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MIGUEL REALE o DIREITO COMO " EXPERIENCIA (Introdução à Epistemologia Jurídica) EDIÇÃO FAC-SIMILAR COM NOTA INTRODUTIVA DO AUTOR (\ \ '\ 1992 O.SARAIVA

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  • MIGUEL REALE

    o DIREITO COMO " EXPERIENCIA

    (Introduo Epistemologia Jurdica)

    2~ EDIO FAC-SIMILAR COM NOTA INTRODUTIVA DO AUTOR

    ( \ \

    '\

    1992

    O.SARAIVA

  • ISBN 85-02-00967-2

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (C IP) (Cmara Brasi leira do Livro, SP, Brasil)

    Reale, Miguel, 1910-O Direito como experincia : introduo epistemologia jurdica /

    Miguel Reale . - 2. ed . - So Paulo: Saraiva, 1992.

    1. Direito - Filosofia 2. Direito - Teoria I. Ttulo.

    91-1089 CDU-340.12

    ndices para catlogo sistemtico: 1. Direito: Filosofia 340. 12 2. Direito jurdico: Teoria do Direito 340.12 3. Epistemologia jurdica: Direito 340.12

    c!i- T - iS{ ",,~- l .~ r I

    D __ SARAIVA

    198;3

    Avenida Marqus de So Vicente. 1697 - CEP: 01139 - Tel.: PABX (011) 826-8422 -Barra Funda - Caixa Postal 2362 - Telex: 1126789 - FAX: (0111826-0606 - So Paulo - SP

    Distribuidora Saraiva de livros ltda. AMAZONAS/ RONDNIA / RORAIMA/ ACRE Rua Costa Azevedo. 31 - Centro Fone: (0921 234--4664 - M:maus BAHIA / SERGIPE Rua Agripino Onria . 23 - Brotas Fone: (O71) 2335854 - Salvador BA URU / SO PAULO R. Duque de Caxias, 20-72 Fone: f01421 34-5643 - Bauru DISTRITO FEDERAL SClN-l02 - BI. B - Loja 56-Fax: 10611 225-04 19 Fo ne: 10011 226-3m e 223-0783 GOIS Rua Setenta, 661 - Centro Fone: (0621 225-2882 - Goinia MATO GROSSO DO SUl/MATO GROSSO Rua Marechal Rondem. 549 - mtro Fone: (067) 382-3682 - Campo Grande MINAS GERAIS Rua Clia de Souza, 571 - Sagrada Familia Fone: (0311 461-9962 ~ 8elo Horizonte

    PAR/AMAP Av. Almirante Tamandar, 933-A - Belm Fone: 10911 =-9034 e 224-4817 PARAN/SANTA CATARINA Rua Nunes Machado, 1577 - Rebouas Fone: {O41l 234-2622 - Curitiba PERNAMBUCO/ PARABA/R.G. DO NORTE/ AlAGOAS/CEAR/PIAU/MARANHO Avenida Conde da Boa Vista, '136 Boa Vista Fone: 10811 231-1764 - Recife RIBEIRO PRETO/SO PAULO Rua Lafayete, 94 -- Centro Fone: (016) 634-0546 - Ribeiro Preto RIO OE JANEIRO /EspiRITO SANTO Avenida Marechal Rondon, 2231 - Sampaio Fone: 10211 201-7149 - Fax 10211 2017248 Rio de Janeiro RIO GRANDE DO SUL Avenida Chicago, 307 - Floresta Fone: 105121 43-2986 - Poeta Alegre SO PAULO Av. Marqus de So Vicente, 1697 (antiga Av. dos Emissrios) -- Barra Funda Fone: PABX 10111 826-6422 - So Paulo

    PRINCIPAIS OBRAS DO AUTOR

    o Estado Moderno. 1933, 3 edies esg. Formao da PoHtica Burguesa. 1935. esg. O Capitalismo Internacional. 1935. esg. Atualidades de um Mundo Antigo. 1936. esg. Atualidades Brasileiras. 1937. esg. Fundamentos do Direito. 1940. esg. 2. ed. Re-

    vista dos Tribunais, 1972. Teoria do Direito e do Estado. 1940. esg. 2.

    ed. 1960. esg. 3. ed., rev., Livr. Martins Ed., 1972. esg. 4. ed., Saraiva, 1984.

    A Doutrina de Kant no Brasil. 1949, esg. Filosofia do Direito. 1. ed. 1953.2. ed. 1957.

    3. ed. 1962. 4. ed. 1965. esg. 5. ed. 1969. 6. ed. Saraiva, 1972. 7. ed. 1975. 8. ed. 1978. 9. ed. 1982. 10. ed. 1983. 11. ed. 1986. 12. ed. 1987. 13. ed. 1990.

    Horizontes do Direito e da Histria. Saraiva, 1956.2. ed. 1977.

    Nos Quodrantes do Direito Positivo. Ed. Mi-chalany, 1960.

    Filosofia em So Paulo, 1962. esg. 2. ed. Ed. Grijalbo-EDUSP , 1976.

    Parlamentarismo Brasileiro , 2. ed. Saraiva, 1962. Pluralismo e Liberdade. Saraiva, 1963. imperativos da Revoluo de Maro. Livr.

    Martins Ed., 1965. Poemas do Amor e do Tempo. Saraiva, 1965. Introduo e Notas aos "Cadernos de Filoso-

    fia", de Diogo Antonio Feij. Ed. Grijal-bo, 1967.

    Revogao e Anulamento do Ato Administrati-vo. Forense, 1968.2. ed. 1980.

    Teoria Tridimensional do Direito. Saraiva, 1968.4. ed. 1986.

    Revoluo e Democracia. Ed. Convvio , 1969. 2. ed. 1977.

    O Direito como Experincia, Saraiva, 1968. Direito Administrativo. Forense, 1969. Problemas de Nosso Tempo. Ed. Grijalbo-

    EDUSP, 1969. Lies Preliminares de Direito. Bushatsky,

    1973, 18. ed. Saraiva, 1991. Lies Preliminares de Direito. Ed. portugue-

    sa. Coimbra, Livr. Almedina, 1982. Cem Anos de Cincia do Direito no Brasil. Sa-

    raiva, 1973. Experincia e Cultura. Ed. Grijalbo-EDUSP,

    1977. PoWica de Ontem ede Hoje (Introduo Teo-

    ria do Estado) , Saraiva, 1978. Estudos de Filosofia e Cincia do Direito. Sa-

    raiva, 1978. Poemas da Noite. Ed. Soma, 1980. O Homem e seus Horizontes. Ed. Convvio,

    1980.

    Questes de Direito. Sugestes Literrias, 1981. Miguel Reale na UnB, Braslia, 1982. A Filosofia na Obra de Machado de Assis -

    Antologia Filosfica de Machado de Assis. Pioneira, 1982.

    Verdade e Conjetura . Nova Fronteira, 1983. Obras Polticas (I? fase - 1931-1937). UnB,

    1983. 3 vols. Direito Na/ural ! Direilo Positivo. Saraiva, 1984. Figuras da Inteligncia Brasileira. Tempo Bra-

    sileiro Ed . e Univ. do Cear, 1984. Teoria e Prtica do Direito. Saraiva, 1984. Sonetos da Verdade. Nova Fronteira, 1984. Por uma Constituio Brasileira. Revista dos

    Tribunais. 1985. Reforma Universitria. Ed. Convvio, 1985. O Projeto de Cdigo Civil. Saraiva, 1986. Liberdade e Democracia. Saraiva, 1987. Memrias. v. I. Destinos Cruzados. Saraiva,

    1986.2. ed. 1987. Memrias. v. 2. A Balana e a Espada. Sarai-

    va, 1987. Introduo Filosofia. Saraiva, 1988. O Belo e oulros Valores. Academia Brasileira

    de Letras, 1989. Aplicaes da Constituio de 1988. Forense,

    1990. Nova Fase do Direito Moderno, Ed. Saraiva,

    1990. Vida Oculta, Massao Ohno!Stefanowski Edito-

    res, 1990.

    PRINCIPAIS OBRAS TRADUZIDAS

    Filosofia dei Diritlo. Trad. Luigi Bagolini e G. Ricci. Torino, Giappichelli, 1956.

    11 Diritto come Esperienza, com ensaio introd. de Domenico Coccopalmerio. Milano, Giuffre, 1973.

    Teora Tridimensional dei Derecho. Trad. J. A. Sardina-Paramo. Santiago de Compostella, Imprenta Paredes, 1973.2. ed. Universidad de Chile, Vai paraso (na coletnea "Juris-tas Perenes").

    Fundamentos dei Derecho. Trad. Julio A . Chiappini. Buenos Aires, DepaIma, 1976.

    Introduccin ai Derecho. Trad. Brufau Prats. Madrid, Ed. Pirmide, 1976. 2. ed. 1977. 9. ed. 1989.

    FilosoFa dei Derecho. Trad. Miguel Angel Herreros. Madrid, Ed. Pirmide, 1979.

    Exprienceet Culture. Trad. Giovanni Dell' An-na. Bourdeaux, ditions Biere, 1990.

  • NDICE GERAL

    Nota introdu tria

    II 1TI

    Motivo da edio fac-similar ..... Momentos da Teoria Tridimensional do Direito Lgica Jurdica Formal e Lgica Jurdica Dialtica

    IV - O problemtico e o conjetural no Direito ............. .. . V - Modelos do Direito: Modelos Jurdicos e Modelos Dogmticos

    VI Uma antiga conversa a.inda atual sobre o presente livro . ... ..... .

    PG. XIII XIII XIV XIX

    XXI XXIV

    XXIX

    Prefc io da L" ed io ...... ...... ... . ....... . ........ ... .... .. ... XXXVII

    ENSAIO I

    O PROBL EMA DA EXPERINCIA JURDICA

    A crise da teoria da experincia jurdica e a atualidade do tema .... I II As trs perspectivas filosficas fundamentais da experincia jurdica 7

    J II A experincia tica na linha de Kant e dos neokantianos ... . !3 IV - A experincia t ica a part ir da fenomenologia ....... .. ........... .

    E NSAIO II

    EXPERIN CIA JURIDICA PR~-CATEGORIAL E OBJ ETIVAO CIENTlFICA

    - Concrctitude axio lgica da experinc ia jurdica ................... . 11 - Problematicismo e tipicidade da experincia jurdica - Sua natureza

    20

    25

    dialtica ......... . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3\ !fI - A experincia jurdica pr-categorial ............... . 36 IV - A ordem imanente experincia jurdica .......... . . 4 1 V - A experincia jurdica como objetivao cientfi ca ...... ... ........ 47

  • x MIGUEL R EALE

    ENSAIO IH

    ESTRUTURAS FUNDAMENTAIS DO CONHECIMENTO JURDICO

    I _ A experincia jurdica sob os prismas transcendental emprico-positivo ............ ...... .......................... .

    II - Espcies de pesquisas positivas do Direito ....

    III Lgica jurdica e Lgica jurdica formal IV - Analtica e Dialtica Jurdicas .. ",., .. """.""." .,.,' ,.

