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5/17/2018 559DulceoSinski-slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/559-dulce-o-sinski 1/11  6199 A ARTE COMO EXERCÍCIO DA LIBERDADE: A ATUAÇÃO DOCENTE DE GUIDO VIARO – ANOS 30 A 60  Dulce Regina Baggio Osinski Universidade Federal do Paraná RESUMO Este estudo pretende analisar a contribuição de Guido Viaro para o ensino da arte no Paraná, constituindo- se em pesquisa de doutoramento ainda em curso, inserida na linha de pesquisa Intelectuais, Instituições e Cultura Escolar, na área de concentração História e Historiografia do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná, sob a orientação do Prof. Carlos Eduardo Vieira. Considerado o responsável pela introdução do Paraná na modernidade das artes plásticas, Viaro, que nasceu em Badia Polesine, pequena localidade da província do Vêneto, Itália, em 1897, chegou ao Brasil em 1927, estabelecendo-se em Curitiba em 1930, depois de uma experiência em São Paulo trabalhando como ilustrador e caricaturista em jornais da cidade. Artista autodidata, veio a se envolver com o ensino inicialmente por necessidade de sobrevivência, descobrindo na educação uma possibilidade de transformação social. Suas ações no campo educacional mais relevantes compreendem o período que vai desde até a década de 30 até os anos 60, a grande maioria delas circunscritas à cidade de Curitiba. Artista extremamente produtivo, mais conhecido por meio de obra gráfica e pictórica, significativa para o contexto cultural regional, tomou a frente em iniciativas de repercussão no campo do ensino da arte. Seu temperamento espontâneo imprimiu características específicas como professor e artista, as quais tiveram considerável influência das correntes modernistas do século XX, em especial o expressionismo, possuindo também vínculo com o pensamento da Escola Nova e com o que se costuma chamar de livre-expressão no ensino da arte. Colaborador da revista Joaquim, que circulou em Curitiba entre os anos 1946 e 1948, Viaro teve estreitas relações com intelectuais de outras áreas do conhecimento, como Dalton Trevisan e Erasmo Pilotto, participando do debate que então se colocava em termos de literatura, educação e arte. Como educador, Guido Viaro atuou em frentes diferentes: com o trabalho dirigido às crianças, que se iniciou em 1937 com a criação da primeira escolinha de arte do Paraná, anterior mesmo à conhecida Escolinha de Arte do Brasil, de Augusto Rodrigues, e que culminou com a criação, em 1953, do Centro Juvenil de Artes Plásticas, instituição em funcionamento até hoje; com a formação de professores, tendo, em parceria com o Instituto de Educação do Paraná, coordenado os primeiros cursos de capacitação docente em arte do Estado; com o ensino livre de arte, ministrado em seu atelier; e no ensino superior, como um dos primeiros professores da Escola de Música e Belas Artes do Paraná, fundada em 1948. Essas ações ocorriam concomitantemente e relacionavam-se umas às outras em sua conduta pedagógica, estando, principalmente, ligadas pelo pensamento de que a expressão, por meio da arte, era condicionad à liberdade. Acreditava que a educação através da arte possuía o poder redentor de humanização da sociedade. Esse artigo abordará especificamente sua atuação na formação de artistas, tanto no ensino livre, com sua Escola de Desenho e Pintura, como no curso superior de Pintura, confrontando seu próprio pensamento com a visão de seus contemporâneos. Como fontes, serão utilizados artigos de periódicos, entrevistas e depoimentos inéditos e já publicados. Serão tomados como referenciais as idéias de Gramsci de intelectual comprometido com a ação social.

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    A ARTE COMO EXERCCIO DA LIBERDADE: A ATUAO DOCENTE DE GUIDO VIARO ANOS 30 A 60

