7 - capitulo 5 · 2011. 10. 4. · no andar, falar e ler, por exemplo, sejam frequentemente...

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Método 170 Introdução Considerando o desenvolvimento humano um processo essencialmente interno, e socialmente mediado, assistido e guiado, tal como, por exemplo, Bruner (1988) ou Vygotsky (1978) o entendem, a intervenção educativa é um factor determinante do que vai ser o percurso evolutivo. A Educação para a 1ª Infância é reconhecida como de grande influência, na medida em que abrange uma das etapas do desenvolvimento mais significativa e determinante na formação do ser humano, em que as estruturas biofisiológicas e psicológicas estão em pleno processo de formação e maturação. Os múltiplos resultados científicos já referidos nos capítulos anteriores alertam-nos para a necessidade de promover/estimular o desenvolvimento desde as etapas iniciais da vida, quando estas estruturas ainda apresentam grande plasticidade. A estimulação revela-se, assim, um determinante particularmente significativo do desenvolvimento. Trabalhar com a Educação da 1ª Infância implica não esquecer a estimulação, facilitando o estabelecimento de relações, a conquista e a auto-construção de competências mediante a própria actividade, e não pensar na criança como um agente relativamente passivo e incompetente, receptor de informação. Assim, falar de Educação de Infância implica falar em dar oportunidades à criança para desenvolver, usar e manifestar, globalmente, todas as suas potencialidades físicas e motoras, cognitivas e sensoriais, inter-relacionais, emocionais, sociomorais e estéticas. Falamos, assim, de um processo multidimensional, que se deseja harmónico e contextualizado. O nosso principal desafio no presente trabalho é abordar a questão da influência da estimulação sensorial múltipla no desenvolvimento das crianças estudadas, respeitando as suas diferenças, e considerando os seus ritmos e características. Um dos aspectos a serem investigados, por trabalhar especificamente com a faixa etária em que sinais de precocidade podem ser observados, seria verificar o grau de diferenciação captada no desenvolvimento geral das

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  • Método

    170

    Introdução

    Considerando o desenvolvimento humano um processo

    essencialmente interno, e socialmente mediado, assistido e guiado, tal

    como, por exemplo, Bruner (1988) ou Vygotsky (1978) o entendem, a

    intervenção educativa é um factor determinante do que vai ser o

    percurso evolutivo.

    A Educação para a 1ª Infância é reconhecida como de grande

    influência, na medida em que abrange uma das etapas do

    desenvolvimento mais significativa e determinante na formação do ser

    humano, em que as estruturas biofisiológicas e psicológicas estão em

    pleno processo de formação e maturação. Os múltiplos resultados

    científicos já referidos nos capítulos anteriores alertam-nos para a

    necessidade de promover/estimular o desenvolvimento desde as etapas

    iniciais da vida, quando estas estruturas ainda apresentam grande

    plasticidade. A estimulação revela-se, assim, um determinante

    particularmente significativo do desenvolvimento.

    Trabalhar com a Educação da 1ª Infância implica não esquecer a

    estimulação, facilitando o estabelecimento de relações, a conquista e a

    auto-construção de competências mediante a própria actividade, e não

    pensar na criança como um agente relativamente passivo e

    incompetente, receptor de informação. Assim, falar de Educação de

    Infância implica falar em dar oportunidades à criança para desenvolver,

    usar e manifestar, globalmente, todas as suas potencialidades físicas e

    motoras, cognitivas e sensoriais, inter-relacionais, emocionais,

    sociomorais e estéticas. Falamos, assim, de um processo

    multidimensional, que se deseja harmónico e contextualizado.

    O nosso principal desafio no presente trabalho é abordar a

    questão da influência da estimulação sensorial múltipla no

    desenvolvimento das crianças estudadas, respeitando as suas

    diferenças, e considerando os seus ritmos e características. Um dos

    aspectos a serem investigados, por trabalhar especificamente com a

    faixa etária em que sinais de precocidade podem ser observados, seria

    verificar o grau de diferenciação captada no desenvolvimento geral das

  • Método

    171

    crianças que apresentam comportamentos mais rápidos ou, ao

    contrário, lentos em função dos efeitos de uma proposta de estimulação

    sensorial múltipla, dentro de uma faixa etária comparável.

    Tal como vimos, várias investigações apresentam algumas

    determinantes para qualidade do contexto educativo da creche,

    nomeadamente: i) a qualidade estrutural ressaltando a importância da

    qualidade dos espaços, equipamentos e materiais; ii) a qualidade das

    relações entre adultos e crianças e; iii) as experiências de aprendizagem

    das crianças, salientando-se a necessidade da estimulação sensorial

    para que a criança faça, veja, ouça, saboreie, cheire, toque e sinta

    (Portugal, 1998). Todo este processo será profundamente influenciado

    pela presença de um adulto-educador pois, para além de organizar o

    ambiente estrutural, pode potencializar oportunidades para a criança

    experimentar, observar, explorar, tocar, sentir, comparar, classificar,

    conhecer e reconhecer através de fontes de estímulos materiais,

    objectos, sons, gostos e cheiros diferentes.

    Propusemo-nos, então, elaborar uma experiência educacional

    que atenda à promoção da utilização dos cinco sentidos externos, que

    nem sempre usamos ou exploramos nas situações pedagógicas. A esse

    conjunto de actividades, materiais e procedimentos chamamos Portas

    de Estimulação Sensorial Múltipla – P.E.S.m. – mas ao qual, pela sua

    especificidade, também lhe poderíamos atribuir o nome de Aventura

    dos Cinco Sentidos na Creche.

    5.1. Delimitação do campo de estudo A globalidade e amplitude desta pesquisa abarcam o trabalho

    directo desenvolvido com as crianças e a equipa técnica ao longo de

    dois anos lectivos. Muito embora fossem determinados objectivos

    globais de estudo, a abrangência e a complexidade que o caracterizam,

    quer pelo número de crianças envolvidas, quer pela própria

    especificidade desta proposta, exige a delimitação de procedimentos

    específicos em cada etapa – 1ª Etapa (ou estudo exploratório -

  • Método

    172

    2001/2002); 2ª Etapa (2002/2003) – pelo que optamos, quando

    necessário, pela descrição de cada uma dessas etapas.

    5.1.1. Situação a ser investigada: Objectivos

    A presente investigação pretende analisar a influência do P.E.S.m.

    (descrito no capítulo anterior) no desenvolvimento geral das crianças

    atendidas na creche estudada, com idades compreendidas entre os

    doze e os trinta e seis meses, e a sua relação com o fenómeno da

    precocidade, operacionalizado como ritmo de desenvolvimento.

