3877-12195-1-pb.pdf

8
PESQUISA Research DOI:10.4034/RBCS.2010.14.02.03 Volume 14 Número 2 Páginas 21-28 2010 ISSN 1415-2177 Revista Brasileira de Ciências da Saúde A Fitoterapia na Rede Básica de Saúde: o Olhar da Enfermagem The Fitotherapy in the Basic Net of Health: the Glance of the Nursing ROSÂNGELA ALVES ALMEIDA BASTOS¹ ANA MARIA CAVALCANTE LOPES² ¹Enfermeira graduada pela UFPB com Especialização em Enfermagem do Trabalho. ²Mestre em Enfermagem. Professora do Departamento de Enfermagem em Saúde Pública e Psiquiatria (DESPP) da UFPB. 1 2 RESUMO Objetivo: Este estudo teve como objetivo avaliar o conhecimento que o profissional de Enfermagem tem sobre Fitoterapia e as dificuldades encontradas para implementação dessa terapêutica nas Unidades Saúde da Família. Material e Métodos: Trata-se de um estudo exploratório-descritivo, com abordagem quantiqualitativa. A população deste estudo foi composta de profissionais de enfermagem que atuam no Programa Saúde da Família do Distrito Sanitário III do município de João Pessoa-PB. Resultados: Os resultados revelaram que ainda é insuficiente o conhecimento que os Enfermeiros têm sobre Fitoterapia, sendo considerado um dos principais obstáculos encontrados pelos mesmos para a implementação da Fitoterapia no Programa Saúde da Família. Conclusão: O problema de formação dos profissionais de Enfermagem nos faz repensar o papel da equipe de saúde frente ao seu poder de intervenção na Atenção Básica. É preciso incentivar a importância das terapias complementares a partir do processo de formação desses profissionais para que desta forma, os mesmos possam orientar a população a participar nos cuidados a saúde utilizando caminhos vivenciados pela própria comunidade. Para tanto, precisa-se resgatar o saber que envolve e garante o uso das plantas medicinais, através da implementação da Fitoterapia na Rede de Atenção Básica de Saúde. DESCRITORES Fitoterapia. Enfermagem. Programa Saúde da Família. SUMMARY Objective: This study evaluates the Nursing professional’s knowledge about Fitotherapy and the difficulties found for implementation of that therapeutics in the Family Health Units. Material and Methods: This is an exploratory-descriptive study, with quanti-qualitative approach. The population of this study was composed of nursing professionals that work in the Family Health Program of the Sanitary District III of the municipal district of João Pessoa-PB. Results: The results revealed that it’s still insufficient the Nurses’ knowledge on Fitotherapy, what was considered one of the main obstacles found by them for implementing Fitotherapy in the Family Health Program. Conclusion: The problem of the Nursing professionals’ training makes us rethink the role of health staff face to its power to intervene in Primary Care. It’s needed to encourage the importance of complementary therapies from the training process of these professionals so they can guide the population to participate in health care using paths experienced by the community. To this end, it’s needed to rescue the knowledge that involves and ensures the use of medicinal plants through the implementation of Herbal Medicine in Primary Care Health Network. DESCRIPTORS Phytotherapy. Nursing. Family Health Program. http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/rbcs

Upload: mayrla-coutinho

Post on 19-Jan-2016

1 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

PESQUISA

Research DOI:10.4034/RBCS.2010.14.02.03 Volume 14 Número 2 Páginas 21-28 2010ISSN 1415-2177

Revista Brasileira de Ciências da Saúde

A Fitoterapia na Rede Básica de Saúde:o Olhar da Enfermagem

The Fitotherapy in the Basic Net of Health: the Glance of the Nursing

ROSÂNGELA ALVES ALMEIDA BASTOS¹ANA MARIA CAVALCANTE LOPES²

¹Enfermeira graduada pela UFPB com Especialização em Enfermagem do Trabalho.²Mestre em Enfermagem. Professora do Departamento de Enfermagem em Saúde Pública e Psiquiatria (DESPP) da UFPB.

