7 contos - o casto

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Pela portaria nem tudo passa Duas bombas caíram perto da brigada de incêndio. Eu não soube o que fazer. Não era do exercito, nem mesmo era um patriota. Meu sentimento era o de vingança. Mas por que, por quem? Eu era apenas um porteiro que passava a maior parte do tempo assistindo TV. Meu silêncio era minha única resposta pra quando os moradores daquele prédio de oito andares viessem resenhar sobre política, sobre a guerra ou sobre a bomba que estourou perto daqui. Pouco me importava a economia, se meu salário era o bastante pra chegar ao final do mês. Um sorvete de marca duvidosa todo fim de semana, um filme na TV a cabo e uma cerveja importada por mês. Se nossa grana desse conta disso, estava tudo bem. Recebi a visita de alguns parentes neste final de semana. Foram embora antes do estouro. Eles são bem velhinhos, mas senti necessidade de agradecer no Facebook, mesmo sabendo que nenhum dele tem conta por lá. Assegurei-me disso tentando marcá-los no post, sem sucesso. Estava online quando ouvi o estouro. O final de semana foi agitado, me perguntei porque olhava as pernas da filha do prefeito no meio da madrugada. Já passavam das duas da manha. Não houve resposta. Só eu converso com a minha outra parte? Todos temos duas respostas pra tudo? Não sei. Ao acordar, com mais sono do que nunca, percebi que ainda estava na portaria. Meu sono não me deixava. Talvez tivesse algum problema, talvez tivesse alguma doença relacionada com o sono. Um barulho durante a noite é tão eficaz quanto um abaixo assinado online querendo tirar um político do poder. Não tem efeito nenhum. Era incrível algo acontecer comigo, talvez eu fosse abençoado. Meus dias eram iguais. Acordava cedo, fazia o café – o mais forte que podia -, lia o jornal, lembrava dos shows de punk rock que frequentava na adolescência. Pegava o carro e ia para o trabalho. As próximas oito horas, de tão semelhantes a maioria do mundo, não eram preciso descrever. Sentado naquela confortável cadeira em frente ao monitor de 14 polegadas, percebi que a vida era um grande dilema e que quanto mais pensávamos, mais éramos subtraídos por ela. Reencontrei uma menina bonita que conheci uns anos antes do relato desta

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Contos do blog O Casto (ocasto.blogspot.com.br), do escritor Wolfgang Pistori.

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Pela portaria nem tudo passa

Duas bombas caram perto da brigada de incndio. Eu no soube o que fazer. No era do exercito, nem mesmo era um patriota. Meu sentimento era o de vingana. Mas por que, por quem? Eu era apenas um porteiro que passava a maior parte do tempo assistindo TV. Meu silncio era minha nica resposta pra quando os moradores daquele prdio de oito andares viessem resenhar sobre poltica, sobre a guerra ou sobre a bomba que estourou perto daqui. Pouco me importava a economia, se meu salrio era o bastante pra chegar ao final do ms. Um sorvete de marca duvidosa todo fim de semana, um filme na TV a cabo e uma cerveja importada por ms. Se nossa grana desse conta disso, estava tudo bem.

Recebi a visita de alguns parentes neste final de semana. Foram embora antes do estouro. Eles so bem velhinhos, mas senti necessidade de agradecer no Facebook, mesmo sabendo que nenhum dele tem conta por l. Assegurei-me disso tentando marc-los no post, sem sucesso. Estava online quando ouvi o estouro. O final de semana foi agitado, me perguntei porque olhava as pernas da filha do prefeito no meio da madrugada. J passavam das duas da manha. No houve resposta. S eu converso com a minha outra parte? Todos temos duas respostas pra tudo? No sei.

Ao acordar, com mais sono do que nunca, percebi que ainda estava na portaria. Meu sono no me deixava. Talvez tivesse algum problema, talvez tivesse alguma doena relacionada com o sono. Um barulho durante a noite to eficaz quanto um abaixo assinado online querendo tirar um poltico do poder. No tem efeito nenhum.

Era incrvel algo acontecer comigo, talvez eu fosse abenoado. Meus dias eram iguais. Acordava cedo, fazia o caf o mais forte que podia -, lia o jornal, lembrava dos shows de punk rock que frequentava na adolescncia. Pegava o carro e ia para o trabalho. As prximas oito horas, de to semelhantes a maioria do mundo, no eram preciso descrever. Sentado naquela confortvel cadeira em frente ao monitor de 14 polegadas, percebi que a vida era um grande dilema e que quanto mais pensvamos, mais ramos subtrados por ela. Reencontrei uma menina bonita que conheci uns anos antes do relato desta histria. Lembro que um grande amigo que no est mais no mesmo status em relao a mim era muito a fim dela. Nada aconteceu entre os dois at que ns saibamos. Mas hoje em dia ela aparece namorando meu grande scio.

Ah, esqueci de comentar sobre uma loja de bugigangas que abri no Centro da cidade em parceria com um grande amigo meu. Mas a cerveja congelada nos faz beb-la rpida demais pra entrar em detalhes. De outro ponto de vista, possvel dizer que poucas so as pessoas interessadas na vida de um porteiro.

