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258 CAPÍTULO 27 For mação da Urina pelo Rim: II . Processamen to do Fil t rado n os Túbulos RE ABS ORÇ ÃOE SECREÇÃO NOS T ÚBULOS O filtrado glomerular que penetra nos túbulos do néfron flui por (1) íúbulo proximal, (2) aa de Henle, (3) túbulo distal, (4) duto coletor cor tical, e (5) duto coletor , para o interior da pelve renal. Ao longo desse trajeto, as substâncias são reabsorvidas ou secretadas seletivamente pelo epitélio tubular, e o líquido resultante desse processamento penetra na pelve renal sob a forma de urina. A reabsorção desempenha papel muito mais importante do que a secreção na formação da urina, porém o processo de secreção é especialmente relevante no sentido de determinar as quantidades de íons potássio, íons hidrogênio e outras substâncias na urina, conforme discutido adiante. Em geral, mais de 99% da água existente no filtrado glomerular são reabsorvidos quando esse filtrado é processado nos túbulos. Por conseguinte, se algum constituinte dissolvido do filtrado glomerular não for reabsorvido ao longo de todo o trajeto dos túbulos, essa reabsorção de água irá obviamente concentrar a substância por mais de 99 vezes. Por outro lado, alguns constituintes, como glicose e aminoácidos, são reabsorvidos quase que por completo, de modo que suas concentrações caem para quase zero antes de o líquido se transformar em urina. Dessa maneira, os túbulos separam as substâncias que devem ser conservadas no organismo das que precisam ser eliminadas na urina, sendo essa separação efetuada sem haver grande perda de água pela urina. Os mecanismos básicos para o transporte através da membrana tubular são essencialmente os mesmos descritos no Cap. 4 para o transporte através de outras membranas do organismo. Podem ser divididos em transpor te ativo e transporte passivo. TRANSPORTE ATIVO ATRAVÉS DA MEMBRANA TUBU LAR Como foi explicado no Cap. 4, existem dois mecanismos básicos de transporte ativo: o transpor te ativ o pr im ár io e o transpor te ativo secundár io. A melhor maneira de explicar esses dois tipos de transporte é descrevê-los por meio de exemplos. Transporte ativo primário de ions sód io através d a membrana tubular - função da Na + , K + -ATP ase A Fig. 27. IA ilustra o mecanismo básico para o transporte de íons sódio através da membrana tubular, que ocorre sempre na direção do lúmen tubular para o interstício. Nas superfícies basal e lateral da célula epitelial tubular, a membrana celular + , K + -ATPase, capaz de clivarcontém um extenso sistema de Na o trifosfato de adenosina (ATP) e utilizar a energia liberada para transportar os íons sódio da célula para o interstício, transportando ao mesmo tempo íons potássio do interstício para o interior da célula. No Cap. 4, também foi assinalado que esse sistema de ATPase bombeia três íons sódio para cada dois íons potássio bombeados. Todavia, as faces basolaterais da célula epitelial tubular são tão permeáveis ao potássio que praticamente todo esse íon se difunde imediatamente da célula para o interstício. Por conseguinte, como ilustra a Fig. 27.IA, o efeito final consiste no bombeamento de grande quantidade de sódio, de modo que o sódio existente no interior da célula cai para concentração muito baixa. Além disso, como três cargas elétricas positivas são bombeadas para fora da célula com os íons sódio, o interior da célula passa a ter potencial muito negativo de cerca de -70 milivolts. Por. conseguinte, dois fatores são responsáveis pela difus ão dos íons sódio através da membrana luminal da célula, do lúmen tubular para o inter ior da célula: (1) o grande gradiente de concentração de sódio através da membrana, com altas concentrações de sódio no lúmen tubular e baixas concentrações no interior da célula, e (2) a atração dos íons sódio positivos do lúmen tubular para o interior da célula pelo potencial intracelular de -70 mV. Na face tubular da célula epitelial, existe extensa borda em escova que multiplica a área da superfície de exposição luminal por cerca de 20 vezes. Na membrana dessa borda em escova, existem pr oteínas t ra nspor tadoras de sódio que se ligam aos íons sódio sobre a superfície luminal da membrana e os liberam no interior da célula, atuando, assim, por di fus ão facilitada do sódio para o interior da célula. Esse processo garante a difusão rápida de sódio através da borda luminal da célula epitelial, ao mesmo tempo que o íon sódio é ativamente transportado para fora da célula, nas faces basolaterais. As proteínas transportadoras de sódio na borda em escova também desempenham papel importante no transporte ativo secundário, conforme explicado adiante. Assim, o mecanismo efetivo para o transporte de sódio através da parede epitelial tubular, ilustrado na Fig. 27.1B, mostra que o sódio bombeado a partir do túbulo é eventualmente absorvido pelo capilar peritubular e transportado pelo sangue. Embora a maior parte do transporte ativo primário em todo o sistema tubular esteja, sem dúvida alguma, relacionada ao transporte de sódio, o transporte ativo primário também é obser-

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CAPÍTULO 27

Formação da Urina pelo Rim: II.Processamento do Filtrado nos Túbulos

REABSORÇÃO E SECREÇÃO NOS TÚBULOS

O filtrado glomerular que penetra nos túbulos do néfronflui por (1) íúbulo proximal, (2) alça de Henle, (3) túbulo distal,(4) duto coletor cortical, e (5) duto coletor, para o interior dapelve renal. Ao longo desse trajeto, as substâncias sãoreabsorvidas ou secretadas seletivamente pelo epitélio tubular, e olíquido resultante desse processamento penetra na pelve renalsob a forma de urina. A reabsorção desempenha papel muitomais importante do que a secreção na formação da urina, porémo processo de secreção é especialmente relevante no sentido dedeterminar as quantidades de íons potássio, íons hidrogênio eoutras substâncias na urina, conforme discutido adiante.

Em geral, mais de 99% da água existente no filtradoglomerular são reabsorvidos quando esse filtrado é processadonos túbulos. Por conseguinte, se algum constituinte dissolvidodo filtrado glomerular não for reabsorvido ao longo de todo otrajeto dos túbulos, essa reabsorção de água irá obviamenteconcentrar a substância por mais de 99 vezes. Por outro lado,alguns constituintes, como glicose e aminoácidos, sãoreabsorvidos quase que por completo, de modo que suasconcentrações caem para quase zero antes de o líquido setransformar em urina. Dessa maneira, os túbulos separam assubstâncias que devem ser conservadas no organismo das queprecisam ser eliminadas na urina, sendo essa separação efetuadasem haver grande perda de água pela urina.

Os mecanismos básicos para o transporte através damembrana tubular são essencialmente os mesmos descritos noCap. 4 para o transporte através de outras membranas doorganismo. Podem ser divididos em transporte ativo e transportepassivo.

TRANSPORTE ATIVO ATRAVÉS DA MEMBRANATUBULAR

Como foi explicado no Cap. 4, existem dois mecanismosbásicos de transporte ativo: o transporte ativo primário e otransporte ativo secundário. A melhor maneira de explicar essesdois tipos de transporte é descrevê-los por meio de exemplos.

Transporte ativo primário de ions sódio através damembrana tubular - função da Na+, K+-ATPase

A Fig. 27. IA ilustra o mecanismo básico para o transportede íons sódio através da membrana tubular, que ocorre sempre

na direção do lúmen tubular para o interstício. Nas superfíciesbasal e lateral da célula epitelial tubular, a membrana celular+, K+-ATPase, capaz de clivarcontém um extenso sistema de Nao trifosfato de adenosina (ATP) e utilizar a energia liberadapara transportar os íons sódio da célula para o interstício,transportando ao mesmo tempo íons potássio do interstício parao interior da célula. No Cap. 4, também foi assinalado que essesistema de ATPase bombeia três íons sódio para cada dois íonspotássio bombeados. Todavia, as faces basolaterais da célulaepitelial tubular são tão permeáveis ao potássio que praticamentetodo esse íon se difunde imediatamente da célula para ointerstício. Por conseguinte, como ilustra a Fig. 27.IA, o efeitofinal consiste no bombeamento de grande quantidade de sódio,de modo que o sódio existente no interior da célula cai paraconcentração muito baixa. Além disso, como três cargas elétricaspositivas são bombeadas para fora da célula com os íons sódio, ointerior da célula passa a ter potencial muito negativo de cercade -70 milivolts. Por. conseguinte, dois fatores são responsáveispela difusão dos íons sódio através da membrana luminal dacélula, do lúmen tubular para o interior da célula: (1) o grandegradiente de concentração de sódio através da membrana, comaltas concentrações de sódio no lúmen tubular e baixasconcentrações no interior da célula, e (2) a atração dos íonssódio positivos do lúmen tubular para o interior da célula pelopotencial intracelular de -70 mV.

Na face tubular da célula epitelial, existe extensa borda emescova que multiplica a área da superfície de exposição luminalpor cerca de 20 vezes. Na membrana dessa borda em escova,existem proteínas transportadoras de sódio que se ligam aos íonssódio sobre a superfície luminal da membrana e os liberam nointerior da célula, atuando, assim, por difusão facilitada do sódiopara o interior da célula. Esse processo garante a difusão rápidade sódio através da borda luminal da célula epitelial, ao mesmotempo que o íon sódio é ativamente transportado para fora dacélula, nas faces basolaterais. As proteínas transportadoras desódio na borda em escova também desempenham papelimportante no transporte ativo secundário, conforme explicadoadiante.

Assim, o mecanismo efetivo para o transporte de sódioatravés da parede epitelial tubular, ilustrado na Fig. 27.1B,mostra que o sódio bombeado a partir do túbulo éeventualmente absorvido pelo capilar peritubular etransportado pelo sangue.

Embora a maior parte do transporte ativo primário em todoo sistema tubular esteja, sem dúvida alguma, relacionada aotransporte de sódio, o transporte ativo primário também é obser-

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Fig. 27.1 A, Mecanismo básico do transporte ativo de sódio através da célula epitelial tubular. A figura mostra o transporte ativo pela bombade sódio-potássio, que bombeia o sódio para fora da membrana basolateral da célula, criando, simultaneamente, concentração intracelular muitobaixa de sódio, bem como potencial intracelular negativo. A baixa concentração intracelular de sódio e o potencial negativo determinam adifusão de íons sódio do lúmen tubular para o interior da célula através da borda em escova. B, Mecanismo efetivo do transporte ativo desódio do lúmen tubular para o capilar peritubular.

vado para algumas outras substâncias. Por exemplo, ocorretransporte secretor ativo de íons hidrogênio em algumas dasporções distais do sistema tubular, como veremos mais adiante,enquanto o transporte absorvido ativo de cálcio ocorre emoutras porções do sistema tubular.

Absorção ativa secundária a partir do túmen tubular

No transporte ativo secundário, nenhuma energia é utilizadadiretamente do ATP ou de qualquer outra fonte de fosfato dealta energia. Com efeito, o movimento dos íons sódio do lúmentubular para o interior da célula energiza a maior parte dotransporte secundário de outras substâncias. Essa forma detransporte é realizada por vários tipos diferentes de proteínastransportadores de sódio da borda em escova da célula epitelial.Por exemplo, na Fig. 27.2, a célula da parte superior ilustra otransporte ativo secundário de glicose, enquanto a segundacélula ilustra o transporte ativo secundário de íonsaminoácidos. Em cada caso, a proteína transportadora damembrana da borda em escova combina-se ao mesmo tempocom a substância a ser transportada e com um íon sódio. Àmedida que o sódio se desloca ao longo de seu gradienteeletroquímico para o interior da célula, carrega consigo aglicose ou o íon aminoácido. Em geral, cada tipo de proteínatransportadora é específico para o transporte de umasubstância ou classe de substâncias. Esse tipo de transporteativo secundário, em que o íon sódio carrega consigo outrasubstância através da membrana, é denominado co-transporte.

A glicose, os aminoácidos e vários outros compostosorgânicos são intensamente co-transportados nos túbulosproximais. O co-transporte dos íons cloreto é feitoprincipalmente no segmento grosso do ramo ascendente daalça de Henle. Outras substâncias que também sãocotransportadas em algum ponto do sistema tubular incluem ofosfato, o cálcio, o magnésio e íons hidrogênio. Essassubstâncias serão consideradas mais tarde.

Após o co-transporte de glicose, de aminoácidos ou de outrassubstâncias do lúmen tubular para o interior da célula epitelial,essas substâncias costumam atravessar a face basolateral da célula

por difusão facilitada, juntamente com outra proteínatransportadora.

Secreção ativa secundária nos túbulos

Algumas substâncias sofrem secreção ativa secundária nostúbulos. Em geral, o processo é oposto ao descrito nos parágrafosanteriores para a absorção secundária. Os íons hidrogênio,potássio e urato são algumas das substâncias importantes quesão' secretadas dessa maneira em regiões específicas dos túbulos.Como exemplo, a célula da parte inferior da Fig. 27.2 ilustra asecreção ativa secundária de íons hidrogênio nos túbulos proxi-mais. Para isso, um íon hidrogênio no interior da célula epitelialliga-se à proteína transportadora na borda em escova, enquantoum íon sódio no lúmen tubular liga-se à outra extremidade damesma proteína transportadora. A seguir, à medida que o íonsódio penetra na célula, o íon hidrogênio é forçado para fora,em direção oposta. Por razões óbvias, esse processo édenominado contratransporte.

Para ter maior compreensão dos princípios relativos aotransporte ativo primário e secundário, o leitor deverá consultartambém as descrições mais detalhadas apresentadas no Cap. 4.

ABSORÇÃO PASSIVA DE ÁGUA: OSMOSEATRAVÉS DO EPITÉUO TUBULAR

Quando os diferentes solutos são transportados para forado túbulo por transporte ativo primário ou secundário, suaconcentração total diminui no lúmen tubular, mas aumenta nointerstício. Obviamente, isso cria uma diferença de concentraçãoque irá produzir osmose de água na mesma direção em queforam transportados os solutos.

Grande parte dessa osmose ocorre através das denominadasjunções fechadas existentes entre as células epiteliais, e nãoatravés das próprias células. A razão disso é que as junçõesnão são tão fechadas quanto indicado por seu nome, maspermitem a difusão rápida de água e de muitos outros íonspequenos.

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Fig. 27.2 Mecanismos de transporte ativo secundário. As duas célulasde cima mostram o co-transporte da glicose e de aminoácidos atravésda borda em escova das células epiteliais, juntamente com os íons sódio,seguido de difusão, facilitada através das membranas basolaterais. Aterceira célula mostra o contrai/ansporte de íons hidrogênio atravésda borda em escova para o lúmen tubular; o movimento para dentrodos íons sódio fornece a energia para o movimento para fora dos íonshidrogênio.

Esse processo é especialmente observado nos túbulos proximais,onde as junções "fechadas" são muito frouxas. À medida queos solutos são absorvidos através das células epiteliais tubularesproximais, essa absorção aumenta a osmolalidade do interstício

e determina osmose quase instantânea de enorme volume deágua juntamente com os solutos. Por conseguinte, o líquidoabsorvido dos túbulos proximais é quase isosmótico.

Nas partes mais distais do sistema tubular, começando naalça de Henle e estendendo-se pelos demais túbulos, as junções"fechadas" são muito mais fortes, e as células epiteliais tambémapresentam superfícies menos extensas. Assim, de modo geral,as últimas porções do sistema tubular são bem menos permeáveisdo que os túbulos proximais.

ABSORÇÃO PASSIVA DE ÍONS CLORETO, URÉIAE OUTROS SOLUTOS PELO PROCESSO DE DIFUSÃO

Quando os íons sódio são transportados através da célulaepitelial tubular, um íon negativo, como o íon cloreto, égeralmente transportado com cada íon sódio para manter aneutralidade elétrica. Antes, tivemos oportunidade de assinalarque, em alguns segmentos dos túbulos, os íons cloreto podemser transportados por transporte ativo secundário. Entretanto,na maioria dos segmentos tubulares, os íons cloreto sãotransportados principalmente por difusão passiva. Isso ocorreespecialmente através das junções "fechadas" dos túbulosproximais, mas também, ainda que em menor grau, através dasjunções "fechadas" das porções terminais do sistema tubular.

A uréia é outra substância reabsorvida passivamente, porémem menor grau que os íons cloreto. Na verdade, uma dasprincipais finalidades funcionais dos rins não é reabsorver uréia,mas permitir a passagem para a urina da maior quantidadepossível desse produto do metabolismo. Infelizmente, a moléculade uréia é muito pequena, e os túbulos são parcialmentepermeáveis a ela. Por conseguinte, quando a água é reabsorvidapelos túbulos, cerca da metade da uréia do filtrado glomerularsofre reabsorção passiva ao se difundir junto com a água,enquanto a outra metade passa para a urina.

Outro produto do metabolismo é a creatinina. Todavia, suamolécula é um pouco maior que a da uréia, de modo quepraticamente não ocorre reabsorção. Com efeito,virtualmente toda a creatinina filtrada do filtrado glomerularpassa pelo sistema tubular e é excretada na urina.

CAPACIDADES ABSORTIVAS DOS DIFERENTESSEGMENTOS TUBULARES

Em capítulos subseqüentes, serão discutidas a absorção ea secreção de substâncias específicas em diferentes segmentosdo sistema tubular. Todavia, é importante assinalar, em primeirolugar, as diferenças básicas existentes entre as capacidadesabsortivas e secretoras dos diferentes segmentos tubulares.

Epitélio tubular próximal. A Fig. 27.3 ilustra ascaracterísticas celulares da membrana tubular no (1) túbuloproximal, (2) segmento delgado da alça de Henle, (3) túbulodistal, e (4) duto coletor. As células tubulares proximais têm oaspecto de

Fig. 27.3 Características das células epiteliais em diferentessegmentos tubulares.

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células altamente metabólicas, exibindo grande número demitocôndrias para manter os processos extremamente rápidosde transporte ativo; verifica-se também que cerca de 65% dofiltrado glomerular são normalmente reabsorvidos antes dealcançar as alças de Henle. Como já foi descrito em relação aotransporte do sódio, as células epiteliais dos túbulos proximaispossuem extensa borda em escova. Além disso, são dotadas deintrincado labirinto de canais intercelulares e basais queformam extensa área de membrana na face epitelial voltada parao líquido intersticial, isto é, o lado onde ocorre abundantetransporte ativo dos íons sódio.

Por outro lado, a extensa superfície de membrana da bordaem escova da célula epitelial é literalmente repleta de moléculastransportadoras protéicas que promovem o co-transporte paraa absorção de certas substâncias do lúmen tubular para ointerstício, ou o contratransporte para a secreção de outrassubstâncias pelos túbulos. A glicose e os aminoácidos são assubstâncias mais importantes que são absorvidasespecificamente por transporte ativo secundário nos túbulosproximais. Os íons hidrogênio representam a substância maisimportante secretada por transporte ativo secundário.

Segmento delgado da alça de Henle. O epitélio do segmentodelgado da alça de Henle, como indica seu nome, é muito fino.As células não possuem borda em escova e apresentam númeromuito pequeno de mitocôndrias, indicando um nível mínimo deatividade metabólica. O trecho descendente desse segmentodelgado é altamente permeável à água e moderadamentepermeável a uréia, ao sódio e à maioria dos outros íons. Porconseguinte, parece estar adaptado primariamente para adifusão simples de substâncias através de suas paredes.

Por outro lado, acredita-se que o trecho ascendente dosegmento delgado seja diferente numa característica muitoimportante; supõe-se que ele é muito menos permeável àágua do que o trecho descendente. Essa diferença é importantepara explicar o mecanismo de concentração da urina, que serádiscutido mais tarde.

Segmento grosso da alça de Henle. O segmento grosso daalça de Henle começa a meio caminho do ramo ascendente daalça, onde as células epiteliais tornam-se acentuadamenteespessadas, conforme ilustrado na Fig. 26.2. A seguir, essesegmento ascende e refaz todo o seu trajeto até o mesmoglomérulo que deu origem ao túbulo e, a seguir, passa peloângulo entre as arteríolas aferente e eferente, formando umcomplexo com elas, denominado complexo justaglomerular,discutido no capítulo anterior. Além desse ponto, o túbulo passaa constituir o túbulo distal.

As células epiteliais do segmento grosso da alça de Henleassemelham-se às dos túbulos proximais, exceto que possuemborda em escova rudimentar, menor número de canais basaise junções "fechadas" muito mais firmes onde as células se unemumas às outras. As células estão especialmente adaptadas paratransporte ativo intenso de íons sódio e potássio,transportando-os do lúmen tubular para o líquido intersticial.

Por outro lado, esse segmento grosso é quase totalmenteimpermeável à água e à uréia. Por conseguinte, embora maisde três quartos de todos os íons no líquido tubular sejamtransportados do segmento grosso para o interstício, quasetoda a água e a uréia permanecem no túbulo. Assim, o líquidotubular no ramo ascendente torna-se muito diluído, exceto porsua elevada concentração de uréia. Esse segmento grossodesempenha papel extremamente importante sob diferentescondições nos mecanismos renais de diluição ou concentraçãoda urina que acaba sendo formada pelo rim.

Túbulo distal. O túbulo distal começa no complexojustaglomerular, dando continuidade ao segmento grosso do ramoascendente da alça de Henle. A parte inicial do túbulo distal éaltamente contornada e, eventualmente, coalesce com váriosoutros túbulos distais para formar o duto coletor cortiçal, que foidescrito antes.

O túbulo distal é dividido em dois segmentos funcionaisimportantes: o segmento diluidor e o túbulo distal final.

Segmento diluidor. A primeira metade do túbulo distalpossui quase as mesmas características do segmento grosso doramo ascendente da alça de Henle. Absorve avidamente amaioria dos íons, mas é quase totalmente impermeável à água eà uréia. Por conseguinte, esse segmento diluidor tambémcontribui para a diluição do líquido tubular, da mesma maneiraque o segmento grosso do ramo ascendente da alça de Henle.

Túbulo distal final e duto coletor cortical. As característicasfuncionais do túbulo distal final e do duto coletor cortical sãosemelhantes; até mesmo suas células epiteliais de revestimentosão similares. Esses segmentos tubulares apresentam diversascaracterísticas importantes:

1. O epitélio de ambos é quase totalmente impermeávelà uréia conforme observado no segmento diluidor do túbulo dis-tal, de modo que praticamente toda a uréia penetra no dutocoletor para ser finalmente excretada na urina.

2. Esses dois segmentos reabsorvem avidamente os íons só-dio, mas a velocidade dessa reabsorção é controlada, em grandeparte, pela aldosterona, como veremos com maiores detalhesno próximo capítulo. Simultaneamente com o bombeamento desódio do lúmen tubular para o interstício peritubular, os íonspotássio são transportados na direção oposta para o lúmen tubular; esse processo também é controlado pela aldosterona e porvários outros fatores, incluindo a concentração de íons potássionos líquidos corporais. Por conseguinte, os íons potássio sãoativamente secretados nesses segmentos tubulares, sendoprincipalmente através desse meio que a concentração de íonspotássioé controlada nos líquidos extracelulares do organismo.

3. O túbulo distal final e o duto coletor cortical tambémcontêm um tipo especial de célula epitelial, a célula intercalada,ou "célula marrom", que secreta íons hidrogênio por secreçãoativa primária. Isso difere acentuadamente da secreção ativa se-cundária de íons hidrogênio que ocorre nos túbulos proximaise em algumas outras partes do sistema tubular. As células interca-ladas podem secretar íons hidrogênio contra um gradiente deconcentração de até 1.000:1, em contraste com o gradiente deapenas algumas vezes para a secreção ativa secundária de íonshidrogênio. Por conseguinte, essas células intercaladas desempe-nham papel absolutamente essencial nos elevados graus finaisde acidificação que podem ocorrer na urina.

4. O túbulo distal final e o duto coletor cortical diferemdo segmento diluidor em outro aspecto muito importante: sãopermeáveis à água na presença de hormônio antidiurético, porémimpermeáveis quando esse hormônio está ausente, propiciando,assim, um meio para controlar o grau de diluição da urina, assuntoque será abordado mais tarde com maiores detalhes. O dutocoletor também apresenta responsividade ao hormônioantidiurético.

Duto coletor. As células epiteliais do duto coletor possuemforma quase cubóide, com superfície lisa, e contêm relativamentepoucas mitocôndrias. Esse epitélio apresenta duas característicasparticularmente importantes para a função renal:

1. A permeabilidade do duto coletor à água é controladaprincipalmente pelo nível de hormônio antidiurético no sanguecirculante, conforme mencionado acima. Em presença dequantidades excessivas de hormônio antidiurético, a água éreabsorvida para o interstício medular com grande avidez,reduzindo, assim, o volume de urina e concentrando a maioriadas substâncias dissolvidas na urina. O epitélio do duto coletortambém é ligeiramente permeável à uréia. Por conseguinte,ocorre reabsorção de certa quantidade da uréia para o interstíciomedular. A seguir, a maior parte sofre difusão retrógradapara a alça de Henle, retornando novamente ao duto coletorpelo túbulo distal para ser finalmente excretada.

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2. A segunda característica importante do epitélio do dutocoletor é sua capacidade de secretar íons hidrogênio contra umgradiente muito alto desses íons. Por conseguinte, como seráexplicado no Cap. 30, o túbulo distal final e o sistema do dutocoletor desempenham um papel de suma importância no controledo equilíbrio ácido-básico dos líquidos corporais.

REABSORÇÃO DE ÁGUA EM DIFERENTESSEGMENTOS DOS TÚBULOS

O transporte da água ocorre totalmente por difusãoosmótica. Isso significa que, toda vez que algum soluto dofiltrado glomerular for absorvido por reabsorção ativa ou pordifusão causada por um gradiente eletroquímico, a diminuiçãoresultante da concentração de soluto no líquido tubular e suamaior concentração no líquido intersticial irá determinar osmosede água para fora dos túbulos. Por conseguinte, o volume delíquido tubular diminui progressivamente ao longo do sistematubular.

A Fig. 27.4 mostra os volumes de líquido que fluem porminuto em diferentes pontos do sistema tubular. Em ambos osrins do ser humano, os volumes líquidos totais que fluem emcada segmento por minuto (em condições normais de repouso)são os seguintes:

Ml/ minFiltrado glomerular 125Fluindo para as alças de Henle 45Fluindo para os túbulos distais 25Fluindo para os túbulos coletores 12Fluindo para as urinas 1

Fig. 27.4 Fluxo de volume de líquido em cada segmento do sistematubular por minuto. Observar que o fluxo é representado em escalasemilogaritmica, ilustrando a enorme diferença do fluxo entre os segmen-tos iniciais e terminais dos túbulos.

tância no filtrado glomerular, conforme indicado à esquerda dafigura. À medida que o filtrado se move ao longo do sistematubular, a concentração eleva-se para valores progressivamentemaiores do que 1 se houver maior reabsorção de água do quede soluto; a concentração torna-se progressivamente inferior a1 se houver reabsorção de mais soluto que de água. Além disso,se uma substância for secretada pelo epitélio tubular no túbulo,essa secreção também irá determinar aumento de sua concen-tração.

Com base neste quadro, também podemos deduzir a percentagemaproximada da água glomerular filtrada que é reabsorvida emcada segmento dos túbutos:

Por centoTúbulos proximais 65Alça de Henle 15Túbulos distais 10Dutos coletores 9,3Elilinada na urina 0,7

A seguir, veremos neste capítulo, bem como nos próximos, quealguns desses valores variam de modo acentuado em diferentescondições operacionais do rim, em particular quando esse órgãoestá formando urina muito diluída ou muito concentrada.

Concentrações de diferentes substâncias emdiferentes pontos nos túbulos

A concentração ou não de uma substância no líquido tubularé determinada pelo grau relativo de reabsorção da substânciaversus a reabsorção de água. Se houver reabsorção de maiorpercentagem de água, a substância fica mais concentrada. Poroutro lado, se houver reabsorção de maior percentagem da subs-tância, ela fica mais diluída.

A Fig. 27.5 ilustra o grau de concentração da maioria dassubstâncias importantes nos diferentes segmentos tubulares. To-dos os valores indicados na figura são concentrações relativas,considerando-se uma concentração normal de 1 para cada subs-

Fig. 2.5 Figura composta mostrando as concentrações médias dediferentes substâncias em diversos pontos do sistema tubular.

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As substâncias representadas na parte superior da Fig. 27.5são obviamente as que ficam mais concentradas na urina. Emgeral, essas substâncias não são necessárias para o organismo,e os rins tornaram-se adaptados para não reabsorvê-las ou fazê-loapenas muito levemente, ou até mesmo secretá-las para o interiordos túbulos, com a conseqüente excreção de grandes quantidadesna urina.

Por outro lado, todas as substâncias representadas na baseda figura são intensamente reabsorvidas; são substâncias queprecisam ser conservadas pelo organismo, de modo que quasenenhuma é excretada na urina.

O Quadro 27.1 fornece um sumário da capacidade deconcentração do sistema tubular para as diferentes substânciasexcretadas na urina. Além disso, fornece as quantidades normaisdas substâncias que penetram nos túbulos proximais a cadaminuto no filtrado glomerular. A quantidade de cada uma dassubstâncias que penetra a cada minuto é denominada cargatubular da substância por minuto.

Reabsorção de substâncias especificas em diferentes pontos aolongo do sistema tubular

Reabsorção de substâncias de valor nutrícional para o orga-nismo - glicose, proteínas, aminoácidos, íons acetoacetato e vita-minas. Glicose, proteínas, aminoácidos, íons acetoacetato e vita-minas são cinco substâncias diferentes, encontradas no filtradoglomerular, de suma importância para a nutrição do corpo.Normalmente, todas elas são quase ou totalmente reabsorvidaspor processos ativos nos túbulos proximais do rim. Assim, aFig. 27.5 mostra que as concentrações de glicose, proteínas eaminoácidos diminuem até desaparecerem antes que o líquidotubular tenha passado pelos túbulos proximais. Por conseguinte,quase nenhuma dessas substâncias permanece no líquido quepenetra na alça de Henle.

Mecanismo especial para a absorção de proteínas. Até 30 gde proteínas plasmáticas passam diariamente para o filtradoglomerular. Isso representaria uma grande depleção metabólicapara o organismo, se a proteína não retornasse aos líquidoscorporais. Como a molécula de proteína é muito grande para sertransportada pelos processos habituais de transporte, a proteína éabsorvida através da borda em escova do epitélio tubularproximal por pinocitose, o que significa que a proteína fixa-se àmembrana e que essa porção da membrana invagina-se para ointerior da célula. Uma vez dentro da célula, a proteína é digeridaem seus aminoácidos constituintes, que são, então, absorvidos pordifusão

facilitada através da base e dos lados da célula para o interiordo líquido intersticial. Os detalhes do mecanismo da pinocitoseforam discutidos no Cap. 4.

Pequena reabsorção dos produtos metabólicos terminais:uréia, creatínina e outros. A Fig. 27.5 também ilustra asconcentrações de dois importantes produtos metabólicosterminais nos diferentes segmentos do sistema tubular -a uréia ea creatinina. Apenas pequena quantidade de uréia é reabsorvidadurante todo o percurso do sistema tubular. Apesar disso,ocorre reabsorção de cerca de 99,3% da água. Por conseguinte,a remoção de toda essa água concentra a uréia por cerca de 65vezes.

A creatinina não é reabsorvida pelos túbulos. De fato,pequenas quantidades de creatinina são, na verdade,secretadas para os túbulos pelos túbulos proximais, de modo quea concentração de creatinina aumenta por cerca de 140 vezes.

O íon urato é outro produto terminal do metabolismo. Éreabsorvido mais do que a uréia, mas, mesmo assim, aindapermanecem grandes quantidades de urato no líquido quefinalmente irá se transformar em urina. Vários outros produtosterminais, como sulfatos, fosfatos e nitrato, são transportadosessencialmente da mesma maneira que os íons urato. Essesprodutos terminais também são normalmente reabsorvidos emgrau bem menor do que a água, de modo que suas concentraçõesaumentam acentuadamente à medida que fluem ao longo dostúbulos. Todavia, cada um é ativamente reabsorvido em certograu, o que impede redução muito acentuada de suasconcentrações no líquido extracelular.

Reabsorção de insulina e de ácido para-amino-hipúricopelos túbulos. Mais uma vez, observe na Fig. 27.5 que, quando asubstância insulina, que é um grande polissacarídio, é infundidano sangue e, a seguir, filtrada para o filtrado glomerular, suaconcentração aumenta por 125 vezes quando atinge a urina. Acausa disso é que a insulina não é reabsorvida, nem secretadapor qualquer segmento dos túbulos, enquanto todos os 125 mlde água do filtrado glomerular, à exceção de 1 ml, sãoreabsorvidos.

Além disso, a Fig. 27.5 mostra que, quando o ácido p-amino-hipúrico (PAH) é infundido no sangue e, a seguir, excretadopelos rins, sua concentração aumenta 585 vezes à medida queo líquido tubular passa pelo sistema tubular. Isso resulta dasecreção de grandes quantidades de PAH para o líquidotubular, pelas células epiteliais dos túbulos proximais, nãohavendo reabsorção em qualquer segmento do sistema tubular.

Essas duas substâncias desempenham importante papel nosestudos experimentais da função tubular, conforme discutidoadiante neste capítulo.

Quadro 27.1 Concentrações relativas de substâncias no filtrado glomerular e na urinaConcentração na urina/

Filtrado glomerular (125 ml/min) Urina (1 ml/min) Concentração no plasma(depuração plasmática

Quantidade/min Concentração Quantidade/min Concentração por minuto)Na1 17,7 mEq 142 mEq/l 0,128 mEq 128mEq/i 0,9K+ 0,63 5 0,06 60 12Cat + 0,5 4 0.0048 4,8 1,2Mg++ 0,38 3 0,015 15 5,0ci- 12,9 103 0,134 134 1,3HCO3 3,5 28 0,014 14 0,5H2PO4

HPO4"J 0,25 2 0,05 50 25SO4 0.09 0,7 0,033 33 47Glicose 125 mg 100 mg/dl 0 mg 0 mg/dl 0Uréia 33 26 18,2 1.820 70Ácido úrico 3,8 3 0,42 42 14Creatinina 1,4 1,1 1,96 196 140Inulina — — — — 125PAH — — — — 585

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Reabsorção de diferentes íons pelos túbulos - sódio, potássio,cloreto, bicarbonato, e outros. Por fim, vamos observar na Fig.27.5 as alterações nas concentrações de vários íons importantes- sódio, potássio, cloreto e bicarbonato. Algumas dessas concentrações elevam-se acima de 1,0, o que significa concentraçãomaior do que no filtrado glomerular, ao passo que outras apresen-tam redução para menos de 1,0. O grau de concentração oude diluição depende de vários mecanismos que aumentam oudiminuem a reabsorção dos diferentes íons com a finalidade decontrolar suas concentrações no líquido extracelular. Nos próxi-mos capítulos, trataremos em particular de vários desses sistemasde controle.

Para excretar uma quantidade suficiente de íons potássioe hidrogênio, é necessário que ambos sejam ativamentesecretados para o sistema tubular; a intensidade dessa secreçãoé precisamente determinada pelas concentrações de íonspotássio e hidrogênio nos líquidos extracelulares.

O íon bicarbonato é transportado de maneira muito peculiar;com efeito, é convertido em dióxido de carbono que, a seguir,difunde-se simplesmente através da parede tubular para o líquidointersticial. O mecanismo de conversão do íon bicarbonato emdióxido de carbono envolve, em primeiro lugar, a secreção deum íon hidrogênio para o túbulo. A seguir, esse íon liga-se aoíon bicarbonato para formar H3CO3. Por sua vez, o H2CO3dissocia-se em água e dióxido de carbono. Após difusão dodióxido de carbono através da membrana tubular, elerecombina-se com a água para formar novo íon bicarbonato.

Finalmente, tanto os íons cálcio quanto os íons magnésiosão ativamente reabsorvidos em alguns dos túbulos; muitos íonsnegativos, em particular os íons cloreto, são principalmentereabsorvidos por difusão passiva, em conseqüência do gradienteelétrico que se desenvolve através da parede tubular, quandoocorre reabsorção de íons positivos. Além disso, alguns íonsnegativos urato, fosfatos, sulfato e nitrato podem serreabsorvidos por transporte ativo, que ocorre em maior grau nostúbulos proximais.

EFEITO DA "CARGA TUBULAR" E DO"TRANSPORTE TUBULAR MÁXIMO" SOBRE OSCONSTITUINTES DA URINA

Carga tubular. A carga tubular de uma substância é a quantidadetotal dessa substância que filtra através da membrana glomerular parao interior dos túbulos a cada minuto. Por exemplo, se houver formaçãode 125 ml de filtrado glomerular a cada minuto, com concentração deglicose de 100 mg/dl, a carga tubular de glicose será de 100 mg x 1,25,ou 125 miligramas de glicose por minuto. De forma semelhante, a cargade sódio que penetra nos túbulos a cada minuto é de aproximadamente18 mEq/min, a carga do íon cloreto é de cerca de 13 mEq/min, a cargade uréia, de aproximadamente 33 mg/min, e assim por diante.

Habitualmente, entretanto, a carga tubular da glicose é de apenas 125mg/min, de modo que, para finalidades práticas, toda ela é reabsorvida.

A Fig. 27.6 demonstra a relação existente entre a carga tubularde glicose, o transporte tubular máximo para a glicose e a intensidadede sua perda na urina. Observe que, quando a carga tubular encontra-seem seu nível normal de 125 mg/min, não há perda detectável de glicosena urina. Entretanto, quando a carga tubular aumenta para mais decerca de 220 mg/min, começam a aparecer quantidades significativasde glicose na urina. Quando a carga atinge valores superiores à cercade 400 mg/min, a perda na urina é igual à carga tubular menos 320mg/min. Por conseguinte, para uma carga tubular de 400 mg/min, aperda é de 80 mg/min, e, para uma carga tubular de 800 mg/min, aperda é de 480 mg/min. Em outras palavras, 320 mg/min da carga tubular,que representam o transporte tubular máximo para a glicose, sãoreabsorvidos, sendo todo o restante perdido na urina.

Limiar para as substâncias que possuem transporte tubularmáximo. Cada substância que possuí transporte reabsortivo máximotambém apresenta uma concentração limiar no plasma, abaixo da qualnenhuma quantidade aparece na urina, e acima da qual aparecemquantidades progressivamente maiores.

Assim, a Fig. 27.6 mostra que a glicose começa a aparecer na urinaquando sua carga tubular ultrapassa 220 mg/min. O limiar deconcentração da glicose no plasma que causa essa carga tubular é de 180m/dl, quando os rins estão operando em sua intensidade de filtraçãoglomerular normal de 125 ml/min.