12

RESUMOObjetivo: Este estudo teve como objetivo avaliar oconhecimento que o profissional de Enfermagem tem sobreFitoterapia e as dificuldades encontradas para implementaçãodessa terapêutica nas Unidades Saúde da Família. Materiale Métodos: Trata-se de um estudo exploratório-descritivo,com abordagem quantiqualitativa. A população deste estudofoi composta de profissionais de enfermagem que atuam noPrograma Saúde da Família do Distrito Sanitário III do municípiode João Pessoa-PB. Resultados: Os resultados revelaramque ainda é insuficiente o conhecimento que os Enfermeirostêm sobre Fitoterapia, sendo considerado um dos principaisobstáculos encontrados pelos mesmos para a implementaçãoda Fitoterapia no Programa Saúde da Família. Conclusão: Oproblema de formação dos profissionais de Enfermagem nosfaz repensar o papel da equipe de saúde frente ao seupoder de intervenção na Atenção Básica. É preciso incentivara importância das terapias complementares a partir doprocesso de formação desses profissionais para que destaforma, os mesmos possam orientar a população a participarnos cuidados a saúde utilizando caminhos vivenciados pelaprópria comunidade. Para tanto, precisa-se resgatar o saberque envolve e garante o uso das plantas medicinais, atravésda implementação da Fitoterapia na Rede de Atenção Básicade Saúde.

DESCRITORESFitoterapia. Enfermagem. Programa Saúde da Família.

SUMMARYObjective: This study evaluates the Nursing professional’sknowledge about Fitotherapy and the difficulties found forimplementation of that therapeutics in the Family Health Units.Material and Methods: This is an exploratory-descriptivestudy, with quanti-qualitative approach. The population ofthis study was composed of nursing professionals that workin the Family Health Program of the Sanitary District III of themunicipal district of João Pessoa-PB. Results: The resultsrevealed that it’s still insufficient the Nurses’ knowledge onFitotherapy, what was considered one of the main obstaclesfound by them for implementing Fitotherapy in the Family HealthProgram. Conclusion: The problem of the Nursingprofessionals’ training makes us rethink the role of healthstaff face to its power to intervene in Primary Care. It’s neededto encourage the importance of complementary therapiesfrom the training process of these professionals so they canguide the population to participate in health care using pathsexperienced by the community. To this end, it’s needed torescue the knowledge that involves and ensures the use ofmedicinal plants through the implementation of HerbalMedicine in Primary Care Health Network.

DESCRIPTORSPhytotherapy. Nursing. Family Health Program.

http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/rbcs

BASTOS e LOPES

22 R bras ci Saúde 14(2):21-28, 2010

A terapia através de plantas medicinais eraconhecida e praticada pelas antigas civi-lizações. Arqueólogos demonstram que há mais

de três mil anos as ervas eram utilizadas como alimentos,medicamentos ou cosméticos, esta foi uma das primeirasmanifestações de esforço do homem para compreendere utilizar a natureza (TESKE, TRENTINI, 1994).

A Fitoterapia é uma forma de tratamento milenar,simples e natural que cura ou previne doenças atravésde preparações vegetais, faz parte da prática da medicinapopular, baseada no mesmo princípio do medicamentoalopático que é a cura através de princípios ativosnecessitando de cuidados.

As terapias complementares em que se enquadraa Fitoterapia são técnicas que visam à assistência à saúdedo indivíduo, seja na prevenção, tratamento, ou cura,considerando o homem como um todo e não um conjuntode partes isoladas. São ditas complementares porquepodem ser utilizadas ao mesmo tempo em que se usaoutra terapêutica, dependendo da doença, da estruturados serviços de saúde e da capacitação dos profis-sionais (PARAÍBA, 2002).

No passado a Fitoterapia foi amplamente utilizada,porém com o desenvolvimento da indústria farmacêuticae da mudança de paradigmas na construção do conhe-cimento na área da saúde, esse uso foi se restringindo.Nas duas últimas décadas, as terapias naturais oucomplementares têm se expandido em todo mundo,podendo-se observar um novo interesse nesta área,relacionada a vários fatores como: o preço elevado daassistência médico-privada associado ao alto custo dosmedicamentos industrializados, da precariedade daassistência, além das características próprias como ariqueza de nossa flora e a tradição no uso das plantascomo complemento terapêutico.

O Ministério da Saúde tem demonstradointeresse nestes programas e a partir de uma ampladiscussão com pessoas e entidades afins à questão,elaborou um projeto de Política Nacional para asMedicinas Naturais e Práticas Complementares emSaúde, na qual está contemplada a Fitoterapia. Aexpansão e o fortalecimento dessa terapia adquiremimportância fundamental no Programa Saúde da Família(PSF) por ser uma terapêutica amplamente utilizada,principalmente pelas populações de baixa renda.