    Dulce Regina Baggio Osinski Universidade Federal do Paran

    RESUMO

    Este estudo pretende analisar a contribuio de Guido Viaro para o ensino da arte no Paran, constituindo-se em pesquisa de doutoramento ainda em curso, inserida na linha de pesquisa Intelectuais, Instituies e Cultura Escolar, na rea de concentrao Histria e Historiografia do Programa de Ps-graduao em Educao da Universidade Federal do Paran, sob a orientao do Prof. Carlos Eduardo Vieira. Considerado o responsvel pela introduo do Paran na modernidade das artes plsticas, Viaro, que nasceu em Badia Polesine, pequena localidade da provncia do Vneto, Itlia, em 1897, chegou ao Brasil em 1927, estabelecendo-se em Curitiba em 1930, depois de uma experincia em So Paulo trabalhando como ilustrador e caricaturista em jornais da cidade. Artista autodidata, veio a se envolver com o ensino inicialmente por necessidade de sobrevivncia, descobrindo na educao uma possibilidade de transformao social. Suas aes no campo educacional mais relevantes compreendem o perodo que vai desde at a dcada de 30 at os anos 60, a grande maioria delas circunscritas cidade de Curitiba. Artista extremamente produtivo, mais conhecido por meio de obra grfica e pictrica, significativa para o contexto cultural regional, tomou a frente em iniciativas de repercusso no campo do ensino da arte. Seu temperamento espontneo imprimiu caractersticas especficas como professor e artista, as quais tiveram considervel influncia das correntes modernistas do sculo XX, em especial o expressionismo, possuindo tambm vnculo com o pensamento da Escola Nova e com o que se costuma chamar de livre-expresso no ensino da arte. Colaborador da revista Joaquim, que circulou em Curitiba entre os anos 1946 e 1948, Viaro teve estreitas relaes com intelectuais de outras reas do conhecimento, como Dalton Trevisan e Erasmo Pilotto, participando do debate que ento se colocava em termos de literatura, educao e arte. Como educador, Guido Viaro atuou em frentes diferentes: com o trabalho dirigido s crianas, que se iniciou em 1937 com a criao da primeira escolinha de arte do Paran, anterior mesmo conhecida Escolinha de Arte do Brasil, de Augusto Rodrigues, e que culminou com a criao, em 1953, do Centro Juvenil de Artes Plsticas, instituio em funcionamento at hoje; com a formao de professores, tendo, em parceria com o Instituto de Educao do Paran, coordenado os primeiros cursos de capacitao docente em arte do Estado; com o ensino livre de arte, ministrado em seu atelier; e no ensino superior, como um dos primeiros professores da Escola de Msica e Belas Artes do Paran, fundada em 1948. Essas aes ocorriam concomitantemente e relacionavam-se umas s outras em sua conduta pedaggica, estando, principalmente, ligadas pelo pensamento de que a expresso, por meio da arte, era condicionad liberdade. Acreditava que a educao atravs da arte possua o poder redentor de humanizao da sociedade. Esse artigo abordar especificamente sua atuao na formao de artistas, tanto no ensino livre, com sua Escola de Desenho e Pintura, como no curso superior de Pintura, confrontando seu prprio pensamento com a viso de seus contemporneos. Como fontes, sero utilizados artigos de peridicos, entrevistas e depoimentos inditos e j publicados. Sero tomados como referenciais as idias de Gramsci de intelectual comprometido com a ao social.

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    TRABALHO COMPLETO

    Este estudo pretende analisar a contribuio de Guido Viaro para o ensino da arte no Paran, especificamente sua atuao na formao de artistas, tanto no ensino livre, com sua Escola de Desenho e Pintura, como no curso superior de pintura da Escola de Msica e Belas Artes do Paran, confrontando seu prprio pensamento com a viso de seus contemporneos. Constitui-se em parte da pesquisa desenvolvida para doutoramento ainda em curso, inserida na linha de pesquisa Intelectuais, Instituies e Cultura Escolar, na rea de concentrao Histria e Historiografia do Programa de Ps-graduao em Educao da Universidade Federal do Paran, sob a orientao do Prof. Dr. Carlos Eduardo Vieira. Artista produtivo, mais conhecido por meio de obra grfica e pictrica, significativa para o contexto cultural regional, tomou a frente em iniciativas de repercusso no campo cultural curitibano, especialmente com relao ao ensino da arte, mantendo caractersticas peculiares como professor ou artista que o vinculam s correntes expressionistas do incio do sculo XX e ao que se convencionou chamar de livre-expresso no ensino da arte.

    Considerado o responsvel pela introduo do Paran na modernidade das artes plsticas, Viaro, que nasceu em Badia Polesine, pequena localidade da provncia do Vneto, Itlia, em 1897, chegou ao Brasil em 1927, estabelecendo-se em Curitiba em 1930. Suas aes no campo educacional mais relevantes compreendem o perodo que vai desde at a dcada de 30 at o final dos anos 60, tendo sido desenvolvidas em frentes diferentes: no trabalho dirigido s crianas, na formao de professores, no ensino livre de arte e no ensino superior.

    O perodo em questo para o estudo que se pretende, em especial a dcada de 40, foi em Curitiba caracterizado por uma efervescncia de manifestaes vinculadas idia de moderno fenmeno cujas caractersticas variam de lugar para lugar, com temporalidades diversas que tiveram seu ponto ureo na literatura, mas que tambm se mostraram presentes nas artes plsticas. Artistas e intelectuais, desejosos de transformaes, procuraram a afirmao de valores que se caracterizaram pela ruptura e pela negao do estabelecido. O experimentalismo e a subjetividade so algumas das caractersticas que em geral marcam a produo cultural moderna, e que tambm se fizeram presentes entre os paranaenses. A expresso atravs da arte, com o mnimo de interferncias externas possveis, passou a ser vista como um poderoso instrumento pedaggico para o desenvolvimento do educando. Ao educador, foi reservado o papel de condutor dessa expresso espontnea. Transcendendo seu campo especfico, a arte passou a ser vista como uma atividade de poder transformador, com capacidade de interferir nos processos educativos de uma maneira mais ampla e de contribuir para a formao de um ser humano melhor.