Transporte tubular máximo de substâncias importantes absorvidasa partir dos túbulos. Alguns dos valores de transporte tubular máximoimportantes para substâncias absorvidas, a partir dos túbulos são osseguintes;

Glicose 320 mg/min

Fosfato 0,1 mM/tninSulfato 0,06 mM/minAminoácidos 1,5 mM/minUrato 15 mg/minProteína plasmática 30 mg/minHemoglobina 1 mg/minLactato 75 mg/minAcetoacetato variável (cerca de 30mg/min)

Transportes tubulares máximos para secreção. As substânciasque são ativamente secretadas pelos túbulos também exibem osseguintes transportes tubulares máximos:

Mg/ minCreatina 16PAH 80

intensidade máxima do transporte de substâncias ativamentereabsorvidas ou secretadas - O "transporte tubular máximo"(Tm)

Como cada substância que é reabsorvida (ou secretada) ativamenterequer um sistema de transporte específico nas células epiteliaistubulares, a quantidade máxima passível de ser reabsorvida dependequase sempre da intensidade máxima com que o próprio sistema detransporte pode operar; por sua vez, isso depende das quantidades totaisde transportador e de enzimas específicas disponíveis, como já foiexplicado no Cap. 4. Conseqüentemente, para quase todas assubstâncias que sofrem reabsorção ativa, existe uma intensidademáxima com que cada uma pode ser reabsorvida; essa intensidade édenominada transporte tubular máximo para a substância, sendoabreviado por Tm. Por exemplo, o Tm para a glicose é, em média, de320 mg/min para o ser humano adulto; se a carga tubular de glicose forsuperior a 320 mg/min, o excesso acima dessa carga não é reabsorvido,mas, pelo contrário, passa para a urina.

Substâncias que não exibem transporte máximoespecialmente os íons sódio nos túbulos proximais

Na lista anterior de substâncias que apresentam transportes máxi-mos, é notável assinalar a ausência de todas as substâncias que sãoreabsorvidas por difusão. Com efeito, sua velocidade de transporte édeterminada por dois fatores: (1) o gradiente de concentração dasubstância através da membrana, sem qualquer máximo, e (2) o tempoem que o líquido que contém a substância permanece no interior dotúbulo. Por conseguinte, esse tipo de transporte é denominadotransporte por gradiente-tempo.

É interessante observar que muitas das substâncias com absorçãorápida e transportadas ativamente, como os íons sódio, também estãoausentes da lista de substâncias que exibem transportes máximos. Arazão disso é que outros fatores, além da velocidade máxima do trans-porte ativo, atuam como fatores limitantes que determinam a intensidadedo transporte. Por exemplo, nos túbulos proximais, a intensidade dotransporte ativo do sódio pela membrana basolateral da célula epitelialtubular é bem maior do que a velocidade de difusão de íons sódio dolúmen tubular para o interior da célula através da borda em escova.Por conseguinte, a intensidade máxima com que o mecanismo de trans-

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minuto não deve variar mais do que alguns pontos percentuais.

O CONCEITODE "DEPURAÇÃOPLASMÁTICA" -SEUUSO NAAVALIAÇÃO DAFUNÇÃORENAL

g. 27.6 Relação da carga tubular de glicose com a perda de glicosena urina.

porte ativo da membrana basolateral pode transportar o sódio nuncaserá praticamente o fator limitante na determinação da intensidade daabsorção do sódio. Outro fator atua na limitação da reabsorção do sódio.Trata-se do extravasamento retrógrado de grande parte do sódiotransportado do interstício para o lúmen tubular através das junçõesepiteliais. Por conseguinte, o transporte de sódio pelos túbulos proximaistambém obedece mais a princípios de transporte de gradiente-tempodo que os princípios de transporte tubular máximo. Isso significa que,quanto maior a concentração de sódio nos túbulos proximais, maior suareabsorção; além disso, quanto mais tempo o líquido tubular permanecernos túbulos proximais, maior será a reabsorção de sódio.

Nas partes mais distais do sistema tubular, nos túbulos distais ealém deles, as células epiteliais diferem acentuadamente das que ocorremnos túbulos proximais; com efeito, possuem junções epiteliais muitomais fechadas e também transportam quantidades bem menores de sódio.Devido a essas diferenças, o transporte de sódio nesses segmentos distaistem um transporte máximo, como no caso da maioria das outrassubstâncias transportadas ativamente. Além disso, esse transporte máximomodifica-se em resposta aos hormônios aldosterona e angiotensina,proporcionando, assim, uma maneira de controlar a intensidade daexcreção do sódio pela urina.Balanço glomerulo tubular nos túbulos proximais. O efeito conhecidocomo balanço glomerulotubular representa uma descobertaespecialmente importante no que diz respeito à absorção de sódio ede líquido pelos túbulos proximais. Isso significa qge, em condiçõesnormais, uma percentagem quase constante de ambos, de cerca de 65%, éreabsorvida durante sua passagem pelos túbulos proximais,independentemente da velocidade com que o filtrado glomerularpenetra no sistema tubular. A razão disso ainda permanece incerta. Épossível que decorra da maior distensão dos túbulos ou de algum outroefeito físico na presença de maiores velocidades de fluxo. Entretanto,qualquer que seja a causa, quando a intensidade da filtração glomerularé de 100 ml/min, a reabsorção tubular proximal é de cerca de 65 ml/min;a elevação do filtrado glomerular para 200 ml/min aumenta a reabsorçãoproximal para cerca de 130 ml/min, mantendo o "balanço" proporcionalmuito perto de 65%. A importância do balanço glomerulotubular é queele ajuda a evitar a sobrecarga dos segmentos mais distais do sistematubular quando a intensidade da filtração glomerular aumenta. Alémdisso, os mecanismos de feedback tubuloglomerulares que controlam aprópria intensidade da filtração glomerular, conforme discutido nocapítulo anterior, também desempenham papel importante ao impedir asobrecarga dos segmentos tubulares distais. É essência! que não sejamsobrecarregados, uma vez que, nesses segmentos finais do sistematubular, a quantidade de cada substância excretada na urina deve sercontrolada. Se a carga tubular que penetra nos túbulos distais variarsignificativamente para cima ou para baixo, os sistemas do controletubular não poderão funcionar adequadamente. Por exemplo, aaldosterona só tem faixa limitada de controle para a reabsorção desódio; por conseguinte, para que seja eficaz no controle da excreção desódio na urina, a carga de sódio que penetra nos túbulos distais a cada

O termo "depuração piasmática" é utilizado para definir acapacidade dos rins de limpar ou "depurar" o plasma de váriassubstâncias. Por conseguinte, se o plasma que passa pelos rins tiver 0,1 gde uma substância em cada decilitro, e se 0,1 g dessa substânciatambém chegar à urina a cada minuto, haverá "depuração" de umdecilitro do plasma por minuto.

Consultando novamente o Quadro 27.1, podemos observar que aconcentração normal de uréia em cada mililitro de plasma e de filtradoglomerular é de 0,26 mg, sendo a quantidade de uréia que penetrana urina a cada minuto de aproximadamente 18,2 mg. Por conseguinte,a quantidade equivalente de plasma que perde totalmente seu conteúdode uréia a cada minuto pode ser calculada dividindo-se a quantidadede uréia que penetra na urina a cada minuto pela quantidade de uréiaem cada mililitro de plasma. Assim, 18,2 ÷ 0,26 = 70, isto é, 70 ml deplasma são depurados de uréia a cada minuto. A quantidade que édepurada a cada minuto é conhecida como depuração plasmática dauréia. Obviamente, portanto, a depuração plasmática de cada substânciaconstitui uma medida da eficácia dos rins em remover a substância dolíquido extracelular.

A depuração plasmática para qualquer substância pode ser calculadapela seguinte fórmula:

Depuração plasmática (ml/min)Fluxo urinário (ml/min) x Concentração na urina

Concentração no plasmaAs depurações plasmáticas dos constituintes habituais da urina estão

indicadas na última coluna do Quadro 27.1.

DEPURAÇÃO DA INULINA COMO MEDIDA DAINTENSIDADE DA FILTRAÇÃO GLOMERULAR

A inulína é um polissacarídio que possui os atributos específicosde não sofrer grau significativo de reabsorção pelos túbulos do néfron,além de ter peso molecular pequeno o suficiente (cerca de 5.200) parapassar através da membrana glomerular tão livremente quanto oscristalóides e a água do plasma. Além disso, a inulina não é secretadaativamente, mesmo em quantidades mínimas, pelos túbulos. Emconseqüência, o filtrado glomerular contém praticamente a mesmaconcentração de inulina que o plasma, e, à medida que o filtrado fluipelos túbulos, toda a inulina filtrada permanece na urina. Porconseguinte, todo o filtrado glomerular formado é depurado de inulina.Assim, a depuração piasmática por minuto de inulina é igual à intensidadeda filtração glomerular.

Como exemplo, suponhamos que a análise química mostre que aconcentração piasmática de inulina ê de 0,001 g em cada mililitro, compassagem de 0,125 g na urina por minuto. Ao dividirmos 0,125 por0,001, verificamos que devem ser formados 125 ml de filtrado glomerulara cada minuto para fornecer â urina a quantidade analisada na inulina.Em outras palavras, ao se medir a depuração plasmática da inulina,determina-se que a intensidade da filtração glomerular é de 125 ml/min.

A inulina não é a única substância que pode ser utilizada paradeterminar a quantidade de filtrado glomerular formada a cada minuto,visto que a depuração plasmática de qualquer outra substância totalmentedifusível através da membrana glomerular, mas que não seja absorvidanem secretada pelas paredes tubulares, é igual à intensidade da filtraçãoglomerular. O manitol é um monossacarídeo quase sempre utilizado emlugar da inulina para essas determinações; o iotalamato radiativo é outrasubstância freqüentemente empregada, uma vez que sua radiatividadepermite fácil análise quantitativa.

DEPURAÇÃO DO ÁCIDO PARA-AMINO-HIPÚRICOCOMO MEDIDA DO FLUXO PLASMÁTICO PELOS RINS

Como a inulina, o PAH passa através da membrana glomerularcom grande facilidade. Todavia, difere da inulina pelo fato de que a

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maior parte do PAH que permanece no plasma após a formação defiltrado glomerular é secretada a partir dos capilares peritubulares parao interior dos túbulos pelo epitélio tubular proximal (se a concentraçãoplasmática de PAH for muito baixa). Com efeito, apenas cerca de umdécimo do PAH original permanece no plasma no momento em queo sangue deixa os rins.

Pode-se utilizar a depuração do PAH para estimar o fluxo de plasmapelos rins. Como exemplo, suponhamos que 1 mgde PAH esteja presenteem cada decilitro de plasma, e que 5,85 mg de PAH penetrem na urinapor minuto. Em conseqüência, 585 ml de plasma são depurados doPAH a cada minuto. Obviamente, se esse plasma for depurado do PAH,pelo menos essa quantidade de plasma deverá ter passado pelos rins nomesmo período de tempo. Como sabemos que quase todo o PAH édepurado do sangue ao passar através dos rins, o valor de 585 ml seriauma primeira aproximação razoável do verdadeiro fluxo plasmático porminuto.

Contudo, para sermos ainda mais exatos, podemos corrigir aquantidade média de PAH que ainda se encontra no sangue quando estedeixa o rim. Em diferentes experimentos, foi constatado que adepuração do PAH é de cerca de 91% da carga plasmática do PAHque penetra nos rins; essa percentagem é conhecida como proporçãoda extração do PAH. Assim, os 585 ml de plasma calculadosrepresentariam apenas 91% da quantidade total de plasma que fluiatravés dos rins. Dividindo 585 por 0,91, obtemos um fluxo plasmáticototal por minuto de aproxima-

damente 650 ml.Pode-se calcular o fluxo sanguíneo total pelos rins a cada minuto

com base no fluxo plasmático e no hematócrito (percentagem de eritró-citos no sangue). Se o hematócrito for de 45%, e o fluxo plasmático,de 650 ml/min, o fluxo sanguíneo total pelos rins será 650 x 100 ÷ 55ou 1.182 ml/min.

CALCULO DA FRAÇÃO DE FILTRAÇÃO A PARTIR DASDEPURAÇÕES PLASMÁTICAS

Para se calcular a fração de filtração isto é, a fração do plasma quefiltra através da membrana glomerular é preciso determinar (1) o fluxoplasmático pelos dois rins (depuração de PAH) e (2) a intensidade dafiltração glomerular por minuto (depuração da inulina). Utilizando 650ml para o fluxo plasmático e 125 ml para a intensidade da filtraçãoglomerular como valores normais, verificamos que a fração de filtraçãocalculada é de 125/650, ou, para expressá-la na forma de percentagem,19%.

REFERÊNCIAS

Ver referências do Cap. 26.

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CAPÍTULO 28

Mecanismos Renais e Associados para oControle da Osmolalidade do Líquido Extracelular

e da Concentração de Sódio

Nos capítulos anteriores, abordamos os mecanismos pelos quaisse forma o filtrado glomerular, bem como o modo como éprocessado nos túbulos até transformar-se em urina. Os capítulosseguintes serão dedicados aos mecanismos pelos quais os rinsutilizam sistemas de feedback negativo para controlar acomposição do líquido extracelular, incluindo o volume dolíquido, sua osmolalidade e as concentrações das váriassubstâncias dissolvidas nele. Esses controles por feedbackenvolvem quase sempre o sistema nervoso, mecanismoshormonais e, inclusive, fatores físicos, como os efeitos devariação dos níveis da pressão arterial sobre o débito urinário.

O presente capítulo irá considerar especificamente (1) osmecanismos pelos quais os rins são capazes de eliminar o excessode água, ao excretarem urina diluída, ou de conservá-la, aoexcretarem urina concentrada; (2) os mecanismos nervosos ehormonais que controlam a osmolalidade dos líquidos corporais,ao induzir ou inibir os mecanismos de diluição ou deconcentração dos rins; e (3) os mecanismos da sede e do apetitede sal, para determinar a ingestão de água e de sal, ajudando,assim, a controlar a osmolalidade do líquido extracelular e aconcentração de sódio.

MECANISMO PARA A EXCREÇÃO DO EXCESSODE ÁGUA: EXCREÇÃO DE URINA DILUÍDA

Uma das funções mais importantes do rim consiste emcontrolar a osmolalidade dos líquidos corporais. Quando aosmolalidade cai para valores demasiado baixos - isto é, quandoos líquidos ficam muito diluídos - , os mecanismos de feedbacknervoso e hormonal atuam sobre os rins, que passam a excretargrande excesso de água na urina. Obviamente, isso produz urinadiluída, mas também remove água do organismo, aumentando,assim, a osmolalidade dos líquidos corporais até seu valor normal.Por outro lado, quando a osmolalidade dos líquidos corporaisé demasiado alta, os rins excretam excesso de solutos, reduzindonovamente a osmolalidade dos líquidos corporais até seu valornormal, excretando ao mesmo tempo urina concentrada

Papel do hormônio antidiurético no controle daconcentração urinária. O sinal que mostra ao rim anecessidade de excretar urina diluída ou concentrada é dadopelo hormônio conhecido como hormônio antidiurético (ADH)(também denominado "va-sopressina") que é secretado pelaneuro-hipófise.

Quando os líquidos corporais estão excessivamenteconcentrados, a neuro-hipófise secreta grandes quantidades deADH, induzindo os rins a excretarem grandes quantidades desolutos, mas a conservar água. Por outro lado, na ausência doADH, os rins excretam urina diluída, perdendo, assim, oexcesso de água do corpo. Os mecanismos de feedback para ocontrole desse sistema são descritos adiante neste capítulo; porenquanto, vamos analisar os mecanismos renais para a excreçãode urina diluída ou concentrada.

Mecanismo renal para a excreção de urina diluída. A Fig.28.1 ilustra o mecanismo para a excreção de urina diluída.Quando o filtrado glomerular é formado inicialmente peloglomérulo, sua osmolalidade é quase a do plasma, ou seja,aproximadamente 300 mOsm/1. Para excretar o excesso de água,é necessário diluir o filtrado à medida que ele passa pelostúbulos. Essa diluição é obtida mediante a reabsorção de maiorproporção de solutos que de água.

As setas coloridas na Fig. 28.1 representam a reabsorçãoda maior parte dos solutos tubulares (além dos produtos dedegradação) em todos os segmentos distais do sistema tubular.Esses mesmos segmentos tubulares são mostrados na figura comparedes espessas e escuras, para indicar que seus epitélios sãoquase impermeáveis à água quando os rins estão excretando urinadiluída. O ramo ascendente da alça de Henle e o segmentodiluidor do túbulo distal, até mesmo em condições normais, sãomuito impermeáveis à água, enquanto o túbulo distal terminal, oduto coletor cortical e o duto coletor também ficam quaseimpermeáveis à água na ausência de ADH, nos líquidos corporaiscirculantes.

A reabsorção dos solutos nesses segmentos distais do sistematubular é intensa e ativa. No segmento grosso do ramo ascendenteda alça de Henle, a reabsorção ativa de íons sódio, potássioe cloreto é especialmente intensa, e, com base nos valoresnuméricos da figura, podemos verificar que a osmolalidade dolíquido no ramo ascendente da alça de Henle diminuiprogressivamente para cerca de 100 mOsm/1, quando o líquidoabandona esse segmento tubular. Isto é, a maior parte dos solutos,salvo os produtos de degradação, é reabsorvida, ao passo que aágua permanece. A seguir, quando esse líquido diluídoremanescente passa pelos túbulos distal, duto coletor cortical eduto coletor, alguma reabsorção adicional de solutos, emparticular de íons sódio, determina diluição ainda maior do líquidotubular, diminuindo quase sempre sua osmolalidade para apenas65 mOsm/1 e, raramente, para níveis inferiores a 50 mOsm/1,ao deixar o duto coletor para entrar na urina.

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Esse grupo de néfrons com alças de Henle longas é denominadonéfrons justamedulares. Paralelamente às longas alças de Henleexistem alças de capilares peritubulares, denominadas vasos retosessas alças também penetram na medula e, a seguir, retornam aocórtex. Essas disposições das diferentes partes do néfronjustamedular e dos vasos retos estão ilustradas de modoesquemático na Fig. 28.2.

Hiperosmolalidade do liquido intersticial medular emecanismos para a sua produção

Fig. 28.1 Mecanismo renal para a formação de urina diluída. As paredesescuras das porções distais do sistema tubular indicam que essas porçõesdos túbulos são relativamente impermeáveis à reabsorção de água naausência de hormônio antidiurético. As setas contínuas indicam osprocessos ativos para a absorção da maior parte dos solutos, além dosprodutos de degradação urinários. (Os valores numéricos estão emmiliosmóis por litro.)

Em resumo, o processo de excreção de urina diluída é muitosimples; consiste em absorver solutos dos segmentos distais dosistema tubular, enquanto a água permanece nos túbulos.Entretanto, essa falta de reabsorção de água só ocorre naausência de ADH.

primeira etapa na excreção do excesso de solutos na urina- isto é, excreção de urina concentrada - consiste em criar umapressão osmótica muito elevada (hiperosmolalidade) do líquidointersticial medular. Como veremos adiante, essahiperosmolalidade é, por sua vez, necessária para concentrar aurina. Entretanto, explicaremos a princípio o mecanismo paracriar essa hiperosmolalidade.

Em quase todas as partes do organismo, a osmolalidadenormal dos líquidos é de cerca de 300 mOsm/l. Todavia, conformeindicado pelos números na Fig. 28.2, a osmolalidade do líquidointersticial na medula do rim é muito maior do que esse valore torna-se progressivamente mais elevada, quanto maisprofundamente mergulharmos na medula, aumentando de 300mOs/1 no córtex para 1.200 mOs/1 (ocasionalmente, até 1.400mOsm/1) na extremidade pélvica da medula. Três mecanismosdiferentes de concentração de solutos são responsáveis por essahiperosmolalidade.

Em primeiro lugar, a causa principal do acentuado aumentoda osmolalidade medular reside no transporte ativo de íons sódio(mais o co-transporte de íons potássio, cloreto, e outros íons)pela porção grossa do ramo ascendente da alça de Henle parao interstício. As grandes setas coloridas mostradas nessesegmento tubular na Fig. 28.2 ilustram esse transporte para olíquido intersticial medular externo. O sódio e seus íonsassociados ficam concentrados nesse líquido. Além disso, sãotransportados em sentido descendente para a medula internapeio sangue que flui nos ramos descendentes dos vasos retos e,também, pela difusão para o ramo delgado descendente da alçade Henle, como veremos em breve.

MECANISMO PARA A EXCREÇÃO DE EXCESSO DESOLUTOS:OMECANISMO DEÇONTRA CORRENTE PARAA EXCREÇÃO DE URINA CONCENTRADA

O processo de concentração da urina não é tão simplesquanto o de sua diluição. Contudo, às vezes, é extremamenteimportante concentrar a urina ao máximo, a fim de que oexcesso de solutos possa ser eliminado com a menor perdapossível de água do organismo por exemplo, quando ficamosexpostos a condições desérticas, com suprimento inadequadode água. Felizmente, os rins desenvolveram um mecanismoespecial, ainda que muito complexo, para concentrar a urina,denominado mecanismos de contracorrente.

O mecanismo de contracorrente depende da disposiçãoanatômica peculiar das alças de Henle e dos vasos retos namedula renal. No ser humano, as alças de Henle de um terçoa um quinto dos néfrons mergulham profundamente na medulae, a seguir, retomam ao córtex; algumas mergulham até aspontas das papilas que se projetam na pelve renal.

Fig. 28.2 O mecanismo de contracorrente para a concentração da urina.(Os valores numéricos estão em miliosmóis por litro.)

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Em segundo lugar, quantidades menores de íons tambémsão transportadas do duto coletor para o líquido intersticialmedular, principalmente como conseqüência do transporteativo de íons sódio e da absorção eletrogênica passiva de íonscloreto juntamente com os íons sódio.

Em terceiro lugar, quando a concentração de hormônioantidiurético no sangue está elevada, verifica-se também aabsorção de grandes quantidades de uréia do duto coletor parao líquido da medula interna. A razão disso é a seguinte: a porçãomedular interna do duto coletor é moderadamente permeávelà uréia, e o ADH aumenta ainda mais essa permeabilidade.Ainda mais importante é o fato de o ADH fazer com que oduto coletor medular interno se torne muito permeável à água.O fato de tornar-se muito permeável à água permite que a altapressão osmótica do sódio no interstício induza a reabsorçãoosmótica de água para fora do duto coletor, resultando emelevação pronunciada da concentração de uréia no duto. Nesseestágio, devido à elevada concentração de uréia, ela também sofredifusão através da parede do duto coletor para o interstíciomedular. Conseqüentemente, a concentração de uréia no líquidointersticial medular eleva-se até quase igualar sua concentraçãono duto coletor. No ser humano, durante a estimulação máximapelo hormônio antidiurético, essa concentração pode atingirvalores de até 400 a 500 mOsm/1, o que, é óbvio, elevaacentuadamente a osmolalidade do líquido intersticial medularinterno.

Em resumo, pelo menos três fatores diferentes contribuempara o acentuado aumento da osmolalidade do líquido intersticialmedular. Esses fatores são: (1) transporte ativo dos íons parao interstício pela porção grossa do ramo ascendente da alça deHenle, (2) transporte ativo de íons do duto coletor para o inters-tício, e (3) difusão passiva de grandes quantidades de uréia doduto coletor para o interstício. O resultado final consiste emaumento da osmolalidade do líquido intersticial medular, quandoexistem quantidades adequadas de ADH, até atingir valores de1.200 a 1.400 mOsm/1 perto das pontas das papilas.Mecanismo pelo qual o hormònio antidiurético aumenta areabsorção de água. Os detalhes finais do mecanismo pelo qualo ADH aumenta a reabsorção de água pela porção terminaldos túbulos distais, pelos dutos coletores corticais e dutoscoletores ainda não foram estabelecidos. Entretanto, existemvários fatos definidos sobre esse mecanismo: o próprio ADHnão atua sobre a membrana luminal das células epiteliaistubulares, mas sobre a membrana basolateral dessas células.Ativa a enzima adenilciclase nessa membrana, causando aformação de mono-fosfato de adenosina cíclico (AMP cíclico) nocitoplasma da célula. A seguir, o AMP cíclico difunde-se para olado luminal da célula e, em poucos minutos, determina odesenvolvimento de estruturas vesiculares alongadas nocitoplasma que se fundem com a membrana luminal da célula.Dessa maneira, as membranas dessas vesículas tornam-se parteda membrana celular luminal, formando áreas de membranacontendo agregados de partículas protéicas que possuem canaiscondutores de água muito grandes. Por conseguinte, a membranaluminal torna-se extremamente permeável à água, contrastandocom seu estado normal de impermeabilidade quase total. Àmedida que a água se difunde para o interior da célula epitelial,ela continua a difundir-se de modo normal pela célula até amembrana basolateral e, a seguir, para o líquido intersticial.

Quando o ADH não está mais presente, as estruturas vesicu-lares destacam-se da membrana luminal em 10 a 15 minutose retornam à sua posição interna no citoplasma. Os túbulos ficamnovamente impermeáveis à água.

Mecanismo para aumentar ainda mais ahiperosmolalidade medular — O "multiplicador decontracorrente"

Na exposição anterior, assinalamos que, quando o sódioe seus íons cloreto associados são transportados do lúmen doramo ascendente espesso da alça de Henle para o interstíciomedular, grande parte desses íons sofre difusão imediata paraos ramos descendentes dos vasos retos e os ramos delgados des-cendentes das alças de Henle. Esse cloreto de sódio é entãotransportado pelo fluxo de líquido até a ponta das papilas. Nesselocal, grande parte do cloreto de sódio difunde-se para ointerstício papilar, aumentando ainda mais sua osmolalidade.Entretanto, o cloreto de sódio remanescente flui pelo ramoascendente da alça de Henle, onde o segmento ascendentegrosso transporta novamente o cloreto de sódio para o interstíciomedular. Essa reabsorção repetitiva de cloreto de sódio pelosegmento ascendente grosso da alça de Henle, juntamente com ofluxo contínuo de novo cloreto de sódio do túbulo proximalpara a alça de Henle, é denominada multiplicador decontracorrente. Obviamente, o cloreto de sódio reabsorvido ésomado ao novo cloreto de sódio que chega, "multiplicando",assim, sua concentração no interstício medular.

Mecanismo de troca por contracorrente nos vasosretos - mecanismo para manter os solutos na medula

Já discutimos os mecanismos pelos quais aparecemconcentrações elevadas de solutos no interstício medular.Todavia, na falta de um sistema vascular medular especial, ofluxo de sangue pelo interstício removeria rapidamente o excessode solutos, impedindo elevação muito pronunciada daconcentração. Felizmente, o fluxo sanguíneo medular possui duascaracterísticas, ambas de suma importância, para manter aelevada concentração de solutos nos líquidos intersticiaismedulares. Em primeiro lugar, o fluxo sanguíneo medularinterno é, do ponto de vista quantitativo, muito pequeno,correspondendo a apenas 1 a 2% do fluxo sanguíneo total dorim. Devido a esse fluxo sanguíneo muito lento, a. remoção desolutos é minimizada. Em segundo lugar, os vasos retosfuncionam como trocador de contracorrente, o que tambémminimiza a remoção de solutos da medula. Isso pode serexplicado da seguinte maneira: o mecanismo de troca delíquido por contracorrente é aquele em que o líquido flui porum longo tubo em U, com os dois ramos do U situadosmuito próximos um do outro, de forma que o líquido e ossolutos podem passar facilmente de um ramo para outro.Obviamente, isso também requer que cada um dos ramos do Useja muito permeável, o que ocorre com os vasos retos. Quandoos líquidos e os solutos nos dois sistemas paralelos de fluxopodem executar troca rápida, enormes concentrações de solutospodem ser mantidas na extremidade da alça, com remoçãoinsignificante de soluto. Por conseguinte, na Fig. 28.2, quando osangue flui pelos ramos descendentes dos vasos retos, o cloretode sódio e a uréia difundem-se para o sangue a partir do líquidointersticial, enquanto a água passa, por difusão, para o interstício.Esses dois efeitos determinam elevação progressivamente maiorda concentração osmolar do sangue capilar até atingir aconcentração máxima de 1.200 mOs/1 nas extremidades dosvasos retos. A seguir, quando o sangue retorna pelos ramosascendentes, a extrema difusibilidade de todas as moléculasatravés da membrana capilar faz com que quase todo oexcesso de cloreto de sódio e de uréia passe, por difusão, dosangue para o líquido intersticial, enquanto a água se difunde devolta para o sangue. Por conseguinte, quando o sangue finalmente

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abandona a medula, sua concentração osmolar é apenas poucomaior que a do sangue que inicialmente penetrou nos vasos retos.Em conseqüência, o sangue que flui pelos vasos retos sótransporta diminuta quantidade de solutos intersticiais medularespara fora da medula.

Mecanismo de excreção de urina concentrada - papel dohormônio antidiurético

Agora que já explicamos o mecanismo pelo qual o rim criahiperosmoialidade no interstício medular, torna-se mais simplesexplicar o mecanismo de excreção de urina concentrada.

Quando a concentração sanguínea de ADH está elevada,o epitélio do duto coletor cortical, do duto coletor e, em algumasespécies de animais, da porção terminal do túbulo distal ficamuito permeável à água. Esse processo é ilustrado na Fig. 28.2pelas paredes delgadas desses segmentos do sistema tubular.Ainda mais importante, quando o líquido tubular flui pelo dutocoletor, a água é atraída, por osmose, para o líquido altamenteconcentrado do interstício medular. Por conseguinte, o líquidono duto coletor também fica muito concentrado e sai da papilapara a pelve renal com concentração de cerca de 1.200 mOsm/l,quase igual à concentração osmolal dos solutos no interstíciomedular perto da papila.

Resumo das alterações da concentração osmolalnos diferentes segmentos dos túbulos

A Fig. 28.3 ilustra as mudanças da osmolalidade do líquidotubular à medida que passa pelos diferentes segmentos dostúbulos. Nos túbulos proximais, as membranas tubulares são tãoaltamente permeáveis à água que, toda vez que um soluto étransportado através da membrana, uma quantidade quaseexatamente proporcional de água atravessa ao mesmo tempo amembrana por osmose; por conseguinte, a osmolalidade dolíquido permanece quase exatamente igual à do filtradoglomerular, isto é, de 300 mOsm/l, em toda a extensão dotúbulo proximal.

A seguir, na alça de Henle, a osmolalidade eleva-serapidamente devido ao mecanismo de contracorrente explicadonos parágrafos anteriores. Quando está sendo formada urinaconcentrada - isto é, quando a concentração sanguínea de ADHestá elevada - , a osmolalidade na alça de Henle aumentamuito mais do que quando está sendo formada urina diluída,devido

à grande quantidade de uréia que é reabsorvida passivamentedos dutos coletores para o interstício medular.

Em seguida, começando na porção grossa do ramoascendente da alça de Henle, a osmolalidade cai novamente aum. nível muito baixo, geralmente de cerca de 100 mOsm/l.

Por fim, na porção terminal do túbulo distal, no duto coletorcortical e no duto coletor, a osmolalidade depende totalmenteda presença ou ausência de ADH. Na ausência de ADH, ocorrereabsorção de quantidade muito pequena de água a partir dessessegmentos. Por conseguinte, a osmolalidade continua sendoinferior a 100 mOsm/l e, inclusive, cai por alguns miliosmóis,devido ao transporte ativo de íons através do epitélio dessestúbulos. Assim, forma-se urina muito diluída.

Todavia, na presença de ADH em quantidades excessivas,o duto coletor cortical, o duto coletor e, em algumas espéciesanimais, a porção terminal do túbulo distal tornam-seextremamente permeáveis à água, de modo que é reabsorvida amaior parte da água, produzindo, assim, urina muitoconcentrada.

Convém observar em particular as áreas sombreadas da Fig.28.3. Essas áreas indicam as faixas de concentração do líquidotubular, bem como a faixa habitual de concentração da urinaentre 65 e 1.200 mOsm/l nos seres humanos, dependendo daconcentração sanguínea de ADH a qualquer momento.

DEPURAÇÃO OSMOLAR: DEPURAÇÃO DA ÁGUALIVRE

Pode-se calcular a depuração de substâncias osmolares (Cosm) emtermos do volume de plasma depurado por minuto, da mesma maneiracomo se calcula a depuração de determinada substância, utilizando aseguinte fórmula:

Com = Osmóis que penetram na urina por minutoConcentração plasmática osmolar

Por exemplo, se a osmolalidade plasmática for de 300 mOsm/l,e a quantidade de miliosmóis que penetram na urina por minuto forde 1,5, a depuração osmolar será de 1,5/300 l/min ou 5 ml/min.

Depuração de água livre. Quando o rim forma urina osmoricamentemais diluída que o plasma, é óbvio que a água do filtrado glomerularestá sendo excretada em maior proporção do que as substânciasosmolares. O excesso de água que é excretado é denominado águalivre, e o volume plasmático total que é depurado desse excesso deágua a cada minuto recebe a designação de depuração de água livre. Adepuração da água livre pode ser calculada determinando-se, emprimeiro lugar, a depuração osmolar e, a seguir, subtraindo esse valorda velocidade do fluxo urinário por minuto. Assim, a fórmula para adepuração de água livre ( CH2O) é a seguinte:

CH2O = Volume de urina por minuto — COSM

A depuração da água livre é importante por indicar a rapidez comque os rins estão modificando a osmolalidade dos líquidos corporais.A depuração da água livre pode ser positiva, caso em que está sendoremovido o excesso de água, ou negativa, caso em que está sendoremovido o excesso de solutos.

ig. 28.3 Alterações da osmolalidade do líquido tubular ao passar pelosistema tubular.

CONTROLE DA OSMOLALIDADE DO LÍQUIDOEXTRACELULAR E DA CONCENTRAÇÃO DESÓDIO

Uma vez descritos os mecanismos pelos quais os rins podemexcretar urina diluída ou concentrada, explicaremos, nas páginasque se seguem, o modo como esses mecanismos são manipuladospara controlar a osmolalidade do líquido extracelular e aconcentração de sódio. A osmolalidade e a concentração desódio estão inextricavelmente relacionadas entre si, visto queos íons sódio

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nos líquidos extracelulares desempenham o papel dominante nadeterminação da osmolalidade do líquido extracelular, comoveremos na seção seguinte.

A osmolalidade do líquido extracelular atinge, em média,quase exatamente 300 mOsm/l enquanto a concentração de íonssódio é de 142 mEq/1. Raramente esses valores se modificampor mais de ±3% dia a dia, o que nos dá uma ideia de seurigoroso controle.

Relação entre a osmolalidade do líquido extracelular e aconcentração de sódio. A osmolalidade dos líquidosextracelulares é determinada quase totalmente pelaconcentração de sódio no líquido extracelular. A razão disso éque o sódio constitui, sem dúvida alguma, o íon positivo maisabundante do líquido extracelular, representando mais de 90%desses íons. Além disso, toda vez que um íon positivo éreabsorvido pelos túbulos renais, também ocorre reabsorção deum íon negativo. Assim, o controle dos íons positivos regula aconcentração iônica total. Além disso, a glicose e a uréia, que sãoos mais abundantes dos solutos osmolares não-iônicos noslíquidos extracelulares, representam normalmente apenas 3% daosmolalidade total; apesar disso, a uréia exerce pressão osmóticaefetiva muito pequena, visto que penetra nas células comdemasiada facilidade para causar resultados osmóticossignificativos. Por conseguinte, os íons sódio do líquidoextracelular determinam, direta ou indiretamente, mais de 90%da pressão osmótica do líquido extracelular. Assim, de modogeral, podemos falar ao mesmo tempo em termos do controleda osmolalidade e do controle da concentração de íons sódio.

Três sistemas distintos de controle operam em estreitaassociação para regular a osmolalidade extracelular e aconcentração de sódio: (1) o sistema dos osmorreceptores -hormônio antidiurético, (2) o mecanismo da sede, e (3) omecanismo do apetite de sal.

O SISTEMA DE CONTROLE DE RETROALIMEN-TAÇÃO DOS OSMORRECEPTORES – HORMÔNIOANTIDIURÉTICO

A Fig. 28.4 ilustra o sistema dos osmorreceptores-hormônioantidiurético para o controle da osmolalidade e da concentraçãode sódio do líquido extracelular. Trata-se de um típico sistemade controle por feedback que opera por meio das seguintes etapas:

1. O aumento da osmolalidade (principalmente excesso desódio e de íons negativos que o acompanham) estimula os osmor-

receptores localizados no hipotálamo anterior, próximo aosnúcleos supra-ópticos.

2. A excitação dos osmorreceptores estimula, por sua vez,os núcleos supra-ópticos, que, então, induzem a neuro-hipófisea liberar ADH.

3. O ADH aumenta a permeabilidade à água da porçãoterminal dos túbulos distais, dos dutos coletores corticais e dosdutos coletores, conforme explicado anteriormente, determinamdo, assim, maior conservação de água pelos rins.

4. A conservação de água com perda de sódio e de outrassubstâncias osmolares na urina produz diluição do sódio e deoutras substâncias no líquido extracelular, corrigindo, assim, olíquido extracelular inicial excessivamente concentrado.

Por outro lado, quando o líquido extracelular fica muitodiluído (hiposmótico), ocorre formação de menos ADH, e oexcesso de água é eliminado, em comparação com os solutosdo líquido extracelular, concentrando e normalizando, assim,os líquidos corporais.

Os osmorreceptores (ou receptores de osmossódio) - a região"AV3V" do cérebro. A Fig. 28.5 ilustra o hipotálamo e a hipófise.O hipotálamo contém duas áreas importantes para o controleda secreção de ADH e da sede. Uma delas é representada pelosnúcleos supra-ópticos. Nesse local, cerca de cinco sextos do ADHsão formados nos corpos celulares de grandes células neuronais;o sexto restante é formado próximo aos núcleos paraventriculares.Este hormônio é transportado ao longo dos axônios dos neurôniosaté suas extremidades, terminando na neuro-hipófise. Quandoos núcleos supra-ópticos e paraventriculares são estimulados, osimpulsos nervosos são transmitidos para essas terminaçõesnervosas, ocasionando a liberação de ADH no sangue capilar daneuro-hipófise.

A segunda área neuronal importante no controle da osmola-lidade é representada por ampla área situada ao longo da bordaântero-ventral do terceiro ventrículo, denominada região AV3V,também ilustrada na Fig. 28.5. Na parte superior dessa área,existe uma estrutura especial denominada órgão subfornical\ naparte inferior existe outra estrutura conhecida como organumvasculosum da lâmina terminal. Entre esses dois "órgãos",encontra-se o núcleo pré-óptico mediano, que possui múltiplasconexões nervosas com eles, bem como com os núcleos supra-ópticos e os centros de controle da pressão arterial no bulbo.As lesões da região AV3V produzem múltiplos déficits nocontrole da secreção de ADH, na sede, no apetite de sódio e napressão arterial. Além disso, a estimulação elétrica, bem comoa estimulação pelo hormônio angiotensina II, pode alterar asecreção de ADH, a sede e o apetite de sódio.

Na vizinhança da região AV3V e dos núcleos supra-ópticos,

Fig. 28.4 Controle da osmolalidade do líquido extracelular e daconcentração de íon sódio pelo sistema de controle de feedback dereceptor de osmossódio-hormônio antidiurético.