    O ritmo de desenvolvimento das crianças tem chamado especial

    atenção no que se refere à precocidade. Do reconhecimento da

    influência da primeira infância para o desenvolvimento ulterior emerge

    a lógica do senso comum de que as crianças que apresentam um ritmo

    mais acelerado nas aprendizagens básicas (como por exemplo, andar e

    falar), sinalizam probabilidade de maior capacidade mental do que as

    outras. Por sua vez, as crianças que necessitam de mais tempo para

    demonstrar essas mesmas competências estariam revelando “lentidão”

    no desenvolvimento. Todavia, este tem sido um ponto controverso na

    área de educação especial para sobredotados, pois, embora precocidade

    no andar, falar e ler, por exemplo, sejam frequentemente apontados

    como indicadores de capacidade elevada e talento, as pesquisas

    realizadas não comprovam essa afirmação (Freeman e Guenther, 2000).

    No nosso país, a Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei nº 46/86

    de 14 de Outubro revista na Lei n.º 115/97, de 19 de Setembro) aborda

    a questão das diferenças do ritmo de desenvolvimento das crianças

    entre os três e os seis anos de idade a frequentar a educação pré-

    escolar. O Capítulo II, Secção I, Artº 5, 1-h) deste documento refere

    “Proceder à despistagem de inadaptações, deficiências ou precocidades e

    promover a melhor orientação e encaminhamento da criança”.

    O Despacho Normativo nº 99/89, referente às crianças até aos

    três anos, prevê o “despiste precoce de qualquer inadaptação ou

    deficiência...” (Norma II – c)) não fazendo, contudo, qualquer alusão às

  • Método

    173

    necessidades de sinalizar precocidade como possível sinal de altas

    habilidades ou talentos. Apesar da hipótese de precocidade estar

    contemplada na Lei de Bases do Sistema Educativo, esta mesma Lei

    nada refere quanto ao atendimento a estas criança. No Artº 17, & 1,

    claramente determina que “A educação especial visa a recuperação e

    integração sócio-educativas dos indivíduos com necessidades educativas

    específicas devidas a deficiências físicas e mentais”.

    A pesquisa científica manifesta algum cuidado face à

    precocidade, pois muitas crianças precoces não alcançaram altos níveis

    de desempenho e produção na vida adulta e, por sua vez, muitas das

    pessoas produtivas e “mais capazes” ou mesmo os génios (como por

    exemplo Einstein) não apresentaram na infância qualquer sinal de

    precocidade. Por isso, o fenómeno da precocidade não pode ser lido, de

    forma linear, como sinal elevado potencial (Guenther, 2000).

    Na infância toda a plasticidade do sistema nervoso permite

    absorver e integrar os diversos estímulos que o meio proporciona, mas

    a falta de atenção e de preocupações educativas nesta faixa etária

    poderá acarretar consequências prejudiciais ao pleno desenvolvimento

    das crianças. Quando a criança mostra algum interesse e o ambiente

    educacional favorece esse gosto, é possível que se desenvolva “a

    motivação intrínseca, curiosidade e vontade de aprender, o que Renzulli

    (1995) chama de ‘compromisso com a tarefa’” (Freeman & Guenther,

    2000). Assim, o meio, oferecendo estimulação compatível com os seus

    interesses e nível de desempenho pode facilitar o desenvolvimento de

    certas competências da criança elevando o seu desempenho.

    Considerando que o crescimento e a estimulação de

    competências e capacidades são influenciados pela exposição,

    conhecimento, experimentação e vivências em diversidade, quantidade

    e complexidade apropriadas ao nível e ritmo de desenvolvimento, o

    P.E.S.m. propõe sistematizar um conjunto de estímulos que envolvam,

    simultânea e preferencialmente, os cinco sentidos, na interacção da

    criança com o material. A implementação desta proposta tem como

    balizas o Projecto Educativo da instituição, as idades das crianças do

  • Método

    174

    grupo de pesquisa e, ainda, o projecto de trabalho (semanal)

    desenvolvido em cada sala/grupo ao longo de cada ano lectivo. Isto

    significa que não se diligencia no sentido de ser um programa pré-

    determinado e sequencial, mas antes, uma proposta de trabalho

    adequada ao desenvolvimento de cada criança, sendo organizada,

    planificada, incrementada e avaliada semanalmente em função dos

    seus pressupostos de base. Por outro lado, cada tipo de estímulo

    apresentado possui diferentes domínios de intencionalidade, sendo, por

    conseguinte, o seu grau de formalidade variável e flexível.

    A primeira etapa da presente investigação (ano lectivo

    2001/2002) teve como principal objectivo observar e compreender as

    interacções com o material e com os outros, vivenciadas no decorrer

    das diferentes actividades, pelas crianças com idades entre os doze e os

    trinta e seis meses, com vista a determinar o grupo de pesquisa. Nesta

    etapa procedeu-se, essencialmente, à apresentação de um conjunto de

    actividades e materiais diferentes dos considerados “comuns” nos

    contextos escolares (tais como pintura, desenho, modelagem, etc.), pois

    são estímulos multi-sensoriais que permitem a total, livre e

    independente exploração e manipulação de cada criança. Foram

    recolhidas imagens em vídeo das actividades suscitadas pelos

    estímulos que constituem o P.E.S.m., bem como de algumas actividades

    mais “comuns” nos contextos de creche.

    Na segunda etapa (ano lectivo 2002/2003) pretendeu-se,

    essencialmente, observar os indicadores de sinais de trabalho mental

    das crianças que constituem o grupo de pesquisa, bem como averiguar

    quais os trajectos percorridos pelas crianças sinalizadas, na Etapa 1,

    com ritmos de desenvolvimento diferenciados. Para tal, esta fase inclui

    a experimentação com estímulos em tudo semelhantes às situações

    experienciadas Etapa 1 e a sua filmagem em imagens vídeo.

    Em suma, podemos sistematizar este estudo em três objectivos

    gerais:

    1. Averiguar até que ponto O Programa de Estimulação Sensorial

    Múltipla pode ter facilitado ou favorecido oportunidades e

  • Método

    175

    experiências favoráveis o desenvolvimento de algumas

    competências das crianças estudadas.

    2. Detectar alguns indicadores de sinais de trabalho mental das

    crianças face aos estímulos apresentados no P.E.S.m..

    3. Perceber e comparar o modo como crianças com indicadores

    diferenciados de ritmos de desenvolvimento maior ou menor

    reagem de modo diferenciado às tarefas propostas.

