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Cornelius a Lapide, sj (1597-1637) + CRISTÃO Tradução por Uyrajá Lucas Mota Diniz O que é um cristão O cristão é aquele que imita Jesus Cristo, que está unido com Jesus Cristo, que vive a vida de Jesus Cristo e Lhe possui. O cristão está morto para os vícios... vive para a virtude... O cristão é um soldado... um piloto... um arquiteto. É necessário que aquele que veja um cristão possa ver a Jesus Cristo; porque o cristão deve ser a imagem viva do Salvador, e como outro Cristo: Alter Christus. Deve parecer-se com Deus. Adão foi criado à Sua semelhança, como o atestam aquelas palavras do Gênesis: Façamos ao homem a nossa imagem e semelhança; e Deus criou o homem à sua imagem (Gen. I, 26-27).

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Texto de Cornélio à Lápide traduzido da Obra "TESOROS DE CORNELIO Á LÁPIDE" - Tomo I, por Uyrajá Lucas Mota Diniz.

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Cornelius a Lapide, sj (1597-1637)+

CRISTÃOTradução por Uyrajá Lucas Mota Diniz

O que é um cristão

O cristão é aquele que imita Jesus Cristo, que está unido com Jesus Cristo,

que vive a vida de Jesus Cristo e Lhe possui. O cristão está morto para os vícios...

vive para a virtude... O cristão é um soldado... um piloto... um arquiteto.

É necessário que aquele que veja um cristão possa ver a Jesus Cristo; porque

o cristão deve ser a imagem viva do Salvador, e como outro Cristo: Alter Christus.

Deve parecer-se com Deus. Adão foi criado à Sua semelhança, como o atestam

aquelas palavras do Gênesis: Façamos ao homem a nossa imagem e semelhança; e

Deus criou o homem à sua imagem (Gen. I, 26-27).

A profissão do cristão é conduzir o homem ao seu antigo estado, à sua

primeira grandeza e felicidade, isto é, à semelhança de Deus.

Chama-se cristão, diz Santo Ambrósio, aquele que ama a castidade, aquele

que foge da embriaguez, detesta o orgulho e evita a inveja como um veneno

diabólico (Serm. LVIII).

Cristão vem de Cristo, e estes dois termos são como sinônimos. É preciso,

diz Santo Ambrósio, que a conduta corresponda ao nome, a fim de que aquele nome

não venha a ser uma palavra vã e um grande crime: Actio respondeat nomini, ne sit

nomem inane et crinem immane.

Citemos, por inteiro, outra formosa passagem deste santo Doutor.

Saibamos o que somos; e o que somos por profissão, manifestemo-lo com

nossas obras antes que seja com o nosso nome, a fim de que o nome esteja de

acordo com as ações e as ações correspondam ao nome. De outra sorte, o nome

seria uma palavra vã e um grande crime. É necessário evitar terminantemente que à

honra que nos foi dispensada correspondamos com uma vida abominável; a uma

profissão divina, com uma conduta criminosa; ao hábito do cristão, com os vícios

do mundo; à linguagem da pomba, com os atos da raposa; à aparência do cordeiro,

com a ferocidade do lobo (In Dig. Sacerd., c. III).

É cristão, diz Santo Agostinho, aquele que é misericordioso para todos, que

não se altera por nenhuma injúria, que socorre aos abandonados, que se aflige com

os aflitos, que toma parte na dor do próximo como se lhe fosse própria, que não

fecha sua porta aos desgraçados, que não ultraja a ninguém, que serve a Deus dia e

noite, que se ocupa constantemente em meditar a Lei Divina, que é pobre aos olhos

do mundo, porém rico aos olhos de Deus. É cristão aquele cuja alma é simples e

reta, cuja consciência é fiel e pura, cujo espírito descansa em Deus, e põe toda sua

esperança em Jesus Cristo. É Cristão aquele que prefere os bens do céu aos da terra,

e aquele que despreza o mundo para unir-se a Deus (De Vit. Christ., c. XVI).

O cristianismo é a profissão da santidade, o estudo da virtude, a imitação da

vida de Jesus Cristo. A que coisa, diz Santo Antônio, não haveremos de abandonar,

de bom grado, para ganhar o Reino dos Céus, senão a uns bens que, cedo ou tarde,

deve a morte arrebatar de nós? O cristão não deve se ocupar das bagatelas que não

pode levar consigo. Busquemos e desejemos aquilo que conduz ao céu, a sabedoria,

a pureza, a justiça, a vigilância, a caridade para com os pobres, a fé em Jesus Cristo,

um espírito valoroso que saiba domar a ira.

Fazer boas obras é confirmar o título de cristão; porque somente é

verdadeiramente cristão aquele que regula sua fé e suas obras segundo os preceitos

de Jesus Cristo.

O cristão deve viver em Jesus Cristo. Mas, diz o Apóstolo São João, aquele

que diz que permanece em Jesus Cristo, deve seguir o mesmo caminho que Ele

seguiu: Qui dicit se in ipso manere, debet, sicut ille ambulavit, et ipse ambulare (I

Johann. II, 6).

