33 27 ciência

52

Upload: lenhan

Post on 09-Jan-2017

222 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: 33 27 CIêNCIA

刀䔀䌀䤀䌀䰀䄀䜀䔀䴀䴀䄀刀䴀䤀吀䔀堀 唀匀䄀䐀伀 匀䔀 䌀伀一嘀䔀刀吀䔀 䔀䴀 䔀一䔀刀䜀䤀䄀

刀䄀䤀伀伀堀 䐀伀 嘀촀䌀䤀伀倀䔀匀儀唀䤀匀䄀 䄀一䄀䰀䤀匀䄀 䌀伀一匀唀䴀伀䐀䔀 䐀刀伀䜀䄀匀 䔀䴀 䈀䠀

䘀唀吀唀刀伀 匀䔀䴀 嘀준唀

Page 2: 33 27 CIêNCIA

EX

PE

DIE

NT

E

www.seed.mg.gov.br

A fábrica da inovaçãoem Minas Gerais

O objetivo do projeto coordenado pela Secretaria de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior é transformar Minas Gerais no maior polo de empreendedorismo e

inovação da América Latina.

Page 3: 33 27 CIêNCIA

MINAS FAZ CIÊNCIADiretora de redação: Vanessa Fagundes Editor-chefe: Maurício Guilherme Silva Jr.Redação: Alessandra Ribeiro, Amanda Jurno, Camila Alves Mantovani, Lorena Tárcia, Marina Mendes, Maurício Guilherme Silva Jr., Tatiana Pires Nepomuceno, Téo Scalioni, Vanessa Fagundes, Verônica Soares e Vivian TeixeiraDiagramação: Fazenda ComunicaçãoRevisão: Sílvia BrinaDireção de arte: Felipe BuenoEditoração: Unika Editora, Fatine OliveiraMontagem e impressão: Rona EditoraTiragem: 25.000 exemplaresCapa: Felipe Bueno

Redação - Av. José Cândido da Silveira, 1500, Bairro Horto - CEP 31.035-536Belo Horizonte - MG - BrasilTelefone: +55 (31) 3280-2105Fax: +55 (31) 3227-3864E-mail: [email protected]: http://revista.fapemig.br

Blog: http://blog.fapemig.brFacebook: http://www.facebook.com/minasfazcienciaTwitter: @minasfazcienciaInstagram: @minasfazciencia

GOVERNO DO ESTADODE MINAS GERAISGovernador: Fernando Pimentel

SECRETARIA DE ESTADO DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E ENSINO SUPERIORSecretário: Miguel Corrêa Jr.

Fundação de Amparo à Pesquisado Estado de Minas Gerais

Presidente: Evaldo Ferreira VilelaDiretor de Ciência, Tecnologia e Inovação: Paulo Sérgio Lacerda BeirãoDiretor de Planejamento, Gestão e Finanças: Alexsander da Silva Rocha

Conselho CuradorPresidente: João Francisco de Abreu Membros: Esther Margarida Alves Ferreira Bastos, Flávio Antônio dos Santos, Júnia Guimarães Mourão, Michele Abreu Arroyo, Ricardo Vinhas Corrêa da Silva, Roberto do Nascimento Rodrigues, Sérgio Costa Oliveira, Valentino Rizzioli, Virmondes Rodrigues Júnior

Para receber gratuitamente a revista MINAS FAZ CIÊNCIA, envie seus dados (nome, profissão, instituição/empresa, endereço completo, telefone, fax e e-mail) para o e-mail: [email protected] ou para o seguinte endereço: FAPEMIG / Revista MINAS FAZ CIÊNCIA - Av. José Cândido da Silveira, 1500, Bairro Horto - Belo Horizonte/MG - Brasil - CEP 31.035-536

AO

LE

ITO

R

EX

PE

DIE

NT

E

De vez em quando, até parece que estamos falando de filmes de ficção científica. Prever o comportamento dos seres humanos a partir da internet? Mapear acontecimen-tos futuros? Antecipar a aceitação ou rejeição de clientes e usuários? Atualmente, tudo isso é possível. E mais: quem fornece as informações necessárias para tanto somos nós, internautas, ao visitarmos sites da internet, ao realizarmos buscas em sites especí-ficos, ao comentarmos postagens nas redes sociais ou ao compartilharmos conteúdos marcados por hashtags.

O uso cotidiano da internet gera um volume imenso de dados públicos, que ser-vem como matéria-prima para a análise preditiva. Essa área, que pode ser aplicada em vários campos do conhecimento, tem sido utilizada tanto por pesquisadores como por empresas para previsões diversas. A partir de algoritmos e máquinas potentes, é possível, por exemplo, antecipar epidemias, surtos de violência e até mesmo fraudes ligadas ao uso do cartão de crédito. A reportagem especial desta edição, de autoria das jornalistas Amanda Jurno e Lorena Tárcia, apresenta um pouco mais do tema, destacan-do o trabalho do Departamento de Ciência da Computação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), referência no uso de dados e de predição.

A MINAS FAZ CIÊNCIA também apresenta os resultados de uma pesquisa inédita que elaborou um mapa do vício em drogas (lícitas e ilícitas) na capital mineira. Con-duzido por um grupo da UFMG, o trabalho ouviu cerca de oito mil pessoas com idade entre 15 e 65 anos, residentes em diferentes regiões de BH. Os dados obtidos são de grande importância: por um lado, contrariam algumas ideias (e preconceitos) sobre o perfil dos usuários de drogas; por outro, fornecem subsídios para a elaboração de políticas públicas, especialmente no que se refere ao encaminhamento e ao tratamento dos dependentes químicos.

Fala-se muito sobre o papel da ciência em fornecer respostas para as demandas da sociedade. Nesta edição, temos dois exemplos de como isso pode acontecer. O primeiro caso surge de um lugar inesperado, a penitenciária José Martinho Drumond, localizada em Ribeirão das Neves, na Região Metropolitana de BH. Como as refeições dos presos são fornecidas em marmitas, ao fim de cada mês, o local colecionava entre quatro e dez toneladas de embalagens térmicas descartadas. Preocupados com a situa-ção, dois agentes penitenciários levaram o problema a um grupo de pesquisadores, que chegou a uma proposta de aproveitamento do material, transformando o que iria direto para o lixo em fonte de energia.

O outro exemplo está relacionado ao combate ao mosquito Aedes aegypti, trans-missor de três doenças que, infelizmente, se tornaram bem conhecidas dos brasileiros nos últimos tempos: dengue, chikungunya e zika. Em todo o país, pesquisadores estão empenhados na busca por respostas, seja para a prevenção, para conhecer melhor os efeitos no organismo ou para o tratamento. Um estudo conduzido pela Fiocruz, que envolve também o Centro de Pesquisas René Rachou, de Minas Gerais, está analisando os efeitos da contaminação do Aedes pela bactéria Wolbachia. O grupo observou que, quando infectados, a capacidade dos mosquitos de transmitir os vírus das doenças diminui consideravelmente. Aliada a outra pesquisa que desenvolveu dieta artificial eficiente para os mosquitos mantidos em laboratório, a novidade é mais um passo em direção ao melhor controle epidemiológico das doenças.

Boa leitura!

Vanessa FagundesDiretora de redação

Page 4: 33 27 CIêNCIA

4 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2016

ÍND

ICE

VIDA DE CIENTIsTA Saiba mais sobre os dons de Valder Steffen, professor e pesquisador da Universidade Federal de Uberlândia

45

hIPERLINkJosé Reis, Nanotecnologia, Agência Espacial Brasileira e mostra Inova Minas FAPEMIG

48

AgRICuLTuRANovas técnicas ampliam quantidade e aprimoram qualidade de frutas cultivadas no semiárido mineiro

16

ENTREVIsTACEO da Starlight Runner Entertainment, Jeff Gomez debate o uso de narrativas transmídia na ciência

12

30 VETERINáRIA Biomateriais elaborados a partir de tecnologia nacional aperfeiçoam processo de regeneração óssea

INOVAçãOIniciativa do governo de Minas Gerais, programa Seed garante suporte e estímulo ao empreendedorismo de startups

24

QuÍmICAPesquisadores do Departamento de Química da UFMG transformam marmitas usadas em presídio em combustível

6 EsPECIALFique por dentro da inteligência preditiva, cujas iniciativas estendem-se a diversas áreas da produção científica

33

27 CIêNCIA Evento mundial, Pint of Science levou pesquisadores a discutir temas científicos em bares de BH

39 DIVuLgAçãO CIENTÍfICA Espaço do Conhecimento celebra seis anos de dedicação à lúdica disseminação de saberes

42 DENguEInserção da bactéria Wolbachia em mosquitos Aedes aegypti revela-se eficaz contra Zika, dengue e chikungunya

36 ENgENhARIA mECâNICA Queimador de baixo custo diminui emissão de gases poluentes e previne explosões

20 mEDICINA Pesquisa inédita investiga números e características da dependência de drogas na capital mineira

Page 5: 33 27 CIêNCIA

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2016 5

Ciê

nC

ia a

be

rta

MINAS FAZ CIÊNCIA tem por finalidade divulgar a produção científica e tecnológica do Estado para a sociedade. A reprodução de seu conteúdo é

permitida, desde que citada a fonte.

“A pergunta me faz refletir profun-damente, assim como quando me ques-tionam: ‘Qual o sentido da vida?’. Precisei fazer uma viagem no tempo! No auge dos meus 24 anos, lembro que vivi metade dessa idade sem internet, embora ela já existisse. Em minha casa, adquirimos um computador financiado em infinitas presta-ções; depois, mandamos instalar internet. Consigo me lembrar que, antes de conhe-cer esse mundo digital, eu vivia em um mundo físico. Tinha uma rede de amigos na rua onde moro e na escola. Com eles, fazíamos várias programações. Além disso, dava audiência para a TV. Lia muitos livros. Saía bastante de casa. Fazia pesquisas em enciclopédias e bibliotecas”.Raylson Lima

Via Instragram

“Não manteria essa rede de amigos pulsando, tão viva e atuante. Outra coisa é a possibilidade de conhecer tantos países”.Iza Santana

Via Facebook

“Nossa, essa pergunta é complicada! O que eu não faria sem a internet nos dias de hoje? Acho que mudaria minha rela-ção com a culinária. Parece besteira, né? Mas pense comigo: um simples acesso ao Facebook ou ao Tasty Demais te dá ‘uma

surra’ de receitas fáceis, gostosas. Se não fosse a internet, você não procuraria nos livros de receita”.Jéssica MeirellesVia Facebook

“Sem a internet, meu trabalho seria muito prejudicado, tendo em vista que conto com a web para realizar 90% do que faço”.Camila SilvaVia Facebook

“Sem a internet, não me atualizaria, tão rápida e facilmente, com diversas infor-mações de âmbitos pessoal e profissional”.Gabriela GranattoVia Facebook

“Provavelmente, eu pensaria em um método para ter internet. Mas, falando sé-rio: acredito que eu leria menos”.Rafael SilvaVia Facebook

“Sem a internet, provavelmente, não conseguiria manter certas relações tão ví-vidas – mesmo que a distância. Também acredito que não seria possível me infor-mar, de maneira sistemática, sobre assun-tos que tanto me interessam, como política internacional. Sem a internet, teria menos conhecimento. E, se conhecimento é poder, a ausência da internet significaria menos poder compartilhado”.Jonathan GodinhoVia Facebook

a internet

Nos dias de hoje, o

que você não

faria sem?

Page 6: 33 27 CIêNCIA

6 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2016

EsPE

CIA

L

Bola de cristal contemporânea

Inteligência preditiva auxilia pesquisadores a monitorar comportamentos sociais a partir da investigação de informações digitais

Amanda Jurno e Lorena Tárcia

Page 7: 33 27 CIêNCIA

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2016 7

“O que é a história? Um eco do pas-sado no futuro”, escreveu Victor Hugo, em O homem que ri. A máxima do autor remete ao fato de que, embora eventos futuros te-nham circunstâncias únicas, normalmente, seguem padrões históricos e de compor-tamento reconhecíveis. As tecnologias computacionais desenvolvidas na última década nos põem, hoje, em condições de repensar nossa relação com o porvir, a partir da análise de grandes volumes de dados, a chamada Big Data.

A predição – ou previsão – do que está por acontecer deixa de ser uma aposta nos poderes das bolas de cristal, para se tornar uma ciência baseada no imenso volume de informações públicas circulantes na web. De palavras-chave de buscas a postagens nas redes sociais, ou hashtags no Twitter, muito do compor-tamento e das necessidades humanas pas-sa pelas diversas telas com as quais nos relacionamos diariamente.

O mundo contemporâneo enfrenta desafios complexos, como mudanças cli-máticas, instabilidade política e surtos de doenças. Contudo, e se acontecimentos desestabilizadores pudessem ser previstos com antecedência? Cofundadora da empre-sa israelense SalesPredict, Kira Radinsky fez tal aposta há cerca de dez anos, quando pas-sou a investir na coleta e na análise sistemá-tica de informações sobre o comportamento humano na web, com o objetivo de calcular, em tempo real, estimativas e probabilida-des de eventos futuros.

O sistema combina 150 anos de arti-gos do jornal New York Times, a totalida-de da Wikipédia e milhares de pesquisas em páginas web e nas redes sociais para modelar a possibilidade de resultados potenciais em relação a contextos específi-cos. O algoritmo generaliza sequências de acontecimentos históricos extraídos desse grande conjunto de dados e procura, auto-maticamente, todas as possíveis combina-ções de causa-efeito. O software pioneiro foi premiado pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT).

Radinsky e seus colegas desenvol-veram, por exemplo, um algoritmo capaz de prever, com precisão, o primeiro surto de cólera, em 130 anos, em Cuba. O pa-

drão inferido pelo sistema era de que as epidemias da doença em áreas sem litoral são mais prováveis de ocorrer após tem-pestades, especialmente quando prece-didos por longo período de estiagem até dois anos antes. O padrão só ocorre em países com baixo Produto Interno Bruto (PIB) e reduzida concentração hídrica na área afetada. O dado parecia surpreen-dente, considerando-se ser a cólera uma doença advinda da água, o que levaria a supor que o surto aconteceria em áreas bem irrigadas. A implicação direta de pre-visões desse tipo é que equipes médicas podem ser alertadas com antecedência de até dois anos, em tempo de enviar água limpa ao local e quebrar o ciclo de desen-volvimento da doença.

O mesmo mecanismo tem sido usado para modelar a probabilidade de surtos de violência. O sistema previu motins na Síria e no Sudão, ao perceber que distúrbios são mais prováveis de ocorrer em regiões pouco democráticas, com PIB crescente e baixa distribuição de renda, quando há elevação de preços de produtos anteriormente subsidiados. Tal relação de fatores acaba por favorecer manifestações e confrontos com a polícia.

Em julho deste ano, o eBay anun-ciou a compra da SalesPredict, ao apostar na inteligência artificial, nos dados e no aprendizado das máquinas para prever o comportamento dos clientes e converter os anúncios em maiores volumes de ven-das. Com mais de 900 milhões de anún-cios publicados em todo o mundo, o eBay percebeu a oportunidade de usar análise preditiva na identificação dos atributos que podem afetar, por exemplo, o preço de um produto. Dessa forma, é possível municiar os vendedores da plataforma com informações relevantes, capazes de incrementar as vendas.

AplicaçõesA análise preditiva diz respeito ao

que vai acontecer. Ao tratar do passado, a pesquisa se torna descritiva. Enquanto disciplina, a área existe há muitas déca-das. Sua relevância, porém, cresceu em virtude da quantidade de dados captu-rados pelas pessoas – a partir de redes

Romance clássico mundial, de 1869, marcado pela ironia e pelo sarcasmo velado. Fascinou gerações de leitores e virou filme. A mais recente adaptação, de 2012, é com Gérard Depardieu.