Fig. 28.5 O sistema antidiurético supra-óptico-hipofisário e sua relaçãocom o centro da sede no hipotálamo.

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encontram-se outras células neuronais que são excitadas poraumentos muito pequenos da osmolalidade do líquidoextracelular e inibidas por reduções da osmolalidade. Essesneurônios são denominados osmorreceptores. Por sua vez, elesenviam sinais nervosos para os núcleos supra-ópticos paracontrolar a secreção de ADH. É provável que também induzama sede.

Tanto o órgão subfornical quanto o organum vasculosumda lâmina terminal possuem suprimentos vasculares desprovidosda típica barreira hematoence fálica existente no cérebro, queimpede a difusão da maioria dos íons do sangue para o tecidocerebral. Por conseguinte, a ausênciadessa barreira torna possívela fácil movimentação de íons e outros solutos entre o sanguee o líquido intersticial local. Dessa maneira, os osmorreceptoresrespondem rapidamente a variações da osmolalidade do líquidodo sangue, exercendo acentuado controle sobre a secreção deADH e, provavelmente, sobre a sede.

Resumo domecanismo do hormônioantidiurético, no controleda osmolalidade do líquido extracelular e da concentração de sódiono líquido extracelular. Com base nessa exposição, podemosreiterar a importância do mecanismo do ADH para controlar aomesmo tempo a osmolalidade do líquido extracelular e aconcentração de sódio no líquido extracelular. Isto é, o aumentoda concentração de sódio determina elevação quase exatamenteparalela da osmolalidade, que, por sua vez, excita ososmorreceptores do hipotálamo. A seguir, esses receptoresocasionam a secreção de ADH, cujo efeito é o de aumentaracentuadamente a reabsorção de água nos túbulos renais.Conseqüentemente, a perda de água na urina é muito pequena,enquanto os solutos urinários continuam sendo eliminados. Porconseguinte, a proporção relativa de água no líquido extracelularaumenta, ao passo que a proporção de solutos diminui. Dessamaneira, a concentração de íons sódio do líquido extracelular e aosmolalidade diminuem até o nível normal. Trata-se de ummecanismo muito potente para controlar tanto a osmolalidadedo líquido extracelular quanto a concentração de sódio nolíquido extracelular.

Função do mecanismo do hormônio antidiuréticoem condições especiais

Diurese hídrica. Quando uma pessoa ingere grande quantidade deágua, ocorre o fenômeno denominado diurese hídrica, cujo registro típicoé mostrado na Figura 28.6. Nesse exemplo, um homem bebeu 1 1 de

água, e, cerca de 45 minutos depois, seu débito urinário aumentou oitovezes em relação ao normal. Manteve-se nesse nível por 2 horas istoé até que a osmolalidade do líquido extracelular tivesse retornadoessencialmente ao normal. A demora do início da diurese hídrica écausada, em parte, pela demora da absorção da água pelo tubogastrintestinal, mas principalmente pelo tempo necessário para adestruição do ADH que já tinha sido liberado pela hipófise antes daingestão de água.

Síndrome de secreção inadequada de hormônio antidiurético.Certos tipos de tumores, em particular tumores broncogênicos dospulmões ou tumores das regiões basais do cérebro, secretamocasionalmente ADH ou um hormônio semelhante. Essa condição éconhecida como sindrome de secreção inapropriada de ADH. O excessode ADH causa apenas aumento ligeiro no volume de líquido extracelular.Com efeito, sua principal ação consiste em reduzir acentuadamente aconcentração de sódio (e a osmolalidade) do liquido extracelular. Aexplicação desse efeito é a seguinte: a princípio, o ADH determinaredução do débito urinário e, simultaneamente, ligeiro aumento dovolume sanguíneo. Por sua vez, esse aumento provoca elevação discretada pressão arterial que, a seguir, provoca aumento secundário do débitourinário. Contudo, a urina excretada ainda está muito concentrada, vistoque o ADH ainda está causando reabsorção excessiva de água pelostúbulos renais. Por conseguinte, os rins excretam enormes quantidadesde íons sódio e de outros íons na urina, mas conservam a água nolíquido extracelular. Assim, a concentração de sódio ficaacentuadamente reduzida, caindo algumas vezes de seu valor normalde 142 mEq/l para apenas 110 a 120 mEq/1. Com esses valores tãobaixos, os pacientes sofrem quase sempre morte súbita devida à coma ea convulsões.

A doença é particularmente instrutiva, pois ilustra a extremaimportância do mecanismo do ADH no controle da concentração desódio e da osmolalidade extracelular, bem como seu efeito relativamenteleve sobre o controle do volume de líquidos corporais.

SEDE E SEU PAPEL NO CONTROLE DAOSMOLALIDADE DO LIQUIDO EXTRACELULAR EDA CONCENTRAÇÃO DE SÓDIO

Na regulação da água corporal, da osmolalidade e daconcentração de sódio, o fenômeno da sede é tão importantequanto o mecanismo osmorreceptor-renal antes descrito, umavez que a quantidade de água no organismo, a qualquermomento, é determinada pelo equilíbrio entre a ingestão e aeliminação de água. A sede, que é o regulador primário daingestão de água, é definida como o desejo consciente de beberágua.

Integração neural da sede — o centro da "sede'

Fig. 28.6 Diurese hídrica num ser humano após a ingestão de 1.000ml de água. (Redesenhado de Smith: The Kidney: Structure andFunctions in Health and Disease. New York, Oxford University Press,1951.)

Consultando novamente a Fig. 28.5, verificamos que amesma área ao longo da parede ântcro-ventral do terceiroventrículo, que promove a antidiurese, também pode causar sede.Também com localização antero-lateral na área pré-óptica,encontram-se outras pequenas áreas que, quando estimuladaseletricamente, determinam o início imediato da ingestão de água,que prossegue enquanto persistir a estimulação. Todas essas áreasreunidas constituem o centro da sede.

A injeção de solução salina hipertônica em partes do centroda sede induz osmose de água para fora das células neuronais,levando o indivíduo a beber. Por conseguinte, essas células atuamcomo osmorreceptores para ativar o mecanismo da sede. Éprovável que esses osmorreceptores sejam os mesmos queativam o sistema antidiurético.

Além disso, o aumento da pressão osmótica do líquido cefa-lorraquidiano no terceiro ventrículo exerce essencialmente omesmo efeito no sentido de promover a ingestão de água.Alguns experimentos sugerem que o local desse efeito é o organumvasculosum da lâmina terminal, situado imediatamente abaixoda superfície ventricular, na extremidade mais inferior daregião AV3V.

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As células neuronais localizadas nessa região são excitadas peloaumento da osmolalidade.

Estímulo básico para excitar o centro da sede - desidrataçãointracelular. Qualquer fator passível de causar desidrataçãointracelular irá geralmente causar a sensação de sede. A causamais comum disso é o aumento da concentração osmolar dolíquido extracelular, especialmente o aumento da concentração desódio, que produz osmose de líquido para fora das célulasneuronais do centro da sede. Todavia, outra causa importantereside na perda excessiva de potássio do organismo, que reduz opotássio intracelular das células da sede, diminuindo, portanto,seu volume.

Alívio temporário da sede causado pelo ato de beber

Uma pessoa sedenta consegue aliviar a sede imediatamenteapós a ingestão de água, até mesmo antes de a água ter sidoabsorvida pelo tubo gastrintestinal. De fato, nas pessoas queapresentam fístula esofágica aberta para o exterior, de modoque a água é perdida e nunca chega ao tubo gastrintestinal,ainda ocorre alívio parcial da sede, embora esse alívio seja apenastemporário e a sede retorne depois de 15 minutos ou mais. Sea água penetrar no estômago, a distensão desse órgão e de outrasporções do tubo gastrintestinal superior proporciona alíviotemporário adicional da sede. Na verdade, a simples inflaçãode um balão colocado no estômago pode alivia r a sededurante 5 a 30 minutos.

Pode-se questionar o valor desse alívio temporário da sede;todavia, existem boas razões para sua ocorrência. Após a ingestãode água, pode ser necessário um período de meia hora a 1 horapara que toda a água seja absorvida e distribuída por todo oorganismo. Se a sensação de sede não fosse aliviadatemporariamente após a ingestão de água, a pessoa continuariabebendo cada vez mais. Por fim, quando toda essa água fosseabsorvida, os líquidos corporais ficariam muito mais diluídos doque o normal, e surgiria uma condição anormal, oposta à que apessoa estava tentando corrigir. Sabe-se muito bem que o animalsedento quase nunca bebe mais do que a quantidade de águanecessária para aliviar seu estado de desidratação. Com efeito, éfantástico o fato de o animal beber habitualmente quase aquantidade certa.

PAPÉIS COMBINADOS DOS MECANISMOSANTIDURÉTICO E DA SEDE NO CONTROLE DAOSMOLALIDADE E DA CONCENTRAÇÃO DE SÓDIODO LÍQUIDO EXTRACELULAR

Quando o mecanismo do ADH ou o mecanismo da sedefalha, o outro habitualmente consegue controlar com razoáveleficácia tanto a concentração de sódio quanto a osmalidade dolíquido extracelular. Por outro lado, se ambos falharemsimultaneamente, nem o sódio, nem a osmolalidade serãocontrolados de modo adequado.

A Fig 28.7 ilustra de modo notável a capacidade do sistemade ADH-sede de controlar a concentração de sódio do líquidoextracelular (e, portanto, da osmolalidade). Essa figura mostraa capacidade do mesmo animal de controlar a concentração desódio do líquido extracelular em duas condições diferentes: (1)no estado normal e (2) após bloqueio dos mecanismos do ADHe da sede. Observe que, no estado normal (curva contínua),um aumento de seis vezes na ingestão de sódio determinoualteração da concentração de sódio de apenas dois terços de 1%(de 142 mEq/1 para 143 mEq/1) ou seja, um excelente grau decontrole da concentração de sódio. Observe agora a curvatracejada da figura, que mostra a alteração da concentração desódio quando o sistema de ADH-sede foi bloqueado. Nessecaso, a concentração de sódio aumentou 10% com aumento deapenas cinco vezes na ingestão de sódio (mudança daconcentração de sódio de 137 mEq/1 para 151 mEq/l)? o queconstitui alteração extrema da concentração de sódio, quando sesabe que a concentração normal de sódio raramente aumentaou diminui por mais de 1% de um dia para outro.

Por conseguinte, o principal mecanismo de feedback parao controle da concentração de sódio (e também da osmolalidadeextracelular) é o mecanismo de ADH-sede. Na ausência desseduplo mecanismo, não há mecanismo de feedback capaz de levaro organismo a aumentar a ingestão de água ou a conservá-la

Papel da sede no controle da osmolalidade do líquidoextracelular e da concentração de sódio

Limiar para a ingestão de água - o mecanismo atívador.Os rins estão excretando líquido continuamente; além disso,ocorre perda de água por evaporação a partir da pele e dospulmões. Por conseguinte, a pessoa está sendo continuamentedesidratada, acarretando a diminuição do volume de liquidoextracelular, com aumento da concentração de sódio e de outroselementos osmolares. Quando a concentração de sódioaumenta por cerca de 2 mEq/1 acima do normal (ou quando aosmolalidade aumenta por cerca de 4 mOsm/1 acima donormal), o mecanismo da sede fica "ativado"; isto é, a pessoaatinge um nível de sede forte o suficiente para ativar oesforço motor necessário que induz à ingestão de água. Este éo chamado limiar da sede. A rigor, a pessoa bebe exatamentea quantidade necessária de líquido para normalizar os líquidosextracelulares - isto é, até atingir o estado de saciedade. Aseguir, o processo de desidratação e de concentração de sódiocomeça novamente, e, depois de certo período de tempo, o atode beber é de novo ativado, sendo o processo perpetuadoindefinidamente.

Dessa maneira, tanto a osmolalidade quanto a concentraçãode sódio do líquido extracelular são controladas com muitaprecisão.

Fig. 28.7 Efeito sobre a concentração de sódio no líquido extracelularde cães causado por grandes variações da ingestão de sódio (1) emcondições normais e (2) após bloqueio dos sistemas do hormônioantidiurético e do mecanismo da sede. Esta figura mostra a falta decontrole do íon sódio na ausência desses sistemas. (Cortesia de Dr.David B. Young.)

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pelos rins quando um excesso de sódio penetra no corpo. Porconseguinte, a concentração de sódio simplesmente aumenta.

Efeito dos reflexos cardiovasculares sobre o sistema decontrole de ADH-sede

Dois reflexos cardiovasculares também exercem potentesefeitos sobre o mecanismo de ADH-sede: (1) o reflexobarorreceptor arterial e (2) o reflexo dos receptores de volume,ambos descritos no Cap. 18. Quando o volume sanguíneo cai,ambos os mecanismos determinam o aumento da secreção deADH, bem como aumento da sede. Isto é, a redução do volumesanguíneo provoca perda da pressão arterial e ativa o reflexobarorreceptor arterial. O reflexo dos receptores de volume éativado quando as pressões nos dois átrios, na artéria pulmonare em outras áreas de baixa pressão da circulação pulmonar caempara valores abaixo do normal, devido a volume demasiadopequeno na circulação. O resultado final é a ativação do sistemade ADH-sede, com o conseqüente aumento do volume doslíquidos corporais.

Para comparar os efeitos da osmolalidade na ativação dosistema de ADH com os efeitos dos reflexos circulatórios, aFig. 28.8 ilustra com círculos abertos os efeitos do aumento daosmolalidade dos líquidos corporais sobre a secreção de ADH;os círculos cheios indicam o efeito da redução do volumesangüíneo.

EXCREÇÃO DE SÓDIO E SEU CONTROLE PELAALDOSTERONA

Normalmente, o filtrado glomerular contém cerca de 26.000mEq de sódio por dia; apesar disso, a ingestão média de sódioa cada dia é de apenas 150 mEq. Por conseguinte, os rins sópodem excretar cerca de 150 do total de 26.000 mEq, visto que,de outro modo, ocorreria depleção corporal de sódio. Conseqüen-

Fig. 28.8 Efeito de variações da osmolalidade plasmática ou do volumesanguíneo sobre o nível plasmático de hormônio antidiurético (ADH)(arginina vasopressina [AVPJ. (De Dunn et ai.: /. Clin. Invest., 52:3212, 1973. Por cessão de copyright da American Society for ClinicaiInvestigation.)

temente, Q principal papel do sistema tubular na excreção desódio consiste em reabsorvê-lo, e não em excretá-lo.

Reabsorção da maior parte do sódio tubular nos túbulospróxima e nas alças de Henle. Quando o líquido tubularatinge os túbulos distais, todo o sódio, à exceção de cercade 8%, já sofreu reabsorção. Cerca de 65% dessa quantidade sãoreabsorvidos nos túbulos proximais, devido ao transporte ativo desódio pelas células epiteliais tubulares proximais. Além disso,como já foi explicado no capítulo anterior, quando o sódio éreabsorvido, a carga positiva dos íons sódio determina a difusãopassiva ou o co-transporte de íons negativos, especialmente dosíons cloreto, através do epitélio. A seguir, a reabsorçãocumulativa de íons cria uma diferença de pressão osmótica quetambém desloca a água através da membrana. Com efeito, oepitélio é tão permeável à água que ocorre reabsorção de quase amesma proporção de água e de íons sódio.

Na porção grossa do ramo ascendente da alça de Henle,aproximadamente outros 27% de sódio são reabsorvidos, demodo que apenas 8% penetram nos túbulos distais. Todavia, areabsorção de sódio nesse local é muito diferente da observadanos túbulos proximais, visto que esse segmento grosso da alça équase impermeável à água, conforme assinalado antes nestecapítulo. Por conseguinte, a concentração de íons sódio cai paravalores muito baixos no líquido tubular do ramo ascendenteantes de penetrar nos túbulos distais, atingindo apenas um quartode sua concentração no plasma - até uma concentração de 30 a40 mEq/1, em contraste com o nível plasmático de 140 mEq/1.

Por conseguinte, os túbulos proximais e as alças de Henlesão responsáveis pelo retorno ao plasma da maior parte do sódioque penetra no sistema tubular no filtrado glomerular,conservando, assim, o sódio.

Reabsorção variável de sódio na parte terminal dostubulos distais e nos dutos coletores corticais - papel daaldosterona

A reabsorção de sódio na porção terminal dos túbulos distaise nos dutos coletores corticais é extremamente variável. Aintensidade da reabsorção é controlada sobretudo pelaconcentração sanguínea de aldosterona, hormônio secretado pelocórtex supra-renal. Na presença de grandes quantidades dealdosterona, quase os últimos vestígios do sódio tubular sãoreabsorvidos por essas porções do sistema tubular, de modo quepraticamente nenhum sódio chega à urina. Por outro lado, naausência de aldosterona, quase todo o sódio que penetra naporção terminal dos túbulos distais, isto é, cerca de 800 mEq/dia,não é reabsorvido e, assim, passa para a urina. Assim, aexcreção de sódio pode ser de apenas 0,1 g por dia ou de até20 g por dia, dependendo da quantidade secretada dealdosterona.

Mecanismo pelo qual a aldosterona aumenta o transportede sódio. Ao penetrar na célula epitelial tubular, a aldosteronacombina-se com uma proteína receptora; essa combinaçãodifunde-se dentro de poucos minutos para o interior do núcleo,onde ativa as moléculas de ADN para formar um ou mais tiposde ARN-mensageiro. A seguir, acredita-se que o ARNdetermine a formação de proteínas transportadoras ou deenzimas protéicas necessárias para o processo de transporte dosódio. Foram sugeridas várias teorias: (1) a de que uma proteínaespecífica poderia aumentar a permeabilidade da borda luminalda célula ao sódio, (2) a de que uma maior quantidade de Na\K+-ATPase (que é a proteína bombeadora de sódio) apareceriana membrana basolateral da célula epitelial, ou (3) a de queuma ou mais enzimas protéicas poderiam aumentar adisponibilidade de ATP para a ATPase, de modo que possafuncionar mais ativamente. Infelizmente, ainda se desconhece omecanismo preciso envolvido.

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Em geral, a aldosterona não exerce qualquer efeito sobreo transporte de sódio dentro dos primeiros 45 minutos após suaadministração; depois desse período, as proteínas específicasimportantes para o transporte começam a aparecer nas célulasepiteliais, seguidas por aumento progressivo do transportedurante algumas horas subseqüentes.

Controle da secreção de aldosterona. A aldosterona ésecretada pelas células da zona glomerular no córtex dasglândulas supra-renais, conforme discutido com maioresdetalhes no Cap. 77. A secreção de aldosterona éreconhecidamente estimulada por três fatores diferentes: (1)aumento da angiotensina II no sangue, (2) aumento daconcentração de íons potássio do líquido extracelular e (3)diminuição da concentração de íons sódio do líquidoextracelular. O segundo desses três fatores é importante para ocontrole da concentração dos íons potássio, conforme discutidono próximo capítulo. O primeiro e o terceiro são de sumaimportância no controle da excreção renal de sódio, bem comono controle do volume extracelular.

Quando ocorre redução excessiva do volume do líquidoextracelular, os efeitos resultantes sobre o sistema circulatórioconsistem em queda da pressão arterial e aumento daestimulação reflexa do sistema nervoso simpático. Ambosreduzem o fluxo sanguíneo pelos rins e estimulam a secreção derenina, conforme explicado no Cap. 19. Por sua vez, a reninadetermina a formação de angiotensina I que, mais tarde, éconvertida em angiotensina II. Por fim, a angiotensina IIexerce efeito direto sobre as células da zona glomerular,aumentando a secreção de aldosterona.

Além disso, a redução da concentração de íons sódio nolíquido extracelular também parece exercer fraco efeitoestimulante direto sobre a secreção de aldosterona, embora esseefeito seja muito menos potente do que o efeito da angiotensinaII.

Por conseguinte, sempre que o volume de líquidoextracelular ou a concentração de íons sódio do líquidoextracelular ficarem reduzidos abaixo da faixa normal, ocorresecreção de aldosterona, e os túbulos renais reabsorvemquantidades adicionais de sódio e de água, resultando emnormalização do sódio e do volume de líquido extracelular.

Relativa falta de importância do mecanismo de feedback daaldosterona para a determinação da concentração de íons sódio emcondições normais. Apesar de a aldosterona aumentar a quantidade desódio no líquido extracelular, a maior reabsorção de água juntamentecom o sódio impede, em geral, LI elevação na concentração de sódio,porém aumenta principalmente a quantidade total do líquidoextracelular. Esse processo é ilustrado pelo experimento da Fig. 28.9.Essa figura mostra o efeito, sobre a concentração de sódio, do aumentopor mais de seis vezes da ingestão de sódio no mesmo cão (1) emcondições normais e (2) após bloqueio do sistema de feedback daaldosterona - isto é, as glândulas supra-renais foram removidas, e osanimais receberam infusão de aldosterona com intensidade constante,que não podia ser modificada nem para mais, nem para menos.Observe que, em ambos os casos, a concentração de sódio não se alteroupor mais de 1 a 2%. Em outras palavras, até mesmo na ausência de umsistema funcional de feedback da aldosterona (visto o harmônio não tersua concentração nem aumentada nem diminuída), a concentração desódio ainda é muito bem regulada. Devido ao efeito acentuado que aaldosterona exerce sobre a reabsorção tubular de sódio, essa falta deimportância do controle da concentração de sódio por feedback daaldosterona parece ser um paradoxo, mas resulta do seguinte efeitomuito simples: quando a aldosterona induz maior reabsorção de sódio dostúbulos, conforme discutido antes, esse efeito determina reabsorçãosimultânea de água e aumento do volume de líquido extracelular.Aumento de apenas alguns pontos percentuais no volume de líquidoextracelular acaba resultando em elevação da pressão arterial; estaelevação leva a aumento da filtração glomerular, efeito bem conhecidona presença de quantidades excessivas de aldosterona, 0 rápido fluxodo filtrado pelo sistema tubular compensa, então, o efeitoreabsortivo excessivo da aldosterona e, assim, anula quase por com-

Fig. 28.9 Efeito sobre a concentração de sódio do líquido extracelularde cães, causado por grandes variações da ingestão de sódio (1) emcondições normais e (2) após bloqueio do sistema de feedback da aldoste-rona. Observar que o sódio é extremamente bem controlado, com ousem controle de feedback da aldosterona. (Cortesia de Dr. David B.Young.)

pleto o efeito da aldosterona sobre a concentração de sódio do líquidoextracelular.

Além disso, conforme explicado antes, o sistema de ADH-sedeé um controlador muito potente da concentração de sódio - muitomais poderoso do que o sistema de feedback da aldosterona -, demodo que, em condições normais, o sistema de ADH-sede supera delonge o sistema da aldosterona para o controle da concentração de sódio.Com efeito, mesmo em pacientes com atdosteronismo primário (essespacientes secretam enormes quantidades de aldosterona), a concentraçãode sódio ainda aumenta apenas cerca de 2 a 3 mEq/l acima do normal.

CONTROLE DA INGESTÃO DE SÓDIO PELOMECANISMO DO APETITE POR SAL

A manutenção da normalidade do sódio extracelular requer nãoapenas o controle da excreção de sódio, mas também o controle desua ingestão. Felizmente, o organismo utiliza o mecanismo do apetitepor sal para controlar a ingestão de sódio, que é análogo ao mecanismoda sede para o controle da ingestão de água.

Da mesma forma que a sede é eliciada por dois estímulos principais,o apetite por sal também é induzido por dois estímulos fundamentais:(1) diminuição da concentração de sódio no líquido extracelular e (2)insuficiência circulatória, quase sempre causada pela redução do volumesanguíneo. Entretanto, uma importante diferença entre a sede e o apetitepor sal é que a primeira é induzida quase imediatamente, enquantoo desejo por sal só costuma manifestar-se depois de várias horas, para,em seguida, aumentar progressivamente.

O mecanismo neuronal do apetite por sal também é análogo aomecanismo da sede. Alguns dos centros neuronais na região AV3V docérebro parecem estar envolvidos, visto que a ocorrência de lesões nessaregião quase sempre afeta tanto a sede quanto o apetite pelo sal. Alémdisso, reflexos circulatórios eliciados pela pressão arterial baixa ou pelaredução do volume sanguíneo são transmitidos do bulbo para a regiãoAV3V, onde afetam simultaneamente a sede e o apetite por sal.

A importância do desejo por sal é especialmente ilustrada empacientes portadores de doença de Addison. Nesses indivíduos,praticamente nenhuma aldosterona é secretada, com conseqüente perdaexcessiva de sal na urina, resultando em baixas concentrações de íonssódio no líquido extracelular e redução do volume sanguíneo; ambos osefeitos estimulam fortemente o desejo por sal. De forma semelhante,sabe-se muito bem que os animais que vivem em áreas onde existepouco sal quase sempre procuram ativamente depósitos minerais,conhecidos como pedras de sal, que são lambidas.

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CAPÍTULO 29

Regulação Renal do Volume Sanguíneo e do Volumedo Líquido Extracelular; Excreção da Uréia, do

Potássio e de Outras Substâncias

Um mecanismo, acima de todos os demais, domina ocontrole do volume sanguíneo e do volume de líquidoextracelular. Trata-se do efeito do volume sanguíneo sobre apressão arterial, por um lado, e o efeito da pressão arterialsobre a excreção urinária de sódio e de água, por outro lado.Essa interação entre os rins e o sistema circulatório é tão fortepara o controle do volume sanguíneo - e, secundariamente,também para o controle do volume de líquido extracelular - queela domina todos os demais mecanismos que participam docontrole da ingestão ou da excreção de sal e de água.

CONTROLE DO VOLUME SANGUÍNEO

Constância do volume sanguíneo. A Fig. 29.1 ilustra o elevadograu de precisão com que o volume sanguíneo é controlado.Mostra que quase não ocorre variação do volume sanguíneo.

a despeito de acentuadas alterações na ingestão diária de águae eletrólitos, exceto quando essa ingestão for tão baixa a pontode não ser mais suficiente para compensar as perdas líquidascausadas por evaporação ou outras perdas inevitáveis.

Natríurese de pressão e diurese de pressão como base parao controle do volume sanguíneo

Apesar de todos os fatores hormonais mencionados nos doisúltimos capítulos — hormônio antidiurético (ADH), aldosterona,angiotensina e fator natriurético atrial (FNA) — desempenharemalgum papel no controle do volume sanguíneo, a base maisimportante para este controle é, sem dúvida alguma, ummecanismo puramente mecânico: o efeito mecânico da elevaçãoda pressão arterial, ocasionando aumento acentuado do débitode volume de líquido pelos rins. Este mecanismo é denominadodiurese depressão. Juntamente com essa diurese, também ocorreaumento da eliminação de sal: é a denominada natriurese depressão.

A Fig. 29.2 ilustra esse efeito da pressão arterial sobre aeliminação urinária de sódio ou sobre o débito de volume. Ob-serve que a elevação da pressão arterial por até duas vezes onormal aumenta em cerca de oito vezes o débito urinário. Olíquido é, então, rapidamente perdido do organismo, até queo volume sanguíneo se torne pequeno o suficiente para normalizara pressão arterial. Por outro lado, quando a pressão arterialcai de sua faixa normal para cerca de 50 mm Hg, o débito urináriodiminui praticamente para zero. A seguir, acumula-se líquidono organismo devido à ingestão contínua de líquido até que ovolume sanguíneo aumente o suficiente para normalizar a pressãoarterial.

Por conseguinte, esse simples efeito mecânico da pressãosobre o débito urinário proporciona um mecanismo de feedbacknegativo para o controle do volume sanguíneo. A seguir, apresen-tamos as etapas específicas desse sistema de controle por feed-back.

Mecanismo global para o controle do volume sanguíneo. Omecanismo global para o controle do volume sanguíneo éilustrado na Fig. 29.3. É essencialmente idêntico ao mecanismobásico para o controle da pressão arterial descrito no Cap. 19.Nesse

Fig. 29.1 Efeito aproximado de grandes alterações na ingestão diáriade líquidos sobre o volume sanguíneo. Observar a precisão do controledo volume sanguíneo na faixa normal.

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Fig. 29.2 Efeito das mudanças da pressão arterial sobre o débito uri-nário.

capítulo, foi assinalado que o volume do Líquido extracelular,o volume sanguíneo, o débito cardíaco, a pressão arterial e odébito urinário são todos controlados, ao mesmo tempo, comopartes distintas de um mecanismo básico comum de feedback.Neste mecanismo, existem seis etapas principais que serelacionam ao controle do volume sanguíneo:

1. O aumento do volume sanguíneo aumenta o débito car-díaco.

2. O aumento do débito cardíaco eleva a pressão arterial.3. A elevação da pressão arterial determina aumento do débi-

to urinário; a curva cont ínua nesse bloco indica que o efeitoda pressão sobre o débito é especialmente potente quando apressão permanece elevada durante dias ou semanas.

4. Esse bloco mostra o total da ingestão de líquido menosas perdas de líquido pelo organismo; essas perdas incluem tantoo débito urinário quanto às outras perdas de líquido. O efeitonesse bloco consiste na velocidade de variação do volume dolíquido extracelular. Se a ingestão for maior do que o débito,a velocidade de variação será positiva; se o débito for maiordo que a ingestão, a velocidade de variação será negativa.

5. Esse bloco integra a velocidade de variação do volumedo líquido extracelular — isto é, mostra o acúmulo de um maiorou menor volume de líquido com o decorrer do tempo,dependendo de a variação ser positiva ou negativa. Oproduto dobloco 5 representa o verdadeiro volume do líquido extracelular.

6. Esse bloco fornece a relação entre o volume de líquidoextracelular e o volume sanguíneo, mostrando que, em geral,à medida que o volume de líquido extracelular aumenta, o volumesanguíneo também aumenta.

Resumo dos mecanismos básicos para o controle dovolume sanguíneo. Para resumir os princípios ilustrados na Fig.29.3, podemos definir o que ocorre quando o volume sanguíneofica anormal. Nos casos em que o volume sanguíneo aumentademais, o débito cardíaco também torna-se demasiado grande,por conseguinte, determina a elevação da pressão arterial. Estaúltima, por sua vez, exerce profundo efeito sobre os rins,acarretando a perda de líquido pelo organismo e normalmente ovolume sanguíneo. Por outro lado, se o volume sanguíneo cairabaixo do normal, o débito cardíaco e a pressão arterialdiminuem, os rins passam a reter líquido, e o acúmuloprogressivo do líquido ingerido eventualmente normaliza ovolume sanguíneo.

Em geral, também ocorrem processos paralelos parareconstituir a massa de eritrócitos, as proteínas plasmáticas etc,caso tenha havido alguma anormalidade simultânea desseselementos. Todavia, se o volume de eritrócitos permaneceranormal, o volume plasmático irá simplesmente compensar adiferença, tornando-se essencialmente normal, a despeito dabaixa massa eritrocítica.

Razão para a precisão do mecanismo de regulação dovolume sanguíneo. Ao estudar atentamente o esquema da Fig.29.3, podemos verificar por que o volume sanguíneo permanecequase exatamente constante, a despeito das enormes mudanças naingestão diária de líquidos. A razão para isso é que asinclinações das curvas nos blocos 1, 2 e 3 são muito íngremes,significando que (a) pequena mudança do volume sanguíneoprovoca alteração pronunciada do débito cardíaco, (b) ligeiraalteração do débito cardíaco provoca acentuada mudança dapressão arterial, e (c) variação moderada da pressão arterialdetermina acentuada alteração do débito urinário. Todos essesfatores multiplicam-se para proporcionar um ganhoextremamente alto para o controle do volume sanguíneo porfeedback.

EFEITO DOS FATORES NERVOSOS E HORMONAISSOBRE O CONTROLE DO VOLUME SANGUÍNEO

Fig. 29.3 Mecanismo básico de feedback para o controle do volumesanguíneo e do volume de líquido extracelular (os pontos sobre cadauma das curvas representam os valores normais).

As discussões do capítulo anterior tornaram bem claro quetanto os fatores nervosos quanto os fatores hormonais podemcausar mudanças agudas na excreção renal de sal e de água.Esses efeitos agudos são quase sempre muito acentuados emexperimentos a curto prazo; por conseguinte, a maioria dos textosde fisiologia dá muita ênfase a esses mecanismos de controledo volume sanguíneo. Todavia, após o ajuste total do mecanismobásico renal para o controle do volume sanguíneo discutido acima,as alterações crônicas do volume sanguíneo ocasionadas porqualquer um dos fatores nervosos ou hormonais não costumamser superiores a 5 a 10%. Comentaremos cada um dessesfatores em separado.

Reflexos dos barorreceptores arteriais e dos receptoresde estiramento de baixa pressão — o "reflexo volêmico".Quando o volume sanguíneo torna-se demasiado grande, verifica-se elevação da pressão arterial; além disso, as pressões na artériapulmonar e em outras regiões de baixa pressão do tórax tambémaumentam. O estiramento dos receptores arteriais e dosreceptores de estiramento de baixa pressão causa, por sua vez,inibição reflexa do sistema nervoso simpático, o que dilataagudamente as arteríolas renais, determinando quase sempreaumento imediato de até várias vezes no

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débito urinário. Por essa razão, esse conjunto de reflexos éalgumas vezes denominado reflexo volêmico.

Todavia, em condições crônicas, a desnervação simpáticatotal não está associada à variação significativa do volumesangüíneo. Além disso, em pacientes portadores de tumoressecretores de norepinefrina e epinefrina, com enorme secreçãodesses hormônios simpáticos, verificou-se que o volumesanguíneo estava normal ou diminuído em apenas 5 a 10%. Esseshormônios exercem sobre os rins o efeito de causar retenção delíquido; todavia, exercem efeito vasoconstritor simultâneo sobreos vasos sangüíneos, diminuindo a capacidade do sistemacirculatório. É o segundo desses efeitos que parece prevalecer, demodo que o volume sanguíneo pode diminuir por alguns pontospercentuais.

Efeito do fator natriurético atrial. A excessiva distensão dosdois átrios em conseqüência de volume sanguíneo excessivodetermina a liberação de FNA no sangue. Esse fator atuaagudamente sobre os rins, aumentando por três a 10 vezes aexcreção de sódio e o volume urinário. Todavia, esse efeitoextremo sobre o débito urinário não persiste, de modo que, noestado crônico, verifica-se apenas ligeira redução do volumesanguíneo associada a leve redução da pressão arterial.

Efeito da aldosterona. A aldosterona provoca reabsorçãomuito intensa de sódio nos segmentos distais do sistema tubularrenal. A princípio, quase todo o sódio que penetra no filtradoglomerular pode ser reabsorvido pelos rins no sangue,ocasionando reabsorção secundária de água. Em conseqüência, ovolume sanguíneo aumenta por até 10 a 20% durante oprimeiro dia. A seguir, à medida que a pressão arterial aumentaem resposta ao volume sanguíneo crescente, ocorre o fenômenode "escape da aldosterona", isto é, os rins começam a excretarquantidade de sódio igual à ingestão diária, a despeito dapresença contínua de aldosterona. A razão desse escape éprincipalmente a natriurese de pressão e a diurese de pressão queocorrem com a elevação da pressão arterial. Em experimentosnos quais se impede a elevação da pressão arterial renaljuntamente com o aumento da pressão arterial, a natriurese depressão é impedida e não ocorre o escape.

Depois do escape da aldosterona, o volume sanguíneo atingevalor de apenas 5 a 10% acima do normal dentro de poucosdias, associado à elevação contínua, porém moderada, da pressãoarterial.

Somente nos pacientes que não secretam aldosterona (pa-cientes portadores de doença de Addison que quase sempre ex-cretam até 20 g de sódio por dia) é que se verifica alteraçãosignificativa do volume urinário, visto que a depleção de sódiocausa, por sua vez, depleção de água. Entretanto, essa alteraçãoultrapassa acentuadamente o padrão normal do controle dovolume sanguíneo. Mesmo assim, se o indivíduo ingerir todo osal que deseja, poderá não ocorrer redução de mais de 5% novolume sanguíneo.

Papel da angioténsina. Nem a diminuição da angiotensinaII circulante até zero, nem a acentuada elevação da angiotensinapossuem efeito crônico de mais de 5 a 10% sobre o volumesanguíneo, a despeito do fato de a angiotensina exercer efeitorenal direto, causando retenção renal de sal e de água, bemcomo um efeito indireto ao estimular a secreção de aldosterona.

Efeito do hormônio antidiurético. A infusão em animais degrandes quantidades de ADH (também denominado vasopres-sina) pode causar retenção pronunciada de água pelos rins aponto de o volume sanguíneo aumentar de 15 a 25% duranteos primeiros dias. Entretanto, a pressão arterial também aumentae, a seguir, determina a excreção do excesso do volume. Depoisde várias semanas de infusão contínua, o volume sanguíneo nãoultrapassa 5 a 10% de seu valor normal, e a pressão arterialtambém retorna, dentro de uma faixa de 10 mm Hg, ao normal.

Por conseguinte, não ocorre qualquer mudança acentuada dovolume. Entretanto, os animais geralmente apresentam graveredução na concentração extracelular de íons sódio. A razãodisso é que a água retida pelos rins dilui o sódio extracelular,e, ao mesmo tempo, a ligeira elevação da pressão determinaperda excessiva de sódio na urina.

Nos pacientes que perderam a capacidade de secretar ADH,devido à destruição dos núcleos supra-ópticos, o débito urináriopode atingir 5 a 10 vezes o seu valor normal por dia; todavia,esse aumento é quase sempre compensado pela ingestão de águasuficiente para equilibrar a diferença. Por conseguinte, o volumesanguíneo raramente diminui por mais de 5% enquanto houverdisponibilidade de água em quantidade suficiente.

Resumo

Em resumo, dentro das variações normais de atuação dosreflexos nervosos e dos vários fatores hormonais que afetamo débito urinário de sódio e de líquido, o volume sanguíneoraramente sofre alteração por mais de 5 a 10%, tanto para maisquanto para menos. Todavia, mesmo essas ligeiras alteraçõesdo volume podem algumas vezes exercer um efeito considerávelsobre a pressão arterial a longo prazo.

Por conseguinte, o elemento fundamental e mais importantedo controle do volume sanguíneo é o mecanismo combinadoda natriurese e da diurese de pressão, pelo qual as variaçõesda pressão arterial provocam alterações pronunciadas no débitourinário. Esse mecanismo controla ao mesmo tempo a pressãoarterial, o volume sanguíneo, o volume de líquido extracelulare a excreção normal de sal e de água, todos juntos, por alçade feedback comum. A importância desse mecanismo para ocontrole da pressão arterial também foi apresentada no Cap.19.

Condições que produzem aumentos pronunciados do volumesanguíneo

Existem três condições, nenhuma delas relacionadas amecanismos nervosos ou hormonais, que quase sempreocasionam grandes aumentos do volume sanguíneo. Todaselas resultam de anormalidades circulatórias.