    5.1.2. Constituição do grupo de pesquisa ao longo do estudo

    A constituição do grupo de pesquisa foi organizada em função dos

    objectivos do estudo, mas directamente afectada por diversos

    condicionalismos inerentes a um estudo longitudinal, como por

    exemplo, a mortalidade da amostra ou condicionalismos institucionais.

    Por conseguinte, optamos por apresentar separadamente cada etapa do

    estudo abordando, em cada uma, as alterações ou ajustes necessários à

    sua viabilização.

    5.1.2.1. Etapa 1 – Estudo exploratório

    A constituição da amostra sofreu várias contingências inerentes à

    própria organização da creche enquanto contexto educativo. As

    dificuldades centraram-se, essencialmente:

    a) Na selecção da(s) creche(s) dentro do vasto leque de oferta na

    cidade de Braga, considerando as Creches Particulares e as

    Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) que, por

    sua vez, podem ser com ou sem fins lucrativos;

    b) A natureza do estudo exigia a opção por grupos que permitissem

    englobar o maior número possível de crianças dentro de uma

    faixa etária. Dado que a maioria das creches contempla apenas

    uma sala por grupo etário, tal facto limitava o número de

    instituições a envolver na pesquisa;

    c) Por outro lado, e complementar à alínea anterior, tornava-se

    desejável seleccionar o menor número possível de instituições

  • Método

    176

    com vista a garantir maior consistência na caracterização do

    grupo de estudo;

    d) Uma outra limitação para a constituição do grupo de estudo e

    associada também às anteriores, deveu-se à inexistência de

    educadores de infância a tempo inteiro em muitas salas de

    creche. A própria legislação portuguesa em vigor para as creches

    com fins lucrativos (Despacho Normativo nº 99/89, de 27 de

    Outubro)1 admite a ausência destas profissionais em alguns

    grupos de crianças (Norma XVIII, 3)). Para a presente

    investigação este tornava-se, contudo, um dos principais critérios

    de selecção de sala(s) e grupo(s) essencialmente por duas razões.

    Por um lado, várias pesquisas referem a formação dos

    educadores como um bom indicador de qualidade das creches e

    também correlacionada com efeitos positivos no desenvolvimento

    das crianças. Por outro lado, consideramos que o P.E.S.m.

    pressupunha uma formação teórica e metodológica no âmbito da

    educação de infância.

    Assim sendo, a amostra para implementação do P.E.S.m. teve

    origem apenas numa só creche IPSS (Instituição Particular de

    Solidariedade Social) da cidade de Braga, seleccionada segundo os dois

    critérios básicos: i) a existência na instituição de mais do que um grupo

    de crianças em cada faixa etária (12 a 24 meses e 24 a 36 meses)

    permitindo abranger um elevado número de crianças, e ii) a presença

    de Educadores de Infância diplomados, em cada sala/grupo, a tempo

    integral.

    Após a selecção da instituição tornava-se necessário determinar

    um grupo de sujeitos a participar no projecto. Esta creche, integrada

    num centro social pertencente a uma paróquia de Braga, possui um

    1 O Despacho Normativo nº 99/89, relativo às creches particulares com fins lucrativos, é a única legislação em vigor sobre o funcionamento das creches. As creches particulares de solidariedade social não têm qualquer legislação orientando, sempre que possível, as instituições segundo este documento legislativo.

  • Método

    177

    conjunto de valências2 e equipamentos3 localizados na área paroquial.

    Para a valência creche conta com quatro equipamentos, sendo que em

    dois apenas acolhem bebés de quatro a doze meses e os restantes

    acolhem crianças dos 4 aos 36 meses de idade.

    Muito embora a valência creche da instituição abarque quatro

    grupos de crianças dentro do critério de idade cronológica que

    seleccionamos para esta pesquisa -doze a trinta e seis meses – dois não

    cumpriam o critério a presença de educadores de infância a tempo

    inteiro na sala. Assim sendo, numa primeira etapa (2001/2002) o

    grupo de pesquisa foi constituído por um total de oitenta crianças com

    idades cronológicas compreendidas entre os 12 e os 36 meses (Quadro

    8), ou seja, dois Grupos de crianças com idades entre 12/24 meses

    (quarenta crianças) e dois grupos de crianças com idades entre os

    24/36 meses (quarenta crianças), sob a responsabilidade de quatro

    Educadores de Infância (um educador responsável por cada sala). Para

    além dos Educadores de Infância, os grupos de crianças com idades

    compreendidas entre os 12 e os 24 meses contavam com a presença de

    dois Ajudantes da Acção Educativa, enquanto que os grupos de

    crianças entre os 24 e os 36 meses contavam apenas com um

    Ajudante.

    Quadro 8

    Distribuição dos grupos etários e adultos responsáveis por sala

    12/24 Meses 24/36 Meses Crianças Adultos Crianças Adultos

    Sala 1 20 1 Educador Infância 1 Ajud. Acção Educ.

    Sala 2 20 1 Educador Infância 2 Ajud. Acção Educ.

    Sala 3 20 1 Educador Infância 2 Ajud. Acção Educ.

    Sala 4 20 1 Educador Infância 1 Ajud. Acção Educ.

    TOTAL 40 40

    2 A instituição possui, destinadas à infância, as valências: creche, jardim-de-infância e A.T.L. 3 Entende-se por equipamento a creche que, muito embora esteja sob a direcção e orientação da instituição-mãe, se localiza noutro edifício na área da paróquia.

  • Método

    178

    O estudo dos vídeos das actividades que constituíram a Etapa 1

    orientou o estabelecimento de critérios para identificação do grupo de

    pesquisa que constituiu a Etapa 2. A diferenciação objectiva nos

    comportamentos das crianças no desenrolar das actividades propostas

    com os diversos estímulos, a transição do grupo dos dois anos (24/36

    meses) para a valência de jardim-de-infância, e consequentemente para

    outro equipamento, bem como as metodologias adoptadas por cada

    educador no desenvolvimento do P.E.S.m. na Etapa 1 foram factores

    determinantes para a reorganização/constituição do grupo de pesquisa

    do Etapa 2. Neste sentido foram abandonadas as observações relativas

    aos grupos dos dois anos (salas 1 e 4).