Voltarei sempre a minha TV e no quero saber do resto das coisas. Se o elevador quebrar, chamarei o tcnico, mas no me pea pra tentar viver o que vivi l atrs. Nossa vida escrita conforme o roteiro pede. Vivemos, existimos e depois sobrevivemos. A trilha sonora muda, as cenas mudam, mas somos sempre os mesmos. Tente se fingir de mais vivo que nos encontramos por a, sem saber se estamos mortos.

Voc por acaso o morador do apartamento 71?Batom era artigo do passado em 1989

Atriz, modelo e, por fim, apresentadora de programa de baladas. Este um relato real de uma feminista sem pelos no sovaco. Meu direito a voto o mesmo de qualquer um. Me chamo ris e posso dizer bem o que se passa aqui. A histria a seguinte.

Cresci entre marmanjos. Perdi minha virgindade aos 14 e j deitei com mulheres e travestis. No plural. Sempre fui uma curiosa quando o assunto sexo. Sempre fui fantica quando o assunto vinho, cerveja e pinga. Esta em menor grau.

O relato aqui at poderia ser compilado em um livro daquelas publicaes de comportamento. Mas acho que ningum ouvir minha histria. Mesmo assim, aproveito a paixo pelo teclado contorcido depois da sexta cerveja para concretizar: sou uma vtima do sistema.

Meu maior medo era sair da escola e ter que chupar o pau de algum filho da puta por um emprego que eu no queria. Sou de famlia tradicional e o vcio nem sempre bem visto, a no ser quando em relao ao trabalho. Conhecia ao menos meia dzia de viciados no trabalho, sem vida social. Sem outros vcios. Me formei em design aos 22 anos. Essa outra histria.

Antes disso, descobri que era possvel conseguir um bom trabalho sem chupar o pau de ningum. Tinha um salrio at melhor que o de muitos amigos. Homens. Mas conhecia muitas feministas que diziam o contrrio. Era verdade mesmo, a maioria das mulheres recebia menos do que os homens em cargos semelhantes. Um pau a menos de salrio. As feministas do bairro insistiam em fazer chegar uma mensagem a outras feministas que moravam perto de um tal poeta, um tal de Bukowski, para que esse parasse de publicar suas machezas.

Eu tentava alertar que o fanfarro j estava morto h uns vinte anos. Mas de nada adiantava. O afinco nelas crescia bem mais rapidamente que os cabelos em baixo dos braos. Sei l, conversando com o Celso, um amigo de longa data, cheguei concluso de que essas barreiras fsicas e estticas eram um retrocesso. Sem ter com que falar, fui at as mdias sociais expressar minha indignao em relao aos peitos de fora que um dia resolvi seguir. Na tarde de outubro h dois anos deste relato, eu saia com meus pequenos peitos de fora. Estava frio, ento a impresso era a de que eu estava excitada. No estava.

Morava em uma boa casa em um bom bairro. Tinha um bom carro. Gostava de estar no meio de quem tinha uma causa e geralmente quem tinha uma causa no morava em boas casas em bons bairros. Seja pela cor, pelo salrio, pela vida. Eu gostava dos excludos. Comecei a namorar um. Jorge era um cara duro. Apesar do pinto pequeno, brigava bem e pendia para o socialismo. Fomos a algumas manifestaes juntos. Era a busca pela queda do sistema. No importava o nome que cairia a partir do nosso ato. O importante era mudar o pas. Fizemos sexo por trs horas seguidas quando Collor caiu. Eu pensei em me casar com ele. Mas desisti quando soube que ele no depilava os pelos do saco.

Depois do rompimento revolucionrio engordei uns vinte quilos. Bebendo e comendo tudo o que via. Resolvi entrar numa academia. Paguei um ano vista para tentar no desistir. Meu pai pagou apenas 11 meses. Eu tinha que ter noo de quanto ele gastava. Pintei meus cabelos de loiro e meus olhos azuis ficaram mais cheios que a minha barriga flcida e pronta pra cair no primeiro louco que aparecesse. Mas eu ainda tinha meu charme. Queria ser da zona Norte. Mas a zona Sul era minha cama. Meu sol e minha lua no conversavam muito bem. Na famlia, eu era a rebelde sem causa. Do outro lado da cidade, a pati engajada. O mundo muito mais complicado que qualquer Lego. No fcil se encaixar.

Um ano depois, descobri que gostava mesmo era da forma das coisas, o crculo de fogo inconstante na verdade era um conjunto de formas que ningum via. Eu via. E o mais prximo de aproveitar essa quente habilidade era fazer design. Poderia bolar campanhas e lugares para gritar ao mundo que eu tinha alguma coisa pra mudar. O mundo precisa saber. E fiz. Me tornei uma das designers mais conceituadas do interior do pas. Foi rpido trocar o carro que ganhei aos 18, de 1.0 pra uma SUV. Eu era importante.