Aumento do volume sanguíneo causado por cardiopatia. Ovolume sanguíneo quase sempre aumenta por até 15 a 20% emconseqüência de cardiopatia, podendo, em certas ocasiões,aumentar por 30 a 40%. A razão desse aumento é que o coraçãoenfraquecido é quase sempre incapaz de gerar pressão arterialelevada o suficiente para produzir o débito urinário necessário.Como conseqüência, os rins conservam o líquido até que oindivíduo morra ou até que a pressão de enchimento do coraçãose torne suficientemente alta para escorvá-lo em excesso,atingindo, finalmente, a pressão arterial necessária para permitiro débito urinário normal. Por conseguinte, na insuficiênciamiocárdica, nas valvulopatias e em anormalidades cardíacascongênitas, uma das compensações circulatórias maisimportantes é o aumento do volume sanguíneo. Esse aumentopermite ao coração enfraquecido bombear um nível de débitocardíaco capaz de manter a vida do indivíduo.

Aumento do volume sanguíneo na policitemia. Nos indivíduosque possuem excesso de eritrócitos (policitemia), a viscosidadesanguínea aumenta, o que, por sua vez, eleva acentuadamentea resistência periférica e até mesmo a resistência ao fluxosangüíneo nas vênulas e pequenas veias, o que tende a reduzir oretorno venoso para o coração. Para compensar, os rinsconservam o líquido até que o volume sanguíneo se tornegrande o suficiente para permitir um retorno venoso normal.Quando isso acontece,

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a pressão arterial está elevada o suficiente para estabelecer odébito urinário necessário e evitar a retenção adicional de líquido.Na policitemia vera, condição em que a medula óssea produznúmeros elevados de eritrócitos por alguma razão desconhecida(presumivelmente, uma condição tumoral do sistema eritropoé-tico), o volume sanguíneo quase sempre aumenta por mais de50% acima do normal.

Aumento do volume sanguíneo causado pelo aumento de capa-cidade da circulação. Qualquer condição passível de aumentara capacidade total do sistema circulatório também determinaráaumento do volume sanguíneo para ocupar essa capacidade adi-cional. Por exemplo, na mulher grávida, a capacidade vascularadicional do útero, da placenta e de outros órgãos da mãe au-menta regularmente o volume sanguíneo por 15 a 25%. De formasemelhante, nos pacientes com veias varicosas volumosas naspernas, que, em raros casos, podem receber até 1 litro de sangueadicional, o volume sanguíneo simplesmente aumenta paraocupar essa capacidade adicional. Isto é, o sal e a água sãoretidos pelos rins até que a capacidade vascular total sejasuficiente para elevar a pressão arterial ao nível necessário paraequilibrar o débito renal de líquidos com a ingestão diária delíquidos.

Fig. 29.4 Relação aproximada entre o volume de líquido extracelulare o volume sanguíneo, mostrando uma relação quase linear dentro dafaixa normal, mas indicando a incapacidade do volume sanguíneo emcontinuar aumentando quando o volume de líquido extracelular se torna

CONTROLE DO VOLUME DE LÍQUIDOEXTRACELULAR

Com base na exposição acima sobre os mecanismos básicosde controle do volume sanguíneo, torna-se evidente que o volumedo líquido extracelular é controlado ao mesmo tempo. Isto é,o líquido penetra em primeiro lugar no sangue, porém distribui-serapidamente entre os espaços intersticiais e o plasma. Porconseguinte, é impossível controlar o volume sanguíneo emqualquer nível determinado sem controlar ao mesmo tempo ovolume do líquido extracelular. Contudo, os volumes relativosde distribuição entre os espaços intersticiais e o sangue podemvariar acentuadamente, dependendo das características físicas dosistema circulatório e dos espaços intersticiais. Em condiçõesnormais, o líquido nos espaços intersticiais encontra-se presonuma matriz semelhante a gel, constituída de moléculas deproteoglicanos, de modo que praticamente não há qualquerlíquido livre. Todavia, em outras ocasiões, certas condiçõesanormais podem determinar a formação de edema. Essascondições anormais foram discutidas detalhadamente no Cap.25. Os principais fatores que podem causar edema são: (1)aumento da pressão capilar, (2) diminuição da pressãocoloidosmótica do plasma, (3) elevação da pressãocoloidosmótica tecidual, e (4) maior permeabilidade doscapilares. Na presença de qualquer uma dessas condições, umaproporção muito grande de líquido extracelular distribui-se paraos espaços intersticiais.

Distribuição normal do volume de líquido entre os espaçosintersticiais e o sistema vascular. A Fig. 29.4 ilustra a relaçãonormal aproximada entre o volume do líquido extracelular eo volume sanguíneo. Quando uma quantidade adicional delíquido acumula-se no espaço do líquido extracelular, emconseqüência da ingestão excessiva de líquido, ou devido àredução do débito renal de líquido, cerca de um sexto a um terçodo líquido adicional permanece normalmente no sangue e aumentao volume sanguíneo. O restante do líquido distribui-se nosespaços intersticiais. Todavia, quando o volume de líquidoextracelular aumenta por mais de 30 a 50% acima do normal,como mostra a figura, quantidade muito pequena do líquidoadicional permanece no sangue — visto que quase todo ele passapara os espaços intersticiais. Isso ocorre pelo fato de a pressãodo líquido intersticial aumentar de seu valor negativo normal(subatmosférico) até um valor positivo, causando o rápidointumescimento dos tecidos frouxos e permitindo literalmente asaída de líquido dos capilares.

Isto é, os espaços intersticiais passam a constituir literalmenteum reservatório de "transbordamento" para o excesso de líquido,aumentando, algumas vezes, o volume por até 10 a 30 litros.Obviamente, esse processo causa edema, como foi explicadono Cap. 25; todavia, também pode atuar como importante válvulade transbordamento para o sistema circulatório, um fenômenobem conhecido, utilizado diariamente pelo clínico para permitira administração de quantidades quase ilimitadas de líquido porvia venosa, sem, contudo, forçar o coração até a insuficiênciacardíaca.

Para resumir, o volume de líquido extracelular é controladosimultaneamente com a regulação do volume sanguíneo;entretanto, a proporção relativa entre o volume de líquidoextracelular e o volume sanguíneo depende das propriedadesfísicas da circulação e dos espaços intersticiais, bem como dadinâmica das trocas líquidas entre as membranas capilares.

EXCREÇÃO DE URÉIA

O organismo forma diariamente, em média, 25 a 30 g deuréia — podendo ser atingida uma quantidade ainda maior empessoas que ingerem dieta muito rica em proteínas e menor naspessoas que adotam dieta com baixo teor protéico. Toda essauréia deve ser excretada na urina; do contrário, irá acumular-senos líquidos corporais. Sua concentração normal no plasma éde cerca de 26 mg/dl; entretanto, os pacientes com insuficiênciarenal quase sempre apresentam níveis elevados, de até 200 mg/dl,e já foram registrados valores de até 800 mg/dl.

Os dois fatores principais que determinam a velocidade deexcreção da uréia são: (1) a concentração plasmática de uréiae (2) a intensidade da filtração glomerular. Esses fatoresaumentam a excreção de uréia principalmente pelo fato de a"carga" de uréia que penetra nos túbulos proximais ser igual aoproduto da concentração plasmática de uréia pela intensidade dafiltração glomerular. Em geral, a quantidade de uréia que passapelos túbulos para a urina corresponde, em média, a 40 a60% da carga de uréia que penetra nos túbulos proximais.Somente quando a função renal está irregular é que essa fração dacarga tubular afasta-se muito de sua faixa normal.

Efeito da diminuição da intensidade da filtração glomerularsobre a excreção e a concentração plasmática de uréia. Em muitas

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doenças renais, a intensidade da filtração glomerular de ambosos rins cai consideravelmente abaixo do normal. Como a excreçãode uréia está diretamente relacionada à sua filtração glomerular,ocorre redução de sua excreção quando a filtração glomerulardiminui. Todavia, o organismo continua formando grandes quan-tidades de uréia, o que significa que ela se acumula progressi-vamente nos líquidos corporais até que sua concentração plasmá-tica atinja valores muito elevados. A seguir, a uréia filtrada nofiltrado glomerular, que é igual à concentração plasmática deuréia multiplicada pela intensidade da filtração glomerular, ficaeventualmente elevada, a ponto de permitir que sua excreçãoseja tão rápida quanto sua formação. Contudo, é preciso reconhe-cer que isso só ocorre porque a concentração plasmática de uréiasofreu elevação muito pronunciada, o que, por si só, representaum estado muito anormal, passível de prejudicar gravementeo organismo.

Por conseguinte, talvez a razão mais importante para a for-mação diária de grandes quantidades de filtrado glomerular pelosdois rins seja a excreção das quantidades necessárias de uréia.

Muitos dos outros produtos de degradação que devem serexcretados pelos rins obedecem aos mesmos princípios de excre-ção da uréia, uma vez que suas velocidades de excreção tambémdependem sobremaneira da quantidade de filtrado glomerularformado diariamente. Essas substâncias incluem creatinina, ácidoúrico e vários outros produtos de degradação tóxicos, que serãodiscutidos com mais detalhes no Cap. 31.

Mecanismo para excretar grandes quantidades de uréia, po-rém com quantidades mínimas de água. Não fosse a capacidadedo sistema tubular de concentrar a uréia, os rins só poderiamexcretar a quantidade necessária de uréia eliminando, ao mesmotempo, grandes quantidades de água na urina. Na verdade, auréia é normalmente concentrada por pelo menos 50 vezes,podendo, eventualmente, ser concentrada por várias centenasde vezes, quando a água é conservada pelo organismo e ocorreexcreção de urina concentrada. A Fig. 29.5 ilustra esse aumentoprogressivo da concentração de uréia do líquido tubular, ao passaratravés do sistema tubular. Os números indicados no diagramasão os valores medidos durante antidiurese moderada, o que

Fig. 29.5 Recirculação da uréia absorvida pelo duto coletor, passandopela alça de Henle e pelo túbulo distal para, finalmente, retornar aoduto coletor. Os valores numéricos são miliosmolalidades da uréiadurante antidiurese causada pela presença de grandes quantidades dehormônio antidiurético.

significa a formação de pequenas quantidades de urinaconcentrada. Observe que a concentração da uréia no líquidotubular proximal é de apenas 4,5 mOsm/1, mas que elaaumenta por cerca de 100 vezes (para 450 mOsm/1) ao serexcretada na urina.

Recirculação da uréia do duto coletor para a alça de Henlecomo meio especial para concentrar a uréia. Na Fig. 29.5, pode-mos observar a elevada concentração de uréia na parte inferiordo duto coletor, bem como a reabsorção de uréia da porçãomedular desse duto para o interstício medular, o que aumentaa concentração de uréia para até 400 a 500 mOsm/1. Pequenafração dessa uréia é então reabsorvida pelo ramo delgado daalça de Henle, de modo que ela ascende pelo túbulo distal, passapelo duto coletor cortical e, novamente, pelo duto coletor. Dessamaneira, a uréia, antes de ser excretada, pode ser recirculadavárias vezes por essas porções terminais do sistema tubular. Cadavolta por esse circuito contribui para as altas concentrações mos-tradas na figura, de modo que ocorre excreção de quantidademuito pequena de água juntamente com a uréia.

Por conseguinte, esse mecanismo de recirculação da uréiapelas alças de Henle, pelo túbulo e duto coletores constitui umamaneira de concentrar a uréia no interstício medular e na urinaao mesmo tempo. Como a uréia é o mais abundante dos produtosde degradação que devem ser excretados pelos rins, esse meca-nismo de concentração da uréia antes de ser excretada é essencialpara a economia dos líquidos corporais quando a pessoa precisaviver com pequenas rações de água.

EXCREÇÃO DE POTÁSSIO

A quantidade de potássio que penetra a cada dia no filtradoglomerular é de cerca de 800 mEq, enquanto a ingestão diáriade potássio é de apenas cerca de 100 mEq. Por conseguinte,para manter o balanço normal do potássio corporal, deve serexcretado apenas um oitavo da carga tubular diária total de potás-sio. Além disso, como no caso da excreção de sódio, a velocidadede excreção do potássio deve ser cuidadosamente controlada,de modo a corresponder exatamente à sua ingestão diária.

Reabsorção de grandes quantidades de potássio nos túbulosproximais e nas alças de Henle. Grandes quantidades de potássiosão reabsorvidas em conseqüência de seu co-transporte com osódio nos túbulos proximais e nos ramos ascendentes espessosda alça de Henle. O transporte ativo pelas células epiteliais dostúbulos proximais reabsorve cerca de 65% de todo o potássiofiltrado. A seguir, outros 27%, aproximadamente, são reabsor-vidos na porção grossa do ramo ascendente da alça de Henle,deixando cerca de 8% do potássio original filtrado, que penetramnos túbulos distais. Isso representa apenas 65 mEq de potássiopor dia, sendo, portanto, inferior à ingestão diária média de100 mEq de potássio na maioria das pessoas.

Reabsorção adicional de potássio pelos túbulos distais e dutoscoletores corticais. Além da absorção de potássio pelos túbulosproximais e alças de Henle, ocorre pequena reabsorção de potás-sio nos túbulos distais e dutos coletores corticais. Apesar deessa reabsorção ser pequena, é, entretanto, suficiente para remo-ver quase todo o potássio tubular restante. Isso é exatamenteo que ocorre quando a concentração de potássio no líquido extra-celular está muito baixa, conservando assim o potássio no orga-nismo.

Por outro lado, quando a concentração de potássio no líquidoextracelular está normal ou elevada, é preciso que haja excreçãode grandes quantidades de potássio na urina para simplesmentelivrar o organismo das quantidades normais de potássio ingeridasdiariamente. Para isso, os segmentos tubulares distais desenvol-veram um mecanismo específico de secreção do potássio, descritoa seguir.

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Secreção de potássio na porção terminal dos tubulosdistais e nos dutos coletores corticais

Na porção terminal dos túbulos distais e, ainda mais, nosdutos coletores corticais, as denominadas células principais, quecompõem cerca de 90% das células epiteliais nessas regiões, têma capacidade especial de secretar grandes quantidades de potássiopara o lúmen tubular. Entretanto, essa secreção só ocorre quandoa concentração de potássio no líquido extracelular se eleva acimade um nível crítico. O mecanismo dessa secreção está ilustradona Fig. 29.6. Começa com a bomba de Na+ ,K+-adenosina trifosfa-tase (ATPase) na membrana basolateral da célula, que bombeiao sódio da célula para o interstício e, ao mesmo tempo, o potássiopara o interior da célula. Ao contrário das células epiteliais nasoutras regiões dos túbulos renais, a borda luminal das célulasprincipais é muito permeável ao potássio. Por conseguinte, oacentuado aumento de potássio no interior da célula promovesua rápida difusão para o lúmen tubular.

Por conseguinte, a força impulsora básica para o mecanismosecretor de potássio é a bomba de Na+,K+ na membrana basola-teral. Para que essa bomba opere, os íons sódio devem sofrerdifusão contínua do lúmen tubular para o interior da célula e,a seguir, serem trocados por íons potássio na membrana basola-teral. Portanto, quanto maior a quantidade de sódio disponívelno lúmen tubular para difundir-se para a célula, maior avelocidade de secreção de potássio. Esse mecanismo é algumasvezes importante clinicamente, visto que os indivíduos queseguem dietas com baixo teor de sódio em geral não conseguemexcretar quantidades adequadas de potássio, com o conseqüentedesenvolvimento de hipercalemia.

Exceto quando o indivíduo está ingerindo quantidade extre-mamente baixa de potássio, a secreção tubular de potássio égeralmente necessária para evitar a morte. Com freqüência, sur-gem arritmias cardíacas quando a concentração plasmática depotássio eleva-se de seu valor normal de 4,5 mEq/1 para umnível de cerca de 8 mEq/1. Concentrações ainda mais elevadasde potássio podem resultar em parada cardíaca ou fibrilação.

periféricos, no Cap 45 para o sistema nervoso central e no Cap.10 para o coração. A concentração normal é de cerca de 4,5mEq/1; só raramente esta concentração aumenta ou diminui pormais de ± 0,3 mEq.

Dois fatores principais desempenham papéis importantes nocontrole da concentração do íon potássio: (1) o efeito diretodo aumento da concentração de potássio no líquido extracelular,que determina maior secreção de potássio nos túbulos, e (2)o efeito da aldosterona, que aumenta a secreção de potássio.

Efeito direto da concentração extracelular de potássiosobre sua secreção

A velocidade de secreção de íons potássio na porção terminaldos túbulos distais e nos dutos coletores corticais é diretamenteestimulada por aumento da concentração do íon potássio do líqui-do extracelular, conforme ilustrado pela curva em negro da Fig.29.7, principalmente quando a concentração extracelular de po-tássio eleva-se acima de cerca de 4,1 mEq/1. Por conseguinte,esse efeito serve como um dos dois mecanismos de feedbackmuito importantes para o controle da concentração de íon potás-sio no líquido extracelular.

A seguir, apresentamos o mecanismo postulado para explicaro aumento da secreção de potássio quando o potássio extracelularaumenta. O aumento do potássio extracelular eleva o gradientede potássio do líquido intersticial renal para o interior da célulaepitclial. Isso diminui o extravasamento retrógrado de íonspotássio do interior da célula através da membrana basolaterale, também, permite que o potencial elétrico muito negativo nointerior da célula possa atrair mais íons potássio para o interior,através da membrana basolateral. Esses dois efeitos, em seuconjunto, aumentam a concentração de íons potássio no interiorda célula, o que, por sua vez, aumenta a troca de potássio pelosódio através da membrana luminal. Qualquer que seja omecanismo atuante, é preciso lembrar que até mesmo ligeiraelevação

CONTROLE DA EXCREÇÃO DE POTÁSSIO E DE SUACONCENTRAÇÃO NO LIQUIDO EXTRACELULAR

É particularmente importante controlar a concentração deíons potássio no líquido extracelular, visto que a ocorrência devariações muito pequenas pode alterar seriamente as funçõesnervosas e cardíacas, conforme discutido no Cap. 5 para os nervos

Fig. 29.6 Mecanismos para o transporte de Na' e K+ através do epitéliotubular distal.

Fig. 29.7 Efeito (1) da concentração plasmática de aldosterona e (2)da concentração extracelular de íons potássio sobre a velocidade deexcreção urinária do potássio. Estes são os dois fatores mais importantesque regulam a velocidade de excreção de potássio na urina. (Desenhoa partir de dados de Young: Am. J. PHysiol. 244.F28, 1983.)

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da concentração extracelular de potássio irá determinar aumentosignificativo de sua excreção na urina.

Efeito da aldosterona no controle da secreção de íonspotássio

No capítulo anterior, vimos que a reabsorção ativa de íonssódio pelas células principais na porção terminal dos túbulosdistais e nos dutos coletores corticais é fortemente controladapelo hormônio aldosterona. A aldosterona também exerce omesmo efeito poderoso de controle da secreção de íons potássiopor essas mesmas células, uma vez que ativa a bomba de Na+,K+-ATPase que bombeia sódio do lúmen tubular para o líquidointersticial e, ao mesmo tempo, o potássio na direção oposta.A curva vermelha na Fig. 29.7 ilustra esse mecanismo, mostrandoaumento de três vezes da excreção urinária de potássio quandoa aldosterona está aumentada.

Por conseguinte, a aldosterona representa o segundo fatorimportante no controle da excreção de potássio; dessa maneira,o hormônio também ajuda a controlar a concentração de íonspotássio no líquido extracelular, como veremos em maiores deta-lhes nas próximas seções.

Efeito da concentração de íons potássio sobre a velocidadede secreção da aldosterona. Em qualquer sistema de controlepor feedback que estiver funcionando adequadamente, o fatorque é controlado quase sempre exerce efeito de feedback parao controle do controlador. No caso do sistema de controle dealdosterona-potássio, a velocidade de secreção da aldosteronapelas células da zona glomerular do córtex supra-renal érigorosamente controlada pela concentração de potássio nolíquido extracelular. A Fig. 29.8 ilustra esse controle, mostrandoque a ocorrência de aumento da concentração de potássio porcerca de 3 mEq/1 pode elevar a concentração plasmática dealdosterona de quase zero para 60 ng/dl, ou seja, umaconcentração quase 10 vezes acima do normal.

Reunindo os efeitos ilustrados na Fig. 29.8, e considerando-se o fato de que a aldosterona aumenta acentuadamente aexcreção renal de potássio (como mostra a Fig. 29.7), pode-seconstruir um sistema muito simples para o controle daconcentração de potássio por feedback negativo, ilustrado naFig. 29.9. Isto é, o aumento da concentração de potássiodetermina a eleva-

Fig. 29.9 Esquema simplificado do sistema da aldosterona para ocontrole da concentração de potássio no liquido extracelular.

ção da concentração de aldosterona no sangue circulante (bloco1). A seguir, o aumento da concentração de aldosteronadetermina aumento pronunciado da excreção de potássio pelosrins (bloco 2). A maior excreção de potássio diminui enormaliza a concentração de potássio no líquido extracelular(blocos 3 e 4).

Importância do sistema de feedback da aldosterona para ocontrole da concentração de potássio. Na ausência de um sistemafuncionante de feedback da aldosterona, um animal podefacilmente morrer por hiperpotassemia.

A Fig. 29.10 ilustra o potente efeito do sistema de feedbackda aldosterona no controle da concentração de potássio. No expe-rimento dessa figura, vários cães foram submetidos a aumentode quase sete vezes da ingestão de potássio em dois estadosdiferentes: (1) estado normal e (2) após bloqueio do sistemade feedback da aldosterona mediante remoção das glândulas su-

Fig. 29.8 Efeito de alterações da concentração de íons potássio sobre aconcentração de aldosterona no líquido extracelular. Observar a grandevariação da concentração de aldosterona para mudanças muito pequenasna concentração de potássio.

Fig. 29.10 Efeito de grandes mudanças da ingestão de potássio sobrea concentração de potássio no líquido extracelular (1) em condiçõesnormais e (2) após bloqueio do sistema de feedback da aldosterona.Esta figura demonstra que a concentração de potássio é muito mal contro-lada após bloqueio do sistema da aldosterona. (Cortesia do Dr. DavídB. Young.)

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pra-renais e administração de infusão,de aldosterona comvelocidade fixa.Observe que, no animal normal, o aumento de sete vezes naingestão de potássio produziu aumento da concentraçãoplasmática de potássio de apenas 2,4% — de umaconcentração de 4,2 mEq/1 para 4,3 mEq/l. Por conseguinte,quando o sistema de feedback da aldosterona estavafuncionando normalmente, a concentração de potássiomanteve-se controlada com muita precisão, a despeito da enormemudança na ingestão de potássio. Por outro lado, a curvatracejada na figura mostra o efeito após bloqueio do sistema daaldosterona. Observe que o mesmo aumento da ingestão depotássio determinou, neste caso, aumento de 26% naconcentração de potássio. Por conseguinte, o controle daconcentração de potássio nos animais normais era muitas vezesmais efetivo do que nos animais sem mecanismo de feedback daaldosterona.

Efeito do aldosteronismo primário e da doença deAddison sobre a concentração de potássio no líquidoextracelular. O aldosteronismo primário é causado por tumorda zona glomerular em uma das glândulas supra-renais. Esse tumorsecreta grandes quantidades de aldosterona. Um dos efeitos maisimportantes do aldosteronismo primário consiste no acentuadoaumento da excreção de potássio estimulado pela aldosterona; issoocasiona redução pronunciada da concentração de potássio do líquidoextracelular, de modo que muitos desses pacientes apresentam paralisiacausada por falha da transmissão nervosa, como foi explicado no Cap. 5.

Por outro lado, na doença de Addison, as glândulas supra-renaissão destruídas, a secreção de aldosterona aproxima-se de zero, a secreçãorenal de potássio fica muito reduzida e, com freqüência, a concentraçãode potássio no líquido extracelular se eleva e atinge duas vezes o valornormal. Isso quase sempre leva à morte do paciente, devido à paradacardíaca.

tos sendo acentuadamente aumentados pelo hormônio parati-reóideo.

O efeito do hormônio paratireóideo sobre a mobilizaçãodo cálcio pelos rins mostra-se estreitamente paralelo ao efeitoda aldosterona sobre a manipulação do sódio. Isto é, mesmona ausência de hormônio paratireóideo, grande parte do cálcioé reabsorvida do liquido tubular nos túbulos proximais, na alçade Henle e no segmento diluidor dos túbulos distais; todavia,cerca de 10% da carga filtrada de cálcio ainda permanecem epenetram na porção terminal dos túbulos distais. A seguir, sehouver grandes quantidades de hormônio paratireóideo noslíquidos corporais, praticamente todo o cálcio restante seráreabsorvido da porção terminal dos túbulos distais e dos dutoscoletores corticais, conservando, assim, o cálcio no organismo.Por conseguinte, o principal mecanismo para o controle alongo prazo da concentração de íon cálcio é o seguinte: apresença de baixos níveis de cálcio no líquido extracelularresulta em secreção de hormônio paratireóideo; a seguir, essehormônio promove intensa conservação de cálcio pelos rins, alémde aumentar acentuadamente a absorção de cálcio pelo tubogastrintestinal. Esses efeitos serão discutidos com maioresdetalhes no Cap. 79.

A reabsorção ativa de cálcio na porção terminal dos túbulosdistais e nos dutos coletores corticais não parece ocorrersecundariamente ao transporte de sódio. Com efeito, acredita-seque funcione um mecanismo de transporte ativo primário para ocálcio nas membranas basolaterais das células epiteliais dessessegmentos tubulares. Por outro lado, nos segmentos tubularesrenais iniciais, o transporte do cálcio, como o de muitos outrosíons, provavelmente ocorre secundariamente ao transporte desódio, na forma de transporte ativo secundário ou na forma dereabsorção passiva de cálcio ao longo de um gradienteeletroquímico.

CONTROLE DAS CONCENTRAÇÕESEXTRACELULARES DE OUTROS ÍONS

Regulação da concentração de íons cálcio

O pape! do cálcio no organismo e o controle de suaconcentração no líquido extracelular são discutidosdetalhadamente no Cap. 79 em relação à endocrinologia dohormônio paratireóideo, a calcitonina e ao osso. Aqui, seráconsiderado brevemente.

A concentração diária de íons cálcio permanece dentro deuma faixa de poucos por cento em torno de 2,4 mEq/1, sendocontrolada principalmente pelo efeito do hormônio paratireóideosobre a reabsorção óssea. Quando a concentração de cálcio nolíquido extracelular cai para níveis muito baixos, as paratireóidessão diretamente estimuladas, favorecendo a secreção dehormônio paratireóideo. Por sua vez, esse hormônio atuadiretamente sobre os ossos e aumenta a reabsorção de saisósseos, com a conseqüente liberação de grandes quantidades decálcio no líquido extracelular e elevação do nível de cálcio até seuvalor normal. Por outro lado, quando a concentração de cálcio setorna muito alta, a secreção de hormônio paratireóideo ficadeprimida, de modo que quase não ocorre reabsorção óssea.Contudo, o sistema osteoblástico para a formação de novo ossocontinua depositando cálcio, removendo assim o cálcio dolíquido extracelular, com a conseqüente redução daconcentração de íons cálcio até sua faixa normal.

Todavia, os ossos não representam fonte inesgotável decálcio, de modo que, eventualmente, sofrerão depleção doíon. Por conseguinte, o controle a longo prazo da concentraçãode íons cálcio resulta do efeito do hormônio paratireóideosobre a reabsorção de cálcio dos túbulos renais e sobre a suaabsorção pelo intestino através da mucosa gastrintestinal —ambos os efei-

Regulação da concentração de íons magnésio

Sabe-se muito menos sobre a regulação da concentraçãode íons magnésio do que sobre a concentração de íons cálcio.Os íons magnésio são reabsorvidos por todas as porções dostúbulos renais. Todavia, o próprio íon magnésio afetadiretamente as células epiteliais tubulares ao diminuir essareabsorção. Por conseguinte, quando a concentração de magnésiono líquido extracelular está elevada, ocorre excreção dequantidades excessivas de magnésio; por outro lado, quando aconcentração de magnésio está diminuída, o magnésio éconservado.

Regulação da concentração de fosfato

A concentração de fosfato é regulada primariamente porum mecanismo de transbordamento, que pode ser explicado comose segue. Os túbulos renais apresentam transporte máximonormal para a absorção de fosfato de cerca de 0,1 mmol/min.Quando existe "carga" menor de fosfato no filtradoglomerular, toda ela é reabsorvida. Quando essa quantidade éultrapassada, o excesso é excretado. Por conseguinte, emcondições normais, o íon fosfato é derramado na urinaquando sua concentração no líquido extracelular está acima dovalor limiar de aproximadamente 0,8 mmol/1, o que correspondeà carga tubular de fosfato de 1,0 mmol/min. Como a maioria daspessoas ingere diariamente grandes quantidades de fosfato, tantono leite quanto na carne, a concentração de fosfato costuma sermantida no nível de cerca de 1,0 mmol/1, ou seja, o nível emque ocorre transbordamento contínuo do excesso de fosfato naurina.

Papel do hormônio paratireóideo na regulação do íon fosfato.O hormônio paratireóideo, que desempenha papel importantena regulação da concentração de íons cálcio, conforme explicadoacima, também afeta a concentração de íons fosfato por duas

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maneiras diferentes. Em primeiro lugar, o hormônioparatireóideo promove a reabsorção óssea, descarregando dossais ósseos grandes quantidades de íons fosfato no líquidoextracelular. Em segundo lugar, esse hormônio diminui otransporte máximo do fosfato pelos túbulos renais, de modo queocorre perda de maior proporção de fosfato tubular pela urina. Acombinação desses fatores determina perda acentuada defosfatos na urina. As inter-relações entre o fosfato, o cálcio e ocontrole pelo hormônio paratireóideo serão discutidas no Cap.79.

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CAPÍTULO 30

Regulação do Equilíbrio Ácido-Básico

Quando falamos em regulação do equilíbrio ácido-básico,referimo-nos, na verdade, à regulação da concentração do íon-hi-drogênio nos líquidos corporais. A concentração do íonhidrogênio em diferentes soluções pode variar desde menos 10-14

Eq/1 até mais de 10º, o que significa uma variação total de maisde um quatrilhão de vezes. Numa base logarítmica, aconcentração de íon hidrogênio no organismo humano situa-seaproximadamente a meia distância entre esses dois extremos.

Bastam ligeiras alterações da concentração do íon hidrogênioem relação ao seu valor normal para ocasionar alteraçõespronunciadas na velocidade das reações químicas nas células,sendo algumas deprimidas, enquanto outras são aceleradas. Poressa razão, a regulação da concentração de íon-hidrogênioconstitui um dos aspectos mais importantes da homeostasia.Mais tarde, neste capítulo, serão considerados os efeitos dasaltas concentrações de íons hidrogênio (acidose) ou de suasbaixas concentrações (alcalose) sobre o organismo. Em geral,quando uma pessoa fica acidótica, ela tem probabilidade demorrer em estado de coma; quando se torna alcalótica, podemorrer de tetania ou de convulsões.

Ácidos e bases — definições e significados

O ácido é definido como a molécula ou íon passível de atuar comodoador de próíons. A base é definida como a molécula ou íon quepode funcionar como aceptor de prótons. Se lembrarmos que um prótoné, na verdade, um íon hidrogênio, podemos enunciar essas definiçõescomo se segue.

O ácido é a molécula ou íon capaz de contribuir com um íonhidrogênio para a solução. Assim, o HCÍ ioniza-se na água, formandoíons hidrogênio e íons cloreto; por conseguinte, esse ácido édenominado ácido hidroclórico, ou clorídrico. De forma semelhante, oH2CO3 se ioniza na água para formar H+ ou HCO3 contribuindotambém com íons hidrogênio para a solução; esse ácido é conhecidocomo ácido carbônico. Outros ácidos importantes do organismo são oácido acético, o fosfato ácido de sódio, o ácido úrico, o ácidoacetoacético etc.

A base é a molécula ou íon que irá se combinar com íons hidrogêniopara removê-los da solução. Por exemplo, o íon bicarbonato, HCO3

Por fim, é preciso compreender a relação existente entre uma "base"e um "álcali". Um álcali é a combinação de um dos metais alcalinos— sódio, potássio etc. — com um íon altamente básico, como ofonhidroxila (OH- ). As porções básicas dessas moléculas reagemvigorosamente com os íons hidrogênio para removê-los das soluções e,por conseguinte, são bases típicas. Como os álcalis são bem conhecidos,o termo álcali é quase sempre utilizado como sinônimo para o termobase. E, por razões semelhantes, o termo "alcalose" é empregado parareferir-se ao oposto da "acidose", isto é, a remoção excessiva de íonshidrogênio da solução, em contraste com o acréscimo excessivo de íonshidrogênio (acidose).

Ácidos e bases fortes e fracos. Um ácido forte é aquele que possuitendência muito forte a dissociar-se em íons e, portanto, a liberar seuíon hidrogênio na solução. Um exemplo típico é o ácido clorídrico.Por outro lado, os ácidos que liberam íons hidrogênio com menorintensidade são denominados ácidos fracos. Como exemplos,destacam-se o ácido carbônico e o fosfato ácido de sódio. Uma baseforte é aquela que reage intensamente com íons hidrogênio, removendo-os com extrema avidez da solução. Um exemplo típico é o íonhidroxila (OH"). Uma base fraca típica é o íon bicarbonato (HCO3),devido à sua ligação muito fraca a íons hidrogênio.

A maioria dos ácidos e das bases envolvidos na regulação normaldo equilíbrio ácido-básico do organismo consiste em ácidos e bases fracos,dos quais os mais importantes são o ácido carbônico e a base bicarbonato.

Concentração de íons hidrogênio e pH dos líquidos corporaisnormais, bem como na acidose e na alcalose. A concentraçãodos íons hidrogênio no líquido extracelular é normalmente regu-lada no valor constante de cerca de 4 x 10-8 Eq/1; este valorpode variar desde apenas 1 x 10-8 até 1,6 x 10-7 sem causarmorte.

Com base nesses valores, torna-se evidente que a expressãoda concentração de íons hidrogênio em termos de suaconcentração real é um procedimento incomodo. Por isso, osímbolo pH passou a ser utilizado para expressar aconcentração; o pH está relacionado à concentração real deíons hidrogênio pela seguinte fórmula (quando a concentraçãode H+ é expressa em equivalentes por litro):

é uma base, visto poder combinar-se com íons hidrogênio para formarH2CO3. De forma semelhante, HPO4 é uma base, visto que pode combi-nar-se com íons hidrogênio para formar H2PO4 As proteínas do

p H - l o g 1 = -log cone. H+

conC. H+(1)

organismo também funcionam como bases, uma vez que certosaminoácidos nas moléculas protéicas atuam como íons negativos que seligam rapidamente a excesso de íons hidrogênio. De fato, a hemoglobina,nos eritrócitos, e as outras proteínas, nas demais células doorganismo, estão entre as bases mais importantes do corpo. Em geral,certas moléculas, como o bicarbonato de sódio e o fosfato de sódio,também são denominadas bases. Entretanto, os íons negativos dessasmoléculas são realmente as bases verdadeiras, de acordo com adefinição mais utilizada do termo "base".

A partir desta equação, verifica-se que valor baixo do pHcorresponde à concentração elevada de íons hidrogênio; estasituação é denominada acidose. Por outro lado, valor alto dopH corresponde à concentração baixa de íons hidrogênio, sendoo processo denominado alcalose.

O pH normal do sangue arterial é de 7,4, enquanto o pHdo sangue venoso e dos líquidos intersticiais é de cerca de 7,35,

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devido às quantidades adicionais de dióxido de carbono queformam ácido carbônico nesses líquidos.

Como o pH normal do sangue arterial é de 7,4, considera-sea presença de acidose na pessoa toda vez que o pH for inferiora esse valor; considera-se a presença de alcalose quando o valordo pH for superior a 7,4. O limite inferior compatível com avida de uma pessoa durante algumas horas é de cerca de 6,8,enquanto o limite superior é de cerca de 8,0.

na mesma solução. Em primeiro lugar, é preciso assinalar queo ácido carbônico é um ácido muito fraco, visto que seu graude dissociação em íons hidrogênio e íons bicarbonato é pequenoem comparação com o de diversos outros ácidos.

Quando um ácido forte, como o ácido clorídrico, éacrescentando à solução tampão de bicarbonato, ocorre aseguinte reação:

pH intracelular. Com base em medidas indiretas, verificou-seque o pH intracelular costuma variar entre 6,0 e 7,4 nas diferentes

HCI + NaHCO3 -?3 H2CO3 + NaCL (2)

células, talvez com media de 7,0. A intensidade rápida do metabo-lismo nas células aumenta a velocidade de formação de ácido,sobretudo de ácido carbônico (H2CO3) e, conseqüentemente,reduz o pH. Além disso, o fluxo sanguíneo reduzido paraqualquer tecido determina o acúmulo de ácido e a diminuição dopH.

Com base nesta equação, verifica-se que o ácido clorídrico forteé convertido em ácido carbônico muito fraco. Por conseguinte,a adição de HCI reduz apenas ligeiramente o pH da solução.

Vejamos agora o que acontece quando uma base forte, comoo hidróxido de sódio, é acrescentada a uma solução tampão con-tendo ácido carbônico. Ocorre a seguinte reação:

DEFESA CONTRA ALTERAÇÕES NA NaOH + H2CO2 -> NaHCO3 + H2O (3)CONCENTRAÇÃO DE ÍONS HIDROGÊNIO

Para impedir o desenvolvimento de acidose ou de alcalose,o organismo dispõe de diversos sistemas especiais de controle:(1) Todos os líquidos corporais possuem sistemas tampões ácido-básicos que imediatamente se combinam com qualquer ácidoou base, impedindo assim a ocorrência de mudanças excessivasda concentração de íons-hidrogênio. (2) Se a concentração deíons-hidrogênio sofrer alguma alteração detectável, o centrorespiratório é imediatamente estimulado para alterar a freqüênciarespiratória. Em conseqüência, a velocidade de remoção dodióxido de carbono dos líquidos corporais é automaticamentemodificada; por razões que serão explicadas adiante, esse

Esta equação mostra que o íon hidroxila do hidróxico de sódiocombina-se com o íon hidrogênio do ácido carbônico para formarágua, enquanto o outro produto formado é bicarbonato de sódio.O resultado final consiste na troca da base forte NaOH pelabase fraca NaHCO3.

Dinâmica quantitativa dos sistemas tampões

Dissociação do ácido carbônico. Todos os ácidos são ionizados emcerto grau, e a percentagem de ionização é conhecida como grau dedissociação. A equação 4 ilustra a relação reversível entre o ácidocarbônico não-dissociado e os dois íons que ele forma, H+ e HCO3.

processo permite a normalização da concentração de íons-hidrogênio. (3) Quando a concentração de íons-hidrogênio afasta- H2CO3 H+ HCO3 (4)

se do normal, os rins excretam urina ácida ou alcalina, ajudando,assim, a reajustar e a normalizar a concentração de íons hidrogêniodos líquidos corporais.