O cristão é o compêndio do Evangelho, diz Tertuliano: Christiano est

compendium Evangelii (Apolog.).

Em seu panegírico de Santo Atanásio, São Gregório Nazianzeno, pode

pronunciar estas belas palavras: Louvando a Atanásio, louvarei a virtude:

Athanasium laudans, virtutem laudabo (Orat. De S. Athan.).

Como um cristão deve agir

Não se vive utilmente neste mundo senão reunindo méritos que sejam títulos

para a vida eterna, diz Santo Agostinho: Neque in tempore utiliter vivitur, nisi ad

comparandum meritum, que in aeternitate vivatur (Lib. de Civit.).

Não fostes vós os que me escolhestes, disse Jesus Cristo a seus Apóstolos,

senão Eu que vos elegi e destinei para irdes por todo o mundo para que deis fruto; e

vosso fruto seja duradouro, a fim de que qualquer coisa que pedirdes ao Pai em meu

nome, Ele vo-lo conceda: INon vos me elegistis; sed ego elegi vos, et possui vos, ut

eatis, et fructum aferatis, et fructus vester maneat, ut quodcumque petieritis Patrem

in nomine meu, det vobis (Johann. XV, 16).

O cristão que é superior ao mundo; não pode desejar nem buscar o que

pertence ao mundo.

O cristão deve se valer da Cruz como de um instrumento para cultivar seu

corpo, sua alma, seu espírito e seu coração. Somente com a Cruz poderemos

conseguir arrancar as mazelas e os espinhos que nascem sem cessar no Campo do

Senhor.

Os primeiros cristãos:

1º escutavam assiduamente a Palavra de Deus;

2º comungavam frequentemente; e

3º rogavam ao Senhor e celebravam seus louvores;

É preciso agir da mesma maneira.

Três coisas são necessárias para a vida do corpo: o sol, o pão, o ar (ou a

respiração); três coisas são também necessárias para a vida da alma: o sol espiritual

que ilumina a inteligência, isto é, a Palavra de Deus; o Pão Eucarístico; e a oração,

que é a respiração da alma.

O apóstolo São Pedro exige dos cristãos uma santidade plena e universal:

Sede santos, diz ele, em todo o vosso proceder: In omni conversatione sancti sitis (I

Petr. I, 15).

Há cristãos que parecem anjos na Igreja e são demônios em sua casa. É

necessário que a vida seja cristã, isto é, pura e santa em todos os atos, na linguagem,

nos passos, no alimento, no estudo, no trabalho, no sono, no exercício da

autoridade, etc.

Ao pé dos altares, o cristão deve orar com o fervor dos Serafins; na

administração da justiça, deve se manifestar doce e justiceiro como os Tronos; na

repressão de sua cobiça, deve ter a firmeza das Dominações; no governo dos

negócios de sua casa, deve imitar aos Principados; nas tentações, deve reproduzir o

heroísmo e da generosidade das potências; nas lutas contra o demônio, o mundo e a

carne, necessita da força das Virtudes; no cumprimento dos deveres e atos da vida

pública, a fidelidade dos Arcanjos; na mesa, em viagem, fora de sua casa e em seu

interior, dia e noite, a decência, a modéstia e a pureza dos Anjos.

Sois também vós, à maneira de pedras vivas edificadas sobre Jesus Cristo,

sendo como uma casa espiritual, como uma nova ordem de sacerdotes santos, para

oferecer vítimas espirituais, as quais sejam agradáveis a Deus por Jesus Cristo: Et

ipsi tamquam lapides vivi superaedificamini domus spiritualis, sacerdotium

sanctum, offere spirituales hóstias, accepitabiles Deo per Jesum Cristum (I Petr. II,

5).

É preciso que o cristão seja uma pedra vida pela fé e pela caridade. Eis aqui a

semelhança que existe entre uma pedra e um cristão:

1º para que seja empregada, é preciso que a pedra esteja polida; para servir

na construção da celestial Jerusalém, o cristão deve também ser polido com o

cinzel da penitência etc. Isto é o que tão bem expressam as seguintes palavras

de um Hino de autoria de Santo Ambrósio: As pedras vivas desta Cidade

Santa estão cortadas pelas perseguições e pelas dores; logo, a mão do

divino Arquiteto põe cada uma em seu lugar, e coloca-as nos sagrados

muros, onde hão de permanecer eternamente:

Tunsionibus pressuris expoliti lapides,

Suis coaptantur locis per manus artificis:

Dispomuntur permansuri sacris edificiis;

2º assim como a pedra deve ter certas dimensões etc., da mesma maneira o

cristão deve ter a dimensão suficiente para poder ocupar um lugar no muro

da salvação;

3º a pedra deve ser boa e sólida: o cristão deve ser piedoso e forte etc.; não

deve ser indigno de se colocado sobre a pedra fundamental que é Jesus

Cristo;

4º em uma construção, uma pedra sustenta outra pedra: segundo a

recomendação do Apóstolo, os cristãos devem se suportar e ajudarem-se uns

aos outros: Alter alterius onera portate (Gal. VI, 2); e

5º a pedra está ligada com outra pedra por meio da argamassa, para que não

forme mais que um só corpo e um todo; os cristãos devem estar unidos com

os laços da caridade, à imitação dos primeiros fieis, os quais não tinham mais

que um coração e uma alma: Erat cor unum et anima una (Act. IV, 32).

