos mecanismos para a defesa em juzo dos transindividuais.
Portanto, como concluiu Vigliar (1999, p. 59/60), o mais importante no ser a
discusso sobre qual a expresso a ser utilizada, mas sim a criao de mecanismos eficazes
voltados para a defesa em juzo dos transindividuais, sejam eles direitos ou interesses. Essa
defesa em juzo realizada principalmente pela ao civil pblica.
Ademais, conforme j mencionado, a legislao no faz essa diferenciao e ainda
utiliza as duas expresses11
, portanto, a adoo de um ou outro vocbulo no acarretar
controvrsias de ordem prtica.
1.5.2 As espcies de interesses transindividuais
De acordo com o art. 81 do CDC, os interesses transindividuais foram classificados
da seguinte forma:
Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vtimas
poder ser exercida em juzo individualmente, ou a ttulo coletivo.
Pargrafo nico. A defesa coletiva ser exercida quando se tratar de:
I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste cdigo,
os transindividuais, de natureza indivisvel, de que sejam titulares pessoas
indeterminadas e ligadas por circunstncias de fato;
II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste
cdigo, os transindividuais, de natureza indivisvel de que seja titular grupo,
categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrria por
uma relao jurdica base;
III - interesses ou direitos individuais homogneos, assim entendidos os
decorrentes de origem comum.
Desse modo, depreende-se que o Cdigo de Defesa do Consumidor instituiu trs
espcies de interesses transindividuais, quais sejam, os difusos, coletivos em sentido estrito e
individuais homogneos (MAZZILLI, 2011, p. 49).
Acreditamos ser importante traar algumas consideraes iniciais acerca dos
aspectos processuais da tutela desses interesses em juzo: a tutela ou processo coletivo.
11
O art. 81, incisos I, II e III, possuem em sua redao a expresso interesses ou direitos.
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27
Surgida timidamente no Brasil a partir da dcada de cinquenta, com a edio de leis
visando a proteo do patrimnio pblico12
, somente em 1985, com a edio da LACP, que
a tutela coletiva ganhou maior efetividade.
A tutela coletiva, portanto, foi verdadeira inovao jurdica em relao legitimao
e coisa julgada no processo civil. Isto porque, na tutela individual, em regra, a coisa julgada
produz efeitos dentro dos limites objetivos (pedido) e subjetivos (partes) da lide13
, enquanto a
tutela coletiva permite ao juiz, quando necessrio, proferir sentenas erga omnes14
e ultra
partes15
, ou seja, seus efeitos podem ser regionais ou nacionais e extrapolar as partes
presentes na ao, visando assegurar o acesso justia, a segurana jurdica, a aplicao do
princpio da economia processual, bem como a efetividade do prprio provimento
jurisdicional.
Passemos, ento, a abordar as espcies de interesses transindividuais.
1.5.2.1 Interesses difusos
De acordo com a definio trazida pelo CDC, os interesses difusos so os
indivisveis, compartilhados por grupo, classe ou categoria de pessoas, ligadas por uma
situao ftica comum16
.
Em relao ao elo comum que une os sujeitos do grupo, importante salientar que
embora a lei mencione a expresso circunstncias de fato, no se pode admitir a existncia
de situao ftica isolada de uma relao jurdica, e vice-versa. Mas, no caso dos interesses
difusos, o elo comum que caracteriza o interesse difuso do grupo o fato e no a relao
jurdica em si. O prejuzo decorre do fato e no da relao jurdica. Um exemplo clssico de
violao aos interesses difusos a propaganda enganosa, essa propaganda produz efeitos
fticos e jurdicos, pois viola disposies do CDC e cria a pretenso dos ofendidos em exigir a
reparao dos prejuzos que sofreram, mas no a relao jurdica em si (pretenso dos
12
As revogadas Leis Pitombo-Godoy Ilha e Bilac Pinto, alm da Lei n 4.717/65, mais conhecida como Lei
da Ao Popular, que concede ao cidado a legitimidade para pleitear a anulao de atos lesivos ao patrimnio
pblico.
13 Art. 472 do CPC.
14 Art. 103, inciso I e III, do CDC.
15 Art. 103, inciso II, do CDC.
16 Art. 81, inciso I, do CDC.
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28
ofendidos) que une os indivduos, mas sim o fato comum, qual seja, o prejuzo causado em
razo da propaganda enganosa (MAZZILLI, 2011, p. 53).
Alm disso, cumpre destacar que o objeto dos interesses difusos indivisvel, e as
pessoas pertencentes ao grupo so indeterminveis. Uma caracterstica est ligada a outra.