    Essas idias, com as quais Guido Viaro se identificava, encontravam resistncia por parte dos artistas e pblicos mais tradicionalistas e pelas escolas de Belas Artes, cuja base pedaggica tinha fortes razes na tradio francesa das academias de orientao neoclssica. Possuidor de obra artstica marcada pelo individualismo, Viaro motivou toda uma gerao de artistas preocupados em sintonizar a produo artstica do Paran com as tendncias a ela contemporneas e em subverter a ordem imposta pelo meio artstico curitibano, que tinha em Alfredo Andersen1 e seus discpulos o parmetro absoluto da boa arte.

    Com o intuito de pensar as aes educativas de Viaro, tomaremos como referenciais as idias de GRAMSCI (2001), que define o intelectual mais pela funo desempenhada na sociedade do que por caractersticas especficas pr-determinadas. Contrapondo-se ao que denomina de intelectual tradicional desinteressado, ocupado apenas com sua obra e suas idias, esse pensador defende que o

    1 Alfredo Andersen, artista noruegus que viveu em Curitiba de 1902 a 1935, quando faleceu, trabalhou como pintor

    e professor de arte, criando uma escola de Desenho e Pintura, de carter livre. considerado responsvel pela instituio de uma escola estilstica de influncia impressionista, identificada com o naturalismo, que valorizava a pintura ao ar livre e o uso das estruturas convencionais da perspectiva, e qual se vincularam muitos artistas paranaenses, como Theodoro de Bona, Lange de Morretes, Kurt Freyesleben e Stanislaw Traple, entre outros, tidos como seus discpulos (OSINSKI, 1998, p. 213-240).

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    mesmo deve se envolver ativamente na vida prtica, atuando como construtor, organizador, e assumindo o papel de persuasor permanente.

    Os termos moderno e modernista, utilizados para definir Viaro e seu trabalho desde suas primeiras aparies pblicas, foram sendo reforados, ao longo do tempo, a cada evento cultural do qual participava. Desde sua chegada a Curitiba, Guido Viaro se apresentou como professor e participante do movimento de arte moderna italiana, chegando a citar Modigliani como um de seus expoentes mximos (GAZETA DO POVO, 07 mai. 1930). A GAZETA DO POVO (25 mai. 1933) cita sua mostra de pinturas modernas como sendo provavelmente a primeira do gnero a se realizar em Curitiba. Embora declarasse na ocasio ser diplomado pela Academia de Belas Artes de Veneza, essa afirmao foi posteriormente relativizada em favor do autodidatismo: Mais do que escola, procurei dentro de mim, fiz ensaios de todo o gnero para achar um caminho que ainda no era o meu (VIARO, 1967).

    A vida de artista no garantia um ganho estvel capaz de responder pelo sustento de uma famlia e por outras despesas regulares. Utilizar suas habilidades e conhecimentos desdobrando-os em direo ao ensino foi a alternativa encontrada por Viaro para uma sobrevivncia digna sem abrir mo das atividades artsticas. Pressionado pelas premncias do dia-a-dia, em 1932 (BAPTISTA, 1997, p. 9) aceitou o convite para lecionar desenho no Colgio Iguau (VIARO, Dirio do Paran, 14 nov. 1971). Seu filho Constantino Viaro aponta a honestidade artstica do pai como um dos motivos centrais para a opo pelo magistrio:

    Ele sempre foi honesto, nunca cedeu crtica, a conceder para poder sobreviver. Ento ele nunca sobreviveu de arte. A sobrevivncia dele foi atravs do ensino e no propriamente na primeira fase, no era s pintura. Era desenho de colgio. Ele lecionava de manh, tarde e noite. Sofreu, trabalhou, lecionava naqueles cursos noturnos do Colgio Iguau, que era s para adultos. Um negcio assim muito difcil (VIARO, 1992, p. 9). O prprio artista chegou a declarar que logo aps o casamento lecionava cerca de 15 ou

    16 horas por dia, em quase todos os colgios de Curitiba (VIARO, Dirio do Paran, 14 nov. 1971). Essas primeiras experincias no se relacionavam diretamente ao ensino da arte, mas da disciplina de desenho, existente ento no currculo escolar. Em 1935, o GINSIO BELMIRO CSAR (1935) tambm passaria a contar com o artista para a cadeira de desenho. Foi ali, segundo alguns autores, que teriam sido realizadas suas primeiras experincias com o ensino de artes para crianas. Em 1940, Viaro lecionaria desenho para o curso ginasial do Liceu Rio Branco (BAPTISTA 1997, p. 11) e em 1941 a Escola Profissional Repblica Argentina, de administrao estadual, entraria no rol das instituies que receberam sua contribuio docente (PARAN, 08 mar. 1941), a qual se estendeu provavelmente at 1947, data em que iniciou a lecionar no Colgio Estadual do Paran (SECRETARIA DE EDUCAO E CULTURA DO ESTADO DO PARAN, 1941-1966).