Os cristãos devem ser as ovelhas do Salvador, os discípulos e os membros de

Jesus Cristo, o templo do Espírito Santo, os filhos de Deus, a luz do mundo, o sal da

terra.

Os cristãos devem ser crucificados com Jesus Cristo. Devem, como o grande

Apóstolo, morrer para o mundo, para suas pompas e suas seduções. Mas,

1º aquele que está cravado em uma Cruz não pode mover seus pés, nem seus

braços, nem suas mãos; deste modo, os cristãos não se devem valer jamais de

suas mãos, nem de seus pés, para fazer o mal;

2º aquele que está crucificado sofre constantemente: o cristão sujeito à lei de

Jesus Cristo castiga e mortifica sem cessar seus sentidos e sua carne; o

mesmo acontece ao cristão; e

3º ainda que se mantenha vivo, todavia um crucificado já morreu para tudo o

que o rodeia: o cristão deve também estar morto para todas as coisas da terra.

Ponde toda a vossa atenção, diz o Apóstolo São Pedro, em juntar com vossa

fé a temperança, à temperança a paciência, à paciência a piedade, à piedade o amor

fraternal, a caridade ou amor de Deus. Porque, se estas virtudes se encontram em

vós e crescem cada dia mais e mais, farão que não seja estéril ou infrutífero o

conhecimento que tendes de Jesus Cristo. Mas quem não as tem está cego, e anda

tateando, esquecido de qual maneira foi lavado de seus antigos delitos (II Petr. I, 5-

9).

Tais são as virtudes que, segundo São Pedro, devem adornar a um cristão.

Porque, unindo a fortaleza à fé, a ciência à fortaleza, a temperança à ciência, a

paciência à temperança, a piedade à paciência, o amor fraternal à piedade, a

caridade ou amor de Deus, abarcam-se todos os deveres da vida cristã, e chega-se à

sua perfeição. Mediante a fé, a piedade e a caridade, tributamos a Deus o que se Lhe

deve; e, por meio da fortaleza, da ciência, da temperança e da paciência, cumprimos

os deveres que temos relativos a nós mesmos; e por meio do amor fraterno, damos

cumprimento aos deveres que se nos impõem, com relação ao próximo.

Fazei o possível, acrescenta São Pedro, para que Senhor encontre-vos sem

mancha, irrepreensíveis e em paz: Sagite immaculati, et inviolati ei inveniri in pace

(II Petr. III, 14).

É preciso ser irrepreensíveis:

1º na presença Daquele a Quem nada se oculta;

2º no juízo do Tribunal a quem nada pode enganar, nem Daquele de Quem

nada pode escapar; e

3º é preciso ser deste modo, a fim de agradar a Deus, e não para agradar aos

homens; a fim de procurar a honra de Deus, e não a vossa etc.

Ai, ai, ai dos moradores da terra, exclama São João no Apocalipse: Vae, Vae,

vae habitantibus in terra (Apoc. VIII, 13); quer dizer, ai daqueles que se apegam

aos bens da terra! O verdadeiro cristão não é, aqui na terra, mais que um viajante e

um estrangeiro. Aquele que habita realmente a terra e a ama não acha nela mais que

miséria e morte.

Aguarda ao Senhor, diz o Salmista, e porta-te varonilmente; recobre o alento

teu coração, e espera ao Senhor com paciência: Expecta Dominum, viriliter age, et

confortetur cor tuum, et sustine Dominum (Psalm. XXVI, 14).

Enquanto dure a vida presente, trabalhai para adquirir aquela que não acaba

nunca; enquanto possuis vosso corpo, morrei para o mundo e para a carne, a fim de

que assim vivais somente em Deus.

Em meio aos sofrimentos do martírio, São Diácono dizia: Sou cristão, e nada

mais; este é meu nome, minha nobreza, minha pátria e minha doutrina (Vit. Sant.).

As obras são aquilo que faz ao cristão, diz Santo Agostinho. Em vão vos

chamaríeis cristãos, se vivêsseis como pagãos; e, em vão vos dariam o nome de

pagãos, se vivêsseis como cristãos (Tract. V, in I Epist. Joann.).

Não basta ter o nome de cristão, diz Santo Inácio, mas é preciso sê-lo na

prática; não é o nome que o faz feliz, mas as boas obras (Epist.). O cristão é um ser

celestial na terra, diz São Gregório: Chrstianus in terra coelestis (Lib. V. Moral.).

O cristão é como impassível aos sofrimentos: não lhe vencem os obstáculos.

A mulher prudente edifica ou realça a sua casa, dizem os Provérbios: a

mulher néscia a destrói com suas próprias mãos (Prov. XVI, 1). Para construir a

casa espiritual, diz o Venerável Beda, é preciso ter uma fé firme, o elmo da salvação

na cabeça, a Palavra da verdade no coração, a caridade e a castidade por cinturão, a

pureza nas ações, a sobriedade dos costumes, uma bondade constante, a paciência

nas tribulações, a esperança Naquele que nos criou, o desejo da vida eterna, e a

perseverança até o fim (In Psalm.) .

