76047247-06-ha-joon-chang-chutando-a-escada.pdf

14

Click here to load reader

Upload: alevanblack

Post on 13-Aug-2015

1.082 views

Category:

Documents


7 download

TRANSCRIPT

Page 1: 76047247-06-Ha-Joon-Chang-Chutando-a-Escada.pdf

CHANG, Ha-Joon. Chutando a escada: a estratégia do desenvolvimento em perspectiva histórica. Ed. Unesp, 2004.

Foram pouquíssimas as tentativas de aproveitar as lições das experiências históricas dos países desenvolvidos para solucionar problemas contemporâneos do desenvolvimento. E quando houve, as referências são eivadas de mitos que realçam as recomendações de políticas típicas do Consenso de Washington.

O autor desmistifica a lenda de que a prosperidade da Grã-Bretanha tenha sido oriunda do laissez-faire. Ele afirma que o livre-comércio floresceu somente a partir do fim do sec. XIX devido à legitimação teórica de David Ricardo, Stuart Mill, David Hume e Adam Smith, mas que a Grã-Bretanha se valeu de inúmeros instrumentos protecionistas para superar a então grande potência da lã, os Países Baixos.

Essa ordem liberal mundial, preconizada por esses economistas, incluía: políticas industriais de laissez-faire internamente; pouquíssimas barreiras aos fluxos internacionais de bens, capital, trabalho; estabilidade macroeconômica nacional (mantida pelo padrão ouro); e equilíbrio orçamentário.

Segundo essa lenda, diz o autor, com a irrupção da 1GM, os países começaram a levantar barreiras comerciais. Em 1930, os EUA abandonaram o livre comércio e instituíram a tarifa Smoot-Hawley. Depois, Alemanha e Japão. O sistema sucumbiu quando, em 1932, foi vez de Grã-Bretanha tentar reintroduzir tarifas alfandegárias. Depois da 2GM, prossegue a “lenda” a que o autor se refere, fizeram-se alguns progressos com o GATT, mas a visão dirigista da economia seguiu dominante até 1970 (mundo desenvolvido), 1980 (países em desenvolvimento) e 1989 (ex-segundo mundo). A falta de crescimento nesse período teria evidenciado as limitações do intervencionismo e do protecionismo antiquados.

As mudanças mais simbólicas, segundo Bhagwati, foram:

- implantação da doutrina neoliberal no Brasil com FHC;

- ingresso do México no Nafta;

- deslocamento da Índia para uma economia aberta e liberal;

“Essa lenda pinta um quadro vigoroso, mas basicamente falaz”. (...) O fim do século XIX pode ser realmente descrito como a era do laissez-faire e foi o mais próximo que o mundo chegou do livre-comércio. A maior parte do mundo foi obrigada a praticá-lo pelo colonialismo ou por tratados desiguais. A exceção óbvia foram os EUA, que conservaram elevadíssima barreira tarifária.

Apesar das restrições orçamentárias, fato é que quase todos os PADs usaram ativamente políticas industrial, comercial e tecnológica intervencionistas para promover a indústria nascente durante o período de catch-up e até após ele. Na frente comercial, os subsídios e os reembolsos aduaneiros aos insumos eram usados com freqüência para estimular a exportação. Os governos criavam mecanismos institucionais para facilitar a parceria público-privada (ex. joint ventures). O Estado financiava a aquisição de tecnologia estrangeira tanto por

- meios legais: viagens de estudos e treinamento de pessoal

- quanto meios ilegais: apoio à espionagem industrial, contrabando de maquinário, não reconhecimento de patentes estrangeiras. Os últimos são meios seriamente condenados hoje.

Estratégias de catch-up

O autor analisa um grupo de PADs ( Grã-Bretanha, EUA, Alemanha, França, Suécia, Bélgica, Holanda, Suíça, Japão, Coréia e Taiwan) e demonstra que a maioria dele utilizou políticas quase opostas as que a ortodoxia diz que eles usaram. Segundo ele, a GB é

1

Page 2: 76047247-06-Ha-Joon-Chang-Chutando-a-Escada.pdf

normalmente considerada um país que se desenvolveu quase sem a intervenção do Estado. Ao ingressar no período pós-feudal era atrasada e sua exportação limitava-se à lã bruta.

Foi com a dinastia Tudor que a economia bretã teve novo ímpeto, com uma política de deliberado fomento à indústria nascente, conforme relata o escritor Daniel Defoe em A plan for the English commerce. Henrique VII, que morou com a tia como enteado, nos Países Baixos, ficou impressionado com a prosperidade de lá e, quando monarca, contratou mão de obra especializada estrangeira, aumentou tarifas e proibiu em certa medida exportação de lã bruta. Sabendo da defasagem da GB, adotou uma abordagem gradualista.

Com Elizabete I, a GB ganhou confiança na competitividade internacional da indústria e proibiu totalmente exportação de lã bruta, o que levou os Países Baixos à ruína. Alguns fatores que favoreceram o triunfo britânico nessa indústria foram fortuitos (migração de tecelões protestantes de Flandres, após a guerra de independência com a Espanha) e outros criados deliberadamente pelo Estado. Para abrir novos mercados, ela mandou emissários comerciais ao papa e aos imperadores de Rússia, Mongólia e Pérsia. A supremacia naval permitiu a conquista de novos mercados, colonizados e mantidos cativos.

Medidas da legislação inglesa de 1721, para promover as manufaturas:

1º: reduzir/abolir tarifas alfandegárias de matérias-primas importadas pelos manufatores;

2º: reembolso aduaneiro para matérias-primas importadas pelas manufaturas de exportação;

3º: abolição do imposto de exportação da maioria dos manufaturados;

4º: elevação da tarifa aduaneira de bens manufaturados;

5º: estenderam os subsídios à exportação (subvenções) a novos itens, como seda e pólvora;

6º: regulamentação para controlar a qualidade de produtos manufaturados (principalmente têxteis), para evitar que produtores inescrupulosos prejudicassem a imagem dos produtos britânicos;

Essa reforma de 1721 se parece com as aplicadas em países como Japão, Coréia e Taiwan no pós-guerra.