Houve uma crescente abertura nas políticaspúblicas de saúde a partir da aprovação da Lei nº 6229/75 que criou Sistema Único de Saúde (SUS), propor-cionando a criação de vários programas de atençãobásica ampliada, estratégia de modificação da forma deorganização da assistência prestada: o Programa de

Agentes Comunitários de Saúde (PACS) em 1991 e oPSF em 1994, que ampliando as atividades do PACSincorporaram os Agentes Comunitários de Saúde (ACS)e outros profissionais da área como o Enfermeiro, oMédico e o Auxiliar de Enfermagem às suas atividades(BRASIL, 2001a).

O PSF tem por objetivo contribuir para areorientação do modelo assistencial a partir da atençãobásica, conforme os princípios de universalização,descentralização, integralidade e participação dacomunidade, construindo uma nova maneira de atuaçãonas unidades básicas de saúde (BRASIL, 1998). Destaforma, o mesmo busca integrar ações voltadas para osvários aspectos da saúde dos indivíduos, identificandosoluções para os mais diversos problemas, represen-tando uma concepção de saúde centrada na promoçãoda qualidade de vida.

A implantação e o fortalecimento da Fitoterapiana rede de saúde é uma questão de cidadania e dá-se namedida em que favorece a participação da populaçãono entendimento da intervenção médica no seuorganismo como também no sentido de fazer com queela saia do seu papel de passividade e seja um agenteativo no cuidado a saúde.

Mesmo com o avanço da medicina moderna namaior parte do mundo, é necessário que os profissionaisde saúde estejam capacitados sobre a utilização dasplantas medicinais e dos medicamentos fitoterápicospara uma maior intervenção na atenção primária à saúdedesses indivíduos. Neste contexto, a Enfermagem deveser capaz de identificar as necessidades de saúde dasua clientela, intervindo através das práticas e saberesem saúde coletiva visando atender às necessidadessociais que visualizam a promoção, prevenção erecuperação da saúde, no âmbito da atenção primária.

O interesse em desenvolver esse estudo partiuda vivência como monitora da disciplina Fitoterapia,oferecida pelo Departamento de Ciências Farmacêuticasda Universidade Federal da Paraíba, como também davivência durante o Estágio Supervisionado I, que fezcom que manifestasse o interesse em avaliar o conhe-cimento formal que os profissionais de Enfermagem temcom relação à Fitoterapia, bem como as dificuldadesque os mesmos encontram para implementar essaterapêutica na Unidade Saúde da Família.

Este estudo é relevante na medida em que traráuma valiosa contribuição no reconhecimento, difusão eaplicação desta terapêutica milenar, devolvendo àpopulação uma opção de tratamento inserida cultural-mente em nosso meio, além de saber que o local demaior utilização de plantas medicinais é na atenção

A Fitoterapia na Rede Básica de Saúde: o Olhar da Enfermagem

R bras ci Saúde 14(2):21-28, 2010 23

básica, podendo esta se constituir em um espaço deutilização de fitoterápicos, seja através da implantaçãode Farmácias Vivas na própria comunidade, comotambém em espaços de manipulação caseira dos mesmos.

Diante do exposto, coloco as seguintes questõesnorteadoras: os Enfermeiros das Unidades de Saúde daFamília utilizam na sua prática as plantas medicinais?Possui conhecimento formal sobre a fitoterapia e têminteresse em utilizá-la na sua prática profissional? Quaisas dificuldades que encontram para sua implementação?

Para responder a essas inquietações o estudoteve como objetivo avaliar o conhecimento que oprofissional de Enfermagem tem sobre fitoterapia e asdificuldades encontradas para implementação dessaterapêutica nas Unidades Saúde da Família.

MATERIAL E MÉTODOS

Trata-se de um estudo exploratório-descritivo,que tem como objetivo principal, o aprimoramento deidéias, com planejamento flexível de modo que possibilitea consideração dos mais variados aspectos relacionadosao fato estudado. Descritivo, porque visa estudar ascaracterísticas, opiniões e atitudes de um grupo (GIL,1995). A abordagem é quantiqualitativa; a qual exprimerespostas de forma estatística e está voltada à produçãode idéias e pensamentos (REY, 2002).