Quereis viver como cristãos? Segui os conselhos de São Boaventura:

1º ponde toda a vossa confiança em Deus;

2º purificai, o quanto possível, vosso coração de toda classe de vícios e

concupiscências;

3º rompei todos os laços que vos afastam de Deus, a fim de que possais vos

unir a Ele com espírito são e puro;

4º sofrei com paciência, e até com alegria, as tribulações, e não vos alegreis

mais senão na Cruz de Jesus Cristo;

5º não vos queixeis de nada nem de ninguém, lembrando de que ofendestes a

Deus;

6º desprezai-vos, e desejai ser desprezado pelos demais, sem deixar de honrá-

los.

7º fugi das honras, das riquezas e da fama, como de perigos;

8º humilhai-vos, persuadi-vos que sois o serviçal de todos; e sede-o, de fato,

a fim de imitar a Jesus Cristo, que, sendo Deus, tomou a forma de um

escravo de vosso amor;

9º não vos mescleis com nenhum negócio no qual não se possa achar o bem

de vossa alma;

10º guardai vossos sentidos e vossa língua, a fim de não sentir nem ouvir

nem dizer mais que coisas úteis;

11º Buscai a solidão, e dedicai-vos nela à oração;

12º fazei vossas orações com tanto respeito e fervor como se vísseis diante de

vós os Anjos e ao próprio Deus;

13º respeitai com uma veneração profunda a Santíssima Virgem;

14º Fugi da familiaridade das pessoas de diferente sexo;

15º Evitai a preguiça e a tristeza; e, a fim de não perder jamais a serenidade e

a paz, não resistais a ninguém, nem contradigais a ninguém, a não ser que o

exijam a honra de Deus ou a salvação de vossa alma;

16º Conformai-vos em tudo com a vontade de Deus; fazei que todas as coisas

sejam para vossa edificação, e não vos ofendais com nada;

17º guardai cuidadosamente vosso coração;

18º Sede benfeitores para com todos, a fim de imitar a Deus;

19º tende constantemente vossa alma fixada em Deus, a fim de que façais

todas as vossas obras, até as mais banais na aparência, com tanto fervor

como se as fizésseis em presença de Jesus Cristo;

20º Obedecei não somente a vossos superiores, senão também a vossos

iguais, e ainda a vossos subordinados; a fim de vos acostumardes a fazer a

vontade dos outros e jamais a vossa; não ofendais a ninguém, não

murmureis, não faleis mal de ninguém, não sejais para ninguém motivo de

murmuração ou de maledicência;

21º Escondei vossas virtudes e as graças e os consolos que recebeis, as

tribulações a que estais sujeitos; não as reveleis a ninguém senão ao vosso

diretor espiritual, ou a um amigo especial e experimentado, para pedir-lhe

conselhos e auxílios;

22º Fazei que sempre e em todas as partes Deus esteja presente a vossa

memória e a vosso espírito, recordando que marchais sob Seu olhar e que Ele

vos olha: deste modo, vós O temereis e O amareis;

23º Estai alerta, a fim de prever e evitar as emboscadas do demônio;

24º examinai cada dia vossa consciência, e confessai vossos extravios com

humildade, a fim de que conserveis ou recobreis a pureza de vossa alma; fugi

de todas as ocasiões próximas do pecado, e recordai-vos da morte, do juízo,

do céu e do Inferno; e

25º e quando tenhais feito todas estas coisas, considerai-vos como um

pecador e um servidor inútil (Specul.).

Ao morrer, Santa Catarina de Sena pronunciou, ante suas religiosas, essas

notáveis e imorredouras palavras: É preciso que o cristão tenha uma grande

confiança na Providência; é preciso que saiba que tudo quando lhe sucede e tudo o

que aos demais também sucede, está disposto por Seus cuidados, e que Aquela guia-

se, não pelo ódio, mas por um amor infinito (in ejus vita).

Quem subirá ao monte do Senhor? Ó, quem poderá estar em seu Santuário?,

pergunta o Real Profeta. Aquele, responde, que tenha as mãos inocentes e o coração

puro, aquele que não em vão recebeu sua alma, e jamais jurou falso. Aquele

receberá a benção do Senhor, o obterá a misericórdia de Deus, seu Salvador1.

Fugi do mal e praticai o bem: Declina a malo, et fac bonum (Psalm. XXXVI,

27). Estes são, em suas palavras, todos os deveres do cristão.

Excitai-vos mutuamente aos combates do Senhor, diz Santo Eucher; sirva

cada um de vós a Deus com atividade; seja fervente na oração, atento às piedosas

1 Quis ascendet in montem Domini, aut quis stabit in loco santo ejus? Innocens manibus, et mundo corde; qui non accepitin vano animam suam, nec juravit in dolo próximo suo.Hic accipiet benedictionem a Domino, et misericordiam a Deo salutar suo (Psalm. XXIII, 3-5).

leituras, puro, sóbrio, arrependido de suas faltas, honesto, modesto, sincero, doce,

moderado, grave e pleno de caridade (Epist.).