Segundo pesquisa da Uni-versidade da Virgínia, publicada no periódico científico Decision Support Systems, muitos crimes ou agressões podem ser detecta-dos antecipadamente, a partir da análise de conteúdo publicado no Twitter, caso essa informação seja analisada de forma adequada. De acordo com o estudo, a análise de tuítes permite prever 19 entre 25 formas de crime – especialmente, perseguição, assédio, roubo e cer-tos tipos de agressão.

Page 8: 33 27 CIêNCIA

8 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2016

sociais, por exemplo – e de sensores, como dispositivos móveis, GPS e “Inter-net das Coisas”.

A análise preditiva é usada em vários campos do conhecimento, e tem sido mui-to bem-sucedida, por exemplo, na detec-ção de fraudes ligadas ao uso de cartão de crédito. As transações são monitoradas em tempo real, e, a depender do risco percebi-do, as instituições implementam um con-junto de regras e podem recusar a opera-ção. Também a recomendação de produtos e serviços tem sido foco de aplicativos pre-ditivos, a exemplo da indicação de filmes, livros e músicas em serviços como Netflix e Spotify. Além disso, convive-se, cada vez mais, com campanhas de marketing custo-mizadas conforme hábitos de consumo e pesquisas na web.

Outra gama de aplicativos baseados em análise preditiva concentra-se em da-dos obtidos a partir de sensores. Ao usar dispositivos móveis com GPS, por exem-plo, os usuários enviam informações cole-tivas, que possibilitam prever as condições de trânsito praticamente em tempo real. Com sistemas cada vez mais precisos, seremos capazes de usá-los para alterar nossas escolhas de transporte: diante da previsão de trânsito intenso nas grandes cidades, será possível, por exemplo, optar por metrô ou bicicleta.

Na Engenharia Civil, a disponibili-dade de sensores menores, e com custo reduzido, permite monitorar estruturas de pontes e edifícios, assim como de máquinas, transformadores de energia e água, bombas de ar, portas e válvulas. Nesses casos, o uso da análise preditiva permite manter ou alterar materiais ou processos antes da ocorrência de falhas e acidentes. Desastres como o derrama-mento de óleo no Golfo do México, em 2010, ou o colapso do viaduto Guarara-pes, em Belo Horizonte, são exemplos de acidentes graves, que poderiam ser evi-tados caso houvesse sensores e modelos de manutenção preventiva.

Referência mineiraNo Brasil, o Departamento de Ciên-

cia da Computação (DCC) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) é consi-

derado referência em empreendedorismo na área de computação e no uso de dados e de predição. Em 2014, a equipe do DCC saiu vitoriosa em uma das principais con-ferências mundiais no campo do aprendi-zado de máquina e mineração de dados. Formado pelo então doutorando Flavio Diniz de Figueiredo e pelos professores Jussara Marques Almeida e Marcos André Gonçalves, o time obteve primeiro lugar em duas das três tarefas do “Predictive Web Analytics Challenge”, categoria de predição do “Discovery Challenges”.

No desafio, os competidores preci-savam prever se determinado conteúdo veiculado na internet viria a se tornar popular entre os usuários. Para isso, ana-lisaram-se conjuntos de tuítes, posts do Facebook e páginas de web. Os compe-tidores monitoraram o desempenho dos dados durante uma hora, e, por meio de cálculos matemáticos, tentaram identifi-car a repercussão de tais conteúdos após uma semana. Venceria a disputa a equipe que obtivesse o resultado mais preciso. Ao usar um algoritmo que explorava con-ceitos na área de agrupamento de séries temporais e de predição de comporta-mento, os representantes do DCC tiveram a menor margem de erro na previsão de popularidade dos posts do Facebook e das páginas de web.

Segundo Polyana Inácio, pesquisadora mineira na área de Comunicação Social, com ênfa-se em internet das coisas, “qual-quer objeto a nosso redor pode receber sensores ou etiquetas de radiofrequência (RFID) para mo-nitorar ambientes e ações, além de enviar dados, assim como já fazem os celulares. Com a chegada da internet das coisas, “somos cada vez mais monito-rados, e, portanto, suscetíveis a recomendações que surgem de dados coletados quando expo-mos hábitos diários, intimidade e localização no mundo”.

Page 9: 33 27 CIêNCIA

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2016 9

Foi nos laboratórios dos professores Nivio Ziviani e Alberto Laender, do DCC, que nasceu a Kunumi, empresa de alta tecnologia focada na convergência entre técnicas de Deep Learning e Big Data. “A Kunumi faz a ponte entre o mundo dos negócios e os avanços mais recentes de inteligência artificial, abordando casos práticos de forma inovadora, com grande impacto tanto em resultados quanto em processos”, explica Ziviani O portfólio de serviços da empresa inclui análise pre-ditiva, inteligência de negócio e big data engineering. Busca-se, assim, a solução de problemas em áreas como previsão de demanda, comportamento de usuário, otimização, planejamento de inventário, análise e monitoramento de mídias sociais.

No segmento da saúde, tida, pelo professor Ziviani, como uma das mais promissoras, a inteligência preditiva é usada do diagnóstico digital, por meio do reconhecimento de imagens, à recupera-ção de informações não estruturadas dos prontuários eletrônicos dos pacientes. “A análise preditiva aumenta potencialmente a precisão de diagnósticos, ajuda a Medici-na preventiva e a saúde pública e suporta incrementos nas previsões relativas às despesas de produtos de seguros de saúde que envolvam empregadores e hospitais”, destaca o professor, ao lembrar que é pos-sível, ainda, o desenvolvimento de mo-delos de previsão que não necessitam de milhares de casos como amostragem para resultados. “Desse modo, tornam-se mais precisas ao longo do tempo”, pontua.

No que se refere à mídia, a Kunumi recorre à análise preditiva para entregar conteúdo de maior ressonância junto ao público, por meio do sistema de reco-mendações. A empresa foi fundada em 2011 e, hoje, funciona no BHTec, o Par-que Tecnológico de Belo Horizonte, na região da Pampulha.

Outro destaque mineiro na área é a Hekima, especializada em antecipar ten-dências, pensar soluções efetivas e auxiliar a tomada de decisões empresariais. “A par-tir do acesso a dados internos ou externos às empresas, aplicamos técnicas de inte-ligência artificial para detectar e entender padrões relacionados às necessidades de

nossos clientes”, explica Thiago Cardoso, CTO da empresa.

Tabelas e informações oferecidas pe-las organizações, dados de censos como o do Instituto Brasileiro de Geografia e Esta-tística (IBGE) e de mídias sociais servem de base para os algoritmos encontrarem padrões que podem ser usados para an-tecipar acontecimentos como o cancela-mento da matrícula de clientes em uma academia. “Com o conhecimento desses padrões, podemos identificar as pessoas com maior risco de deixar a academia, an-tes mesmo que isso aconteça. A empresa, então, pode tentar uma ação preventiva”, explica Cardoso.

Durante a Copa do Mundo de 2014, a Hekima foi contratada pelo Governo Fe-deral para prever o local e o volume de pessoas nas manifestações de rua. A me-todologia usada foi desenvolvida durante os conflitos de junho de 2013 e se funda no acompanhamento de eventos em tem-po real, seguidos pelo levantamento de insights estratégicos, pela identificação de tendências e pela análise especializada para além das informações.

“Usamos dados coletados nas redes sociais, principalmente, no Facebook, onde os manifestantes combinavam os encontros. Também lidamos com infor-mações da polícia, e, até mesmo, com boletins de previsão do tempo, já que, quando chovia, as manifestações tendiam a se esvaziar”, explica Victor Salles, co-fundador da Hekima. A partir da análise desses extensos bancos de dados, por softwares, os desenvolvedores criaram padrões e treinaram a inteligência arti-ficial para agir sozinha. Ao longo de 43 dias, foram gerados 172 relatórios. Só no dia da abertura, chegaram a ser coletadas e analisadas mais de um milhão de posta-gens, o que permitiu, por exemplo, prever as vaias à presidente Dilma Rousseff.

“A inteligência artificial se desenvol-veu tanto que foi capaz de superar nossa capacidade perceptiva e analítica, a partir do aprendizado com base nos dados. Cer-to dia, ela previu que uma manifestação na Paulista, em São Paulo, contaria com cerca de cinco mil pessoas. Desconfiamos dos resultados, pois os outros eventos reuniam

Page 10: 33 27 CIêNCIA

10 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2016

de 60 a 100 mil participantes. No dia se-guinte, confirmamos a previsão: seis mil estiveram na avenida”, conta Salles.

Considerações éticasDizer que os dados são disponibi-

lizados pelas pessoas por livre vontade não significa que elas estejam cientes do armazenamento e do uso dessas informa-ções. Ao contratar serviços de cartão de crédito ou e-commerce, criar contas em redes sociais ou instalar softwares e apli-cativos em computadores e celulares, os usuários são convidados a ler e a aceitar os famosos “termos de uso”. Geralmen-te, os indivíduos passam por eles apenas clicando em “aceitar”, e, quando os leem, não compreendem tudo, por se tratar de cláusulas escritas de maneira genérica e com termos desconhecidos.

“Assim, quando uma empresa diz ‘vamos usar seus dados para melhorar os nossos serviços’, podemos entender que ela pesquisará erros para corrigi-los, mas também pode ser que vá vender seus dados e reinvestir o dinheiro em infraes-trutura”, explica Joana Ziller, professora do Departamento de Comunicação Social da UFMG e integrante do Núcleo de Pesquisa em Conexões Intermidiáticas do Centro de Convergência de Novas Mídias.

Dessa forma, hábitos, atividades, e, até mesmo, a localização dos usuários são constantemente mapeados, sem que eles sequer se deem conta disso. Muitos

aplicativos associam os dados de uso aos do GPS do celular e registram informações como trajetos usuais, tempo de perma-nência em cada local, alteração na rotina etc. Há softwares, inclusive, que incluem autorização para acionar a câmera e o mi-crofone dos aparelhos sem aviso prévio. Ou seja, atividades realizadas fora dos computadores e dispositivos também po-dem ser registradas e servir de fonte para os grandes bancos de dados, usados na análise preditiva.

A abertura das possibilidades de acesso a informações pessoais e priva-das está sujeita, ainda, à ação clandesti-na de hackers. Um dos casos conhecidos é o de um casal inglês flagrado, durante as relações sexuais, pela câmera de sua smartTV. Hackers acessaram o dispositivo, filmaram o casal na própria casa e, depois, os chantagearam em troca de dinheiro. O assunto tornou-se destaque, também, quando Mark Zuckerberg, criador do Fa-cebook, publicou uma fotografia pessoal, na qual era possível visualizar, ao fundo, o notebook do empresário, com a webcam coberta por uma fita adesiva. Rapidamente, a imagem e as discussões sobre seguran-ça no uso de webcams e smarTVs vieram à tona e receberam a atenção de jornalistas.

Diante de tal realidade, como se pro-teger? Um dos caminhos, destaca Ziller, é usar os dispositivos de maneira crítica e se atentar para as possibilidades de rastreamento, escolhendo os dados que

Como funciona a predição

Coleta de dados (Data Capture)O primeiro passo é a coleta de dados. Podem

ser visualizações, cliques em páginas web, dados de clientes ou bancos de dados próprios.

Técnicas de Deep Learning (Deep Learning Engines)

A seguir, são aplicadas técnicas de Deep Learning ao conjunto de dados, de maneira a estabelecer padrões e a encon-trar agrupamentos nos dados (clusters).

1

2

Page 11: 33 27 CIêNCIA

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2016 11

deseja tornar públicos. Outra providência necessária é investir na regulamentação dos usos, de modo a aperfeiçoar o Marco Civil da Internet, em vigor desde 2014, e a estabelecer diálogos com os cidadãos. “Discutir nossa privacidade e exigir maior transparência das empresas e dos gover-nos são caminhos viáveis, tendo em vista que não abriremos mão das comodidades advindas do uso de tais serviços e produ-tos”, argumenta a professora. O que vem por aí

Segundo Nivio Ziviani, recentemen-te, “redes neuronais profundas têm obtido avanços significativos em reconhecimento de voz, visão computacional e em novas áreas de aplicação, como tradução de voz, descrição de imagens e agentes conver-sacionais”. Da mesma maneira, destaca o professor, o futuro da inteligência predi-tiva é promissor a partir do uso de redes neuronais profundas, em diversas áreas.

Visualização de dados (Data Visualization)

Os padrões detectados e o desem-penho das ações tomadas, baseadas nos sistemas de apoio à decisão, são visua-lizados, permitindo o acompanhamento das métricas envolvidas e a obtenção de insights sobre a evolução de tais métricas.

sistemas de apoio à tomada de decisão

A partir dos padrões encontrados, ferramentas de análise e tomada de deci-são são aplicadas para atingir objetivos específicos do cliente.34

Leia a íntegra das entrevistas e dos estudos usados nesta reporta-gem em https://goo.gl/8xpdnD.

“Elas já apresentam excelentes resultados na detecção de fraude – em negócios de seguros ou empréstimos bancários –, ou na prevenção de doenças, como proble-mas cardiovasculares, por meio da leitura de eletrocardiogramas, e câncer de mama, com a interpretação de imagens”, analisa.

Com o aumento das informações ge-radas pelos usuários e do investimento em ações no campo da predição, as empresas podem apostar em serviços personaliza-dos para as necessidades de seus clientes. “A customização chegará ao ponto em que cada pessoa terá uma experiência comple-tamente única”, acredita Thiago Cardoso.

Por outro lado, crescem as preocupa-ções com segurança no armazenamento e na utilização dos dados estratégicos. Estudo recente ouviu mais de 34 mil pessoas em todo o mundo sobre a confiança nas tecno-logias preditivas, comparando-as ao otimis-mo das empresas de marketing em relação ao uso de tal método nos negócios. Dentre

os temores, estão a privacidade e a descon-fiança em relação a governos e a empresas que se baseiam em predições. Os números mostram, ainda, um gap profundo entre o modo como o mercado recorre à tecnologia e a maneira como os consumidores gosta-riam que fosse empregada.

Privacidade, transparência e relevân-cia seriam, portanto, a chave para alcançar objetivos futuros, o que significa oferecer informações precisas e detalhadas sobre como os dados pessoais têm sido captura-dos, armazenados, usados e compartilhados por empresas e governos. Caso contrário, alerta o estudo, uma das mais poderosas ferramentas surgidas nas últimas décadas poderia se perder em usos e previsões so-cialmente irrelevantes ou distorcidas.

Page 12: 33 27 CIêNCIA

12 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2016

ENTR

EVIs

TA

Quando Hollywood deseja expandir superproduções como Avatar, Piratas do Caribe ou Homens de preto para além das telas do cinema, ele é a referência. CEO da Starlight Runner Entertainment, Jeff Gomez pode criar webséries, jogos, apli-cativos e mecanismos de realidade virtual, além de sugerir ações de engajamento e/ou ampliação da experiência em múltiplas plataformas. Gomez também é idealizador de campanhas comerciais – a exemplo de “Fábrica da Felicidade”, da Coca-Cola, “Hot Wheels: via 35 – Corrida Mundial” e tantas outras – para clientes de peso, como Reebok, Disney e Hasbro. “Tenho o melhor emprego do universo”, confessa, em re-ferência ao ofício de desenhar, estender e defender a “integridade de alguns dos maiores sucessos da cultura pop”.

Por trás dos projetos inovadores da Starlight Runner, revela-se o concei-to de Narrativa Transmídia (Transmedia Storytelling), definido por Gomez como “o processo de transmissão de mensa-gens, temas ou enredos a uma audiência de massa, por meio do uso engenhoso e bem planejado das múltiplas plataformas de mídia”. Além de uma técnica, transmídia é, para ele, uma “filosofia de comunicação

Conhecimento em múltiplas plataformasCortejado pelo mercado publicitário mundial e por grandes estúdios de cinema, Jeff Gomez fala sobre as relações entre as ciências e as narrativas transmídia

Lorena Tárcia

e de expansão de marcas, que enriquece e amplia o ciclo de vida de conteúdos cria-tivos”. No centro de tal proposta, estão a audiência e a perspectiva de participação, de coautoria e de construção coletiva.