No se pode individualizar os sujeitos lesados em razo da violao aos interesses difusos.
Como podemos, por exemplo, identificar as pessoas lesadas em razo da destruio gradativa
da Floresta Amaznica? Essa destruio ambiental ocasiona prejuzos tanto aos moradores
atuais quanto s prximas geraes que ali habitaro, alm de contribuir com o aquecimento
global, gerando tambm prejuzos a todos os seres humanos do planeta. Podemos observar
novamente, nesse exemplo, que o elo comum entre os titulares do interesse a situao ftica
comum, ou seja, o prprio dano ambiental.
Nesse sentido, Mazzilli (2011, p. 54) nos ensina que:
O objeto dos interesses difusos indivisvel. Assim, p. ex., o interesse ao
meio ambiente hgido, posto compartilhado por nmero indeterminado de
pessoas, no pode ser quantificado ou dividido entre os membros da
coletividade; tambm o produto da eventual indenizao obtida em razo da
degradao ambiental no pode ser repartido entre os integrantes do grupo
lesado, no apenas porque cada um dos lesados no pode ser
individualmente determinado, mas porque o prprio objeto do interesse em
si mesmo indivisvel.
Desse modo, at mesmo a indenizao decorrente da violao aos interesses difusos
no pode ser individualizada e repartida entre os indivduos do grupo lesado, e, portanto, a
indenizao decorrente desta violao encaminhada um Fundo Especial.17
Ainda, observa-se que a quantidade de pessoas pertencentes ao grupo no caso de
interesses difusos ir variar de acordo com a extenso do dano ocorrido a estes mesmos
interesses, existindo, inclusive, situaes que esses interesses iro conflitar entre si. Nesse
sentido, permitimo-nos transcrever brilhante explicao traada por Mazzilli (2011, p. 53/54):
H interesses difusos: a) to abrangentes que chegam a coincidir com o
interesse pblico (como o do meio ambiente como um todo); b) menos
abrangentes que o interesse pblico, por dizerem respeito a um grupo
disperso, mas que no chegam a confundir-se com o interesse geral da
coletividade (como o dos consumidores de um produto); c) em conflito com
17
Art. 13 e pargrafos da LACP. A indenizao ser revertida para o Fundo Federal de Defesa dos Direitos
Difusos (Decreto n 1.306/94), se a competncia for federal; ou, ao Fundo Estadual de Defesa dos Direitos
Difusos, se a competncia for estadual, de acordo com cada Estado da Federao.
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29
o interesse da coletividade como um todo (como os interesses dos
trabalhadores na indstria do tabaco); d) em conflito com o interesse do
Estado, enquanto pessoa jurdica (como o interesse dos contribuintes); e)
atinentes a grupos que mantm conflitos entre si (interesses transindividuais
reciprocamente conflitantes, como os dos que desfrutam do conforto dos
aeroportos urbanos, ou da animao dos chamados trios eltricos
carnavalescos, em oposio aos interesses dos que se sentem prejudicados
pela correspondente poluio sonora).
Um exemplo muito interessante de conflito entre interesses transindividuais o caso
do grupo de pessoas que invoca o direito ao meio ambiente sadio no intuito de suspender as
atividades de fbrica que, ao mesmo tempo em que produz riqueza e promove empregos,
polui o meio ambiente. De um lado est o interesse pblico do desenvolvimento e da gerao
de empregos, e do outro o interesse difuso ao meio ambiente sadio. Quando isto ocorre, a
soluo deve ser dada pelo Judicirio, de acordo com as circunstncias que o caso concreto
exigir18
.
Por fim, cumpre transcrever os ensinamentos apresentados por Smanio (2007, p. 12),
que de forma resumida nos elucida que:
Podemos, assim, conceituar os interesses difusos como aqueles interesses
metaindividuais, essencialmente indivisveis, em que h uma comunho de
que participam todos os interessados, que se prendem a dados de fato,
mutveis, acidentais, de forma que a satisfao de um deles importa na
satisfao de todos e a leso do interesse importa na leso a todos os
interessados, indistintamente.
A proteo dos interesses difusos no ocorre em funo de vnculos
jurdicos, a indivisibilidade no decorre de relaes jurdicas, mas da prpria
natureza dos interesses, de forma que no possvel que exista a satisfao
de apenas alguns dos interessados, mas de sua totalidade.
Desse modo, os interesses difusos se destacam por sua natureza indivisvel, com
titulares indeterminveis ligados por circunstncias de fato.