Na vida espiritual, diz o Padre Álvarez, a água da compunção é necessária

para purificar-nos, o fogo do Espírito Santo para inflamar-nos, o ferro da tribulação

para domar-nos, o sal da mortificação para preservar-nos da corrupção, o leite da

pureza para fortificar-nos, o pão das virtudes para alimentar-nos, o mel dos

conselhos para animar-nos, uma grande dose de zelo para levar a cabo nossas boas

obras, o óleo da caridade para dulcificar-nos, e a veste da graça para cobrir-nos

(Proverb.).

Escutai a Santo Egídio: Se quereis ver claramente, arrancai vossos olhos; se

quereis ouvir bem, tornai-vos surdos; se quereis falar bem, sede mudos; para andar

bem, cortai vossos pés; e, para trabalhar bem, mutilai vossas mãos. Se quereis vos

amar de verdade, aborrecei-vos; se quereis viver bem, mortificai-vos; se quereis

enriquecer-vos, sabei perder; se quereis ser ricos, sede pobres; se quereis estar entre

delícias, vivei na aflição; se quereis ter segurança, não deixeis jamais de tremer; se

quereis ser elevado, humilhai-vos; se quereis ser honrado, desprezai-vos e honrai

aos que vos desprezam; se quereis receber o bem, sofrei o mal, se quereis estar em

repouso, trabalhai; se quereis que vos bendigam; desejai ser ofendidos! Ó que

grande sabedoria reside em saber estas coisas e praticá-las! Porém, precisamente

porque esta ciência é útil, há poucos cristãos que a possuem (In ejus vita).

O cristão deve dedicar-se a Jesus Cristo e unir-se a Ele, imitando-Lhe

Sou a videira verdadeira, e meu Pai é o agricultor. Ele cortará todos aqueles

ramos meus que são estéreis, e podará todas a que dão fruto, a fim de que

produzam, todavia, mais. Permanecei em mim, e eu permanecerei em vós. O ramo

não pode dar fruto por si mesmo se não permanecer unido à videira. Assim

acontecerá comvosco se não estais unidos comigo. Eu sou a videira, e vós os ramos.

Quem está unido, portanto, comigo, e Eu com ele, esse dá muito fruto. Sem mim,

nada podeis fazer. Aquele que não permanece em mim, será cortado fora e lançado

ao fogo, e arderá2.

Eu sou a videira, diz Jesus Cristo, e vós os ramos: Ego sum vitis, vos

palmites. Porque Jesus Cristo compara-Se à videira antes que a qualquer outra

árvore?

1º Por causa da abundância dos frutos que produz a videira, o cristão deve

produzir abundantes frutos;

2º por causa da doçura deste fruto, o cristão deve ser doce, paciente e

resignado;

3º porque a videira produz vinho, e Jesus Cristo é chamado precisamente de

Vinho que gera as virgens, o cristão deve ter sede de Jesus Cristo e trabalhar

para procurar para si mesmo este vinho delicioso, que reparará suas forças;

4º porque a videira estende-se muito, o cristão deve estender e aumentar o

número de suas virtudes;

5º a videira não se levanta por si mesma, senão que se arrasta pelo solo; o

cristão devem se comprazer na humildade;

6º a videira segue a direção que se lhe dá: o cristão deve renunciar à sua

vontade, e obedecer constantemente a Deus e à Igreja;

7º a videira tem flores odoríferas e folhas largas: o cristão deve derramar por

todas as partes o bom perfume de Jesus Cristo, e cobrir-se Dele como de uma

brilhante folhagem; e

2 Ego sum vitis vera, et Pater meus agricola est. Omnem palmitem in me non ferentem fructum tollet eum; et omnem qui fert fructum purgabit, ut fructum plus adferat.[…] Manete in me, et ego in vobis, sicut palmes non potest ferre fructum a semetipso, nisi manserit in vite, sic nec vos, nisi in me manseritis. Ego sum vitis, vos palmites; qui manet in me et ego in eo hic fert fructum multum; quia sine me nihil potestis facere. Si quis in me non manserit, mittetur foras sicut palmes, et arescet, et colligent eum, et in ignem mittent, et ardet (Johann XV, 1-6).

8º o fruto da videira posto na prensa, dá o vinho: o cristão deve se resignar a

passar pela prensa das provações, se quer produzir atos de virtude.

Permanecei em mim, diz Jesus Cristo: Manete in me. Porque:

1º sem Mim, nada podeis fazer: Sine me nihil potestis facere; comigo sereis

fecundos em frutos divinos.

2º Sem Mim, seríeis áridos; comigo vivereis; e

3º Sem Mim seríeis cortados e lançados ao fogo; comigo permanecereis e

sereis transportados ao Céu. Permanecei em mim: como o ramo da videira

recebe sua vida, sua seiva e seus frutos do tronco que a leva, assim também o

cristão toma de Jesus Cristo todas as Suas virtudes, todos os Seus méritos, a

vida da graça e a vida eterna.