    Em 1939, procurando preencher uma lacuna existente pela falta de professores de arte com linha de orientao mais livre e necessitando de um espao maior para o desenvolvimento de sua prpria pesquisa, Guido Viaro criou a Escola de Desenho e Pintura, que recebeu licena para funcionar em 16 de maio (PARAN, 16 mai. 1939) e foi instalada na praa Zacarias, esquina com a rua Westphalen (BRANDO, 1992), junto Sociedade Dante Aleghieri. Responsvel pela direo da escola, o pintor era titular das cadeiras de Desenho e Pintura, contando com o reforo de Joo Turim, que ministrava Plstica. Eram ainda oferecidas as disciplinas Projeo e Perspectiva, Desenho Geomtrico, Esttica e Histria da Arte. Constituindo-se em animado ponto de encontro para calorosas discusses entre intelectuais e artistas, sua atmosfera estimulante ficou gravada na memria de Leonor Botteri:

    No caminho da escola, na Travessa Oliveira Bello, havia um caf, muito freqentado por intelectuais. O Viaro costumava passar l, para um bate-papo e, por diversas vezes, trazia pintores e intelectuais para conhecer os alunos. Outros intelectuais vinham espontaneamente, porque era um ambiente que propiciava discusses e conversas muito interessantes. Isso tambm era bastante enriquecedor para os alunos (BOTTERI, 1997). Alunos, escritores e profissionais das artes plsticas se misturavam em sesses onde

    predominava a informalidade, conforme relato afetivo de Campos:

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    Os modelos vivos eram pacientes, ps, mos, rostos, barbas, risos, piadas espalhavam-se no alegre ambiente onde intelectuais ali se reuniam. Foram momentos especiais, ouvindo Erasmo Pilotto, Osvaldo, Turim, Serafim Frana, Nelson Luz, Osvaldo Lopes e outros. Bakun, na sua assiduidade, sempre com sua pastinha debaixo do brao, sua vida particularmente comentada. Alunos, Nilo Previdi, Esmeraldo Blasi, saudoso Dalton, Euro, Jeanna Gabardi, Leonor Botteri e muitos outros. [...] Assim, neste ambiente pleno de poesia, sempre um ar festivo de camaradagem e saber, freqentamos um curso livre, sem pretenses, apenas com o desejo de aprender (CAMPOS, 1997). A disposio de Viaro em orientar e trocar experincias no se restringia esfera de seus

    alunos, estendendo-se aos interessados que o procurassem. BOTTERI (1997) conta como Miguel Bakun, artista paranaense ento principiante, aproximou-se do artista timidamente, trazendo alguns desenhos para a apreciao. Sendo bem recebido pelo mestre, passou a freqentar o espao com regularidade. Campos conta ainda da parceria entre Viaro e Dalton Trevisan (CAMPOS, 1997), na poca um jovem escritor que freqentava o casaro da Praa Zacarias, um escrevendo contos, outro ilustrando-os.

    Leonor BOTTERI (1997) se recorda que a metodologia de trabalho nessa escola era baseada no respeito s tendncias individuais, e que Viaro, como professor, procurava sempre mostrar entusiasmo com os resultados obtidos pelos estudantes. Para os exerccios escolares, feitos a grafite, aquarela ou leo, os temas trabalhados eram a natureza-morta e a figura humana, sendo disponibilizados modelos vivos para que o trabalho se processasse diretamente a partir da observao do natural. Segundo CAMPOS (1997) no havia, nesses exerccios, a busca da prefeio, sendo os alunos estimulados interpretao pessoal, captando o esprito das coisas, no as coisas em si.

    Marco Arami, que teve contato com a Escola de Desenho e Pintura de Viaro, expressou sua impresso sobre aquele ambiente de trabalho e sobre o modo de Viaro ensinar seus alunos:

    Ele manda o estudante caminhar sem as muletas de seu auxlio. Chega ao ponto de nem sequer corrigir. O aluno que tem de se emendar, se aperfeioar, se desenvolver. Ele no aturde, nem entope o candidato com regras e preceitos. A evoluo deve se operar de dentro para fora. Isto o moo deve SE procurar, SE esforar para SE revelar. Se afirmar e triunfar. Em suma, Viaro no abre seu guarda chuva dogmtico e absolutista para esconder seus discpulos ou abaf-los. O sol nasce para todos. E quem tiver tutano, que vena (ARAMI, O Dia, 30 out. 1946). A responsabilidade pelo aprendizado e pelo desenvolvimento como artista era, dessa

    forma, delegada ao aluno, que definiria o caminho a ser seguido e cujo grau de envolvimento e dedicao determinaria os avanos, a partir de uma orientao sem receitas pr-estabelecidas.

    Em 1944, a Sala Livre do I Salo Paranaense, certame artstico de carter oficial, contou com a participao de alunos da Escola de Desenho e Pintura de Viaro, os quais foram bem recebidos pela crtica, merecendo elogios. Adriano ROBINE (Dirio da Tarde, 15 nov. 1944) destaca os trabalhos dos jovens artistas Nilo Previdi e Leonor Botteri, afirmando serem os mesmos de valor incontestvel no ambiente artstico do Paran. Sobre as pinturas de Botteri, comenta que ela, como seu mestre Viaro, prima pela subjetividade: esses trabalhos podem figurar, sem favor, entre as telas do Salo dos Mestres. Leonor [...] no falta talento nem viso, e nem segura orientao artstica (ROBINE, Dirio da Tarde, 15 nov. 1944).