A GB aplicou tarifas muito elevadas sobre os manufaturados até duas gerações após a Revolução Industrial. A grande mudança ocorreu em 184, quando a Corn Law foi revogada. Hj essa revogação é interpretada como a vitória final da doutrina econômica clássica liberal sobre o mercantilismo. Muitos historiadores, porém, interpretam o fato como um ato do “imperialismo do livre comércio”, com intenção de conter a industrialização do Continente mediante a ampliação do mercado de produtos agrícolas. A verdadeira guinada para o livre-comércio, entretanto, se deu na década de 1860, com o acordo anglo-francês de livre-comércio (Tratado Cobden-Chevalier), que aboliu a maior parte das tarifas.

Para Carl Polanyi, o laissez-faire nada tinha de natural e foi imposto pelo Estado.

2.2.2. Os Estados Unidos

Segundo List, ainda que a Grã-Bretanha tenha sido o primeiro país a praticar com sucesso a estratégia da indústria nascente, foram os Estados Unidos seus mais ardentes usuários. A literatura moderna, no entanto, é relutante em admitir esse fato ou, se o faz, minimiza sua importância no desenvolvimento econômico norte-americano.

A proteção à indústria interna foi uma questão controversa nos Estados Unidos desde o início de sua colonização. Inicialmente, a Grã-Bretanha implementava políticas que impediam a industrialização de sua colônia. À época da independência, o Sul agrário opunha-se ao protecionismo, enquanto o Norte manufatureiro o defendia. Alexander

2

Page 3: 76047247-06-Ha-Joon-Chang-Chutando-a-Escada.pdf

Hamilton, o primeiro Secretário do Tesouro (1789-1795), era um dos principais representantes do Norte, e muitos acreditam que tenha sido ele – e não List – o primeiro a elaborar sistematicamente o argumento da indústria nascente. Hamilton argumentava que a concorrência estrangeira e a “força do hábito” impediriam as novas indústrias de se desenvolverem nos EUA, a menos que a ajuda governamental (tarifas ou proibição de importação) compensasse os prejuízos iniciais.

Em 1789, o Congresso obteve o poder de tributar e aprovou uma lei tarifária liberal, fixando uma alíquota úncia de 5% para todos os bens importados. Com a guerra contra a Grã-Bretanha (1812), as tarifas dobraram para enfrentar as despesas. Em 1816, a política tarifária sofreu uma inflexão quando uma nova lei estabeleceu tarifas de cerca de 35% para quase todos os bens manufaturados, em virtude da influência política adquirida pelas indústrias nascentes com o seu crescimento, proporcionado pela proteção econômica “natural” causada pela guerra. A partir dessa época, conflitos entre os setores manufatureiros e exportadores de matérias-primas fizeram aumentar e diminuir as tarifas até a Guerra de Secessão (1861-65).

Ao contrário do que se costuma pensar, a Guerra de Secessão não envolveu somente a questão da escravidão, mas principalmente a tarifária. A vitória de Lincoln (1860) não seria possível sem o apoio dos estados mais protecionistas ao Partido Republicano, que prometia manter as tarifas altas. Lincoln nunca advogou a abolição com firmeza, mas dava mostras inequívocas de sua fé no protecionismo. A vitória do Norte, portanto, permitiu que os Estados Unidos continuassem sendo os mais obstinados adeptos da proteção à indústria nascente.

Em 1913, com a vitória dos democratas, aprovou-se uma lei instituindo a Tarifa Underwood, que levou a um aumento das categorias de bens com entrada livre e uma queda dos impostos de importação. O início da Primeira Guerra Mundial, contudo, tornou a lei ineficaz. Recorreu-se a uma legislação tarifária emergencial em 1922, que se seguiu à volta dos republicanos ao poder, e as tarifas voltaram ao nível de 30%.

Em 1930, com o início da Grande Depressão, instituiu-se a Tarifa Smoot-Hawley, que aumentou apenas marginalmente o grau de protecionismo dos EUA e, portanto, não constituiu um desvio radical da postura tradicional do país de política comercial.

Foi apenas após a Segunda Guerra Mundial que os Estados Unidos, com sua supremacia industrial já consolidada, liberaram o comércio e passaram a pregar a política econômica liberal. Ainda assim, nunca chegaram a praticar o livre-comércio no mesmo grau alcançado pela Grã-Bretanha entre 1860 e 1932. Além disso, sempre usaram muitas medidas de protecionismo “oculto”, como:

• Controles voluntários de exportação;

• Cotas sobre têxteis e vestuário;

• Proteção e subsídios à agricultura;

• Sanções comerciais unilaterais (tarifas antidumping).

Atualmente, os historiadores econômicos estão cada vez mais propensos a reconhecer a importância do protecionismo para o desenvolvimento da economia norte-americana. O crescimento recorde do país comprova que a proteção tarifária foi essencial, ao menos para algumas indústrias-chave, como a têxtil e a de ferro e de aço. Outras estratégias, além da proteção tarifária, ajudaram a promover o desenvolvimento da economia como: 1) patrocínio de pesquisas agrícolas pelo Estado e 2) expansão do investimento em educação pública.

Conclui-se, assim, que os Estados Unidos, no século XIX, foram não apenas os mais fortes defensores das políticas protecionistas, como também a sede intelectual desse pensamento. Os intelectuais norte-americanos buscavam uma economia nova para um país novo. Um congressista estadunidense chegou a afirmar que a teoria comercial

3

Page 4: 76047247-06-Ha-Joon-Chang-Chutando-a-Escada.pdf

inglesa, “assim como a maior parte dos bens manufaturados ingleses, destina-se à exportação, não ao consumo interno”.

2.2.3. A Alemanha

Apesar de a Alemanha ser hoje conhecida como o berço da proteção à indústria nascente, essa política teve muito menos importância no desenvolvimento econômico alemão do que no britânico ou no norte-americano.