    ENSAIO IV

    FILOSOFIA JURlDICA, TEORIA GERAL DO DIREITO E DOGMTICA JURDICA

    _ A Filosofia jurdica e o papel da Jurisprudncia - A crise do Direito II - Ontognoseologia e Epistemologia jurdicas

    III _ A Te~ria G,er~ 1 do Dtreito corno teoria positiva de todas as fo rmas da experrenc12 Jund lca , . . . ",."" .""""".".","",., .. ".,"

    ENSAIO V

    NATUREZA E OBJETO DA ClfNCIA DO DIREITO

    ! - Direes fundamentais II - O Direito como realidade "a se" de carter normativo

    TTI - O neo-positivismo jurdico TV - O Direito como fato V - Rumo compreenso integra l do Direito

    VI - A Jurisprudncia corno cincia histrico-cultural compreensivo-normativa

    ENSAIO V I

    ClfNC IA DO DIREITO F. DOGMTICA JURlDI CA

    Os uois momentos da pesquisa jurdica II Momento normativo e momento dogmtico

    I II Sistema e problema IV Problemtica do "dogma" jurdico

    51 58 (;5 70

    75 84

    88

    93

    95

    98

    101 107 111

    123 131 135 139

    II TIl IV V

    VI

    o DIREITO CO MO EXPERINCIA

    ENSAIO VII

    ESTRUTURAS E MODELOS DA EXPERlfNCTA JURlDICA - O PROBLE MA DAS FONTES DO DIREITO

    Do conceito de estrutura na Sociologia e na Jurisprudncia O conceito de estrut ura no piano filosfico e no cientfico-posi tivo Natureza tios mode los jurdicos A teoria dos modelos ju rd icos e a das fontes formais Cinc ia do D ireito e Teor ia da Comunicao , .. , . , , , , .. Espcies de modelos jurdicos e sna correlao

    ENSAIO vm

    GfNESE E VlDA DOS MODELOS JURDI COS

    I - Duas especles de Ilormat ivismo jurdico Il - Nomognese jurdica

    IH - O nexo ftico-axiolgico - O fato e o direito IV - Problemas de semntica jurdica V - O tempo no Direito

    11

    11 III

    ENSAIO IX

    COLOCAO DO PROBLEMA FILOSF ICO DA INTERPRETAO DO DIREITO

    Do divrcio entre o filsofo do Direito e o jurista A perspectiva do fil sofo no processo hermenutico

    ENSAIO X

    PROB LEMAS DE HERMENfUTlCA JURDICA

    A interpretao como tema de Filosofia e de Teoria Geral do Direito A Hermenutica jurdica como cincia positiva Fenomenologia do ato interpretativo e objetividade

    IV O intrprete perante as intencionalidades objetivadas V Ato interpretat ivo e norma jurdica "".,.",. , , . , , ... , , , .

    VI lmperatividade e interpretao ""."""",."" ., ., .. , .. ",., VII Natureza axioIgica do ato interpretativo e sua condic ionalidade hist-

    rica """""" , .. ", ... , .. "., ... """,

    XI

    147 154 16 I 167 173 179

    187 192 200 209 218

    227 231

    235 237 239 241 245 248

    250

  • XJl MIGUEL RE A LE

    VfII - Logicidade concreta do ato interpretativo como exigncia de objetivao racional .. ... ..... ... ......... . ....... . ........ ".,'

    IX - Plenitude do ordenamento jurdico e pluralismo metdico "" . '" X - Interpretao e integrao normativa """".,. " "".", . ".,

    ENSAtO Xl

    EXPERlfNCIA MORAL E EXPERlfNCIA JURIOICA

    I - Duas perspectivas do problema II - Sentido da subjetividade da Moral e da objetividade do Direito ". ,

    IH - A moralidade do Direito .... . ... , ... , .. . ... " ... ". , ., . ,',., IV - Os corolrios da atributividade ... , ... . ...... . . .. .. ....... , . .. '.

    E NSAIO XII

    PENA DE MORTE E MISTRIO

    I - O problema da morte na conscincia contempornea ., .... , . .. , ... , II A morte e o conceito racional de pena .. "'."."""",, .. ,'

    UI A morte luz da filosofia existencial: Sneca, Agost inho, Heidegger e Sartre , . " .. .. , .. . ,., ... , ............. , ... , .... , .. . .. .

    IV - O absurdo da morte na gradao das penas ., ... . . , . . . ", . . ", .. '

    INDICE DOS AUTORES CiTADOS. , .. , . .. " ...... . . " . . . " ,,, ,

    252 255 257

    261 264 269 271

    277 279

    280 285

    289

    'l

    I NOTA INTRODUTRIA

    SUMRIO : I - Motivo da Edio Fac-similar; li - Momentos da Teoria Tridimensional do Direito; III - Lgica Jurdica Formal e Lgica Jurdica Dialtica; IV - O Problemtico e o Conjetural no Direito; V - Modelos do Direito: Modelos Jurdicos e Modelos Dogmticos; VI - Uma Antiga Conversa ainda Atual sobre o Presente Livro,

    I MOTIVO DA EDIO FAC-SIMILAR ~ 1. Quando a Saraiva, a fim de atender a pedidos chegados de

    todos os recantos do Pas, resolveu publicar a 2.a edio de O Direito como Experincia fiquei diante de uma alternativa : ou atualizar a obra, refundindo-a em alguns pontos para faz-la corresponder ao desenvolvimento de meus estudos, quase vinte quatro anos aps a primeira edio, ou, ento, manter o texto inalterado, feita apenas a correo de lapsos graves que o enfeiavam.

    Aps atenta releitura, optei por esta segunda soluo, porque me parece que o livro exige menos retificaes de fundo do que notas complementares, com remisso a tpicos de livros posteriores onde o assunto passou a ser versado com mais amplitude ou profundidade. Da a idia da presente Nota Introdutria, a exemplo da traduo italiana, mas com o objetivo especfico de salientar as conseqncias das investigaes por mim elaboradas com base nas concluses a que chegara em 1968.

    Na realidade, a presente obra tem a distingui-la o fato de ter operado, por assim dizer, como um divisor de guas na corrente de minhas pesquisas, abrindo meu esprito para problemas tanto de Fi-losofia Gral como de Filosofia e Cincia do Direito: alter-Ia subs-tancialmente significaria, pois, perder o nexo que suas razes guar-dam com os desenvolvimentos tericos, notadamente em razo da passagem de uma teoria da experincia jurdica para os amplos qua-dros de uma teoria da experincia em geral, objeto de Experincia e Cultura, publicado em 1977.

  • XIV MIGUEL REALE

    Nem mesmo me parece necessrio converter os Ensaios em Ca-ptulos, como se fez na edio italiana " por tel' o ilustre mestre que a dirigiu, o Professor Domenico Coccopalmerio, da Universidade de Trieste, considerado plenamente comprovado o travamento que une todos os estudos numa seqncia lgica essencial.

    Alm do mais, na inteligncia do autor, certos livros se revestem de uma configurao especial, de tal modo que nasce o receio de reto-c-los para no alterar-lhes a fisionomia . Problema, pois, de filiao espiritual que peo seja respeitada ...

    O que me comove saber que, depois de tantos anos, estando o livro esgotado, dele se faziam fotocpias para pesquisas de sem in-rios, ou para atender queles que cuidam da histria das idias jur-dicas no Brasil, onde sem dvida crescente o interesse pelos proble-mas de Filosofia Social e Jurdica, no somente em razo de novos cursos universitrios que conduzem interdisciplinaridade, mas tam-bm em virtude da insegurana que reina em nosso ordenamento ju-rdico positivo, impondo o exame de seus alicerces.

    Foi talvez a Filosofia do Direito o primeiro ramo filosfi co a adqUirir, em nossa Terra, dimenso prpria, projetando-se univer-salmente por seus valores prprios, muito embora em necessria e fecunda correlao com o dilogo das idias acima de distines de fronteiras ou de idiomas. Hoje em dia, outros campos lavrados por nossos "filosofantes", como o caso da Lgica Paraconsistente de Newton A. da Costa, atraem a ateno de pensadores aliengenas, adqUirindo, assim, a projeo j alcanada pelo Brasil no plano do Dire ito Positivo (nesse sentido bastaria o exemplo de Teixeira de Freitas) , na Msica, nas Letras, na Arquitetura e em alguns dom-nios da Cincia positiva.

    Espero que esta edio, com as notas que a acompanham, possa preencher a reclamada lacuna, contribuindo para a transladao esfera do Direito do esprito crtico de que andamos to precisados.

    II MOMENTOS DA TEORIA TRIDIMENSIONAL DO DIREITO

    2. A teoria tridimensional do Direito no surgiu de repente, desde logo plenamente constituda, mas veio sendo completada e aper-feioada ao longo do tempo, graas a um constante trabalho de auto-

    1. Tl ide MiGU EL REAL E - II dil'illo COllle esperiellza, Giuffre Editore, 1973, com Saggio il1ll'odul!ivo de DOMENICO COCCOPALMERIO.

    o DIREITO CO~IO EXP ERI NCl A xv

    crtica e tambm em funo da emergncia de novas diretrizes dou-trinrias no domnio da Cincia ou da Filosofia do Direito.

    claro que, corno si acontecer, essa teoria foi fruto de uma intuio inicia l, qURndo, ao consta ta r a persistncia de uma diviso tripartida da Filosofia do Direito para fins did t ;cos - desde o posi tivista Icilio Vanni at os neokantistas Giorgio Del Vecchioe Adolfo Hav -, me ocorreu perguntar se essa tripartio no ocultava um problema de luudo rela tivo estrutura mesma de fenmeno jurdico, a t ento no devidamente analisado.

    Essa primeira tomada de posi o ocorreu em 1940, com a simul-tnea publicao de duas obras bsicas na histria de meu pensamen-to jurdico, Fw/domentos do Direito e T eor ia do Direito e do Est:t -do ", de concepo geminada, corno foi bem observado , na poca, pOI' Waldemar Ferreira.

    Nesses dois livros j saliento a exstncia de trs elementos cons-titutivos, sempre presentes em toda experincia jurdica , a que deno-minei lato) valor e l/Ornla, segundo terminologia ao depois uni versa-lizada.

    Essa primeira colocao do problema traduziu-se numa correla-o esttica e a inda no plenamente esclarecida entre aqueles fa tores , paI' no ter ainda concebido o valor como elemento autnomo, no redutvel aos objetos ideais. S depois vria superar a "idea lidade axiolgica" de inspirao platnica estabelecida por Max Scheler e Nicola i Hartmann, cujas diretrizes ento seguia. Isto, porm, no me impediu de , pg. 26 de Teoria do Direito e do Est~doJ j poder afir-mar, em 19"10, que " da i nt3gmo elo f ato em um vlZcr que surfle t1 norma" , o que permitiu a Josef Kunz, em seu conhecido estudo sobre a Filosofia do Direito na Amrica Latina, referir-se "frmula Rea-le" como integrao normativa de fatos segundo valores, expresso primeira da tridimensionalidade.

    3. Foi nos anos seguintes, como o demonstram as sucessivas prelees taquigrafadas de meu curso de Filosofia do Direito, que mi-nhas idias sobre a tridimensionalidade vieram progressivamente se determinando, em virtude, em primeiro lugar, de uma reviso da teo-ria dos objetos de Frank Brentano com base numa compreenso 1'2"1-lista da distino kantiana entre ssr (Ssin ) e d%sr -ssr (SoZlen ), com o entendimento de que o que deve ser no pode deixar de conver ter-se em algum momento da histria, em algo de atualizado ou rea lizvel,

    2. O primeiro. tese com que me apresentei ao concur, o de Filosofia do Direito na hi strica Faculdade elo Largo cle So Francisco. apa receu como edic i' o pa rticu-lar (2." ed. da R el's!a dos Tribllna is. com am pla Int roduo de THEO PHIlO CA\ALC.~ N II FILHO) C o segundo fo i inic ia lmente publicado pela Livrar ia Mariins Edi tora. , enel o a 4. ' eel. da Editora Sara iva , reestruturada com todos os textos estra ngeiros traduzi-dos (1 984).

  • XVI MIGUEL REALE

    sob pena de esfumar-se como quimrica aparncia. Desse modo, o va-lor deixava de ser algo que (um dado lgico ou ideal) para passar a ser algo que deve ser (um dado deontolgico). No creio que essa mudana de enfoque seja irrelevante para um conceito autnomo de Axiologia.

    Por outro lado, minha anlise do problema do conhecimento le-vou-me a outra e complementar concluso quanto correlao essen-cial entre sujeito e objeto, exposta em termos ontognos301gicos, isto , como fatores em mtua e unitria dependncia. claro, penso eu, que nessa dupla correlao entre suj eito e objeto e ser e dever-ser est imanente uma dialtica de novo tipo, a dia!tica de complemen-taridade, por sinal que cada vez mais prevalecente no campo da Filo-sofia da Cincia, como viria a expor, detalhadamente,em meu livro Experincia e Cultura (1977). De tal modo, o objeto (meta do pro-cesso gnoseolgico) se convertia concretamente no objetivo visado pelo processo valorativo e tico, compondo em integralidade meu pen-samento filosfico, depois exposto na obra supracitada.