Se alguém não permanecer em mim, diz Jesus Cristo, será lançado fora,

como o sarmento inútil; secar-se-á; será recolhido; lançar-lhe-ão ao fogo e arderá: Si

quis in me non manserit, mittetur foras sicut palmes; et arescet, et colligent eum, et

in ignem mittent, et ardet. Meditemos frequentemente e com atenção a respeito de

cada palavra deste versículo do Evangelho.

Cortado o ramo da videira, diz Santo Agostinho, não tem aplicação nenhuma,

nem para a agricultura, nem para as obras de arte. Este ramo não tem senão um

destes dois destinos: ou permanece unido à videira, ou ser queimado; se não

permanece unido à videira, há de ir ao fogo: Ligna vitis precisa, nullis agricolarum

usibus prosunt; nullis fabrilibus operibus deputantur. Unum de duobus plamiti

congruit, aut vitis, aut ignis; si in vite non est, in egni erit (Tract. LXXXI, in

Johann).

Se quereis ser cristãos, uni-vos a Jesus Cristo, vivei de Jesus Cristo e segui

seus exemplos. Quem diz que permanece em Jesus Cristo, deve seguir o caminho

que Ele seguiu, diz o Apóstolo São João (I Johann. II, 6).

São Próspero diz muito oportunamente: O que é seguir o caminho que Jesus

Cristo seguiu senão desprezar todas as prosperidades que Ele desprezou, não temer

as adversidades que Ele sofreu, praticar o que ensinou, esperar o que Ele prometeu,

fazer bem até aos ingratos, não devolver mal por mal, orar por nossos inimigos, ter

compaixão dos maus, acolher aos que nos perseguem, suportar aos hipócritas e aos

orgulhosos, e, enfim, estar, segundo a expressão do Apóstolo São Paulo, morto para

a carne, a fim de não viver mais que de Jesus Cristo? (De Vit. Contempl.).

Seremos cristãos, diz São Cipirano, se imitarmos a Jesus Cristo: Erimus

Christiani, si Christus fuerimus imitati (Serm.).

Ser cristão, diz São Leão, é despojar-nos de toda semelhança com o homem

terrestre, e tomar a forma do homem celestial: Hoc est christianum esse, nimirum,

terreni hominis imagine deposita, coelestem formam induere (Serm. de Quadrag.).

Os primeiros cristãos e os bons cristãos de todos os séculos imitaram a Jesus

Cristo

Os primeiros cristãos não tinham mais que um mesmo coração e uma mesma

alma; todos estavam unidos a Jesus Cristo e em Jesus Cristo; imitavam-No tal

maneira, que eles também eram outros Cristos: Multitudinis autem credentium erat

cor unum, et anima una (Act. IV, 32). São Gerônimo, Santo Agostinho e São

Basílio ensinam que os primeiros cristãos lançaram os fundamentos da vida

religiosa.

Ouvi como São Justino descreve as virtudes dos cristãos de seu tempo: Toda

comarca, por mais afastada que esteja, é sua pátria; e a pátria eles a olham como um

país estrangeiro. Estão revestidos de um corpo de carne; porém, não vivem segundo

a carne; estão na terra; porém, sua conversação é do Céu; são pobres, e enriquecem

aos outros; tudo lhes falta, e nadam em abundância (Epist. ad Diog.).

Os verdadeiros cristãos de todos os séculos foram modestos em suas vestes,

de rosto sereno, prudentes em suas palavras, assíduos à oração, grandes na fé,

plenos de esperança e de caridade, profundamente humildes, circunspectos nos

conselhos, animados de uma terna piedade, ativos nas boas obras, satisfeitos nos

opróbrios, doces de costumes, e plenos de sabedoria, de virtude, de graça diante de

Deus e dos homens. Tal é a vida cristã e a imitação de Jesus Cristo.

Lemos na vida de São Willibald3, que este santo dava abundantes esmolas,

fazia assíduas vigílias, amava a oração, era muito compassivo ante a desgraça

alheia, estava pleno de uma caridade perfeita, era poderoso em doutrina, e santo em

sua conversação. A doçura de seu rosto manifestava a candidez de sua alma; a

mansidão de suas palavras era indício da piedade de seu coração; não omitia nada

quanto lhe podia conduzir à salvação eterna, praticando-o e ensinando-o aos outros.

Tomava muito pouco repouso, jamais dava ouvidos às suas inclinações e à sua

vontade, era amante do trabalho, paciente frente às injúrias, desprezava os elogios,

era pobre de dinheiro, porém, rico de virtudes, humilde ante o mérito, terrível contra

o vício, sem que perdesse de vista a Deus. Este é o verdadeiro cristão. O retrato

deste santo é o de todos os santos e de todos os bons cristãos; porque o bom cristão

é um santo, assim como o mal cristão já é um condenado.

Basílio – diz São Gregório Nazianzeno no panegírico daquele Santo – estava

intimamente unido a Deus: a virtude era sua pátria, tinha por tesouro a sobriedade,

por alimento a sabedoria; e, por mansão, a justiça, a verdade e a pureza.

Lede a vida dos Santos, e vereis que todos viveram de Jesus Cristo, para

Jesus Cristo e em Jesus Cristo.