1.5.2.2 Interesses coletivos em sentido estrito
Os interesses coletivos so aqueles indivisveis, compartilhados por grupo, classe ou
categoria de pessoas ligadas por uma relao jurdica bsica.19
18
Princpio da inafastabilidade do controle jurisdicional. Art. 5, XXXV, da CF.
19 Art. 81, inciso II, do CDC.
-
30
Para Mazzilli (2011, p. 55), essa definio legal trazida pelo art. 81, inciso II, do
CDC, seria o conceito legal de interesses difusos em sentido estrito, pois, quando a
Constituio Federal menciona interesses coletivos, em seu art. 129, inciso III, estaria
utilizando a expresso interesses coletivos de forma mais abrangente, em sentido amplo,
conceituando estes como interesses compartilhados por grupos, classes ou categorias de
pessoas, ou seja, de acordo com esse entendimento, o conceito de interesse coletivo em
sentido amplo confunde-se com o prprio conceito de interesse transindividual.
Concordamos com este entendimento, isto porque a Constituio Federal
promulgada em 1988 teve como marco a ampliao da atuao do Ministrio Pblico na
defesa do interesse social e da ordem jurdica, e nesse sentido, o art. 129, inciso III, da CF,
no pode ser interpretado de forma a restringir essa atuao, at mesmo porque a definio
legal trazida pelo CDC surgiu dois anos aps a promulgao da Constituio.
Tanto que a doutrina e a jurisprudncia majoritria entendem que os interesses
individuais homogneos so espcies de interesse coletivo em sentido amplo.20
O exemplo clssico de interesse coletivo em sentido estrito aquele decorrente de
clausula ilegal em contrato de adeso, nesse caso, os consumidores (grupo determinvel ou
determinado de pessoas) esto ligados por uma relao jurdica bsica: a ilegalidade da
clausula do contrato, sendo que a pretenso dos indivduos indivisvel, ou seja, a deciso
ser uniforme para todos. O fato de uma pessoa do grupo possuir dois ou mais contratos em
nada importa (MAZZILLI, 2011, p. 56).
Vemos nesse caso as duas principais diferenas entre os interesses difusos e coletivos
em sentido estrito. A primeira diferena em relao aos sujeitos: nos interesses difusos, os
sujeitos sempre sero indeterminveis, no h como individualizar os sujeitos do grupo;
enquanto nos interesses coletivos, os sujeitos so determinados ou determinveis, ou seja,
possvel identific-los, embora no seja possvel individualizar ou quantificar a pretenso de
cada um dos ofendidos em ambos os casos. A segunda diferena recai no elo comum: nos
interesses difusos o elo comum decorre do fato, que o prprio prejuzo em si; enquanto nos
interesses coletivos, o elo comum decorre de uma relao jurdica bsica, ou seja, decorre da
prpria pretenso dos ofendidos amparada pela ordem jurdica, como no exemplo acima
citado, no qual o elo comum decorre da pretenso originada em razo de ilegalidade em
contrato.
20
RE n 163.231-3-SP, STF Pleno, Informativo STF, 62, e DJ, 29/06/01, p. 55; e RE n 332.545-SP, 1 Turma,
STF, Informativo STF, 389.
-
31
Em resumo, toda pretenso uma relao jurdica. Mas, sempre que esta for o elo
comum entre os indivduos do grupo, sendo este grupo de indivduos determinados ou
determinveis, estaremos tratando de direitos coletivos em sentido estrito. Enquanto, quando
houver uma pretenso (relao jurdica), mas o elo comum entre os indivduos do grupo for
decorrente do prprio prejuzo, e no dessa relao jurdica, ou seja, o elo comum decorrer do
prprio fato em si, e os indivduos do grupo forem indeterminveis, estaremos tratando de
interesses difusos. Por fim, caso os indivduos sejam determinados ou determinveis, estejam
ligados por uma situao ftica de origem comum, mas o objeto do interesse for divisvel, ou
seja, for possvel quantificar o prejuzo de cada um dos indivduos do grupo, estaremos
tratando de interesses individuais homogneos, que sero abordados a seguir.
1.5.2.3 Interesses individuais homogneos
Os interesses individuais homogneos, por sua vez, so os divisveis, compartilhados
por um grupo determinado ou determinvel de pessoas ligadas por uma situao ftica de
origem comum.21
Como podemos observar, diferentemente do que ocorre nos outros interesses
transindividuais, nos interesses individuais homogneos, o objeto do interesse divisvel, ou
seja, possvel individualizar e quantificar de forma especfica a pretenso de cada um dos
indivduos pertencentes ao grupo.