    O sucesso de alunos num certame que obtinha alto grau de visibilidade junto comunidade local representava, para os artistas que atuavam como professores, alguns pontos a mais na escala de prestgio profissional. Artista ento j bastante respeitado, Viaro ia gradativamente ampliando seu crculo de interlocutores, entre os quais se incluam muitos jovens artistas e escritores, ansiosos por desengessar os pressupostos estabelecidos para o fazer e o pensar da literatura e da arte. A amizade com Dalton Trevisan e com outros jovens intelectuais, e a opo declarada do artista pelos moos, cujas idias viria a apoiar em vrios momentos cruciais e para quem acabaria se tornando uma espcie de smbolo do moderno nas artes plsticas, teriam como conseqncia sua insero nos debates que se intensificariam por ocasio da constituio do grupo de intelectuais e artistas ligados Revista Joaquim, que circulou de

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    1946 a 1948, quando a batalha entre o velho e o novo, entre a tradio e o moderno, entre o passado e o futuro, passou a ser mais acirrada e declarada. Dalton Trevisan, em artigo intitulado Viaro, hels, ...e abaixo Andersen (JOAQUIM, dez. 1946, p. 10), definia o artista como a fonte sozinha da inquietude nas artes plsticas, deixando clara a opo dos moos do Paran naquele momento: Entre Andersen e Viaro, ns, os moos, j fizemos nossa escolha: s nos servem, no os mortos, mas a ns os vivos, que criam a arte nova dos tempos novos.

    Wilson Martins reconheceu a contribuio de Guido Viaro para a renovao aspirada pelos jovens, atrados por qualidades como inquietude e insatisfao, manifestadas pelo artista em composies arrojadas de arte moderna:

    um homem ainda moo, mas j de cabelos brancos, que sempre visto com os moos, que compreendido pelos moos, e que os compreende, e que sempre o primeiro frente das iniciativas renovadoras, daquelas que podem indicar algum caminho desconhecido, ou frutos novos das rvores que se conhecem . [...] Um quarto de sculo depois, repete-se no Paran o episdio modernista de So Paulo: o de um pintor que se atira corajosamente a experincias sem dvida inspiradas pelos pioneiros, mas sempre experincias pessoais, abrindo caminho a uma idia geral de renovao (MARTINS, O Estado de So Paulo, 19 jan. 1947). Refutando a idia do talento como uma ddiva concedida a poucos privilegiados, Viaro se

    considerava um artista sempre em processo. Perguntado sobre o costume de pesquisar incessantemente, deixando muitos trabalhos inacabados, responderia: Isso apenas significa minha insatisfao artstica; [...] Eis a diferena entre um artista e um sapateiro; se eu fosse sapateiro teria sempre a certeza de aprontar o sapato... (VIARO, apud TREVISAN, Dirio da Tarde, 22 jan. 1943).

    O modo como Guido Viaro se mostrava publicamente, no escondendo suas dvidas e hesitaes, o afastava do modelo do mestre, algum sempre seguro, possuidor do conhecimento e investido de autoridade. Para os moos que o cercavam, esse tipo de atitude fazia dele algum mais prximo, algum que no se colocava numa posio superior, algum que, como eles, no tinha certeza de tudo. Um exemplo, mas no um modelo. O incentivo busca da individualidade era, a propsito, um dos conselhos preferidos de Guido Viaro aos que se iniciam nas artes plsticas. Em catlogo de exposio realizada por seu aluno Luiz Carlos de Andrade Lima, exorta o jovem artista a renegar seu mestre: a mocidade viva, forte, deve tudo ousar, deve renegar os caminhos conhecidos, deve arriscar tudo para achar sua estrada (VIARO, [1958]).

    Os pressupostos que norteavam as atitudes de Guido Viaro como professor em sua Escola de Desenho e Pintura o acompanharam quando passou a fazer parte do corpo docente da Escola de Msica e Belas Artes do Paran (EMBAP), criada em 1948 para preencher uma lacuna da qual o meio cultural paranaense se ressentia. Alfredo Andersen, durante toda sua vida, lutara pela criao de uma instituio oficial dedicada formao de artistas, e Guido Viaro concordava com ele, considerando que as escolas de desenho e pintura existentes, de iniciativa particular, no davam conta de uma formao adequada para os jovens interessados no assunto:

    Elas so numerosas em Curitiba, mas todas elas falhas, a comear pela minha. Em geral estas escolas tratam da parte mecnica, da reproduo objetiva das coisas, sem preocupar-se minimamente do lado intelectual e cultural do paciente (sic), que deveria ser tratado paralelamente ao da reproduo. Para esse fim da formao intelectual e cultural seria necessria uma Academia oficial ou agremiao de pessoas capazes de orientar no prprio setor cada um destes rapazes hericos aos quais, mesmo vencedores, est reservado um verdadeiro calvrio antes de chegar notoriedade (VIARO, O Dia, 08 out. 1946). O desejo de que o aluno se libertasse da mera reproduo de modelos a partir da

    observao visual tinha relaes com os prprios mtodos de trabalho de Guido Viaro, que raramente fazia uso de objetos como referncia para sua criao e que trabalhava prioritariamente a partir da imaginao, conforme revelaes feitas no final dos anos cinqenta (WINTER, Gazeta do Povo, 22 set. 1959). O artista acreditava na poca que uma instituio complexa nos moldes das escolas de belas artes, com diferentes disciplinas ministradas por professores especializados em suas reas e provendo outras

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    informaes alm dos exerccios de observao visual, seria capaz de auxiliar os futuros artistas na tarefa de conquistarem um modo de se expressar artisticamente mais pessoal. digno de nota, porm, que a sua participao nas discusses sobre o projeto da nova escola a ser criada no evitou que seu currculo fosse estruturado a partir de normas rgidas que privilegiavam justamente a representao realista.