Até a criação da Zollverein, união aduaneira liderada pela Prússia, em 1834, a proteção tarifária à indústria foi moderada. Os outros Estados-membros, no entanto, passaram a pressionar pelo aumento das tarifas, que permaneceram baixas até a década de 1870. Em 1879, Bismarck aumentou muito a tributação sobre a importação, com o intuito de consolidar a aliança entre a aristocracia rural (Junkers) e o empresariado da indústria pesada. Mesmo assim, no século XIX e primeira metade do século XX, o nível de proteção à manufatura na Alemanha era um dos mais baixos.

A falta de proteção tarifária não significava, entretanto, uma política de livre-comércio. A Prússia, a partir do reinado de Frederico Guilherme I (1713-1740), lançou mão de diversas políticas para fomentar as novas indústrias, a saber:

• Concessão de monopólios;

• Fornecimento de produtos baratos pelas fábricas reais;

• Intervenção direta do Estado nas indústrias-chave;

• Subsídios à exportação;

• Investimento de capital;

• Recrutamento de mão-de-obra especializada no exterior.

Com o intuito de transformar o país em uma potência militar, Frederico, o Grande anexou a Silésia, província industrial, e empenhou-se em desenvolvê-la. Após sua morte, deu-se continuidade ao projeto e, por meio de espionagem industrial patrocinada pelo Estado e cooptação de operários especializados, logrou-se introduzir tecnologias avançadas dos países mais desenvolvidos. Foi importante, também, a criação do Instituto de Artes de Ofícios, que treinou operários especializados, subsidiou viagens ao exterior, adquiriu máquinas estrangeiras e estimulou novos empreendimentos.

A partir de 1840, com o crescimento do setor privado, diminuiu a interferência do Estado no desenvolvimento industrial alemão. Longe de se ausentar do setor econômico, o Estado passou a assumir um papel orientador, ao invés de diretivo. Entre as políticas dessa época, destacam-se:

• Concessão de bolsa de estudos para os talentos promissores;

• Subsídios aos empresários competentes;

• Organização de exposição de máquinas e processos industriais novos.

No Segundo Reich (1870-1914), o desenvolvimento do setor privado e o fortalecimento dos Junkers na burocracia, que se opunham ao desenvolvimento industrial, provocaram a erosão da autonomia e da capacidade do Estado, cujo papel passou a se restringir à administração de tarifas e à supervisão de cartéis.

2.2.4 A França

Assim como no caso da Alemanha, há a perpetuação do mito da política econômica francesa. Esse mito baseia-se na ideia de que a economia francesa sempre foi dirigida

4

Page 5: 76047247-06-Ha-Joon-Chang-Chutando-a-Escada.pdf

pelo Estado – espécie de antítese do laissez-faire britânico. Essa caracterização pode ser aplicada ao período pré-revolucionário e ao que seguiu à Segunda Guerra, mas não se aplica ao resto da história francesa. Exemplo de intervencionismo é a época do colbertismo (século XVII). O Estado francês atuou para contratar operários qualificados ingleses e incentivou a espionagem industrial. Esse esforço governamental possibilitou à França superar a defasagem tecnológica frente à Grã-Bretanha.

Houve guinada na política econômica francesa durante a revolução. “Na mente dos revolucionários, a destruição do absolutismo parecia implicar a adoção de um sistema mais laissez-faire”. Nos anos imediatamente posteriores à Revolução, vários governos, particularmente o de Napoleão esforçaram-se para promover o desenvolvimento industrial e, sobretudo, o tecnológico. Após a queda de Napoleão, estabeleceu-se firmemente o regime de política laissez-faire, que perdurou até a Segunda Guerra Mundial. Muitos historiadores consideram as limitações desse regime a causa principal da relativa estagnação industrial no século XIX.

Embora o senso comum leve a associar a Grã-Bretanha ao livre-cambismo, evidências empíricas levam a concluir que na maior parte do século XIX, o regime comercial “francês” foi mais liberal que o da Grã-Bretanha, em especial entre 1840-60. O texto mostra tabela baseada na renda alfandegária líquida para demonstrar que, entre 1821 e 1875, a França sempre foi menos protecionista que a Grã-Bretanha. A disparidade no nível de protecionismo entre os países foi decaindo ao longo do tempo, em especial após a revogação das corn laws (1846).

É interessante notar que a exceção relativa nesses 150 anos de liberalismo na França, reconhecidamente a do governo de Napoleão III (1848-1870), também foi o único intervalo no período em que se verificou dinamismo econômico no país. Em seu governo, o Estado incentivou desenvolvimento infraestrutural, criou instituições de pesquisa e ensino, além de modernizar o setor financeiro. Ainda durante o período de Napoleão III foi celebrado o acordo comercial anglo-francês (Cobden-Chavalier) de 1860. Apesar dele, o grau de protecionismo francês já era baixo na época, o que levou o acordo a ter pouco efeito. Após expirado, em 1892, muitos índices tarifários se elevaram.

Em matéria de economia, a postura do governo francês era quase tão liberal quanto a do liberalíssimo governo britânico, sobretudo na terceira república. Em razão da instabilidade política, a França era governada basicamente pela burocracia permanente. O orçamento governamental se destinava basicamente ao atendimento das despesas essenciais: segurança, educação, transporte, etc. Ou seja, as áreas clássicas de envolvimento do Estado mínimo. O papel regulador do Estado também se conservou mínimo.

Só depois da Segunda Guerra a elite francesa se animou a reorganizar o aparelho de Estado e enfrentar o problema do relativo atraso industrial do país. A partir de então, especialmente até o fim dos anos 60, o Estado recorreu ao planejamento indicativo, à formação de empresas estatais e ao que hoje se chama equivocadamente de política industrial “ao estilo do Leste Asiático” para promover o catch-up e igualar-se aos países mais avançados. Consequentemente, a França passou por uma muito bem-sucedida transformação estrutural da economia, chegando finalmente a ultrapassar a Grã-Bretanha em termos tanto de produção (em diversas áreas) quanto de tecnologia.