    Cabe notar que essas colocaes dos dados do problema ocorre-ram !':Ob a influncia crescente da fenomenologia de Husserl, mas em uma "viso histrica" que poucos a consideravam compatvel com a sua teoria transcendental. Sua obra pstuma A crise da Cincia euro-pia e a fencmenologia transcendental viria, porm, dar-me razo. Foi, assim, que surgiu o meu historicismo axiolgico, feliz denomi-nao dada a meu pensamento pelo fraterno amigo Luigi Bagolini, ao prefaciar a traduo italiana de minha Filosofia do Direito, que ele me deu a honra de traduzir conjuntamente com Giovanni Ricci. Na concepo histrico-axiolgica da vida humana, que, em minha experincia pessoal representava o superamento do historicismo de Benedetto Croce e Giovanni Gentile, a inda apegados dialtica hege-liana, j est implcita a dialetizao d3 fato, valor e norma, a qual, no dizer de Sanchez De La Torre, catedrtico da Universidade de Ma-drid, representou inovao fundamental no estudo do que h de fac-tual, normativo e axiolgico na experincia social e jurdica. Em ver-dade, to-somente quando os trs fatores so vistos como termos entre si dialeticamente correlacionados que se pode considerar (~l abor ada uma teoria fundada na estrutura tridimensional de qualquer segmento ou momento da experincia jurdica. Foi propriamente em 1952 que essa idia se me apresentou de maneira clara, sendo recebi-da com entusiasmo por Luigi Bagolini, ao retomar seu curso em nos-sa Faculdade de Direito.

    Como se v, minha Filosofia do Direito, cuja l.a edio de 1953, significa o ponto de chegada de uma longa e continuada pesquisa, muito embora interrompida por freqentes intervalos determinados por a tividades polticas e administrativas, a que os intelectuais no podem fugir, sobretudo nos pases do Terceiro Mundo. Alis, se os

    o DIREITO COMO EXPERINCIA XVII

    empenhos prticos, de um lado, nos afastam das elaboraes tericas, de outro, nos enr iquecem de senso do real concreto, alimentando e re-orientando as fases sucessivas de indagao.

    4. Compreende-se, desse modo, tambm sob o ponto de vista existencial, minha crescente simpatia pelo problema da concreo no processo histrico-social, em geral, e no processo jurdico em particu-lar, o que comea a se delinear de maneira positiva em meu ensaio pioneiro (modstia parte) intitulado Concreo de fato, valor e nor-ma no D ireito Romano Clssico", o qual , segundo me relatado por meu caro amigo Almiro Couto e Silva, que lhe ouviu as lies, em Heidelberg, era apresentado por Gerardo Broggini como uma das fon-tes da teoria da concreo jurdica.

    Pois bem, foi em O D ireito C011W Experincia que surgiu, em 1968, plenamente desenvolvida a minha viso C017CTeta ou experien-ciaZ da realidade jurdica, superando de vez no somente o formalis-mo jurdico, cuja mxima expresso foi Hans Kelsen, mas tambm todas as modalidades de compreenso unilateral do mundo jurdico, em contraposio frontal s recentes pretenses do neopositivismo ou do neo-realismo jurdicos, que, atravs de caminhos paralelos,preten-diam reduzir o Direito ao meramente factual.

    1968 foi um ano decisivo na histria de minha vivncia jurdica, repetindo 1940 no que se refere elaborao de duas obras gemina-das, ou seja , Teoria Tridi:m,.onsv ional do Direito e O Direito como Ex-perincia, ambas de Saraiva - Livreiros Editores. So livros que no podem ser compreendidos seno em essencial correlao, sendo o se-gundo, por assim dizer, continuao e especificao do primeiro como projeo no plano epistemolgico das idias gerais anteriormente fir-madas. Todavia, nem sempre se poder estabelecer essa correlao em termos de gnero e espcie, porquanto o desenrolar da pesquisa implica, de per si, ir freqentemente do genrico ao especfico, e vice-versa. Vista no seu todo, a apontada correlao me parece, no entanto, plausvel.

    , em suma, na presente obra que a correlao ftico-axiolgico-normativa se apresenta em sua concretitude. Esta pe-se no plano filosfico ou transcendental como momento da ontognoseologia jur-dica e do historicismo axiolgico - objeto da citada 1.a edio de Teoria Tridimensional do Direito -, mas se realiza como modalidade de estruturas sociais, ou modelos jnridicos no plano emprico da expe-rincia do Direito, o que explica o ttulo dado obra.

    Dessarte, cornpreenso filosfica vem acrescentar-se a com-preenso sociolgica, esta nas linhas da Sociologia estruturalista de

    3. Trabalho publ icado na Revista da Faculdade de Direito da USP, va I. 49, 1954, e inserto, depois, na 1: edio de Horizontes do Direito e da Histria , 1956, pgs. 58-RI.

  • XVIII MIGUEL REALE

    Talcott Parsons e Robert Merton, coincidentes , ali s, em vrios pon-tos, com as contribui6es renovadoras de Gilberto Freyre.

    A teoria dos modelos jurdicos eu a esbocei, inicialmente, em co-municao escrita para o Congresso Internacional de Filosofia, reali-zado em Viena, em agosto de 1968, apresentando-se j elaborada em seus pontos capitais em O Direito como EX]J9)'incia.

    Quando concordei em publicar a 4.a edio de Teoriu Tridimen -sional do Direito (1986), resolvi acrescentar-lhe um longo estudo des-tinado a atualiz-Ia, oportunidade em que tratei com mais profundi-dade do papel desempenhado pela Lebellswelt (o mundo da vida co-mum) de inspirao husserliana na vida e morte dos modelos jurdi-cos, consoante ser realado logo mais.

    O certo que a presente obra constitui um momento essencial em minhas renovadas investigaes, tendo representado ponto de par-tida para estudos posteriores, no s na esfera do Direito, mas tam-bm na tela da Filosofia Gerai, como o demonstra talvez a minha obra capital, Experincia e Cultura, recenteme!1te vertida para o francs 4. Nesse sentido, rogo ao benvolo lei tal' que estenda a este li-vro as referncias que encontrar a um meu escrito de 1966, intitula-do "Fenomenologia, Ontognoseologia e Reflexo Crtico-Histrica", porquanto ele foi o embrio de Experincia e Cultura,

    Apenas para completar a exposio dos momentos da teoria tri-dimensional do Direito, de seu Ensaio X sobre problemas de Herme-nutica Jurdica resultaram minhas ltimas pesquisas sobre os pres-supostos filosficos e a natureza da interpretao do Direito, luz do pensamento conjetural, tal como exposto em Estudos de 11' iloso-fia e Cincia do Direito (1978) e NOl;~1 11'((se do Direito Moder -no (1990).

    por todas essas razes que, ao se di spor a Editora Saraiva a fazer a 2.a edio de O Direito como E;xperincia, julguei mais con-veniente limitar-me reviso de lapsos da edio anterior , fazendo-a anteceder desta Nota Introdutria destinada a apontar os pontos que merecem correo ou complementos, luz dos ltimos desenvolvi -mentos de minhas pesquisas. Ver-se- que no teria sentido refundir algumas pginas de um livro que possui a sua dimenso histrica na evoluo de meu pensamento. O cotejo desta Nota com o texto de 1968 servir tanto para comprovar a evoluo como .3 contnua reviso crtica e as retificaes essenciais investigao cientfica, a qual, conforme conhecido magistrio de Karl Poppe!', se desenvolve segundo sucessivas tentativas e refu taes, o que no sign ifica que deva ser alterado o que ainda resiste ao erosiva do tempo.

    4. Cf. Exprience el Cu/une, Fondemelll d'1l11e Ih(oorie gllra/e de I'exl'riel1-ce, 1990, trad. de Giovanni DeIl'Anna, Editions Bire. Bordeaux, com prefcios de JEAN-MARC TRIGEAUD e CANDIDO MENDES.

    o DIREITO COMO EXPERINCIA XIX

    III LGICA JURDICA FORMAL E LGICA JURDICA DIALTICA

    ~ 5, Por ocasio do III Congresso de Filosofia Social e Jurdica, ocorrido em So Paulo, cujos Anais foram publicados sob o ttulo .Li-berdade, Participao, Comunidade" Roberto Vernengo, ilustre pro-fessor de Filosofia do Direito da Universidade de Buenos Aires, ofe-receu uma comunicao destinada a delinear a situao atual da L-gica Jurdica. Nesse trabalho R. Vernengo atribui posio de Carlos Cossio e minha, perante essa disciplina, mero valor de documentos histricos superados pelo rpido desenvolvimento dos estudos.

    Ele pode ter razo quanto a Cassio, que reduzia a Lgica JUl'di-ca Teoria Pura do Direito - o que deveras inadmissvel, muito embora Hans Kelsen tenha contribudo mais do que ningum para uma viso autnoma e geral do "normativo" com base na categoria de dever-ser -, mas no penso que a crtica seja procedente com relao ao que afirmo nos pargrafos 8 e seguintes do Ensaio II deste livro (pgs. 65 usque 74).

    Ou Vernengo tresleu o que escrevi, ou se deixou levar pela pai-xo neopositivista de no admitir outra Lgica alm da Lgica For-mal, Simblica, Matemtica ou que melhor nome tenha, no admi-tindo, pai' preveno, a Lgica Dialtica ou Concreta.

    Penso que as dvidas por mim suscitadas, em 1968, sobre o al-cance da Lgica Jurdica, enquanto Lgica das estruturas proposicio-nais do Direito, ainda no foram de todo superadas, como o demons-t ra o inquietante dilogo travado entre Hans Kelsen e Ulrich Klug, que levou o Mestre da Teoria Pura s surpreendentes concluses con-tidas em sua obra pstuma, 7'eoria Geral das Norm'J.s ".

    6. A Lgica Jurdica formal, tal como hoje em dia enten-dida, tem uma histria recente, adquirindo perfil mais ntido a par-tir dos estudos de Dentica Jurdica estabelecidos com base nas decisivas contribuies sobre a teoria das normas de Von Wright, o qual em 1951, por sugesto de Broad, passou a usar o sintagma Deontic Logic como ttulo de seu j clssico ensaio sobre sistema formal de lgica dos modos denticos obrigatrio, proibido ou per mitido.

    Como nos lembra Tecla Mazzarese, Norberto Bobbio, em 1962, em Diritto e Logica) j indagara da possibilidade de serem respon-didas pela Dent ica Jurdica, enquanto memento da Lgica Jurdica, estas duas perguntas: a) " possvel, e em que condies, uma v-lida inferncia entre normas?"; b) "Quais so as caractersticas de

    5. Cf. Edio do IN STITUTO BRASILEIRO DE FILOSOFIA, So Paulo, 1986. 6. ef., sobre o ass unl o, MIGUEL REAI.E - N o !a Fase. do Direi10 i\1odemo,

    So Pau lo, 1990, pg. 201 , no estudo in titulado "O terceiro Keisen" .

  • xx MIGUEL REALE

    um sistema jurdico e em que condies se pode falar de um orde-namento jurdico como sistema?" ' . Pois bem, so esses dois quesi-tos que Tecla Mazzarese, com base em anlise da linguagem jurdica, considera ainda no resolvidos satisfatoriamente pela Dentica Ju-rdica B.

    Comparada com essa atual atitude dubitativa, no se poder negar que, em 1968, eu revelava posio mais otimista perante a Dentica Jurdica, da qual esperava, como se pode ler pg. 68, "preciosas contribuies determinao dos conceitos jurdicos, da estrutura da norma jurdica, do silogismo prtico e dos nexos de inferncia entre as proposies normativas, em geral, bem como elucidao das figuras de qualificao jurdica e das condies in-dispensveis configurao do Direito como 'sistema' e 'ordena-mento' li.