Meu pai resolveu parar de me ajudar. Eu fui procurar a ajuda de quem eu ajudei antes. Mas no achei mais ningum ali. Todos eram personagens reais de Central do Brasil. como se eu tivesse alguma coisa a ver com a Fernanda Montenegro. Minha letra talvez fosse mais feia. Todos se foram pra bem longe e eu fiquei ali perdida naquela imensa rodoviria.

Com o meu trabalho, conheci secretrios, deputados e prefeitos. Minha vida parecia ir ao caminho natural. Minhas contestaes pelos oprimidos finalmente seriam ouvidas. Comprei um megafone e um pandeiro. Era hora de organizar outra manifestao. E meus sapatos eram essenciais pra isso. Mas reunies atrs de reunies me impediram por meses de gritar.

Resolvi entrar em uma empresa sem fins lucrativos. Ia dormir melhor sabendo disso. E meu sono era valioso. Precedia uma srie de iniciativas que visavam manter a paz entre os mais necessitados. Eu ajudei doentes, negros, moradores de rua, mulheres e idosos. Fiz de tudo para ser algum do outro lado da cidade, alm da minha piscina olmpica.

Filiei-me ao partido que achei que defenderia a causa dos menos necessitados. Resolvi pintar a cara. Meus sobrinhos haviam passado na USP. Um tio colecionava expulses da USP e UNESP no passado. Os comunicados de expulso viraram quadro e paravam na parede de casa. Meu pai achava aquilo uma vergonha.

Hoje, escrevo da Inglaterra para dizer que os direitos aqui so mais respeitados. As ruas so mais limpas. Meu carro sempre est limpo. Minha barba no foi aceita, mas isso o de menos, sou mulher e preciso de algum lugar pra viver. Aqui as coisas so meio chatas. Estou pensando em voltar.

Fiquei feliz em saber que no precisaria comprar mais selos. Conseguiria mandar meus trabalhos pelo e-mail. E assim que escrevo esse texto, buscando o conhecimento que o povo ignorou quando aquele et apareceu na TV pra nos alertar da ignorncia que tomava conta do mundo.

Coloquei silicone e sa para mais uma manifestao na semana passada. Um agente me procurou e disse que queria modelos. Era um desfile pela causa operria. Aceitei. No antes de ensaiar uma pea pra ser exibida em praa pblica. Tudo pela causa. A causa, inclusive, deve estar na mente perturbada da juventude que s pensa em balada. Um convite para apresentar um programa veio logo. Topei na hora e hoje no durmo noite. Sou uma ativista do psy-trance-sertanejo-rock-funk-pagode-forr. Agora preciso me preparar. Hoje tem entrevista com o Michel Tel. Tudo pela causa.

Histria Moderna da Amizade

Desde os primeiros anos do ensino fundamental, Klauss e Fred compartilhavam descobertas musicais, sonhos e mulheres. No levavam a vida srio. Como todo mundo, os dois mudavam bastante. Os anos de escola e a falta do que se preocupar faziam com que as mudanas fossem imperceptveis para os dois. As preocupaes e necessidades acabam com qualquer possibilidade de pureza. Do primeiro fio de barba s grias sazonais, apenas quem estava mais distante e os via uma ou duas vezes ao ano podia perceber algo de diferente ali.

Klauss sempre fora apaixonado pelas lutas de boxe. Acompanhava o grande campeo Phillipe Doc desde quando ainda era amador. Que fora! Que preciso!, costumava lembrar sempre que o assunto caia sobre o campeo mundial dos pesos mdios. De vez em quando arrumava alguma briga na rua para ter seus momentos de pugilista. Mas sempre precisava contar com a ajuda do amigo mais prximo pra no ser morto na luta. Uma vez levou uma facada no brao e percebeu que o ringue era um lugar distante da rua.

Fred no gostava muito de esportes. Apesar de ter algum talento no futebol, no praticava e os hbitos nada saudveis o deixavam cada vez mais distante da quadra ou do campo. A qualidade do vinho era mais importante do que qualquer competio sem sentido.

Os dois conviviam bem com essas pequenas diferenas. Enquanto Klauss se embebedava praticamente todos os dias com vinhos e cervejas vagabundos, Fred comprava algumas bebidas importadas e apreciava ao som de msica clssica. Os dois comeavam a entrar no mundo da msica erudita. Em uma conversa de bar, Klauss e Fred chegaram concluso de que msica clssica era uma verso mais madura dos clssicos do rock. E levavam isso a srio. Klauss tinha a coleo de Mozart e Beethoven que achara em promoo em um sebo. Fred assinava jornais e revistas sempre que esses vinham acompanhados de compactos dos grandes compositores romnticos, modernos e contemporneos.

Ao leitor mais atento, os detalhes deixam claro quem era mais abastado financeiramente. Fred costumava ajudar o amigo nas baladas mais caras. A transio das bebedeiras das praas a locais onde proibido entrar com bermuda no to fcil quanto parece.