A lógica transmídia já ultrapassou o en-tretenimento e o marketing, e, agora, chegou à educação, ao jornalismo e a outras tantas áreas do conhecimento. Trata-se de extensão natural da chamada cultura da convergência.

Gomez considera as narrativas como a base do relacionamento humano. Para ele, as histórias estão entranhadas em nossas mentes desde a pré-história e são a chave para compreender os mais básicos instintos e emoções. “Em um futuro próxi-mo, todas as formas narrativas – inclusive, nossos movimentos e interações – serão rastreadas de forma tão individualizada que as comunicações entre as marcas e as pes-soas se aproximarão de conversas íntimas e personalizadas”, destaca.

Além das produções, Jeff Gomez dedica boa parte de seu tempo a ensinar transmídia a públicos diversos – o que in-clui aulas gratuitas para organizações sem fins lucrativos, em países como México, Colômbia e Austrália, e nas regiões do Oriente Médio e do Norte da África.

Crescido nas ruas violentas de Nova York, Jeff sempre defendeu as causas dos jovens. Vítima de bullying na infância, de-senvolveu o seminário “Never Surrender!” (“Nunca se renda!”, em tradução livre), com o objetivo de “ensinar crianças a lidar com valentões”. Regularmente, também oferece aconselhamento de carreira a “ado-lescentes imaginativos e adultos jovens que enfrentam desafios na vida”.

Esta entrevista procura abraçar a pers-pectiva transmidiática e se expande para além das páginas da revista. No blog do projeto Minas faz Ciência você encontrará dados e pesquisas em áudio, vídeo e texto sobre diversos aspectos da narrativa trans-mídia, além de informações complementa-res acerca dos projetos citados por Gomez.

Page 13: 33 27 CIêNCIA

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2016 13

Arqu

ivo P

esso

al

Page 14: 33 27 CIêNCIA

14 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2016

Como a comunidade científica tem se envolvido e contribuído com as discussões e experiências sobre Narrativa Transmídia?

O reconhecimento formal e o inte-resse por Narrativas Transmídia vieram, primeiramente, da academia. O termo “transmídia” foi criado por Marsha Kin-der, estudiosa de cinema e professora de Estudos Críticos na Universidade do Sul da Califórnia, em 1991. Ela foi uma das primeiras a reconhecer formalmente que a história pode ser fragmentada e espalhada por meio de diferentes meios de comunicação, contribuindo para uma experiência coletiva enriquecida, quando apreciada em conjunto. Henry Jenkins, codiretor do programa de Estudos de Mídia Comparada do Instituto de Tecno-logia de Massachusetts (MIT), promoveu a teoria de Kinder e chamou a atenção de escritores e produtores de Hollywood para suas perspectivas comerciais. Meu próprio trabalho prático para franquias de entretenimento, marcas e empreendimen-tos sociopolíticos tem ajudado a informar várias instituições e organizações educa-cionais, contribuindo para a formação de centros de pesquisa em muitas universi-dades ao redor do mundo, além de diver-sos currículos sobre transmídia e estudos narrativos em múltiplas plataformas.

Hoje, quem você apontaria como re-ferência na comunidade acadêmica?

Além de Jenkins e Kinder, muitas pessoas fazem um trabalho notável em toda a comunidade acadêmica global. Lan-ce Weiler, da Universidade de Columbia, em Nova Iorque, está inovando em trans-mídia para a educação das crianças. Luke Webster, recentemente, publicou um arti-go bastante esclarecedor sobre franquias transmídia, a partir da Universidade Curtin, em Perth, na Austrália. Em Amsterdam, na Holanda, Ian Ginn configurou uma das primeiras trilhas didáticas para ensino prá-tico de produções transmídia, por volta de 2008, na Universidade Hogeschool. Lam Wai-Keung, professor do Departamento de Design de Comunicação e Mídia Digital no Design Institute Hong Kong, criou uma

licenciatura em transmídia, que está aju-dando a levar a técnica para Hong Kong e China. Athina Tsoulis, vice-reitor executivo na Unitec Institute of Technology, tem con-tribuído para adequar as práticas transmí-dia às necessidades da mídia e da indústria publicitária da Nova Zelândia.

É possível perceber conexões entre os diversos atores envolvidos com narra-tiva transmídia e os setores independentes, com foco em seus próprios resultados?

Infelizmente, em grande parte, os setores têm trabalhado de forma inde-pendente e em ritmos diferentes. Mesmo subsetores da indústria de entretenimen-to, como música, televisão a cabo e jor-nalismo têm ficado para trás quando se trata de prática transmídia. Isso agravou a distância entre as audiências de massa e de produtos como músicas gravadas, pacotes de TV a cabo e jornais. Há pou-co diálogo em curso entre essas grandes empresas e seus públicos, e isso está contribuindo para a sua erosão.

Alguns dos desafios mais fascinan-tes que assumimos na Starlight Runner dizem respeito à construção de conexões entre diferentes setores e, também, dentro da comunidade midiática. Com nossos parceiros no México, por exemplo, pro-jetamos uma campanha transmídia para ativar os cidadãos em torno da proposta de uma sociedade mais legal e pacífica. A proposta envolveu grandes redes de televisão e empresas de mídia, agências de publicidade, redes de supermercados e distribuidores, programas de mídia so-cial, músicos e contadores de histórias locais. Todos esses atores foram coorde-nados para atuar em conjunto, e, embora a implementação não tenha sido perfeita, houve um impacto significativo. Desde então, temos investido bastante nestes esforços de promoção do “bem social” em todo o mundo, com efeitos progres-sivamente positivos. No mínimo, isso é prova de que os vários setores têm poten-cial para trabalhar em conjunto, com uso de técnicas transmídia.

Infelizmente, em grande parte,

os setores têm trabalhado de

forma independente e em rit-

mos diferentes. Mesmo sub-

setores da indústria de en-

tretenimento, como música,

televisão a cabo e jornalismo,

têm ficado para trás quando

se trata de prática transmídia.

Isso agravou a distância entre

as audiências de massa e de

produtos como músicas gra-

vadas, pacotes de TV a cabo

e jornais. Há pouco diálogo

em curso entre essas grandes

empresas e seus públicos, e

isso está contribuindo para a

sua erosão.

Page 15: 33 27 CIêNCIA

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2016 15

De que modo comparar a narrativa transmídia na ciência e na ficção?

A base da narrativa transmídia é a mesma: precisamos compreender a essên-cia, os temas e os componentes aspiracio-nais de uma história ou de uma narrativa em construção e ter certeza de que essa essência está incorporada no conteúdo elaborado para as diferentes mídias. Este é um conceito simples, mas de difícil apli-cação, pois os produtores do conteúdo precisam, muitas vezes, sublimar seus anseios artísticos ou interpretativos em função da mensagem a ser transmitida. Se Superman é sombrio e Batman atira nas pessoas, o narrador se afastará do núcleo central desses personagens. Assim, con-fundirá a audiência e seu conteúdo poderá vacilar. Por outro lado, se Capitão Améri-ca e Homem de Ferro permanecem fiéis ao que essencialmente compreendemos sobre eles, os dois poderão, até mes-mo, envolver-se em um combate, pois o público entenderá, considerando aquilo aceitável, interessante ou emocionante.

O mesmo vale para a transmissão de conteúdo e de princípios científicos. Quando o ex-vice-presidente Al Gore tentou alertar o mundo sobre dados cien-tíficos relativos às mudanças climáticas, sua comunicação sobres esses fatos foi didática e singular. Porém, sua mensagem não levou em conta os muitos interesses que poderiam ser elencados contra ele e não adequou a narrativa para alcançar di-ferentes audiências, em distintos meios. Em vez disso, restringiu a comunicação a um universo narrativo altamente limitado. Gore não apelou às nossas aspirações hu-manas universais, nem fez suas soluções soarem empolgantes, tocando-nos emo-cionalmente. Isso permitiu aos adversários submergir sua mensagem com respostas duvidosas, orquestradas por meio de uma gama de múltiplas mídias. Um comunica-do urgente, cientificamente factual, emiti-do em uma única plataforma e replicado exatamente da mesma forma em todas as mídias, foi derrotado por uma infinidade de declarações dúbias, orquestradas em múl-tiplas plataformas.

Como você enxerga o futuro próxi-mo de um sistema de educação que use os universos narrativos, criticamente, nas várias profissões?

Sistemas de educação transmídia são não lineares, distribuídos e capaci-tam estudantes a ensinar uns aos outros e a seus professores, além de aprender e comunicar de volta, por meio de men-sagens multiplataforma concertadas. No ensino superior, já podemos ver que a abordagem transmídia permite relações mais fortes entre alunos e professores. Em tal cenário, por exemplo, os estudantes recebem incentivos positivos, ao invés de punições e ameaças arcaicas. A agilidade da comunicação transmídia não linear tem auxiliado estudantes acadêmica ou social-mente angustiados. Vemos, também, que estudantes dominam a gestão do tempo e as habilidades de pesquisa, como resultado das aplicações transmídia e de componen-tes sociais e tecnológicos inseridos em tais implementações.

Em termos de currículo e preparação profissional, testemunhamos o surgimento de uma idade do ouro em cursos sobre prá-ticas e técnicas de produção transmídia. Dez anos atrás, esses cursos, simplesmente, não existiam. Agora, expandem-se pelo mundo. Nem todos são ótimos e alguns parecem pla-nejados por pessoas sem experiência prática na área, mas esta é uma questão transitória.

Que sugestões ou conselhos você daria a quem deseja mergulhar no estudo e na produção transmídia?

A maioria dos praticantes transmídia abraçou o conceito de abundância e passou a compartilhar seus conhecimentos e sua experiência online. Por isso, a partir do mo-mento em que você os conhece e sabe onde estão, fica relativamente fácil estudar as téc-nicas. Há inúmeras palestras disponíveis no YouTube e um grande número de trabalhos acadêmicos disponíveis. Vejo valor, inclusi-ve, nos fracassos relatados. Ofereço minhas mídias sociais como bons lugares para co-meçar, já que, frequentemente, publico algo sobre o universo transmídia e acerca de mi-nhas próprias experiências.

No Facebook: “Starlight Run-ner Entertainment”; no Twitter: @Jeff_Gomez

Page 16: 33 27 CIêNCIA

16 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2016

Ag

RIC

uLT

uR

A

Novas técnicas de cultivo fazem com que produção de manga na região do semiárido mineiro se destaque no cenário nacional Camila Alves Mantovani

Page 17: 33 27 CIêNCIA

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2016 17

Em todo mundo, os desafios para pro-dução de alimentos têm se dado em virtude, principalmente, das condições climáticas adversas. No entanto, algumas áreas, que já apresentam clima desfavorável, têm sofrido, ao longo dos anos, com o agravamento do problema. No Brasil, a região do semiárido, caracterizada por escassez de água e altas temperaturas, desafia, desde sempre, o cultivo agrícola. Sendo assim, a partir da década de 1970, marco da implantação da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Mi-nas Gerais (Epamig), políticas públicas a envolver a criação de centros de pesquisa e ensino – dentre outros aspectos – têm sido implementadas no local.

Em Minas Gerais, o semiárido se localiza na região Norte e no Vale do Je-quitinhonha, e, nos últimos anos, tem re-escrito sua história no contexto nacional. O “sertão” da secura e da fome, tão bem retratado em obras como a de Guimarães Rosa, destaca-se, hoje, pela diversidade de produções agropecuárias – do cultivo de subsistência às atividades economi-camente sustentáveis, como a fruticultura irrigada e a pecuária.

No que se refere à fruticultura, além do investimento em tecnologias de irriga-ção, fator essencial ao cultivo na região, outras técnicas têm sido pesquisadas para auxiliar e tornar mais eficiente o manejo das culturas no semiárido. É o caso do projeto “Reguladores vegetais no manejo da produção e fixação de frutos na man-gueira”, desenvolvido pelo pesquisador Moacir Brito Oliveira, da Universidade Es-tadual de Montes Claros (Unimontes).

Nos últimos três anos, o aumento da temperatura trouxe muitos desafios aos produtores. “Uma das consequências do aumento da temperatura é a perda de polinização, o que leva a uma produção inviável para o mercado. Uma planta que produzia 300 frutos, por exemplo, come-ça a produzir 100, 150 frutas, que não se desenvolvem, pois a alta temperatura e a baixa umidade dificultam o aparato fotos-sintético do vegetal, levando-o a uma pro-dução irregular”, explica Moacir.

Para reverter a situação, uma das técnicas elaboradas pelo pesquisador, com sucesso, refere-se ao uso de reguladores

vegetais (na verdade, fitorreguladores) para o cultivo da mangueira. Os “regula-dores de crescimento” são compostos quí-micos sintéticos usados com o objetivo de controlar o desenvolvimento vegetativo, de modo a aumentar a capacidade reprodutiva da planta. No projeto, Moacir Brito traba-lhou com um regulador de crescimento chamado paclobutrazol (PBZ), que, aplica-do no solo, paralisa o crescimento vegeta-tivo, ao inibir a síntese da giberelina – um hormônio – e ao permitir a manipulação do vegetal durante todo o ano.

O uso dos fitoreguladores varia con-forme o método de aplicação do produto e a concentração usada. O objetivo prin-cipal da pesquisa foi avaliar os efeitos da aplicação de diferentes doses de PBZ, na mangueira Palmer, sobre a paralisação do crescimento vegetativo, a indução floral, e as características vegetativas e reproduti-vas do cultivo na região Norte de Minas Gerais, durante a entressafra. Nos estudos, percebeu-se a possibilidade de redução da quantidade de regulador vegetal usada no solo: de 1g a 1,5 g por metro quadrado de cota de planta, chegou-se – conforme recomendação comercial – a 0,7g, com resultados eficientes.

De acordo com Moacir Brito, a re-dução do uso de reguladores tem impac-to importante não apenas em termos de custos ao produtor, mas, também, no que se refere ao meio ambiente. Isso porque, ao usá-los, põe-se em risco a vida abai-xo do chão. “O PBZ diminui a respiração do solo, o que prejudica os organismos vivos ali existentes. Com o uso de meno-res quantidades de regulador, a molécula se degrada mais rapidamente, e, assim, a terra se recupera em maior velocidade. Ou seja, diminui o impacto na biota do solo”, explica o pesquisador.

Além das pesquisas para manejo do PBZ de forma mais sustentável, no douto-rado, Moacir conduz estudos que buscam outras opções de reguladores, a serem usados, por exemplo, na folha da planta, sem prejuízos ao solo. “Inicialmente, o ob-jetivo era avaliar os diferentes reguladores vegetais da cultura, aplicados no manejo floral da mangueira, de forma a continuar o eficiente escalonamento de produção”,

Atualmente, a região do semiárido mineiro é a segunda maior produtora de rebanho bovi-no no Estado.

Page 18: 33 27 CIêNCIA

18 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2016

esclarece, ao lembrar, porém, o surgimento de variáveis importantes a se-rem analisadas. “Ao aplicar reguladores, aumenta-se a produção de etileno, hormônio que, sintetizado de forma continuada, reduz, ou impede, a fixação de frutos”, completa.

fruta na mesaNo norte de Minas Gerais, a área reservada ao cultivo da manga cor-

responde, atualmente, a 5.200 hectares. Espera-se que tal espaço, nos pró-ximos anos, seja ampliado. Segundo Oliveira, atualmente, a região produz, em média, 700 toneladas da fruta por semana, das quais 120 são exportadas. “Até 2017, esperamos atingir até 6,5 mil hectares. A variedade Palmer cor-responde a 95% de nosso cultivo e atende muito bem aos mercados interno e externo. A polpa é amarelada, firme e apresenta bom sabor, com pouca ou nenhuma fibra”, conta.