    Integrando o rol dos professores do Departamento de Artes Plsticas da recm criada Escola, Guido Viaro ficou inicialmente responsvel pela disciplina Arte Decorativa: Desenho e Composio. Como acontecia nas demais instituies em que atuava, o artista teve a iniciativa de criar tambm ali um Curso Livre (ALFREDO EMLIO, O Dia, 01 jan. 1949), em substituio sua Escola de Desenho e Pintura, que foi desativada, sendo as atividades com o ensino superior, a orientao de atelier livre e seu prprio trabalho de artista concentrados num s lugar.

    A conduo de um atelier livre dentro da estrutura da EMBAP dava a Viaro a possibilidade de trabalho fora das prescries rgidas das disciplinas do curso o qual, espelhado na Academia Nacional de Belas Artes, guardava muitos resqucios das metodologias de ensino de arte das academias francesas do perodo neoclssico. No intuito de burlar a rigidez que tal modelo pedaggico prescrevia, Guido Viaro procurou, desde o incio de sua participao como professor da instituio, criar um ambiente prprio, uma espcie de ilha de liberdade onde suas idias pudessem prevalecer e se desenvolver.

    O espao utilizado era uma sala situada no sto, onde todas as atividades eram desenvolvidas integradamente. O fato de estar separada dos demais espaos da escola ressaltava as diferenas entre o modo de ensinar ali praticado e a didtica das demais disciplinas. No havia, segundo depoimentos de seus ex-alunos, uma separao rgida entre as atividades do curso livre e as do currculo regular nas turmas de responsabilidade de Guido Viaro. Segundo Adalice ARAJO (1997), ingressa na turma de 1951, o mestre costumava reunir todos os seus alunos em um nico espao, independentemente da srie em que estivessem ou da natureza do curso freqentado. A ex-aluna lembra de visitas feitas por Miguel Bakun e Dalton Trevisan e de artistas hoje conhecidos, como Loio Prsio, Violeta Franco, Sofia Dyminski e Luiz Carlos de Andrade Lima, que poca freqentavam o atelier livre. Alguns deles, a exemplo de Andrade Lima, acabavam ingressando posteriormente nos cursos superiores da Escola. O ex-aluno, que estudara com Viaro no Colgio Estadual do Paran, relata que ingressou no Curso Livre nos anos 50, participando das aulas juntamente com alunos do primeiro, segundo e terceiro anos do curso regular (ANDRADE LIMA, 1984, p. 107). Trabalhvamos juntos, diz ele, referindo-se tanto aos colegas daquele tempo quanto ao prprio professor, que produzia compulsivamente enquanto atendia os alunos: Dando aulas, via o mestre retirar pequenos papis dos bolsos e desenhar. Por todas as gavetas da escola encontravam-se sempre grandes nmeros de desenhos feitos por ele em sala de aula. Ele vivia a pintura; a pintura era a sua vida (ANDRADE LIMA, 1984, p. 108). A dedicao ao professor ao seu metier vista pelo ex-aluno como um exemplo marcante para todos os que estavam sua volta.

    Adalice Arajo afirma ter sido ele o professor mais carismtico daquele perodo e o nico a incitar os alunos a serem autnticos, a ousar e a construir seu prprios caminhos, refutando os modelos pr-estabelecidos. Trabalhando lado a lado com seus alunos, dava-lhes a oportunidade de v-lo desenhar, pintar ou imprimir suas monotipias. Segundo ela, as aulas aconteciam tarde, mas os alunos iam espontaneamente ao atelier de Viaro em perodos alternativos em busca de sua orientaao (ARAJO, 1997).

    Estela Sandrini, que foi sua aluna dez anos mais tarde, tem lembranas parecidas com as de Arajo, ressaltando o fato de as orientaes de Viaro, que pregava envolvimento integral nos assuntos artsticos, extrapolarem os contedos de sala de aula:

    Com ele aprendi a visualizar a cor, a perceber a luz e os contrastes. Extremamente afetivo, preocupava-se com o aluno, com sua vida, com seus anseios. A grande lio de vida que passou foi coragem. Coragem de criar, estudar e vivenciar a arte (SANDRINI, 1997). Luiz Carlos de Andrade Lima concorda com Sandrini, afirmando que Viaro orientava no

    verdadeiro sentido da palavra, de maneira livre, sem imposio, deixando o indivduo desbravar, descobrir, dando condies ao aluno trabalhar s e encontrar-se atravs do trabalho e do desenho

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    (ANDRADE LIMA, 1984, p. 108). Jorge Remez ressalta que Viaro no mantinha com ele e seus colegas uma relao com o afastamento comum entre professor e aluno: era aquela amizade, era assim um irmo mais velho, sempre brincando (REMEZ apud DASILVA, 1992, p. 30).