O cristão deve imitar ao soldado

3 Santo Willibals nasceu no Reino de Wessex e faleceu, por volta de 787, em Eichstätt, na Alemanha (Nota do tradutor).

Este preceito recomendo-te, filho Timóteo, e é segundo as profecias

pronunciadas outrora sobre ti; assim, cumpras ou plenifiques teu dever, militando

como bom soldado de Cristo: Hoc praeceptum comendo tibi, fili Timothee,

secundum praecedentes in te profecias, ut milites in illi bonam militiam (I Tim. I,

18).

E onde está vosso Rei?, pergunta São Basílio. No Céu. Então, para este

ponto, deveis dirigir vossos passos, soldados de Cristo! Esquecei tudo o que há na

terra. O soldado não constrói casas, não compra terras, não se aplica ao comércio,

nem busca ganancias; cobra seu soldo e recebe seu alimento do rei, levanta sua

tenda nas praças públicas e nos campos, come porque é preciso comer, sofre o frio e

o calor, apresenta frequentes e terríveis combates ao inimigo, acha muitas vezes

neles a morte; porém, não retrocede; e seu sangue é glorioso, digno das

recompensas reais. Soldados de Jesus Cristo, obrai da mesma maneira! Fazei, ao

menos para o Céu, para uma coroa eterna e para o Rei dos reis, aquilo que um

soldado faz para esta terra, para obter algumas insígnias honoríficas e para honrar a

um príncipe mortal. Ocupe-se vosso espírito no pensamento dos bens eternos.

Proponde-vos passar esta vida sem as riquezas e sem todas as coisas inúteis;

desprezai todos os cuidados e os estorvos desta vida (Praef. Ascet., Serm. I).

Ouvi o que diz Tertuliano: Estamos chamados ao exército do Deus vivo.

Nenhum soldado deve marchar ao combate submergindo-se nas delícias: não é de

uma cama de onde há de sair para ir receber ao inimigo, senão de uma tenda dura e

pobre, que não exige mais que um breve momento para ser transladada de um lugar

para outro. Até na paz, o soldado aprende o que é a guerra com seus trabalhos, com

incomodidades de mil espécies, andando com as armas, plantando acampamento,

fazendo trincheiras, e secando pântanos. Fortifica-se com os suores que sofre, e

prepara-se assim para não temer no momento do perigo. Anda da sombra ao sol, e

do sol à luta; tão prontamente põe seu uniforme como uma couraça; passa do

silêncio aos gritos; e, do repouso, ao bulício da batalha (Ad. Martir., c. III).

Instruído pelos preceitos e pelas ordens de seu divino Capitão, o soldado de

Jesus Cristo, diz São Cipriano, não empalidece no momento do combate, senão que

se prepara para a vitória.

Os soldados de Jesus Cristo podem morrer; porém, não podem ser vencidos;

e são invencíveis precisamente porque não temem a morte: Miles Crhisti, praeceptis

ejus et monitis eruditus, non expavescit ad pugnam, sed paratus est ad coronam.

Milites Christi vinci non posse, mori posse, et hoc ipso invictos esse, quia mori non

timent (Ad Martyr.).

Cristãos, exclama São João Crisóstomo, sois soldados mui dedicados e mui

débeis, se credes vencer sem combate e triunfar sem fazer guerra! Exercei vossas

forças, combatei com valor, feri sem cuidado. Considerai o juramento, a condição, o

exército: o juramento que fizestes a Jesus, vosso Rei; a condição que aceitastes; e o

exército em cujas fileiras vos alistastes (Homil. in Martyr.).

Estando em conformidade com o Evangelho, toda a vida do cristão, diz Santo

Agostinho, é uma Cruz e um martírio: Tota vita christiani hominis, si secundum

Evangelium vivatur, atque martyrum (Sentent.).

Vantagens de que o cristão aproveita até em meio a seus trabalhos

É indubitável que toda correção, diz São Paulo aos Hebreus, pode

prontamente parecer um motivo de tristeza e não de alegria; mas depois produzirá,

naqueles que são esculpidos por ela, o fruto suavíssimo da justiça: Omnis disciplina

in praesenti quidem videtur non esse gaudii, sed maeroris, postea autem fructum

pacatissimum excercitatis per eam redet justitiae (Heb. XII, 11).

A gordura da carne e a moleza, diz São Bernardo, são mortificados pelos

golpes do Senhor que fortificam as virtudes da alma. A carne fica presa, e a alma

voa aos céus nas asas da virtude; a carne perde o que tinha de supérfluo, e a alma

adquire as qualidades que lhe faltavam. Assim, pois, se como consequência das

flagelações que nos vem do Senhor, as virtudes crescem e apagam-se os vícios; se

aprendemos a desprezar as coisas temporais e a amar as cosias do Céu; se, buscando

as recompensas eternas, experimentamos alguma grave enfermidade ou alguma

forte tentação, ou a perda dos bens da terra, devemos tirar forças e paciência do

pensamento consolador que nos apresenta as vantagens das provações do Senhor.