    A observação e análise parcelar dos vídeos permitiram a

    sinalização daquelas crianças cujas interacções com os estímulos

    apresentados foram mais e menos duradouras e persistentes nos

    grupos de um ano (12/24 meses) e nos grupos de dois anos (24/36

    meses). Neste sentido, a análise dos comportamentos observados nos

    grupos de sujeitos foi efectuada à luz dos seguintes parâmetros:

    • Rapidez – relativa à prontidão inicial no envolvimento com o

    estímulo;

    • Originalidade – relativa ao conteúdo, à significação dos

    comportamentos emitidos, nomeadamente, na variedade e

    diversidade de acções;

    • Extensão – relativa à fluência de comportamentos, acções e

    repetições que indicam actividade, ou seja, a quantidade e

    espontaneidade de acções.

    Após a análise do material recolhido na Etapa 1, as crianças

    observadas foram agrupadas em dois grupos, assim caracterizados:

    • Grupo P (precoce) – grupo de crianças que apresentavam alto

    nível de envolvimento nas tarefas, isto é, crianças que se

    envolviam nas actividades propostas de forma pronta, rápida e

    com maior número de reacções e comportamentos exploratórios,

    e

  • Método

    179

    • Grupo L (lento) – grupo de crianças que, face às propostas e

    materiais, se envolviam de forma lenta, pouco intensa e/ou

    durante pouco tempo, manifestando pouco envolvimento na

    tarefa.

    A cada um destes critérios correspondem os indicadores

    organizados no Quadro 9:

    Quadro 9

    Critérios de diferenciação dos Grupos

    Grupo P Grupo L Rapidez Envolvimento imediato

    com o estímulo Tarda a aproximar-se e a envolver-se com o estímulo

    Originalidade Postura activa, envolvimento de “actor”, “sujeito” de acção

    Postura passiva, parado, distanciado, comportamentos de “espectador”

    Extensão Movimenta-se, inicia, produz muitas acções

    Improdutivo, sem acção, produz poucas acções

    Com base nos dados parcelares, no final do mês de Julho do ano

    lectivo 2001/2002, o grupo de pesquisa referenciado para desenvolver o

    P.E.S.m. no ano lectivo posterior seria constituída por 10 crianças

    (Quadro 10). Neste grupo de 10 crianças tínhamos, por sua vez, 5

    crianças identificadas para o Grupo P4, com idades compreendidas

    entre os 13 e 22 meses5 (média = 18,0) e 5 crianças para Grupo L, com

    idades compreendidas entre os 13 e 22 meses (média = 17,4).

    4 Optamos por identificar o grupo de pesquisa – Grupo P e Grupo L – sempre em letra maiúscula diferenciando-se de qualquer outro tipo de grupo que será apresentado em letra minúscula. 5 Os Grupos P e L foram identificados em salas com crianças com idades compreendidas entre os 12 e 24 meses, embora nestes Grupos as idades das crianças oscilassem entre 13 e 22 meses

  • Método

    180

    Quadro 10

    Grupo de pesquisa no final de 2001/2002

    Cátia 3 15Frederico 2 22Marcos 2 13Dinora 2 19

    Anabela 3 21Média 18,0

    Pauleta 2 22Márcia 3 13Alfredo 3 17

    Rosa 2 21Brigite 2 14

    Média 17,4

    ETAPA 1 (2001/02)

    Gru

    po P

    Gru

    po L

    Criança Idade (meses)

    Set.º 2001

    Sala/Grupo

    5.1.2.2. Etapa 2

    As actividades e materiais sensoriais que constituíam o P.E.S. em

    2002/2003 foram em tudo semelhantes às desenvolvidas no ano lectivo

    2001/2002, mas certamente apresentadas com novas propostas

    complexificando ou diversificando as propostas manipulativas

    relativamente ao ano anterior e em função do nível de desenvolvimento

    das crianças.

    Os estímulos foram apresentados às crianças seguindo a sua

    lógica natural/comum, ou seja, ao grupo das cinco crianças da mesma

    sala, qualquer que fosse o grupo: P ou L. Pareceu-nos que estas

    propostas deveriam ser apresentadas e desenvolvidas no âmbito da

    organização da própria instituição e das salas a fim de que a segurança,

    o bem-estar e as interacções com o adulto e com as outras crianças em

    tudo fossem semelhantes e naturais às desenvolvidas ao longo dos

    tempos com as crianças. Todas e cada uma das crianças que

    constituíam os grupos P e L foram observadas e registadas as suas

    reacções, acções e comportamentos com os diversos estímulos.

    Como já referimos no ponto anterior, o grupo de pesquisa para a

    Etapa 2 era constituído por dez crianças com idades compreendidas

  • Método

    181

    entre os 12 e os 24 meses que apresentaram comportamentos

    diferenciados: cinco do grupo L, isto é, crianças que dentro do grupo de

    colegas visivelmente tardavam em iniciar a actividade, manifestavam

    poucas iniciativas ou mostravam poucas reacções; e cinco do grupo P,

    composto pelas cinco crianças que visivelmente se envolviam de

    imediato na actividade, manifestavam elevado número de reacções e

    tomavam iniciativas na manipulação dos materiais.

    No início do ano lectivo 2002/2003 tivemos de proceder a

    alterações nos Grupos P e L, já que se verificou o fenómeno de

    mortalidade da amostra, ou seja, duas crianças identificadas para o

    grupo P e duas crianças do grupo não frequentaram a creche no ano

    lectivo 2002/2003. Face a esta situação, foram substituídas por

    crianças que, na análise efectuada na Etapa 1 se encontravam

    imediatamente a seguir no Rank Order. O Quadro 11 sintetiza as

    alterações sofridas na amostra, do final da Etapa 1 para o início da

    Etapa 2.

    Quadro 11

    Alterações sofridas pela amostra no início da Etapa 2

    Idade (meses)

    Idade (meses)

    Idade (meses)

    Set.º 2001 Set.º 2001 Set.º 2002Cátia 3 15 Cátia 3 15 27

    Frederico 2 22 Frederico 2 22 34Marcos 2 13 Marcos 2 13 25Dinora 2 19

    Anabela 3 21Leandro 3 14 26Hilário 2 18 30

    Média 18,0 16,4 28,4

    Pauleta 2 22 Pauleta 2 22 34Márcia 3 13 Márcia 3 13 25Alfredo 3 17 Alfredo 3 17 29

    Rosa 2 21Brigite 2 14

    Ronaldo 3 22 34Mariazinha 2 14 26

    Média 17,4 17,6 29,617,7 17,0 29,0

    Gru

    po P

    Gru

    po L

    Média global

    ETAPA 1 (2001/02)Criança CriançaSala/Grupo Sala/Grupo

    ETAPA 2 (2002/03)

  • Método

    182

    Em suma, na Etapa 2, o Grupo P era constituído por três

    crianças da sala 2 e duas da sala 3 e o Grupo L era constituído

    por duas crianças da sala 2 e três da sala 3 perfazendo um total

    de dez crianças (três do sexo feminino e sete do masculino). É

    de referir que o reagrupamento provocou alterações substanciais

    relativamente ao género. Inicialmente foram referenciadas três crianças

    do sexo feminino em cada um dos grupos P e L mas com a

    ausência de algumas crianças na frequência da creche verificou-se

    que, na Etapa 2, apenas podem ser observadas três crianças do

    sexo feminino, sendo apenas uma do grupo P.