A pesquisa foi realizada entre os meses de abril emaio de 2006 tendo como campo de investigação asUnidades de Saúde da Família (USFs) que compõem oDistrito Sanitário III localizado no município de JoãoPessoa, Estado da Paraíba. O mesmo possui 57 Unidadesde Saúde da Família, das quais 15 fizeram parte dapesquisa. A população foi composta por Enfermeirosque atuam no PSF do referido distrito, sendo a amostraconstituída por 15 Enfermeiros selecionados pelométodo aleatório simples, aquele em que cada elementode uma população tem a mesma probabilidade de serescolhido para a amostra dos demais (REY, 1993).

Os dados foram coletados através de umquestionário contendo 7 perguntas sendo 4 subjetivase 3 objetivas, que abordaram a temática, analisados àluz da literatura pertinente e apresentados estatistica-mente de forma sistematizada, clara e sintética, de formaa facilitar a interpretação e visualização dos resultadosencontrados, proporcionando uma melhor interpretaçãoe discussão dos mesmos.

Ressalta-se o respeito às observações éticas que

regem as pesquisas envolvendo seres humanos, deacordo com a Resolução 196/96 do Conselho Nacionalde Saúde. Para tanto, através do Termo de Consen-timento Livre e Esclarecido (TCLE) assegurou-se aosparticipantes informações acerca dos objetivos doestudo, do anonimato, do sigilo com relação às infor-mações fornecidas e da liberdade para o consentimentoe desistência em qualquer momento da pesquisa.Acrescenta-se ainda que a pesquisa foi aprovada peloComitê de Ética em Pesquisas (CEP) do HospitalUniversitário Lauro Wanderley (HULW) sob o protocolode número 316/2006.

RESULTADOS

Dos 15 Enfermeiros entrevistados, quando seperguntou sobre o conhecimento formal que essesprofissionais tinham sobre a Fitoterapia, percebemosque houve predomínio dos que não tinham conheci-mento formal, 60%, em contraposição a 40% que afirmouter conhecimento.

Quando questionamos aos participantes sobreo conhecimento adquirido em relação à Fitoterapia (Figu-ra 1), 20% (3 citações) afirmou que adquiriu informaçõessobre essa terapia em cursos de capacitação, 6,66% (1citação) em disciplina da graduação, 6,66 (1 citação) emseu trabalho, 6,66% (1 citação) respondeu ter adquiridoesse conhecimento através de outros meios comorevistas, jornais e livros, enquanto que, 60% (9 citações)referiu não ter um conhecimento formalizado sobreFitoterapia.

Quando buscamos identificar se alguma dasUSFs tinha algum programa relacionado à Fitoterapia(Figura 2), apenas três (19,98%) trabalhavam com essaterapêutica, enquanto doze unidades (80,2%) nãopossuíam nenhum programa que utilizasse as plantasmedicinais.

Analisando as dificuldades encontradas pelosEnfermeiros diante da implementação da Fitoterapia nasUSFs, de acordo com as respostas obtidas (Tabela 1),pudemos observar que 46,67% (7 citações) dosEnfermeiros respondeu que o conhecimento insuficientedos profissionais é um dos obstáculos que impede aimplementação dessa terapêutica nas USFs. 33,33 % (5citações) relatou a falta de incentivo dos gestores,13,33% (2 citações) referiu falta de estrutura física e6,66% (1 citação) relatou falta de acesso à matéria-prima.

BASTOS e LOPES

24 R bras ci Saúde 14(2):21-28, 2010

Analisando aspectos relacionados à importânciade um programa de Fitoterapia para a população (Tabela2), segundo os Enfermeiros, observou-se, que 33,33%(5 citações), referiu que grande parte da população temacesso fácil às plantas medicinais e muitos delespossuem próximo à sua residência um canteiro complantas. Em seguida, 26,67% (4 citações) dos Enfer-meiros citou que o tratamento utilizando as plantasmedicinais eram de grande importância para a populaçãoporque, em geral, produz menos efeitos tóxicos quandousados de maneira correta, comparados com o medica-mento sintético; 20% (3 citações), afirmou que o baixocusto dos medicamentos fitoterápicos é de granderelevância, principalmente para aqueles que possuembaixo poder aquisitivo; 13,33% (2 citações) referiu seruma prática natural que traria menos reações para quemusa; 6,67% (1 citação) relatou que o resgate de práticas

populares como o uso das plantas seria mais utilizada evalorizada se essa terapêutica fosse implementada naassistência à saúde.