    Seu mtodo de trabalho e sua participao na EMBAP tambm so mencionados por Sandrini:

    Era presente na Escola toda. Embora exigente com a produo do aluno, ensinava com dedicao. O gesto de seu desenho mostrava a fora do artista e da pessoa. Era um trabalhador incansvel; pintava e desenhava junto com os alunos na sala de aula. Fazia da sala de aula o seu atelier. Lembro a obra A Polaca Verdureira, que pintou enquanto ensinava (SANDRINI, 1997). Fernando Calderari, que teve o primeiro contato com o mestre em 1958, assinala: era

    figura central da EMBAP, em torno dele gravitavam todos (CALDERARI, 1997). Sua sensibilidade para sentir as dificuldades do aluno reconhecida pelo ex-aluno, que acrescenta:

    Sempre repetia: Se voc acredita, faa! Para ele, cada um tinha algo a criar, a oferecer. [...] Ensinava sem seguir programas convencionais. [...] Viaro, a parte criativa da EMBAP. Viaro, cabea adiante do seu prprio tempo (CALDERARI, 1997). CALDERARI (1984, p. 123) arrisca uma comparao entre Andersen e Viaro em suas

    posturas como educadores, comentando que enquanto o primeiro formou seus discpulos com base nos conhecimentos clssicos e na rigidez, o segundo deixava os alunos mais livres, privilegiando a espontaneidade: Andersen determinou uma srie de grandes artistas. Viaro vai mais alm, determinando tambm uma nova concepo de arte. Em sua opinio, a principal mensagem deixada por Viaro foi a liberdade de expresso: O Viaro [...] no era daquele professor que ficava em cima, ele passava, olhava e depois voltava, corrigia o trabalho, mas deixava o aluno muito vontade e isso muito importante para o artista (CALDERARI, 1984, p. 123). Acrescenta ainda que o mestre no interferia absolutamente no aspecto cromtico, compositivo e plstico, embora sempre fizesse comentrios ao trmino da obra. Transcendendo o papel de professor de uma determinada disciplina, Calderari o via como uma pessoa inquieta de mil e uma possibilidades, mil e uma atividades e consideraes (CALDERARI, 1984, p. 124), cujos ensinamentos se dirigiam no apenas a um tipo de pessoa, mas para um contexto mais geral e amplo. Essa tambm a opinio de Fernando Velloso, para quem realmente tudo o que se fez de moderno, de arrojado e pr frente, mantidas as propores da pequenez cultural de Curitiba daquele tempo, foram graas aos empurres de Viaro, que aceitava, que incentivava tudo o que se fizesse alm daquele padro de ensino convencional a que a Escola se propunha (VELLOSO apud DASILVA, 1992, p. 29).

    A idia de liberdade de expresso irrestrita por parte de Viaro relativizada por Joo Osrio BRZEZINSKI (1997), ex-aluno do Curso Superior de Pintura, que afirma que quando possvel, Viaro dava bastante liberdade aos alunos, numa aluso a um contexto de curso superior que, tendo um currculo a cumprir, tinha suas amarras muitas vezes intransponveis. Seu depoimento nos leva a considerar que o prprio Viaro possua seus parmetros pessoais que limitavam essa liberdade. Por outro lado, o fato de ele trabalhar junto com os alunos no mesmo espao e muitas vezes concomitantemente, fazia com que sua presena como artista em pleno ato criador e a de seus trabalhos, espalhados pelo ambiente, constitussem, mesmo que involuntariamente, um modelo a ser seguido. Raquel WINTER (Gazeta do Povo, 22 set. 1959) afirmou ser ele, na poca, um dos pintores mais imitados do Estado: Seus alunos da Escola de Belas Artes tm que lutar bravamente, para se livrar de sua ascendncia. E, muito tempo aps haverem terminado os seus cursos ainda vo encontrar resqucios dessa influncia em seus trabalhos. Aurlio BENITEZ (O Estado do Paran, 12 nov. 1961) tambm percebia a grande ascendncia do mestre refletida nos trabalhos dos que com ele tinham contato em sala de aula, dizendo que, mesmo quando muitos alunos do artista j estavam em plena atividade profissional, era fcil reconhecer entre os novos pintores paranaenses a influncia de Viaro.

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    Mesmo havendo parmetros limitadores, o modo de Viaro orientar seus alunos era bastante livre, comparativamente aos mtodos utilizados por outros professores, entre eles os discpulos de Andersen. A prpria atitude de ingressar como docente numa instituio que j nasceu sob orientao bastante conservadora pode ser interpretada como uma estratgia para, de dentro do sistema, subvert-lo por meio de aes baseadas em idias mais modernas.