13 anos de amizade marcaram tambm a cerimnia de formatura do Ensino Mdio. Naquele intervalo de tempo, rvores haviam morrido pela cidade, a gua e os outros bens de consumo haviam encarecido e outras rvores tambm surgiram sem a capacidade de amenizar o calor abusivo. Um ou dois colegas de escola haviam morrido: um por cncer, outro num acidente de carro. Os dias que sucederam as duas mortes foram de muita reflexo sobre a vida: cair no clich de viver intensamente inevitvel quando a morte passa perto. Outros preferem se apegar religio. Todos acabam tendo a certeza do que fazer bbados e geralmente acabam mudando de ideia durante a ressaca do dia seguinte. Alguns fracos deixam de beber a. No era o caso dos dois amigos.

Um gostava da sensao que a bebida lhe causava. Outro, do sabor do lcool e suas vrias formas. Complemento um ao outro, como cerveja e vinho.

No dia seguinte formatura, levaram duas mulheres que encontraram num bar agitado da cidade para o motel. Fred pagou os quartos. E as mulheres. Era seu presente de formatura ao melhor amigo. Inconscientemente, Fred sabia que aquilo no era um investimento. Provavelmente no teria nada de volta. Afinal, aquele escritor de autoajuda estava certo: amizade no querer nada em troca.

Cada um em seu quarto. O sexo do quarto 9 era semelhante ao 11. No 9, Fred metia na morena peituda que, de quatro, fingia sentir alguma coisa. No 11, Klauss avanava no mesmo ritmo do amigo sobre a loira deitada de costas, deixando a bunda lisa e deliciosa escondida. Ambos no demorariam mais de 20 minutos para gozar. E o pagamento era por gozada.

Um ms depois, Fred recebeu a notcia da aprovao em uma faculdade pblica da capital. Promoveram outra bebedeira na casa de Fred e chamaram algumas pessoas da escola, aquelas mais prximas. Beberam at o primeiro vomitar. A poucas meninas ali se assustaram e foram embora antes de qualquer um ficar bbado.

Ajoelhado diante da loua branca, vendo pedaos de carne sarem como jato de sua boca rumo gua rasa da privada, Klauss notou uns pedaos maiores de po fugindo do destino e indo ao cho como se quisessem alertar algum para o cuidado em mastigar bem a comida. Uma ou duas coisas se passavam na cabea de Klauss: o vmito o deixaria melhor e beberia mais um pouco. A vida mudaria depois daquela noite.

O segundo pensamento, vago, tambm passava pela cabea do outro bbado sobrevivente da noite. O outro pensamento era de que Klauss nunca foi preo pra ele na bebida. Klauss estava certo. Bebeu mais uma garrafa de vinho e uma meia duzia de latas de cerveja. Parou quando Fred caiu no cho e dormiu.

Passada a ressaca, Fred encarou uma viagem de nibus at o destino, quase 700 quilmetros longe dali. 10 horas de viagem, alguns goles de whiskey e muita msica acompanhariam o nosso jovem at seu destino: a matemtica e as inmeras festas com bebida e estudantes vontade.

Klauss conseguiu um bom emprego duas semanas depois. Tornou-se aquilo que sempre teve medo. Trabalhava oito horas por dia, seis vezes por semana e se embebedava aos sbados, nos domingos curtia a ressaca. Os tempos de crise no permitiram a ele seguir seu sonho de ser um grande escritor. Como os imortais conseguiram?

No incio, Fred ligava sempre para contar sobre as transas, as ressacas e a vida na capital. Mas depois de algum tempo, os dois deixaram de se falar. E cada um seguiu seu rumo.

Klauss se casou, teve um filho. Fred formou-se em matemtica e foi fazer ps-graduao fora do pas. Solteiro, comeou a contabilizar o nmero de jovens virgens que conseguia levar pra cama. J atingia os dois dgitos. Ambos continuam com o mesmo hbito em relao bebida: um gosta da sensao e outro do sabor.

Hoje, dez anos depois, ambos se encontraram no Facebook. Combinaram uma cervejinha, mas deixaram os detalhes de hora, dia e lugar pra depois. Phillipe Doc j tinha se aposentado e no chegou a quebrar as marcas do maior de todos os tempos. Klauss pensou nisso e teve preguia do passado. Fred se esqueceu de muita coisa.

Da ltima vez que parei pra observ-los, percebi que continuam amigos no Facebook. E de vez em quando, curtem a foto um do outro, numa atitude de respeito ao passado.

Um banco de praa ou um ponto de interrogao

Toneladas de lixo eram jogadas pela cidade. Mas aquele terreno parecia ser o com maior capacidade de se manter bonito por ali. Mesmo com notas apagadas de pagamento de carto de crdito, restos de comidas que logo eram resgatadas pelos cachorros andarilhos do bairro, mveis velhos, abandonados, especialmente sofs rasgados, roupas que um dia sentaram-se mesa em busca de suprir a fome. Dificilmente comia-se para acabar com a fome. Dificilmente comprava-se por necessidade. E o lixo fazia daquele terreno sua casa com a mesma suavidade do voo dos urubus que despertavam a curiosidade da crianada: onde dormiam aqueles bichos pretos capazes de darem rasantes interminveis apenas para sentir o cheiro do que lhes parecia necessrio? Mas apenas parecia e isso os deixava bem prximos dos homens, mulheres e crianas que povoavam a cidade.