    Tomando-se como ponto de partida a idade das crianças

    (em meses) em Setembro de 2001, e considerando as dez

    crianças das duas salas, na Etapa 2, a média global de idades é

    17 meses (mediana = 17.6 meses), com intervalo entre 12 e 23

    meses, valores muito próximos do grupo seleccionado no final da

    Etapa 1 (média = 17.7; mediana = 18 e moda = 22). Na Etapa 2,

    considerando as idades das crianças em Setembro de 2002, a

    média global de idades do Grupo L é de 28,4 meses e do Grupo

    P de 29,6 meses, oscilando agora entre 25 e 34 meses (mediana

    = 28.4 e moda = 34).

    Relativamente ao contexto familiar, o Quadro 12 mostra

    que, qualquer que seja o Grupo P ou L considerado, existe um

    leque diversificado de habilitações literárias dos pais, e todas as

    crianças frequentaram a creche desde o grupo de bebés. Optamos

    por inserir neste Quadro todas as crianças que pertenceram ao

    grupo de pesquisa ao longo dos dois anos de implementação do

    P.E.S.m., evitando-se, assim, a repetição de informações. A

    reorganização do grupo de pesquisa não alterou substancialmente

    as características do grupo em função das “histórias” familiares.

  • Método

    183

    Quadro 12

    “História” familiar e “escolar” das crianças ao longo do P.E.S.m.

    P: 12º Ano P: Func. PúblicoM: 10º Ano M: Func. Público

    P: 12º Ano P: BancárioM: 12º Ano M: Administrativa

    P: 12º Ano P: Técnico TelecomM: 12º Ano M: Estudante

    P: 12º Ano P: Emp. EscritórioM: 12º Ano M: Emp. Escritório

    P: 9º ano P: ElectricistaM: 9º ano M: Aux. Educativa

    P: Licenciatura P: Técnico Telecomunic.M: Licenciatura M: Professora

    P: Esc. Obrigatória P: ComercianteM: Esc. Obrigatória M: Comerciante

    P: Licenciatura P: Prof. universitárioM: Licenciatura M: Professora

    P: Esc. Obrigatória P: Construtor civilM: Esc. Obrigatória M: Doméstica

    P: Esc. Obrigatória P: CarpinteiroM: Esc. Obrigatória M: Emp. Doméstica

    P: Esc. Obrigatória P: MarceneiroM: Esc. Obrigatória M: Emp. Têxtil

    P: 11º ano P: Téc. ElectrónicaM: 11º ano M: Escriturária

    P: Licenciatura P: AdvogadoM: Licenciatura M: Professora

    P: 2º Ano P: MetalúrgicoM: 8º Ano M: Emp. Têxtil

    1 1

    Ronaldo L

    Mariazinha L 26 F

    34 M

    1 1

    0 1

    1 1

    Brigite L 14 F

    Rosa L 21 F

    0 1

    Pauleta L

    Márcia L 25 F

    34 M

    1 1

    1 1

    2 1

    Alfredo L 29 M

    Hilário P 30 M

    3 1

    Dinora P

    Leandro P 26 M

    19 F

    1 1

    0 1

    0 1

    Anabela P 21 F

    Frederico P 34 M

    Cátia P

    Marcos P 25 M

    Nome da criança

    1 127 F

    Família

    Gru

    po P

    / L

    Idad

    e/m

    eses

    (S

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    s

    Legenda: O sombreado amarelo corresponde às crianças que saíram da amostra. O sombreado azul corresponde às crianças repescadas para a amostra

    5.1.3. Procedimentos Gerais6

    A implementação e desenvolvimento do P.E.S.m., tal como já

    referimos, ocorreram ao longo dos anos lectivos 2001/2002 e

    6 A fim de evitar uma descrição exaustiva, neste ponto apresentamos apenas os procedimentos usados após a selecção da instituição

  • Método

    184

    2002/2003. Naturalmente, a implementação do P.E.S.m. foi precedida

    de um conjunto de medidas administrativas, nomeadamente, o pedido

    de autorização à Direcção da instituição, bem como à sua Directora

    Pedagógica explicitando objectivos e implicações do desenvolvimento do

    Programa.

    Após o deferimento do pedido pelas entidades responsáveis da

    instituição, foram também realizadas reuniões com o grupo de todos os

    educadores que trabalhavam nos diferentes equipamentos com valência

    creche e com os encarregados de educação/pais. Estes encontros

    tiveram o propósito de explicar os aspectos essenciais que compõem

    este projecto de trabalho, bem como solicitar autorização dos pais e

    encarregados de educação e educadores para a recolha de imagens das

    crianças em actividade. Das oitenta crianças que estavam envolvidas

    no P.E.S.m., somente os pais de uma criança não permitiram,

    inicialmente, a recolha de imagens do seu filho, alegando “medo da

    divulgação das imagens na internet”. Durante o ano, contudo,

    concederam a sua autorização.

    O estabelecimento dos contactos com os grupos implicados no

    projecto, com a situação específica de cada equipamento, sala, grupo,

    educador de infância e pessoal auxiliar constituíram os primeiros

    passos para a implementação do P.E.S.m..

    O primeiro contacto com a equipa dos educadores surgiu com a

    proposta de implementação do P.E.S.m.. Ao longo dos dois anos de

    trabalho os contactos com os educadores tornaram-se desde logo

    importantes no processo de adaptação e integração no contexto da

    creche, junto das crianças, do pessoal auxiliar e das rotinas. As

    conversas informais sobre observações de comportamentos, de

    situações problemáticas surgidas no dia-a-dia da creche, ou a tentativa

    de resolução de algumas situações ou reacções das crianças

    constituíram também momentos de articulação entre a teoria e a

    prática, momentos de observação e avaliação, momentos de

    aprendizagens na área da psicologia do desenvolvimento da criança e

  • Método

    185

    principalmente no domínio das metodologias de trabalho em contextos

    educativos para a 1ª infância. Para além destas circunstâncias

    informais e pouco aprofundadas (mas simultaneamente muito práticas,

    muito objectivas, e em tempo oportuno) o trabalho com a equipa de

    educadores é assegurada em dois momentos sistematizados: as

    reuniões semanais e as reuniões mensais.