Os sistemas tampões podem atuar dentro de fração de segun-

Existe uma lei físico-química que se aplica à dissociação de todasas moléculas; quando aplicada especificamente ao ácido carbônico, elaé expressa pela seguinte fórmula:

do para impedir a ocorrência de alterações excessivas naconcentração de íons-hidrogênio. Por outro lado, sãonecessários 1 a 12 minutos para que o sistema respiratório

H+ x HCO3

H2CO3

(5)

possa fazer ajustes agudos e outro dia ou mais para efetuarajustes adicionais crônicos. Por fim, os rins, apesar deconstituírem o mais potente de todos os sistemas de regulaçãoácido-básica, necessitam de muitas horas a vários dias parareajustar a concentração de íons hidrogênio.

FUNÇÃO DOS TAMPÕES ÁCIDO-BÁSICOS

O tampão ácido-básico é a solução de dois ou mais compostosquímicos que impede a ocorrência de alterações pronunciadasda concentração de íons-hidrogênio quando se acrescenta ácidoou base à solução. Por exemplo, se forem adicionadas apenasalgumas gotas de ácido clorídrico concentrado a um recipientecom água pura, o pH da água poderá cair imediatamente deseu valor neutro de 7,0 para 1,0. Todavia, na presença de umsistema tampão satisfatório, o ácido clorídrico combina-seinstantaneamente com o tampão, e o pH só diminuiligeiramente. Talvez a melhor maneira de explicar a ação de umtampão ácido-básico seja considerar um verdadeiro sistematampão simples, como o tampão bicarbonato, que é de suma

Esta fórmula estabelece que, em qualquer solução de ácido carbônico,a concentração de íons hidrogênio multiplicada pela concentração deíons bicarbonato e dividida pela concentração das moléculas não-disso-ciadas de ácido carbônico é igual a uma constante, K'.

Todavia, é quase impossível medir a concentração do ácidocarbônico não-dissociado em solução, visto que ele também se dissociarapidamente em CO2 dissolvido e H2O, bem como em Hf e HCO,. Poroutro lado, a concentração de dióxido de carbono dissolvido é facilmentemedida; e, como a quantidade de ácido carbônico não-dissociado éproporcional à de dióxido de carbono dissolvido, a equação 5 tambémpode ser expressa da seguinte maneira:

(6)H+ x HCO3 = K

CO2

A única diferença real entre as duas fórmulas acima é que a constanteK é aproximadamente 1/400 vezes a constante K', visto que a relaçãode proporcionalidade entre o ácido carbônico e o dióxido de carbonoé de 1 paTa 400.

A fórmula 6 pode ser modificada na seguinte forma:

importância na regulação do equilíbrio ácido-básico doorganismo.

H+ = K CO2

HCO3

SISTEMA TAMPÃO BICARBONATO

O sistema tampão bicarbonato típico consiste numa misturade ácido carbônico (H2CO3) e de bicarbonato de sódio (NaHCO3)

Se tomarmos ologaritmo de cada termo da equação 7, obteremos aseguinte fórmula:

COlogH+ = logK + log 2

HCO3(H)

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Os sinais de log H+ e log K são mudados de positivos para negativos,e o dióxido de carbono e o bicarbonato são invertidos no último termo,que é o mesmo que mudar seu sinal, resultando na seguinte fórmula:

HCO3-log H+ = -log K + log CO,

(9)

Conforme assinalado antes neste capítulo -log H+ é igual ao pH dasolução. De forma semelhante, -log K é denominado pK do tampão.Por conseguinte, esta fórmula ainda pode ser modificada para a seguinte:

HCO3pH = pK + log (10)

CO,

Equação de Henderson-Hasselbalch. Para o sistema tampão de bicar-bonato, o pK é de 6,1, e a Equação 10 pode ser expressa da seguintemaneira: Fig. 30.1 "Curva de titulação" para o sistema tampão do bicar

Ph = 6,1 + log HCO3

CO3

(11)

Esta é a chamada equação de Henderson-Hasselbalch, com a qual sepode calcular o pH de uma solução com razoável precisão, se foremconhecidas as concentrações molares de íons bicarbonato e do dióxidode carbono dissolvido. Se a concentração de bicarbonato for igual àconcentração do dióxido de carbono dissolvido, o segundo membro daparte direita da equação passa a ser log de 1, que é igual a zero. Porconseguinte, para concentrações iguais, o pH da solução é igual ao pK.

A partir da equação de Henderson-Hasselbalch, pode-se constatarfacilmente que aumento da concentração de íon bicarbonato determinaelevação dopH, ou, em outras palavras, desloca o equilíbrio ácido-básicopara o lado alcalino. Por outro lado, aumento da concentração de dióxidode carbono dissolvido diminui o pH ou desloca o equilíbrio ácido-básicopara o lado ácido.

Mais tarde, neste capítulo, veremos que a concentração de dióxidode carbono dissolvido nos líquidos corporais pode ser modificada aose aumentar ou diminuir a freqüência respiratória. Dessa maneira, osistema respiratório pode modificar o pH dos líquidos corporais. Poroutro lado, os rins são capazes de aumentar ou diminuir a concentraçãode íon bicarbonato nos líquidos corporais e, assim, aumentar ou diminuiro pH. Por conseguinte, esses dois mecanismos principais de regulaçãoda concentração de íons hidrogênio operam principalmente ao alterarum dos dois elementos do sistema tampão de bicarbonato.

A "curva de titulação" do sistema tampão do bicarbonato. A Fig.30.1 mostra as alterações do pH dos líquidos corporais quando a relaçãoentre o íon bicarbonato e o dióxido de carbono se modifica. Quandoas concentrações dos dois elementos do tampão são iguais, verificamosque o pH da solução é de 6,1, que é igual ao pK do sistema tampãobicarbonato. Quando se acrescenta uma base ao tampão, grande propor-ção do dióxido de carbono dissolvido é convertida em íons bicarbonato,com a conseqüente alteração da relação. Como resultado, o pH aumenta,conforme indicado pela inclinação.da curva para adiante. Por outrolado, quando se acrescenta ácido, grande proporção do íon bicarbonatoé convertida em dióxido de carbono dissolvido, de modo que o pHcai, conforme ilustrado pela inclinação da curva para baixo.

Capacidade de tamponamento do sistema tampão bicarbonato.Observando mais uma vez a Fig. 30.1, verificamos que, no pontocentral da curva, a adição de pequenas quantidades de ácido ou de basecausa variação mínima do pH. Todavia, em direção a cada extremidadeda curva, a adição de uma pequena quantidade de ácido ou de basedetermina alteração acentuada do pH. Por conseguinte, a denominadacapacidade de tamponamento do sistema tampão é maior quando o pH éigual ao pK, que está exatamente no centro da curva. A capacidade de

pequena quantidade de ácido ou de base à solução irá modificarconsideravelmente o pH. Por conseguinte, a capacidade detamponamento de um tampão também é diretamente proporcional àsconcentrações das substâncias do tampão.

SISTEMAS TAMPÕES DOS LÍQUIDOS CORPORAIS

Os três principais sistemas tampões dos líquidos corporaissão o tampão bicarbonat o, que foi descrito acima, o tampãofosfato e o tampão de proteínas. Cada um deles exerce funçõesimportantes de tamponamento em diferentes condições.

Sistema tampão bicarbonato. O sistema do bicarbonato nãoé um tampão muito potente por duas razões. Em primeiro lugar,o pH nos líquidos extracelulares é de cerca de 7,4, enquantoo pK do sistema tampão bicarbonato é de 6,1. Isso significaque, no tampão bicarbonato, a concentração dos íons bicarbonatoé 20 vezes maior que a do dióxido de carbono dissolvido. Poresse motivo, o sistema opera em trecho de sua curva de tampona-mento onde a capacidade de tamponamento é baixa. Em segundolugar, as concentrações dos dois elementos do sistema bicarbo-nato, CO2 e HCO3, não são grandes.

Contudo, apesar do fato de o sistema tampão bicarbonatonão ser especialmente potente, ele é realmente mais importantedo que todos os outros no organismo, visto que a concentraçãode cada um dos dois componentes do sistema bicarbonato podeser regulada: o dióxido de carbono, pelo sistema respiratório,e o íon bicarbonato, pelos rins. Como conseqüência, o pH dosangue pode ser deslocado para cima ou para baixo pelos sistemasde regulação respiratório e renal.

Sistema tampão fosfato. O sistema tampão fosfato atua demaneira quase idêntica à do bicarbonato; todavia, é compostopelos dois seguintes elementos: H2PO4 e HPO4. Quando seacrescenta ácido forte, como o ácido clorídrico, à mistura dessasduas substâncias, ocorre a seguinte reação:

tamponamento é ainda razoavelmente eficaz até que a proporção entreos elementos do sistema tampão atinja 8:1 ou 1:8; todavia, além desses

HC1 + Na2HPO4 -» NaH2PO4 + NaCl (12)

limites, a capacidade de tamponamento diminui rapidamente. Quandotodo o dióxido de carbono foi convertido em íons bicarbonato, ou quandotodos os íons bicarbonato foram convertidos em dióxido de carbono,o sistema não apresenta mais qualquer capacidade de tamponamento.

O segundo fator que determina a capacidade de tamponamentoé a concentração dos dois elementos da solução tampão, CO2 e HCO3.Obviamente, se as concentrações forem pequenas, a adição de apenas

O resultado final dessa reação consiste na remoção do ácido clorí-drico, com formação de uma quantidade adicional de NaH2PO4.Como o NaH2PO4 é apenas um ácido fraco, o ácido forte acrescen-tado é imediatamente substituído por um ácido muito fraco, demodo que o pH muda relativamente pouco.

Por outro lado, se for adicionada uma base forte, como

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o hidróxido de sódio, ao sistema tampão, ocorrerá a seguintereação:

NaOH + NaH2PO4 -»• Na2HPO4 + H2O

Neste caso, o hidróxido de sódio é decomposto para formar

dade, trabalham em conjunto, visto que o hidrogênio é comum às reaçõesquímicas de todos os sistemas. Por conseguinte, toda vez que algumacondição produzir alterações na concentração de íons hidrogênio, causaráa alteração simultânea no equilíbrio de todos os sistemas tampões. Essefenômeno, denominado princípio isoidrico, é representado pela seguintefórmula:

+ = Kágua e Na2HPO4. Isto é, uma base forte é trocada pela basemuito fraca, Na2HPO, permitindo apenas ligeiro desvio do pHpara o lado alcalino.

O sistema tampão fosfato possui pK de 6,8, valor que não

H 1 x HA1 = K2 x HA2 K3 x HA3A A2 A3

(14)

se afasta muito do pH normal de 7,4 nos líquidos corporais.Isso permite ao sistema fosfato operar próximo de sua capacidademáxima de tamponamento. Todavia, apesar de o sistema tampãooperar em faixa razoavelmente boa da curva tampão, sua concen-tração no líquido extracelular é de apenas 1/12 daquela do tampãobicarbonato. Por conseguinte, sua capacidade de tamponamentototal no líquido extracelular é bem menor que a do sistema bicarbonato.

Por outro lado, o tampão fosfato é especialmente importantenos líquidos tubulares dos rins, por duas razões: em primeirolugar, o fosfato fica geralmente muito concentrado nos túbulos,aumentando sobremaneira a capacidade de tamponamento dosistema fosfato. Em segundo lugar, o líquido tubular geralmenteé mais ácido do que o líquido extracelular, trazendo a faixade operação do tampão mais próximo ao pK do sistema.

O tampão fosfato também é muito importante nos líquidosintracelulares, visto que a concentração de fosfato nesses líquidosé muitas vezes maior que a dos líquidos extracelulares e, também,pelo fato de o pH do líquido intracelular estar geralmente maispróximo ao pK do sistema tampão fosfato do que o pH do líquidoextracelular.

Sistema tampão de proteínas. O tampão mais abundantedo organismo é constituído pelas proteínas das células e do plas-ma, principalmente devido às suas concentrações muito altas.Verifica-se pequena difusão dos íons hidrogênio através da mem-brana celular; ainda mais importante é a capacidade do dióxidode carbono de difundir-se em poucos segundos através das mem-branas celulares, enquanto os íons bicarbonato podem sofrercerto grau de difusão (os íons hidrogênio e bicarbonato neces-sitam de várias horas para entrar em equilíbrio na maioria dascélulas, à exceção dos eritrócitos). A difusão de íons hidrogênioe dos dois componentes do sistema tampão bicarbonato deter-mina alteração do pH dos líquidos intracelulares aproximada-mente na mesma proporção da alteração observada no pH doslíquidos extracelulares. Por conseguinte, todos os sistemas tam-pões no interior das células também ajudam a tamponar os líqui-dos extracelulares, embora possam ser necessárias várias horas.Esses sistemas incluem as quantidades muito grandes de proteínasno interior das células. De fato, estudos experimentais demons-traram que cerca de três quartos de toda a capacidade de tampo-namento químico dos líquidos corporais encontram-se no interiordas células, sendo a maior parte proveniente das proteínas intra-celulares. Todavia, à exceção dos eritrócitos, a lentidão de movi-mento dos íons hidrogênio e bicarbonato, através das membranascelulares, quase sempre retarda por várias horas a capacidadedos tampões intracelulares de tamponar as anormalidades ácido-básicas extracelulares.

O método pelo qual o sistema tampão de proteínas atuaé exatamente o mesmo do sistema tampão de bicarbonato. Épreciso lembrar que uma proteína ê constituída de aminoácidosunidos por ligações peptídicas; todavia, alguns dos aminoácidos,em particular a histidina, possuem radicais ácidos livres que po-dem dissociar-se para formar base mais H+. Além disso, o pK

onde K1 K2 e K3 são as constantes de dissociação dos três ácidos respec-tivos, HA1 HA2 e HA3 enquanto A1 A2 e A3 são as concentrações dosíons negativos livres que constituem as bases respectivas dos trêssistemas tampões.

O aspecto importante desse princípio é que qualquer condição capazde modificar o equilíbrio de um dos sistemas tampões também afetao equilíbrio de todos os demais, visto que os sistemas tampões, na reali-dade, íamponam um ao outro ao deslocar os íons hidrogênio de umpara outro.

REGULAÇÃO RESPIRATÓRIA DO EQUILÍBRIOÁCIDO-BÁSICO

Na discussão da equação de Henderson-Hasselbalch, foi assi-nalado que a ocorrência de aumento da concentração de dióxidode carbono nos líquidos corporais diminui o pH para o ladoácido, enquanto a redução do dióxido de carbono eleva o pHpara o lado alcalino. É com base neste efeito que o sistemarespiratório é capaz de alterar o pH, aumentando-o ou redu-zindo-o.

Equilíbrio entre a formação metabólica e a expiração pulmo-nar de dióxido de carbono. O dióxido de carbono é continuamenteformado no organismo pelos diferentes processos metabólicosintracelulares, sendo o carbono dos alimentos oxidado pelooxigênio para formar dióxido de carbono. Este, por sua vez,difunde-se pelos líquidos intersticiais e no sangue e étransportado até os pulmões, onde sofre difusão para osalvéolos, para ser, então, transferido à atmosfera pela ventilaçãopulmonar. Todavia, são necessários vários minutos para apassagem de dióxido de carbono das células para a atmosfera, demodo que, em qualquer momento, os líquidos extracelularescontém normalmente uma média de 1,2 mmol/1 de dióxido decarbono dissolvido.

Se a intensidade de formação metabólica do dióxido de car-bono aumentar, sua concentração nos líquidos extracelulares tam-bém irá aumentar. De modo inverso, a redução do metabolismodiminui a concentração de dióxido de carbono.

Por outro lado, se a ventilação pulmonar aumentar, o dióxidode carbono será eliminado dos pulmões, resultando em diminui-ção da quantidade de dióxido de carbono nos líquidos extrace-lulares.

Efeito do aumento ou da diminuição da ventilaçãoalveolar sobre o pH dos líquidos extracelulares

Se admitirmos que a intensidade de formação metabólicade dióxido de carbono permanece constante, o único fator queirá afetar sua concentração nos líquidos corporais é a ventilaçãoalveolar, conforme expresso pela seguinte fórmula:

1C O

de alguns desses sistemas tampões de aminoácidos não está muitodistante de 7,4. Isso também ajuda a tornar o sistema tampão

2 aáVentilação alveolar

(15)

de proteínas o mais potente dos tampões do organismo.

O princípio isoidrico

Cada um dos sistemas tampões acima foi discutido como se pudesseoperar individualmente nos líquidos corporais. Todavia, eles, na reali-

Como o aumento do dióxido de carbono diminui o pH, as altera-ções da ventilação alveolar determinam variações recíprocas daconcentração de íons hidrogênicr.

A Fig. 30.2 ilustra a variação aproximada do pH do sangue

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Fig. 30.2 Alteração aproximada do pH do líquido extracelular causadapor aumento ou diminuição da freqüência da ventilação alveolar.

passível de ocorrer devido ao aumento ou à diminuição da venti-lação pulmonar. Observe que o aumento da ventilação alveolar,de duas vezes o valor normal, eleva em cerca de 0,23 o pHdos líquidos extracelulares. Isso significa que, se o pH dos líquidoscorporais é de 7,4 na presença de ventilação alveolar normal,a duplicação da ventilação irá elevar o pH para 7,63. Por outrolado, a diminuição da ventilação alveolar para um quarto deseu valor normal reduz o pH em 0,45. Isto é, se o pH é de7,4 com ventilação aíveolar normal, a redução da ventilação paraum quarto diminui o pH para 6,95. Como a ventilação alveolarpode ser reduzida a zero ou aumentada por cerca de 15 vezeso seu valor normal, pode-se facilmente entender até que pontoo pH dos líquidos corporais pode ser modificado por alteraçõesna atividade do sistema respiratório.

Efeito da concentração de íons hidrogênio sobre aventilação alveolar

Não só a ventilação alveolar afeta a concentração de tonshidrogênio dos líquidos corporais, como também a concentraçãode íons hidrogênio afeta, por sua vez, a ventilação alveolar. Issoresulta da ação direta dos íons hidrogênio sobre o centrorespiratório no bulbo que controla a respiração, o que serádiscutido com maiores detalhes no Cap. 41.

A Fig. 30.3 ilustra as alterações da ventilação alveolar produ-zidas pela variação do pH do sangue arterial de 7,0 para 7,6.Ao se analisar o gráfico, fica evidente que a redução do pHde seu valor normal de 7,4 para o nível fortemente acídico de7,0 pode elevar a freqüência da ventilação alveolar por até 4a 5 vezes o seu valor normal, enquanto o aumento do pH paraa faixa alcalina pode diminuir a ventilação alveolar por apenasfração do nível normal.

Controle por feedback da concentração de íons hidrogêniopelo sistema respiratório. Devido à capacidade do centro respira-tório de responder à concentração de íons hidrogênio, e conside-rando-se o fato de que as variações na ventilação alveolar alteram,por sua vez, a concentração de íons hidrogênio dos líquidos corpo-rais, o sistema respiratório atua como um controlador típico daconcentração de íons hidrogênio por feedback. Isto é, toda vezque a concentração de íons hidrogênio estiver elevada, o sistemarespiratório também fica mais ativo, e a ventilação alveolar au-menta. Em conseqüência, a concentração de dióxido de carbononos líquidos extracelulares diminui, com a conseqüente reduçãoda concentração de íons hidrogênio para seu valor normal. Por

Fig. 30.3 Efeito do pH sanguíneo sobre a freqüência de ventilaçãoalveolar. (Construído a partir de dados obtidos por Gray: PulmonaryVenti-lation and Its Regulaíion. Springfield, 111., Charles C Thomas.)

outro lado, se a concentração de íons hidrogênio cair para níveismuito baixos, o centro respiratório fica deprimido, e a ventilaçãoalveolar também diminui, com elevação da concentração de íonshidrogênio até a faixa normal.

Eficiência do controle respiratório da concentração de íonshidrogênio. Infelizmente, o controle respiratório é incapaz defazer com que a concentração de íons hidrogênio retorne exata-mente ao valor normal de 7,4 quando alguma anormalidade exter-na ao sistema respiratório altera o pH normal. A razão dissoé que, à medida que o pH retorna a seu valor normal, o estímuloque causou o aumento ou a diminuição da respiração começaa dissipar-se. Em geral, o mecanismo respiratório para regulara concentração de íons hidrogênio possui eficiência de controlesituada entre 50 a 75% (ganho do feedback de 1 a 3). Isto é,se a concentração de íons hidrogênio fosse subitamente diminuídade 7,4 para 7,0 por algum fator estranho, o sistema respiratóriofaria com que o pH retornasse, em 3 a 12 minutos, a um valorde cerca de 7,2 a 7,3.

Capacidade de tamponamento do sistema respiratório.Com efeito, a regulação respiratória do equilíbrio ácido-básico éum tipo fisiológico de sistema tampão que possui quase a mesmaimportância dos sistemas tampões químicos do organismo consi-derados antes neste capítulo. A "capacidade de tamponamento"global do sistema respiratório é uma a duas vezes maior quea de todos os tampões químicos combinados. Isso significa que,normalmente, uma a duas vezes mais ácido ou base podem sertamponados por esse mecanismo em relação aos tampões quí-micos.

CONTROLE RENAL DA CONCENTRAÇÃO DEÍONS HIDROGÊNIO

Os rins controlam a concentração de íons hidrogênio dolíquido extracelular ao excretarem urina ácida ou básica. A excre-ção de urina ácida reduz a quantidade de ácido nos líquidosextracelulares, enquanto a excreção de urina alcalina removea base dos líquidos extracelulares.

Os meios pelos quais o organismo determina se a urina seráácida ou alcalina são os seguintes: grandes quantidades de íonsbicarbonato são filtradas continuamente no filtrado glomerular,

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removendo base do sangue. Por outro lado, grandes quantidadesde íons hidrogênio são secretadas ao mesmo tempo no lúmentubular pelo epitélio tubular, com conseqüente remoção do ácido.Se a secreção de íons hidrogênio for maior que a filtração deíons bicarbonato, haverá perda efetiva de ácido dos líquidosextracelulares. Por outro lado, se a filtração de bicarbonato formaior que a secreção de hidrogênio, haverá perda efetiva debase. As seções que se seguem descrevem os diferentesmecanismos renais que atuam nesses processos.

SECREÇÃO TUBULAR DE ÍONS HIDROGÊNIO

As células epiteliais de todo sistema tubular, à exceção doramo grosso da alça de Henle, secretam íons hidrogênio parao líquido tubular. Todavia, em diferentes segmentos tubulares,existem dois mecanismos muito diferentes, cada qual com caracte-rísticas próprias e finalidades distintas.

Transporte ativo secundário de tons hidrogênio nos segmentostubulares iniciais. As células epiteliais do túbulo proximal. dosegmento grosso do ramo ascendente da alça de Henle e dotúbulo distal secretam íons hidrogênio para o líquido tubularpor transporte ativo secundário. Esse mecanismo é ilustrado naFig. 30.4. Quantidades enormes de íons hidrogênio são secretadasdessa maneira, atingindo vários milhares de miliequivalentes pordia, porém nunca contra gradiente muito elevado de íonshidrogênio, visto que o líquido tubular só se torna muito ácidonos segmentos terminais do sistema tubular.

A Fig. 30.4 mostra que o processo secretor começa como dióxido de carbono, que se difunde para o interior das célulasou que é formado pelo metabolismo das células epiteliais tubula-res. O dióxido de carbono, sob influência da enzima anidrasecarbônica, combina-se com água para formar ácido carbônico.A seguir, este se dissocia em íon bicarbonato e íon hidrogênio.Por fim, os íons hidrogênio são secretados no túbulo por ummecanismo de contra-transporte de Na+-H+. Isto é, quando osódio se desloca do lúmen do túbulo para o interior da célula,ele se combina inicialmente com uma proteína transportadorana borda luminal da membrana celular, e, ao mesmo tempo,um íon hidrogênio no interior da célula se combina com a extremi-dade oposta da mesma proteína transportadora. A seguir, comoa concentração de sódio é muito mais baixa dentro da célulado que no lúmen celular, isso determina o movimento de sódioao longo de seu gradiente de concentração para o interior, propor-cionando ao mesmo tempo a energia necessária para mover o

íon hidrogênio na direção oposta (a direção "contra") para olúmen tubular.

Transporte ativo primário de íons hidrogênio na porção ter-minal dos segmentos tubulares. Começando na porção terminaldos túbulos distais e prosseguindo por todo o resto do sistematubular até a pelve renal, os túbulos secretam íons hidrogêniopor transporte ativo primário. As características desse transportediferem muito do sistema de transporte ativo secundário nossegmentos tubulares iniciais. Em primeiro lugar, é normalmenteresponsável por menos de 5% dos íons hidrogênio totais excre-tados. Por outro lado, é capaz de concentrar os íons hidrogêniopor até 900 vezes, em contraste com a concentração de apenas3 a 4 vezes obtida nos túbulos proximais e a concentração de10 a 15 vezes observada nos túbulos distais iniciais pelo meca-nismo de transporte secundário. A concentração de íonshidrogênio por até 900 vezes pode diminuir o pH do líquidotubular em cerca de 4,5, o que representa, portanto, o limiteinferior do pH passível de ser obtido na urina excretada.

O mecanismo do transporte ativo primário de íonshidrogênio está ilustrado na Fig. 30.5. Ocorre na membranaluminal da célula tubular, onde os íons hidrogênio sãotransportados diretamente por proteína transportadoraespecífica, a adenosina trifosfatase (ATPase) transportadora dehidrogênio. A energia necessária para bombear os íonshidrogênio contra o gradiente de concentração de 900 vezesprovém da degradação do ATP em difosfato de adenosina(ADP).

Os íons hidrogênio bombeados por este processo são geradosno interior da célula nas duas etapas seguintes: (1) o dióxidode carbono dissolvido combina-se com a água no interior dacélula, formando-se ácido carbônico (H2CO3); (2) a seguir, oácido carbônico se dissocia em íons bicarbonato (HCOj), quesão absorvidos pelo sangue, e em íons hidrogênio (H + ), quesão secretados na urina.

Acredita-se que esse transporte ativo primário de íonshidrogênio seja uma função do tipo especial de céluladenominada célula intercalada. Essas células aparecem pelaprimeira vez na porção terminal dos túbulos distais e, a seguir,estendem-se até o final do sistema de dutos coletores, atingindoseu número máximo — cerca de 10% das células epiteliais totais— nos dutos coletores medulares externos. Essas células têmaspecto escuro e, portanto, são quase sempre denominadascélulas escuras.

Fig. 30.4 Reações químicas para (1) a secreção auva secunuaria de íonshidrogênio pelo túbulo, (2) a reabsorção de íons sódio em troca dosíons hidrogênio secretados, e (3) a combinação de íons hidrogênio comíons bicarbonato nos túbulos para formar dióxido de carbono e água.

Fig. 30.5 Transporte ativo primário de íons hidrogênio através da mem-brana lurmnal da célula epitelial tubular. Observe que é absorvido umíon bicarbonato para cada íon hidrogênio secretado, enquanto um íoncloreto é secretado passivamente com o íon hidrogênio.

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Regulação da secreção de íons hidrogênio pelaconcentração de ions hidrogênio nos líquidosextracelulares

A intensidade da secreção de íons hidrogênio nos túbulosmodifica-se acentuadamente em resposta a alterações apenas li-geiras na concentração de íons hidrogênio no líquido extracelular.Por conseguinte, quando a concentração de íons hidrogênio estáelevada (pH de menos 7,4), a secreção de íons hidrogênio podeaumentar por várias vezes. Por outro lado, com pH extracelularacima de 7,4, a secreção de íons hidrogênio também diminui.O controle dessas alterações é efetuado da seguinte maneira:

Na acidose, a proporção entre o dióxido de carbono e osíons bicarbonato no líquido extracelular está acima do normal,como se pode verificar ao se consultar novamente a equaçãode Henderson-Hasselbalch. Além disso, verifica-se proporçãosemelhante no interior da célula epitelial secretora, produzindonível elevado de íons hidrogênio e intensidade corresponden-temente alta de secreção de íons hidrogênio no lúmen tubular.Na alcalose, ocorre exatamente o processo oposto, com a conse-quente redução da secreção de íons hidrogênio.

No pH normal do líquido extracelular, a intensidade da se-creção de íons hidrogênio é de cerca de 3,5 mM/min, porémela aumenta ou diminui de modo quase diretamente proporcionalà variação da concentração extracelular de íons hidrogênio.

Interação dos ions bicarbonato com os íonshidrogênio nos túbutos — "reabsorção" de íonsbicarbonato

Os túbulos renais não são muito permeáveis ao íon bicarbo-nato, visto ele ser grande e eletricamente carregado. Todavia,o íon bicarbonato, pode ser, com efeito, "reabsorvido" peloprocesso especial ilustrado na Fig. 30.4.

A reabsorção de íons bicarbonato é iniciada por uma reaçãonos túbulos entre os íons bicarbonato filtrados no filtrado glome-rular e os íons hidrogênio secretados pelas células tubulares,conforme ilustrado na figura. A seguir, o ácido carbônico disso-cia-se em dióxido de carbono e água. O dióxido de carbono,por ter a capacidade de se difundir com extrema rapidez atravésde todas as membranas celulares, difunde-se instantaneamentepara a célula tubular, enquanto a água permanece no túbulo.

Se observarmos agora, na Fig. 30.4, as reações químicasresponsáveis pela formação do íons hidrogênio nas células epite-liais, veremos que, toda vez que ocorre formação de um íonhidrogênio, forma-se também um íon bicarbonato no interiordessas células pela dissociação de H2CO, em H1 e HCOj. Aseguir, esse íon bicarbonato se difunde para o líquido extracelularatravés da membrana basolateral.

Por conseguinte, o efeito final de todas essas reações é ummecanismo para a "reabsorção" de íons bicarbonato a partirdos túbulos, embora os íons bicarbonato que penetram no líquidoextracelular não sejam os mesmos íons que são removidos dolíquido tubular.

Titulação dos íons bicarbonato contra os íons hidrogênio nostúbulos. Em condições normais, a intensidade da secreção doíon hidrogênio é de cerca de 3,5 mmollmin, enquanto a filtraçãode íons bicarbonato no filtrado glomerular é de cerca de 3,46mmollmin. Por conseguinte, as quantidades dos dois íons quepenetram nos túbulos são quase iguais, e eles se combinam entresi, anulando-se, sendo os produtos terminais dióxido de carbonoe água. Por isso, diz-se que os íons bicarbonato e o íons hidrogênionormalmente se "titulam" um ao outro nos túbulos.

Todavia, é preciso observar também que esse processo detitulação não é totalmente exato, visto que, em geral, um ligeiroexcesso de íons hidrogênio (componente ácido) permanece nos

túbulos para ser excretado na urina. A razão disso é que, emcondições normais, os processos metabólicos de uma pessoa for-mam continuamente uma pequena quantidade de ácido em exces-so (cerca de 60 mEq/dia), originando ligeiro excesso de íonshidrogênio nos túbulos em relação aos íons bicarbonato.

Em raras ocasiões, os íons bicarbonato estão em excesso,como veremos em discussões subseqüentes. Quando isso ocorre,o processo de titulação mais uma vez não é completo; nessecaso, permanece um excesso de íons bicarbonato (componentebásico) nos túbulos, que, em seguida, passa para a urina.

Por conseguinte, o mecanismo básico pelo qual os rins corri-gem a acidose ou a alcalose consiste na titulação incompletados íons hidrogênio contra os do bicarbonato, deixando que umou outro passe para a urina e, assim, seja removido do líquidoextracelular.

CORREÇÃO RENAL DA ACIDOSE - AUMENTODOS ÍONS BICARBONATO NO LIQUIDOEXTRACELULAR

Uma vez descritos os mecanismos pelos quais os túbulosrenais secretam íons hidrogênio e reabsorvem íons bicarbonato,podemos explicar a maneira pela qual os rins reajustam o pHdos líquidos extracelu lares quando ele se torna anormal.

Em primeiro lugar, vamos considerar a acidose. Consultandonovamente a equação LI', isto é, a equação de Henderson-Has-selbalch, verificamos que, na acidose, a proporção entre dióxidode carbono e íons bicarbonato no líquido extracelular aumenta.Por conseguinte, a intensidade da secreção dos íons hidrogênioeleva-se até um nível superior à filtração dos íons bicarbonatonos túbulos. Em conseqüência, ocorre secreção de excesso deíons hidrogênio nos túbulos, enquanto quantidades diminuídasde bicarbonato penetram no filtrado glomerular, de modo que,nesse estágio, existe um número muito pequeno de íons bicarbo-nato para reagir com os íons hidrogênio. Esses íons hidrogênioem excesso combinam-se com os tampões existentes no líquidotubular, como será explicado nos parágrafos subseqüentes, sendoentão excretados na urina.

A Fig. 30.4 mostra que, toda vez que um íon hidrogênioé secretado nos túbulos, ocorrem simultaneamente dois outrosefeitos: em primeiro lugar, forma-se um íon bicarbonato na célulaepitelial tubular; e, em segundo lugar, ocorre absorção de umíon sódio do túbulo para a célula epitelial. O íon sódio e oíon bicarbonato são então transportados juntos da célula epitelialpara o líquido extracelular.

Por conseguinte, o efeito final da secreção de excesso deíons hidrogênio nos túbulos consiste em aumentar a quantidadede íons bicarbonato no líquido extracelular. Esse processo au-menta o teor de bicarbonato do sistema tampão bicarbonato,o que, de acordo com a equação de Henderson-Hasselbalch ecom o princípio isoídrico, desvia todos os tampões na direçãoalcalina, aumentando o pH e, dessa maneira, corrigindo a aci-dose.

CORREÇÃO RENAL DA ALCALOSE —DIMINUIÇÃO DOS ÍONS BICARBONATO NOLÍQUIDO EXTRACELULAR

Na alcalose, a proporção entre os íons bicarbonato e asmoléculas de dióxido de carbono dissolvido aumenta. O efeitodesse aumento sobre o processo de titulação nos túbulos consisteem aumentar a proporção entre os íons bicarbonato filtradosnos túbulos e os íons hidrogênio secretados. Esse aumento ocorreporque a elevada concentração extracelular de íons bicarbonatoaumenta os íons bicarbonato filtrados no filtrado glomerular,enquanto, ao mesmo tempo, a baixa concentração de dióxidode carbono no líquido extracelular diminui a secreção de íons

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hidrogênio. Por conseguinte, o delicado equilíbrio quenormalmente existe nos túbulos entre os íons hidrogênio ebicarbonato deixa de ocorrer. Com efeito, penetram nos túbulosquantidades muito maiores de íons bicarbonato do que de íonshidrogênio. Como quase nenhum íon bicarbonato pode serreabsorvido sem antes reagir com os íons hidrogênio, todo oexcesso de íons bicarbonato passa para a urina, transportandocom ele os íons sódio ou outros íons positivos. Assim, obicarbonato de sódio é removido do líquido extracelular.

A perda de bicarbonato de sódio do líquido extracelulardiminui a porção de íons bicarbonato do sistema tampão bicarbo-nato; de acordo com a equação de Henderson-Hasselbalch, esseprocesso desvia o pH dos líquidos corporais novamente na direçãoácida. Além disso, devido ao princípio isoídrico, todos os demaistampões do organismo também são desviados na direção ácida.Dessa maneira, a alcalose é corrigida.

COMBINAÇÃO DO EXCESSO DOS ÍONSHIDROGÊNIO COM TAMPÕES TUBULARES ETRANSPORTE NA URINA

Quando o excesso de íons hidrogênio é secretado nos túbu-los, apenas pequena parte desses íons pode ser transportada naforma livre pelo líquido tubular para a urina. A razão dissoé que a concentração máxima de íons hidrogênio que pode ocorrerno sistema tubular é de 10-4,5 molar, o que corresponde ao pHde 4,5. Na presença de fluxo urinário diário normal, apenas1% da excreção diária do excesso de íons hidrogênio pode sertransportado na urina nessa concentração.

Por conseguinte, para transportar o excesso de íonshidrogênio na urina, esses íons devem fazê-lo de alguma outraforma que não seja a de íons livres. Esse transporte é efetuadopela combinação inicial dos íons hidrogênio com tampõesintratubulares e, a seguir, pelo seu transporte sob essa forma.

Os líquidos tubulares possuem dois sistemas tampões muitoimportantes que transportam o excesso de íons hidrogênio paraa urina: (1) o tampão fosfato e (2) o tampão amônia. Alémdisso, existem vários sistemas tampões fracos, como o urato eo citrato, que têm importância muito menor.

Transporte do excesso de íon hidrogênio na urina pelo tampãofosfato. O tampão fosfato é constituído por mistura de HPO4 eH2PO4. Ambos estão muito concentrados no líquido tubular,devido à sua reabsorção relativamente pequena e à remoçãode água do líquido tubular. Por conseguinte, apesar de o tampãofosfato ser muito fraco no sangue, trata-se de um tampão muitomais potente no líquido tubular.

Outro fator que aumenta a importância do tampão fosfatonos líquidos tubulares durante a acidose é o pK desse tampão,que é de 6,8. Quando são secretados íons hidrogênio em excesso,o líquido tubular começa normalmente com pH próximo a 7,4na parte inicial dos túbulos proximais, que, a seguir, cai paracerca de 6,0 nos túbulos distais e dutos coletores. Por conseguinte,nesses túbulos, o tampão fosfato funciona em sua faixa maiseficaz, muito perto de seu valor de pK, conforme explicado antesneste capítulo.

A Fig. 30.6 ilustra a maneira pela qual os íons hidrogêniosão removidos do líquido tubular pelo sistema tampão fosfato,bem como isso funciona no processo total de controle ácido-básicorenal. Observe que, para cada íon hidrogênio ligado pelo tampãofosfato, é formado um novo íon bicarbonato pela célula epiteliale transportado no sangue. Isso contribui ainda mais para acorreção da acidose quando são secretados íons hidrogênio emexcesso.

Transporte do excesso de íons hidrogênio na urina pelo siste-ma tampão amônia. Outro sistema tampão do líquido tubularainda mais importante e mais complexo para os íons hidrogênioé composto por amônia (NH3) e íon amônio (NH4). As células

Fig. 30.6 Reações químicas nos túbulos envolvendo os íons hidrogênio,os íons sódio e o sistema tampão fosfato.

epiteliais de todos os túbulos, à exceção das encontradas nosegmento delgado da alça de Henle, sintetizam amôniacontinuamente, a qual se difunde para o interior dos túbulos. Aseguir, a amônia reage com íons hidrogênio, como é ilustradona Fig. 30.7, formando íons amônio. Estes últimos são, então,excretados na urina em combinação com íons cloreto e outrosânions tubulares. Observe, na figura, que o efeito final dessasreações consiste, mais uma vez, em aumentar a concentração debicarbonato no líquido extracelular.