O banco da praa que ocupava o quarteiro em frente ao terreno protagonista aqui via tudo. O cimento havia tido vida em outras vidas. A experincia e o conhecimento daquele banco que hoje apresenta apenas algumas pichaes sem sentido e a logo desbotada de uma casa de tintas do bairro era resultado de centenas de bbados, maconheiros, senhoras religiosas e casais em incndio. De suas bundas depositadas naquele cimento spero. Pela bunda que o banco absorvia grande parte daquela merda toda.

Uma folha de caderno rasgada, com desenhos de corao, espalhadas pelo vento naquele terreno de 20 metros quadrados e mato na altura do joelho, j tinha sido molhada pelas lgrimas de uma bela jovem que fez seu ltimo ato de amor sentada ao banco. O banco sabia que naquele corao de 17 anos sob um peito quente, mdio e delicioso, cabelos castanhos claros na altura do ombro, o amor em sua forma mais original e inocente jamais voltaria a existir. A gente ama uma vez s, pensou o banco ao descobrir que o primeiro e nico amor daquela donzela a havia deixado por outra sabe l se melhor ou pior do que ela. O mundo era melhor que ela. Pra ela. O banco achava o contrrio. O terreno no sabia o que dizer tentando juntar as dezenas de migalhas de papel com letras cortadas e corao aos pedaos.

O pedao de vidro jogado quase na esquina era perigoso para os meninos que corriam atrs de pipa por ali. Um ou outro j havia sido atingido pelos cacos mas s percebera depois do desfecho da pipa em queda. Se aquele pedao de seda com pequenas varas de madeira fosse dele, o menino jamais perceberia que sangrava o p antes de voltar pra casa. As coisas so mesmo relativas. Enquanto o sangue marcava o cho, o cu era marcado por um pedao de papel colorido caindo suavemente, quase to quanto o urubu. A harmonia, mesmo com aquelas toneladas de lixo jogadas por a, era quase que imbatvel. Apenas de vez em quando uma chuva mais forte caia e deixava tudo meio molhado, inclusive o banco. Mas era preciso dar sentido ao Sol, ele trazia o calor que o frio tratava de deixar importante.

A missa acabava todos os dias depois das badaladas do sino. O banco sabia que teria alguns pares de bunda sobre sua base. Seus sentidos eram aguados como o de um cachorro que perde o dono e vai todos os dias ao tmulo apenas para ter certeza. Naquele domingo de missa, um casal bem velho deu algum sentido ao lixo.

Com dois picols mo, o velho, na casa dos 70, de boina e bengala, camisa social de mangas curtas branca e uma cala bege macia, tinha os olhos brilhantes ao olhar para a velha. Ela, com um pano rosa sobre os ombros apesar do tempo agradvel, j no aparentava a beleza que certamente viveu ali at algumas dcadas atrs. Sua saia at os joelhos deixavam claro a rigidez daquelas pernas em outros tempos. Seus peitos ainda decentes graas natureza e ao fato de serem pequenos mal se faziam presentes sob a blusa lils to macia quanto as calas do velho. Era um casal de primeira viagem, uma longa viagem. Algumas vezes, estiveram ali sentados sozinhos. Uma vez ele falou sozinho (o banco at hoje acha que foi com ele) que largaria tudo pra rodar o mundo sozinho, como Jack Kerouac, mas ele no era dos melhores escritores, talvez justamente pelas viagens em excesso. O velho desistia sempre da ideia. Um homem que no sabe qual a praa mais segura pra se beber est perdido. Outras vezes, a velha que sentara ali na dvida do desejo de se entregar a outro cavalheiro que lhe oferecia o cu e o inferno. Mesmo parecendo atrativa, a ideia era sempre deixada de lado pela velha. O papel e os cabos dos picols inevitavelmente iriam para o terreno.

O banco era na verdade um grande ponto de interrogao no qual as pessoas se ancoravam em busca de uma borracha capaz de fazer aquela curva superior do sinal grfico sumir. Restando apenas um ponto final. s vezes a inteno era transform-lo em reticncias, em sombra de uma vrgula mal escrita. A maioria saia dali com mais dvidas e com a certeza de fazer algo que se arrependeria depois. E depois do arrependimento voltariam ao banco depois de sujar ainda mais o terreno em frente, e culpar o banco pelas consequncias quase sempre mortais. A gente morre todo dia, pensava o banco ao ser chutado e uma pedrinha de milmetros cair no cho, deixando pra sempre de fazer parte daquele mundo.

Os dois velhos eram aquilo que a menina de 17 anos, que nunca mais rasgar papel s lgrimas, gostaria de ser. Eram a essncia de uma vida simples, sem grandes complicaes. Pra que se importar em ser manchete na TV quando o mais prximo que podemos chegar do paraso um sorriso espontneo sem motivos, um abrao sem preocupao? O banco morreu um pouquinho quando viu o senhor com os olhos midos, sem a bengala, olhando no nada, vendo algum invisvel. O banco sabia que a velha companheira daquele mortal faria companhia para outros passageiros.