    Ao longo de 2002 as reuniões semanais de planificação com os

    educadores responsáveis pelos diferentes grupos de idades foram,

    essencialmente, destinadas à planificação conjunta das actividades

    semanais, suas estratégias e recursos, bem como à programação e

    alocação das actividades da proposta P.E.S.m. nessa programação

    semanal. O Projecto Pedagógico, base de todo o trabalho da instituição,

    balizava as actividades e materiais que constituíam o P.E.S.m.

    tornando-se um elemento contextualizado do próprio Projecto

    Pedagógico e que poderia acompanhar e adequar-se em qualquer

    temática. Na Etapa 2 as reuniões semanais foram substituídas por

    reuniões individuais com os educadores devido a dificuldades que

    surgiram na instituição. Diversas situações expostas como dificuldades

    ou constatações dos próprios educadores foram sendo também

    analisadas e teoricamente contextualizadas nas reuniões que, em

    princípio, eram destinadas a partilhar os aspectos pragmáticos e não

    tanto a construção de um processo educativo coerente e condutor do

    desenvolvimento. Esta reflexão teórico-prática conjunta permitiu,

    contudo, no seu todo, o desenvolvimento de uma estratégia de

    planificação mais adequado e mais coerente.

    As reuniões mensais, efectuadas ao longo dos dois anos de

    implementação do P.E.S.m., com a equipa de educadores que

    trabalhavam em todos os equipamentos da valência creche foram

    destinadas à formação da equipa, e de acordo com as necessidades

    manifestadas, mas também, i) treino de observação e registo, ii)

    desenvolvimento na creche e, iii) análise, organização, reorganização e

    avaliação do P.E.S.m..

  • Método

    186

    Para atingir os objectivos desta investigação tornou-se necessário

    um plano de recolha de dados com, pelo menos, três vias de

    informação: 1) Cheklist de avaliação da qualidade estrutural e

    processual das salas envolvidas com vista a ser determinado o ponto de

    partida (Etapa 1); 2) Filmagem de situações variadas (actividades que

    integram o P.E.S.m. e outras actividades “comuns”) onde o desenrolar

    do processo pudesse ser observado no seu todo e em profundidade

    (Etapa 1 e 2); e 3) Recolha de elementos para avaliações do impacto do

    P.E.S.m. junto das crianças e dos educadores através de um

    questionário e de uma entrevista (Etapa 1 e Etapa 2, respectivamente).

    1) Vários estudos realizados sobre a qualidade das creches

    (Howes et al., 1992; Aguiar et al., 2002) utilizaram como instrumento de

    avaliação a Infant Toddler Environment Rate Scale – ITERS (Harms et al.,

    1986) considerando-o um instrumento de qualidade para a avaliação

    destes contextos (e.g. Ferrari, 1991; Moore, 1994; Scarr et al., 1994;

    Cassidy et al., 1996).

    Todavia, uma análise exaustiva deste instrumento já nos tinha

    alertado para as dificuldades da sua utilização na análise do processo

    educativo no contexto português (Carvalho, 1997). Em primeiro lugar, a

    hierarquização das unidades de observação não permite a cotação dos

    itens de níveis mais elevados, quando não se regista a presença de

    todas as anteriores. Esta hierarquização origina a que o referencial de

    análise do processo educativo quase nunca chegue a ser pontuado pois

    as variáveis estruturais correspondem aos primeiros itens a avaliar. A

    mudança de foco do ambiente, ou seja, a transição da disponibilidade e

    presença de materiais, para a acção do educador com a criança, vem

    colocada numa mesma escala progressiva numérica, embora sejam de

    natureza totalmente diversa. Ou seja, quando as condições físicas e/ou

    ambientais são mínimas ou inadequadas não serão tidos em

    consideração os itens relativos às variáveis processuais. Todavia,

    sabemos que, podemos encontrar educadores capazes de ajudar as

    crianças a desenvolver competências, mesmo na ausência de materiais

  • Método

    187

    apropriados, usando criativamente o próprio corpo, o vestuário ou

    outros recursos presentes.

    Em segundo lugar, existem itens definidos pela ausência do

    atributo, ou seja, anota-se o que existe ou o que não existe, na situação

    observada (e.g. “ Plano de refeições não tem em conta as necessidades

    individuais”, “Plano de refeições tem em conta as necessidades das

    crianças”, “bebés/crianças são colocados na cama com biberões”,

    “Bebés/crianças não vão para a cama com biberões”). A análise do

    processo teria, neste caso de trabalhar com valores positivos e

    negativos, correndo-se o risco de, provavelmente, chegar ao final com

    totais convergentes para a média.

    Por fim, os itens apresentam uma diversidade de unidades de

    observação não adequadas à análise do processo educativo. Por

    exemplo, o item relativo a “Refeições e lanches” apresenta a unidade

    “Educadora conversa com as crianças e proporciona um agradável

    momento de trocas sociais”, juntamente com outras observações sobre

    higiene, preparação e valor nutritivo dos alimentos, exposição das

    ementas aos pais, sem qualquer grau de diferenciação. Parece, pois, que

    no âmbito de um mesmo item se avaliam aspectos qualitativamente

    muito distintos.

    Considerando as fragilidades atrás referidas desenvolvemos já um

    novo instrumento – que chamamos ProAmb7 – e que, entre outras

    características, distingue os aspectos ligados à Organização do

    Ambiente dos aspectos mais directamente relacionados com o Processo

    Educativo (Carvalho, 1997). O ProAmb, embora inspirado na ITERS

    transforma as suas unidades de observação em itens, agrupa-os em

    novas categorias e estabelece duas dimensões: (1) Medidas

    Educacionais Directas (Organização do Ambiente e Processo Educativo)

    e (2) Medidas Organizacionais Paralelas (Organização do Espaço Físico,

    Organização Pedagógica, Relativas ao Pessoal e outros Adultos, Inter-

    relações Creche-Família, Formação Profissional da Equipe).

    7 Anexo 1

  • Método

    188

    As Medidas Educacionais Directas são compostas por dois Canais

    de Estimulação: i) Organização e Ambiente e ii) Processo Educativo. O

    principal critério de distinção destes dois Canais de Estimulação

    baseia-se na possibilidade do item ser observável na ausência das

    crianças – considerado parte da Organização e Ambiente – ou ser

    necessário a sua presença – considerado parte do Processo Educativo.