Esse mecanismo do íon amônio para o transporte do excessode íons hidrogênio nos túbulos é especialmente importante porduas razões: (1) Toda vez que uma molécula de amônia (NH3)se combina com um íon hidrogênio para formar um íon amônio(NHJ), a concentração de amônia no líquido tubular diminui,o que provoca maior difusão de amônia das células epiteliaispara o líquido tubular. Por conseguinte, a velocidade da secreçãode amônia no líquido tubular é realmente controlada pelaquantidade de íons hidrogênio em excesso a seremtransportados. (2) A maior parte dos íons negativos do líquidotubular consiste em íons cloreto. Apenas alguns íons hidrogêniopoderiam ser transportados na urina em combinação diretacom o cloreto, visto que o ácido clorídrico é um ácido muitoforte e considerando-se o fato de que o pH tubular cairiarapidamente além do valor crítico de 4,5, abaixo do qual cessa asecreção adicional dos íons hidrogênio. Todavia, quando os íonshidrogênio se combinam com amônia e os íons amôniosresultantes se combinam

Fig. 30.7 Secreção de amônia pelas células epiteliais tubulares e reaçãoda amônia com íons hidrogênio nos túbulos.

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a seguir com cloreto, o pH não cai de modo significativo, vistoque o cloreto de amônio é apenas muito fracamente ácido.

Sessenta por cento da amônia secretada pelo epitélio tubularderivam da glutamina, enquanto os 40% restantes provêm deoutros aminoácidos ou aminas.

Intensificação do sistema tampão de amônia na acidosecrônica. Se os líquidos celulares permanecerem fortementeácidos por longo período de tempo, a formação de amônia iráaumentar de modo uniforme nos primeiros 2 a 3 dias, atingindoum nível 10 vezes maior do que o normal. Por exemplo, logoapós o início da acidose, a secreção diária de amônia é de apenas30 milimoles, mas, depois de vários dias, podem ser secretadosaté 300 a 450 milimoles, ilustrando o fato de que o mecanismosecretor de amônia pode adaptar-se facilmente para mobilizarcargas muito aumentadas de eliminação de ácidos. A principalcausa da formação crescente de amônia é que a acidose local dascélulas tubulares induz a produção de grandes quantidades daenzima glutaminase, a responsável pela liberação da amôniaa partir da glutamina.

RAPIDEZ DA REGULAÇÃO ÁCIDO-BASICAPELOS RINS

O mecanismo renal para a regulação do equilíbrio ácido-básico é incapaz de reajustar o pH dentro de segundos, comoo fazem os sistemas tampões do líquido extracelular, nem dentrode minutos, como ocorre com o mecanismo respiratório compen-sador; entretanto, difere desses dois outros mecanismos por suacapacidade de continuar funcionando durante horas ou dias atétrazer o pH quase exatamente a seu valor normal. Em outraspalavras, sua capacidade final de regular o pH dos líquidos corpo-rais, apesar de ser de ação lenta, é infinitamente mais potenteque a dos outros dois mecanismos reguladores. Os parágrafosque se seguem explicarão a importância quantitativa dos rinsna regulação da concentração de íons hidrogênio.

A Fig. 30.8 ilustra o efeito do pH do líquido extracelularsobre a velocidade de perda ou de ganho de íons bicarbonatodos líquidos extracelulares a cada minuto. Por exemplo, compH de 7,0, cerca de 2,3 mmol de íons bicarbonato são ganhosa cada minuto; todavia, à medida que o pH retorna a seu valornormal de 7,4, a velocidade desse ganho cai para 0. A seguir,quando o pH aumenta significativamente acima de 7,4, os líquidosextracelulares perdem íons bicarbonato. Por exemplo, em pHde 7,6, cerca de 1,5 mmol de íons bicarbonato é perdido porminuto.

A quantidade total de tampões em todo o organismo (dentroda faixa de pH de 7,0 a 7,8) é de cerca de 1.000 mmol. Setodos eles pudessem ser subitamente desviados para o lado básico

ou ácido por meio de injeção de base ou de ácido, os rins seriamcapazes de trazer o pH dos líquidos corporais quase de voltaa seu valor normal dentro de 1 a 3 dias. Entretanto, o aspectomais importante é que esse mecanismo continua atuando atéque o pH retorne quase que exatamente ao valor norma], enão até certa percentagem dessa normalidade. Por conseguinte,o verdadeiro valor do mecanismo renal na regulação daconcentração de íons hidrogênio não é a rapidez de sua ação,porém sua capacidade de neutralizar por completo qualquerexcesso de ácido ou de álcali que penetre nos líquidoscorporais, a não ser quando o excesso persiste.

Em geral, os rins podem remover até 500 mmol de ácidoou de base por dia. Quando quantidades maiores penetram noslíquidos corporais, os rins tornam-se incapazes de lidar com essacarga adicional, e ocorre desenvolvimento de acidose ou de alca-lose grave.

Faixa do pH urinário. No processo de ajuste da concentraçãode íons hidrogênio do líquido extracelular, os rins quase sempreexcretam urina com pH baixo, da ordem de 4,5, ou elevado,da ordem de 8,0. Quando está havendo excreção de ácido, opH urinário cai; quando ocorre excreção de álcali, o pH aumenta.Mesmo quando o pH dos líquidos extracelulares está situadono valor normal de 7,4, ainda ocorre perda de fração de 1 mmolde ácido por minuto. A razão disso é que o organismo formadiariamente cerca de 50 a 80 mmol a mais de ácido do quede álcali, devendo esse ácido ser continuamente removido. Devi-do à presença desse excesso de ácido na urina, o pH urinárionormal é, em média, de cerca de 6,0 em lugar de 7,4, que éo pH sanguíneo.

REGULAÇÃO RENAL DA CONCENTRAÇÃOPLASMÃTICA DE CLORETO - RELAÇÃO ENTRECLORETO E BICARBONATO

Nas discussões precedentes, demos ênfase à capacidade dosrins de conservar o íon bicarbonato nos líquidos extracelularessempre que houvesse desenvolvimento de um estado de acidoseou de remover os íons bicarbonato na presença de alcalose. As-sim, o íon bicarbonato move-se de um lado para outro entrevalores elevados e baixos como um dos principais meios de ajustedo equilíbrio ácido-básico dos sistemas tampões extracelulares,ajustando também o pH do líquido extracelular.

Todavia, no processo de equilibração da concentração deíon bicarbonato dos líquidos extracelulares, é essencial removeralgum outro ânion do líquido extracelular toda vez que o bicarbo-nato aumentar, ou aumentar algum outro ânion toda vez quea concentração de bicarbonato diminuir. Em geral, o ânion quevaria reciprocamente para cima ou para baixo com o íonbicarbonato é o cloreto, por ser o ânion encontrado em maiorconcentração no líquido extracelular.

ANORMALIDADES CLÍNICAS DO EQUILÍBRIOÁCIDO-BÁSICO

Acidose e alcalose respiratórias

Com base nas descrições efetuadas neste capítulo, é óbvio quequalquer fator passível de reduzir a ventilação pulmonar irá aumentara concentração de dióxido de carbono dissolvido no liquido extracelular.Esse aumento, por sua vez, determina aumento de ácido carbônico ede íons hidrogênio, com conseqüente desenvolvimento de acidose. Comoessa forma de acidose é causada por anormalidade de respiração, édenominada acidose respiratória.

Por outro lado, a ventilação pulmonar excessiva inverte o processoe diminui a concentração de íons hidrogênio, resultando em alcalose;essa condição é denominada alcalose respiratória.

Uma pessoa pode provocar em si mesma acidose respiratória sim-

Fig. 30.8 Efeito do pH do líquido extracelular sobre a velocidade deperda ou ganho de íons bicarbonato dos líquidos corporais a cada minuto.

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plesmente ao prender sua respiração, o que pode fazer até que o pHdos líquidos corporais caia para um valor tão baixo quanto 7,0. Poroutro lado, pode voluntariamente hiperventilar-se e causar alcalose atéum pH de cerca de 7,9.

A acidose respiratória quase sempre resulta de condições patológicas.Por exemplo, a lesão do centro respiratório no bulbo que reduz a respira-ção, a obstrução das vias aéreas no aparelho respiratório, a pneumonia,a diminuição da área de superfície da membrana pulmonar e qualqueroutro fator capaz de interferir na troca de gases entre o sangue e oar alveolar podem resultar no desenvolvimento de acidose respiratória.

Por outro lado, só raramente é que condições patológicas causamalcalose respiratória. Todavia, em certas ocasiões, a psiconeurose podecausar hiperventilação a ponto de o indivíduo se tornar alcalótico. Alémdisso, ocorre um tipo fisiológico de alcalose respiratória quando a pessoasobe a grandes altitudes. O baixo teor de oxigênio do ar estimula arespiração, causando perda excessiva de dióxido de carbono e resultandono desenvolvimento de alcalose respiratória leve.

ACIDOSE E ALCALOSE METABÓLICAS

Os termos acidose metabólica e alcalose metabólica referem-se atodas as outras anormalidades do equilíbrio ácido-básico, à exceção dacausada por excesso ou insuficiência de dióxido de carbono nos líquidoscorporais. O uso do termo "metabólica" é inadequado neste caso, vistoque o dióxido de carbono também é um produto metabólico. Contudo,por convenção, o ácido carbônico proveniente do dióxido de carbonodissolvido é denominado ácido respiratório, enquanto qualquer outroácido no organismo, seja ele formado pelo metabolismo ou simplesmenteingerido pelo indivíduo, é denominado ácido metabólico ou ácido fixo.

Causas da acidose metabólica

A acidose metabólica pode resultar (1) da incapacidade dos rinsde excretarem os ácidos metabólicos normalmente formados no orga-nismo, (2) da formação de quantidades excessivas de ácidos metabólicono organismo, (3) da administração venosa de ácidos metabólicos, ou(4) do acréscimo de ácidos metabólicos por absorção do tubo gastrin-testinal. A acidose metabólica também pode resultar (5) da perda debase dos líquidos corporais. Algumas das condições específicas que cau-sam acidose metabólica são consideradas a seguir.

Diarréia. A diarréia grave é uma das causas mais freqüentes deacidose metabólica pelas seguintes razões: as secreções gastrintestinaiscontêm normalmente grandes quantidades de bicarbonato de sódio. Porconseguinte, a perda excessiva dessas secreções durante o episódio dediarréia equivale exatamente à excreção de grandes quantidades de bicar-bonato de sódio pela urina. De acordo com a equação de Henderson-Hasselbalch, isso provoca desvio do sistema tampão do bicarbonato emdireção ao ácido, resultando em acidose metabólica. De fato, a acidoseocasionada pela diarréia grave pode ser tão intensa a ponto de consti-tuir-se numa das causas mais comuns de morte em crianças de poucaidade.

Vômito. O vômito é uma segunda causa de acidose metabólica.O vômito do conteúdo gástrico apenas, que ocorre algumas vezes,obviamente determina perda de ácido, visto que as secreções doestômago são altamente ácidas e resultariam em alcalose. Todavia, ovômito do conteúdo proveniente das porções mais distais do tubogastrintestinal, que quase sempre ocorre em quantidades muito maioresdo que a perda do conteúdo gástrico, provoca perda de álcalis,resultando em acidose metabólica.

Uremia. Um terceiro tipo comum de acidose é a acidose urémicaque ocorre na doença renal grave. A causa desse tipo de acidose consistena incapacidade dos rins de depurar o organismo das quantidades normaisde ácidos formados diariamente pelos processos metabólicos.

Diabetes melito. Uma quarta causa extremamente importante deacidose metabólica é o diabetes melito. Nessa condição, a ausência desecreção de insulina pelo pâncreas impede o uso normal da glicose nometabolismo. Dessa maneira, algumas gorduras são degradadas em ácidoacetoacético, que, por sua vez, é metabolizado pelos tecidos para produzirenergia em lugar da glicose. Simultaneamente, a concentração de ácidoacetoacético nos líquidos extracelulares quase sempre aumenta e atingevalores muito elevados, causando acidose muito grave. Além disso, gran-des quantidades de ácido acetoacético são excretadas na urina, atingindopor vezes 500 a 1.000 mmol por dia.

Causas da alcalose metabólica

A alcalose metabólica não ocorre com a mesma freqüênciaque". a acidose metabólica. Entretanto, existem várias causas comuns dealcalose metabólica.

Alcalose causada pela administração de diuréticos là exceçãodos inibidores da anidrase carbônica. Todos os diuréticos produzemaumento do fluxo de líquidos ao longo dos túbulos; em geral, esseaumento resulta no fluxo de grande excesso de sódio pelos túbulosdistais e coletores, resultando também em rápida reabsorção de íonssódio a partir desses túbulos. Essa reabsorção rápida está associada àsecreção aumentada de íons hidrogênio, devido aos mecanismos detroca de Na+-H+ nas membranas luminais das células tubulares que ligama secreção de hidrogênio à absorção de sódio, levando à perda excessivade íons hidrogênio do organismo, com conseqüente alcalose do líquidoextracelular.

Ingestão excessiva de substâncias alcalinas. Talvez a segundacausa mais comum de alcalose seja a ingestão excessiva de medicamentosalcalinos, como o bicarbonato de sódio, no tratamento da gastrite ouda úlcera péptica.

Alcalose causada pela perda de íons cloreto. O vômitoexcessivo do conteúdo gástrico sem vômito do conteúdo gastrintestinalinferior provoca perda excessiva de ácido clorídrico secretado pelamucosa gástrica. O resultado final consiste na perda de ácido do líquidoextracelular, com desenvolvimento de alcalose metabólica. Esse tipo dealcalose é observado em recém-nascidos com obstrução pilórica causadapor enorme hipertrofia do músculo do esfíncter pilórico.

Alcalose causada pelo excesso de aldosterona. Quando asglândulas supra-renais secretam quantidades excessivas de aldosterona,o líquido extracelular torna-se ligeiramente alcalótico. Isso decorre doseguinte processo: a aldosterona promove a reabsorção intensa deíons sódio dos segmentos distais do sistema tubular, acompanhada pelasecreção aumentada de íons hidrogênio, o que promove odesenvolvimento de alcalose.

EFEITOS DA ACIDOSE E DA ALCALOSE SOBRE OORGANISMO

Acidose. O principal efeito clínico da acidose é a depressão do sistemanervoso centrai Quando o pH do sangue cai abaixo de 7,0, o sistemanervoso fica deprimido, a ponto de a pessoa ficar inicialmente desorien-tada, entrando posteriormente em estado de coma. Por conseguinte,os pacientes que falecem de acidose diabética, acidose urêmica ou outrostipos de acidose morrem geralmente em estado de coma.

Na acidose metabólica, a concentração elevada de íons hidrogênioprovoca aumento da frequência e da profundidade da respiração. Porconseguinte, um dos sinais diagnósticos da acidose metabólica é o aumentoda ventilação pulmonar. Por outro lado, na acidose respiratória, acausa da acidose é a respiração deprimida que tem efeito oposto aoda acidose metabólica.

Alcalose. O principal efeito clínico da alcalose é a hiperexcitabilidadedo sistema nervoso. Isso ocorre tanto no sistema nervoso central quantonos nervos periféricos; todavia, em geral, os nervos periféricos sãoafetados antes do sistema nervoso central. Algumas vezes, os nervosficam tão excitáveis que disparam de modo automático e repetitivo,mesmo não sendo excitados por estímulos normais. Em conseqüência, osmúsculos entram em estado de tetania, o que significa estado deespasmo tónico. Em geral, essa tetania aparece inicialmente nosmúsculos do antebraço; a seguir, propaga-se para os músculos da face e,por fim, estende-se por todo o corpo. Os pacientes extremamentealcalóticos podem morrer por tetania dos músculos respiratórios.

Em certas ocasiões, a pessoa alcalótica desenvolve sintomas gravesde hiperexcitabilidade do sistema nervoso central. Os sintomas podemmanifestar-se na forma de nervosismo extremo ou, em pessoas suscetí-veis, em forma de convulsões. Por exemplo, em pessoas com predispo-sição a ataques epilépticos, uma simples hiperventilação resulta quasesempre em crise. Na verdade, este é um dos métodos clínicos de avaliaçãodo grau de predisposição epiléptica.

COMPENSAÇÃO RESPIRATÓRIA DA ACIDOSE OU DAALCALOSE METABÓLICA

Anteriormente, assinalamos que a elevada concentração de íonshidrogênio na acidose metabólica provoca aumento da ventilação pulmo-

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nar, o que, por sua vez, resulta na rápida remoção de dióxido de carbononos líquidos corporais, com redução da concentração de íons hidrogênioaté seu valor normal. Por conseguinte, esse efeito respiratório ajudaa compensar a acidose metabólica. Todavia, essa compensação é apenasparcial. Em geral, o sistema respiratório tem capacidade de compensarentre 50 e 75%. Isto é, se o fator metabólico fizer cair o pH do sanguepara 7,0 com ventilação pulmonar normal, a freqüência de ventilaçãopulmonar normalmente aumenta o suficiente para fazer retornar o pHsanguíneo a 7,2 a 7,3, conforme assinalado antes neste capítulo.

Observa-se o efeito oposto na alcalose metabólica. Isto é, a alcalosediminui a ventilação pulmonar, o que, por sua vez, aumenta aconcentração de íons hidrogênio até seu valor normal. Nesse casotambém pode ocorrer compensação de cerca de 50 a 75%.

COMPENSAÇÃO RENAL DA ACIDOSE OU DA ALCALOSERESPIRATÓRIA

Se uma pessoa desenvolver acidose respiratória persistente por umlongo período de tempo, os rins irão secretar excesso de íons hidrogênio,resultando em aumento do bicarbonato de sódio nos líquidosextracelulares. Depois de 1 a 6 dias, o pH dos líquidos corporais teráretornado a cerca de 65 a 75% de seu valor normal, mesmo que apessoa continue a respirar inadequadamente.

Observa-se um efeito exatamente oposto na alcalose respiratória.Ocorre perda de grandes quantidades de bicarbonato de sódio na urina,diminuindo o íon bicarbonato extracelular, fazendo com que o pH dimi-nua até quase atingir seu valor normal.

FISIOLOGIA NO TRATAMENTO DA ACIDOSE OUALCALOSE

Obviamente, o melhor tratamento para a acidose ou alcalose consisteem remover a condição responsável pela anormalidade; todavia, se istonão for possível, podem-se utilizar diferentes medicamentos para neutra-lizar o excesso de ácido ou de álcali.

Para neutralizar o excesso de ácido, podem-se ingerir grandes quanti-dades de bicarbonato de sódio por via oral. O bicarbonato de sódioé absorvido para a corrente sanguínea e aumenta a porção de íonsbicarbonato do tampão bicarbonato, desviando, assim, o pH para o ladoalcalino. Em certas ocasiões, o bicarbonato de sódio também é utilizadocomo terapia venosa; todavia, seu efeito fisiológico é muito acentuado equase sempre perigoso, de modo que outras substâncias são quasesempre utilizadas em seu lugar, como o lactato de sódio ou o gliconato desódio. As porções lactato e gliconato das moléculas são metabolizadas noorganismo, deixando o sódio nos líquidos extracelulares sob a forma debicarbonato de sódio, desviando, assim, o pH dos líquidos na direçãoalcalina.

Para o tratamento da alcalose, administra-se quase sempre cloretode amônio por via oral. Quando absorvido pelo sangue, a porção amôniado cloreto de amônio é convertida pelo fígado em uréia; essa reaçãolibera ácido clorídrico que reage imediatamente com os tampões doslíquidos corporais, desviando a concentração de íons hidrogênio parao lado ácido. Em certas ocasiões, o cloreto de amônio é infundido porvia venosa; todavia, o íon amônio é altamente tóxico, de modo queesse procedimento pode ser perigoso. Outra substância algumas vezesutilizada é o monocloridrato de Usina.

DETERMINAÇÕES E ANÁLISES CLÍNICAS DASANORMALIDADES DO EQUILÍBRIO ÁCIDO-BÁSICO

Medida do pH. Ao avaliar um paciente com acidose ou alcalose,é conveniente conhecer o pH dos líquidos corporais. Essa determinaçãopode ser facilmente feita pela medida do pH do plasma com medidorde pH com eletródio de vidro. Todavia, é preciso ter muita cautelana retirada do plasma e na determinação, visto que até mesmo a menordifusão do dióxido de carbono do plasma para o ar desvia o sistematampão bicarbonato na direção alcalina, resultando em valor muitoelevado do pH.

Diagrama pH-bicarbonato. O denominado diagrama pH-bicarbonato, ilustrado na Fig. 30.9, pode ser utilizado paradeterminar o tipo e a gravidade da acidose ou da alcalose. Seu usopode ser explicado como se segue.

Fig. 30.9 O diagrama do pH-bicarbonato para a determinação dos grausrelativos de acidose ou alcalose metabólica e respiratória num paciente.(Modificado de Davenport: The ABC of Acid-Base Chemistry. Chicago,The University of Chicago Press. Copyright 1947, 1949, 1950, 1958,1969, 1974 by The University of Chicago. Todos os direitos reservados.

As curvas mais verticais do diagrama apresentam diferentes concen-trações de dióxido de carbono. A concentração normal de dióxido decarbono de 1,2 mmol/l é indicada pela linha colorida (equivalente aPco2 de 40 mm Hg). Os pontos ao longo dessa linha representam aspossíveis combinações da concentração do bicarbonato e do pH quepodem existir nos líquidos corporais quando a concentração de dióxidode carbono é normal.

As linhas mais horizontais apresentam as concentrações dos ácidosou das bases metabólicas em excesso nos líquidos corporais. A linhacolorida, indicada pelo número zero, mostra o equilíbrio entre ambos.Isto é, os pontos ao longo dessa linha representam as possíveis combi-nações entre a concentração de bicarbonato e o pH passíveis de ocorrerenquanto os ácidos e as bases metabólicas dos líquidos corporais estive-rem normais. As duas linhas horizontais superiores indicam, respectiva-mente, acréscimos de 5 a 10 mmol/l de base metabólica adicional aoslíquidos corporais, enquanto as duas linhas horizontais inferiores indicamacréscimos de 5 a 10 mmol/l de ácido metabólico.

Para utilizar esse diagrama, determinamos simplesmente o pH dosangue e a concentração do bicarbonato; a seguir, registra-se o pontoapropriado no diagrama. Por exemplo, se o pH tiver o valor normalde 7,4, e a concentração de bicarbonato, o valor normal de 25 mmol/l,registramos o ponto A, que representa a condição normal.

Utilizando dados obtidos de outro paciente, estabelecemos um novoponto de pH de 7,63, bem como uma concentração de bicarbonato de28 mmol/l. Este é o ponto B no diagrama, que representa concentraçãode dióxido de carbono de 0,8 mmol/l e 7 mM/1 de base metabólicaadicional. Por conseguinte, essa pessoa apresenta alcalose metabólica,devido ao considerável excesso de base metabólica nos líquidos corporais;todavia, também apresenta alcalose respiratória, devido à hiperventilaçãoque faz com que a concentração de dióxido de carbono seja considera-velmente inferior ao normal.

De forma semelhante, com base nos dados de outros pacientes,estabelecemos os pontos C, D e E. O ponto C representa 6 mmol/lde acidose metabólica e alcalose respiratória suficiente para reduzir aconcentração de dióxido de carbono para 0,7 mmol/l. Uma pessoa comresultado deste tipo pode ter alcalose respiratória que foi parcialmentecompensada pela acidose metabólica produzida pelos rins.

O ponto D representa acidose metabólica leve, 2 mmol/l, combinadacom acidose respiratória grave. Uma pessoa pode chegar a esse estadocom acidose respiratória primária grave e acidose metabólica leve resul-tante de alguma outra causa.

O ponto E representa acidose respiratória leve e alcalose metabólicagrave. Presume-se que, nesse caso, a alcalose metabólica tenha sidoprimária, tendo a compensação respiratória causado acidose respiratórialeve na tentativa de compensar a alcalose metabólica.

Em resumo, ao utilizar o diagrama de pH-bicarbonato, podemos

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determinar ao mesmo tempo o grau de acidose ou alcalosemetabólica e o grau de acidose ou alcalose respiratória nopaciente.

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CAPÍTULO 31

Doença Renal, Diurese e Micção

DOENÇA RENAL

A doença renal pode ser classificada em cinco categorias fisiológicasdiferentes: (1) insuficiência renal aguda, em que os rins cessam de funcio-nar por completo ou quase totalmente, (2) insuficiência renal crônica,quando ocorre destruição progressiva dos néfrons até chegar ao estágioem que os rins simplesmente se tornam incapazes de desempenhar todasas funções necessárias, (3) doença renal hipertensiva, em que as lesõesvasculares ou glomerulares provocam hipertensão, mas não insuficiênciarenal, (4) síndrome nefrótica, em que os glomérulos se tornam maispermeáveis do que o normal, com a conseqüente perda de grandes quanti-dades de proteínas pela urina, e (5) anormalidades tubulares específicas,que resultam em reabsorção anormal ou falta de reabsorção de certassubstâncias pelos túbulos.

INSUFICIÊNCIA RENAL AGUDA

Quase toda condição capaz de interferir seriamente na função renalpode causar insuficiência renal aguda. Duas das causas mais comunssão (l) a glomerulonefrite aguda e (2) a lesão e obstrução agudas dostúbulos.

Insuficiência renal causada por glomerulonefrite aguda. Aglomerulonefrite aguda é uma doença causada por reação imuneanormal. Em cerca de 95% dos pacientes, surge dentro de 1 a 3 semanasapós uma infecção em outra parte do organismo, causada por certos tiposde estreptococos beta do grupo A. A infecção pode ser uma faringiteestrepto-cócica, uma amigdalite estreptocócica ou até mesmo umainfecção estreptocócica da pele. Não é a infecção em si que provoca alesão dos rins. Com efeito, à medida que surgem anticorpos contra oantígeno estreptocócico dentro de poucas semanas após o início dainfecção, acredita-se que os anticorpos e o antígeno reajam entre si paraformar um complexo imune insolúvel que fica retido no glomérulo,sobretudo na membrana basal do glomérulo. Uma vez depositado ocomplexo imune nos glomérulos, todas as células glomerularescomeçam a proliferar, porém principalmente as células epiteliais e ascélulas mesangiais situadas entre o endotélio e o epitélio. Além disso,grande número de leucócitos fica retido nos glomérulos. Muitos dosglomérulos são totalmente bloqueados por essa reação inflamatória, e osque não estão bloqueados costumam ficar excessivamente permeáveis,permitindo o extravasamento de proteínas e eritrócitos para o filtradoglomerular. Em alguns dos casos mais graves, ocorre insuficiência renaltotal ou quase total.

Em geral, a inflamação aguda dos glomérulos cede em 10 dias a2 semanas, e, na maioria dos pacientes, os rins readquirem sua funçãonormal dentro de poucas semanas a alguns meses. Todavia, algumasvezes, muitos dos glomérulos são destruídos de forma irreversível, e,em pequena percentagem de pacientes, a deterioração renal progressivaprossegue indefinidamente, de forma semelhante à descrita em seçãosubseqüente no caso da glomerulonefrite crônica.

Necrose tubular como causa de insuficiência renal aguda.Outra causa comum de insuficiência renal aguda é a necrose tubular,que define a destruição das células epiteliais nos túbulos, conformeilustrado na Fig. 31.1.

As causas comuns de necrose tubular são (1) vários venenos quedestroem as células epiteliais tubulares e (2) a isquemia aguda grave dosrins.

Venenos renais. Dentre as diferentes substâncias tóxicas renais desta-cam-se o tetracloreto de carbono e os metais pesados, como o íon mercú-rio. Essas substâncias possuem ação nefrotóxica específica sobre as célu-las epiteliais tubulares, causando a morte de muitas delas. Em conse-qüência, as células epiteliais destacam-se da membrana basal e causamobstrução dos túbulos. Em alguns casos, a membrana basal tambémé destruída; se não o for, novas células epiteliais tubulares podem geral-mente crescer ao longo da superfície da membrana, de modo que otúbulo é reparado dentro de 10 a 20 dias.

isquemia renal aguda grave. A isquemia grave do rim resulta prova-velmente de choque circulatório grave. No choque, o coração simples-mente não consegue bombear quantidades suficientes de sangue parasuprir a nutrição adequada das diferentes partes do organismo; o fluxosanguíneo renal, em particular, tende a ser vulnerável devido à constriçãosimpática dos vasos renais ou devido à presença de substânciasvasoconstritoras no sangue dos pacientes em estado de choque (Cap.24).

Fig. 31.1 Lesão dos túbulos distais em conseqüência de choque.(Modificado de MacLean: Acute Renal Failure. Springfield, III.,Charles C Thomas.)

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Por conseguinte, a falta de nutrição adequada quase sempre destróinumerosas células epiteliais tubulares, com a conseqüente obstrução demuitos néfrons.

Reação transfusional como causa de insuficiência renal aguda. Aocorrência de reação transfusional grave resulta geralmente em hemólisede grandes quantidades de eritrócitos, com liberação de hemoglobinano plasma. O tamanho da molécula de hemoglobina é um pouco menorque o dos poros existentes na membrana glomerular, de modo que grandeparte da hemoglobina atravessa essa membrana e penetra no filtradoglomerular. Por conseguinte, após a ocorrência de reação transfusional,a carga tubular de hemoglobina quase sempre é muito maior do quea que pode ser reabsorvida pelos túbulos proximais. O excesso de hemo-globina fica concentrado a ponto de poder precipitar no interior donéfron, causando bloqueio. Além disso, a hemólise dos eritrócitos tam-bém libera provavelmente agentes vasoconstritores na correntesangüínea, e acredita-se que a vasoconstrição possa determinarsuprimento sanguíneo deficiente para os túbulos, atuando como causaadicional de lesão tubular.

Efeitos fisiológicos da insuficiência renal aguda

Quando o grau de insuficiência renal aguda é moderado, o principalefeito fisiológico consiste na retenção de sal e de água. A princípio,os tecidos ficam edemaciados, mas o indivíduo apresenta poucos outrossintomas. Todavia, em poucos dias, o paciente também desenvolve hiper-tensão, geralmente com aumento de 30 a 40 mm Hg na pressão arterial;em geral, isso prossegue até haver resolução da insuficiência renal aguda.

Nos casos mais graves, verifica-se o aparecimento de retenção urê-mica de produtos de degradação, e, em pouco tempo, surge acidose.Na insuficiência renal completa sem tratamento, o paciente morre dentrode 8 a 14 dias. Outros efeitos da retenção renal serão discutidos naseção seguinte.

INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA - DIMINUIÇÃODO NÚMERO DE NÉFRONS FUNCIONAIS

Em muitos tipos de doença renal, grande número de néfrons édestruído ou lesado a ponto de os néfrons remanescentes não conse-guirem desempenhar as funções normais do rim. Algumas das diferentescausas desse processo incluem a glomerulonefrite crônica, a perda traumá-tica de tecido renal, ausência congênita de tecido renal, doença policísticacongênita (na qual se verifica o desenvolvimento de grandes cistos nosrins que destroem os néfrons adjacentes por compressão), obstruçãodas vias urinárias devido a cálculos renais, pielonefrite e doença da vascu-latura renal.

Glomerulonefrite crônica. A glomerulonefrite crônica é causadapor qualquer uma das várias doenças que lesam principalmente osglomérulos e quase sempre os túbulos. Em geral, a lesão glomerularbásica é muito semelhante à que ocorre na glomerulonefrite aguda.Parece surgir com o acúmulo de complexos de antígeno-anticorpoprecipitados na membrana glomerular, embora só em poucos casos esseprocesso seja decorrente de alguma infecção estreptocócica. Oresultado é a inflamação dos glomérulos. A membrana glomerularsofre espessamento progressivo, sendo eventualmente invadida portecido fibroso. Nos últimos estágios da doença, o coeficiente de filtraçãoglomerular fica acentuadamente reduzido, devido ao menor número decapilares filtrantes nos tufos glomerulares e devido ao espessamento dasmembranas glomerulares. Nos estágios terminais da doença, muitos dosglomérulos estão totalmente substituídos por tecido fibroso, de modoque ocorre perda irreversível da função desses néfrons.

Pielonefrite. A pielonefrite é um processo infeccioso e inflamatórioque costuma ter início na pelve renal, estendendo-se progressivamentepara o parênquima renal. A infecção pode resultar de numerosos tiposdiferentes de bactérias, mas é causada principalmente por bacilos colôni-cos que se originam da contaminação fecal das vias urinárias. A invasãodos rins por essas bactérias resulta em destruição progressiva dos túbulosrenais, glomérulos e quaisquer outras estruturas no trajeto dos microrga-nismos invasores. Conseqüentemente, verifica-se a perda de grandesporções de tecido renal funcionante.

Um aspecto particularmente interessante da pielonefrite é que ainfecção invasora costuma afetar mais a medula do que o córtex renal.

Como uma das funções primárias da medula é proporcionar o mecanismode contracorrente para concentrar a urina, os pacientes portadores depielonefrite quase sempre apresentam função renal razoavelmente nor-mal, à exceção de sua menor capacidade de concentrar a urina.

Destruição de néfrons por doença vascular renal —nefrosclerose benigna. Muitos tipos diferentes de lesões vascularespodem resultar em isquemia renal e morte do tecido renal; as maiscomuns incluem (1) aterosclerose das artérias renais mais calibrosas, comconstrição esclerótica progressiva dos vasos; (2) hiperplasiafibromuscular de uma ou mais artérias de grande calibre, causandotambém oclusão desses vasos calibrosos; e (3) nefrosclerose benigna, umaafecção muito comum causada por lesões escleróticas das artérias demenor calibre e arteríolas.

As lesões arterioscleróticas ou hiperplásicas das artérias mais calibro-sas afetam quase sempre mais um rim do que o outro e, por conseguinte,causam diminuição unilateral da função renal.

Acredita-se que a nefrosclerose benigna comece com o extravasa-mento de plasma através da membrana íntima das artérias de pequenocalibre e arteríolas. Isso determina o aparecimento de depósitos fibrinói-des na média desses vasos, sendo o processo seguido pela invasão progres-siva de tecido fibroso que eventualmente provoca constrição do vaso— ocluindo-o por completo em muitos casos. Como não existe pratica-mente circulação colateral entre as artérias renais de menor calibre,a destruição de uma delas também determina a destruição de númerocomparável de néfrons. Por conseguinte, grande parte do tecido renalé substituída por pequenas áreas de tecido fibroso; os rins diminuemacentuadamente de tamanho e desenvolvem progressivamente umasuperfície nodular. Esse processo é observado, pelo menos até certoponto, na maioria dos indivíduos de idade avançada, causando reduçãoprogressiva do fluxo sanguíneo renal e da depuração plasmática renal.A Fig. 31.2 ilustra a depuração de Diodrast pelos rins (medida do fluxoplasmático renal, como a depuração de PAH) de indivíduos normaissob os demais aspectos, em diferentes faixas etárias. Observe que, atémesmo na pessoa "normal", o fluxo plasmática renal diminui, emmédia, por cerca de 45% do normal por volta dos 80 anos de idade, comredução concomitante da função excretora.

Função anormal do néfron na insuficiência renal crônica

Incapacidade dos rins com insuficiência de manter os constituintessanguíneos normais. Normalmente, apenas um terço do número normalde néfrons é capaz de eliminar do organismo praticamente toda a "carga"normal de produtos de degradação sem acúmulo significativo de qualquerum deles nos líquidos corporais. Todavia, a ocorrência de maior reduçãono número de néfrons resulta em retenção, em particular, dos produtosde degradação que dependem de alta intensidade de filtração glomerularpara sua excreção. Os mais proeminentes desses produtos são a uréiae a creatinina. Em geral, ocorre morte quando o número de néfronscai para menos de 5 a 20% do normal.

Função dos néfrons remanescentes na insuficiência renal — aumentoparadoxal do débito de volume urinário. Na insuficiência renal, os néfronsque ainda funcionam costumam ficar extremamente sobrecarregados,de diversas maneiras. Em primeiro lugar, por razões pouco compreen-

Fig. 31.2 Efeito do envelhecimento sobre a depuração de Diodrast pelosrins. (Modificado de Wolstenholme et ai.: Ciba Foundation Colloquiaon Ageing. Boston, Little, Brown and Co.)

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didas, o fluxo sanguíneo pelo glomérulo e a quantidade de filtrado glome-rular que cada néfron forma quase sempre aumentam de 50 a 100%.Em segundo lugar, grandes quantidades adicionais de substâncias a seremexcretadas, como uréia, fosfatos, sulfatos, ácido úrico e creatinina, acu-mulam-se no líquido extracelular. Essas substâncias representam cargastubulares extremamente aumentadas que são pouco reabsorvidas, atin-gido algumas vezes até 1.000% por néfron. Por conseguinte, apenaspequena fração dos solutos tubulares é reabsorvida, e os solutos restantesatuam como diurético osmótico, resultando no rápido escoamento dolíquido tubular pelos túbulos. Conseqüentemente, o volume de urinaformado em cada néfron pode aumentar e atingir 20 vezes o valor normal;em certas ocasiões, a pessoa pode ter débito urinário total de duas atrês vezes o valor normal, apesar da significativa insuficiência renal.Essa situação paradoxal é ocasionada por aumento do débito de volumeurinário por néfron, maior que a redução do número de néfrons.

Isostenúria. Outro efeito do rápido fluxo de líquido pelostúbulos é que os mecanismos normais de concentração e de diluiçãodos rins deixam de funcionar adequadamente. Isso ocorre principalmentedevido ao fluxo demasiado rápido do líquido tubular pelos dutoscoletores, impedindo que ocorra absorção adequada de água. Porconseguinte, à medida que ocorre destruição progressiva de maisnéfrons, a densidade da urina aproxima-se daquela do filtradoglomerular, que é de cerca de 1,008. Esses efeitos estão ilustrados naFig. 31.3, que fornece os limites superiores e inferiores aproximados dadensidade urinária à medida que o número de néfrons diminui. Como omecanismo de concentração é mais afetado do que o mecanismo dediluição, prova importante da função renal consiste em determinar atéque ponto os rins conseguem concentrar a urina quando a pessoa estádesidratada por 12 horas ou mais.

Efeitos da insuficiência renal sobre os líquidos corporais -uremia

O efeito da insuficiência renal sobre os líquidos corporais depende,em grande parte, da ingestão de água e de alimentos. Admitindo-se quea pessoa continue a ingerir quantidades moderadas de água e de alimentosapós insuficiência renal completa, as mudanças da concentração de dife-rentes substâncias no líquido extracelular são aproximadamente as indica-das na Fig. 31.4. Os efeitos mais importantes incluem: (1) edema genera-lizado, resultante da retenção de água e de sal; (2) acidose, devidoà incapacidade dos rins de remover os produtos ácidos normais do orga-nismo; (3) concentrações elevadas de nitrogênio não-protéico, especial-mente uréia, creatinina e ácido úrico, devido à incapacidade do organismode excretar os produtos metabólicos finais das proteínas; e (4) altasconcentrações de outros produtos de retenção urinária, incluindo fenóis,bases de guanidina, sulfatos, fosfatos e potássio. Essa condição é conhe-cida como uremia, devido às concentrações elevadas de uréia nos líquidoscorporais.