Ademais, os interesses difusos e coletivos em sentido estrito somente podem ser
viabilizados por meio da tutela coletiva, em razo de sua indivisibilidade, enquanto os
interesses individuais homogneos podem ser tutelados tanto na modalidade individual quanto
de forma coletiva. Sobre esse assunto, Vigliar (1999, p. 68) assevera que:
Se o interesse se qualificar como difuso, ou se se qualificar como coletivo,
ele ser, ento, essencialmente coletivo. Se individual homogneo, ele ser
acidentalmente coletivo. Isto indica que a defesa dos interesses difusos e dos
interesses coletivos somente se faz coletivamente, e a dos individuais
homogneos pode ser feita de forma coletiva, mas tambm na modalidade
tradicional, ou seja, onde o prprio interessado tutela a parcela do seu
interesse, ainda que na hiptese outros tantos titulares detenham situao
idnticas.
21
Art. 81, inciso III, do CDC e art. 21, inciso II, da LMS.
-
32
O que diferenciar os acidentalmente coletivos dos essencialmente coletivos
justamente a indivisibilidade, ou, como preferem alguns autores, a
incindibilidade, presente nestes e ausentes naqueles.
Afirmar que um interesse indivisvel afirmar que no possvel atribuir a
cada um dos interessados, que integram uma determinada coletividade mais
ou menos numerosa, a parcela que lhes cabe daquele interesse considerado.
Incindvel que , porque a natureza do interesse/direito no comporta uma
diviso entre todos os interessados em cotas reais ou ideais, a defesa somente
se opera, somente se verifica, somente se viabiliza, na modalidade coletiva
(atravs do que conhecemos hoje por ao civil pblica).
Nesse sentido, Smanio (2007, p. 6) nos explica que com a evoluo do Direito, em
que os limites entre o pblico e o privado estavam diludos, surgiram os chamados interesses
individuais homogneos, uniformizados pela origem comum, mas mantendo-se
essencialmente individuais. Seria o surgimento dos direitos individuais de massa. No
entanto, a tutela processual desses interesses pode ser coletiva, atravs da ao civil pblica,
inclusive com legitimidade do Ministrio Pblico, quando forem relevantes para a sociedade.
Um exemplo clssico de interesse individual homogneo o decorrente de defeito de
fabricao em um lote de produtos, somente os consumidores que adquiriram estes produtos
foram lesados (grupo determinado de pessoas), e ressalte-se que embora haja uma relao
jurdica subjacente, o elo comum entre os sujeitos decorre do defeito no produto, ou seja, do
prprio prejuzo (situao ftica de origem comum), sendo que este prejuzo pode ser
individualizado de acordo com a pretenso de cada sujeito pertencente ao grupo (objeto
divisvel), ou seja, quem comprou dois produtos desse mesmo lote, ter indenizao dobrada,
e assim por diante (MAZZILLI, 2011, p. 57).
Mazzilli (2011, p. 57) nos explica ainda que:
Em outras palavras, obvio que no apenas os interesses coletivos, em
sentido estrito, tm origem numa relao jurdica comum. Tambm nos
interesses difusos e individuais homogneos h uma relao jurdica
subjacente que une o respectivo grupo; contudo, enquanto nos interesses
coletivos propriamente ditos a leso ao grupo provm diretamente da prpria
relao jurdica questionada no objeto da ao coletiva, j nos interesses
difusos e individuais homogneos, a relao jurdica questionada apenas
como causa de pedir, com vista reparao de um dano ftico ora indivisvel
(como nos interesses difusos) ora, at mesmo, divisvel (como nos interesses
individuais homogneos).
Desse modo, de forma resumida, quando estivermos tratando de grupos
indeterminveis, cujo objeto seja indivisvel, e o elo comum entre os sujeitos pertencentes ao
grupo for decorrente de uma situao ftica, estaremos nos referindo a um interesse difuso;
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quando estivermos tratando de grupos determinados ou determinveis, cujo objeto seja
indivisvel, mas o elo comum entre os sujeitos pertencentes ao grupo for decorrente de uma
relao jurdica bsica, estaremos diante de um interesse coletivo; e, por fim, quando
estivermos tratando de grupos determinados, ligados por uma situao ftica de origem
comum, cujo objeto seja divisvel, estaremos diante de um interesse individual homogneo.
Cumpre salientar, por fim, que houve certa divergncia sobre a questo dos
interesses individuais homogneos estarem ou no inseridos como espcie de interesses
transindividuais.