2.2.5 A Suécia

A Suécia não entrou na modernidade com um regime de livre-comércio. Depois das Guerras napoleônicas, o governo promulgou uma lei tarifária fortemente protetora (1816). Os impostos tornavam proibitiva a importação de produtos acabados de algodão e estabeleciam tarifas deliberadamente baixas para a importação de algodão cru. Percebe-se semelhança entre esse regime tarifário e o da Grã-Bretanha no século XVIII, assim como o praticado por países como a Coreia e Taiwan no pós-guerra. Por volta de 1830, a proteção começou a recuar. Manteve-se regime de tarifas muito baixas até o fim do século XIX, em especial nos alimentos, matérias primas e máquinas.

5

Page 6: 76047247-06-Ha-Joon-Chang-Chutando-a-Escada.pdf

Essa fase livre-cambista foi efêmera. Desde 1880, a Suécia passou a usar tarifas a fim de proteger o setor agrícola contra a recém-chegada concorrência norte-americana. A partir de 1892, e até ceder às imposição de tratados comerciais, o país ofereceu proteção tarifária e subsídios à indústria. Em 1913, o índice de proteção manteve-se entre os mais altos da Europa. Em 1930, a Suécia estava em segundo lugar, atrás apenas da Rússia.

Graças a essa guinada rumo ao protecionismo, a economia sueca teve um desempenho extremamente favorável nas décadas seguintes. Teve o segundo mais rápido crescimento (em termos de PIB por hora de trabalho) de 1890 a 1900 e o mais rápido de 1900 a 1913.

A proteção tarifária e os subsídios não foram os únicos instrumentos usados para fomentar o desenvolvimento industrial. No fim do século XIX, a Suécia desenvolveu uma tradição de íntima parceria público-privada numa extensão sem paralelos nos outros países de então. O desenvolvimento teve participação do Estado em setores como agricultura e construção de ferrovias, diferentemente do desenvolvimento conduzido pela iniciativa privada, como o ocorrido na Grã-Bretanha. Outros setores de infraestrutura como telegrafia e energia tiveram aplicação do modelo de parceria público-privada.

O Estado sueco se empenhou em facilitar o desenvolvimento e aquisição de tecnologia. Subsidiou viagens de estudo e pesquisa em busca do acumulo da chamada “capacidade tecnológica”. A educação foi uma das prioridades do governo. Tornou obrigatório, em 1840, o ensino básico. Instituiu, em 1860, o ensino secundário. No ensino superior criou institutos de pesquisa tecnológica.

Em 1932 ocorreu vitória do Partido Socialista, que a partir de então esteve no governo a não ser durante período inferior a 10 anos. Em 1936, houve celebração do “pacto histórico” entre sindicatos e a associação patronal. O regime posterior a esse pacto concentrou-se na edificação de um sistema em que os empregadores financiassem um generoso welfare state e elevados investimento em troca de reivindicações salariais moderadas por parte do sindicado.

Depois da Segunda Guerra, esse regime promoveu o upgrading industrial. Nas décadas de 1950-1960, o centralizado sindicado adotou o Plano Rehn-Meidner, que introduziu a política salarial “solidária”, buscando explicitamente uniformizar os salários do mesmo tipo de mão de obra em todas as indústrias. Esperava-se que isso pressionasse os capitalistas dos setores mal remunerados, levando-os a aumentar o estoque de capital ou reduzir a força de trabalho e, ao mesmo tempo, permitisse aos dos setores bem remunerados reter lucros extras e expandir-se mais depressa do que normalmente seria possível. Além disso, adotou-se a política de mercado de trabalho ativo, que favorecia a reciclagem e a recolocação da mão de obra dispensada no processo de upgrading industrial. Aceita-se amplamente que tal estratégia contribuiu para o sucesso do desenvolvimento industrial sueco nos primeiros anos do pós-guerra.

A estratégia sueca de upgrading industrial no pós-guerra, baseada na combinação da barganha salarial solidária com a política de mercado de trabalho ativo, é consideravelmente diferente das adotadas pelos outros países discutidos no texto. Apesar das diferenças, ambas as estratégias se fundamentam num entendimento parecido do verdadeiro funcionamento da economia mundial. Compartilham da certeza de que a guinada rumo à ampliação das atividades de maior valor agregado é decisiva para a prosperidade da nação e de que essa guinada, estando entregue às forças de mercado, pode não ocorrer com os padrões sociais desejáveis.

2.2.6 Outras pequenas economias europeias

A. A Bélgica

Os Países Baixos tinham predomínio da indústria da lã durante o século XV. O setor concentrou-se no que viria a ser a Bélgica. Ainda que o setor tenha entrado em declínio

6

Page 7: 76047247-06-Ha-Joon-Chang-Chutando-a-Escada.pdf

por causa da concorrência britânica, a Bélgica conservou o seu poderio industrial e foi a segunda nação – depois da Grã-Bretanha – a pôr em marcha a Revolução Industrial

No início do século XIX, a Bélgica era uma das regiões mais industrializadas. Deve-se considerar a sua desvantagem em razão do território exíguo e da sua fragilidade política diante da França e da Alemanha. Na época, era o líder tecnológico em certas indústrias, como o lanifício.

Graças à superioridade tecnológica, a Bélgica foi uma das economias menos protegidas durante a maior parte do século XIX e início do XX. Contudo, no período anterior, a Bélgica foi consideravelmente mais protecionista que a Holanda e a Suíça. Nos primeiros três quartos do século XVIII, o governo austríaco, que controlava a região. Protegeu-a fortemente contra os concorrentes e investiu em infraestrutura industrial.

B. A Holanda

A Holanda foi incapaz de traduzir o seu poderio naval e comercial em indústria e em supremacia econômica geral. Isso se deve, em parte, ao fato de ter tido uma grande base comercial mundial. Isso fez com que ela se despreocupasse com a indústria. O governo britânico, por outro lado, aproveitou força semelhante para favorecer o desenvolvimento das indústrias, a exemplo dos vários Navigations Acts que tornavam obrigatório o transporte em navios britânicos dos bens que entravam e saiam do país.