O pesquisador destaca, ainda, o fato de a região ser a única do Brasil a produzir frutos de ótima qualidade com regularidade, incluindo períodos de entressafra. Para Moacir, um dos principais fatores responsáveis pelos bons resultados é a integração da universidade com a região. A interlocução é bas-tante produtiva, tanto do ponto de vista de transferência de tecnologia como sob a ótica da formação. “Todo o trabalho de tecnologia da região com as cul-turas tropicais conta com participação da universidade. Podemos dizer que ela tem desempenhado papel fundamental, ao atuar na formação de profissionais e no desenvolvimento de tecnologias aplicáveis”, conclui.

Page 19: 33 27 CIêNCIA

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2016 19

Culturas diversasPesquisas recentes, conduzidas pela Embrapa Semiárido, têm mostrado que

não apenas o cultivo de frutas tropicais é possível na região, mas, também, o de espécies dos climas subtropical e temperado. Relatório divulgado pelos pesquisa-dores Paulo Roberto Lopes e Inez Vilar Oliveira revela que o principal exemplo é o da videira, que apresenta ótima produtividade e alta qualidade.

As condições edafoclimáticas – relativas às características do solo para culti-vo vegetal – da região têm sido capazes de assegurar o bom desempenho de frutos como a banana, a manga e, até mesmo, o morango. “No caso, culturas como a macieira, a pereira, o caquizeiro e a ameixeira estão sendo introduzidas e avaliadas, com o objetivo de encontrar novas opções de cultivo para os produtores”, explicam os pesquisadores.

Empresa Brasileira de Pes-quisa Agropecuária

Page 20: 33 27 CIêNCIA

20 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2016

mED

ICIN

A

Os números da dependência

Realizada pela UFMG, pesquisa inédita mapeia vício em drogas na capital mineira

Alessandra Ribeiro

Page 21: 33 27 CIêNCIA

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2016 21

A experimentação e o uso de álcool em Belo Horizonte estão acima da média nacional: metade da população da capital consumiu bebidas alcoólicas ao longo do último ano. A diferença é mais expressiva entre as mulheres: 42,8% delas usaram álcool nos últimos 12 meses, enquan-to o consumo médio das brasileiras, no mesmo período, foi de 39%. A consta-tação pode ser previsível na “capital dos bares”, mas o consumo de outras drogas socialmente reconhecidas como mais perigosas, a exemplo do crack, também alça a cidade a uma desconfortável posi-ção, pouco à frente de outras metrópoles do Brasil. Em outros casos, a situação é discrepante: a experimentação de aluci-nógenos é três vezes maior em BH, na comparação com o índice brasileiro, e o dobro, no caso dos inalantes.

Tais informações estão na pesqui-sa “Conhecer e cuidar”, realizada pelo Centro Regional de Referência em Dro-gas da Universidade Federal de Minas Gerais (CRR-UFMG), a partir de demanda do Conselho Municipal de Políticas sobre Drogas, órgão da Prefeitura de Belo Hori-zonte. Trata-se de estudo epidemiológico inédito na capital, paralelo ao mapeamento e à avaliação qualitativa da rede de trata-mento aos dependentes. O objetivo é usar os indicadores como base para o planeja-mento e o acompanhamento dos resulta-dos de políticas públicas locais.

Ao todo, foram entrevistadas 8 mil pessoas (288 adolescentes e 7.712 adul-tos, na faixa de 15 a 65 anos), de um total de 9,6 mil domicílios visitados, nas nove regionais administrativas, de novembro de 2014 a março de 2015. Para que se tenha a dimensão da amostra, o último Levanta-mento Nacional de Álcool e Drogas (Le-nad), realizado em 2012, envolveu 4,6 mil pessoas em todo o Brasil.

Os bairros, os domicílios e as pes-soas entrevistadas foram sorteados, de maneira a tornar aleatória a amostragem, representativa de toda a população da ci-dade e capaz de abranger os locais com maior vulnerabilidade à saúde. Na ava-liação do consumo de substâncias lícitas (álcool e tabaco), ilícitas (maconha, co-caína, crack, solventes e alucinógenos) e

de uso controlado (anfetaminas, sedativos, estimulantes etc.), consideraram-se fatores como sexo biológico, faixa etária, cor da pele, estado civil, nível educacional e faixa de renda familiar.

A aplicação dos questionários foi realizada por 180 estudantes da Faculda-de de Medicina da UFMG. Durante a co-leta dos dados, o uso de tablets permitiu o acompanhamento da pesquisa em tempo real, por meio da internet, além de otimizar as entrevistas: conforme a resposta do par-ticipante a determinada pergunta, outras questões relacionadas podiam ser salta-das, por exemplo. “No Brasil, era inédito o emprego do recurso em pesquisas desse porte na área de saúde”, afirma Frederico Garcia, coordenador do CRR-UFMG.

Drogas lícitasEm Belo Horizonte, 40% das pesso-

as já experimentaram tabaco e 15,3% são tabagistas. A pesquisa destaca que apro-ximadamente uma em cada três pessoas que experimentam cigarros e similares torna-se dependente. A experimentação de tabaco ocorre, sobretudo, durante a adolescência: 78% o fizeram antes dos 18 anos. “Isso sugere fortemente que a prevenção entre adolescentes ainda é in-suficiente para evitar a exposição precoce ao tabaco”, aponta o relatório da pesquisa. Dentre os dependentes de tabaco, apenas 19% informaram ter recebido algum trata-mento para a interrupção do uso.

Já o percentual da população com transtorno mental decorrente do uso de álcool é de 12%, dos quais 8% fazem uso abusivo e 4% são dependentes de álco-ol. Na análise por sexo biológico, um em cada cinco homens e uma em cada dez mulheres são acometidos por transtorno mental associado ao alcoolismo. Dentre os entrevistados que disseram ter inge-rido álcool nos últimos 12 meses, 32% já fizeram uso problemático (consumo de pelo menos cinco drinks para homens ou quatro para mulheres, num intervalo de até duas horas).

Ser solteiro é um dos fatores de ris-co para a experimentação e os transtornos mentais relacionados ao uso de álcool: a prevalência de tais atos é diretamente pro-

Page 22: 33 27 CIêNCIA

22 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2016

porcional à renda familiar, sendo maior em indivíduos abastados. “Quanto maior a renda familiar, maiores o consumo de be-bidas alcoólicas e os riscos à prática. Os resultados contestam o senso comum, de que dependência é uma doença de pessoas com pior condição socioeconômica. Indi-víduos de todas as classes sociais preci-sam de prevenção às consequências nega-tivas do uso de álcool e de tratamento para dependências”, analisa Frederico Garcia.

Drogas ilícitasSegundo a pesquisa, metade das

pessoas que experimentou alguma droga ilícita usou mais de uma delas. Aspecto destacado pelo coordenador da pesquisa é o aumento da experimentação da maco-nha (um em cada dez belo-horizontinos já provou a erva), com índices maiores em

Belo Horizonte, na comparação com outras capitais brasileiras. Os dados gerais mos-tram, ainda, que, dentre as pessoas que já usaram Cannabis sativa na capital, 35,4% continuaram a consumi-la e 23% foram diagnosticados com algum tipo de trans-torno mental decorrente da prática, sendo 11,4% diagnosticados com dependência.

O uso da cocaína em todos os es-tratos sociais também chamou a atenção, pois um em cada 20 belo-horizontinos já consumiu a droga. “Contudo, há a ideia antiga de que cocaína é coisa de gente rica”, alerta Frederico. Por outro lado, o uso de crack, ao menos uma vez na vida, foi proporcionalmente maior entre aque-les com menor poder aquisitivo, confor-me relatado por 3% dos entrevistados com renda de até R$ 724. De cada cem indivíduos, um já fumou a pedra: ao todo, chega-se a cerca de 25 mil pessoas.

TratamentoApós a análise dos dados, o que mais

preocupou os pesquisadores foi a consta-tação de que somente 15% dos dependen-tes químicos recebem algum tipo de trata-mento. “A porção é muito pequena. Isso se mostra muito preocupante, visto que o uso de drogas, lícitas e ilícitas, pode ser elen-cado como o principal fator de risco para doenças mentais, cardiovasculares, pul-monares e câncer. Além disso, o consumo está ligado a problemas como incapacida-de, mortalidade e afastamento do trabalho”, alerta Frederico Garcia.

Segundo o pesquisador, além de não existir uma rede especializada bem estrutu-rada – o atendimento dos pacientes acaba absorvido pela atenção básica, já deficitá-ria –, o ínfimo percentual reflete a falta de confiança na própria rede de tratamento, e, na esfera individual, revela que as pessoas

As regionais Norte e Leste são as que apresentam maior pro-porção de indivíduos que relataram ter usado crack nos últimos 12 meses (0,6%), assim como de indivíduos com transtornos men-tais decorrentes do uso da droga (0,6%).

Destaques regionaisVenda Nova

Norte

NordestePampulha

Noroeste Leste

Centro sulOeste

Barreiro

A experimentação de drogas ilícitas varia quase 100% entre as regionais: Centro-Sul responde pelo maior índice (21,7%), en-quanto Venda Nova, pelo menor (10,8%).

O uso de maconha, ao menos uma vez na vida, é propor-cionalmente maior na Centro-Sul, onde 19,5% dos entrevistados relataram já ter consumido a droga. A menor prevalência do uso da Cannabis é na regional Venda Nova (8,4%).

A prevalência de experimentação de cocaína é maior na re-gional Leste (10,4%); a menor, na Oeste (4,3%). Já a dependência de cocaína é maior na regional Venda Nova (2,7%) e menor na Centro-Sul (0,4%).

O uso de crack, ao menos uma vez na vida, é proporcional-mente maior na regional Leste (2,4% dos entrevistados) e menor na Pampulha (1,1% dos entrevistados).

Page 23: 33 27 CIêNCIA

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2016 23

não se reconhecem como dependentes, ou não admitem que a dependência química seja um problema.

A menor proporção de indivíduos tratados está entre os dependentes de álco-ol (3%), o que se explica pela grande acei-tação social do uso de bebidas alcoólicas e pela baixa capacidade de identificação dos transtornos mentais a elas associados.

Na contramão, uma constatação sublinhada pelos pesquisadores é a elevada proporção de mulheres acometidas por dependência de drogas ilícitas que contaram com tratamento (75%). É mais do que o dobro do índice geral de indivíduos que já receberam ou recebem apoio contra o vício em drogas ilícitas (35%). A explicação provável é a menor aceitação da mulher dependente de drogas ilícitas pela sociedade e a maior capacidade delas de buscar e de aceitar atendimento especializado.

O mapeamento da rede assistencial de pessoas que fazem uso de drogas e seus familiares identificou 426 instituições que prestam assistência em Belo Horizon-te: 45% são instituições privadas e 55%, públicas. A maior parte se concentra na Regional Centro-Sul da cidade, que con-ta com o dobro de entidades das demais regionais (21% versus 10%, em média). A mais desfavorecida é a regional Pampulha, onde foram encontrados apenas 7% dos estabelecimentos mapeados.

Das mais de 400 instituições identi-ficadas, 150 responderam ao questionário que subsidiou a avaliação qualitativa dos serviços. Apenas 13 entidades avaliadas (9%) funcionam 24 horas por dia, mas nenhuma se dedica, exclusivamente, à assistência de pessoas que fazem uso de drogas ou garante apoio a familiares em momentos de crise ou abstinência – os plantões existentes são serviços médicos de urgência clínica e psiquiátrica.

“Sabendo que a dependência quí-mica é uma doença crônica e recorrente e que as recorrências são antecedidas por ideação de uso, fissura e ansiedade ante-cipatória, um serviço que pudesse acolher pessoas nessa situação poderia ajudar na prevenção de recaídas”, recomendam os especialistas que assinam o relatório.

Idade de experimentação

A cor do vícioA pesquisa levou em conta a cor da pele declara-

da pelos entrevistados e usou as categorias “brancos” e “não brancos”. O segundo grupo engloba negros, pardos, amarelos e indígenas.

O padrão de consumo de álcool dos não bran-cos os expõe a grande risco à saúde: eles apresentam maior frequência em dias de consumo e de uso proble-mático de bebidas. Dos entrevistados diagnosticados com dependência, 31% se declararam brancos e 69%, não brancos.

O tabagismo é 3,14% maior em não brancos. Já a prevalência de experimentação da maconha é seme-lhante entre ambos os grupos, mas a dependência é maior entre não brancos. Já a experimentação da co-caína é duas vezes maior entre brancos. Entretanto, a dependência de cocaína é 1/3 maior entre negros, par-dos, amarelos e indígenas.

A prevalência de experimentação de crack é seis vezes maior entre não brancos, assim como a depen-dência (quatro vezes superior).

CrackA média de idade de experi-

mentação do crack é de 23,8 anos. Além disso, mais de 75% das pes-soas que experimentaram crack ti-nham mais de 18, indicação de que a experiência é mais tardia.

álcool Homens relataram o pri-

meiro uso de álcool 1,7 ano mais cedo que mulheres. Entre os entrevistados do sexo mas-culino, 25% experimentaram bebidas alcoólicas antes dos 15. O índice supera a frequência nacional, de 24%.

Tabaco Dentre as pessoas

que relataram ter consu-mido tabaco alguma vez na vida, 79% tiveram o primeiro contato com a droga antes dos 18 anos.

maconha A idade média de ex-

perimentação da maconha é de 17,5 anos (58,3% das pessoas experimenta-ram antes dos 18 anos e 93,4%, antes dos 25).

CocaínaA idade média de experimentação de co-

caína é de 19,7 anos e dois terços das pessoas experimentam cocaína depois dos 18.

Page 24: 33 27 CIêNCIA

24 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2016

ino

va

çã

o

Téo Scalioni

mil sementes em nosso quintal

Programa do governo de Minas Gerais, Seed garante apoio essencial ao desenvolvimento de startups

Page 25: 33 27 CIêNCIA

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2016 25

Ecossistema pode ser definido como o conjunto de todos os organismos a habitar determinado espaço. De uns tempos para cá, a palavra – geralmente, vista em livros de Biologia – tem ganhado nova conotação no campo da inovação, principalmente, em relação a startups, pequenas empresas inovadoras e com grande potencial de crescimento. Em tal acepção, o termo refere-se aos agentes (empreendedores, governos, empresas privadas, universidades, centros de pes-quisa, fundos de investimento etc.) que trabalham para fortalecer o segmento ino-vador em determinada região.

Hoje, a máxima de “fortalecer o ecossistema” tem sido o desafio desses atores, que observam, nas startups, um grande potencial para o desenvolvimen-to econômico de cidades e estados. Com base em tais premissas, o governo de Mi-nas Gerais resolveu apostar no programa Startups and Entrepreneurship Ecosystem Development (Seed), iniciativa de acele-ração que apoia empresas de inovação de todo o mundo e que, em junho, começou a funcionar no Espaço CentoeQuatro, no centro de Belo Horizonte.

Após divulgação de edital, 40 startups foram selecionadas a participar da terceira rodada do Seed. Trata-se de 20 empresas mi-neiras, dez de outros estados brasileiros e dez estrangeiras, todas com dois ou três sócios. Além de mentorias e de espaço físico para que possam trabalhar de maneira colabora-tiva (em sistema de coworking), os empreen-dedores receberam até R$ 80 mil de capital--semente, a fundo perdido, para projetos.

A contrapartida do governo exige que, nos primeiros seis meses – tempo de duração de cada rodada –, as startups desenvolvam seus trabalhos em Minas Gerais. Além disso, os empreendedores precisam se comprometer, em período de cinco anos, a participar de pesquisas e a fornecer informações sobre a evolução, os resultados e os impactos de seus projetos.

No ver de Leonardo Dias, subsecre-tário de Ciência, Tecnologia e Inovação da Secretaria de Ciência e Tecnologia e Ensino Superior de Minas Gerais (Sectes-MG), é preciso pôr Belo Horizonte e o estado no ce-nário mundial de inovação. Nesse sentido,

o Seed apresenta-se como carro-chefe do processo de transformação. Ao parafrasear o professor Berthier Ribeiro Neto, chefe do laboratório de desenvolvimento da Goo-gle no Brasil, o subsecretário destaca que o País deve seguir o caminho da inovação “no amor ou na dor”: “Trata-se de tendência mundial. Todos os países se movimentam nesse sentido. Não tem volta”.