Atualmente, essa discusso foi resolvida, prevalecendo o entendimento de que
interesse individual homogneo no deixa de ser espcie de interesse coletivo em sentido
amplo.22
Para a defesa dos interesses transindividuais, a LACP criou, e o CDC aperfeioou, o
que denomina-se processo coletivo ou tutela coletiva, na qual os principais instrumentos
so a ao civil pblica e o inqurito civil.23
22
RE n 163.231-3-SP, STF Pleno, Informativo STF, 62, e DJ, 29/06/01, p. 55; e RE n 332.545-SP, 1 Turma,
STF, Informativo STF, 389.
23 Existem ainda outras espcies de aes coletivas, dentre elas a ao popular e o mandado de segurana
coletivo.
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CAPTULO II ALGUNS ASPECTOS DA COISA JULGADA
2.1 Conceito
De acordo com o art. 467 do Cdigo de Processo Civil, denomina-se coisa julgada
material a eficcia, que torna imutvel e indiscutvel a sentena, no mais sujeita a recurso
ordinrio ou extraordinrio.
A expresso coisa julgada deriva da expresso latina res iudicata, que significa bem
julgado (MEDINA; WAMBIER, 2011, p. 296).
A doutrina clssica, de origem romana, identificava a coisa julgada como efeito da
sentena. Com o passar do tempo, Chiovenda comeou a questionar essa definio, lanando
afirmaes que separavam os efeitos da sentena da autoridade da coisa julgada. Entretanto,
foi Liebman que, aperfeioando as lies de Chiovenda, distinguiu precisamente os efeitos da
sentena e coisa julgada e, segundo seus ensinamentos, coisa julgada seria uma qualidade dos
efeitos da sentena e no um de seus efeitos (KLUGE, 2009, p. 15).
Bueno (2011, p. 422), discorrendo sobre os ensinamentos de Liebman, assevera que:
Liebman demonstrou que efeito da sentena no se confunde com a
possibilidade de um dado sistema jurdico reconhecer que, em determinadas
condies, estes efeitos tendem a ser estabilizados, ficando imunes a
qualquer nova confrontao, a qualquer novo questionamento. Uma coisa,
escreve, identificar quais so os efeitos da sentena. A outra, inteiramente
diversa, verificar se estes efeitos se produzem de maneira mais ou menos
perene ou imutvel ao longo do tempo.
De acordo com Kluge (2009, p. 16), a importncia dessa diferena conceitual est
relacionada com a repercusso da coisa julgada na esfera jurdica de terceiros, ou seja, a
importncia estaria ligada aos limites subjetivos da coisa julgada.
Isto porque, de acordo com o art. 472 do Cdigo de Processo Civil, a sentena faz
coisa julgada s partes entre as quais dada, no beneficiando, nem prejudicando terceiros,
portanto, no impedindo terceiros que, possuindo legitimidade ad causam, busquem discutir a
questo judicialmente.
Enquanto os efeitos da sentena atingem no somente as partes, mas tambm todos
os demais indivduos. Por exemplo, a sentena de divrcio, que desconstitui o casamento, faz
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35
com que o matrimnio deixe de existir no somente entre os cnjuges, mas tambm perante
terceiros.
Caso assim no fosse, ao permitir que a coisa julgada prejudicasse terceiros,
estaramos ferindo os princpios do contraditrio e ampla defesa (art. 5, incisos LIV e LV, da
CF/88), pois se estaria impedindo terceiros, que no participaram da relao processual, que
buscassem a defesa de seus direitos, imputando esse impedimento existncia da coisa
julgada. Tanto que, at mesmo na tutela coletiva, na qual a coisa julgada pode produzir
efeitos erga omnes e ultra partes, os terceiros titulares do interesse objeto da ao que no
participaram da relao processual no so prejudicados em caso de improcedncia da ao.24
Assim, a coisa julgada no efeito da sentena, mas uma qualidade desta,
representada pela imutabilidade e indiscutibilidade do julgado e de seus efeitos
(THEODORO JNIOR, 2011, p. 537).
Nesse sentido tambm se posiciona a doutrina majoritria, no sentido de que o
ordenamento jurdico ptrio adotou a teoria de Liebman para definir coisa julgada. A seguir
permitimo-nos transcrever definies traadas por ilustres processualistas.
De acordo com Talamini (2005, p. 30), a coisa julgada material pode ser
considerada como uma qualidade de que se reveste a sentena de cognio exauriente de
mrito transitada em julgado, qualidade esta consistente na imutabilidade do contedo do
comando sentencial.