No que se refere à importância da implementaçãode um programa de Fitoterapia para os profissionais, osresultados expressam (Tabela 3) que 33,33% (5 citações)dos Enfermeiros, respondeu que seria importante aimplementação de um programa de Fitoterapia, porqueseria mais uma alternativa de tratamento, já que muitasdoenças poderiam ser prevenidas ou curadas com ouso das plantas medicinais; 26,67% (4 citações) relatouque diminuiria a demanda da população nas unidadesem busca de medicamentos sintéticos; 20% (3 citações)disse que ampliaria o conhecimento dos profissionaissobre essa terapia; e 20% (3 citações) falou que resgatariao conhecimento a cerca das plantas medicinais pelacomunidade.

Figura 1- Distribuição da amostra estudadasegundo o conhecimento adquirido pelosprofissionais de enfermagem do PSF sobrefitoterapia.Fonte: Dados coletados durante a pesquisa-abril-maio 2006.

Figura 2- Distribuição da amostraestudada segundo as Unidades Saúde daFamília que possuem algum programarelacionado à Fitoterapia.Fonte: Dados coletados durante apesquisa-abril- maio 2006.

R bras ci Saúde 14(2):21-28, 2010 25

A Fitoterapia na Rede Básica de Saúde: o Olhar da Enfermagem

Tabela 01- Distribuição percentual da amostra estudada segundo as principaisdificuldades encontradas pelos Enfermeiros na implementação da Fitoterapia nasUnidades Saúde da família (USF).

Tabela 2- Distribuição percentual da amostra estudada segundo a visão dos Enfermeiros,sobre a importância da implementação de um programa de Fitoterapia para a população.

Tabela 3- Distribuição da amostra estudada segundo a visão dos enfermeiros, sobre aimportância da implementação de um programa de fitoterapia para os profissionais.João Pessoa-PB- Brasil, 2006.

26 R bras ci Saúde 14(2):21-28, 2010

BASTOS e LOPES

DISCUSSÃO

Percebemos que o conhecimento formal que osprofissionais de Enfermagem têm sobre Fitoterapia aindaé insuficiente. Através deste estudo pudemos observarque os profissionais que atuam no PSF não estãopreparados para atender às necessidades da populaçãono que diz respeito à Fitoterapia.

Nota-se que o SUS apesar dos avanços decor-rentes de mudanças estruturais, descentralizadas, uni-versais e integrais, ainda precisa completar seu estadode transição valorizando as diversas formas de trata-mento, de forma a garantir a todo cidadão a oferta deserviços de saúde humanizados, eficazes, de qualidadede acordo com as necessidades de sua clientela.

Foi observado que apenas um profissional res-pondeu ter adquirido o conhecimento sobre Fitote-rapiadurante a graduação. O problema de formação de profis-sionais está situado no cenário de organização dosserviços de saúde, entre uma adaptação do profissionalcom relação às necessidade da comunidade e uma pre-paração a partir da reforma de currículos de graduação.

Há de se refletir que as instituições de ensinosuperior apesar de considerar essa terapia comoprioridade no ensino, pesquisa e extensão, oferece adisciplina Fitoterapia como optativa, o que leva muitosacadêmicos por falta de orientação, não a consideraremcomo importante na grade curricular. Essa desadequaçãoserá refletida na atuação profissional na Atenção Básicade Saúde, onde sentirão a necessidade de conhecer maissobre essa terapia, haja vista a própria comunidade buscao profissional para informá-lo sobre o uso adequadodas plantas medicinais.

É necessário o esclarecimento aos acadêmicosda saúde sobre a importância das terapias comple-mentares, principalmente para aqueles que pretendematuar no Programa Saúde da Família.

Os Enfermeiros que adquiriram o conhecimentoem curso de capacitação, afirmaram que tiveram opor-tunidade de conhecer mais sobre o uso das plantas medi-cinais através dos pólos da capacitação. Essa estratégiavem possibilitando a adequação e o desenvolvimentode habilidades por parte dos profissionais de saúde dafamília, capacitando-os para o desempenho de um novoperfil de profissional capaz de entender e resolver asnecessidades da população no que diz respeito à Fito-terapia, haja vista a necessidade de profissionais deEnfermagem com visão sistêmica e integral do indivíduo,família e comunidade que estejam capacitados paraplanejar, organizar, desenvolver e avaliar ações querespondam às necessidades daqueles que buscam asUSFs (BRASIL, 2000).