Afinal, qual era o gosto daquele vinho que fazia dos homens mais fortes, mais sbios, menos dependentes do mundo e do lixo que comeava a tomar conta dele? J sentira o gosto daquele lquido escuro, no foi apenas um gole ou um litro entornado em cima do banco, longe de alguma boca sonolenta. O gosto era bom. O banco precisava de algo mais. Aos poucos foi virando um grande ponto de interrogao. Mas o mundo no suporta viver com pontos de interrogao.

Garrafo

amos jogar em outra cidade. Eu era o mais novato no time de basquete e o mais baixo tambm. Reserva claro. Mas tinha um bom arremesso e, o mais raro, raa. Era reserva. Jogava sempre por alguns minutos apenas para no parecer que havia sado de casa a toa. Apesar de tudo, tinha bons joelhos. Sade de ferro. Nosso time ia bem na competio. Disputvamos o segundo lugar com outra equipe amadora. A nossa, nem disso podia ser chamada. amos jogar em outra cidade e era domingo.

Estava um pouco acima do peso. Meus dias no esporte estavam contados. Preferia o bar quadra. Mas muitos so assim. Viajamos aqueles 2 quilmetros com bastante cerveja no carro. Os tempos lembravam os anos de Lei Seca, ento bebamos com cuidado pela estrada. Mas bebamos com gosto. Naquela poca, ramos todos bons para a prtica de entornar. E eu sempre fui um dos melhores nisso. Os fardos de cerveja gelada secaram pouco antes de chegarmos ao limite urbano daquela cidade. Pequena cidade.

Nas cidades menores, os bares so maioria, mas preferamos disfarar e comprar a bebida em padarias ou pequenos mercados. Era quase impossvel. Era domingo. Meu sono aumentava quando parava de beber. Precisava estar pronto caso o tcnico resolvesse me colocar alguns poucos minutos como sempre fazia. E sabia que isso iria voltar a acontecer naquele domingo de sol.

Jogaramos com uniformes emprestados naquele dia. De um verde com cheiro de suor, como se no tivesse sido lavado antes da ltima partida, como se apenas uma gua sem cloro tivesse atravessado aquele leve pano nos ltimos meses, no ltimo ano. Mas tnhamos que jogar e no tnhamos opes. Todos ficaram com a mesma impresso que eu, mas a chance de ser chamado de viadinho fez de todos ns mudos, calados para o fedor daquela roupa verde. Minha cor favorita era o vermelho e o adversrio daquele dia jogaria de branco.

O ginsio daquele dia era bem superior aos que costumvamos jogar naquele tempo. Eu tinha treinado por um bom tempo em uma quadra de cimento sem marcaes perto de casa, sob o sol ardente, sem o filtro de uma cmera ou de um teto qualquer. Naquele tempo, eu precisava emagrecer para conseguir alguma coisa. E disputava bastante coisa naquele tempo. Iniciava um flerte, uma aventura no futebol amador da cidade e precisava entrar no time de basquete. Gostava de esportes, meu sonho de ser profissional em algo do tipo nunca me deixou e isso me fazia pensar que de fato no havia crescido o suficiente para ser um adulto responsvel.

O jogo era ameaador. A equipe adversria era a lder do torneio, com jogadores em potencial para serem profissionais. E ns, apenas alguns bebuns sem controle querendo competir. Ganhar era detalhe para a maioria de ns. Tnhamos alguns bons jogadores. Mailon era o melhor. Alto, com boa tcnica. Tinha bom arremesso de trs pontos e sua infiltrao no garrafo era melhor ainda. Carregava o time nas costas na maioria das partidas. Sabamos que sem ele no teramos time. No seramos ningum. No beberamos em pequenas cidades com mais ou menos duzentos quilmetros de distncia. Tnhamos outros dois ou trs bons valores. ramos felizes acima de tudo.

A grana ia curta. Pensava nisso durante o primeiro quarto de jogo. J levvamos uma surra de 22 a 8. 14 pontos no basquete podem at no ser muito, mas naquele dia era. Era o bastante pra desligar todo o restante do time com exceo dos cinco que estavam em quadra, talvez um ou outro que estava em quadra tambm no estivesse ali de fato. Pensava no que faria no dia seguinte pra tentar levantar uma grana. Com amigos no podamos contar. S mais tarde descobriria que no tinha amigos. Essa outra estria. A daquele dia se resume em quatro quartos de dez minutos e uma surra dentro de quadra. Joguei mais do que o costume. Dois motivos me fizeram ficar quase vinte minutos em jogo: a distrao do treinador que tambm devia estar pensando nas contas a pagar e o fato de tudo j estar perdido antes da metade do jogo. No me lembro do placar final, mas me lembro que samos todos daquele ginsio sem palavras para qualquer assunto relacionado ao basquete. Fiz um ponto em um lance livre seguido de outro errado. Beberamos pela derrota, estvamos putos uns com os outros, gostvamos de ganhar. Quem no gosta?