Greco Filho (2011, p. 249) define coisa julgada como a imutabilidade dos efeitos da
sentena ou da prpria sentena, que decorre de estarem esgotados os recursos eventualmente
cabveis.
Ainda, Nery Jnior (2006, p. 299) define coisa julgada material como a qualidade
que torna imutvel e indiscutvel o comando que emerge da parte dispositiva da sentena de
mrito no mais sujeita a recurso ordinrio ou extraordinrio.
Portanto, coisa julgada no um efeito da sentena, mas uma qualidade que se
agrega aos efeitos da sentena. A coisa julgada indica a forma como certos efeitos se
exteriorizam (MEDINA; WAMBIER, 2011, p. 296).
A prxima etapa, portanto, ser analisar o fundamento da coisa julgada.
24
Art. 103, 1, do CDC. Os efeitos da coisa julgada previstos nos incisos I e II no prejudicaro interesses e
direitos individuais dos integrantes da coletividade, do grupo, categoria ou classe.
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36
2.2 Coisa julgada e a segurana jurdica
A coisa julgada no efeito da sentena, mas uma qualidade desta, representada pela
imutabilidade e indiscutibilidade do julgado e de seus efeitos (THEODORO JNIOR,
2011, p. 537).
Destarte, extrai-se que a coisa julgada um instituto jurdico criado para evitar a
eterna discusso sobre um mesmo assunto, impedindo a configurao de litgios perptuos e a
afronta mortal ao princpio constitucional da segurana jurdica, previsto no art. 5, caput,
da Constituio Federal.
Ainda, o art. 5, inciso XXXVI, da Constituio Federal estabelece que a lei no
prejudicar o direito adquirido, o ato jurdico perfeito e a coisa julgada. Ou seja, nem mesmo
a lei posterior pode atingir a coisa julgada, em razo da insegurana jurdica que isto poderia
ocasionar.
Nesse sentido, explica Bueno (2011, p. 421):
luz do modelo constitucional do direito processual civil, a coisa julgada expressamente garantida como direito fundamental no art. 5, XXXVI, da
Constituio Federal. Trata-se, nesta ampla perspectiva do instituto, mais
ainda quando o referido dispositivo refere-se concomitantemente ao direito adquirido e ao ato jurdico perfeito, de uma tcnica adotada pela lei de garantir estabilidade a determinadas manifestaes do Estado-juiz, pondo-as
a salvo inclusive dos efeitos de novas leis que, por qualquer razo, pudessem
pretender eliminar aquelas decises ou, quando menos, seus efeitos, e, nesse
sentido, uma forma de garantir maior segurana jurdica aos
jurisdicionados.
O princpio da segurana jurdica a base de todo o ordenamento jurdico, sem ele,
no h efetividade do prprio Direito nem mesmo h paz social, viveramos em meio a um
verdadeiro caos, e a preocupao do legislador com este instituto resta nitidamente
demonstrada ao permitir que, mesmo ao declarar uma inconstitucionalidade de lei ou ato
normativo em sede de ao direta de inconstitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal,
tendo em vista razes de segurana jurdica ou de excepcional interesse social, poder por
maioria de dois teros de seus membros, restringir os efeitos daquela declarao ou decidir
que ela s tenha eficcia a partir de seu trnsito em julgado ou de outro momento que venha a
ser fixado (art. 27, da Lei 9.868/99).
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Ou seja, mesmo havendo violao Constituio (que a norma fundamental, a
partir da qual todas as outras normas devem ser interpretadas e com ela compatveis), a lei
permite ao Supremo Tribunal Federal, por votos de dois teros dos membros, restringir os
efeitos da declarao de inconstitucionalidade em sede de ao direita de
inconstitucionalidade, em razo da insegurana jurdica que a declarao poderia ocasionar.
Ainda sobre o princpio da segurana jurdica, Medina e Wambier (2011, p. 297)
explicam que:
O princpio da segurana jurdica elemento essencial ao Estado
Democrtico de Direito, e desenvolve-se em torno de dois conceitos
basilares: o da estabilidade das decises dos poderes pblicos, que no
podem ser alteradas seno quando concorrem fundamentos relevantes,
atravs de procedimentos legalmente exigidos; o da previsibilidade, que se reconduz exigncia de certeza e calculabilidade, por parte dos cidados.
Portanto, a coisa julgada de suma importncia para a efetividade do prprio Direito,
sem a qual no haveria segurana jurdica. Assim, podemos afirmar que o fundamento da
coisa julgada justamente a segurana jurdica das relaes sociais.