    Esclareo, no entanto, que, na mesma pg. 68, declaro ser "evidente que a Lgica Jurdica formal no pode deixar de fazer abstrao do varivel oontedo axiol6gico das regras de direito, assim como de sua mutvel corulicionaZidade ftica", o que no ex-clua a possibilidade da formalizao normativa chegar a levar em conta, vetorialmente, a existncia da realidade factual ou valorativa do Direito no seu todo} sem imiscuir-se na infinita variabilidade dos fatos e valores. Neste ponto, confesso que fui surpreendido pelos recentssimos trabalhos de fornwlizao dual (a norma em funo do valor) ou mesmo trina (a norma em funo do fato e do valor) resultantes da aplicao ao mundo do Direito da Lgica Paracon-sistente, um de cujos fundadores o grande lgico brasileiro Newton A. da Costa. Nem demais lembrar que nessa tarefa pioneira co-labora por sinal tambm Roberto J. Vernengo, ao lado de Leila Zar-do Puga e outros. Quanto formalizao da teoria tridimensional, bastar referir-me ao estudo de Leila, que a analisa sob o prisma da Lgica Paraconsistente 9.

    Como se v, houve e continua a haver inegveis progressos na tela lgico-jurdica, mas sem desmentido de minhas colocaes ini-ciais do assunto quanto ao que, no Direito, transcende o aspecto pro posicional.

    Todavia, o que me parece fora de contestao que a Lgica Jurdica formal no cobre, nem pode cobrir, todos os momentos do processo normativo peculiar experincia do Direito, quer no que se refere gnese dos modelos jurdicos e suas mutaes, por tratar-se de um sistema normativo dinmico cheio de insurgncias e recor-rncias; quer no tocante aos problemas de validade e eficcia; quer

    7. Diritto e Logica, 1962, pgs. 25 e segs. 8. TECLA MAZZARESE, Logica Deolltica e /inguaggio giuridico, Pdua, 1989,

    pg. 3 e passim. 9. Cf. LEILA Z. PUGA - "A Lgica dentica e a Teoria Tridimensional do Di

    reito", em Revista dos Tribunais, 1988, vol. 634, pgs. 36 e segs.

    o DiREITO COMO EXPERINCIA XXI

    no concernente sempre aberta captao hermenutica de seus significados; quer quanto aos critrios de sua aplicao judicial, e, por fim, no que se refere s exigncias lgicas que presidem a tc-nica da argumentao e de persuaso, objeto de conhecidos estudos de Perelman, Viehweg e Esser. Para esse amplssimo e variegado campo da experincia jurdica que, a meu ver, torna-se necessrio recorrer a processos dialticos, cuja variedade e amplitude ponho em realce em Experincia e Cultura. .

    No vejo razo, pois, para alterar o que escrevo, de pgs. 70 a 74, sobre uma distino fundamental entre Analtica e Dialtica JurlicaS) sobretudo depois que foi superado o monoplio marxista na matria, reconhecendo-se outras modalidades de dialtica, cuja frente situo a dia/.tioa d,e cmnplementaridade como a mais prpria ao mundo do Direito. Nem de somenos salientar a correlao exis-tente entre essas duas ordens de mtodo e de pesquisa, como assina-]0 na parte conclusiva do Ensaio UI.

    IV O PROBLEMTICO E O CONJETURAL NO DIREITO 7. Tenho para mim que a evoluo de meu pensamento no

    obedece a mutaes bruscas, mas antes a uma demorada vivncia dos problemas. o que se pode notar quanto ao assunto tratado no Ensaio VI deste livro, onde me refiro aos estudos, em cuja modernidade manifesta, sobre a natureza problemtica ou dogm-tica da Cincia do Direito, entendido, claro, o termo "dogmtico" em seu sentido tcnico, isto , como enunciao ela norma jurdica a ser seguida) em virtude de uma deciso do poder, que pe f im) lJelo menos provisoriamente) s opes espontneas do processo nor-mativo.

    Como explico, no mencionado Ensaio, o momento normativo do Direito - que pode ter incio no mbito da sociedade civil para, aos poucos, merecer a ateno do legislador ou dos rgos jurisdi-cionais, para distinguirmos entre Civil Law e CCYrnmon Law - uma das expresses mais significativas do processo geral de objetiva-o) ou melhor, de objetivizao de formas de sentir, pensar e que-rer, mediante as quais o homem se afirma como indivduo ou como membro de uma coletividade.

    Sem se converter em algo de objetivo ou de heternomo, ou seja, em algo dotado por si mesmo de validade e eficcia, o ato hu-mano se esfuma ou se esvai, sem deixar sinal de si. A objetiviza-o - que o ato de tornar algo objetivo, distinto do sujeito cria-dor - , como penso ter demonstrado em vrios escritos, mas sobre-tudo em Experincia e Cultura) o ato nomottico fundante sem o qual as obras do homem no se transfeririam de gerao a gerao

  • XXII M!GUEL REA LE

    no processo civilizatrio. que, se um ato dotado de per si de validade e eficcia, pelo menos como potencialidade, ele culmina em alguma forma objetiva, que pode ser tanto uma frmula cientfica quanto um poema, tanto uma obra de arte quanto um enunciado normativo, uma regra destinada a disciplinar uma classe previsvel de aes futuras.

    Ao contrrio da afirmao de N. Hartmann, que v nas objeti -vizaes um ato de resfriamento, por assim dizer, do " esprito snb-jetivo", entendo que elas o potenciam, no apenas porque assegu-ram durao s suas criaes, mas tambm porque permitem a in-tercomunicao e o confronto com as objetivizaes oriundas dos demais homens, constituindo, assim, a ponte e a base do desenvol-vimento material e espiritual. No h dvida que as obras instaura-das, aquilo que Hartmann denomina hegelianamente "esprito obje-tivo", pode converter-se em fator de resistncia ou de empecilho a novos atos institutivos, mas, em geral, ele opera como plataforma a partir da qual o homem se lana a novos vos.

    Atravs de mltiplas modalidades de comportamento (acordo de vontades no plano negociaI; reiterados modos de ser e de enten-der consolidados em usos e costumes, convergncia de julgados de rgos jurisdicionais e, por fim, a deciso do legislador) desenvol-ve--se a experincia normativa do Direito, a qual tende sempre a converter-se em parmetros ou paradigmas, cuja luz possam ser aferidos os contratos, obedecidos os costumes, cumpridas as sen-tenas e as leis.

    8. Ora, perante esses processos mltiplos e incessantes de "normativizao da vida humana" h os que optam por um entendi-mento aberto, dando um sentido problemtico at mesmo s solues resultantes de um acordo de vontades privadas ou de uma deciso do poder pblico, cuja provisoriedade proclamam ; h os que, em campo oposto, enaltecem o valor primordial do decidido (fonte pri-meira de todos os tipos de "decisionismo") e atribuem mero valor preparatrio a tudo aquilo que antecede a formulao da norma imperativa, e so os que conferem valor primordial Dogmtica Jnrdica; e, em terceiro lugar, figuram aqueles que no vem con-traposio entre probZema e dogma jnrdico (entenda-se: norma ju-rdica obrigatria posta por ato de autoridade) e, por via de conse-qncia, entre problema e sistema, convictos de que este no supera aquele, pela simples razo de no se poder compreender o sistema com abstrao de todos os problemas que lhe deram causa.

    claro que a cada uma dessas diretrizes fundamentais corres-pondem tambm trs tipos de obrigatoriBdade jurdica, a qual pu-ramente indicativa, segundo pensam os primeiros (natureza facul-tativa da norma jurdica, certificvel em cada caso); enquanto imperativa, no entendimento dos segundos, como expr3sso do que-rido e decidido (natureza imperativa da norma jurdica, de per si ,

    o DIR EITO COMO EXPERINCIA XXlIl

    erga omnes) ; sendo, para os que se alinham na terceira poslao, uma obrigatoriedade desvinculada da vontade de quem pe a regula iuris, em virtude de seu contedo essencialmente axiolgico, deven-do, pois , o dogma legal ser recebido, como e~crevo pg. 134, "no como um contedo ordenado e rgido, mas como um sentido de ao que objetivamen:- deve ser valorado e concretamente experiencia-do", podendo-se afirmar que "o poder queda, de certa forma, envol-vido pela norma que ele acaba de positivar", inserindo-se no con-texto normativo a que ps termo em virtude de sua super ior opo.

    ~ 9. Pois bem, foi a meditao dessa complexa problemtica que aos poucos me levou a analisar o pensamento problemtico como tal, objeto de um pequeno livro, Verdade 3 Conjetura, que de 1983, o qual influiu em Nova Fase do Direito Moderno, no que se refere natureza conjetura I de categorias jurdicas fundamentais, como a de pessoa humana, a da obrigatoriedade da lei mesmo para os que a ignorem; a unidade e as lacunas dos sistemas e ordenamentos ju-rdicos.

    claro que, se fosse tratar, hoje em dia, dos temas ventilados no Ensaio VI, os analisaria mais diretamente luz do "pensamento conjetural", muito embora j tivesse , em 1968, plena conscincia do valor do "problemtico" na vida social, em geral, e na jurdica em particula r, dado reconhecimento da radical historicidade do ser humano, ao qual inerente o valor da liberdade, muito embora nenhuma responsabilidade tenha quanto sua chegada onde e como no Mundo.

    Ora, meus estudos sobre a conjetura, a partir sobretudo das referncias de Kant ao pensamento problemtico - ponto de sua doutrina bem pouco analisado -, chegaram a algumas concluses que me permito aqui enumerar:

    a) a conjetnra no se confunde nem com o quimrico nem com o arbitrrio, mas corresponde antes a um jnzo de plausi-bilidade) fo rmulado em isonomia com a experincia) de tal modo que dura enquanto esta com ela se harmoniza;

    b) a conjetura no corresponde a um juzo aleatrio ou even-tual, mas nasce, ao contr rio, da necessidade de atender a certos reclamos expel' iencia is que a cincia desconsidera por estarem alm de suas possibilidades certificadoras ou veri-ficadoras;

    c) a conjetura possui um statns epistemolgico prprio, no se confundindo com a probab ilidad e, cujos dados numricos so certificveis ou previsveis, nem com a analogia. que obedece a parmetros racionais prprios, de procedncia ou viabilidade;

    d) a conjetura, no obstante a problematicidade que a envolve,

  • XXIV MIGUEL REALE

    alberga uma compreenso de sentido vlida tanto no plano da Cincia como no da Metafsica;

    e) a conjetura, na tela cientfica, s vezes opera como uma "suposio", uma "hiptese imaginria", ou uma "fico", a partir da qual se pode chegar a formas de conhecimento verificveis 10.

    Penso eu que, com tais colocaes do problema, superam-se mui-tas das razes da contraposio rigidamente firmada entre problema e sistema, em virtude do que neste h de conjetural; em ltima anli-se, um sistema uma ordenao conjetural de problemas que visa tanto a compreend-los como a possibilitar o advento de novos pro-blemas, assegurando a continuidade da cincia, a qual no tem ape-nas uma finalidade gnoseolgica, mas tambm o fim tico de aper-feioamento humano.

    No que tange questo particular da obrigatoriedade objetiva do Direito, de que trata o Ensaio VI, o pensamento conjetural me parece ser de grande valia, pois a exigibilidade de sujeio lei da-queles que a ignoram somente se legitima luz de um postulado da razo prtica jurdica, uma vez que admitir o contrrio importaria no absurdo de subverter-se toda a ordem jurdica, sem a qual a so-ciedade pereceria. Ora, todo postulado, luz da Epistemologia con-tempornea, essencialmente um como se, um ais ob ou als if, admi-tido em razo do absurdo a que nos levaria a tese oposta, operando como "hiptese de trabalho", conforme feliz terminologia de Claude Bernard.

    V MODELOS DO DIREITO: MODELOS JURDICOS E MODELOS

    DOGMATICOS

    10. Uma das partes fundamentais, e, a meu ver, mais OrIgi-nais do presente livro refere-se colocao da experincia jurdica em termos de "estruturas normativas" ou "modelos jurdicos".

    no Ensaio VII que procuro demonstrar que a vida do Direito no se desenvolve com referncia a modelos abstmtos postos ab extra, por um ato de autoridade, mas sim como uma contnua "pro-vao" ou "experimentao" de modelos concretos, onde o formal necessariamente se casa ao contedo, sendo observveis, nesse pro-cesso, avanos e recuos, ou, como diria Gilberto Freyre, surgncias, insurgncias e recorrncias.