Há várias explicações para o porquê de a Holanda não ter feito o mesmo: salários elevados; escassez de jazidas e carvão e de ferro; declínio do espírito empreendedor; notório consumo, entre outros. Alguns historiadores aleguam que a força da indústria belga sempre representou um obstáculo para o desenvolvimento dos vizinhos. Existe também a ideia de que o relativo declínio da Holanda é decorrência da sua incapacidade de criar as políticas públicas e a instituições necessárias ao desenvolvimento industrial. Tarifas baixas também podem ter dificultado o desenvolvimento da indústria holandesa.

Independentemente do fato de não ter se industrializado na mesma proporção de seus vizinhos, continuou sendo um dos países mais ricos do mundo até o início do século XX graças à sua rede comercial.

O governo do Rei Guilherme I (1815-1840) foi exceção a essa paralisia política. Criou agências para financiamento subsídio à indústria, patrocinava indústrias holandesas, entre outras.

No fim da década de 1840, o país retornou a um regime de laissez-faire, que durou até a Primeira Guerra e, em certa medida, até a Segunda. O texto dá exemplos: 1) A Holanda era uma das economias menos protegidas; 2) Em 1869, revogou a lei de patentes; 3) O governo criou, organizou e financiou deliberadamente uma empresa privada de gerenciamento das ferrovias nacionais para concorrer com as duas já existentes no setor. Na prática, foi a precursora da moderna política industrial ativista pró-concorrência.

Nesse período de laissez-faire extrema, o conjunto da economia holandesa continuou no marasmo, e seu nível de industrialização permaneceu relativamente baixo. A Holanda era o segundo país mais rico em 1820. Em 1913, era o sétimo.

Em grande medida, foi por isso que o fim da Segunda Guerra presenciou a introdução de medidas mais intervencionistas. Praticou-se política industrial ativa. Apoio financeiro, incentivo ao ensino técnico.

C. A Suíça

A Suíça foi um dos primeiro países europeus a se industrializar. A sua Revolução Industrial teria começado 20 anos depois da britânica. Havia pouca (ou nenhuma) defasagem tecnológica ante a nação líder. Assim, a proteção à indústria nascente não chegou a ser muito necessária na Suíça. Ademais, em decorrência da exiguidade do

7

Page 8: 76047247-06-Ha-Joon-Chang-Chutando-a-Escada.pdf

território, teria sido mais custosa do que em países maiores. O sistema político descentralizado também impossibilitou proteção centralizada à indústria nascente.

O livre-comércio era aspecto mais importante da economia desde o século XVI. Contudo, houve protecionismo “natural” contra a Grã-Bretanha fornecido pela intervenção de Napoleão. Resultou em um “respiro” frente aos avanços britânicos. O laissez-faire suíço não significou necessariamente que o governo carecesse de senso estratégico na elaboração políticas. Exemplo é ele ter se negado até 1907 a adotar uma Lei das Patentes, apesar da pressão internacional. Isso contribuiu para o desenvolvimento de diversas indústrias, como a química e a farmacêutica.

2.2.7 O Japão e os Novos Países Industrializados (NPIs) do Extremo Oriente

Desde a abertura, após a pressão dos EUA, era cada vez mais perceptível aos japoneses o atraso relativo do país. Após a Restauração Meiji (1868), o Estado iniciou papel decisivo no desenvolvimento do país.

Nos primeiros estágios de desenvolvimento, o Japão não pôde se valer do protecionismo em decorrências dos acordos desiguais. A autonomia só veio em 1911. O Japão teve de aplicar outros métodos.

À semelhança da Prússia no início do século XIX, na ausência de iniciativas empresariais de setor privado, o Estado japonês criou fábricas estatais modelos (projetos-piloto) em diversos segmentos industriais como o têxtil e o militar. Posteriormente, a maioria delas seria vendida com desconto à iniciativa privada. Contudo, o Estado manteve-se participativo com subsídios e criando a primeira usina de aço moderna (1901).

O Estado também atuou no desenvolvimento de infraestrutura. Ex: construiu a primeira ferrovia em 1881. Ex: a partir de 1869, o governo iniciou a construção da infraestrutura telegráfica.

Há embate entre estudiosos se foi positivo ou não o papel das estatais no desenvolvimento do Japão. O Autor acredita que sim ao mencionar Thomas Smith: “Que realizaram as empresas do governo entre 1686 e 1880? Quantitativamente, pouco: algumas fábricas modernas, algumas minas, um sistema telegráfico, menos de 150 quilômetros de estrada de ferro. No entanto, abriram-se novos e difíceis caminhos: formaram-se administradores e engenheiros, treinou-se uma pequena, mas crescente mão de obra industrial, conquistaram-se novos mercados; e o que talvez seja o mais importante: desenvolveram-se empresas que serviriam de base ao futuro crescimento industrial”.

O Governo também implementou políticas destinadas a facilitar a transferência de tecnologia e instituições estrangeiras avançadas. Houve muita contratação de consultores. A quantidade de consultores reduziu-se ao longo do tempo, à medida que o Japão ia assimilando o conhecimento. O Ministério da Educação, criado em 1871, estima que na virada do século, havia sido atingido quociente de alfabetização de 100%.

O Estado Meiji importou e adaptou as instituições dos países desenvolvidos que lhes pareciam necessárias ao desenvolvimento industrial. Isso gerou uma espécie de “colcha de retalhos institucional”, com influências do direito penal francês, direito comercial e civil alemão, exército ao modelo alemão e marinha com influência britânica.

Com o fim dos acordos desiguais em 1991, o Estado pós-Meiji promoveu reforma tarifária visando proteger a indústria nascente. Percebe-se, uma vez mais, a grande semelhança entre essas políticas e as anteriormente adotadas por outros países quando em fase de desenvolvimento. Em 1913, o Japão já se tornou um dos países mais protecionistas do mundo, ainda que em relação à indústria, o protecionismo continuasse sendo menor que o dos EUA.

Na década de 1920, influenciado pela Alemanha, o Japão passou a incentivar a racionalização das indústrias-chave, sancionando a formação de cartéis e incentivando as

8

Page 9: 76047247-06-Ha-Joon-Chang-Chutando-a-Escada.pdf

fusões com o objetivo de restringir a “concorrência predatória”, obter economias de escala, a padronização e a introdução de gerenciamento científico.