    Vicente Jair MENDES (1984, p. 101) define a atuao docente de Viaro dizendo que ele orientava, no impunha, procurando extrair o mximo de seus alunos por meio da conversa a partir dos trabalhos realizados, sem ensinar receitas, mas incentivando-os a produzir mais e melhor. Ao invs de sentar e corrigir as eventuais falhas e deficincias, ele fazia as observaes sobre o que achava que deveria ser modificado ou no, exigia que o aluno fizesse correes e depois ele fazia novos comentrios (MENDES apud DASILVA, 1992, p. 30). Mendes procurava a explicao de tal conduta pedaggica no prprio comportamento do artista enquanto produtor: Ao analisarmos a obra de Viaro, percebe-se que ele prprio pesquisou muito em tcnicas, formas e estilo. Ele mesmo no usava para si o receiturio, portanto a sua forma de ser, ele a transmitia (MENDES, 1984, p. 103). Essa maneira de ousar acabava se tornando uma referncia para os alunos: Ele riscava a tela, pintava a leo sobre papelo, misturava nanquim com aquarela, enfim, era um experimentalista, e os outros aproveitavam seus resultados para utilizar novas tcnicas (MENDES apud ARLANT, Jornal do Estado, 05 nov. 1987).

    Seu esprito investigativo permeava a atuao docente de vrias formas, entre elas a transgresso do programa curricular, como observa ANDRADE LIMA (1984, p. 109) mencionando o ensino, pelo mestre, da gravura, que no era de sua atribuio. Vera Ficinski tambm lembra de Viaro ter lhe ensinado aquarela, tcnica que, segundo ela, no fazia parte do programa da disciplina de pintura (FICINSKI apud DASILVA, 1992, p. 28) e Orlando DASILVA (1992, p. 29) acrescenta a existncia de atividades com monotipia e afresco.

    Mesmo estando vinculado Escola de Msica e Belas Artes do Paran e submetido ao seu sistema de regras, Viaro incentivava a expresso individual, na crena de que o verdadeiro artista no aprende a s-lo com os outros, em instituies de ensino, sendo antes moldado por suas experincias de vida e pelo seu interior expressivo. Perguntado, anos mais tarde por Adalice Arajo (VIARO, Dirio do Paran, 03 out. 1971) se a arte pode ser ensinada, o artista responderia taxativamente: No, espontnea. O meio seria, em sua opinio, o grande elemento educativo e formativo a atuar sobre os artistas:

    Os condicionamentos s instituies nem sempre servem para os indivduos que tm um mundo para exprimir e que l vo com o objetivo de poder pesquisar e transmitir e no seguir rigidamente respostas aprendidas, bloqueios s redescobertas individuais, desviando-os dos princpios pelos quais foram escola (VIARO, Dirio do Paran, 03 out. 1971). Completando sua defesa do autodidatismo, e alertando para os perigos de um professor

    influente, o artista declara: Salvo raras excees acredito mais nos autodidatas do que naqueles que saem das escolas, porque em geral os professores tentam impor a prpria personalidade e maneira de ver, salvo seja que um professor que compreenda ser sua funo incentivar a pesquisa deixando absoluta liberdade de expresso. claro que se ns tentarmos impor nosso ponto de vista estaremos destruindo o processo de criatividade (VIARO, Dirio do Paran, 03 out. 1971). Mesmo defendendo o autodidatismo e assumindo o papel de cone da arte moderna junto

    aos artistas jovens e queles ligados ao Joaquim, Guido Viaro no se furtou de reconhecer a importncia do ensino sistematizado de arte para o contexto cultural curitibano. No obstante, sua posio dentro da Escola de Msica e Belas Artes do Paran foi a de criar, dentro de um sistema rgido dominado por concepes academicistas de ensino, uma via paralela que possibilitasse uma atividade docente mais livre e identificada com a modernidade.

    A apropriao de um espao exclusivo, mais ligado ao professor que s disciplinas, no caso o sto da EMBAP, foi de grande importncia para o desenvolvimento de seus vrios projetos, os

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    quais aconteciam muitas vezes simultaneamente, possibilitando a troca de idias entre alunos regulares e freqentadores do curso livre. Por outro lado, sua prtica como artista, acontecendo diante dos alunos, ao mesmo tempo que estimulava a produo por meio do desvelamento dos processos do mestre e seu carter de pesquisa, acabava, mesmo que sutilmente, impondo alguns parmetros. Bastante evidenciada no discurso, a idia de liberdade na arte, defendida por Viaro e aludida por seus alunos quando a ele se referiram em depoimentos posteriores, tambm guardava seus limites, ancorados em grande parte por parmetros sugeridos por um expressionismo de natureza figurativa. De qualquer forma, comparada com os mtodos de ensino dos outros professores, de formao acadmica e ligados escola de Andersen, sua atuao como professor apresentava um diferencial no s pela introduo de contedos que no faziam parte da grade curricular, como pelo incentivo dado expresso individual por meio da busca incessante de um caminho prprio. Foi sto da EMBAP que muitos dos artistas que viriam a desempenhar um papel importante na consolidao da arte moderna no Paran nos anos vindouros viram seus horizontes se alargarem por meio da orientao de Guido Viaro.

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