Voltamos os duzentos quilmetros mais calados, pensando em algo parecido. Sabia disso pela profundidade dos olhos de cada um. ramos passageiros do mesmo trem, da mesma vida. Ningum ali seria profissional de nada que sonhou um dia na infncia. Entravamos na vida adulta com a certeza de que o mximo que conseguiramos era a gerncia de um supermercado, trabalhando aos finais de semana para conseguir comprar a fralda do beb. Ao final da vida, talvez consegussemos comprar uma casa ou um apartamento. A sensao de que olharamos tudo que construmos em vida l de cima ou de outro lugar me dava uma boa sensao. Bem melhor do que marcar o nmero 23 de branco naquele dia.

As ruas desertas num domingo a noite do a falsa impresso de liberdade, de que se est vencendo a batalha com a vida imposta. Se eu estava rodando pelas ruas num domingo noite sem me preocupar com o outro dia, provavelmente eu estava sendo melhor do que a maioria de alguma forma. bom ser o melhor em alguma coisa. Pelo menos achar isso. Minha vida foi baseada no que eu achava. Acho que todo mundo deveria ser assim. Achar ser o melhor quase a mesma coisa do que de fato ser o melhor. Fui vice-campeo em diversos torneios na escola. Quase fui selecionado para bons trabalhos e quase ganhei na mega sena. O quase, s vezes, uma questo de estilo. Meu eu no seria o mesmo sem os quases da vida.

Como quando quase transei com a garota mais sexy e cobiada da escola. Pelo menos a beijei. Ela gostava de caras que jogavam basquete. Acho que foi por isso que comecei a jogar, a assistir jogos. Lembro que o quase surgiu na minha vida pela falta de camisinha e por um porteiro inconsequente e intrometido. Acho que posso viver bem com o quase at o fim da vida, ou quase at o fim dela.

Folga

Estridentes sinos marcavam a cidade. Todo dia pela manh, de norte a sul do povoado com pouco mais de dez mil moradores, era possvel ouvir o choque casual e escandaloso do metal que anunciava mais um dia. Na igreja central, de onde o sino avisava o novo dia, uma missa se iniciaria, mais uma. Todos os dias eram iguais por ali. O sentimento de monotonia era regular, quase imperceptvel.

O mundo era grande, a gente sabia. Assistir ao jogo internacional na TV era a viagem mais longa que fazamos. A esperana j tinha morrido h muito tempo. O roteiro j estava acabado. Nascer e morrer eram apenas detalhe dentro da histria rotativa. Viveramos um tero ou mais de nossas vidas em um lugar ou fazendo algo que no queramos e que ramos enganados a aceitar como uma escolha, como se fosse nossa escolha estar ali. Precisaramos dormir e fazer as coisas bsicas. Sobrariam-nos poucas horas pra nada, para realmente viver. Pensando bem, o roteiro havia sido generoso com os 10 mil habitantes dali e de tantas outras cidades onde o marasmo sobrenome de todos. No era preciso mais que algumas horas na semana para esgotar todas as possibilidades de diverso na cidade. A quem interessava a cama, o calor anunciava o aumento do preo do ar condicionado e os ventiladores j no faziam frente ao suor promovido pela aproximao do sol.

Foi quando eu descobri os livros. Eu estava prximo da loucura quando acabei parando na biblioteca para escapar do sol insacivel. Peguei um livro para passar a tarde. Li uma pgina e acabei dormindo em cima das palavras de John Fante traduzidas para o portugus, acompanhadas do silncio que, descobriria depois, era regra na maioria das bibliotecas do mundo, um dos poucos padres globais num mundo to complexo e diferente. "Existem coisas que um homem no pode contar a sua mulher" a ltima frase da qual me lembro naquele dia. Arturo Bandini devia ser um cara legal. Acordei com Jorge, o bibliotecrio, me avisando que iriam fechar. O dia estava mais calmo, o Sol havia se afastado. Eu gostava da noite, era mais segura, mais agradvel, mesmo na minha nica folga semanal.

Minha casa ficava a poucos quarteires da biblioteca, como tudo naquela cidade. Ningum estava em casa. Meus pais trabalhavam bem mais do que eu, pensei. Abri um vinho e coloquei Mendelssohn no volume mais alto que minha cabea suportou. O mais perto que chegava estava naquela taa surrada cheia de vinho e na caixa de som que executava com maestria o som perfeito de um sculo atrs.

Poderia esticar minhas horas de alvio. O sono, meu incmodo e inseparvel companheiro, havia se afastado um pouco de mim. Pouca coisa importava naquela vida inerte. Meu vinho estava gelado, no era dos piores. No outro dia, seria tambm escravo do sino.