    10. Sobre todos esses pontos, v. MIGUEL REALE - Ve rdade e Conje/lIra, Rio de Janeiro, 1983.

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    o nIREITO COMO EXPERINCIA XXV

    claro que, no plano puramente lgico, podemos conceber mo-delos jurdicos como idealdades de referncia, operando como par-metros ou paradigmas hermenuticos ideais, mas no creio que na vida comum do Direito tais entes espectrais possam ter importncia decisiva, por mais que a utopia possa interferir nos meandros da histria. Preferi entrar em contato com a modelagem jurdica que a humanidade vem realizando desde a tomada de conscincia de seu ser social ou de seu ser coletivo, do qual defluem pretenses e deve-res recprocos entre os consociados.

    Sempre me impressionou o fato de que o povo criador do Direito no foi um escravo da lei, como mandamento do Estado, mas antes um criador de frrnulas ordenadoms no bojo da sociedade civil mes-ma, medida que os fatos iam ditando e a necessidade ia exigindo solues normativas, "factibus dictantibus ac necessitate exigente". Eram os jurisconsultos que forneciam aos litigantes a formula iuris que o pretor, armado de auctoritas (e podia ser leigo em Direito), convertia em norma iuris atravs de sua deciso fundada em crit-rios prticos de bom-senso.

    Por iguais razes, tenho especial simpatia pelo Comrru:m Law, que no "a lei comum", como se poderia supor, mas sim "o direito comum" que emerge das intencionalidades e comportamentos indivi-duais e coletivos, cuja juridicidade os tribunais vo consagrando.

    Pois bem, ante essa viso concreta de modelos jurdicos elabo rados na imanncia social, pareceu-me, num primeiro momento, que estes acabariam por substituir as tradicionais fontes do Direito, con-sideradas fontes exauridas, no 9 do referido Ensaio. A esse respeito, houve duas alteraes significativas em meu pensamento. Em pri-meiro lugar - como se pode verificar sobretudo em minhas Lies Preliminares de Di1'eito (l.a ed., 1973), onde se compendia grande parte de minha Teoria Geral do Direi to - , preferi conservar o termo fontes do direito para designar as categorias formais atravs das quais os rrwdelos jurIdicos se revelam, ou, por outras palavras. as formas tipificadoras da modelagem experimental do Direito.

    Vistas a essa luz, fui levado a distinguir quatro formas de fontes do direito, a saber: a legal, a consuetudinria, a jurisdicional e a negociaI, no incluindo entre elas a doutrinria ou "o Direito dos juristas" (Juristenrecht).

    11. que, consoante entendimento posterior, somente se pode falar em fonte do direito quando uma estrutura normativa dotada de Poder de obrigar seus destinatrios a cumprir o que nela se de-termina. No caso da lei, esse Poder obviamente o Legislativo; no caso do direito costumeiro, o Poder difuso correspondente ao con-substanciado em reiteradas e convergentes opes jurdicas objetivi-zadas; na hiptese do Direito jurisdicional, o Poder Judicirio; e, finalmente, na hiptese das fontes negociais, temos a autonomia d':1 vontade, isto , "o poder individual de ligar-se a outrem por um ato

  • XXVI MIGUEL REALE

    de vontade", pouco importando que seja um poder derivado, resul-tante da lei e por ela assegurado, porquanto o que releva a natureza do liame e a atualizao especifica da faculdade genericamente outor-gada pelo legislador.

    Pois bem, so as fontes que pem i.n esse os modelos jUl'dicos, os quais se apresentam como "estruturas normativas de fatos segun-do valores, instauradas em virtude de um ato concomitante de esco-lha e prescrio" " .

    A diferena essencial entre umas e outras que as fontes so retrospectivas, remontam s nascentes de que emergem os modelos jurdicos, enquanto estes so prospectivos, voltados para a realizao futura dos objetivos que lhes deram nascimento. Resulta da uma mudana radical no processo hermenutica, que no fica retrospec-t ivamente apegado s fontes ( "inteno do legislador", ou "in-teno da lei", por exemplo), mas prospectivamente orientado no sentido dos fi.ns paradigmaticamente enunciados nos modelos jur-dicos.

    Costumo, a esse propsito, lembrar, como o notou Wolf Paul, que Kad Marx, assistindo s aulas de Savigny, criticou-o por inter-pretar o Direito remontando s suas nascentes, e no segundo o fluxo das guas do rio no qual o homem se situa navegando em seu barco. Eis a uma verdade marxista que flutua no obstante o nau-frgio do socialismo real ...

    No ser demais observar que nessa viso da experincia jurdi-ca a compreenso axiolgica da vida do Direito se converte natural-mente em compreenso teleolgica, mesmo porque, no meu entender, o fim no seno o valor racionalmente reconhecido como objetivo da ao. por isso que, enquanto o mundo sempre agitado e impre" visvel dos valores - no obstante a existncia de invariantes aX'iol-gicas - desafia nossas foras intuitivas e racionais, o mundo dos fins resulta de uma filtragem racional daquilo que valorado, im-portando numa opo intelectual por um dos caminhos possveis: essa a razo de ser da norma jurdica, a qual se pe sempre como um dado racional destinado a ser racionalmente interpretado, ainda que no possam e no devam ser olvidados os motivos axiolgicos que lhe deram ser, mesmo quando tisnados de irracionalidade. O que cabe razo realizar o superamento das contradies inerentes ao mundo das estimativas, o que s possvel em termos de razCJ concreta ou de razo dialtica (na qual a razo argumentativa se insere) decidindo sobre os critrios que devem ser seguidos na apli -cao da norma jurdica, na medida de sua elasticidade axiolgica, at que surja a necessidade de sua revogao formal.

    11. Cf. Lies Preliminares de Direito (I.' ed., 1973, e 19.' ed., 1991 ) cap o XV.

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    o DIREITO CO M O EXPERI NCIA XXVII

    Essas consideraes vm reforar o j dit o sobre a minha com-preenso concreta, por seu contedo (contenutstica, diria um juris-ta peninsular ), dos modelos jurdicos, cuja absoluta positividade necessrio salienta r, para que se no confunda o modelo com um ente ideal, concebido abstratamente alm da experincia.

    Tudo isso implica nova compreenso da Hermenutica Jurdica , j delineada nos Ensaios IX e X, numa viso de integralidade, ae mesnw tempo lgica, ax iolgica e histrico-social, que s aparente-mente pode ser equiparada ao mtodo histrico-evolutivo que mar cou o ponto mais avanado a que poderia chegar a Jurisprudncia clssica, na passagem do plano dos conceitos para o plano dos inte-resses .

    Como o problema dos modelos jurdicos inseparvel de sua exegese (a Hermenutica , penso eu, uma das partes fundamentais da Axiologia), peo que a leitura dos dois Ensaios supracitados seja completada pelo que escrevo sobre "Hermenutica estrutural" em meu livro Estudos de Filosofia e CinC'ia do Direito.

    12. No haver mal, todavia, em referir-me ao papel que o conceito de Lebenswelt (mundo da vida cornum) passou a desempe-nhar, a meu ver, na exegese dos modelos jurdicos, a fim de compreen-der-se melhor suas variaes semnticas at a sua revogao ou des-consti tuio.

    A noo de Leben",welt, ou do mundo da vida comum, ao qual me refiro pg. 40, segundo alguns remontaria idia de Common 8eme subtilmente elaborada em termos psicolgicos pelos filsofos escoceses do Sc. XVIII. Husserl emprega-a, porm, em sentido de condio tra nscendental da existncia do homem comum, que somos todos ns, em nossas relaes sociais, donde ser essa idia apresen-tada como fonte inspiradora da filosofia de Heidegger.

    Por Lebenswelt, inspirando-me em Husserl, entendo o complexo das formas de ser, de pensar e de agir no c.at.egorizadas (isto , no estadeadas em formas objetivas, como as das artes e das cincias) que condiciona, como conscincia histrico-tra nscendental, a vida co-munitria e a vigncia de suas valoraes, muitas delas devidas ao refluxo ou reflexo das forrnas objetivas no plano da vivncia coletiva. No se trata, note-se bem, de um estgio larva r ou incipiente desti-nado a evoluir para formas categorizadas superiores, mas sim de uma condio existencial constante, a qual varia incessantemente de contedo, mas nunca deixa de existir como o grande envoZ'l'en te social, no qual acham-se imersos os indivduos com suas obras e instituies. Poder -se-ia dizer que a Lebenswelt condiciona o mundo da cultura, no sentido antropolgico desta palavra, se ela no fosse um dos seus elementos constitutivos, em correlao essencial e com-plementar com as refer idas formas categorizadas das cincias e das artes.

  • XXVIII MIGUEL REALE

    Ora, sendo o Direito uma das dimenses da vida humana, seus modelos jurdicos e dogmticos esto sempre na dependncia das mutaes operadas na Lebenstvelt. O Direito, em suma, tanto no seu evolver como na sua hermenutica, no pode deixar de ser influido pela Lebenswelt, assim como esta recebe tambm influxos a partir das estruturas jurdicas e das conquistas da Cincia do Direito. o que procuro explicar na parte final da 4.a edio de Teoria Tridi-mensional do Direito, de 1986, cuja leitura seria complemento natu-ral do presente livro.

    13. Outro ponto que desejo realar, a propsito do assunto desenvolvido no Ensaio VII, 7, uma alterao de natureza termi-nolgica.

    Aps a publicao de Lies Preliminares de Direito, venho dando ao termo "Modelos do Direito" um sentido genrico que abran-ge duas espcies, a dos modelos jurdicos e a dos modelos dogmti-cos. Neste livro, ao contrrio, os modelos elaborados pela doutrina, isto , pela Cincia do Direito, so impropriamente denominados "modelos do Direito" ou "modelos dogmticos", motivo pelo qual se torna necessria uma releitura da pg. 163, atualizando-se a respec-tiva terminologia, ficando assente a seguinte diviso:

    M. d l d " {a) modf3los jurdicos, dotados de for-o e os o D1.rm,to a prescritiva' (estruturas normativas ' da experincia jurdica) b) medelo.s dog~ticos, dotad?s de

    fora t1uilcatwa ou persuaswa. A cincia dos juristas pode, em suma, elaborar modelos tericos

    indispensveis compreenso dos modelos jurdicos, mas, alm de no poder fazer abstrao destes, tem por finalidade estabelecer o que os modelos jurdicos significam ou devem significar: em rela-o aos modelos jurdicos, portanto, os modelos dogrnticos repre-sentam uma metalinguagem jurdica: so, fundamentalmente, um discurso sobre modelos jurdicos, sua estrutura lgica e axiolgica, suas variaes semnticas e pragmticas, e sua lacunosidade nos sistemas e subsistemas que compem o ordenamento jurdico.

    Por a se v que acentuo mais ainda as razes pelas quais no considero a doutrina uma fonte formal do Direito, visto como os modelos tericos que ela constitui se acham desacompanhados de ga-rantia do Poder, sem cuja deciso no se instaura nenhum modelo jurdico como tal.

    claro que, no plano factual, a alta significao de uma tese doutrinria pode levar os tribunais a decidir em consonncia com ela, preenchendo as lacunas dos modelos jurdicos legais e negociais, ou interpretando-os de maneira renovadora, mas, nesse caso, como no Common Law, o entendimento terico ganha fora prescritiva graas ao Poder Judicirio, provocando reformas no Poder Legisla-tivo.

    o DIREITO COMO EXPERINCIA XXIX

    Nesse entendimento, como alis realo no 15 do Ensaio VII, no diminuo, mas antes enalteo, a funo dos modelos dogmticos, cuja fnalidade determinar: a) como as fontes podem produzir mo-delos jurdicos vlidos; b) que que esses modelos significam; c) como que eles se correlacionam entre si para compor figuras , institutos, subsistemas e sistemas, tudo na unidade lgico-axiolgica do orde-namento jurdico nacional. Se, efetivamente, a misso mais imediata dos juristas determinar o que os modelos jurdicos signifcam, no menos certo que, por razes de Poltica do Direito e pelo prprio evolver da Cincia Jurdica, cabe-lhes abrir primeiramente o caminho para a revogao dos modelos jurdicos tornados inadequados e sua substituio por outros mais correspondentes s necessidades ma-teriais e espirituais do povo.