Segundo Dias, o papel do Seed é ga-rantir poder e conhecimento aos empreen-dedores que participam do programa, pro-porcionando-lhes trocas de experiências. Afinal, acabam por conviver com pessoas de todo o mundo. Além disso, o programa serve de inspiração a empresas e profis-sionais de outras áreas, que, hoje, traba-lham com métodos conservadores, mas podem ser apresentados a novos modelos de empreenderismo. “O papel do Seed é estratégico para nosso Estado, justamente, em um momento de crise econômica, em que a tecnologia é o caminho para vencer dificuldades”, afirma.

As cidades são as responsáveis por tal desenvolvimento, assim como pela re-volução tecnológica. Leonardo Dias pen-sa que, no Brasil, mesmo com seu forte poder econômico, São Paulo conta com perfil de destaque no ramo. Isso porque é necessário o espírito de colaboração entre os agentes, e, talvez pela grande di-mensão da capital paulista, não haja tanta ajuda e interação.

O subsecretário analisa três possíveis polos de desenvolvimento de startups no Brasil: Recife, com o “Porto Digital”; Floria-nópolis, alavancada por forte investimento da iniciativa privada; e Belo Horizonte, onde tudo aconteceu de maneira natural. “Quem se mobilizou para que a cidade tivesse esse ambiente de inovação foram os próprios empreendedores. Isso é fruto das universi-dades mineiras, que formam pessoas com espírito empreendedor”.

Ecossistema em desenvolvimento

Quem está no Seed também reco-menda o programa. É o caso da startup belo-horizontina Risu, um shopping online do bem, em que parte do valor das compras se transforma em doação a instituições

Em inglês, o termo seed signi-fica “semente”.

Page 26: 33 27 CIêNCIA

26 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2016

sociais, sem que se pague nada a mais pelo produto. Formada por três sócios – e amigos de infância –, a empresa observa na iniciativa a oportunidade para obter o crescimento almejado. “O apoio da acele-ração, o dinheiro investido, o networking e o conhecimento adquirido serão funda-mentais para alcançar objetivos traçados. Resultados já têm acontecido com apenas um mês de programa”, comemora Rodrigo Franzot, um dos sócios da Risu.

Para ele, a maior dificuldade de startups é a ausência de conhecimento específico sobre o mercado e o negócio, o que faz com que muitas empresas mor-ram antes do primeiro ano. Daí a impor-tância da experiência junto ao Seed, que, na opinião de Franzot, conta com equipe competente e com história consolidada no ecossistema de empreendedorismo mineiro. “A aceleração, as palestras e mentorias têm trazido conhecimentos específicos fundamentais a qualquer em-preendimento de sucesso. O mais impor-tante é que não se trata de obviedades. São ensinamentos avançados, ministrados por profissionais experientes e com ótimo pas-sado empreendedor”, observa.

O sócio da Risu também é otimista em relação ao fortalecimento do ecossistema de Belo Horizonte. Para ele, a capital mineira é, hoje, a melhor metrópole do Brasil para em-preendedores – e, em breve, quiçá, uma das mais bem capacitadas do mundo. Rodrigo Franzot cita a San Pedro Valley, comunida-de de startups com mais de 200 empresas, como o ecossistema mais desenvolvido do Brasil. “O ambiente de empreendedorismo inovador mineiro tem crescido e consegui-do aliados importantes, como o governo do Estado, as aceleradoras, os fundos de in-vestimento e as universidades. Além disso, já chama a atenção do mundo com startups como Sympla, Hotmart, Sambatech e Mé-liuz”, orgulha-se.

A startup Timokids, fábrica de con-teúdos socioeducativos que podem ser distribuídos em vários formatos – de maneira a auxiliar pais e professores a se comunicar de forma efetiva e com a orien-tação adequada a cada tema do dia a dia das crianças –, veio de São Bernardo do Campo (SP) a BH, por conta, justamente,

do Seed. Sócia da empresa, Fabiany Lima concorda que o ecossistema mineiro se tornou um grande polo de inovação no Bra-sil. “Vejo uma comunidade muito unida e pronta a ajudar startups e empreendedores da região’, afirma.

Na opinião de Fabiany, além de co-laborar para o fortalecimento do ecossis-tema, o Estado investe em modelos de de-senvolvimento úteis para os negócios. “Em Minas Gerais, muitos clientes potenciais, como escolas, governo e indústria, têm interesse no conteúdo que produzimos. O Seed é um grande aliado para viabilizar nossos contatos e promover a aproximação com tais públicos”, completa.

Espaço CentoeQuatroO prédio do Seed fica no centro de

Belo Horizonte, próximo à Praça da Esta-ção, por onde circulam, diariamente, se-gundo informações da Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (Sectes), cerca de 150 mil pessoas. O Mu-seu de Artes e Ofícios e o Estação Cine

Café Ltda. – que fica dentro do Centoe-Quatro – também fazem parte do Conjunto Arquitetônico e Urbanístico da Praça da Es-tação, tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG).

Sua história está ligada aos primeiros anos do século XX, período de construção de hotéis, fábricas, cafés e bares em tal ponto da capital.

Inaugurado em 1908, o edifício se-diaria a Companhia Industrial Bello Hori-zonte (CIBH). Mais adiante, a partir da dé-cada de 1930, outras companhias têxteis passaram a integrar o espaço, que ficou conhecido como “104 Tecidos”. Dentre outras tantas transformações, foi em 2009 que o prédio centenário – que passou a se chamar CentoeQuatro – despontou com proposta mais interativa: difundir a arte e democratizar o acesso da popula-ção ao conhecimento e aos bens culturais. Desde então, tornou-se palco de diversos eventos em prol da ocupação artística, do debate e da formação de pessoas.

Page 27: 33 27 CIêNCIA

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2016 27

CIê

NC

IA

Você já conversou sobre dengue, zika ou chikungunya numa mesa de bar? Mes-mo quem nunca sofreu com tais doenças, certamente conhece alguém que tenha sido infectado. Por que, então, não assistir à apresentação de especialistas no assunto, de forma descontraída, entre drinques e petiscos? Eis o convite que, em Belo Hori-zonte, levou dezenas de pessoas a um dos três bares participantes do Pint of Science. Inédito em Minas Gerais, o evento foi reali-zado simultaneamente, de 23 a 25 de maio de 2016, em 12 cidades brasileiras e cem capitais de todo o mundo, com a proposta de aproximar os cientistas de indivíduos leigos em diversos campos do saber.

Para seguir a tradição, as atividades começaram com um brinde à ciência. Na noite de estreia, no Itatiaia Rádio Bar, lo-

calizado na zona Sul de BH, quem fez as honras foi o professor Paulo Sérgio Lacer-da Beirão, diretor de Ciência, Tecnologia e Inovação da FAPEMIG. Em seguida, os convidados Fábio Prezoto, do Departamen-to de Zoologia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), e Heverton Leandro, da Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz), rea-lizaram suas apresentações, para, depois, responderem às dúvidas da plateia.

Os pesquisadores aproveitaram a oportunidade para derrubar uma série de mitos sobre o Aedes Aegypti, transmissor de três tipos de infecções. Também distribuíram tubos de ensaio com larvas e exemplares do inseto, para que as pessoas pudessem ver de perto o mosquito “odioso do Egito” (em tradução livre da expressão Aedes aegypti, que, em latim, dá nome à espécie).

Professora universitária, Miriam Pontelho estava em mesa próxima ao pal-co, acompanhada das duas filhas. A mais velha, devidamente antenada no assun-to – que poderia cair na prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) –, veio acompanhada de uma colega de cursinho. Acostumada ao discurso científico, já que ministra a disciplina de cálculo em vários cursos de Engenharia da Universidade Fe-deral de Minas Gerais (UFMG), Miriam foi atraída por uma razão pessoal: teve parte do corpo paralisada depois de contrair zika, o que a afastou das salas de aula. “Vim para conversar sobre o assunto fora do ambien-te hospitalar”, revela.

Por razão semelhante, o médico Vicente Sanches, do Exército Brasileiro, uniu-se aos palestrantes para ajudar a

Alessandra Ribeiro e Téo Scalioni

Ciência, inovação e cerveja

Evento realizado mundialmente, Pint of Science estimulou pesquisadores a conversar sobre suas áreas do conhecimento em bares de Belo Horizonte

Page 28: 33 27 CIêNCIA

28 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2016

sanar dúvidas dos participantes. “O Pint of Science é muito interessante para nós, porque na ponta da linha isso chega lá”, diz, referindo-se aos consultórios de pron-to-atendimento.

Os biólogos Samir de Deus Elian Andrade e Thaysa Leite Tagliaferri, dou-torandos em Microbiologia na UFMG, também acompanhavam a apresentação. “Tem que ter espaço para a população discutir com o cientista”, ressaltou Samir. Para Thaysa, a iniciativa também favorece os pesquisadores, que têm a possibili-dade de um “feedback da população”. A professora Miriam Pontelho concorda: “É preciso socializar a informação científica, com linguagem mais popular. A ciência tem de ir aonde o povo está, para que os pesquisadores possam identificar proble-mas reais da sociedade e levar de volta aos laboratórios”, defende.

Descontração totalPor mais relevantes que sejam os

temas apresentados, a intenção do Pint of Science é estimular palestras e deba-tes descontraídos. Tanto pesquisadores quanto ouvintes podem participar toman-do cerveja. Em Belo Horizonte, a descon-tração apareceu, até mesmo, nos títulos dos assuntos abordados: “Startup, spin off, open innovation: é de beber ou passar no cabelo?”; “Cuspe e giz são coisas do passado?”; “Futuros dos robôs”; “Cultura maker: criar, pensar e realizar”; “Do Big Bang ao DNA”; “Dengue, zika ou chikun-gunya, o que é fato e o que é boato?”; “Ci-ência na mesa: transgênicos e defensores agrícolas” e “Mundo invisível: a nanotec-nologia e suas aplicações”.

Além do Bar Itatiaia, o evento che-gou à Cantina do Lucas e à Cafeteria do MM Gerdau. Para Roberto Rosenbaum, superintendente de inovação tecnológica da Secretaria de Estado, Ciência, Tecno-logia e Ensino Superior de Minas Gerais (Sectes-MG), a primeira edição da iniciati-va superou as expectativas. “A acolhida foi boa e o formato, bem recebido. Os pesqui-sadores falam sem palavras difíceis e todos compreendem”, observa, ao garantir que, devido à aceitação, Belo Horizonte sediará outra edição do Pint of Science no ano que

vem. “A ideia é fazer, simultaneamente, em mais bares”, completa.

Para o diretor da pré-aceleradora Te-chmall, Aluir Dias – que, ao lado de Felipe Braga, proferiu a palestra “Startup, spin off, open inovation: é de beber ou passar no cabelo?” –, o evento é interessante por adentrar o cotidiano das pessoas. “Em Belo Horizonte, existe aquela máxima de que ‘se não tem mar, as pessoas vão para o bar’. Ou seja: isso faz parte da vida dos belo-horizontinos. Estamos trazendo co-nhecimento, ciência, empreendedorismo e inovação ao dia a dia dos cidadãos”,

afirma Dias, para quem o Pint of Science se revela “uma sacada muito legal, pois há transmissão de conhecimento enquan-to as pessoas se divertem”.

A plateia também curtiu bastante o evento! É o caso de Alessandro Magno, estudante de Engenharia Elétrica, que ou-viu a palestra de Aluir e Felipe no Itatiaia Rádio Bar. Para ele, o tema é importante, justamente, porque pretende iniciar uma startup: “Esclareci várias dúvidas de quem deseja empreender. A palestra foi o ponto forte para que eu tenha coragem de abrir meu próprio negócio”.

¿ Pint pelo mundo ¿

Em 2012, os pesquisadores Michael Motskin e Praveen Paul, do Imperial College London, organizaram um evento chamado “Encontro com pesquisadores”, levando pessoas acometidas por Alzheimer, Parkinson, doenças neuromusculares e esclerose múltipla aos laboratórios, para lhes mostrar o tipo de pesquisa que realizavam. A experiência mostrou-se tão inspiradora que os dois pensaram: “Por que os cientistas não podem sair de seus laboratórios para encontrar as pessoas?”.

Assim nasceu o Pint of Science, cuja primei-ra edição foi realizada na Inglaterra, em maio de 2013. Dois anos depois, o evento estreou na Amé-rica Latina e no Brasil. Em 2016, o evento também ocorreu, simultaneamente, em cidades de países como Inglaterra, Irlanda, Espanha, Itália, Austrália, Estados Unidos, Alemanha, França e África do Sul.

Page 29: 33 27 CIêNCIA

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2016 29

mED

ICIN

A V

ETER

INá

RIA

Verônica Soares

Tudo novo de novo

Tecnologia nacional para produção de biomateriais aprimora regeneração óssea tanto de animais quanto de seres humanos

Page 30: 33 27 CIêNCIA

30 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2016

Tecido bastante dinâmico, o osso se destaca por sua capacidade de regenera-ção. Porém, quando há grande perda de massa tecidual, o processo regenerativo acaba comprometido. Nesses casos, pode ocorrer a substituição por um tecido cica-tricial, que, embora seja resultado de um mecanismo de reparação, não supre a fun-ção do original.

“No caso dos ossos, isso pode pro-mover um quadro bastante debilitante, tanto para humanos quanto para animais. Dependendo do local lesionado, o animal pode perder os movimentos, ou, até mes-mo, parar de andar. O tecido cicatricial não é causa de doença, mas a perda de fun-cionalidade de um membro pode levar a outras lesões ósseas”, explica a professora de Cirurgia Veterinária Andréa Pacheco Batista Borges, do Departamento de Vete-rinária da Universidade Federal de Viçosa (UFV). Ela coordena uma equipe de pes-quisadores que estuda os processos de re-generação óssea em animais, cujo grande desafio é desenvolver material e métodos que propiciem a regeneração óssea mesmo quando há considerável perda de tecido.

À frente do projeto “Desenvolvimen-to de tecnologia nacional, caracterização e aplicação clínica-cirúrgica de biomateriais e terapia celular”, Andréa Borges estuda a regeneração tecidual por meio do uso de biomateriais em diferentes regiões do cor-po, com distintas características e finalida-des. “O biomaterial pode ser obtido de di-versas fontes, mas os do tipo sintético têm sido muito estudados, por apresentar van-tagens como maior disponibilidade, bio-compatibilidade e homogeneidade no pro-cesso de fabricação e na resposta tecidual. Além disso, com o tempo, são degradados pelo organismo”, explica a professora, ao destacar que tal degradação é simultânea à formação óssea. “Ou seja, à medida em que o biomaterial é degradado, o osso se forma naquele local”, conclui.

Biomateriais, em suma, contribuem para a cura de várias lesões ocorridas nos animais. Os estudos desenvolvidos sob a

Qualquer tecido, quando lesa-do, sofre um processo de reparação, por regeneração (o tecido reparado é igual ao de origem) ou por cicatri-zação (o tecido reparado não é igual ao de origem).

Biomateriais são produzidos para interagir com diferentes tecidos vivos, de maneira a permitir a repa-ração tecidual, seu funcionamento apropriado, ou, até mesmo, substi-tuindo-o integralmente.