    Por sua vez, cada um destes canais de estimulação engloba quatro

    Focos de Acção Educativa relacionados com os aspectos do

    desenvolvimento físico-motor, cognitivo/sensorial, social/inter-relações

    e emocional.

    Este instrumento seria preenchido, na Etapa 1, por todos os

    educadores de infância envolvidos no P.E.S.m. após uma reunião de

    preparação para o efeito e acompanhada pelo investigador.

    2) Relativamente às filmagens foram considerados alguns

    aspectos que nos pareciam relevantes. Em primeiro lugar,

    consideramos que o início de cada ano lectivo é, na creche, uma etapa

    de especial importância, dadas as características e necessidades

    específicas desta faixa etária (12/36 meses). Mas, a formação inicial e

    contínua, no âmbito da educação de infância, alerta-nos para a

    importância dos primeiros contactos e brincadeiras na boa e efectiva

    integração e interacção com o grupo de crianças. A recolha de dados

    foi, por isso, efectuada a partir dos meses de Janeiro (de 2002 e de

    2003). As principais razões desta opção decorreram da necessidade de

    uma melhor (re)adaptação das crianças à creche e à sua rotina, a

    integração dos novos membros do grupo, bem como ao estabelecimento

    de interacções próximas adultos/crianças.

    Em segundo lugar, ao longo de toda a investigação, quer nas

    filmagens das actividades do P.E.S.m., quer na participação da “vida” do

    grupo, como observador participante tentámos assumir a posição de

    um elemento do grupo, colaborando e estabelecendo interacções

    abertas, mas não querendo em etapa alguma, constranger ou impor a

  • Método

    189

    nossa presença às crianças, nos seus jogos ou brincadeiras, nem tão

    pouco, sobrepormo-nos aos adultos responsáveis pelo grupo.

    Por fim, um outro aspecto relevante refere-se à necessidade de

    dessensibilização à máquina de filmar. Este processo foi iniciado por

    uma exploração sensorial e motora da máquina de filmar permitindo a

    todas as crianças que observassem e tocassem na máquina, que

    admirassem a imagem captada pela câmara, discutindo os cuidados a

    ter com a máquina e com os possíveis fios eléctricos a que, por vezes, se

    tem de recorrer.

    3) Para recolha de elementos para a avaliação do P.E.S.m. optou-

    se, como referimos, por organizar um pequeno questionário8 (escala

    tipo Lickert, de 5 entradas) destinado aos educadores, cuja análise

    permitiria algum reajustamento e/ou reorganização a contemplar na

    Etapa 2. Este questionário centrava as suas questões em quatro

    aspectos básicos: i) Desenvolvimento das crianças; ii) Trabalho

    pedagógico/educativo (com o grupo e na instituição); iii) Formação

    Profissional e; iv) Presença do investigador (relativamente às crianças e

    aos adultos mas também em situação de reuniões). Neste questionário

    os educadores deveriam assinalar o seu grau de concordância para

    cada afirmação (desde 1 - totalmente em desacordo até 5 -totalmente de

    acordo).

    No final da Etapa 2 optou-se pela realização de uma entrevista

    guiada9 aos educadores com vista a uma avaliação mais aprofundada

    de todo o trabalho (vantagens, desvantagens, limitações e

    possibilidades) realizado ao longo dos dois anos de P.E.S.m.. Com esta

    entrevista pretendia-se sistematizar aspectos essenciais,

    designadamente: i) Desenvolvimento e Actividades – que consequências

    tiveram ao nível da acção educativa do educador com o grupo e ao nível

    do desenvolvimento das competências das crianças a implementação

    das actividades do P.E.S.m.; ii) Observação e Registos – quais as

    8 Anexo 2 9 Anexo 3

  • Método

    190

    alterações introduzidas na prática educativa, nas etapas de observação

    ou na forma de registo, após a reunião de formação sobre esta

    temática; iii) Formação – quais as etapas de maior relevo na formação e

    reflexão profissional nos dois anos de participação no P.E.S.m.; iv)

    Investigadora – qual a influência da presença da investigadora junto da

    equipe de profissionais e das crianças; e (v) Avaliação global – quais as

    etapas ou situações mais relevantes ao longo dos dois anos de

    participação no P.E.S.m., bem como as possibilidades da dar

    continuidade nos anos lectivos subsequentes.

    5.1.4. Recolha de dados

    O início de cada ano lectivo é, na creche, um momento de

    especial importância dadas as características e necessidades

    específicas desta faixa etária (12/36 meses), pelo que a recolha de

    dados se efectuou apenas a partir dos meses de Janeiro de 2002 e

    2003. As principais razões desta opção decorrem, em primeiro lugar, da

    necessidade de uma melhor (re)adaptação das crianças à creche e à sua

    rotina, a integração dos novos membros do grupo, bem como ao

    estabelecimento de interacções próximas adulto- crianças.

    De acordo com a planificação semanal de cada educador, as

    actividades P.E.S.m. seriam contextualizados no tempo de actividades

    educativas intencionais de pequeno grupo, e sempre num mesmo

    horário, uma vez por semana. O horário seria após o pequeno lanche

    da manhã, por volta das 10.15 horas, terminando quando o interesse

    das crianças desaparecesse mas tendo sempre como limite de tempo a

    hora do almoço estabelecida pela instituição (11 horas).

    Nas actividades P.E.S.m. os estímulos seriam apresentados às

    crianças pelos Educadores de Infância responsáveis pelos grupos, e as

    crianças poderiam/deveriam explorar de forma livre, independente e

    autónoma os estímulos apresentados enquanto o seu interesse

    permanecesse. Para tal, foram tomadas diversas iniciativas de

    protecção das roupas ou mesmo de as retirar, tal como já referimos no

  • Método

    191

    Capítulo 4, foi organizado o espaço onde se iria desenrolar a actividade.

    É de salientar que na Etapa 2, a alteração introduzida com o retirar das

    cadeiras levou à colocação de uma manta no chão por baixo da mesa

    por questões de segurança. Um outro aspecto a considerar é o papel do

    educador no desenvolvimento destas actividades, pois a sua função é

    essencial na manutenção das interacções criança-material e criança-

    criança, observando e monitorizando os comportamentos das crianças.

    A escolha do grupo de crianças que desenvolveu as actividades

    no ano lectivo 2001/2002 foi decidida pelo educador de infância

    responsável no intuito de não excluir nenhuma criança e garantir que

    todas as crianças participassem, pelo menos, em duas actividades

    P.E.S.m., mas outro lado sem perder de vista o estudo a que nos

    tínhamos proposto realizar. Na Etapa 2, só o grupo de crianças que

    constituiu o grupo de pesquisa experienciou as actividades P.E.S.m.

    pelo que só os seus comportamentos e reacções foram filmados.