Apesar do desenvolvimentismo da primeira metade do século XX, somente a partir da Segunda Guerra o Japão surpreenderia. Entre 1950-1973, o PIB per capita cresceu 8% ao ano, mais do que os países desenvolvidos analisados. Ex: Alemanha e Áustria tiveram o melhor desempenho (4,9%). O desenvolvimento dos países do Leste Asiático se manteve em 6,2% (Taiwan) e 5,2% (Coreia). Há controvérsias sobre o crescimento do Japão e NPIs do Leste asiático, porém é consenso que o crescimento desses países, com exceção de Hong Kong, deriva basicamente da ativa política industrial, comercial e tecnológica (ICT) do Estado.

A análise da experiência do pós-guerra dos países do Leste Asiático deixa patente a semelhança entre as suas políticas ICT e as anteriormente utilizadas pelos países desenvolvidos. Contudo, esses países não se limitaram a copiar as medidas adotadas pelos países desenvolvidos. As políticas que eles e alguns PDs utilizaram eram mais sofisticadas. Ex: subsídios à exportação mais bem planejados.

Os governos do Leste Asiático também integraram com muito mais firmeza as políticas de capital humano e educação ao arcabouço da política industrial por meio do planejamento da força de trabalho disponível. Empenho em aumentar a qualificação, a educação e o treinamento.

Por último, o autor menciona a existência de argumento de acordo com o qual a crise da Coreia e a prolongada recessão no Japão são decorrência das políticas ICT ativistas. Ele entende que é o argumento é infundado. Entre os motivos: 1) as ICT estiveram inegavelmente por trás do “milagre”; 2) Taiwan também empregou políticas ICT, mas não enfrentou crise financeira ou macroeconômica; 3) Os principais observadores do Japão concordam que a atual crise não pode ser atribuída à política industrial do governo; 4) No caso coreano, grande parte da política industrial vem sendo desmantelada desde 1990, quando começou a se avolumar o déficit que levou à recente crise, de modo que ela não pode ser responsabilizada pela crise.

2.3 A estratégia para passar à frente do líder e a reação dos países em catching-up – a Grã-Bretanha e seus seguidores

Quando um país se adianta aos outros, sente-se estimulado a usar de seu poder político e econômico para se adiantar ainda mais. A Grã- Bretanha (séculos XVIII e XIXI) é exemplo disso, e suas práticas encontram paralelo às práticas atuais de países desenvolvidos em relação aos países em desenvolvimento.

2.3.1 As colônias

A Grã-Bretanha (GB) instituiu políticas que impediam o desenvolvimento de manufaturas nas colônias, principalmente na América do Norte. Isso ocorreu mediante regulamentações comerciais e industriais que limitavam as colônias ao fornecimento de produtos primários à Inglaterra. Desestímulo às manufaturas e reserva de mercado aos produtos ingleses.

Políticas desenvolvidas pela GB:

1) Medidas de incentivo à produção de produtos primários nas colônias;

2) Algumas atividades manufatureiras foram postas fora da lei (proibição de usinas de aço na América do Norte, o que obrigou a colônia a produzir ferro, com menor valor agregado) – essa política poderia ter sido um grande obstáculo à industrialização norte-americana se o país permanecesse como colônia britânica em seus estágios iniciais de desenvolvimento (agrícola e comercial);

3) Proibiram-se as colônias de exportar produtos que concorriam com os britânicos (lei sufocou a indústria manufatureira de lã nas colônias americanas; proibição da importação de têxteis de algodão na Índia);

9

Page 10: 76047247-06-Ha-Joon-Chang-Chutando-a-Escada.pdf

4) As autoridades coloniais foram proibidas de usar tarifas, ou, quando necessárias, estas encontravam os mais diversos obstáculos.

2.3.2 Os países semi-independentes

No século XIX, fora das colônias formais, as tentativas da GB (e de outros países desenvolvidos) de tolher o desenvolvimento da indústria dos países menos desenvolvidos assumiram principalmente a forma de imposição do livre comércio pelos chamados “tratados desiguais” (tetos tarifários e privação de autonomia tarifária).

Observa-se que a adoção de tarifas baixas e uniformes é exatamente o que os livre-cambistas modernos recomendam aos países em desenvolvimento (recomendações do Banco Mundial, por exemplo).

A GB recorreu aos tratados desiguais primeiramente na América Latina, a começar pelo Brasil, em 1810. Além deste, o Tratado de Nanquim (1842) com a China, com o Sião (atual Tailândia), com a Pérsia, com o Império Otomano, com o Japão (que perdeu sua autonomia alfandegária de 1854 a 1911).

Ao forçar a abertura da Coreia em 1876, o Japão reproduziu o comportamento dos países ocidentais (impôs um tratados privativo da autonomia tarifária).

Os grandes países da América Latina lograram reconquistar a autonomia tarifária na década de 1880. A Turquia, só em 1923. A China, em 1929.

O autor cita Amsden, quem mostra que esses países só tiveram oportunidade de iniciar o processo de industrialização quando recuperaram a autonomia tarifária ( e de outras políticas).

2.3.3 As nações concorrentes

Em relação às concorrentes europeias, a GB concentrou-se em impedir a difusão de sua tecnologia. A concorrência europeia recrutava mão de obra qualificada da GB. Em 1719, a GB proibiu a emigração de trabalhadores especializados, sob pena de perda de cidadania e privação de bens e terras na GB. Essa proibição vigorou até 1825.

À medida que os avanços tecnológicos foram se incorporando às máquinas, o governo passou a controlar a exportação destas. Lei de 1750 proibindo exportação de “ferramentas e utensílios”. Leis posteriores ampliam e fortalecem a lei de 1750. Controle de exportação de máquinas, motores, ferramentas, prensas, documentos, utensílios ou implementos, refletindo a crescente mecanização da indústria.