Page 31: 33 27 CIêNCIA

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2016 31

coordenação de Andréa constataram que a regeneração dos defeitos experimentais foi atingida em excelente espaço de tempo, quando comparado à literatura mundial. “O prazo é variável, pois depende da composi-ção do biomaterial. As avaliações foram fei-tas entre oito e 120 dias. Cada experimento teve um período de avaliação. Além disso, não houve reações adversas nos animais, o que garante segurança e conforto a quem receber o produto no futuro”, destaca.

metodologiaPara proporcionar a adequada re-

generação de defeitos ósseos craniais, desenvolveu-se um cimento ósseo moldá-vel, a partir da cerâmica hidroxiapatita. O material foi aplicado em defeitos de grande extensão no crânio de coelhos, com 15 mm de diâmetro. Os pesquisadores ela-boraram, ainda, um compósito para ossos longos, feito de hidroxiapatita, do polímero policaprolactona e de alendronato, um me-dicamento utilizado no tratamento de oste-oporose capaz de potencializar a regenera-ção em casos de perda óssea por traumas e excisões cirúrgicas de neoplasias (retirada de uma parte do osso que não está sau-dável). Nesses casos, realizaram-se lesões na região cortical do osso de 5 mm de di-âmetro, na face lateral do olecrano, osso da região do “cotovelo” dos animais, com uso de compósitos de hidroxiapatita (HAP-91®Plus) e do policaprolactona, associa-dos ou não ao alendronato.

Um compósito de HAP-91®Plus e do polímero lignina também foi analisado para substituir o cimento ósseo nas im-plantações de próteses totais de articula-ção, com vistas a melhorar a osseointegra-ção dos implantes. O implante metálico é fixado na região medular do osso e, even-tualmente, pode sair do lugar. Para avaliar a promoção de maior ancoragem (uma “cola natural” que prende o implante me-tálico dentro do osso), foram usados pinos de Schanz implantados na tíbia de cães. A hidroxiapatita sintética HAP-91®Plus foi avaliada na manutenção do rebordo alve-

olar de cães, após a extração de dentes. Já a hidroxiapatita sintética 30% (HAP-91®Plus) acabou aplicada em diferentes estados físicos, para preenchimento cutâ-neo em coelhos.

A pesquisa associou a HAP-91®Plus a diferentes polímeros, permitindo que se associem propriedades desejáveis, que não poderiam ser obtidas com apenas um tipo de material. “Curiosamente, o próprio osso é arranjado como um compósito: a fase inorgânica da matriz confere rigidez, que é associada à flexibilidade da fase orgânica. Isso é importante para o desempenho de sua função: o osso mantém sua forma, sem se quebrar com facilidade”, detalha Andréa.

A capacidade da HAP-91®Plus em promover reparação óssea, por meio de “osseocondução” e de “osseointegração”, já está bem estabelecida, segundo a pes-quisadora. Porém, a hidroxiapatita é que-bradiça, de modo que sua associação com polímeros permite a criação de um novo biomaterial: “As características individuais de cada material, isolado, como a hidroxia-patita e o polímero, são somadas, e, como resultado, tem-se um material superior”, explica a professora. A técnica amplia as possibilidades de aplicação, além de au-mentar a eficácia do produto.

Tecnologia nacionalO desenvolvimento de biomaterial

para regeneração óssea é uma tendência crescente no mundo e a equipe de Andréa contribuiu para o avanço da tecnologia criada no Brasil: “As vantagens do estabe-lecimento de tecnologias nacionais não es-tão apenas relacionadas aos custos ao pa-ciente e ao sistema público, mas, também, à simplificação de processos burocráticos e à promoção de autonomia do País nesse campo”, destaca a pesquisadora.

HAP-91®Plus é o nome co-mercial da hidroxiapatita sintética produzida pela empresa JHS com tecnologia inteiramente nacional.

São um tipo específico de pino intramedular metálico, ros-queado em uma das extremidades. Entre as roscas, entram as subs-tâncias hidroxiapatita e lignina

Page 32: 33 27 CIêNCIA

32 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2016

A tecnologia nacional em biomateriais terá adaptação mais adequada a demandas sociais e econômicas brasileiras, o que contribui para melhores resultados em sua aplicação. Destaca-se, também, a indepen-dência brasileira de produtos importados na área: “Isso é possível porque o desenvolvi-mento dos produtos usados é todo realizado com tecnologias mineira e nacional, o que diminui os custos relacionados a tratamen-tos com material importado”.

Um dos mais importantes benefícios da nova tecnologia é a relação custo-bene-fício para quem cuida do animal. Andréa comenta que o tratamento depende, única e exclusivamente, de seu tutor. Além disso, relaciona-se à condição financeira do indiví-duo e à sua disponibilidade de tempo, dentre outros fatores. “Ao aplicar uma tecnologia ba-rata, rápida e eficiente, os custos diminuem, o tratamento é mais rápido e eficiente. Des-sa forma, o paciente animal se beneficia

enormemente”, destaca. Além disso, des-de sua concepção, o projeto previa que a pesquisa poderia ser modelo experimental para humanos, já que há grande similarida-de entre os processos regenerativos.

O projeto desenvolveu, no Brasil, as técnicas de obtenção e cultura de células--tronco mesenquimais perivasculares do cordão umbilical de cães, para, inicialmente, ser usada na regeneração de defeitos ós-seos em associação com uma membrana moldável e reabsorvível. Atualmente, a pes-quisa aponta para a aplicação combinada de biomaterial testado com associação de células-tronco. “O desafio, agora, é acelerar o processo de regeneração, e, até mesmo, de defeitos considerados críticos. Ou seja, aqueles que não regeneraram sem ajuda ex-terna. Também estudamos o uso de bioma-terial associado a fármacos, para liberação controlada da substância”, conclui.

PARTICIPAÇÃO DA FAPEMIGPROJETO: Desenvolvimento de tecnologia nacional, caracterização e aplicação clínica-cirúrgica de bioma-teriais e terapia celular.COORDEnADOR: Andréa Pacheco Batista BorgesInSTITuIÇÃO: Universidade Federal de Viçosa (UFV)ChAMADA: Demanda UniversalVALOR: R$ 49.955,43

Page 33: 33 27 CIêNCIA

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2016 33

Qu

ÍmIC

A

Téo Scalioni

Da marmita ao abajur

Pesquisa produz energia a partir da reciclagem de vasilhames usados na alimentação de presidiários

Page 34: 33 27 CIêNCIA

34 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2016

Dar um destino ao lixo produzido no mundo, sem dúvida, é um dos gran-des desafios da humanidade. Tanto que, segundo estimativas do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), os rejeitos mundiais devem au-mentar de 1,3 bilhão de toneladas por ano – marca da atualidade – a 2,2 bilhões, em 2025, crescimento de mais de 70% em menos de 10 anos.

Nas Minas Gerais, diversos projetos buscam opções de reciclagem, dentre os quais destaca-se, por dois motivos, uma pesquisa realizada pela Universidade Fe-deral de Minas Gerais (UFMG): além de re-ciclado, o lixo é transformado em combus-tível; além disso, a experiência é realizada com os rejeitos produzidos em um dos maiores complexos presidiários do Brasil.

Desenvolvida pelo Departamento de Química da UFMG, a iniciativa transforma os resíduos dos marmitex de refeições fei-tas pelos presos da penitenciária Inspetor José Martinho Drumond – localizada em Ribeirão das Neves, na Região Metropo-litana de Belo Horizonte – em combus-tível. Ainda em fase de teste, a pesquisa tem apresentado resultados positivos em laboratório. O objetivo final é viabilizar o processo em escala industrial, para, em seguida, replicá-lo.

Com cerca de dois mil presos a con-sumir quatro marmitex por dia – duas no almoço e duas no jantar –, o complexo presidiário gera, mensalmente, entre qua-tro e dez toneladas de rejeitos do produto. O metal contido no resto das embalagens térmicas costuma ser descartado em ater-ros sanitários, onde levará mais de 200 anos para se decompor.

Preocupados com a situação, os agentes penitenciários Ricardo Luiz Nas-cimento dos Santos e Anderson Júnior Rodrigues Pereira procuraram a UFMG em busca de solução para o problema. A partir daí, a mestranda Thais Helena de Oliveira comprou a ideia. Nos primeiros testes, ela desenvolveu os estudos químicos relativos às reações do alumínio, e, hoje, tornou-se a responsável pela execução e pelo desen-volvimento do projeto.

Com população de, aproximadamente, 7 bilhões de pessoas, é normal que a quantidade de lixo produzido se transforme em grave problema para a saúde do planeta. Afinal, não há espaço suficiente para tal volume de rejeitos. Os aterros já trabalham em capacidade máxima e muito do entulho tem, tragicamente, ido parar nos oceanos.

Diversos países têm reciclado parte do lixo. Mais recentemente, os rejeitos passaram a ser reaproveitados como combustível: no Japão, 62% dos resíduos produzidos transformam-se em energia; na Suíça, 59%; na França, 37%. No Bra-sil, a quantidade não chega a 1%, pois a maioria das pesquisas encontra-se em processo de testes. Seria interessante acelerar tal processo, pois o lixo de uma cidade como São Paulo garantiria a energia de cerca de 400 mil moradias.

No processo, o marmitex é triturado e transformado em pequenos pedaços de alumínio. O material passa por uma espé-cie de limpeza térmica, a uma temperatura de 350° graus. Após tal etapa, o material é levado a um reator, onde o alumínio é mis-turado a uma substância reagente especial. A partir daí, inicia-se o processo químico capaz de transformar o marmitex em dois produtos: um coagulante, que pode ser usado em tratamento de água, e um com-bustível de hidrogênio.

O gás resultante pode ser armaze-nado e usado em veículos ou em fogões. “A maior dificuldade com o processo diz respeito ao armazenamento do hidrogênio, que é muito inflamável. Seria preciso um sistema muito seguro”, alerta Thais. Já o coagulante à base de alumínio atuaria na disposição de resíduos sólidos de estação de tratamento de água em suspensão, de maneira a facilitar a limpeza dos efluentes.

Para se ter uma ideia do volume de energia a ser gerado pela reciclagem dos va-silhames de marmitex, com cerca de quatro toneladas do produto, é possível produzir o equivalente a 96 botijões de gás GLP de 13 kg, ou o necessário para acender 40 lâmpa-das fluorescentes por 24 horas. “O objetivo é transformar o presídio em uma unidade sustentável, que reaproveita todos os rejei-tos produzidos”, afirma a pesquisadora.

O lixo como aliado

Page 35: 33 27 CIêNCIA

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2016 35

BeneficiadosO projeto também prevê que os presos

participem do projeto. Eles já atuaram na construção de uma maquete da penitenciá-ria, com mais de 90 lâmpadas de led, acesas pela reação produzida pela reclicagem dos marmitex. Thais de Oliveira conta que, se o método for implantado na penitenciária, os presos poderiam ser beneficiados, pois o calor produzido na reação aqueceria, por exemplo, os chuveiros. “O Estado tam-bém pode usar o gás na cozinha do presí-dio. Quanto ao outro produto formado, ele se destinaria à Copasa [Companhia de Sa-neamento de Minas Gerais]”, acredita.

As primeiras pesquisas, realizadas no próprio laboratório do Departamento de

Química, mostraram processos rápidos e eficientes. Contudo, para que o projeto seja aplicado de forma mais ampla, ainda são necessários investimentos em tecnologia. “Estamos tentando conseguir recursos para testar em escala piloto. O objetivo final é via-bilizar o processo em escala industrial e re-plicá-lo”, conta a pesquisadora, ao salientar que, para tal, seriam necessários R$ 50 mil.

“Depois disso, pretendemos transfe-rir a alguma empresa e replicar em outros presídios e outras instituições”, explica Thais. Coordenado pelo professor Rochel Lago, o projeto conta, ainda, com a aluna Maria Paula Duarte de Oliveira, estudante de graduação, com bolsa da FAPEMIG.

Page 36: 33 27 CIêNCIA

36 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2016

EN

gE

Nh

AR

IA m

EC

âN

ICA

*Com colaboração de Amanda Jurno

Preciso, limpo e seguro

Pesquisadores da Unifei inventam queimador de baixo custo, que reduz emissão de gases poluentes e previne explosões

Alessandra Ribeiro*

Page 37: 33 27 CIêNCIA

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2016 37

Vazamentos de gás são uma ameaça para grandes cidades, haja vista a suces-são de explosões de bueiros que fizeram vítimas no Rio de Janeiro e causaram transtornos em outras capitais brasileiras, como São Paulo e Belo Horizonte. Que o digam as altas concentrações de biogás – e do metano em sua composição –, presentes em estações de tratamento de esgoto e aterros sanitários, aptos a ex-plodir ou a causar incêndios, com danos a tubulações e reservatórios. Em alguns casos, os acidentes podem ser fatais.

Instrumento para eliminar o excesso de gás combustível gerado nesses pro-cessos, o queimador atmosférico também reduz a emissão de gases causadores do efeito estufa. Ele pode ser usado, inclusive, em plataformas de petróleo. Pesquisadores do Instituto de Engenharia Mecânica (IEM) da Universidade Federal de Itajubá (Unifei) desenvolveram um protótipo que promete ser mais eficiente, com maior controle da vazão de gás e da estabilidade da chama. E o melhor: bem mais barato do que os já disponíveis no mercado, uma vez que a ideia é construí-lo com material plástico, de baixo custo.

“Faço um paralelo com os para--choques dos veículos, fabricados, há 20 anos, em metal. Hoje, é difícil encontrar um desse tipo”, compara o professor Hél-cio Villa Nova, da Unifei, coordenador do grupo que desenvolveu o novo produto, com a participação dos estudantes Julio Patti Pereira e Oberdan Favilla Zerbinati. Segundo o pesquisador, alguns queima-dores têm sua funcionalidade compro-metida, quando parte da vazão dos gases passa sem ser queimada.

Ao mesmo tempo, se operarem em temperaturas muito elevadas, pode ocor-rer a formação de compostos químicos indesejados. O controle da vazão de gás é outra variável importante: no caso de um aterro sanitário, ou de uma estação de tratamento de esgoto, a quantidade de gás gerada depende do volume de material em decomposição e de condições ambientais como a temperatura.

“Nosso queimador consegue traba-lhar com larga faixa de vazão de gás, pois um sistema de aletas e um bico injetor, construídos com geometria específica, controlam a entrada de ar necessária à rea-ção de combustão”, destaca. “Mesmo com elevadas vazões de gás a serem queimadas, a chama é estabilizada pela vazão de ar ar-rastada pelo gás combustível, e, em função da hidrodinâmica do escoamento de ar ar-rastado pelo gás a ser queimado, ocorre o isolamento térmico da parte construtiva do queimador”, completa. Tal isolamento é, justamente, o diferencial, pois permite o uso do plástico na confecção do aparelho.

Com relação à estabilidade da chama, o coordenador explica que queimadores são abertos. Em função disso, correntes de ar e rajadas de ventos podem provocar o descolamento da chama de sua base. “Em princípio, isso é solucionado por um siste-ma de ignição, que, periodicamente, produz um pequeno arco elétrico, ou uma chama--piloto, produzida a partir de um sistema au-xiliar – o que, porém, implica em aumento de custos de produção”, ressalva.

TestesO novo modelo de queimador foi

construído em escala reduzida e testado nos laboratórios do Instituto de Recursos Naturais da Unifei. Segundo o coordena-dor, realizaram-se vários testes prelimina-res de funcionamento, com foco na segu-rança, além de medições da vazão de gás a ser queimado e da temperatura na parte construtiva do aparelho, bem como a aná-lise da estabilidade da chama.

Finalmente, realizou-se um teste de longa duração, filmado e fotografado com câmera de detecção infravermelha. “O protótipo respondeu muito bem às nossas expectativas. Seu funcionamento foi perfeito e seguro”, afirma Hélcio, ao lembrar que os pesquisadores observa-ram, até mesmo, os efeitos da formação de uma chama estável, em forma de anel, na base da tocha da chama principal.

Por último, a equipe trabalha no es-calonamento das dimensões do queima-dor, de acordo com suas aplicações para

O biogás é obtido da fermen-tação, sem oxigênio, de material orgânico. O metano presente em sua composição é um dos princi-pais responsáveis pelo efeito estu-fa. “Se o queimador elimina gases nocivos ao efeito estufa, de forma que gerem menos poluentes, isto nos é devolvido com melhor qua-lidade do ar. Logo, teremos menos pessoas – sobretudo, crianças – doentes”, comemora o professor Hélcio Villa Nova.