    Essa posio de vanguarda do Juristenrecht incontestvel, de-vendo-se reconhecer que os jurisconsultos brasileiros, de Ribas a Teixeira de Freitas, de Lafayette a Clvis, de Rui ou Pedro Lessa a Pontes de Miranda, tm sabido corresponder a esse nobre mandato intelectual.

    A irredutibilidade dos modelos dogmticos s estruturas das fon-tes formais e dos modelos jurdicos, longe de cercear-lhes plena li-berdade investigadora, vai compondo, aos poucos, o horizonte terico dentro do qual se desenrola o drama da experincia jurdica nacional.

    Que misso poderia haver maior que essa?

    VI UMA ANTIGA CONVERSA AINDA ATUAL SOBRE O

    PRESENTE LIVRO

    Editado, em 1968, O Direito como Experincia, provocou ele incontinenti a ateno dos cultores do Direito do Pas, com a publi-cao de artigos que enalteceram seus mritos, mas formularam cr-ticas e observaes que me pareceram merecedores de resposta, a que dei o ttulo de Conversa C01'n meus crtioos, tal como consta do fascculo 74 da Revista Brasileira de Filosofia, do segundo trimestre de 1969, pgs. 231 e seguintes.

    Os trabalhos a que me refiro nessa resposta - a qual, por sua atualidade, julgo de bom alvitre apresentar como complemento s consideraes anteriores, conforme a rtigos constantes do mesmo fas .. cculo da RBF - foram de autoria dos saudosos amigos e colegas Leonardo Van Acker e Theophilo Cavalcanti Filho, que escreveram, respectivamente, sobre Experincia e epi~temologia jurdica e A re-volta contra o fornwli~mo jurdico e o problerna da experincia. Os demais artigos foram escritos por Renato Cirell Czerna - Funcio-nalidade histric-C1..utural e antiformalismo; Irineu Strenger - Dia-

  • xxx MIGUEL REALE

    ltica da experincia jurdica; e Trcio Sampaio Ferraz J r. - Algu-mas observaes em tornada cientificidade do Direito segundo Mi-guel Reale.

    Foi esse, sem sombra de dvida, um momento que veio confir-mar a maturidade dos estudos de Filosofia do Direito no Brasil.

    Eis a parte essencial do mencionado texto, atualizada apenas a sua ortografia:

    Fundao da Cincia do Direito

    "A colocao da cientificidade do Direito em termos de expe-rincia resultou de exigncias intrnsecas ao desenvolvimento da pesquisa, ditadas pela necessidade de atingir um conceito de Cincia Jurdica que seja to concreto como concreto se me afigura o Di-reito na concretitude da experincia social e histrica.

    No vi razo para, como intrito do livro, relembrar os pressu-postos de minha posio ontognoseolgica, preferindo reportar-me a trabalhos anteriores, a fim de concentrar a ateno do leitor no mbito de sua projeo 'epistemolgica'. Eis aqui um ponto, a meu ver, capital, este da EpistemOlgica como especificao do processo ontognoseolgico.

    Pe-se uma correlao essencial entre processo ontognoseolgico e processo histrico-cultural, sem que, isto no obstante, um se re-duza ao outro. O realismo ontognoseolgico realismo na medida e enquanto a sUbjetividade transcendental outorga sentido ao real, em funo de estruturas imanentes a este; e ontognoseolgico enquan-to o objeto s o por sua essencial correlao conscincia mesma. A essa luz, a antinomia entre 'realismo' e 'idealismo' passa, por assim dizer, a um segundo plano, prevalecendo o sentido de unidade do pro-cesso em que a conscincia e a realidade concretamente se correlacio-nam. Poder-se-ia mesmo dizer que a funcionalidade ent re os dois termos, o sujeito e o objeto, opera como sntese a priori condicio-nante de um processo cognoscitivo e, ao mesmo tempo, prtico, mar-cado pelo sentido dialtico de complementaridade.

    Poder-se-ia dizer que no 'envolvente ontognoseolgico' se suce-dem os momentos distintos de objetivao, no se podendo sequer considerar o dado empirico como sendo de todo independente do su-jeito cognoscente: mesmo aquilo que percebido e captado como 'dado natural', num esforo metdico de despersonalizao, no pode, enquanto objeto, deixar de se situar no mbito ontognolgico, o que torna impossvel a absolutizao da cincia como 'positividade', bem como torna precrio todo formalismo 'a se stante'.

    dentro dessa compreenso integrante que o processo histrico-cultural assinala os momentos da objetivao cognoscitiva, revelan-

    o DIREITO COMO EXPERINCIA XXXI

    do-se como 'experincia', na qual se insere a 'experincia do Direito' . Esta cOlTesponde, pois, a um caso particular e a um momento da objetivao progressiva do esprito humano enquanto instaura as 'es-truturas da cincia' , recortando-as no plano 'infinitamente determi-nvel' daquilo que se supe fora dele como 'natureza', isto , como dado no consti tudo , mas oferecido fonte espiritual doadora de sentido, para s ento se apresentar como Objeto.

    A esse ato fu ndamental de concreo e de 'con-crao' denomi-no 'ato objetivaI/ te' , que o ato fundante da cincia, a qual s pos-svel na medida em que a estrutura da 'expresso', intersubjetiva-mente comunicvel, no mera cpia, nem adequao extrnseca a algo, mas antes um modo necessrio de ser de algo. Por outras pa-lavras, onde no h objetividade no h Cincia; e toda Cincia 11 objetivao de algo 12.

    Posta a questo nesses termos, pareceu-me que, sob o ngulo da tarefa que me havia proposto, - que era a de determinar a 'fun-dao da Cincia do Direito', - a questo primordial se resumia em saber qual o processo de 'objetivao' da experincia jurdica no quadro de uma concreta compreenso objetiva.

    Para tal anlise, comecei por propor-me o problema da 'experin-cia tica em geral' , afrontando um tema que Kant deixara num ver-dadeiro beco sem sada. Teria sido mais fcil tomar o problema como resolvido , como o tm fe ito em geral os socilogos, subentendendo solues de carter emprico, mas me pareceu que nas obras dos neo-kantianos, de Cohen, Natorp e Cassirer, assim como nas medi-taes que se desenrolam de Husserl a Scheler, Hartmann e Hei-degger, que mais viva se faz senti r a necessidade de superar-se o restrito conceito de experincia de Kant, sem resultar afetada, mas antes integrada lu:t nova soluo, a contribuio do mesmo J(ant re-lativamen te s condi3s lgicas do saber cientfico.

    Foi a essa luz que cheguei concluso da possibilidade de uma 'cincia do social' , em geral, pOr ser possvel e, mais do que isto, imprescindvel, a categorizao autnoma de uma 'experincia de humano', complementarmente s 'experincias do natural'. O concei-to de 'causalidade rnotivacionaZ' , inspirada por Husserl, mas no integralmente correspondente ao seu ainda impreciso enunciado, jul-guei ser o capaz de dar-nos a compreenso da 'experincia tica' , e da jurdica em particular, como distinta e autnoma modalidade de experincia.

    O passo sucessivo nessa anlise, - que se desdobra ao longo dos Ensaios , constituindo a linha interna que os integra em unidade, -consistiu em ver a experincia jurdica como 'processus', valendo-me

    12. Esses pontos sobre a objetivario como momento ess;ncial do conhecimento cientfi co foram objeto de estudo especial em Experincia e Clt/tura. cit. (nota de 1992).

  • XXXII MIGUEL REAlE

    da concluso a que j chegara em minha Filosofia do Direito, cuja segunda parte toda dedicada Ontognoseologia Jurdica, bem corno em outro livro, publicado corno preparatrio do ora criticado (Teori TridimensionaL do Direito), de que a realidade jurdica se mostl'a, em sua estrutura, corno urna composio dialtico-norrnativa de fa-tos e vaLor88.

    Dessarte, o que se punha corno tarefa especfica de urna Episte-mologia Jurdica, no contexto de meu pensamento, desdobrava-se naturalmente do bojo da Ontognoseologia Jurdica, corno sua proje-o necessria, no podendo, pois, O Direito como Experincia ser compreendido seno corno continuao da Filosofia do Direito. S no apareceu como 3. volume do Curso, pelas razes aduzidas no Prefcio.

    Pois bem, urna vez que me pareceu lcito reportar-me ao j ex-posto e desenvolvido em obras anteriores, quanto dialtica de com-plementaridade que governa a experincia tico-jurdica, assim corno a experincia histrico-cultural em geral, - o problema se transfe-ria para outro plano, talvez suscetvel de ser resumido nesta pergunta audaciosa: 'Sendo o Direito uma experincia, como que esta se objetivou no decurso do tempo?'

    Eis a, mais urna vez, a problemtica da 'objetivao' posta no cerne do assunto, como bem o viu Renato Cirell Czerna, ao lembrar que uma das razes da discrdia do pensamento moderno , de um lado, o desejo de colher a realidade em sua concreo, e, de outro, a tendncia a reduzi-la a mera expresso lgico-analtica.

    Sempre considerei sem razo de ser essa antinomia, empenhan-do-me em situar o problema da Cincia do Direito de tal modo que seja possvel a sua compreenso analtica (e, por conseguinte, for-mal), sem prejuzo, mas antes em funo de sua cornpreenso dial-tica (e, por conseguinte, concreta).

    Da interessar-me antes o problema da experincia jurdica na sua graikJ..o ntica, distinguindo-a, permanente e concomitantemen-te, corno 'experincia jurdica pr-categorial' (forma imediata de ob-jetivao do processo jurdico-normativo) e 'experincia jurdica r:ientfico-positiva' (forma mediata ou reflexa daquela objetivao), a mostrar que a 'objetivao cientfica', lato senso, isto , a objetiva-o ontognoseolgica no privilgio do 'saber rigorof:o', prprio da Cincia positiva corno tal, mas implica e subentende o saber espon-tneo, intuitivo, da imediatidade 'eu-mundo' que o da LebensUJelt. , no fundo, essa 'mediatidade eu-mundo' o a priori condicionante de todas as estruturas reflexas do conhecimento cientfico no desen-volver do processo histrico-cultural, razo pela qual toda Cincia entra em 'crise existencial', - que pode no coincidir com a crise metodolgica, relativa ao progresso tcnico, - quando se desvincula das matrizes que inspiraram o seu sentido primordial de objetivao.

    o DIREITO COMO EXPERINCIA XXXIII

    Esta sobretudo verdade que merece lembrada pelos cultores de Cincias tais corno o Direito, ficando manifesto que todo formalismo representa corno que urna traio s prprias origens.

    Mas se a Cincia Jurdica deve fidelidade ao hmus axiolgico, que mantm o verdor de suas frondes e produz a substncia nutritiva de seus frutos, trata-se de urna rvore que antes de tudo deve ser preservada num campo de ordem e segurana, o que s se consegue atravs de um sistema de 'formas' protetoras, de um 'complexo de certeza' que vai desde o enunciado lgico das regras de conduta at certificao jwisprudencial das responsabilidades.

    Corno possvel, ento, conciliar valor e forma na condicionali-dade cambiante do fato histrico? Como optar pela 'forma' em pre-juzo do 'contedo existencial ', ou apegar-se liricamente a este at o ponto de perd-lo? Eis a o drama do Direito, que, no dizer expressi~ vo de Verdross, quanto mais afunda as suas razes no mundo dos fatos mais alto projeta a sua ramada no cu dos ideais.

    Direito e Lgica

    Compreende-se agora por que fui levado a repropor um velho terna, o da 'estrutura' e da 'forma' (Gestalt) , partindo da intuio goethiana de urna forma repleta de contedo, a surgir de dentro da realidade mesma, numa corno que converso objetivante, ou auto-reveladora.