Com relação ao profissional que respondeu“outro”, o mesmo referiu ter adquirido o conhecimentosobre as plantas medicinais em artigos, livros e revistas.

Isso ressalta a busca do profissional de Enfermagem ementender melhor assuntos de interesse e credibilidadeda população, uma vez que a fitoterapia se encontradentro do contexto cultural de cada família.

Quando buscamos identificar se alguma dasUSFs tinha algum programa relacionado à Fitoterapiaapenas três unidades trabalhavam com essa terapêuticae os Enfermeiros das mesmas apresentavam umconhecimento formalizado sobre essa terapia. Entende-se que a falta de conhecimento desses profissionaissobre essa terapêutica faz com que muitos deles não sesintam preparados para desempenhar certas atividadesrelacionadas às plantas medicinais nas unidades em quetrabalham.

No que concerne às dificuldades encontradaspelos Enfermeiros para implementação da Fitoterapia, oestudo demonstrou que nas três USFs que possuíamos obstáculos citados na tabela 1, os Enfermeiros dessasunidades apresentavam um conhecimento formalizadosobre essa terapia, porém estavam limitados àscondições locais. Isso nos faz entender que além dodespreparo e da falta de conhecimento desses profissio-nais sobre essa terapêutica, há também a falta derecursos materiais e apoio dos gestores no desempenhodas atividades fitoterápicas.

Para que a fitoterapia seja resgatada é necessárioinvestir em uma nova política de formação e em processopermanente de capacitação dos recursos humanos,principalmente da Enfermagem que exerce papel funda-mental e direto com a população, tendo a oportunidadede educá-la esclarecendo quanto ao uso adequado dasplantas medicinais. Nesse sentido, há de se chamar àatenção para a temática do conhecimento insuficientedos Enfermeiros sobre a Fitoterapia, pois atuar noscampos da prevenção, promoção, manutenção erecuperação na Rede de Atenção Básica de Saúde exigeprofissional qualificado que se baseie em um modelocentrado na integralidade do indivíduo.

A implementação de programas de Fitoterapianas USFs deve ser entendida como continuidade doprocesso de implantação do SUS considerando o indivíduona sua dimensão global, tornando disponíveis opçõespreventivas e terapêuticas aos usuários (BRASIL, 2005).

Para que essa prática se concretize na AtençãoBásica de Saúde é necessária uma reorientação domodelo de atenção à saúde, em que os profissionais,estejam preparados para atuarem com essa opção decuidado. Se a formação de profissionais, principalmenteEnfermeiros e Médicos, não for repensada no aparelhoformador, o modelo de atenção à saúde não atenderá àsnecessidades dos indivíduos e das comunidades.

O maior desafio encontrado pelos Enfermeiroscom relação à implantação e implementação daFitoterapia nas USFs, é a falta de conhecimento sobre atemática para orientar a população de maneira eficiente

A Fitoterapia na Rede Básica de Saúde: o Olhar da Enfermagem

R bras ci Saúde 14(2):21-28, 2010 27

sobre o uso das plantas medicinais. Além disso, a equipede saúde ainda encontra-se limitada em constituirvínculos e otimizar os recursos da comunidade, a qual éconhecedora dessa terapêutica no combate às suasnecessidades de saúde. Toda essa questão demonstraa importância de valorizar esse conhecimento que aprópria comunidade é detentora e assim constituir redessociais de apoio.

Quanto à falta de incentivo dos gestores, asdificuldades encontradas referem-se à ausência de apoiofinanceiro e científico oferecido pelo governo municipal,estadual e federal para instituir oficialmente a fitoterapiana Atenção Básica do SUS (BORELLA, PIRES, RAYA,2004), pois a efetiva implementação da Fitoterapia vemassumindo dimensões complexas, cujo adequadoequacionamento e domínio exige responsabilidade dastrês esferas de governo.

Avaliamos como essencial à implementação daFitoterapia e demais práticas alternativas na Rede deAtenção Básica de Saúde, oferecendo à populaçãooutros caminhos para a prevenção de doenças e promo-ção da saúde.