Na Holanda, ocorre o mesmo, tendo o país se conservado aberto ao acesso de estrangeiros à sua tecnologia até o século XVII, depois aprovado leis proibindo a exportação de máquinas e emigração de mão de obra especializada. Essas leis tiveram menos eficácia que na GB.

Diante das medidas adotadas pelas nações adiantadas para impedir a transferência de tecnologia, as menos desenvolvidos lançaram mão de toda sorte de meios “ilegítimos” para ter acesso às tecnologias avançadas. Ocorrência de espionagem industrial na GB empreendida por países como França, Rússia, Suécia, Noruega, Dinamarca, Holanda e Bélgica.

Apesar disso, o catching-up tecnológico não foi fácil. A importação de mão de obra não resolveu o problema, pois esses trabalhadores enfrentavam dificuldades idiomáticas e culturais, além de não ter acesso à mesma infraestrutura presente em seus países de origem.

Tal como no caso dos atuais países em desenvolvimento, a transferência de tecnologia, portanto, era mais efetiva quando contava com o apoio de políticas voltadas para o aumento da “capacidade tecnológica”. Criação de instituições de ensino (escolas técnicas) e de pesquisa. Fundação de “fábricas-modelo” com tecnologia de ponta. Incentivos financeiros para as empresas empregaram tecnologia avançada.

10

Page 11: 76047247-06-Ha-Joon-Chang-Chutando-a-Escada.pdf

Na metade do século XIX, as tecnologias-chave tinham se tornado tão complexas que a importação de mão de obra qualificada e de maquinário já não bastava para se chegar ao domínio de uma tecnologia. Desde então, a transferência ativa, pelo proprietário do conhecimento tecnológico, mediante o licenciamento de patentes, passou a ser importante canal de transferência de tecnologia em algumas indústrias. Emergência de um regime internacional de direitos de propriedade intelectual (DPI). Convenção de Paris sobre patentes, de 1883, por exemplo.

A legislação inicial era deficiente (nos EUA, concediam-se patentes sem a exigência de nenhum prova de originalidade, por exemplo) em comparação aos padrões modernos, a partir do acordo Trips (Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio) da OMC.

Mesmo os países mais desenvolvidos seguiam violando rotineiramente o DPI dos cidadãos estrangeiros em pleno século XX. Os EUA só passaram a reconhecer copyright estrangeiro em 1891.

2.4 Políticas de desenvolvimento industrial: alguns mitos e lições históricos

Ao analisar o papel das políticas industrial, comercial e tecnológica (ICT) no desenvolvimento de alguns países desenvolvidos e seus perfis, o autor conclui que, embora virtualmente todos tenham tomado medidas de promoção da indústria nascente, houve muita diversidade entre eles no tocante à combinação exata de políticas.

Comparando as políticas ICT dos países desenvolvidos de épocas anteriores com as dos atuais países em desenvolvimento, o autor conclui que, tomando em conta a defasagem de produtividade que eles devem superar, esses países são muito menos protecionistas do que foram os países desenvolvidos no passado.

2.4.1 Alguns mitos e fatos históricos acerca das políticas de outrora

A. Quase todos os países bem-sucedidos valeram-se da proteção à indústria nascente e de outras políticas ICT ativistas quando eram economias em catching-up

A proteção tarifária foi componente-chave dessa estratégia em muitos países. O Reino Unido e os Estados Unidos foram os que mais recorreram à proteção tarifária.

As exceções ao padrão histórico (países que se desenvolveram com políticas ICT francamente liberais) são a Suíça, a Holanda e, em menor grau, a Bélgica. A Suíça se beneficiou de uma proteção natural causada pelas Guerras Napoleônicas. A Holanda lançou mão de investimentos nos setores naval e comercial, criou agências de financiamento industrial e promoveu a indústria têxtil de algodão na década de 1830. As tarifas da Bélgica eram baixas, mas o governo austríaco (que a governou durante quase todo o século XVIII) era muito mais protecionista.

Esses países se abstiveram de adotar políticas protecionistas devido à exiguidade de seus territórios e aos custos relativamente elevados de proteção. Mas essa explicação não se satisfaz, já que a Suécia, país igualmente pequeno, recorreu à proteção à indústria nascente com bastante sucesso (final XIX e início XX) no período de seu catching-up na indústria pesada. Um explicação mais plausível era de que Suíça, Holanda e Bélgica eram mais avançados tecnologicamente que países como a Suécia, daí não necessitarem da proteção à indústria nascente.

É difícil provar quais fatores foram a chave para o sucesso desses países. Entretanto, parece ao autor uma coincidência notável que tantos países que se valeram de políticas ICT ativistas tenham se industrializado com sucesso.

B. O mito da GB como economia livre-cambista do laissez-faire

11

Page 12: 76047247-06-Ha-Joon-Chang-Chutando-a-Escada.pdf

A GB foi usuária agressiva e, em certas áreas, pioneira das políticas ICT ativistas, voltadas para o fomento da indústria nascente, até meados do XIX, quanto conquistou clara hegemonia industrial e aderiu ao livre-cambismo.

Políticas protecionistas remontam ao século XIV (Eduardo III) e XV (Henrique VII) no tocante ao comércio de lã. Entre 1721 (reforma da política comercial de Walpole) e a revogação das Corn Laws (1846), a GB implementou exatamente as políticas ICT que o Leste Asiático implementou no pós-2GM (subsídios à exportação e a redução de importo de importação de insumos para a exportação).

C. Os Estados Unidos, a “mãe-pátria e o baluarte do protecionismo moderno”

Os EUA usaram de políticas similares às da GB para arquitetar sua ascensão industrial. Pensadores norte-americanos como Alexander Hamilton e Daniel Raymond argumentaram em prol da proteção à indústria nascente. Friedrich List, o suposto pai intelectual da proteção à indústria nascente, esteve exilado nos EUA, onde entrou em contato com ela.

Entre 1816 e 1945, o país teve uma das taxas tarifárias médias de importação mais elevadas do mundo. Década de 1870, proteção natural devido ao custo dos transportes. Durante o catching-up industrial, as indústrias norte-americanas foram as mais protegidas do mundo.