    Todo o dilogo que travo, de um lado, com os 'estruturalistas' , -que se iludem com a possibilidade de esquemas libertos do fluxo his-trico, -, de outro lado, com os neo-positivistas que, no campo do Direito, se deixam encantar pela certeza aparentemente suficiente da linguagem rigorosa, toda essa permanente referncia a diversos autores no o resultado de uma atitude polmica, nem marca um desejo ftuo de erudio e de novidades, mas nasce do deberado propsito de firmar e definir, dialeticamente, a posio prpria em confronto com aquelas doutrinas que, com razo, postulam a 'forma', mas a esvaziam de seu sentido real, inseparvel de sua integrao no todo do processo histrico. Sob esse prisma, minha obra se situa, corno uma expresso da luta contra o formalismo jurdico, corno disse "Thephilo Cavalcanti Filho, mas quero crer que j se situa num mo-mento ulterior, de balauo da luta j travada, em busca de uma sntese superadora, capaz de colher e assimilar as razes pelas quais o formalismo, vencido no plano da doutrina, a todo instante ressurge no plano da prxis.

    Reivindicar o 'histrico' e o 'funcional' contra o meramente 'formal', sem perder os valores que locam a este, eis, a meu ver, a

  • . '~\ ... XXXIV M I G U E L R E A L E ~l;~~:LProblemtiCai,hodierna da Cincia do Direito, .. . . cimento: de trs problemas complementares, a ~1':>:'" ,~

    implicando o esclare-saber:

    .<

    -'~ -: ..

    o que h de 'lgico' no Direito? o,' que h de 'formal' no Direito?

    que h de 'funcional' no Direito? Procurando responder a tais quesitos, fui levado a correlacionar

    Razo Analtica e Razo Dialtica) vendo nesta a expresso do con-cretoem Sua funcionalidade e dinamismo. 'Razo objetivante', por outras palavras visto como nela e por ela o real se correlaciona in-cessantemente com o sujeito percipiente, o qual plasma as formas objetivas da explicao e da compreenso e pe, concomitantemente, os 'objetivos ' da prxis. a Razo Dialtica que funda a experincia segundo exigncias lgicas que so, a bem ver, ontognoseolgicas, desenvolvendo-se em 'momentos distintos de Objetivaes', compa-rveis, por assim dizer, a plataformas atingidas na escalada do saber e do fazer humano. sobre essas 'plataformas objetivas' que opera a Razo Analitica, explorando e consolidando o resultado projetante da Razo Dialtica, que no se exaure, no entanto, em qualquer das formas atingidas, integrando-as a todas na unidade substancial de seu processus. No h, por conseguinte, que falar em contraposio ou em antinomia entre o funcional-histrico e o 'formal', a no ser em momentos de ajustamento necessrio entre o mpeto da caminha-da e a calculada pausa, sendo ambos os dois momentos necessrios e complementares da Lgica concreta) a um tempo formal e funcional, predicativamente certa e teleologicamente operacional, como bem soube ver lrineu Strenger.

    dessa compreenso que resulta a colocao integral da Lgica Jurdica) sem reduzi-Ia Lgica formal, ou, mais especificamente, Dentica Jurdica. Eis, a meu ver, o quadro abrangente da Lgica Jurdica:

    Analtica Jurdica

    Dialtica Jurdica

    { S . ' t' { Sinttica-Jurdica ,. emlO Ica '" . . Jurdica . Semantlca-Jundlca

    Pragm tica-J urdica Dentica Jurdica

    { Dialtica do discurso jurdico Dialtica da experincia jurdica

    A Teoria dos Modelos Jurdicos

    Quem me acompanhou nesta especle de introspeco do autor, em face de sua obra, j deve ter percebido como surge, como conse-qncia natural da pesquisa, a idia de modelo.

    ti

    o DIREfTO COMO EXPERINCIA xxxv

    Todo o estudo que fao da moderna 'teoria da estrutura' pare-ceu-me essencial para poder situar com rigor o problema particular da 'estrutw'a normativa', ou modelo.

    , com efeito, no conceito de 'modelo' que se pode encontrar reunidas, numa essencial complementaridade, a logicidade da certe-za formal e a funcionalidade instrumental de uma estrutura destina-da a ser 'operada' por advogados e juzes, por administradores e contribuintes do Fisco.

    Note-se que no apresento o 'modelo jurdico' como um simples 'contexto terico', numa espcie de esquema teortico em funo da qual determinados fatos humanos se explicam, mas o concebo antes como algo de concreto, como 'f orma experimental', que nasce da experincia social e dEla se no separa. Dos 'modelos jurdicos', que so 'formas de vida', postas em funo das opes decisrias do Poder (Poderes legiferante, jurisdicional, costumeiro e negociaI) se distinguem os 'modelos dogmticos', estes sim 'teorticos', mas nem por isso menos operacionais; seu operar se distingue por se destinar operao dos 'fTIodelos jurdicos', esclarecendo o seu sentido, na concrettude da e;.xperincia histrica. Poder-se-ia distinguir os 'mo" delos jurdicos' ds 'modelos dogmticos' dizendo que se distinguem entre si como 'linguagem' e 'metalinguagem', visto como os primeiros tm como objeto a conduta humana de carter bilateral-atributivo, enquanto que os segundos se referem aos 'modelos jurdicos' em fun-o dessa conduta. Com isto, penso eu, a 'vexata quaestio' sobre se a doutrina ou no 'fonte' de Direito passa ao rol dos pseudoproble-mas. No fundo, a Cincia do Direito se processa graas permanente interao de 'modelos jurdicos' e 'modelos dogmticos', conferindo-se s estruturas normativas um sentdo operacional, que se confunde com o da experincia jurdica.

    " a razo pela qual chego concluso, a met.i\rer fundamental, como bem o salienta Trcio Sampaio Ferraz Jnior de que mister pr na base da Cincia Jurdica contempornea, at agora concebida em termos de 'fontes', o conceito prospectivo e operacional de 'mo-delos', na complementaridade de suas duas expresses, a teortica e a prtica, ou, para sermos mais precisos, 'teortico-prtica' e 'prti-co-teortica'. a razo pela qual no posso concordar com o con-ceito que Viehweg tem de 'sistema', que, por ser inhistrico ou est-tico, leva-o a recusar cientificidade ao Direito. a mesma razo pela qual no posso aceitar a antinomia, de fundo ideolgico, que o mesmo Autor pe entre uma 'dogmtica de princpios jurdicos', -que seria prpria do Ocidente, - e uma 'dogmtica histrico-filos-fica', que seria vigente nos Pases comunistas. Sobre reduzir, unilate-' ralmente, toda compreenso dialtica 'dialtica marxista', tal pon-to de vista exclui o que me parece essencial : a possibilidade de supe-rarse a contraposio abstrata entre princpios jurdicos e processos histricos.

  • XXXVI MIGUEL REALE

    o mais que no meu livro se encontra, inclusive no que se refere s contnuas incurses pelos domnios da Teoria Geral do Direito, _ o que no deveria ter passado despercebido, - uma conseqncia, ou o lgico desdobrar-se dos pressupostos assentes no propsito de uma compreenso integral do Direito e da Vida" (RBF) fase, 74).

    Itanham, Pscoa de 1992 MIGUEL REALE PREFACIO DA La EDIO

    o direito no s expenencia, mas s6 pode ser compreen-dido como eX1Jerincia} cuja modalidade procuro determinar nas pginas dste li'ln'o, no qua.l penso ter demonstmdo que no se trata de um problema ligado a razes histricas contingentes) mas sim de wna questo epi.stemolgica primard'laZ.

    Os C1ulaios ora rennidos inclnem-se} em, sua quase totalidade} no mbito da Epistemologia Jurdica}' e o leitor} que tiver acom-lJanhado com benvola ateno o desenvolvimento de meus estudos} fcilmentc compreender que les 1"Cpresentam a continuao na-tuml da parte gemI .i publicada de minha Filosofia do Direito, cujos temas volta1n, aqui 01~ ali, a ser focalizados, mas com diversa finalidade, to certo como, no meu entender} a investigao epis-temolgica marca uma p7'ojeo ou desdobramento das prvias formulaes ontognoseolgicas.

    O fato de apresentarem-se os presentes trabalhos sob a fonna de ensaios distintos} quatro dIes elaborados para atender a sim-psios no estrangei1"O, no deve fazer perder de vista o essencial, que a sua colocao numa linha dominante de pesquisa, tendo como fulcro o lJroblema da fwtdao da Jurisprudncia ou Cincia do Direito como cincia. Na OTdenao dos trabalhos} podia ter mantido a tmdicional diviso em captulos, tal a seqncia com que se desdobram" mas o tnno uensa'io" tem por finalidade accn-tnar a vivnr:ia e:r]Jeriencial dos l)J'oblemas} bem como o seu sentido programtico.

    Foi meu propsito inicial dar a estas investigaes tLm C1lnho didtico, a eJJcmplo do adotado naquela citada obra, mas as exi-gncias da investigao prevaleceram no sentido de um estudo de carter mais especializado e tcnico} constituindo como que as bases neclOssfrias de uma possvel eX1Josio futura. H quem julgue serem os compndios um ponto de partida: se o so para quem se i,nieia nos estudos, devem representar) para quem os Tedirlc, a matnridade OtL o ponto alto da investigao} poi,o;; .smente as idias 7Dn{la e 7JTOfu,nrlamente meditadas logram atingir a sim-plicidade vcrdadeira, inconfundvel com uma viso de superfcie.

  • XXXVIII MIGUEL REALE

    Restam} por certo) muitos e muitos aspectos da Epistemologia JU1"dica a ser considerados} mas os aqu,i examinados bastaro para dar maior consistncia e plenitude teoria tridimensional do direito} dernonstrando a f ecundlade de seus pressupostos no sentido de uma compreenso mais ntima entre filsofos e juristas} cada qual f iel s rcspecth'as reas de estudo.

    Se a publicao de um liv1"0 alberga vrios motivos determi-nantes} h) no presente} tambm o de contribuir para o reconheci-lnento de que o Direito uma das cincias fundamentais da expe-rincia humana} numa poca em que parece s haver olhos abertos e extasiados para a tecnologia} como se esta pudesse significar algo divorciada do problema tico essencial do homem.

    So Paulo} Julho de 1968 MIGUEL REALE

    F-nsaio /

    o PROBLEMA DA EXPERINCIA JURDICA SUMRIO: I - A crise da teoria da expenencia jurdica e a a tualidade do tema, II - As trs perspectivas filosficas funda-mentais da experincia juridica : a) a posio imanente; b) li posio transcendente; c) a posio transcendentaL III - A experincia tica na linha de Kant e dos neokantianos. IV - A

    experincia tica a partir da fenomenologia.

    I

    A CRISE DA TEORIA DA EXPERffiNCIA JURDICA E A ATUALIDADE DO TEMA

    I. Desde o momento em que se alargou o conceito de "expe-rincia" para nle se incluir a esfera da tica, com mais clara conscincia dos processos epistemolgicos adequados compreenso das realidades histrico-sociais e com a concomitante determinao ntica de suas estruturas, abriram-se melhores perspectivas para o estudo do problema da "experincia jurdica", que j tende a atrair novamente a ateno de filsofos, juristas e socilogos, rea-tando-se uma linha de estudos prematuramente abandonada, apesar dos resultados obtidos em alguns ensaios de real valia 1.

    Vrios fatres tero contribudo para o abandono de um assunto de to fundamental importncia, e que j suscitara, desde o primeiro aps-guerra, uma preciosa bibliografia 2 . No

    1. Sbre o reaparecimento das teorias sbre a expenencia jurdica vide o recente estudo de RECASNS SICHES, em Dianoia, n.9 XI, Mxico, 1965, onde o leitor encontrar plenamente demonstrada a atualidade do tema, bem como a necessidade de sua reformuJao.

    2. S para me referir a trabalhos que cuidam especificamente da expe-rincia jurdica, lembro, a ttulo de exemplo: GIUSEPPE CAPOGRASSI - Ana.lisi dell'Esperienza Com1M!R, Roma, 1930; St1tdi suZI'Esperienza Git~ridica, Roma, 1932; II Problema. della Seienza deZ Diritto, Roma, 1937; G. GURVITCH -UExprienee Juridique et la Philosophie Plw'ali

  • 2 MIGUEL REALE

    ser demais uma referncia, embora sumarIa, a tais motivos, mesmo porque a sua anlise objetiva poder talvez conduzir-nos a mais rigorosa colocao dos dados do problema.