Com relação à falta de espaço físico nas USFs,por fazerem parte de um modelo novo, muitas dessassão adaptações residenciais, encontram-se desestru-turadas, talvez no futuro, os gestores invistam maisnessas unidades para que existam locais com estruturaadaptadas à implantação de programas relacionados àFitoterapia, como as farmácias vivas e ambientes parapromover encontros e palestras envolvendo essa temática.

Outra questão relatada pelos Enfermeiros é a faltade matéria prima, isso explica que para produzirmedicamentos à base de plantas medicinais, a matéria-prima usada tem que atender critérios de qualidade, issoenfatiza que nem toda espécie vegetal encontrada emqualquer local pode fazer parte da composição de ummedicamento.

Apesar do Brasil possuir cerca de 350-550 milespécies vegetais, somente centenas constam naliteratura como plantas medicinais utilizadas pelacomunidade (FEITOZA, 2006). Portanto, ainda sãonecessários muitos investimentos em pesquisascientíficas que explorem de forma racional a nossadiversidade vegetal para que assim o conhecimentopopular seja resgatado e validado.

Discutindo os aspectos relacionados à impor-tância de um programa de Fitoterapia para a população,o acesso fácil às plantas medicinais não justifica autilização das mesmas de forma indiscriminada,aumentando a frequência e os riscos da automedicação,pois embora naturais, quando administradas de formainadequada podem prejudicar a saúde. Por esse ângulo,os fitoterápicos, apesar de apresentarem poucos efeitoscolaterais e baixa toxicidade, devem ser utilizados soborientação de profissionais que orientem adequada-

mente sobre a dose, a preparação e via de administração,pois quando usadas de maneira equivocada podemcausar transtornos ao indivíduo ou levá-lo à morte(DAWSON,1991).

A oferta de medicamentos no PSF é incipienteem relação à grande demanda. É de vital importância aimplementação da Fitoterapia na atenção primária àsaúde como complemento terapêutico para melhoratender as necessidades da comunidade.

Diante desse contexto, nota-se que essaimplementação constitui um dos principais elementospara que se efetive ações capazes de promover melhoriasnas condições de trabalho dos profissionais comotambém na saúde da população.

Entende-se que todos os profissionais envol-vidos no PSF deverão repensar no processo de trabalhoem saúde, adotando novas metodologias, instrumentosde trabalho e conhecimentos para que só assim, possamsuperar os problemas enfrentados pela população e pelaequipe.

É importante destacar que embora o nível federal,estadual e municipal mostre interesse em capacitar osprofissionais que atuam no PSF, ainda são restritos aoferta de oportunidades visando capacitar e promovero desenvolvimento do trabalhador na área das terapiascomplementares. Faz-se necessário uma política efetivade educação em saúde que possa garantir o suprimentodessas lacunas no conhecimento desses profissionaisresponsáveis pelo cuidado à população.

Conforme ANDRADE (2001), a ausência de umapolítica de recursos humanos no SUS representa umdos maiores desafios para sua consolidação, sendo deresponsabilidade dos gestores a formação, capacitaçãoe reciclagem de pessoal.

Quando os profissionais de Enfermagem apon-tam a questão da capacitação, essa diz respeito ànecessidade de se trabalhar a organização interna doprocesso de trabalho e suas dificuldades no sentido dese pensar a importância da Fitoterapia na Rede deAtenção Básica de Saúde para cada ser humano,considerando seus valores, suas crenças e sua cultura,fazendo com que cada pessoa tenha assistência à saúdede maneira integral e humanizada.

Entre os desafios relacionados a esta temáticaencontra-se a importância de incentivar o processo deformação e educação permanente dos profissionais paraque estejam prontos para atender às demandas impostasao campo da Fitoterapia, fazendo chegar a saúde a todasas famílias, fazendo com que os Enfermeiros estejampreparados às novas habilidades, produzindo umaatenção capaz de gerar satisfação social de formaresolutiva para as pessoas e sociedade.

BASTOS e LOPES

28 R bras ci Saúde 14(2):21-28, 2010

CONCLUSÃO

Ao olhar do profissional de Enfermagem que atuano PSF, verificou-se nesse estudo, diante dos objetivospropostos, que o conhecimento formal dos Enfermeirosque atuam na Rede de Atenção Básica de Saúde sobreFitoterapia ainda é limitado.