Ainda, a segurana jurdica um direito fundamental, previsto no art. 5, caput, da
Constituio Federal. Constitui, portanto, um direito subjetivo dos cidados. Nesse sentido, a
segurana jurdica est diretamente relacionada credibilidade que os cidados possuem em
relao ao Judicirio e aos demais rgos pblicos.
Isto porque a insegurana jurdica, como por exemplo, a ocasionada por decises
diferentes e conflitantes sobre um mesmo assunto, pode ocasionar um abalo na credibilidade
do Judicirio, e a confiana que as pessoas possuem no Judicirio imprescindvel para que
se mantenha a ordem e a paz social (Kluge, 2009, p. 22).
Por sua vez, Souza (2003, p. 194) assevera que:
Merc de tais fundamentos, destinando-se a propiciar segurana jurdica e social, por consequncia -, a coisa julgada possui como predicamentos a
imperatividade (tpica dos comandos legais) e a imutabilidade de seus
efeitos, posto ter o condo de colocar termo atividade jurisdicional,
impedindo, destarte, que a mesma lide seja objeto de sucessivas decises fato que propiciaria fosse mantida a indesejvel e danosa situao de
instabilidade social.
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Por sua vez, Kluge (2009, p. 22) leciona que a coisa julgada, portanto, consistente
na imutabilidade do comando emergente da sentena, est fundamentada na segurana
jurdica ou, em outras palavras, na estabilizao das relaes sociais.
Vale destacar, ainda, o posicionamento de Sarlet (2006, p. 57), para quem a
segurana jurdica tambm constitui uma das formas de se conferir efetividade dignidade da
pessoa humana, um dos fundamentos da Repblica Federativa do Brasil (art. 1, inciso III, da
CF/88):
[...] a dignidade no restar suficientemente respeitada e protegida em todo o
lugar onde as pessoas estejam sendo atingidas por um tal nvel de
instabilidade jurdica que no estejam mais em condies de, com um
mnimo de segurana e tranquilidade, confiar nas instituies sociais e
estatais (incluindo o Direito) e numa certa estabilidade das sua prprias
posies jurdicas.
Por fim, cumpre descrever as palavras de Marinoni e Arenhart (2004, p. 716): de
nada adianta falar em direito de acesso justia sem dar ao cidado o direito de ver o seu
conflito solucionado definitivamente.
Portanto, temos a coisa julgada como um instituto inerente ao Direito, sem a qual no
h segurana jurdica, e o texto normativo se tornaria apenas letras sem efetividade alguma.
2.3 Funo positiva e negativa da coisa julgada
A doutrina descreve, em geral, duas funes para a coisa julgada: funo positiva e a
funo negativa.
A funo positiva est relacionada com a noo de imutabilidade da deciso
transitada em julgado, que vincula as partes perante as quais foi proferida (BUENO, 2011, p.
427).
De acordo com (THEODORO JNIOR, p. 548), a funo positiva da coisa julgada
impe s partes obedincia ao julgado como norma indiscutvel de disciplina das relaes
extrajudiciais entre elas e obriga a autoridade judiciria a ajustar-se a ela, nos
pronunciamentos que a pressuponham e que a ela se devam coordenar.
Enquanto a funo negativa, por sua vez, impede as partes e o juiz de restabelecer a
mesma controvrsia no s no processo encerrado, como em qualquer outro, caracterizando,
-
39
desse modo, um pressuposto processual negativo, ou seja, uma situao que no pode estar
presente na relao processual para a sua vlida formao.
Nesse sentido, Medina e Wambier (2011, p. 301) explicam que o efeito negativo da
coisa julgada impede o prprio Judicirio de se manifestar acerca daquilo que tenha sido
decidido, e continuam:
A coisa julgada instituto cuja funo a de estender ou projetar os efeitos
da sentena indefinidamente para o futuro. Com isso, pretende-se zelar pela
segurana extrnseca das relaes jurdicas, de certo modo em
complementao ao instituto da precluso, cuja funo primordial garantir
a segurana intrnseca do processo, pois que assegura a irreversibilidade das
situaes jurdicas cristalizadas endoprocessualmente. Esta segurana
extrnseca das relaes jurdicas geradas pela coisa julgada material traduz-
se na impossibilidade de que haja outra deciso sobre a mesma pretenso.