    Os estímulos apresentados em cada uma das actividades

    P.E.S.m. em 2002/03 deveriam distanciar-se em doze meses das

    realizadas em 2001/2002, na tentativa de controlo da relação

    desenvolvimento/idade. Todavia, nem sempre este critério foi

    possível dependendo, sobretudo, dos factores climatéricos e sua

    interferência na criação das melhores condições de

    desenvolvimento das actividades, nomeadamente em relação a

    espaços (interior ou exterior) e temperatura ambiente.

    A colecta de dados ao longo dos dois anos de

    implementação do P.E.S.m. ficou também determinada pela

    presença das crianças na creche no dia em que se realizava a

    actividade. Ao longo dos anos lectivos verificou-se que as crianças

    desta creche não eram muito assíduas por motivos de saúde, de

    questões familiares ou mesmo por algum desacreditar das famílias

    no que concerne ao papel educativo e pedagógico da creche. A

    assiduidade das crianças dos dois grupos de pesquisa era,

    contudo, necessária para a análise intra e inter-grupal.

  • Método

    192

    5.2. Modelo de Análise dos dados Para análise qualitativa das observações registadas será usada a

    Análise Temática de Conteúdo referenciada por Helena Antipoff, (1971;

    1975) onde as porções de sentido são as unidades de comportamento

    compreensível e os temas são a integração dessas unidades ao redor de

    uma ideia mais abrangente.

    Nesta perspectiva, a análise contempla quatro variáveis

    observáveis e quantificáveis, nomeadamente:

    • TIM – tempo de interacção com o estímulo;

    • Temas – porções de actividade com conteúdo, significação ou

    mensagem observável, sem qualquer interpretação adicional;

    • Comportamentos Originais – porções de actividade relacionadas

    com o tema, que, por serem originais/diferenciados, não se

    consideram repetições de comportamentos ou acções;

    • Extensão – total de comportamentos e acções emitidas. São

    considerados todos os comportamentos, incluindo repetições, que

    indicam conteúdo activo com sentido identificável.

    À luz deste processo de análise, mexer, cheirar, provar ou falar

    com o outro são comportamentos activos, observáveis e quantificáveis

    quanto à sua frequência e originalidade. Por sua vez, o permanecer

    “parado” a olhar para o outro (criança ou adulto), seguir seus

    movimentos ou verbalizações, repetir mecanicamente movimentos,

    muito embora possam ser formas de reconhecimento e de comunicação

    com o mundo envolvente, não constituem comportamentos com

    significado identificável. Associado ao olhar estará provavelmente o

    processamento de alguma informação recebida, mas passar o olhar por

    variadas direcções sem mostrar intencionalidade, não sinaliza

    actividade, pelo que não seria equitativo compará-lo com outros

    comportamentos activos e originais. Tais comportamentos de

  • Método

    193

    “passividade” e de posição de “espectador” foram, por isso,

    considerados no seu todo como um único Tema.

    Cada uma destas variáveis fornece indicadores de actividade

    mental que pode ser relacionada ao desenvolvimento das crianças,

    diferenciando-as entre si e como grupo. O entendimento de que

    inventar, experimentar e fazer “coisas diferentes” são sinais de

    desenvolvimento activo, claramente opostos ao olhar ou repetir, mesmo

    que seja emitindo muitas unidades de comportamento, leva-nos a

    considerar que estes não sinalizam Temas indicadores de trabalho

    mental. Assim, dentro da variável Extensão consideramos a distinção

    entre a quantidade de Temas e de Comportamentos Originais, na

    medida em que estas variáveis nos permitem uma análise mais

    defensável das acções produzidas pelas crianças em estudo.

    Para refinar ainda mais a análise, os Temas e os Comportamentos

    Originais são, por sua vez, analisados segundo o referencial da Teoria

    Humanista, exposto no Capítulo 1, segundo o qual a personalidade do

    ser humano se estrutura em três dimensões: auto-conceito, relação com

    o outro e visão de mundo (Guenther, 1980, 1997).

    O auto-conceito, nesta faixa etária, é constituído pelas percepções

    que a criança tem sobre si mesmo, dependentes das experiências

    vividas com o meio físico e com o meio social. A presença de

    equipamentos e materiais adequados e diversificados que promovam o

    desenvolvimento de competências e a exploração contínua através do

    cheirar, tocar, provar, ouvir e ver suscitam motivações internas capazes

    de fomentar diferentes percepções sensoriais e, simultaneamente, de

    criar situações de jogo e de experimentação adequadas à capacidade de

    manter relações efectivas e eficientes com esses mesmos materiais

    (Guenther, 1997). Por conseguinte, a exploração livre e independente

    permite à criança seleccionar e mesmo repetir experiências agradáveis e

    motivadoras com os materiais apresentados. Neste sentido, os

    comportamentos observáveis das crianças face aos materiais,

  • Método

    194

    considerados como – Eu e Material –, são reacções que, de certa

    forma, manifestam o desenvolvimento do seu auto-conceito.

    Por sua vez, a psicologia humanista realça a importância da

    relação com o outro como uma dimensão da personalidade. No início da

    vida a relação com o outro apresenta limites ténues porque simbiótico,

    mas ao longo do desenvolvimento a criança vive gradualmente um

    processo interactivo com os outros significantes. Na creche os outros

    significantes – educadores e crianças – vão ganhando espaço e

    amplitude tornando-se tantas vezes também elementos activos do jogo

    ou brincadeira. Nesta perspectiva, estes são incluídos no processo

    interactivo criança/material/outra criança ou adulto, ou seja, Eu, o

    Material e o Outro, enquanto outros no grupo.

    A visão de mundo é, nesta faixa etária, limitada e dependente

    dos outros que a rodeiam. A partir das interacções com o meio social e

    físico circundante a criança inicia a construção de um mundo mais

    alargado, tornando-se sensível e atenta a aspectos exteriores que não

    se limitam ao cenário próximo, mas com relação directa ao seu próprio

    corpo e eu. Neste sentido, podemos já encontrar comportamentos de

    atenção e enquadramento no mundo – Eu, o Material, o Outro e o

    Mundo – considerados como ambiente.

    Estas dimensões de análise permitem, em nosso entender, uma

    análise da produção obtida pelos grupos P e L, ou seja, verificar que

    existe alguma proximidade entre os grupos nas diferentes dimensões ou

    se surgem alguns indicadores que os diferenciem.