Page 38: 33 27 CIêNCIA

38 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2016

diferentes vazões de gases. “Se um aterro sanitário gera muito gás, precisaremos construir um grande queimador, que atenda à faixa de vazão gerada; agora, se for uma pequena estação de tratamento de esgoto, desenvolveremos um pequeno aparelho”, comenta, ao explicar que o escalonamento tem impacto direto na escolha do material e no processo de fabricação.

Em 2015, o Núcleo de Inovação e Tecnologia (NIT) da universidade já reali-zou os procedimentos para a proteção da tecnologia junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi). O produto está pronto para chegar ao mercado, o que só depende de parcerias com empresas – inclusive, para definição das característi-cas do aparelho.

O projeto do queimador desenvolvido pelos pesquisadores da Unifei foi dividido em três partes:

Passo a passo

fase 3 Escolha do material e processo de

fabricação: processo de construção do queimador, a partir da observação da compatibilidade dos materiais emprega-dos com os níveis de temperatura e com a agressão corrosiva dos compostos presentes nos gases.

fase 1 Design hidrodinâmico: corres-

ponde à forma da parte interna do queimador, onde ocorre a passagem dos gases a serem queimados.

fase 2 Queima, formação da chama e

transferência de calor: esta etapa refere--se à análise das reações químicas entre os gases a serem queimados e o ar, bem como da quantidade de calor gerada na base do queimador.

Page 39: 33 27 CIêNCIA

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2016 39

div

ulg

ão

cie

nt

ífic

a

um lugar para re(conhecer)

Vivian Teixeira

Com mais de cinco mil visitas mensais, Espaço do Conhecimento UFMG completa seis anos de zelo

pelo acesso público aos saberes

Page 40: 33 27 CIêNCIA

40 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2016

Ao chegar, você pode ser fisgado por uma imagem da fachada digital. Ou, quem sabe, resolva tomar um café, para, então, apreciar aquela exposição temporária. De outro modo, que tal subir um pouco mais, em busca de detalhes sobre a origem da ci-vilização, ou seguir ao Planetário, para, do Terraço Astronômico, contemplar o anoite-cer? Essas e tantas outras atividades atra-em o público ao Espaço do Conhecimento UFMG, que, em 2016, completa seis anos de vida – como local de mediação entre a sociedade e os saberes científico, tradicio-nal e estético.

Integrante do chamado “Circuito Liberdade”, o Espaço compartilha, com outros museus da região, o privilégio de estar próximo a um dos pontos mais char-mosos de Belo Horizonte: a Praça da Li-berdade. Há, porém, certa particularidade em relação aos parceiros culturais: além de privilegiar o conhecimento como objeto principal de discussões, o local se destaca pela audiência, formada, principalmente, pelo público infantojuvenil. Duas de suas cinco mil visitas mensais são de estudan-tes de escolas públicas e particulares da capital mineira e da Região Metropolitana, que participam de uma série de atividades pedagógicas do programa educativo.

Foi o que fez Tatiane Salles da Silva, pedagoga que atua na coordenação inte-gral da Escola Estadual Lafayette Gonçal-ves. No primeiro semestre deste ano, ela levou 100 alunos da educação inclusiva para conhecer o Espaço do Conhecimento. Além de superar as dificuldades de apren-dizado próprias do grupo de estudantes, a professora conta que, em função de mora-rem em área extremamente carente – Bair-ro Palmital, em Belo Horizonte –, a visita serviu para oferecer a todos a possibilida-de de estar em ambiente diferente, o que não ocorreria de maneira espontânea. “Por causa da visita, organizamos, na escola, uma feira do conhecimento. Os alunos foram convidados a recriar os ambientes visitados. A repercussão nos surpreendeu a todos. Além disso, naquele momento, o gosto pela Astronomia foi despertado em muitos estudantes”, conta a coordenadora.

Experiência semelhante motivou a professora Cássia Patrícia Lucílio e sua

equipe a levar ao museu, em 2013, cer-ca de 150 alunos da Escola Municipal Joaquim Teixeira Camargos, de Conta-gem. Na escola, o reflexo das visitas ao Planetário foi percebido no desempenho dos estudantes nas edições seguintes da Olimpíada Brasileira de Astronomia (OBA). “Eles ficaram impressionados com a ativi-dade e narraram a impressão de estar den-tro de uma grande nave espacial. Percebe-mos aumento da participação dos alunos na OBA e melhoria considerável em suas notas. O aproveitamento passou de 60% para mais de 80%”, avalia.

Para aqueles que preferem espaços de troca mais diversificados, o local ofe-rece atividades em grupo, como oficinas, “Café Controverso” e “Jogos do Conheci-mento”. Com temas diversos, as oficinas são oferecidas ao longo do ano. Músico e mediador do Espaço do Conhecimento, Ar-tur Diamantino Ferreira comemora a possi-bilidade de trabalhar no museu e de poder colaborar com tantas iniciativas culturais. “Participei da oficina de música, mas tam-bém há propostas de teatro, dança etc. No meu caso, o interessante é oferecer ao pú-blico uma experiência – às vezes, inédita – com o instrumento”, descreve.

Fotos: Diogo Brito Lopes

Há seis anos, Espaço do Conhecimento atrai públicos afoitos por ciência e tecnologia

Page 41: 33 27 CIêNCIA

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2016 41

O “Café Controverso” busca promo-ver debates e trocas de ideias e perspecti-vas, de forma descontraída e espontânea. Já os “Jogos do Conhecimento” propõem ações educativas baseadas em brincadei-ras de tabuleiro, ligadas ao Grupo de Es-tudo em Jogos, UFMGames. A proposta é aproximar o público de passatempos que fazem parte de diferentes tradições cultu-rais, de maneira a proporcionar múltiplas experiências e a instigar a curiosidade de crianças, jovens e adultos.

A atividade conta com público fiel. Às quintas-feiras, cerca de 30 pessoas se encon-tram no museu para jogar. A esteticista Vivia-ne de Oliveira mora no Paraná e aproveitou as férias para visitar o Espaço do Conhecimento com a família. “Não conhecia lugar parecido. Visitei a exposição temporária ‘Processaber’ e adorei a parte do aeródromo. Deu para apren-der e me divertir”, acredita.

Ampliação do acessoEmbora o museu colecione experiên-

cias positivas em sua trajetória, a amplia-ção do acesso permanece como desafio. Segundo Bernardo Jefferson de Oliveira, professor da Universidade Federal de Mi-nas Gerais e coordenador de duas expo-sições temporárias que passaram pelo Es-paço do Conhecimento, apesar de a região ter grande fluxo de pessoas, a maior parte delas pertence a camadas privilegiadas da sociedade. Ele acredita que o prédio impo-nente ainda inibe alguns de entrar. “Apesar das iniciativas para atrair o público mais carente, como entrada gratuita e envio de cortesias para o Planetário a familiares de alunos visitantes, existe um problema mais complexo: mudar a cultura de consumo desses serviços”, afirma.

Esse tem sido o maior desafio da diretora científica do Espaço, Ana Flávia Machado, que, além de cuidar do conte-údo do museu, acumula a função de ges-tora administrativa desde agosto de 2015. A pesquisadora conta que a presença de museus voltados à discussão e à cons-trução de diversas formas de saber é uma tendência de cidades com muitos espaços museológicos. A realidade no Brasil, po-rém, é particular, já que o acesso a tais ambientes não é natural.

Segundo Ana Flávia, em cidades eu-ropeias, por exemplo, as crianças frequen-tam esses espaços desde muito cedo, pois acompanham o hábito de consumo dos pais. “Realizei pesquisa sobre os museus do ‘Circuito Liberdade’ e os dados mostra-ram que a falta de preparo dos estudantes para receber esse tipo de informação não contribui para a apreensão do conteúdo, fazendo com que as visitas se tornem apenas mero passeio”, diz. Para mudar isso, o Espaço do Conhecimento tem in-tensificado a formação de professores e a capacitação de mediadores. Recentemente, o museu também começou a receber a vi-sita de alunos de Unidades Municipais de Educação Infantil (UMEIs) e de programas de Ensino de Jovens e Adultos (EJA).

manutençãoTalvez seja mais simples monetizar o

custo de grandes rodovias ou de equipa-mentos tecnológicos usados em pesquisas de laboratório. Compreender a urgência dos investimentos necessários para manter o pleno funcionamento de um museu não é tarefa simples. Se se considera somente a equipe que trabalha no local, são cerca de 50 pessoas, entre professores, bolsistas e técnicoadministrativos.

Há mais de um ano, o Espaço do Conhecimento perdeu o patrocínio de uma grande empresa de telefonia. O fato impactou as contas do museu, e, conse-quentemente, afetou as atividades. Apenas para manter o funcionamento do museu,

PARTICIPAÇÃO DA FAPEMIGPROJETO: Espaço do Conhecimen-to: Laboratório de Experimentação, Avaliação e Produção de Divulgação Científica - FASE II COORDEnADOR: Ana Flávia MachadoInSTITuIÇÃO: UFMGChAMADA: Auxilio Universal Comple-mentarVALOR: R$ 117.610,50

despendem-se R$ 120 mil por mês. A maior parte vem da própria UFMG. Outros recursos são repassados pelo governo de Minas Gerais e pequena parcela é captada por editais. Ana Flávia Machado explica que a equipe do museu é muito capaci-tada: os mediadores fazem o que gostam e o trabalho, por meio dos Conselhos, é muito produtivo. Apenas a questão finan-ceira é que, realmente, representa dificul-dades. “Temos buscado alternativas para conseguir recursos, como a participação em leis de incentivo federal e municipal e o contato com outras instituições, em busca de patrocínio fixo. Desse modo, podemos garantir o sucesso e a continui-dade das atividades do museu”, comenta

Exposições permanentes e temporárias, debates e ações educativas baseadas em brincadeiras fazem parte das atividades oferecidas

Page 42: 33 27 CIêNCIA

42 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2016

DEN

gu

E

Tatiana Pires nepomuceno

Aedes aegypti herói?

Mosquitos com bactéria Wolbachia podem ser importantes no combate à zika, à dengue e à chikungunya

Page 43: 33 27 CIêNCIA

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2016 43

O mosquitinho é danado, tem hábi-tos preferencialmente diurnos e adora água limpa. Por isso, muitos dizem ser difícil controlar a reprodução do Aedes aegypti e o avanço da dengue, da chikungunya e da zika no Brasil e no mundo. Outros cogitam ser impossível exterminá-lo e se revelam descrentes quanto à erradicação das doen-ças transmitidas pelo “danadinho”. Nada disso, contudo, desanima certos pesquisa-dores. Prova disso é o fato de que, a todo momento, surgem pesquisas inovadoras, com possíveis soluções para o controle epidemiológico de tais enfermidades – que, além de onerar os cofres públicos, representam sofrimento e dor às vítimas.

Que o digam os dados divulgados pelo último Boletim Epidemiológico da Secretaria de Estado da Saúde de Minas Gerais, publicado no dia 29 de junho deste ano. Segundo o documento, de janeiro a junho de 2016, registraram-se mais de 518 mil prováveis casos de dengue, dentre os quais há 163 óbitos. Trata-se de mais que o triplo de ocorrências, em relação a 2015. Isso sem falar na zika, com 4.344 confir-mações por critério clínico epidemiológi-co, e na chikungunya, com 45 casos autóc-tones, isto é, contraídos em Minas Gerais.

Neste contexto, o estudante de dou-torado Heverton Dutra, ligado ao Centro de Pesquisas René Rachou da Fiocruz de Mi-nas Gerais, investe em estudo pioneiro de apoio ao combate à zika, à dengue e à chi-kungunya. Trata-se de “dieta” artificial para mosquitos, que dispensa sangue humano e animal. A proposta alternativa baseia-se em quatro pilares: 1) uma fonte proteica de origem animal, de fácil acesso; 2) uma so-lução salina que simule as condições fisio-lógicas e bioquímicas do sangue humano; 3) um fagoestimulante químico – no caso, a adenosina trifosfato (ATP), amplamente descrita na literatura como elemento capaz de estimular as fêmeas dos mosquitos a se alimentar de determinada solução –; e 4) uma base lipídica para garantir o desenvol-vimento adequado dos ovos.

A tudo isso, há que se adicionar micronutrientes comumente presentes no sangue humano. “Como o projeto ainda está engatinhando, alguns de nossos com-ponentes podem ser alterados no futuro,

de forma que, semanalmente, possamos aperfeiçoar cada um dos elementos para ficar o mais próximo possível do sangue humano”, explica Dutra. A pesquisa é apoiada pela FAPEMIG, por meio do Au-xílio Universal Complementar (AUC), que prevê investimento de mais de R$ 200 mil.

Dieta balanceadaA ideia do estudo surgiu da neces-

sidade de criar formas alternativas para a alimentação das fêmeas do Ae. aegypti, de maneira a manter os componentes nutri-cionais do sangue humano e as colônias para estudos. “Como todas as fêmeas de Ae. aegypti precisam de sangue para pro-duzir ovos e dar origem a seus descenden-tes, necessitamos, semanalmente, de con-siderável volume para manter as futuras gerações”, explica Dutra.

O pesquisador relata, aliás, que já pas-sou por dificuldades, em função da falta de estoque de sangue humano para os estudos. A criação de uma fonte nutricional alternativa compatível, sem problema de contaminação por agente infeccioso externo, cobriria a demanda e evitaria o risco de trabalhar com material biológico. Além disso, dá-se conti-nuidade às pesquisas que necessitam de tal tipo de alimento para progredir.

É o caso dos estudos realizados por meio do programa internacional “Elimi-nar a dengue: desafio Brasil”, trazido ao Brasil, em 2012, pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). A iniciativa conta com participação do pesquisador Luciano Mo-reira, líder do projeto no País e orientador de Heverton no doutorado. Na pesquisa, a protagonista é a bactéria Wolbachia, que, quando inserida no Aedes aegypti, reduz a capacidade de o mosquito, criado em laboratório, transmitir os vírus da dengue, da chikungunya e da zika.

“O Aedes com Wolbachia só é capaz de produzir ovos, de forma satisfatória, caso alimentado com sangue humano, já que o de outros vertebrados, como camun-dongos e galinhas, não possui os nutrien-tes necessários para que o mosquito com a Wolbachia produza ovos saudáveis”, ex-plica Heverton Dutra. Quanto maior o nú-mero de mosquitos contendo a bactéria no ambiente, portanto, maior a probabilidade

Iniciativa internacional sem fins lucrativos, o projeto estuda o uso da bactéria Wolbachia para, de maneira segura, natural e autos-sustentável, diminuir a transmissão do vírus da dengue pelo mosquito Aedes aegypti. Tal característica foi descoberta por pesquisadores do programa internacional “Eliminar a dengue: nosso desafio”, com par-ticipação do pesquisador Luciano Moreira, da Fiocruz, que lidera o projeto no Brasil. O programa é uma estratégia em longo prazo, que beneficiará cerca de 2,5 bilhões de pessoas, que, atualmente, vivem em áreas atingidas pela doença. Em maio de 2016, os pesquisadores publicaram estudo científico que descreve a ação da bactéria também sobre o vírus zika. Além do Brasil, o projeto envolve a Austrália, o Viet-nã, a Indonésia e a Colômbia.

Page 44: 33 27 CIêNCIA

44 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2016

de controle das enfermidades transmitidas pelo “Aedes do mal”. Daí a importância da “dieta” balanceada dos mosquitinhos. “O Aedes criado em laboratório só se repro-duz bem quando alimentado corretamente, ou seja, com os nutrientes contidos no sangue humano”, complementa Luciano.

Estudo desenvolvido pelo pesqui-sador, que faz parte do programa interna-cional, usou linhagens do vírus zika e foi publicado no dia 4 de maio, pela revista científica Cell Host & Microbe. Para a re-alização da pesquisa, utilizaram-se quatro grupos de Aedes aegypti: duas gaiolas continham mosquitos com Wolbachia, criados em laboratório pela equipe do pro-jeto, e, em outras duas, havia insetos sem a bactéria, coletados no Rio de Janeiro.