O que se extrai, portanto, que a funo negativa da coisa julgada , em outras
palavras, uma funo impeditiva, proibindo as partes de proporem e o Judicirio de apreciar
questes j decididas anteriormente. Tanto que o art. 267, inciso V, do Cdigo de Processo
Civil, estabelece que ser extinto o processo sem resoluo de mrito quando verificada a
coisa julgada. A funo negativa da coisa julgada , portanto, um pressuposto processual
negativo, ou seja, no pode estar presente na relao processual para a sua sadia formao.
nesse sentido tambm o entendimento de Bueno (2011, p. 427), para quem a
chamada funo negativa da coisa julgada captura o instituto como pressuposto processual
negativo, isto , como um fator impeditivo de sua rediscusso por qualquer rgo
jurisdicional ou pelas prprias partes.
Ainda perfilhando o mesmo entendimento, Theodoro Jnior (2011, p. 547), para
quem a ocorrncia de coisa julgada opera como um pressuposto processual negativo, isto , o
processo somente pode desenvolver-se validamente at o julgamento do mrito da causa, se
no houver a seu respeito deciso anterior transitada em julgado.
Enquanto a funo positiva, ou normativa, da coisa julgada, vincula (obriga) as
partes perante as quais a deciso foi proferida.
2.4 Coisa julgada material e formal
A doutrina divide a coisa julgada em duas espcies: coisa julgada material e coisa
julgada formal.
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Para Theodoro Jnior (2011, p. 543), a diferena entre a coisa julgada material e a
coisa julgada formal apenas de grau em relao a um mesmo fenmeno, pois ambas
decorrem da impossibilidade de interposio de recurso contra a sentena.
A coisa julgada material, definida pelo art. 467 do Cdigo de Processo Civil, a
eficcia, que torna imutvel e indiscutvel a sentena, no mais sujeita a recurso ordinrio ou
extraordinrio. Portanto, quando fala-se em coisa julgada, sem qualquer qualitativo, estar-se-
falando da coisa julgada material.
Assim, a coisa julgada material, consistente na imutabilidade dos efeitos da sentena,
se projeta para fora do processo, e esta projeo exterior implica a impossibilidade da
demanda ser novamente apreciada pelo Judicirio, quando a causa possuir a trplice
identidade, qual seja, mesmas partes, causa de pedir e pedido (Kluge, 2009, p. 20).
nesse sentido que tambm se posiciona Bueno (2011, p. 426), entendendo que a
chamada coisa julgada material representa a caracterstica de imutabilidade do quanto
decidido na sentena para fora do processo, com vistas a estabilizar as relaes de direito
material, tais quais resolvidas perante o mesmo juzo ou qualquer outro.
Enquanto a coisa julgada formal, por sua vez, tende a ser entendida como a
ocorrncia da imutabilidade dos efeitos da sentena dentro do prprio processo (BUENO,
2011, p. 425).
A coisa julgada formal decorre, portanto, da imutabilidade da sentena dentro do
processo em que foi proferida pela impossibilidade de interposio de recursos, ou porque a
lei no mais os admite, ou porque se esgotou o prazo, ou porque o recorrente tenha desistido
do recurso interposto, ou ainda tenha renunciado sua interposio (THEODORO JNIOR,
2011, p. 543).
Portanto, imutvel a deciso, dentro do processo, esgota-se a funo jurisdicional. O
Judicirio faz a entrega da prestao jurisdicional a que estava obrigado, mas em que pese ser
imutvel o decisum, na coisa julgada formal, os efeitos positivos e negativos da coisa julgada
no se exteriorizam.
Desse modo, tem-se que restar configurada a coisa julgada formal quando, por
exemplo, o magistrado extinguir a demanda sem resoluo de mrito e, dessa deciso, j no
caiba mais recurso. Nesse caso, nada impede que seja proposta nova ao para discutir o
mesmo assunto do processo extinto sem resoluo de mrito.
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Destarte, extrai-se que a coisa julgada material depende da coisa julgada formal, mas
a recproca no verdadeira. Pode operar-se somente a coisa julgada formal, sem que se opere
a coisa julgada material.
Nesse sentido, a explicao de Bueno (2011, p. 426), para quem a coisa julgada
material depende que a deciso tenha aptido de transitar em julgado e uma tal deciso, para
o sistema processual civil, tem que ser de mrito.
Assim, quando no for apreciado o mrito, em regra, a deciso imutvel opera
apenas a coisa julgada formal, podendo as partes ajuizarem nova ao para discutir o mrito
da causa.
esse tambm o entendimento de Kluge (2009, p. 20), que leciona:
Via de regra, quando ocorre a coisa julgada material, tem-se, tambm, a
coisa julgada formal, uma vez que esta pressuposto daquela. Todavia, a
recproca no verdadeira, pois pode haver coisa julgada formal, sem,
necessariamente, ter ocorrido coisa julgada material.
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