    Antes, porm, no posso deixar de notar que, no obstante o decrscimo de intersse pela problemtica da "experincia jurdica", ste trmo nunca deixou de ser empregado por juristas de tdas as orientaes e pases, o que poderia ser maliciosamente explicado como desamor ao rigor da linguagem, ou pela paradoxal e subja-cente influncia de um conceito recebido inadvertidamente como de sentido pacificamente determinado, s vzes no instante mesmo em que se proclamava a inutilidade de dedicar-lhe um instante sequer de ateno 3. Bastaria sse fato singular do persistente uso do trmo, para exigir-se a retomada do discurso que com le se confunde.

    Volvendo, porm, ao fio da anlise que me proponho realizar, parece-me plausvel apontar, como causa originria do compro-metimento do nosso tema, a falta de uma prvia indagao de ordem gnoseolgica, destinada a discriminar os dois possveis tipos de pesquisas da experincia jurdica, evidentemente complementa-res, mas nem por isto insuscetveis de rigorosa distino: a filo-sfica e a emprico-positiva. Em geral predominaram, neste ponto, duas tendncias que no podiam seno empobrecer ou obscurecer os dados do problema: uma, no sentido de se fazer total abstrao de quaisquer cogitaes de carter filosfico, ignorando-se, pura e simplesmente, tudo o que ultrapassasse os limites estritos das re-laes fenomnicas; uma outra, no sentido de se tratar, concomi-tantemente, dos aspectos filosficos e cientficos, quer por se partir do pressuposto de uma radical identidade entre Filosofia e Cincia, quer por se adotarem os princpios de uma doutrina, como a de Croce ou de Gentile, em cujos mbitos a tarefa emprico-positiva se pe como "pseudo-cincia", ou conhecimento condicionado e segundo, particular e contingente.

    imprescindvel, pois, para a boa ordem das pesquisas, reco-nhecer desde logo que a experincia jurdica se apresenta para o filsofo como um "objeto" no coincidente com o ngulo de apre-ciao do jurista como tal, pois ste, - qualquer que seja a sua formao filosfica -, deve situ-la num "campo de realidade"

    pgs. 17-70; VINCENZO PALAZZOLO - OOMiderazioni 8ullct Natura dell'Aziol1r.: e sul Oara.ttere dell'Esperienza Giuridicet, Pisa 1941. Quanto situao atual do problema, v. ENRICO OPOCHER - "Esperienza Giuridica", na Enciclo-pedia del Diritto, XV, pg. 735 e Luis RECASNS SICI-IES - "La Experiencia Juridica", em Dianoia., fasc. cit., ambos com ampla bibliografia.

    3. de HEGEL esta nota irnica, iniciando a sua crtica ao empirismo de LoCRE: "Geralmente, quando se fala de experincia, no se entende com ela patavina ; e dela se fala, pois, como de coisa pacificamente notria". (v. Lezioni sulla Storia della Filosofia, trad. de Codignola ~ S l1nna, Florena, 1938, vaI. lU, 2, pg. 159).

    () illHEITU COi\O I': XPlcrn(;1':ClA 2.

    necessrinl11enie circunscrito, e receb-la como um dcu10 objetiva-ment e vlido.

    Como veremos, uma das questes mais delicadas com que se defronta o estudioso da experincia jurdica consiste exatamente em resolver se se trata de assunto que, por sua natureza, se situa tambm no [nnbi to da Jursprudncia (Cincia do Direito), isto , em [uno da vigncia e da eficcia dos ordenamentos jurdicos positivos, ou se equivale apenas a mais um "ponto de vista" sbre o direito, significat ivo nos domnios da Filosofia, mas sem reper-cusso efetiva no plano da cincia positiva.

    de excluir-se, penso eu, possa o assunto ser tratado to-so-mente luz de fatos histricos contingentes, como se daria, por exemplo, com a vinculao do conceito de "experincia jurdica" queles elementos de ordem doutrinria e ftica que determinaram o aparecimento dos primeiros estudos sbre a matria. Por quais motivos, em verdade, haveriamos de configurar um tipo inamovvel de "experincia jurdica", nos moldes do correspondente realiza-o dos fins que os pesquisadores do primeiro aps-guerra tiverem em vista, em sua luta contra o formalismo juridico ou a estatalidade do direito, em prol do pluralismo das fontes normativas? No h dvida que as primeiras expresses da "teoria da ea~perincia jn-rdica." surgiram como resultado de poderosas transformaes so-ciais, devidas sobretudo ao impacto da cincia e da tcnica sbre os processos econmicos e as formas do viver comum, a que corres-ponderam Filosofias mais aderentes problemtica da ao e do concreto , como o pragmatismo ou o intuicionismo; exato que a ateno dos juristas foi despertada pelo direito espontneamente revelado atravs do movimento sindical, revelia do Estado e at mesmo em conflito com le; incontestvel que a projeo dada aos estudos de Direito Processual assinalaram, a partir das ltimas dcadas do sculo passado, uma orientao mais dinmica no sistema da Jurisprudncia" assim como inegvel que a inadequao verifica-da entre as leis e os falos sociais suscitou o aplo ao Direito Natural ou a solues de contedo axiolgico, mas tudo isto no significa que aquela teoria deva ficar jungida ao quadro histrico-cultural que inicialmente lhe deu causa.

    Se houvesse tal vinculao, se estivssemos irremedivelmente ligados a uma configurao j definitivamente plasmada na tela da histria, a "experincia jurdica" deixaria de ser um problema epistemolgico fundamental, para valer como simples categoria histrica destinada compreenso daquelas circunstncias que, durante certo tempo, a converteram em tema de relvo nos qua-drantes do Direito 4.

    4. dessa compreenso parti cul a r do problema que no se liberta intei-ramente ENIlICO OPOCHER, no belo ensaio que escreveu sbre o assunto (El1dopedia deL Diritto, loco ci.t.). Apesa r , porm, de vincular o conceito ele experincia jurdica a determinados pressupostos histricos, sendo levado

  • 4 MIGUEL REALE

    No h dvida que a perquirio da gnese da teoria indis-pensvel, mas to importante como a minuciosa anlise dos fatres e das doutrinas que formaram o quadro conceitual, ao ser ela pela primeira vez sistematizada, indagar de suas razes mais profundas, de algo, em suma, que nos explique o porqu de seu constituir-se como um ponto de convergncia para o qual tenderam concepes filosficas, sociolgicas e juridicas to dspares e at mesmo con-trastantes.

    Se, por outro lado, desponta novamente o intersse pelo pro-blema da experincia jurdica, e se, mesmo com o eclipse da teoria, a sua expresso nuclear continuou sendo um valor positivo na lin-guagem comum do jurista, sinal de que nos cabe renovar a pesquisa, numa anlise que nos permita descer, de camada em ca-mada, at ao eidos da questo, captando o que nela possua validade universal na esfera da Jurisprudncia.

    Estou convencido, por conseguinte, de que qualquer investi-gao sbre a experincia jurdica no pode partir a priori da preconcebida tese de sua vinculao a dado sistema de idias e de aspiraes, devendo-se, ao contrrio, admitir-se, pelo menos como hiptese de trabalho, que o seu conceito, como tantos outros da histria do Direito, dsses que, uma vez trazidos luz da conscincia teortica, emancipam-se dos motivos transeuntes que o revelaram, para passar a desempenhar uma funo positiva e necessria nos domnios da cincia.

    No me iludo, evidentemente, com a possibilidade de um con-ceito unvoco de "experincia ,iurdica". to avultado o nmero das perspectivas filosficas e ideolgicas que a condicionam, mas no creio seja sse motivo bastante para negar-se, de antemo, a possibilidade de uma construo sistemtica do direito como expe-rincia, como no o impediria o seu natural carter problemtico, por tratar-se de uma experincia axiolgica, com todos os impre-vistos inerentes ao valor e liberdade. O direito todo estaria em causa, se pudesse prevalecer essa antinomia abstrata entre o "pro-blemtico" e o "sistemtico", s admissvel com base num rgido e equvoco conceito de sistema 5.

    a excluir a possibilidade da "construo sistemtica do direito como expe-rincia", o mestre de Pdua conclui o seu trabalho afirmando que a colocao do assunto em trmos problemticos pode trazer relevante contribuio para a Filosofia e a Cincia do Direito, pelo menos em trs pontos fundamentais: a) no tocante ao conceito de Filosofia do Direito e sua legitimidade como Filosofia particular; b) sbre a questo das relaes entre histof.icidade e validade axiolgica do direito, ou, se se preferir, entre o direito como fato histrico e o direito como valor; c) sbre a questo do conceito de Cincia Jurdica e, em particular, da funo reservada ao jur ista quanto "cons-truo" de seu objeto (loe. eit., pg. 746).

    5. Tambm a propsito do conceito de Dogmtica Jurdica (v. infTa, pgs. 123 e segs.) encontraremos essa falsa anttese entre "sistema" e "problema".

    o DIIlf::ITO COMO f::XI'ERINCIA 5

    essencial, por conseguinte, proceder-se ao estudo da questo numa atitude de objetividade fenomenolgica, para verificar se efetivamente h no conceito de "experincia jurdica", ou, por outras palavras, no conceito do direito como experincia algo de universalmente vlido para o jurista, ou se se trata apenas de um conceito, no apenas problemtico, mas polmico, peculiar s pocas ele transio ou de crise de estrutura.

    A investigao, conduzida com sse esprito, exige, pois, que, primeiro, se procure determinar o "conceito de experincia jllrdica", com o rigor compatvel com a ndole das cincias culturais, para, depois, se indagar das razes que, no primeiro aps-guerra, deram nascimento a uma dada forma de compreenso do assunto, que no coincide com a ora vigente, como esta poder tambm no corres-ponder exigida em futuras circunstncias: tais mudanas de pers-pectivas valem antes como estmulo captao das possveis razes condicionantes do problema.

    2. No pargrafo anterior apontei, como uma das razes da perda de intersse pela teoria da experincia jurdica, a falta de mais rigorosa determinao de seus pressupostos gnoseolgicos, espe-cialmente quanto distino entre a pesquisa do filsofo e a do ju-rista. Mas essa impreciso de conceitos no foi menos acentuada no mbito mesmo da cincia positiva.

    Refiro-me sobretudo a dois equvocos paralelos, o dos juristas que acabaram por fazer uma identificao indevida entre direito e experincia jurdica, e o dos que pretenderam convert-la em objeto exclusivo da Sociologia Jurdica, graas a cujas contribuies e di-retrizes caberia ao legislador elaborar as leis, assim como aos ju-risperitos a tarefa de interpret-las e aplic-las convenientemente. Experiencialismo jurdico (permitam-nos o neologismo) e sociolo-gismo foram as duas factas com que se apresentou a apontada orientao reducionista, oriunda do esquecimento ou desconheci-mento de que o conceito de experincia jurdica bem mais amplo do que o determinado pelo jurista ou pelo socilogo no campus de suas respectivas indagaes: luz da teoria tridimensional do direi to, penso ser possvel esclarecer que o jurista aprecia a experincia jurdica no sentido vetorial do ato normativo, enquanto o socilogo pe o problema no sentido vetorial da eficcia, a nenhum dles de per si cabendo o monoplio de tal ordem de estudos, e sem que, por outro lado, em ambas as hipteses, "direito" e "experincia juridica" se confundam.

    Ainda, neste passo, impe-se uma advertncia quanto com-plexidade e certa fluidez inerentes matria versada, pois, assim como no possvel repudiar a Filosofia do Direito de Hegel sob a alegao simplista de no ser obra de jurista, conhecedor dos mean-dros da Jurisprudncia, ou a validade cientfica da produo de Savigny, por se reputarem sumrios os seus pressupostos filos-

  • 6 MIGUEL REALE

    ficos, da mesma forma no haveria como pretender que todo so-cilogo seja jurista e todo jurista seja socilogo. So verdades bvias, mas com freqncia nos esquecemos das conseqncias nelas implcitas, no momento em que nos referimos experincia jurdica.

    Uma conseqncia, por exemplo, a tirar-se dessa verdade prende-se natureza mesma da Filosofia do Direito, que s uma acanhada compreenso da experincia jurdica poder levar a iden-tific-la com a Filoso