Todos eles foram alimentados com sangue humano, que continham duas li-nhagens do vírus zika circulantes no Bra-sil: metade das gaiolas recebeu material sanguíneo com uma cepa isolada em São Paulo, e a outra, com cepa originária de Pernambuco. Dentre os experimentos rea-lizados pelos pesquisadores, com ambos os isolados virais, os cientistas coletaram amostras de saliva de 20 Aedes aegypti com Wolbachia e de 20 sem a bactéria – e que receberam sangue infectado com a

cepa isolada de Pernambuco. Percebeu-se que 55% da saliva dos mosquitos conten-do Wolbachia não apresentavam positivi-dade para o vírus da zika.

Em outro experimento, após duas semanas de infecção com o vírus zika, os pesquisadores coletaram amostras de sali-va de dez mosquitos com Wolbachia e de dez sem a bactéria. A saliva de cada inseto foi injetada em mosquitos de campo, sem Wolbachia, para verificar se eles se infec-tariam. Os testes mostraram que nenhum dos que receberam a saliva de mosquitos com Wolbachia fora contaminado pelo vírus da zika; por outro lado, 85% dos mosquitos com a saliva do grupo sem a bactéria acabaram infectados.

O que isso significa? Que o mosquito Aedes aegypti com a “bactéria protagonis-ta” também tem potencial para ser usado no controle da transmissão da zika, além da dengue e da chikungunya, conforme já comprovado por outros estudos. Segundo o coordenador do projeto no Brasil, Lucia-no Moreira, reuniões estão sendo realiza-das com o Ministério da Saúde, juntamente a financiadores estrangeiros, para expandir as pesquisas e desenvolver estudos para melhorar o controle epidemiológico.

PARTICIPAÇÃO DA FAPEMIGPROJETO: An Artificial Diet for Wolba-chia – Infected Ae.AegyptiCOORDEnADOR: Heverton Leandro Carneiro Dutra InSTITuIÇÃO: Centro de Pesquisas René Rachou da Fiocruz de Minas GeraisChAMADA: Auxílio Universal Com-plementar VALOR: R$ 200.999,73

Page 45: 33 27 CIêNCIA

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2016 45

Vid

a d

e c

ien

tist

a

Maurício Guilherme Silva Jr.

Diante da porta de casa, em Ponta Grossa (RS), o garoto experimentava sua particular epifania: ao observar a passa-gem de carros, ônibus e caminhões, as re-tinas se encantavam de maneira realmente especial. Ciente dos gostos do filho, Leo-nilda Steffen era a primeira a atentá-lo às motorizadas novidades da rua. Mal sabia a delicada mãe que aquele ingênuo pas-satempo infantil serviria, anos mais tarde, à consolidação das vocações de Valder Steffen Jr., hoje professor e pesquisador da Faculdade de Engenharia Mecânica da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).

Ao lado do avô materno, que atuara como mecânico da antiga Cia. Paulista de Estradas de Ferro, Valder seria responsável pela “fundação” de certa tradição familiar: “Creio que eu seja o primeiro engenheiro da família. Hoje, porém, há vários primos e sobrinhos na área”, conta. Quanto ao interesse pela carreira científica, tudo co-meçaria já no período colegial, quando as disciplinas de Ciências Exatas lhe atraíam a atenção e o desejo de estudá-las. “Eu queria compreender melhor os princípios por trás das equações”, conta.

Ao final do curso de graduação na Uni-versidade Estadual de Campinas (Unicamp), acabou por se envolver em um projeto na área de Dinâmica, sob a batuta do profes-sor Hans Ingo Weber. Além de inspirado-ra, a convivência com os pesquisadores e estudantes de pós-graduação revelou-se determinante ao que se seguiria: mestrado e doutorado pela Université de Franche--Comté, na França.

Já nos dois estudos de pós-doutora-mento – realizados, respectivamente, no Insa, em Lyon, na França, e no Center for Intelligent Material Systems and Structu-res (CIMSS), na Virginia Tech, nos EUA –, dedicou-se à investigação de problemas ligados à dinâmica de rotação e à desco-berta de materiais e estruturas inteligen-tes. “Isso reorientou minhas várias ativi-dades futuras de pesquisa e me permitiu propor e participar do Instituto Nacional

Aquele doce ronco do motorO dia a dia e as paixões do professor Valder Steffen Jr., que, na infância, não tirava os olhos dos muitos veículos a desfilar nas ruas

Atualmente, o professor tem trabalhado com técnicas de moni-toramento da integridade estrutural – voltada, inicialmente, às estruturas aeronáuticas e aeroespaciais. “Além disso, tenho interesse na área de dinâmica de rotores inteligentes”, ex-plica. Há pouco, além de se preocu-par com problemas inversos em En-genharia, Valder Steffen Jr. investiga técnicas de quantificação e avaliação de incertezas, para usá-las em pro-blemas com os quais está envolvido.

Page 46: 33 27 CIêNCIA

46 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2016

Quem éEngenheiro mecânico formado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)Professor titular e diretor da Faculdade de Engenharia Mecânica da Universidade

Federal de Uberlândia (UFU)Mestre (1977) e doutor (1979) pela Université de Franche-Comté, em Besançon,

na França Pós-doutor pelo Institut National de Sciences Appliquées (1986-87), em Lyon,

na França, e pelo Virginia Tech (1999), nos EUADetentor do importante diploma de “Habilitation à Diriger des Recherches”

(HDR), concedido, em 1991, pela Université de Franche-Comté

ele?

de Ciência e Tecnologia de Estruturas In-teligentes em Engenharia (INCT-EIE), do qual sou coordenador desde dezembro de 2008”, explica.

Arte, saúde e féNatural de Rio Claro, no interior

de São Paulo, Valder Steffen Jr. é pai de Nathalie, analista de Relações Internacio-nais – que, recentemente, atuou junto à Olimpíada Rio 2016 – e Samuel, cirurgião cardíaco e integrante, como fellow, do grupo de transplantes do Incor, em São Paulo. “Quando eles eram menores, eu e minha esposa, embora sempre tenhamos conversado sobre a importância dos estu-dos, jamais demos preferência a carreiras específicas. Os dois construíram a própria identidade profissional, mas é claro que sempre perguntavam muito sobre minhas atividades acadêmicas e científicas”, conta.

O dia a dia do professor, em Uberlân-dia (MG), é bastante agitado. Do ponto de vista acadêmico, para além das aulas, há as orientações, os desafios da pesquisa e as obrigações da administração universi-tária. Steffen, afinal, é diretor da Faculdade de Engenharia Mecânica da UFU. “Traba-lho regularmente aos sábados pela manhã, em minha sala na universidade. É quando consigo pôr em dia as coisas que ficaram para trás durante a semana”, conta.

Quanto à vida pessoal, o pesquisador procura não se descuidar do convívio fa-miliar, algo que, em suas palavras, sempre lhe deu estabilidade e paz. “Tais encon-tros são sempre alegres e descontraídos, o que me faz muito bem”, diz. Além dis-so, dá muita atenção aos cuidados com a saúde. Ao fim de cada dia, quando não há imprevistos, segue ao clube, onde realiza atividades físicas. “Procuro me exercitar com regularidade. Além do bem-estar físi-co, isso se tornou uma forma de lazer. No clube, encontro-me com pessoas com as quais tenho relacionamento, enriquecen-do, assim, minha vida social”.

Valder também aprecia muito as ex-pressões artísticas, com destaque para a telona. “O cinema sempre me encantou! Gostaria de ter mais tempo para acompa-nhar de perto, com conhecimentos espe-cíficos e de forma mais crítica. Gosto tanto de filmes americanos quanto franceses”,

confessa, ao ressaltar, ainda, que é muito ligado à música, mas sem preferência por gêneros: “Meu gosto vai do rock à música clássica. Quanto aos livros, aprecio temas filosóficos e teológicos”.

Neste sentido, é interessante lembrar que fé e ciência convivem harmonicamente no cotidiano do pesquisador. “Tenho en-volvimento com uma Igreja Presbiteriana, enquanto cristão ativo”, frisa. Quanto ao relacionamento com os amigos, as conver-sas e trocas são frequentes e prazerosas. “Conversamos muito em reuniões sociais, e, às vezes, jantamos juntos. Quando rece-bemos professores visitantes, os encontros se intensificam”, completa.

férias?Em função dos congressos internacio-

nais que frequenta – realizados, geralmente, no período de férias escolares no Brasil –, Valder Steffen não se lembra de quando pôde ficar, exclusivamente, de papo para o ar. “In-felizmente, jamais consegui tirar folgas muito longas. Quando os filhos eram pequenos, gostávamos de ir à praia, especialmente, nos litorais de Santa Catarina ou São Paulo”, diz, ao esclarecer que, hoje, quando possível, planeja momentos de descanso paralelos aos compromissos profissionais: “Faço-me acompanhar de minha esposa em congressos e ‘esticamos’ um pouco a viagem para termos um tempo juntos e fazer algum passeio”.

Page 47: 33 27 CIêNCIA

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2016 47

Descobrir a grande história das pequenas coisas é também uma forma de olhar. Nesse olhar está contida a arte de viver, mas também de ver. De ver de perto. Pois atrás dos objetos está contida uma história outra. Aquela da mão dos homens, atarefada em extrair da natureza objetos de metal, madeira, vidro. E essa história é também a da destruição de florestas, rios e carreiras de pedras para a confecção de instru-mentos de exploração. Os vários artefatos usa-dos nos ofícios responsáveis pela mineração do ouro e diamantes, pela criação de muares e bovinos, pela plantation de cana e outros pro-dutos agrícolas estiveram associados a vários momentos de nossas transformações econômi-cas e de nosso empobrecimento ecológico.

Neste trabalho, quero tratar, portanto, não

de como se produz um jornal ou de como os

textos multimodais dizem coisas, mas de como

os tratamos na escola; que lugares eles ocupam

na vida dos estudantes, dentro e fora da sala de

aula; como os jovens aprendem a ler infográfi-

cos e como poderiam produzir textos multimo-

dais, já que as ferramentas de edição estão, faz

algumas décadas, ao nosso alcance.

LEIT

uR

AsO conceito de multimodalidade surge

na Semiótica Social e procura abranger, de forma ampla, estratégias textual-discur-sivas das múltiplas formas de linguagem verbal (escrita e oral) e não-verbal (visu-al). Significa, por exemplo, analisar como infográficos, linhas do tempo e podcasts podem ultrapassar as aulas de Geografia e Matemática ou os ambientes sociotécnicos para contribuir com a aprendizagem da lín-gua materna.

Em sua pesquisa de pós-doutorado na Universidade Federal de Campinas (Unicamp), a professora Ana Elisa Ribeiro, do Centro Federal de Educação Tecnológi-ca de Minas Gerais (Cefet-MG), propôs-se a desvendar o descompasso entre o que vemos acontecer na circulação social dos

LIVRO: Textos multimodais: leitura e produçãoAUTOR: Ana Elisa RibeiroEDITORA: Parábola EditorialPÁGINAS: 126ANO: 2016

LIVRO: Histórias da gente brasileira – Colônia (Volume 1)AUTOR: Mary Del PrioreEDITORA: LeyaPÁGINAS: 432ANO: 2016

Ensino multimodal textos e as atividades apresentadas nos li-vros adotados, pela escola básica, para en-sino de português. O resultado está a obra Textos Multimodais: leitura e produção, dividida em oito capítulos. Com exemplos e análises, a obra apresenta, de forma leve, modos de provocar e desenvolver a leitura e a escrita de textos multimodais.

Brasil dos anônimos Muitas são as possibilidades de

escrita da História. Dentre as inúmeras al-ternativas, a pesquisadora Mary Del Prio-re, ex-professora da Universidade de São Paulo (USP) e da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC Rio), op-tou por construir narrativas baseadas na “simplicidade da vida cotidiana” brasileira. Desse modo, lançou-se ao desafio de bus-car explicações plausíveis a algumas das características seminais do Brasil como nação. Primeiro volume de uma série que pretende descortinar os mais de 500 anos do País, Histórias da gente brasileira – Colônia “joga luz sobre os anônimos que deram forma” à pátria.

Dividido em três partes, o livro inves-tiga as temáticas “Terra e trabalho”, “O su-pérfluo e o ordinário: casa, comida e roupa lavada” e “Ritmos da vida: nascimento, adolescência, uniões, doença e morte”.

A obra é capaz de transportar o leitor a um universo essencialmente particular de desejos, tensões, conflitos, medos, espe-ranças, autoritarismos e diálogos. Histó-rias da gente brasileira conta, ainda, com ótimo glossário de termos, caríssimos à compreensão de objetos, ofícios, povos etc. O próximo volume da série abordará o Brasil Império.

Page 48: 33 27 CIêNCIA

48 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2016

hIP

ER

LIN

k

Page 49: 33 27 CIêNCIA

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2016 49

Page 50: 33 27 CIêNCIA

50 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2016

VA

RA

LNa

imag

em a

o lad

o, v

eem

-se

prot

ótip

os re

pres

entat

ivos

do d

esen

volvi

men

to d

e câ

ncer

no

colo

do

úter

o. F

eitos

em

alto

relev

o e

com

bisc

uit –

maté

ria-p

rima

para

arte

sana

to –

, os

obj

etos

desti

nam

-se

a pe

ssoa

s co

m d

eficiê

ncia

visua

l, as

qua

is, a

o to

cá-lo

s, po

dem

iden

tifica

r o e

ndom

étrio

(tec

ido

do ú

tero)

e a

s pa

rtes

afetad

as p

elo tu

mor

. Os

artef

atos

peda

gógi

cos f

oram

elab

orad

os p

elas a

luna

s Cam

illa d

e Fáti

ma d

os S

anto

s, Ju

liana

Mon

teiro

da S

ilva,

Raya

nne M

aria

Costa

Fer

reira

, Reb

eca C

ristin

a Gou

lart d

e Lim

a e S

âmell

a Al

ves d

e Brit

o, d

o cu

rso

de F

isiot

erap

ia do

Cen

tro U

nive

rsitá

rio d

e Belo

Hor

izont

e (Un

iBH)

, sob

coor

dena

ção

da p

rofes

sora

Julia

Dias

San

tana.

Willi

am A

raúj

o

Page 51: 33 27 CIêNCIA

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2016 51

㈀ 㘀

Page 52: 33 27 CIêNCIA

52 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2016

( ) LEIA( ) OUÇA( ) ASSISTA( ) NAVEGUEAlém da revista, o Projeto Minas Faz Ciência, da FAPEMIG, conta com outros veículos para divulgação da Ciência, Tecnologia e Inovação desenvolvidas em Minas Gerais:

ONDAS DA CIÊNCIA Podcast semanal que traz entrevistas, curiosidades e estudos desenvolvidos em universidades e centros de pesquisa mineiros.

CIÊNCIA NO AROs programas, veiculados em nossa web TV, mostram a cobertura de temas relevantes e reportagens sobre os avanços da ciência

BLOG MINAS FAZ CIÊNCIANotícias, novidades e curiosidades sobre o mundo da ciência, em um formato que facilita e incentiva a participação dos leitores.

ACESSE, CONHEÇA, INFORME-SE!www.fapemig.brblog.fapemig.br

MUDOU-SE

DESCONHECIDO

RECUSADO

FALECIDO

AUSENTE

NÃO PROCURADO

END. INSUFICIENTE

CEP

NÃO EXISTE Nº INDICADO

INFORMAÇÃO ESCRITA PELO

PORTEIRO OU SÍNDICO

REINTEGRADO AO SERVIÇO

POSTAL EM ___/___/___

___/___/___ _______________

RESPONSáVEL

PARA USO DOS CORREIOS

Avenida José Cândido da Silveira, 1500

Bairro Horto

Belo Horizonte (MG)

CEP: 31 035-536

Contatos: [email protected]

Blog: blog.fapemig.br/

www.facebook.com/minasfazciencia

www.twitter.com/minasfazciencia/

www.youtube.com/user/ciencianoar