Demisso

Faz-se assim, se junta tudo e mistura. O restante a sobra, o sentimento que no entra na conta. Corrigiram-me na TV. Meus sonhos eram impossveis, como aquela letra de punk rock, como aquela bebedeira interminvel que sempre termina, por mais tarde que seja. Veja o velho Scrates, veja o relgio que compe com o sono a lembrana de acordar amanh. Sou um derrotado. Lembrei disso no momento que estava no mdico, pblico, recebendo um diclofenaco. No que seja derrota estar no ambiente pblico, afinal em alguns pases acaba sendo obrigao do Estado cuidar de seus mortos, salvar alguns quem sabe. Mas saber que a bateria do celular acabara me fez sentir saudades do velho discman ultrapassado, deixado pra trs at pela velha vitrola que havia voltado com tudo.

De vez em quando melhor deixar pra l. Por que se lembrar da velha histria da confuso de doce de leite com banha guardada na geladeira para a fritura da semana seguinte? Coisas que o inconsciente explica. Mas eu no estava realmente a fim de explicar nada naquela fase da minha vida. J tinha meus vinte e poucos anos e as coisas pareciam os acordes do Ramones at determinado ponto. Tudo simples at a terceira nota, at o gol de cruzamento.

Meus sonhos mudavam como o tempo. Por mais que tentassem prever, a coisa descambava pra outro lado, pra poltica, pra ignorncia total ou pra sorte. O azar era que sempre mudava. Poucas coisas me acompanhavam. Foi quando decidi experimentar a cerveja de outros lugares, distantes, pases diferentes dos que conhecia. Mesmo conhecendo um s, minha vontade me fazia enxergar uma realidade mais plural, to real quanto o suicdio de Getlio. Mas chega de analogias ou comparaes. Ou no.

As teclas batiam conforme o ritmo da msica de dois minutos e pouco, no mximo. Meu sonho j no era mais meu. Jogador de futebol, comediante, escritor, vagabundo, degustador de cerveja ou meio anjo, meio super-heri. Nada fui, nada longe de um fracasso na proporo da realidade dormente que nos joga pra baixo e nos tira da anestesia nos fazendo sentir a dor mais forte que nem a puta de primeira viagem chegou perto. Somos todos errantes em busca de sorte, da sorte que o azar insiste em anular.

Mas a mania de esquecer o amanh me faz pensar em nada. No agora, no gole mais prximo. Se estiver mal, no passado. Se estiver bem, o futuro no me mais do que dez minutos. Pouco importa o segreda da paz nos prximos anos. Qualquer segredo s faz efeito, na prtica, em dcadas e provavelmente no estaremos aqui pra sentir tais efeitos. Mas h a curiosidade por outro lado insistindo em fazer-nos saber o motivo do inconsciente, do inexplicvel.

A histria resumida fcil de contar. Um velho, o patro, metido a sabereta do cinema me fez acordar pra vida em relao a quantos takes so necessrios pra comp-la. Eu, sem ligar pra quantidade de tempo gravada pra um filme de duas horas, resolvi resumir a coisa porque gosto de textos, de divagar, devagar, sobre a sorte, sobre o azar. Coisa que o velho nunca ir entender porque o sentido das coisas deve ser resumido ao sentido de agradar algum por alguma coisa. Somos todos vendidos, putas que no esperam a Copa pra cobrar uns trocados a mais, pra ganhar o dcimo terceiro antes da hora.

E foi assim que eu cai nesse quarto escuro no fundo de uma penso com alguns ratos, algumas baratas e dois meses pagos antecipadamente. Longe da mulher, dos filhos e do sonho do comeo da divagao que de to devagar acabou esquecida at pelo prprio leitor, mas no pelo escritor que viveu tudo de perto, que se indignou calado e acabou calado pra no chatear ningum e com a certeza de que a falante vontade de falar no mudaria nada. o arrependimento do hipcrita que nunca pensa no futuro, mas quando pensa no passado, pra no se arrepender pensa como se estivesse agindo pelo futuro.

Juntei a mquina de escrever, o notebook, o teclado que impedia a mistura das letras pelo sensor que substitua o mouse e o mouse para ser algum, mas isso mais difcil do que ver um grande time da Bulgria em qualquer esporte, mais complicado do que aquele time fictcio daquele time do Jamaica abaixo de zero. Mas eu no desisto. Meu amor est bem perto de mim e o amor chama o sexo que, quando bem feito, impede qualquer inteno de traio. Ele no representa, no presta o servio, no d gorjeta. So coisas ouvidas por gente que no soube dar a assistncia correta na patroa quando essa s pedia um pouco de carinho. Mas carinho, mais que o amor, artefato raro. Os que utilizam dessa ferramenta poderosa de seduo o fazem com a inteno mxima de colocar no Facebook. Porque em baixo do lenol amigo, em terras quentes nada se faz, mas se promete, se publica, se complica na mais simples figura de linguagem. Uru onomatopeia ou neologismo? Fomos pegos pela publicidade e nosso punk rock virou a trilha do Tony Hawk do Playstation.

No queremos fazer filosofia, mas o quarto escuro sem banheiro nos obriga a achar um caminho mais bonito, mais florido, mais fcil do que o trabalho. Meu sonho verdadeiro era ser real pra poder dizer alguma coisa relevante. Por enquanto, o que posso dizer que a vida foi presa em takes e virou cinema, daqueles em que a masturbao s serve pra esquentar o banho frio.