Retenção de água e edema. Se o tratamento para a restrição daingestão de água for iniciado imediatamente após a insuficiência renalaguda, poderá não haver qualquer alteração do conteúdo total dos líqui-dos corporais. Todavia, quando o paciente ingere água em resposta

Fig. 31.3 Desenvolvimento de isostenúria em pacientes com númeroreduzido de néfrons ativos.

Fig. 31.4 Efeito da insuficiência renal sobre os constituintes do líquidoextracelular.

ao desejo normal, os líquidos corporais começam a aumentar imediata-mente e com rapidez. Se, ao mesmo tempo, o paciente não ingerirqualquer eletrólito, até metade da água pode penetrar nas células, enão no líquido extracelular.

Acidose na insuficiência renal. Em condições normais, os processosmetabólicos do organismo produzem diariamente 50 a 80 mmol a maisde ácido metabólico do que de substâncias alcalinas. Por conseguinte,toda vez que os rins deixam de funcionar, o ácido começa a se acumularnos líquidos corporais. Normalmente, os tampões dos líquidos podemtamponar até um total de 500 a 1.000 mmol de ácido sem queda letaldo pH do líquido extracelular, e os compostos fosfatos existentes nosossos podem tamponar alguns milhares de milimoles adicionais; todavia,essa capacidade de tamponamento é gradualmente utilizada, de modoque o pH cai de maneira drástica. O paciente fica comatoso nesse estágio,devido principalmente à acidose, conforme discutido adiante.

Aumento da uréia e de outros nitrogênios não-protéicos(azotemia) na uremia. Os nitrogênios não-protéicos incluem a uréia, oácido úrico, a creatinina e alguns compostos menos importantes. Emgeral, trata-se dos produtos finais do metabolismo protéico, que devemser continuamente removidos do organismo, para assegurar ometabolismo contínuo das proteínas nas células. As concentraçõesdesses produtos, em particular a da uréia, podem atingir até 10 vezeso valor normal durante 1 a 2 semanas de insuficiência renal. Todavia,mesmo esses elevados níveis não parecem afetar tanto a funçãofisiológica quanto o fazem as altas concentrações de íons hidrogênio ede algumas das outras substâncias menos evidentes, como as bases deguanidina, muito tóxicas, íons amônio e outros. Contudo, uma dasmaneiras mais importantes de se avaliar o grau de insuficiência renalconsiste em determinar as concentrações de uréia e creatinina.

Coma urêmico. Depois de 1 semana ou mais de insuficiênciarenal, o sensório fica obnubilado, e o paciente logo evolui para oestado de coma. Acredita-se que a acidose seja o principal fatorresponsável pelo coma, visto que a acidose causada por outrascondições, como diabetes melito grave, também resulta em coma.Todavia, muitas outras anormalidades também podem contribuir — oedema generalizado, as elevadas concentrações de potássio e,possivelmente, até mesmo as concentrações elevadas de nitrogênio não-protéico. Em geral, a respiração é rápida e profunda no coma,representando a tentativa respiratória de compensar a acidosemetabólica. Além disso, no último dia antes da morte, a pressão arterialcai de modo progressivo e, a seguir, rapidamente nas últimas horas. Emgeral, a morte sobrevêm quando o pH do sangue cai para cerca de 6,8.

Anemia na insuficiência renal crônica. O paciente cominsuficiência renal crônica grave quase sempre desenvolve anemia grave.A causa provável dessa anemia é a seguinte: em condições normais, osrins secretam a substância eritropoetina que, por sua vez, estimula amedula óssea a produzir eritrócitos. Obviamente, se os rins estiveremgravemente lesados, serão incapazes de formar quantidades adequadasde eritropoetina, do que resulta diminuição da produção de eritrócitos,com conseqüente desenvolvimento de anemia. Todavia, outrosfatores, como as elevadas concentrações plasmáticas de uréia,

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íons hidrogênio e outros produtos de degradação, também podemdesempenhar papéis importantes no desenvolvimento da anemia.

Osteomalacia na insuficiência renal. A insuficiência renalprolongada também causa osteomalacia, condição em que os ossos sãoparcialmente absorvidos e, por conseguinte, acentuadamenteenfraquecidos, conforme explicado em relação à fisiologia do osso noCap. 79. A causa mais importante dessa condição é a seguinte: a vitaminaD deve ser convertida por um processo em duas etapas — a primeirano fígado e a segunda no rim — em 1,25-diidroxicolecalciferol antes queseja capaz de promover a absorção de cálcio pelo intestino. Porconseguinte, a lesão grave dos rins reduz acentuadamente adisponibilidade de cálcio para os ossos.

Diálise de pacientes com rim artificial

Os rins artificiais têm sido utilizados por quase 40 anos para tratarpacientes portadores de insuficiência renal grave. Em certos tipos deinsuficiência renal aguda, como a que ocorre após intoxicação por mercú-rio ou após choque circulatório, o rim artificial é utilizado simplesmentepara manter o paciente por algumas semanas até haver resolução dalesão renal, de modo que os rins possam reassumir sua função. Todavia,na atualidade, o rim artificial foi desenvolvido a tal ponto que milharesde pessoas com insuficiência renal permanente ou até mesmo submetidasa remoção total dos rins vêm sendo mantidas com saúde por váriosanos, suas vidas dependendo totalmente do rim artificial.

O princípio básico do rim artificial consiste em fazer passar o sanguepor minúsculos canais sanguíneos envolvidos por uma delgada mem-brana. No outro lado da membrana encontra-se um líquido dialisadorpelo qual as substâncias indesejáveis no sangue passam por difusão.

A Fig. 31.5 ilustra os componentes de um tipo de rim artificialno qual o sangue flui continuamente entre duas membranas finas decelofane; no lado externo das membranas encontra-se o líquido dialisa-dor. O celofane é poroso o suficiente para permitir que todos os consti-tuintes do plasma, à exceção das proteínas plasmáticas, sofram difusãoem ambas as direções — do plasma para o líquido de diálise e deste

para o plasma. Se a concentração de uma substância for maior no plasmado que no líquido de diálise, haverá transferência efetiva da substânciado plasma para o líquido de diálisa. A quantidade da substância queé transferida depende (1) das características de permeabilidade da mem-brana, bem como de sua área de superfície; (2) da diferença entre asconcentrações nos dois lados da membrana; (3) do tamanho molecular,sendo a difusão das moléculas menores mais rápida que a das maiores;e (4) do período de tempo em que o sangue e o líquido permanecemem contato com a membrana.

Durante o funcionamento normal do rim artificial, o sangue fluicontinuamente ou de modo intermitente para uma veia. A quantidadetotal de sangue no rim artificial, a qualquer momento, costuma ser infe-rior a 500 ml; a velocidade do fluxo pode ser de várias centenas demililitros por minuto, e a superfície difusora total costuma ser de 0,6a 2,5 m;. Para evitar a coagulação do sangue no rim artificial, umapequena quantidade de heparina é infundida no sangue quando ele pene-tra no "rim".

Líquido de diálise. O Quadro 31.1 compara os constituintes de líqui-do dialisador típico com os do plasma normal e do plasma urêmico.Observe que as concentrações dos íons e de outras substâncias no líquidode diálise não são iguais às do plasma normal ou do plasma urêmico.Com efeito, são ajustadas até os níveis necessários para permitir o movi-mento apropriado de água e de cada soluto através da membrana duranteo período de diálise.

Observe também que não há fosfato, uréia, urato, sulfato ou creati-nina no líquido de diálise, enquanto estão presentes em altas concen-trações no sangue urêmico. Por conseguinte, quando o paciente urêmicoé submetido a diálise, essas substâncias são perdidas em grandes quantidades para o líquido de diálise, com a conseqüente remoção de grandesproporções dessas substâncias do plasma.

Eficiência do rim artificial. A eficiência de um rim artificial éexpressa em termos da quantidade de plasma que pode ser depurada dediferentes substâncias a cada minuto, o que, como foi visto no Cap. 27,também constitui o principal meio de expressar a eficiência funcional dospróprios rins. A maioria dos rins artificiais é capaz de depurar a uréiade 100 a 225 ml de plasma por minuto, o que mostra que, pelo menosno que diz respeito à excreção dessa substância, o rim artificial podefuncionar com velocidade cerca de duas vezes maior que a dos dois rinsnormais, cuja depuração da uréia é de apenas 70 ml/min.

Fig. 31.5 Princípios do rim artificial.

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Quadro 31.1 Comparação do líquido de diálise com oplasma normal

Plasma Líquido de PlasmaConstituinte normal diálise urêmico

Eletrólitos (mEq/1)Na+ 142 133 142

5 1,0 7Ca (t 3 3,0 2Mg++ 1,5 1,5 1,5ci- 107 105 107HCO3 27 35,7 14Lactato 1,2 1,2 1,2HPO4 3 0 9Urato 0,3 0 2Sulfato 0,5 0 3

Não-eletrólitos (mg/dl)Glicose 100 125 100Uréia 26 0 200Creatinina 1 0 6

Todavia, o rim artificial normalmente só é utilizado durante 4 a 6 horas,três vezes por semana. Por conseguinte, a depuração plasmática totalainda é consideravelmente limitada quando o rim artificial substitui osrins normais.

DOENÇA RENAL HIPERTENSIVA

Muitos dos mesmos tipos de doença renal que levam à insuficiênciarenal crônica também podem causar hipertensão. Todavia, isso nemsempre é verdade, visto que a lesão de certas regiões do rim tendea causar hipertensão, enquanto a lesão de outras porções provoca uremiasem hipertensão. A seguir, apresentamos uma classificação da doençarenal com base nos seus efeitos hipertensivos ou não-hipertensivos.

Lesões renais hipertensivas. Praticamente todas as lesões renais quelevam a redução do fluxo sanguíneo ou da filtração glomerular por néfroncausam hipertensão. Essas duas condições tendem a produzir retençãode sal e de água, resultando eventualmente em hipertensão {ver Cap.19). Uma vez desenvolvida a hipertensão, a intensidade da filtraçãoglomerular pode normalizasse por completo. Se todos os túbulos estive-rem normais, o filtrado é, então, processado normalmente nesses túbulos,de modo que a excreção urinária pode ser totalmente normal, podendonão haver qualquer sinal de insuficiência renal.

Doenças renais que levam a insuficiência renal, mas que podemnão causar hipertensão. A perda de grande número de néfrons,como a que ocorre devido à perda de um rim e parte de outro rim,resulta sempre em insuficiência renal se a quantidade de tecido renalperdida tiver sido suficientemente grande. Todavia, se os néfronsremanescentes estiverem totalmente normais, essa condição quase semprenão irá produzir hipertensão, visto que até mesmo ligeira elevação dapressão arterial aumentará a intensidade da filtração glomerular osuficiente para promover a rápida perda de água e sal na urina —mesmo em presença de poucos néfrons. Por outro lado, o paciente comesse tipo de anormalidade renal, que ingere grandes quantidades de sal,desenvolverá hipertensão muito grave, visto que os rins simplesmentenão conseguem depurar quantidades adequadas de sal nessas condições.

Hipertensão causada pela secreção renal de renina. Quandoparte da massa renal está isquêmica, e o restante não (tal como ocorrequando se verifica a constrição acentuada de uma artéria renal), o tecidorenal isquêmico secreta grandes quantidades de renina. Essa secreçãoleva à formação de angiotensina II que, por sua vez. determina odesenvolvimento de hipertensão. Conforme discutido no Cap. 19, acausa mais provável de hipertensão crônica é: (1) o tecido renalisquêmico excreta quantidades de água e de sal menores do que o normal e(2) a angiotensina afeta o tecido renal nâo-isquêmico, causandoretenção de água e de sal. (No passado, muitos fisiologistas acreditaramque a hipertensão resultava da vasoconstrição periférica induzida pelaangiotensina. Todavia, experimentos recentes demonstraram de modoquase conclusivo que este não é o caso, conforme discutido no Cap. 19.

De fato, a concentração sangüínea de angiotensina costuma estar muitobaixa para causar vasoconstrição periférica significativa, mas podeafetar acentuadamente a excreção renal de sal.)

SÍNDROME NEFRÓTICA - AUMENTO DAPERMEABILIDADE GLOMERULAR

Grande número de pacientes com doença renal desenvolve a denomi-nada síndrome nefrótica, caracterizada, em particular, pela perda degrandes quantidades de proteínas plasmáticas na urina. Em alguns casos,esse processo ocorre sem qualquer sinal de outra anormalidade da funçãorenal; todavia, com mais freqüência, encontra-se associado a certo graude insuficiência renal.

A causa da perda de proteína na urina reside na maior permea-bilidade da membrana glomerular. Por conseguinte, qualquer patologiacapaz de aumentar a permeabilidade dessa membrana pode causar asíndrome nefrótica. Essas doenças incluem a glomerulonefrite crônica(na discussão anterior, foi assinalado que essa doença afeta primaria-mente os glomérulos e quase sempre determina aumento pronunciadoda permeabilidade da membrana glomerular); a amiloidose, que resultada deposição de uma substância proteinóide anormal nas paredes dosvasos sanguíneos, com grave lesão da membrana basal do glomérulo,e síndrome nefrótica com alterações mínimas, uma doença observadaprincipalmente em crianças de pouca idade.

Síndrome nefrótica por "alteração mínima". Na denominada síndro-me nefrótica por alteração mínima, raramente se pode detectar qualqueranormalidade da membrana glomerular ao microscópio óptico. Todavia,com técnicas especiais, foi constatado que a carga elétrica negativa nor-malmente apresentada pela membrana glomerular está reduzida ou au-sente. Além disso, estudos imunológicos revelam reações imunes anor-mais em alguns casos, sugerindo que a perda da carga negativa podeser resultado do ataque da membrana por anticorpos.

A perda da carga negativa permite a fácil passagem de proteínas,em particular albumina, através da membrana glomerular; com efeito,convém lembrar que essa carga negativa afasta normalmente as moléculasde proteínas plasmáticas de carga negativa, constituindo um dos princi-pais meios para impedir o extravasamento das proteínas na urina.

A síndrome nefrótica por alteração mínima ocorre principalmenteem crianças entre 2 e 6 anos de idade, porém também é observadaocasionalmente em adultos.

O acentuado aumento da permeabilidade da membrana glomerularpermite, algumas vezes, perda diária de até 40 gde proteínas plasmáticasna urina, representando quantidade extrema para uma criança de poucaidade. Por conseguinte, as proteínas plasmáticas caem quase semprepara menos de 2 mg/dl, enquanto a pressão coloidosmótica cai de seuvalor normal de 28 mm Hg para 6 a 8 mm Hg. Em conseqüência, oscapilares sanguíneos de todo o corpo perdem enormes quantidades delíquido para os tecidos, causando edema hipoprotéico muito grave. Mes-mo na criança de pouca idade, ocorre algumas vezes acúmulo de até10 1 de líquido tecidual adicional, bem como 10 1 de ascite no abdome.Além disso, ocorre edema das articulações, e a cavidade pleural e opericárdio podem ficar parcialmente repletos de líquido.

Cerca de 90% dessas crianças respondem satisfatoriamente à admi-nistração de esteróides glicocorticóides, que alteram certos tipos de anor-malidades imunológicas. Todavia, os mecanismos celulares do efeitoglicocorticóide não estão elucidados.

Em todos os tipos de nefrose em que a concentração plasmáticade albumina cai para valores muito baixos, aparecem grandes quantidadesde lipídios no plasma sanguíneo, com aumento pronunciado do colesterolsanguíneo. Acredita-se que a causa resida em efeito direto dos baixosníveis plasmáticos de albumina sobre o fígado, aumentando a produçãodas lipoproteínas plasmáticas.

DISTÚRBIOS TUBULARES ESPECÍFICOS

Na discussão sobre reabsorção e secreção ativas pelos túbulos noCap. 27, foi assinalado que o transporte de diferentes substâncias éefetuado por mecanismos distintos de transporte. No Cap. 3, tambémfoi frisado que cada enzima celular e cada proteína transportadora sãoformadas em resposta a um gene respectivo no núcleo. Se qualquergene necessário estiver ausente ou anormal, os túbulos podem tornar-se

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deficientes em uma das enzimas ou transportadores adequados. Por essarazão, sabe-se que ocorrem muitos distúrbios tubulares específicos dife-rentes para o transporte de grupos individuais ou especiais de substânciasatravés da membrana tubular. Praticamente, todos esses distúrbios sãohereditários. No presente capítulo, consideraremos alguns dos mais im-portantes.

Glicosúria renal. Nessa condição, o nível de glicemia pode estartotalmente normal, mas o mecanismo de transporte para a reabsorçãode glicose está acentuadamente limitado ou ausente. Conseqüentemente,a despeito da glicemia normal, grandes quantidades de glicose passamdiariamente para a urina. Como um dos testes para o diabetes melito(que resulta da ausência de secreção de insulina pelo pâncreas) é apresença de glicose na urina, é preciso sempre excluir a glicosúria renal(condição benigna que praticamente não causa disfunção do organismo)antes de se estabelecer o diagnóstico de diabetes melito.

Excesso de reabsorção tubular proximal de íon urato — causada gota. Os íons urato representam um dos importantes produtos dadegradação do metabolismo celular. Por conseguinte, é importanteremover qualquer excesso desse íon dos líquidos corporais. Entretanto,por razões desconhecidas, os túbulos renais têm capacidade de secretarativamente o íon urato e de reabsorvê-lo também ativamente. Oprocesso de reabsorção ativa ocorre nos túbulos proximais. Numpequeno subgrupo de indivíduos, essa reabsorção é francamente ativa eresulta em elevação persistente do íon urato no líquido extracelular.Acima de uma concentração crítica, o urato se precipita em muitostecidos sob forma de cristais de ácido tirico. Ocorre precipitaçãoespecialmente nas articulações, resultando na síndrome clínica da gota,um tipo de artrite inflamatória capaz de afetar simultaneamentemúltiplas articulações.

Diabetes insípido nefrogênico. Em certas ocasiões, os túbulosrenais não respondem ao hormônio antidiurético secretado pelo sistemasupra-óptico-hipofisário; como conseqüência, verifica-se a excreçãocontínua de grandes quantidades de urina diluída. Enquanto a pessoareceber quantidades suficientes de água, essa condição raramenteprovoca qualquer dificuldade grave. Entretanto, quando ela não dispõede quantidades adequadas de água, torna-se rapidamente desidratada.

Àcidose metabólica causada pela incapacidade dos túbulos desecretar íons hidrogênio. Nessa condição, o indivíduo é incapaz desecretar quantidades adequadas de íons hidrogênio; como conseqüência,verifica-se perda contínua de grandes quantidades de bicarbonato desódio na urina, por razões que foram discutidas no capítulo anterior.Esse processo determina um estado permanente de acidose metabólica.Todavia, uma terapia de reposição adequada, com administraçãocontínua de álcali, pode manter a função corporal normal.

Hipofosfatemia renal. Na hipo fosfate mi a renal, os túbulos renaisnão conseguem reabsorver quantidades adequadas de íons fosfato, mes-mo quando a concentração de fosfato dos líquidos corporais cai paravalores muito baixos. Essa condição não causa qualquer anormalidadeimediata grave, visto que o nível de fosfato dos líquidos extracelularespode variar muito sem que haja disfunção celular significativa. Todavia,no decorrer de longo período de tempo, o baixo nível de fosfato resultaem menor calcificação dos ossos, com conseqüente desenvolvimento deraquitismo. Além disso, esse tipo de raquitismo é refratário à terapiacom vitamina D, contrastando com a rápida resposta do tipo comumde raquitismo, discutido no Cap. 79.

Aminoacidúria. Alguns aminoácidos partilham certos sistemas detransporte comuns para sua reabsorção, enquanto outros aminoácidosapresentam sistemas transportadores distintos e próprios. Em raras oca-siões, a condição denominada aminoacidúria generalizada resulta dareabsorção deficiente de todos os aminoácidos; todavia, com maisfreqüência, as deficiências de sistemas transportadores específicospodem resultar em (1) cistinúria essencial, em que grandes quantidades decistina não podem ser reabsorvidas e quase sempre cristalizam na urina,formando cálculos renais; (2) glicinúria simples, em que a glicina nãopode ser reabsorvida; ou (3) acidaria beta-aminoisobutírica, que ocorreem cerca de 5% das pessoas, mas que aparentemente tem pouco ounenhum significado clínico.

PROVAS DE FUNÇÃO RENALAs provas de função renal podem ser divididas em três categorias:

(1) determinação das depurações renais, (2) determinação de substânciasno sangue que normalmente são secretadas pelos rins e (3) análisesquímicas e físicas da urina.

Provas de depuração renal. Qualquer uma das provas dedepuração, incluindo depuração do ácido para-amino-hipúríco, inulina,manitol ou outras substâncias, como foi descrito no Cap. 27, pode serutilizada como prova de função renal. Com efeito, se todas essas provasforem efetuadas, podem-se determinar intensidade da filtraçãoglomerular, o fluxo sanguíneo efetivo pelo rim por minuto, a fração defiltração e muitas outras características da função renal. Todavia, édifícil efetuar muitas dessas provas de depuração. Contudo, diversasprovas de depuração especiais, em que substâncias radiopacas ouradiativas são excretadas do sangue para a pelve renal, são facilmenteutilizadas. Duas dessas provas são a pielografia venosa e os estudos dedepuração com substâncias radiativas.

Pielografia venosa. Diversas substâncias contendo grandes quanti-dades de iodo em suas moléculas — Diodrast, Hippuran e lopax —são excretadas na urina por filtração glomerular e por secreção tubularativa. Conseqüentemente, sua concentração na urina fica muito elevadadentro de poucos minutos após injeção venosa da substância. Alémdisso, o iodo presente nesses compostos os torna relativamente opacosaos raios X. Por conseguinte, podem ser realizadas radiografias mostran-do sombras das pelves renais, dos ureteres e até mesmo da bexiga.Em geral, ocorre excreção de quantidade suficiente — isto é, ''depurada"— dentro de 5 minutos após a injeção, proporcionando imagens satisfa-tórias das pelves renais. A incapacidade de demonstrar uma imagemdistinta no decorrer desse tempo indica depuração renal reduzida.

Estudos de depuração com substâncias radiativas. Sequalquer uma das substâncias supracitadas (ou muitas outras) forpreparada com iodo radiativo ou algum outro nuclídeo radiativo, pode-se medir a radiatividade de ambas, as pelves renais colocando-secontadores de radiatividade apropriados sobre os rins. É preciso injetarapenas diminuta quantidade da substância por via venosa e registrar ograu de radiatividade durante os minutos seguintes para determinar,aproximadamente, as depurações renais.

Um dos valores especiais da pielografia com raios X e radiativaé que ambas medem a função de cada rim independentemente do outro,em lugar de avaliar a função total dos dois rins em conjunto, comoocorre nas outras provas de função renal.

Análises do sangue como provas de função renal. Pode-se,também, estimar o grau de funcionamento dos rins de terminando-se asconcentrações de várias substâncias no sangue. Por exemplo, aconcentração normal de uréia no sangue é de 26 mg/dl; todavia, noscasos graves de insuficiência renal, essa concentração pode aumentar eatingir 300 mg/dl. A concentração sangüínea normal de creatinina é de1,1 mg/dl; entretanto, essa concentração também pode aumentar por10 vezes. Para determinar o grau de acidose metabólica resultante dedisfunção renal, pode-se recorrer ao diagrama de pH-bicarbonato ou aalgum outro procedimento semelhante, conforme discutido e ilustradono capítulo anterior. Embora esses diferentes testes não sejam tãosatisfatórios quanto as provas de depuração para determinar ascapacidades funcionais dos rins, são de fácil execução e mostram aomédico o grau de perturbação do meio interno.

Medidas físicas da urina como provas de função renal.Obviamente, uma das medidas urinárias mais importantes é o volume deurina formado diariamente. Na insuficiência renal aguda, esse volumepode cair para zero e, na insuficiência renal crônica, costuma estardiminuído. Por outro lado, a insuficiência renal moderada pode, naverdade, aumentar o débito urinário, conforme descrito antes, devido àacentuada hiperdiurese dos néfrons remanescentes quando a maioria foidestruída.

Um segundo fator que costuma ser medido é a densidade da urina.Dependendo dos tipos de substâncias depuradas, a densidade pode variarextraordinariamente; seu limite superior pode atingir 1,045, mas podecair até 1,002. Para testar a capacidade dos rins de diluir a urina, opaciente ingere grandes quantidades de água, e efetuam-se medidas dadensidade mínima capaz de ser atingida. A seguir, em outra oportu-nidade, o paciente não recebe água durante 12 horas ou mais, e, aseguir, determina-se a concentração máxima da urina. Consultando nova-mente a Fig. 31.3, podemos observar que a capacidade de concentraçãodos rins apresenta-se especialmente comprometida à medida que o núme-ro de néfrons diminui.

DIURÉTICOS E SEUS MECANISMOS DE AÇÃO

O diurético é uma substância que aumenta a velocidade de elimina-ção da urina. A maioria dos diuréticos atua por reduzir a intensidade

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da reabsorção de líquidos nos túbulos.A principal utilidade dos diuréticos é reduzir a quantidade total

de líquido do organismo. São especialmente importantes no tratamentodo edema e da hipertensão.

Quando se utiliza um diurético, é geralmente importante que avelocidade de perda de sódio na urina também seja aumentada, bemcomo a velocidade de perda de água. A razão disso é a seguinte: seapenas a água dos líquidos corporais fosse removida, esses líquidos fica-riam hipertônicos e provocariam uma resposta osmorreceptora, seguidade secreção pronunciada de hormônio antidiurético. A seguir, essehormônio determinaria a reabsorção de grandes quantidades de águapelos túbulos, o que anularia o efeito do diurético. Todavia, se o sódiofor eliminado juntamente com a água, não haverá essa anulação deefeito. Por conseguinte, todos os diuréticos valiosos causam natriurese{perda de sódio) acentuada, bem como diurese.

Os vários tipos importantes de diuréticos são comentados a seguir.Diuréticos osmóticos. A injeção na corrente sangüínea de uréia,

sacarose, manilolou de qualquer outra substância não facilmente reabsor-vida pelos túbulos determina aumento acentuada das substâncias osmoti-camente ativas existentes nos túbulos. A seguir, a pressão osmótica dessassubstâncias diminui a reabsorção de água, de modo que grandes quanti-dades de líquido tubular passam para a urina.

Verifica-se o mesmo efeito quando a concentração de glicose nosangue aumenta e atinge níveis muito elevados no diabetes melito. Acimada concentração de glicose de cerca de 250 mg/dl, só quantidade muitopequena de glicose é reabsorvida pelos túbulos; na verdade, ela atuacomo diurético osmótico e determina rápida perda de líquido na urina.O termo "diabetes" refere-se ao fluxo urinário muito acentuado.

Diuréticos que diminuem a reabsorção ativa. Qualquersubstância capaz de inibir os sistemas transportadores nas célulasepiteliais tubulares e, portanto, capaz de diminuir a reabsorção ativa dossolutos tubulares aumenta-a pressão osmótica tubular e provoca diureseosmótica. A seguir, são mencionados alguns dos medicamentos dessetipo mais comumente utilizados.

Diuréticos da "alça" —furosemida e ácido etacrínico. A furosemidae o ácido etacrínico são os mais potentes de todos os diuréticos utilizadosclinicamente. São denominados diuréticos da alça em virtude de suafunção principal ser no sentido de reduzir a reabsorção ativa no ramoascendente da alça de Henle, embora também atuem nas porções iniciaisdo túbulo distai. Seu mecanismo de ação consiste em bloquear o co-trans-porte de sódio-cloreto na membrana luminal das células epiteliais, queé o principal mecanismo de reabsorção dos íons cloreto e sódio. Esseprocesso produz diurese por duas razões: (1) Permite a chegada de quanti-dades muito aumentadas de soluto nas porções distais dos néfrons, que,a seguir, passam a atuar como agentes osmóticos, impedindo a reabsorçãode água. (2) A incapacidade de absorver íons sódio e cloreto da alçade Henle para o interstício medular diminui a concentração do líquido

intersticial medular. Conseqüentemente, verifica-se acentuada reduçãoda capacidade de concentração do rim, de modo que a reabsorção delíquido nos dutos coletores fica ainda mais reduzida. Devido a essesdois efeitos, a urina pode receber até 20 a 30% do filtrado glomerular,produzindo, em condições agudas, débitos urinários de até 25 vezeso normal durante um período de poucos minutos.

Clorotiazida. A clorotiazida e outros derivados tiazídicos atuam pri-mariamente nos túbulos distais, impedindo a reabsorção ativa de sódio;em condições favoráveis, podem determinar a passagem de até 8% dofiltrado glomerular para a urina.

Inibidores da anidrase carbônica — aceíazolamida. A actazolamióa(Diamox) e outros inibidores da anidrase carbônica bloqueiam primaria-mente a reabsorção de íons bicarbonato dos túbulos proximais. Seumecanismo consiste em inibir a anidrase carbônica fixada à borda emescova luminal das células epiteliais tubulares, que normalmente catalisaa dissociação do ácido carbônico em água e dióxido de carbono. Obloqueio dessa reação catalisada enzimaticamente impede a remoçãode íons bicarbonato do líquido tubular, que, assim, permanecem nostúbulos, atuando como diurético osmótico. Todavia, o uso dessa subs-tância também causa certo grau de acidose, devido ã perda excessivade íons bicarbonato na urina.

Inibidores competitivos da aldosterona — espironolactona. Aespironolactona e várias outras substâncias semelhantes competem com aaldosterona por sítios receptores existentes nas células epiteliais dosnéfrons distais, bloqueando, assim, o efeito da aldosterona no sentido depromover a reabsorção de sódio. Como conseqüência, o sódiopermanece nos túbulos e atua como diurético osmótico. Essassubstâncias também bloqueiam o efeito da aldosterona no sentido depromover a secreção de potássio nos túbulos. Por conseguinte, emalguns casos, a concentração de potássio no líquido extracelular ficaperigosamente elevada.

MICÇÃO

A micção refere-se ao processo pelo qual a bexiga se esvazia quandofica cheia. Basicamente, a bexiga (1) enche-se progressivamente, atéque a tensão em suas paredes ultrapasse um valor limiar, quando (2)ocorre reflexo nervoso, denominado "reflexo de micção" que determinaa micção ou, se não conseguir fazê-lo, pelo menos desencadeia desejoconsciente de urinar.

ANATOMIA FISIOLÓGICA E CONEXÕES NERVOSAS DABEXIGA

A bexiga, ilustrada na Fig. 31.6, é uma câmara muscular lisa constituídapor duas partes principais: (1) o corpo, que forma a maior parte dabexiga, onde se acumula a urina, e (2) o colo, uma extensão do corpo,em forma de funil, dirigindo-se inferior e anteriormente para o triângulo

Fig. 31.6 A bexiga urinária e sua inervação.

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urogenital, conectando-se com a uretra. A parte inferior do colo vesicaltambém é denominada uretra posterior, devido à sua relação com auretra.

O músculo liso da bexiga é conhecido como músculo detrusor. Suasfibras musculares se estendem em todas as direções e, quando contraídas,podem aumentar a pressão na bexiga por até 40 a 60 mm Hg. Porconseguinte, é o músculo detrusor que esvazia a bexiga. As células muscu-lares lisas do músculo detrusor fundem-se umas com as outras, criandoentre si vias elétricas de baixa resistência. Por conseguinte, um potencialde ação pode propagar-se por todo o músculo detrusor, causando acontração de toda a bexiga de uma só vez.

Na parede posterior da bexiga, imediatamente acima do colo vesical,existe uma pequena área triangular denominada trígono. No vértice maisinferior do trígono encontra-se o orifício da bexiga que, a partir docolo vesical, passa para a uretra posterior, enquanto os dois ureterespenetram na bexiga nos ângulos mais superiores do trígono. O trígonopode ser identificado pela sua mucosa muito lisa, em contraste como restante da mucosa vesical, que é pregueada, formando rugas. Noponto em que cada ureter penetra na bexiga, ele segue um trajeto oblíquoatravés do músculo detrusor e, a seguir, percorre ainda 1 a 2 cm porbaixo da mucosa vesical antes de desaguar na bexiga.

O colo vesical (uretra posterior) tem 2 a 3 cm de comprimento,e sua parede é composta por músculo detrusor entrelaçado com grandequantidade de tecido elástico. O músculo nessa área é quase sempredenominado esfíncter interno. Seu tônus natural mantém normalmenteo colo vesical e a uretra posterior livres de urina e, por conseguinte,impede o esvaziamento da bexiga até que a pressão no colo vesicalse eleve acima de seu limiar critico.

Depois da uretra posterior, a uretra passa através do diafragmaurogenital, que contém a camada de músculo denominada esfíncter exter-no da bexiga. Trata-se de um músculo esquelético voluntário, ao contráriodo músculo do corpo e do colo vesical, que é totalmente liso. Essemúsculo externo encontra-se sob controle voluntário do sistema nervosoe pode ser utilizado para impedir a micção, mesmo quando os controlesinvoluntários estão tentando esvaziar a bexiga.

Inervação da bexiga. A principal inervação para a bexiga é feitapor meio dos nervos pélvicos, que se conectam com a medula espinhalatravés do plexo sacro, principalmente com os segmentos medularesS-2 e S-3. Percorrendo os nervos pélvicos, existem fibras nervosas sensi-tivas e fibras motoras. As fibras sensitivas detectam principalmente ograu de distensão da parede vesical. Os sinais de distensão provenientesda uretra posterior são particularmente potentes, sendo os principaisresponsáveis pelo início dos reflexos que causam o esvaziamento dabexiga.

As fibras nervosas motoras que trafegam pelos nervos pélvicos sãofibras parassimpáticas. Elas terminam em células ganglionares localizadasna parede da bexiga. A seguir, nervos pós-ganglionares curtos inervamo músculo detrusor.

Além dos nervos pélvicos, dois outros tipos de inervação são impor-tantes para a função vesical. As mais importantes são as fibras motorasesqueléticas que passam pelo nervo podendo até o esfíncter vesical exter-no. Trata-se de fibras nervosas somáticas que inervam e controlam omúsculo esquelético voluntário desse esfíncter. Além disso, a bexigarecebe inervação simpática da cadeia simpática pelos nervos hipogás-tricos. que se conectam principalmente com o segmento L-2 da medulaespinhal. É provável que essas fibras simpáticas estimulem principal-mente os vasos sanguíneos, exercendo pouco efeito sobre a contraçãovesical. Algumas fibras nervosas sensitivas também passam pelos nervossimpáticos c podem ser importantes para a sensação de plenitude edor em alguns casos.

cm/s, ocorre desde uma vez a cada 10 s até uma vez a cada 2 a 3min. A onda peristáltica é capaz de deslocar a urina contra uma obstruçãocom pressão de até 50 a 100 mm Hg. A transmissão da onda peristálticaé provavelmente causada por potenciais de ação que passam ao longodo sincício do músculo liso da parede ureteral. Todavia, a estimulaçãoparassimpática pode aumentar a freqüência das ondas e a estimulaçãosimpática pode diminuí-la, podendo também afetar, provavelmente, aintensidade da contração.

Na extremidade inferior, o ureter penetra obliquamente na bexigaatravés do trígono, conforme ilustrado na Fig. 31.6. O ureter segueseu trajeto por vários centímetros sob o epitélio vesical, de modo quea pressão na bexiga o comprime, impedindo, assim, o refluxo de urinaquando a pressão na bexiga aumenta durante a micção.

Sensações dolorosas dos ureteres e reflexo ureterorrenal. Osureteres são bem supridos com fibras nervosas de dor. Quando ocorrebloqueio dos ureteres, como no caso de um cálculo ureteral, verifica-seintensa constrição reflexa, associada a dor muito intensa. Além disso, osimpulsos dolorosos causam um reflexo simpático que retorna ao rime contrai as arteríolas renais, diminuindo, assim, o débito urinário dorim. Esse efeito é denominado reflexo ureterorrenal; é obviamenteimportante para impedir o fluxo excessivo de líquido para a pelve de umrim com seu ureter bloqueado.

TÔNUS DA PAREDE VESICAL E CISTOMETROGRAMADURANTE O ENCHIMENTO DA BEXIGA

A curva contínua da Fig. 31.7 é denominada cistometrograma dabexiga. Mostra as mudanças aproximadas da pressão intravesical quandoa bexiga se enche com urina. Quando não há praticamente urina nabexiga, a pressão intravesical é aproximadamente zero; entretanto, como acúmulo de 30 a 50 ml de urina, a pressão eleva-se para 5 a 10 cmde água. Pode haver acúmulo de quantidade adicional de urina de até200 a 300 ml com apenas pequena elevação da pressão. Esse nível cons-tante de pressão é causado pelo tônus intrínseco da própria parede vesical.Acima de 300 a 400 ml, o acúmulo de mais urina determina elevaçãomuito rápida da pressão.

Superpostos às mudanças da pressão tônica durante o enchimentoda bexiga estão os aumentos agudos periódicos na pressão, que duramde poucos segundos a mais de 1 minuto. A pressão pode elevar-se porapenas alguns centímetros de água ou pode atingir mais de 100 cm deágua. Estas são as ondas de micção no cistometrograma, causadas peloreflexo de micção, que é discutido a seguir.

REFLEXO DE MICÇÃO

Consultando novamente a Fig. 31.7, verifica-se que, à medida que abexiga se enche, começam a aparecer muitas contrações miccionais super-

TRANSPORTE DA URINA ATRAVÉS DOS URETERES

Os ureteres são pequenos tubos de músculo liso que se originamnas pelves dos dois rins e descem para penetrar na bexiga. Cada ureteré inervado por nervos simpáticos e parassimpáticos, e cada um delestambém possui um plexo intramural de neurônios e fibras nervosas quese estendem ao longo de todo o seu comprimento.

À medida que a urina se acumula na pelve, a pressão em seu interioraumenta e desencadeia uma contração peristáltica que começa na pelvee propaga-se ao longo do ureter, forçando a urina em direção à bexiga.Uma onda peristáltica, que se desloca com velocidade de cerca de 3

Fig. 31.7 Cistometrograma normal mostrando também as ondasagudas de pressão (picos em pontilhado), causadas por reflexos demicção.

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postas, conforme indicado pelos picos tracejados. Resultam de um reflexode estiramento desencadeado por receptores de estiramento na paredevesical, sobretudo pelos receptores existentes na uretra posterior quandoela começa a encher-se de urina com as pressões vesicais mais elevadas.Os sinais sensitivos são conduzidos até os segmentos sacros da medulaatravés dos nervos pélvicos e, a seguir, de volta à bexiga pelas fibrasparassimpáticas existentes nesses mesmos nervos.