A economia do país não teria chegado onde se encontra hoje se não houvesse contado com uma forte proteção tarifária, pelo menos a certas indústrias-chave nascentes. Destaca-se também o papel do Estado no desenvolvimento infraestrutural e no apoio à P&D.

D. O mito da França dirigista em oposição ao laissez-faire britânico

A ideologia libertária da Revolução Francesa suprimiu as políticas de promoção comercial anteriormente existentes. Entre 1820 e 1860, o grau de protecionismo francês era inferior ao britânico. Período do laissez-faire na França ficou associado à relativa estagnação industrial e tecnológica do país. Isso prova a validade do argumento da indústria nascente. Estratégia intervencionista depois da 2GM acarretou sucesso industrial.

E. O uso limitado da proteção ao comércio na Alemanha

Embora seja frequentemente identificada como o berço da proteção à indústria nascente, a verdade é que a Alemanha nunca recorreu extensivamente à proteção tarifária. Fomentou-se a indústria nascente não por tarifas, mas por investimentos do Estado, parcerias público-privadas e vários subsídios.

F. A Suécia nem sempre foi a “pequena economia aberta” que mais tarde veio a representar

A proteção tarifária sueca no período de catching-up não foi extensiva, apesar do atraso econômico do país. Entretanto, o Estado sueco usou estrategicamente a proteção tarifária: para promover a indústria têxtil no início do XIX e para dar apoio às indústrias mecânica e elétrica no fim do mesmo século. (Estratégia do Leste Asiático no final do XX e da GB no XVIII). Ênfase dada à educação, à formação técnica e à pesquisa (similar à do Leste Asiático). Utilização de parcerias público-privadas no desenvolvimento de infraestrutura.

G. O ativismo do Estado na formação do Japão moderno foi limitado por restrições externas

12

Page 13: 76047247-06-Ha-Joon-Chang-Chutando-a-Escada.pdf

O desenvolvimento industrial japonês iniciou-se sem que o país pudesse lançar mão de proteção tarifária (acordos desiguais). O governo japonês, então, encontrou outros meios de promover a indústria: abriu fábricas-modelo nos setores-chave, subsidiou segmentos importantes e investiu em infraestrutura e educação.

No início do XX, com o fim dos acordos desiguais, o Japão teve condições de estabelecer uma estratégia mais abrangente de desenvolvimento industrial (com proteção tarifária).

H. “A raposa transformada em guardiã do galinheiro”: as políticas mudam com o desenvolvimento

Um aspecto importante é o fato de os países desenvolvidos terem mudado de postura, em suas políticas, de acordo com a posição relativa que passaram a ocupar na luta competitiva internacional. Em parte, isso significa “chutar a escada” deliberadamente, mas também parece decorrer da natural tendência humana a reinterpretar o passado pelo ponto de vista do presente.

“Quando estavam em situação de catching-up, os países desenvolvidos protegiam a indústria nascente, cooptavam mão de obra especializada e contrabandeavam máquinas dos países mais desenvolvidos, envolviam-se em espionagem industrial e violavam obstinadamente as patentes e marcas. Entretanto, mal ingressaram no clube dos mais desenvolvidos, puseram-se a advogar o livre-comércio e a proibir a circulação de trabalhadores qualificados e de tecnologia; também se tornaram grandes protetores das patentes e marcas registradas. Assim, parece que as raposas têm se transformado em guardiãs do galinheiro com perturbadora regularidade”.

Países como a Alemanha e os EUA se irritavam com a GB no século XIX, pois consideram hipocrisia a sua pregação do livre-cambismo, visto que no século XVIII a Inglaterra foi o país que mais recorreu à proteção à indústria nascente. O mesmo sentimento se manifesta hoje, quando os representante norte-americanos nas negociações comerciais se põem a pregar as virtudes do livre comércio aos países em desenvolvidos, ou quando a indústria farmacêutica suíça defende os direitos de propriedade intelectual.

2.4.2 “Não só tarifas”: diversos modelos de promoção da indústria nascente

A proteção à indústria nascente não garante automaticamente o sucesso econômico, mas há um padrão histórico que se estende da GB no século XVIII à Coreia no fim do XX, pelo qual se chegou ao desenvolvimento econômico bem-sucedido por meio de medidas de proteção à indústria nascente.

A proteção tarifária não foi o único instrumento político usado para a promoção da indústria nascente. Outros recursos usados foram os subsídios à exportação, a redução das tarifas dos insumos usados para a exportação, a concessão do direito de monopólio, os acordos de cartelização, os créditos diretos, o planejamento de investimentos, o planejamento de recursos humanos, o apoio à P&D e a promoção de instituições que viabilizassem a parceria público-privada.

Embora haja alguns padrões históricos notáveis nesses países, há uma diversidade considerável na combinação exata dos instrumentos políticos empregados na promoção industrial. Não há um modelo de desenvolvimento “tamanho único” – apenas amplos princípios orientadores e vários exemplos que servem de lição.

2.4.3 Comparação com os atuais países em desenvolvimento

Alguns argumentam que o nível de proteção tarifária adotado pelos países desenvolvidos em seus períodos de catching-up era menor que o atual, empregado pelos países em desenvolvimento. Porém, a defasagem de produtividade entre os países em desenvolvimento e os desenvolvidos é muito maior do que a existente antigamente. Daí a

13

Page 14: 76047247-06-Ha-Joon-Chang-Chutando-a-Escada.pdf

necessidade de impor tarifas mais altas que as aplicadas no passado. Outros instrumentos de promoção industrial foram banidos pela OMC, como os subsídios à exportação.

Diante da defasagem de produtividade, os níveis de proteção relativamente elevados, que prevaleceram nos países em desenvolvimento até a década de 1980, nada têm de excessivos a julgas pelos padrões históricos dos países desenvolvidos. E com os níveis substancialmente inferiores que passaram a prevalecer depois de duas décadas de extensiva liberalização do comércio nesses países, pode-se ainda dizer que os atuais países em desenvolvimento são, deveras, menos protecionistas do que eram os países desenvolvidos.

14