Seu número e sua extensão não nos devem fazer descuidar nada do que possa

aumentar a glória de nossa vitória e a riqueza de nossa coroa. Agindo assim,

manifestaremos com que ardor dirigimo-nos a Deus, posto que vamos até Ele, não

somente durante a tranquilidade e o repouso, senão também através das aflições,

provas, e cruzes. Por consequência da queda do homem, não podemos voltar às

alegrias eternas sem seguir um caminho semeado de espinhos, dores e lágrimas.

Desde a saída do paraíso terreno, não se pode subir ao Céu senão pelo caminho do

Calvário. Por esta razão, fortes com a esperança da felicidade que nos espera,

devemos estimar, como uma grande vantagem, todas as adversidades (Lib. de

Consid.).

Ademais, que maior prazer há, diz Tertuliano, que desprezar o deleite,

desprezar as coisas da terra, gozar de uma verdadeira liberdade, ter uma consciência

sem mancha e uma vida tranquila, não experimentar nenhum temor da morte,

pisotear os vãos ídolos incensados pelas paixões, domar o Inferno e viver de Deus?

Estes prazeres incomparáveis, estes espetáculos dos cristãos, são santos, gratuitos e

perpétuos (Apolog.).

Grandeza do cristão

O cristão fiel é, por assim dizer, partícipe dos divinos atributos: é santo,

onipotente, imutável, celestial, quase impecável, muito bom, sábio, imperturbável,

liberal, reto, constante, prudente, igual, forte, sincero, parece-se a seu Pai... Deus.

Para ser semelhantes a Deus na glória, devemos parecer-nos a Ele em

santidade, em virtude, em graça, em amor, em trabalho, em dor, e devemos, assim

mesmo, levar nossa Cruz, segundo aquelas palavras do grande Apóstolo aos

Romanos: E, sendo filhos de Deus, somos também herdeiros; herdeiros de Deus e

coerdeiros de Jesus Cristo, contanto que padeçamos com Ele, a fim de que sejamos

com ele glorificados: Se autem filii, et haeredes; haeredes quidem Dei, cohaeredes

autem Christi: si tamen compatimur, ut et conglorificemur (Rom. VIII, 17).

Sereis meu povo fiel, disse o Senhor por meio de Jeremias, e eu serei o vosso

Deus sempre benigno: Eritis mihi in populum, et ego erro vobis in Deum (Jer.

XXX, 22).

A grandeza do cristão consiste não em passar por tal, senão em sê-lo

realmente, diz São Jerônimo: Esse christianum grande est, non videri (Epist. ad

Paulin.).

Devemos corresponder com nossa conduta a um título tão glorioso. Dizendo

que um homem é cristão, entendo que é um homem perfeito, diz Santo Ambrósio:

Cristianum dum dico, perfectum dico (Serm. XII, in Psalm. CXVIII).

Por isso, disse também São Leão Magno: Reconhece, ó cristão, tua

dignidade; e posto que chegastes a ser partícipe da natureza divina, não voltes a

cair, por uma conduta degradante, em tua antiga baixeza. Lembra-te de que Chefe e

de que Corpo és membro: Agnosce, ó christiane, dignitate tuam, et divinae consors

factus naturae, noli in veterem vilitatem degeneri conversatione redire; memento

cujus capitis et cujus corporis sis membrum (Serm. de Nativit.).

Os cristãos são filhos das promessas

Os cristãos são filhos da promessa, isto é, prometidos por Deus.

1º Deus havia prometido por meio dos profetas que haveria cristãos, ou uma

nação de cristãos; e

2º por meio dos mesmos profetas prometeu aos cristãos a justificação e a

salvação, que provém de sua fé e de sua obediência a Jesus Cristo.

A geração dos cristãos não é natural, mas sobrenatural e livre; verifica-se por

meio da graça, que é sua mãe, e pelo consentimento da vontade, que é seu pai. Os

cristãos sucederam aos judeus incrédulos e afastados da filiação espiritual e da

família de Abraão; e, por conseguinte, da herança de benção, isto é, da justiça e da

salvação prometidas a Abraão.

Major serviet minori: O filho maior será posposto ao mais jovem (Gen.

XXV, 23), isto é, os judeus serão pospostos aos cristãos. Estes serão os preferidos,

assim como o Antigo Testamento há de ceder seu posto ao Novo Testamento.

Assim, Santo Agostinho expressa-se ao comentar este versículo do Gênesis.

Jesus Cristo disse-o: Muitos que eram os primeiros neste mundo, serão os

últimos; e muitos que eram os últimos, serão os primeiros; Multi autem erunt primi

novissimi, et novissimi erunt primi (Matth XIX, 30).

Os judeus venderam seu direito de primogenitura; e, crucificando o Salvador

do mundo, perderam a benção.

Meios que podemos empregar para sermos bons cristãos

Há excelentes meios para fazer-nos bons cristãos:

1º a recordação da presença de Deus;

2º a intenção pura;

3º a confiança em Deus;

4º a oração;

5º o valor da perseverança;

6º nunca desprezar as coisas pequenas;

7º trabalhar para a eternidade e não para o tempo;

8º pensar todos os dias, ao levantar-nos, que aquele dia é, talvez, o último de

nossa vida; e

9º observar as Leis de Deus e da Santa Igreja.