Com relação às USFs que desenvolvemprogramas relacionados à Fitoterapia, verificamos queuma minoria possui algum programa relacionado a essaterapêutica. Quanto às dificuldades relatadas pelosEnfermeiros com relação à implementação dessesprogramas, a maioria afirmou que os conhecimentosinsuficientes dos mesmos, como também a falta deincentivo dos gestores era um dos principais obstáculosque impedia essa implementação.

Chamou-se a atenção o interesse desses profis-sionais, com relação à capacitação sobre Fitoterapia.Isso demonstra que os mesmos necessitam de umconhecimento mais aprofundado para atuar no PSF ematividades que envolvam as terapias complementarescom ênfase para a Fitoterapia.

A importância do uso adequado das plantas

medicinais para a população enquanto prevenção,promoção e recuperação da saúde, parte do princípiodo tratamento de baixo custo e de eficácia. Mas, paraque isso ocorra é necessário que os profissionais desaúde estejam capacitados para trabalhar com essaterapia e com outro caminho que vise o cuidado e obem-estar da população.

O trabalho da Enfermagem caminha na direçãode discutir e enfrentar junto com a comunidade apreservação de nossas riquezas naturais enquantoquestão de sobrevivência para a vida no planeta.

O problema de formação dos profissionais deEnfermagem nos faz repensar o papel da equipe de saúdefrente ao seu poder de intervenção na Atenção Básica.É preciso incentivar a importância das terapias comple-mentares a partir do processo de formação dessesprofissionais para que desta forma, os mesmos possamorientar a população a participar nos cuidados à saúdeutilizando caminhos vivenciados pela própria comu-nidade. Para tanto, precisa-se resgatar o saber queenvolve e garante o uso das plantas medicinais, atravésda implementação da Fitoterapia na Rede de AtençãoBásica de Saúde.

REFERÊNCIAS

1. ANDRADE LO. SUS- Passo a Passo: normas, gestão efinanciamento. São Paulo: Hucitec, 2001.

2. BORELLA JC, PIRES AM, RAYA L C. Prática Alternativa deSaúde na Atenção Básica da Rede SUS de Ribeirão Preto(SP). Divulgação em Saúde para Debate. Rio de Janeiro:(30): 56-58, 2004.

3. BRASIL. Ministério da Saúde. Gestão Municipal de Saúde:lei, normas e portarias atuais. Brasília: Ministério da Saúde,2001a.

4. BRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional de MedicinaNatural e Práticas Complementares – PMNPC. SecretariaExecutiva. Departamento de Atenção Básica de Saúde daSecretaria de Assis-tência à Saúde. Brasília: Ministério daSaúde, 2005.

5. BRASIL. Ministério da Saúde. Programa Saúde da Família.Departamento de Atenção Básica. Brasília: Ministério daSaúde, 2000.

6. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Assistência àSaúde da comunidade. Saúde da Família: uma estratégiapara reorientação do modelo assistencial. Brasília: Ministérioda Saúde, 1998.

7. DAWSON AG. O Poder das Ervas. São Paulo: Best Seller,1991.

8. FEITOZA V. A natureza à Serviço da Saúde. ConselhoNacional de Secretários Municipais de Saúde. RevistaConasems. Brasília, ano II, n. 15, jan.- fev. 2006.

9. GIL AC. Projeto de Pesquisa. 3 ed. São Paulo: Atlas, 1995.10. PARAÍBA. Secretaria de Saúde do Estado. Fitoterápicos:

Guia do Profissional de Saúde. Coordenação de Saúde.João Pessoa: Núcleo de Assistência Farmacêutica, 2002.

11. REY L. Planejar e redigir trabalhos científicos. 2 ed. SãoPaulo: Edgard Blucher LTDA; 1993.

12. REY G. Alguns pressupostos gerais do desenvol-vimentoda pesquisa qualitativa em Psicologia: caminhos emdesafios. São Paulo: Pioneira, 2002.

13. TESKE M, TRENTINI AMM. Herbarium. Compêndio deFitoterapia. Curitiba: 1994.

CORRESPONDÊNCIA

Rosangela Alves Almeida BastosRua José Ferreira da Silva, 740 Ed. Jardins do Sul Apto301 - Água Fria58052-119 João Pessoa - Paraíba - Brasil

E-mail

[email protected]