Uma vez iniciado o reflexo da micção, ele é "auto-regenerativo".Isto é, a contração inicial da bexiga ativa ainda mais os receptores,ocasionando aumento ainda maior dos impulsos sensitivos da bexigae uretra posterior, determinando maior aumento da contração reflexada bexiga. O ciclo repete-se várias vezes até que a bexiga tenha alcançadograu acentuado de contração. A seguir, depois de poucos segundos amais de um minuto, o reflexo começa a entrar em fadiga, e o cicloregenerativo do reflexo de micção cessa, permitindo a rápida reduçãoda contração vesical. Em outras palavras, o reflexo de micção é um sóciclo completo de (1) elevação progressiva e rápida da pressão, (2) umperíodo de pressão mantida e (3) retorno da pressão à pressão tônicabasal da bexiga. Uma vez ocorrido o reflexo da micção, sem ser acompa-nhado de esvaziamento da bexiga, os elementos nervosos desse reflexogeralmente permanecem em estado de inibição durante pelo menos al-guns minutos até, por vezes, 1 hora ou mais antes que ocorra outroreflexo de micção. Todavia, à medida que a bexiga fica cada vez maischeia, os reflexos de micção ocorrem com maior freqüência e são cadavez mais potentes.

Quando o reflexo da micção se torna intenso o suficiente, provocaoutro reflexo, que passa pelos nervos pudendos até o esfíncter externo,inibindo-o. Se essa inibição for mais potente do que os sinais constritoresvoluntários, provenientes do cérebro para o esfíncter externo, ocorrerámicção. Caso contrário, não haverá micção até que a bexiga fique maischeia, e o reflexo de micção se torne mais potente.

Controle da micção pelo cérebro. O reflexo da micção é um reflexomedular totalmente autônomo, mas que pode ser inibido ou facilitadopor centros no cérebro. Estes centros incluem: (1) fortes centros facilita-dores e inibidores no tronco cerebral, provavelmente localizados na ponte,e (2) vários centros localizados no córtex cerebral que são principalmenteinibidores, mas que algumas vezes podem ser excitatórios.

O reflexo da micção é a causa básica da micção; todavia, os centrossuperiores normalmente exercem o controle final da micção através dosseguintes meios:

1. Os centros superiores mantém todo o tempo o reflexo de micçãoparcialmente inibido, exceto quando o indivíduo deseja urinar.

2. Os centros superiores impedem a micção, mesmo se ocorrer oreflexo de micção, através da contração tônica contínua do esfínctervesical externo até que surja um momento conveniente.

3. Quando chega o momento de urinar, os centros corticais podem(a) facilitar os centros sacros da micção, ajudando a desencadear o reflexode micção, e (b) inibir o esfíncter urinário externo para que possa ocorrermicção.

Todavia, ainda mais importante é o fato de a micção voluntáriaser geralmente iniciada da seguinte maneira: em primeiro lugar, a pessoacontrai os músculos abdominais, o que aumenta a pressão da urina nabexiga, permitindo a entrada de mais urina no colo vesical e na uretraposterior sob pressão, com conseqüente distensão de suas paredes. Issoexcita, então, os receptores de estiramento, estimulando o reflexo demicção e inibindo simultaneamente o esfíncter uretral externo. Em geral,toda a urina será eliminada, sendo rara a persistência de mais de 5a 10 ml na bexiga.

ANORMALIDADES DA MICÇÃO

Bexiga atônica. A destruição das fibras nervosas sensitivas da- bexigapara a medula espinhal impede a transmissão dos sinais de estiramentoda bexiga e, por conseguinte, também impede as contrações do reflexoda micção. Assim, o indivíduo perde todo o controle da bexiga, apesarda integridade das fibras eferentes da medula para a bexiga e das conexõesneurogênicas intactas com o cérebro. Hm lugar de haver esvaziamentoperiódico, a bexiga enche-se até sua capacidade total e perde algumasgotas de cada vez pela uretra. Esse processo é denominado incontinênciade vazamento.

A bexiga atônica era de ocorrência comum quando a sífilis eradisseminada, visto que essa doença quase sempre provoca fibrose cons-

tritiva em torno das fibras da raiz nervosa dorsal no ponto em quepenetram na medula, com destruição subseqüente dessas fibras. A condi-ção é denominada tabes dorsal, e a patologia vesical resultante é conhe-cida como bexiga tabética. Outra causa comum dessa condição é repre-sentada pelas lesões de esmagamento na região sacral da medula.

Bexiga automática. Se a medula espinhal for lesada acima da regiãosacral, porém com preservação dos segmentos sacros, ocorrerá o reflexotípico da micção. Todavia, esses reflexos não podem ser mais controladospelo cérebro. Durante os primeiros dias a várias semanas após ter ocor-rido a lesão medular, os reflexos de micção são totalmente suprimidos,devido ao estado de "choque espinhal" causado pela súbita perda dosimpulsos facilitadores provenientes do tronco cerebral e do cérebro.Todavia, se a bexiga for esvaziada periodicamente por cateterizaçãopara evitar sua lesão física a excitabilidade do reflexo de micção aumentagradativamente até haver retorno dos reflexos miceionais típicos. -

É particularmente interessante assinalar que a estimulação da pelena região genital pode, algumas vezes, desencadear o reflexo de micçãonessa condição, proporcionando um meio pelo qual alguns pacientesainda conseguem controlar a micção.

Bexiga neurogênica não-inibida. Outra anormalidade comum damicção é a denominada bexiga neurogênica não-inibida, que resultaem micção freqüente e relativamente incontrolável. Essa condiçãoresulta da lesão parcial da medula espinhal ou do tronco cerebral,interrompendo a maioria dos sinais inibidores. Por conseguinte, osimpulsos facilitadores que passam continuamente pela medula mantêmos centros sacrais tão excitáveis que até mesmo pequena quantidade deurina irá desencadear o reflexo de micção incontrolável, promovendo amicção.

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UNIDADE VI

CÉLULAS SANGÜÍNEAS, IMUNIDADEE COAGULAÇÃO DO SANGUE

Eritrócitos, Anemia e PolicitemiaResistência do Organismo à Infecção: I. Leucócitos, Granulócitos, Sistemados Monócitos-Macrófagose InflamaçãoResistência do Organismo à Infecção: II. Imunidade e AlergiaGrupos Sanguíneos; Transfusão; Transplante de Tecidos e ÓrgãosHemostasia e Coagulação do Sangue

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CAPÍTULO 32

Eritrócitos, Anemia e Policitemia

Com este capitulo, iniciamos a discussão sobre as células sangüínease outras células intimamente relacionadas a elas: as células do sistemade macrófagos e do sistema linfático. A princípio, consideraremos asfunções dos eritrócitos, que são as mais abundantes de todas as célulasdo organismo, necessárias para o suprimento de oxigênio aos tecidos.

ERITRÓCITOS (HEMÁCIAS)

A principal função dos eritrócitos, também conhecidos comohemácias, consiste em transportar a hemoglobina que, por sua vez,conduz o oxigênio dos pulmões para os tecidos. Em alguns animaisinferiores, a hemoglobina circula como proteína livre no plasma, nãoencerrada no interior dos eritrócitos. Nos seres humanos, entretanto,quando a hemoglobina encontra-se livre no plasma, cerca de 3%atravessam a membrana capilar e penetram nos espaços teciduais oupermeiam a membrana glomerular dos rins e passam para o filtradoglomerular toda vez que o sangue flui pelos capilares. Por conseguinte,para que a hemoglobina permaneça na corrente sangüínea, deve sermantida no interior dos eritrócitos.

Os eritrócitos desempenham outras funções além de simplesmentetransportar a hemoglobina. Por exemplo, ela contem grande quantidadede anidrase carbônica, que catalisa a reação entre o dióxido de carbonoe a água, aumentando a velocidade dessa reação em muitos milharesde vezes. A rapidez dessa reação permite que a água no sangue reajacom grandes quantidades de dióxido de carbono, transportando-o dostecidos para os pulmões sob forma de íon bicarbonato (HCO3). Alémdisso, a hemoglobina nas células é um excelente tampão ácido-básico(como no caso da maioria das proteínas), de modo que os eritrócitossão responsáveis por quase toda a capacidade de tamponamento dosangue total.

Forma e tamanho dos eritrócitos. Os eritrócitos normais, ilustradosna Fig. 32.3, são discos bicôncavos com diâmetro médio deaproximadamente 7,5 µm e espessura de 1,9 µm em seu ponto maisespesso e de 1 µm ou menos na parte central. O volume médio doeritrócito é de 83 µm. cúbicos.

A forma dos eritrócitos pode ser muito modificada quando a célulaatravessa os capilares. Na verdade, o eritrócito é um "saco" que podeser deformado, adquirindo quase qualquer forma. Além disso, comoa célula normal possui excesso de membrana celular em relação à quanti-dade de material em seu interior, a deformação não distende acentua-damente a membrana e, por conseguinte, não rompe a célula comoocorreria com muitos outros tipos celulares.

Concentração dos eritrócitos no sangue. Em homens normais, onúmero médio de eritrócitos por milímetro cúbico é de 5.200.000(±300.000), enquanto nas mulheres normais é de 4.700.000 (±300.000).Além disso, a altitude em que o indivíduo vive afeta o número de eritró-citos, o que será discutido adiante.

Quantidade de hemoglobina nos eritrócitos. Os eritrócitos têm acapacidade de concentrar hemoglobina no líquido celular atéaproximadamente 34 g/dl de células. A concentração nunca aumentaacima desse valor, visto ser ele um limite metabólico do mecanismode formação da hemoglobina da célula.

Além disso, nos indivíduos normais, a percentagem de hemoglobina estáquase sempre próxima do máximo em cada célula. Todavia, quando aformação de hemoglobina fica deficiente na medula óssea, suapercentagem nas células pode cair consideravelmente abaixo desse valor,e pode-se também verificar redução do volume celular devido ã menorquantidade de hemoglobina para preencher a célula.

Quando o hematócrito (a percentagem de células no sangue —normalmente de 40 a 45%) e a quantidade de hemoglobina em cadacélula estão normais, o sangue total contém, em média, 16 g de hemoglo-bina por decilitro no homem e 14 g/dl na mulher. Como veremos quandofor descrito o transporte do oxigênio no Cap. 40. cada grama de hemoglobina pura é capaz de combinar-se com aproximadamente 1,39 ml deoxigênio. Por conseguinte, no homem normal, mais de 21 ml de oxigêniopodem ser transportados em combinação com a hemoglobina, em cadadecilitro de sangue, ao passo que, na mulher normal, podem ser transpor-tados 19 ml.

PRODUÇÃO DE ERITRÓCITOS

Áreas do organismo que produzem eritrócitos. Nas primeirassemanas de vida embrionária, os eritrócitos primitivos nucleados sãoproduzidos no saco vitelino. No segundo trimestre da gestação, o fígadopassa a constituir o principal órgão de produção de eritrócitos, emboratambém seja produzida uma quantidade razoável no baço e noslinfonodos. Por fim, durante a última parte da gestação e após onascimento, os eritrócitos são produzidos exclusivamente pela medulaóssea.

Conforme representado na Fig. 32.1, a medula óssea de praticamentetodos os ossos produz eritrócitos até os 5 anos de idade, mas a medulaóssea dos ossos longos, à exceção das porções proximais do úmero eda tíbia, fica muito gordurosa e não mais produz eritrócitos depois dos20 anos de idade. Acima dessa idade, a maior parte dos eritrócitosé produzida na medula dos ossos membranosos, como as vértebras,o esterno, as costelas e ílios. Mesmo nesses ossos, a medula fica menosprodutiva com a idade.

Fig. 32.1 Velocidades relativas da produção de eritrócitos em diferentesossos em várias idades.

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Gênese dos eritrócitos

Células-tronco hemopoéticas pluripotenciais, indutores docrescimento e indutores da diferenciação. Na medula óssea, existemcélulas denominadas células-tronco hemopoéticas pluripotenciais (PHSC,pluripotential hemopoietic s/em cells), a partir das quais derivam todasas células do sangue circulante. A Fig. 32.2 ilustra as divisões sucessivasdas células pluripotenciais para formar as diferentes células sangüíneasperiféricas. À medida que essas células se reproduzem durante toda avida do indivíduo, uma parte permanece exatamente como a célulapluripotencial original, sendo retida na medula óssea para manter osuprimento dessas células, embora seu número diminua com a idade.Todavia, a maior parte das células-tronco multiplicadas diferencia-separa formar as outras células ilustradas à direta da Fig. 32.2. As primeirascélulas assim formadas ainda não podem ser identificadas comopertencentes aos diferentes tipos de células sangüíneas, embora jáestejam compromissadas para uma determinada linhagem, sendo,portanto, denominadas células-tronco compromissadas.

As diferentes células-tronco compromissadas, quando se desenvol-vem em cultura, produzem colônias de tipos específicos de célulassangüíneas. Assim, a célula-tronco compromissada que irá produzir oseritrócitos é denominada unidade formadora de colônias de eritrócitos, eutiliza-se a abreviação CFU-E (colony forming unit-erythrocyte) paradesignar esse tipo de célula-tronco. De modo semelhante, as unidadesformadoras de colônias que produzem granulócitos e monócitos recebem adesignação CFU-GM, e assim por diante.

O crescimento e a reprodução das diferentes células-tronco são con-trolados por diversas proteínas, denominadas indutores do crescimento.Foram descritos quatro principais indutores do crescimento, tendo cadaum características diferentes. Um deles, a interleuquina-3, promove ocrescimento e a reprodução de praticamente todos os diferentes tiposde células-tronco, enquanto os outros indutores só induzem o crescimentode tipos específicos de células-tronco compromissadas.

Os indutores do crescimento promovem o crescimento, mas nãoa diferenciação das células. Com efeito, essa função é desempenhadapor outro grupo de proteínas, conhecidas como indutores da diferen-ciação. Cada um desses indutores determina a diferenciação de um tipo

de célula-tronco em uma ou mais etapas no tipo final de célula sangüíneaadulta.

A formação dos indutores do crescimento e da diferenciação é con-trolada por fatores originados fora da medula óssea. Por exemplo, nocaso dos eritrócitos, a exposição a baixa concentração de oxigênio porlongos períodos de tempo resulta em indução do crescimento, diferen-ciação e produção de número muito aumentado de eritrócitos, comoveremos adiante neste capítulo. No caso de alguns dos leucócitos, asdoenças infecciosas desencadeiam o crescimento, a diferenciação e aformação dos tipos específicos de leucócitos necessários para combatera infecção.

Estágios de diferenciação dos eritrócitos

A primeira célula que pode ser identificada como pertencendo àsérie eritrocítica é o prô-eritroblasto, ilustrado na Fig. 32.3. Com estimu-lação apropriada, formam-se grandes números dessas células a partirdas células-tronco CFU-E.

Uma vez formado, o pró-eritroblasto divide-se várias vezes, forman-do eventualmente muitos eritrócitos maduros. As células da primeirageração são denominadas eritroblastos basófilos, por se corarem comcorantes básicos; essas células acumulam quantidade muito pequena dehemoglobina. Todavia, nas gerações seguintes, como ilustra a Fig. 32.3as células tornam-se repletas de hemoglobina até a concentraçãoaproximada de 34%, o núcleo condensa-se até atingir tamanho muitopequeno, sendo expelido da célula. Ao mesmo tempo, o retículoendoplasmático é reabsorvido. Nesse estágio, a célula é denominadareticulócito, uma vez que ainda contém pequena quantidade dematerial basófilo, que consiste em resíduo do aparelho de Golgi, dasmitocôndrias e de outras organelas citoplasmáticas. É durante esseestágio que o reticulócito passa para os capilares sanguíneos pordiapedese (espremendo-se através dos poros da membrana).

O material basofílico restante no reticulócito desaparece normal-mente em 1 a 2 dias, e a célula transforma-se, então, no eritrócito maduro.Devido à curta vida dos reticulócitos, sua concentração entre todos oseritrócitos é, em condições normais, ligeiramente inferior a 1%.

Fig. 32.2 Formação dos diversos tiposcelulares do sangue periférico a partirda célula-tronco nem a to poéticapluripotencial (PHSC) na medula

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Fig. 32.3 Desenvolvimento dos eritrócitos, e seu aspecto em diferentes tipos de anemia.

Regulação da produção de eritrócitos — papel daeritropoetina

A massa total de eritrócitos no sistema circulatório é regulada dentrode limites muito estreitos, de modo que sempre existe um número adequa-do de eritrócitos disponíveis para proporcionar oxigenação tecidual ade-quada, sem que as células fiquem muito concentradas a ponto de impediro fluxo sanguíneo. A Fig. 32.4 mostra, na forma de diagrama, osconhecimentos disponíveis atualmente sobre esse mecanismo decontrole, descrito a seguir.

Oxigenação tecidual como regulador básico da produção deeritrócitos. Qualquer condição passível de causar redução daquantidade de oxigênio transportado para os tecidos em geralaumenta a produção de eritrócitos. Assim, quando um indivíduo ficaextremamente anêmico devido à ocorrência de hemorragia ou dequalquer outra condição, a medula óssea começa imediatamente aproduzir grandes quantidades de eritrócitos. Além disso, a destruiçãode grandes porções da medula óssea por qualquer meio, sobretudo porradioterapia, provoca hiperplasia da medula restante, na tentativa desuprir a demanda de eritrócitos pelo organismo.

Nas grandes altitudes, onde a concentração de oxigênio do ar estáacentuadamente diminuída, verifica-se o transporte de quantidades insu-ficientes de oxigênio para os tecidos; nesse caso, os eritrócitos são produ-zidos com tanta rapidez que seu número aumenta consideravelmenteno sangue.

Por conseguinte, é óbvio que não é a concentração de eritrócitosno sangue que controla a velocidade de sua produção, mas a capacidadefuncional das células de transportar oxigênio para os tecidos em relaçãoàs demandas teciduais por oxigênio.

Diversas doenças circulatórias que causam redução do fluxo sanguí-neo pelos vasos periféricos e, em particular, as que determinam absorçãodeficiente de oxigênio pelo sangue ao passar pelos pulmões tambémpodem aumentar a velocidade de produção dos eritrócitos. Essa situaçãoé observada especialmente na insuficiência cardíaca prolongada e emmuitas doenças pulmonares, visto que a hipoxia tecidual resultante dessascondições aumenta a velocidade de produção dos eritrócitos, comconseqüente elevação do hematócrito e, em geral, aumento do volumesanguíneo total.

Eritropoetina, sua formação em resposta à hipoxia e suafunção na regulação da produção de eritrócitos. O principalfator que estimula a produção de eritrócitos é um hormônio circulante,denominado eritropoetina, uma glicoproteína com peso molecular decerca de 34.000. Na ausência de eritropoetina, a hipoxia não temqualquer efeito ou exerce efeito mínimo sobre a estimulação daprodução de eritrócitos. Por outro lado, quando o sistema daeritropoetina está funcional, a hipoxia determina aumento pronunciadoda produção de eritropoetina que, por sua vez, acelera a produção deeritrócitos até que a hipoxia seja abolida.

Papel dos rins na formação de eritropoetina. No indivíduonormal, 80 a 90% de toda a eritropoetina são formados nos rins; orestante é sintetizado principalmente no fígado. Todavia, não se sabeexatamente em que local do rim a eritropoetina é formada. Como localpossível foram sugeridas as células mesangiais localizadas no pólo doglomérulo

Fig. 32.4 Função do mecanismo da eritropoetina para aumentar aprodução de eritrócitos quando vários fatores diminuem a oxigenaçãotecidual.

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e estendendo-se para o tufo dos capilares glomerulares. Essas células,quando crescem em cultura de tecido e são submetidas a baixas concen-trações de oxigênio, secretam grandes quantidades de eritropoetina.Além disso, sua localização adjacente aos capilares glomerulares permiteque sejam banhadas pelo sangue arterial, o que é importante para adetecção da saturação arterial, e não da venosa, de oxigênio. Isso expli-caria por que a exposição de um indivíduo a baixas concentrações deoxigênio em grandes altitudes resultará em produção acentuadamenteaumentada de eritrócitos.

Todavia, os indivíduos anêmicos também produzem grandes quanti-dades de eritropoetina e grande número de eritrócitos quando a Po2arterial está normal. Por conseguinte, deve existir algum outro meca-nismo para estimular a secreção de eritropoetina, além da resposta dascélulas mesangiais a baixas concentrações de oxigênio. Uma hipótese,baseada em outros estudos, admite que as células epiteliais tubularesrenais também secretem eritropoetina; o sangue anêmicu seria incapazde fornecer, a partir dos capilares peritubulares, uma quantidade sufi-ciente de oxigênio às células tubulares, estimulando, assim, a produçãode eritrócitos.

Por fim, a hipoxia em outras partes do organismo, mas não nosrins, também estimula a secreção de eritropoetina, sugerindo a possívelexistência de algum sensor não-renal que enviaria um sinal adicionalaos rins para produzir o hormônio. Em particular, tanto a norepinefrinaquanto a epinefrina e várias prostaglandinas estimulam a produção deeritropoetina,

Quando ambos os rins são removidos, ou quando são destruídospor alguma doença renal, o indivíduo fica invariavelmente muito anêmi-co, visto que os 10 a 20% da eritropoetina formados em outros tecidos(principalmente no fígado) são apenas suficientes para produzir tão-so-mente de um terço a metade dos eritrócitos necessários ao organismo.

Efeito da eritropoetina sobre a eritrogênese. Quando um animal ouuma pessoa ficam expostos a atmosfera com baixo teor de oxigênio,a eritropoetina começa a ser formada dentro de poucos minutos a horas,atingindo sua produção máxima dentro de 24 horas. Contudo, quasenenhum eritrócito novo aparece no sangue circulante no decorrer dos5 dias seguintes. A partir dessa observação, bem como de outros estudos,determinou-se que o efeito importante da eritropoetina consiste em esti-mular a produção de pró-eritroblastos a partir das células-tronco hemo-poéticas na medula óssea. Além disso, uma vez formados os pró-eritro-blastos, a eritropoetina faz com que essas células passem pelos diferentesestágios eritroblásticos mais rapidamente do que o normal, também acele-rando a produção de novas células. A rápida produção de células prosse-gue enquanto a pessoa permanecer nas condições de baixo teor deoxigênio, ou até que haja produção suficiente de eritrócitos paratransportar quantidades adequadas de oxigênio para os tecidos, apesardo baixo teor de oxigênio. Nesse estágio, a velocidade de produção deeritropoetina declina até um nível que irá manter o número necessário deeritrócitos, sem qualquer excesso.

Na ausência completa de eritropoetina, formam-se poucos eritrócitosna medula óssea. No outro extremo, quando são formadas quantidadesmuito grandes de eritropoetina, a velocidade de produção dos eritrócitospode aumentar por até 10 vezes ou mais em relação ao normal. Porconseguinte, o mecanismo de controle da eritropoetina paTa a produçãode eritrócitos é muito potente.

Maturação dos eritrócitos — necessidade de vitamina B12(clanocobalamina) e de ácido fólico

Devido ã necessidade contínua de repor os eritrócitos, as célulasda medula óssea estão entre as que mais rapidamente crescem e sereproduzem no organismo. Por conseguinte, como é de se esperar, suamaturação e velocidade de produção são acentuadamente afetadas peloestado nutricional do indivíduo.

Duas vitaminas são especialmente importantes para a maturaçãofinal dos eritrócitos: vitamina B12 e ácido fólico. Ambas são essenciaispara a síntese de ADN, visto que cada uma delas, de maneira diferente,é necessária para a formação de trifosfato de timidina, um dos blocosessenciais de construção do ADN. Por conseguinte, a falta de vitaminaB]3 ou de ácido fólico resulta em diminuição do ADN e.conseqüentemente, em insuficiência da maturação e divisãonucleares. Ademais, as células eritroblásticas da medula óssea, alémde sua incapacidade de proliferar rapidamente, tornam-se maiores doque o normal, resultando nos denominados megaloblastos.

Nesse caso, o eritrócito adulto apresenta uma membrana frágil e quasesempre forma irregular, grande e oval, em lugar do disco bicôncavohabitual. Essas células malformadas, após penetrarem na circulação, sãocapazes de transportar normalmente o oxigênio, mas sua fragilidadedetermina a redução de seu tempo de sobrevida para metade a um terçodo normal. Por conseguinte, diz-se que a deficiência de vitamina B,2 oude ácido fólico causa insuficiência de maturação no processo daeritropoese.

A causa dessas células anormais parece ser a seguinte: a incapacidadeda célula de sintetizar quantidades adequadas de ADN determina alenta reprodução das células, mas não impede a formação de ARNpelo ADN disponível em cada célula já existente. Por conseguinte, aquantidade de ARN em cada célula torna-se bem maior do que o normal,levando à produção excessiva de hemoglobina e de outros constituintescitoplasmáticos, resultando cm aumento do volume da célula. Todavia,devido a anormalidades em alguns genes (do ADN), ocorre malformaçãodos componentes estruturais da membrana e do citoesqueleto da célula,resultando em forma anormal das células e, sobretudo, em aumentopronunciado da fragilidade da membrana celular.

Falta de maturação ocasionada pela absorção deficiente devitamina B12 — anemia perniciosa. A absorção insuficiente da vitaminaB12 pelo tubo gastrintestinal constitui uma causa comum de insuficiênciade maturação. Ocorre com freqüência na doença conhecida como anemiaperniciosa, em que a anormalidade básica é a atrofia da mucosagástrica que se torna incapaz de produzir as secreções gástricasnormais. As células parietais das glândulas gástricas secretam umaglicoproteína denominada fator intrínseco, que se combina com a vitaminaB]2 dos alimentos, tornando-a disponível para absorção intestinal. Omecanismo envolvido é o seguinte: (1) O fator intrínseco liga-sefortemente à vitamina B]2. Nesse estado conjugado, a vitamina B,2 ficaprotegida da digestão pelas enzimas gastrintestinais. (2) Ainda no estadoconjugado, o fator intrínseco liga-se a sítios receptores específicosexistentes nas membranas da borda em escova das células da mucosado íleo. (3) A vitamina B12 é transportada para o sangue nas próximashoras pelo processo de pinocitose, carregando o fator intrínseco e avitamina através da membrana.

Por conseguinte, a falta de fator intrínseco determina a perda degrande parte da vitamina, devido à ação enzimática no intestino e àfalta de sua absorção. Uma vez absorvida pelo tubo gastrintestinal, avitamina B]2 é armazenada em grandes quantidades no fígado e, a seguir,liberada lentamente, de acordo com as necessidades da medula ósseae de outros tecidos do organismo. A quantidade mínima de vitaminaB12 necessária a cada dia para manter a maturação normal doseritrócitos é de apenas 1 a 3 µm. A reserva normal da vitamina nofígado e em outros tecidos é de cerca de 1.000 vezes essa quantidade,de modo que são necessários até 4 a 5 anos de absorção deficiente devitamina B12 para que ocorra anemia por falta de maturação.

Falta de maturação causada pela deficiência de absorção de ácidofólico (ácido pteroilglutâmico). O ácido fólico é um constituintenormal de vegetais verdes, de algumas frutas, fígado e outas carnes.Todavia, é facilmente destruído durante o cozimento. Além disso, osindivíduos com anormalidades da absorção gastrintestinal, como adoença comum do intestino delgado denominada espru, quase sempreapresentam séria dificuldade na absorção de ácido fólico e de vitaminaB12. Por conseguinte, em muitos casos de falta de maturação, a causareside na deficiência de absorção de ácido fólico e de vitamina B12.

FORMAÇÃO DA HEMOGLOBINA

A síntese da hemoglobina começa nos pró-eritroblastos e prossegueaté o estágio de reticulócito, visto que, quando os reticulócitos abando-nam a medula óssea e passam para a corrente sangüínea, continuama formar quantidades diminutas de hemoglobina durante cerca de maisum dia A Fig. 32.5 mostra as etapas químicas básicas da formação dahemoglobina. Com base em estudos com isótopos, sabe-se que a porçãoheme da hemoglobina é sintetizada principalmente a partir do ácidoacético e da glicina, e que a maior parte dessa síntese ocorre nasmitocôndrias. No ciclo de Krebs, que será explicado no Cap. 67, o ácidoacético é transformado em succinil-CoA; a seguir, duas dessas moléculascombinam-se com duas moléculas de glicina para formar um compostopirrólico. Por sua vez, quatro compostos pirrólicos combinam-se paraformar um composto protoporfirínico. Uma das protoporfirinas,conhecida como protoporfirina IX, combina-se, então, com o ferro paraformar a molécula do heme.

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Fig. 32.5 Formação da hemoglobina.

. Por fim, cada molécula de heme combina-se com uma cadeiapolipeptídica muito longa, denominada globina, sintetizada pelos ribosso-mas, formando a subunidade de hemoglobina denominada cadeia hemo-giobínica (Fig. 32.6). Cada uma dessas cadeias possui peso molecularde cerca de 16.000; por sua vez, quatro delas ligam-se frouxamenteentre si para formar a molécula completa de hemoglobina.

Existem pequenas variações nas subunidades da cadeia hemoglo-bínica, dependendo da composição de aminoácidos da fração polipep-tídica. Os diferentes tipos de cadeias são denominados cadeias alfa, ca-deias beta, cadeias gama e cadeias delta. No adulto, a forma mais comumde hemoglobina, a hemoglobina A, é uma combinação de duas cadeiasalfa e de duas cadeias beta.

Como cada cadeia possui um grupo prostético heme, existem quatroátomos de ferro em cada molécula de hemoglobina, e cada um delespode fixar uma molécula de oxigênio, de modo que cada molécula dehemoglobina tem a capacidade de transportar o total de quatro moléculasde oxigênio (ou oito átomos). A hemoglobina possui peso molecularde 64.458 átomos.

A natureza das cadeias hemoglobínicas determina a afinidade deligação da hemoglobina ao oxigênio. As anormalidades das cadeias po-dem alterar as características físicas da molécula de hemoglobina. Porexemplo, na anemia falciforme, o ácido glutâmico é substituído peloaminoácido valina em um ponto de cada uma das duas cadeias beta.Quando esse tipo de hemoglobina é exposto a baixo teor de oxigênio,formam-se cristais alongados no interior dos eritrócitos que, por vezes.

Fig. 32.6 Estrutura básica da molécula de hemoglobina, mostrando umdos quatro complexos heme ligados entre si para formar a moléculada hemoglobina.

chegam a ter 15 /um de comprimento. Esses cristais tornam quase impos-sível a passagem das células pelos capilares, e as extremidades afiladasdesses cristais tendem a causar ruptura da membrana celular, resultandoem anemia falctforme.

Combinação da hemoglobina com o oxigênio. A característica maisimportante da molécula de hemoglobina reside na sua capacidade dese combinar frouxamente e de modo reversível com o oxigênio. Essacapacidade é discutida detalhadamente no Cap. 40 em relação à respira-ção , uma vez que a principal função da hemoglobina no organismo depen-de de sua capacidade de combinar-se com o oxigênio nos pulmões e,a seguir, liberá-lo rapidamente nos capilares teciduais. onde a tensãogasosa do oxigênio é muito menor do que nos pulmões.

O oxigênio não se combina com as duas ligações positivas do ferroda molécula de hemoglobina. Na verdade, liga-se fracamente a umadas seis ligações de "coordenação" do átomo de ferro. Trata-se de ligaçãoextremamente fraca, de modo que a combinação é facilmente reversível.Além disso, o oxigênio não se transforma em oxigênio iônico, mas étransportado sob a forma de oxigênio molecular para os tecidos, onde,devido a sua combinação fraca e rapidamente reversível, e liberado noslíquidos teciduais sob a forma de oxigênio molecular dissolvido, e nãosob a forma iônica.

METABOLISMO DO FERRO

Devido à importância do ferro para a formação da hemoglobina,da mioglobina e de outras substâncias, como os citocromos, a citocromooxidase, a peroxidase e a catalase. é essencial compreender o modopelo qual o ferro é utilizado no organismo.

A quantidade total de ferro no organismo é, em média, de 4 g,dos quais 65%, aproximadamente, estão presentes sob forma de hemo-globina. Cerca de 4% ocorrem na forma de mioglobina, 1% na formados vários compostos hêmicos que promovem a oxidação intracelular,0,1% combinado com a proteína transferrina no plasma e 15 a 30%armazenados principalmente no sistema reticuloendotelial e nas célulasparenquimatosas do fígado, sob a forma de ferrítina.

Transporte e armazenamento do ferro. O transporte, o armazena-mento e o metabolismo do ferro no organismo estão ilustrados na Fig.32.7 e podem ser explicados como se segue. Quando o ferro é absorvidopelo intestino delgado, combina-se imediatamente no plasma com umabeta-globulina, a apotransferrina, formando transferrina, que é, então,transportada no plasma. O ferro está fracamente combinado com a molé-cula de globina, de modo que ele pode ser liberado para qualquer célulatecidual em qualquer ponto do organismo. O excesso de ferro no sangueé depositado em todas as células do organismo, porém especialmentenas células reticuloendoteliais e nos hepatócitos. No citoplasma da célula,combina-se principalmente com uma proteína, z apoferritina, para formarferritina. A apoferritina possui peso molecular de aproximadamente460.000, e quantidades variáveis de ferro podem combinar-se em agrega-dos de radicais de ferro com essa grande molécula. Pof conseguinte,a ferritina pode conter desde pequena quantidade até grande quantidadede ferro. O ferro armazenado na ferritina é conhecido como ferro dearmazenamento.

Quantidades menores de ferro no compartimento de deposito sãoarmazenadas sob forma extremamente insolúvel, denominada hemossi-derina. Isso ocorre especialmente quando a quantidade total de ferrono organismo é maior do que a capacidade do reservatório de depósitoda apoferritina. A hemossiderina forma agregados muito grandes nascélulas e, conseqüentemente, pode ser corada e observada ao microscópiosob forma de grandes partículas em cortes de tecidos preparados, portécnicas histológicas. A ferritina também pode ser corada, porém suaspartículas são tão pequenas e dispersas que habitualmente só podemser observadas ao microscópio eletrônico.

Quando a quantidade de ferro no plasma cai para valores muitobaixos, o ferro é removido da ferritina com muita facilidade, porémmenos facilmente da hemossiderina. A seguir, o ferro é transportadopela transferrina do plasma para as partes do organismo onde ele énecessário.

Uma característica peculiar da molécula de transferrina reside nasua ligação especialmente forte a receptores nas membranas celularesdos eritroblastos na medula óssea. Em seguida, juntamente com o ferrofixado a ela, é ingerida pelos eritroblastos por endocitose. Nessas células,a transferrina libera o ferro diretamente nas mitocôndrias, onde ocorre

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a síntese do heme. Nos indivíduos que não apresentam quantidadesadequadas de transferrina no sangue, a incapacidade de transportar oferro até os eritroblastos pode causar anemia hipoerômica grave — istoé, número diminuído de eritrócitos contendo pouca hemoglobina.

Quando os eritrócitos completam seu tempo de sobrevida e sãodestruídos, a hemoglobina liberada das células é ingerida pelas célulasdo sistema monócito-macrofago. Nesse sistema, o ferro livre é liberadoe pode ser, então, armazenado no compartimento da ferritina ou reutili-zado para a formação de hemoglobina.

Perda diária de ferro. O homem excreta diariamente cerca de 1mg de ferro, principalmente nas fezes. Ocorre perda de quantidadesadicionais de ferro toda vez que ocorre sangramento. Nas mulheres,a perda menstrual de sangue faz com que a perda diária média de ferroatinja um valor de aproximadamente 2 mg.

Obviamente, a quantidade média de ferro obtida diariamente dadieta deve ser pelo menos igual à perdida pelo organismo.

Absorção do ferro pelo tubo gastrintestinal

O ferro é absorvido por todos os segmentos do intestino delgado,principalmente por meio do seguinte mecanismo O fígado secreta quanti-dades moderadas de apotransferrina na bile, que flui para o duodenopelo duto colédoco. No intestino delgado, a apotransferrina liga-se aoferro livre, bem como a alguns compostos de ferro, como a hemoglobinae a mioglobina da carne, que constituem duas das mais importantesfontes de ferro da dieta. Essa combinação é denominada transferrina.Por sua vez, a transferrina liga-se a receptores existentes nas membranasdas células epiteliais intestinais. A seguir, pelo processo de pinocitose,a molécula de transferrina com seu ferro de armazenamento é absorvidapelas células epiteliais e, mais tarde, liberada no lado voltado para acorrente sangüínea, sob forma de transferrina plasmática.

A velocidade de absorção do ferro é extremamente lenta, com máxi-mo de apenas alguns miligramas por dia. Isso significa que, em presençade grandes quantidades de ferro na alimentação, apenas pequena propor-ção pode ser absorvida.

Regulação do ferro corporal total por alteração da velocidadede absorção. Quando o organismo está saturado de ferro, de modo quepraticamente toda a apoferritina das áreas de armazenamento de ferrojá está combinada ao ferro, a velocidade de absorção do ferro pelotubo intestinal diminui acentuadamente. Por outro lado, quando ocorredepleção das reservas de ferro, a velocidade de absorção aumenta atécinco ou mais vezes em relação à velocidade observada quando as reservasde ferro estão saturadas. Por conseguinte, o ferro corporal total éregulado, em grande parte, pela variação da velocidade de absorção.

Mecanismos de feedback para a regulação de absorção deferro. Existem dois mecanismos que pelo menos desempenham algumpapel na regulação da absorção do ferro: (1) Quando praticamente todaapoferritina no organismo está saturada de ferro, é difícil haverliberação de ferro da transferrina para os tecidos. Por conseguinte, atransferrina, cuja saturação normal com ferro é de apenas um terço, ficaquase totalmente ligada ao ferro, de modo que quase não aceitanenhum ferro novo a partir das células da mucosa. A seguir, comoetapa final desse processo, o acumulo de excesso de ferro nas própriascélulas da mucosa deprime a absorção ativa de ferro do lúmen intestinal.

Fíg. 32.7 Transporte e metabolismo do ferro.

(2) Quando o organismo apresenta reservas excessivas de ferro, ofígado diminui sua velocidade de formação de apotransferrina,reduzindo, assim, a concentração dessa molécula transportadora deferro no plasma, bem como na bile. Por conseguinte, ocorre menorabsorção de ferro pelo mecanismo intestinal da apotransferrina, e menorquantidade pode ser transportada das células epiteliais intestinais pelatransferrina plasmática.

Todavia, apesar desses mecanismos de controle por feedback pararegular a absorção de ferro, quando o indivíduo ingere quantidadesexcessivas de compostos de ferro, o ferro em excesso penetra no sanguee pode resultar em deposição maciça de hemossiderina nas células reticu-loendoteliais de todo organismo, o que, algumas vezes, pode ser muito

DESTRUIÇÃO DOS ERITRÓCITOS

Quando os eritrócitos são liberados pela medula óssea no sistemacirculatório, eles normalmente circulam durante 120 dias, em média,antes de serem destruídos. Embora os eritrócitos maduros não tenhamnúcleo, mitocôndrias ou retículo endoplasmático, eles, entretanto, pos-suem enzimas citoplasmáticas capazes de metabolizar a glicose e formarpequenas quantidades de trifosfato de adenosina (ATP). Por sua vez,o ATP atua no eritrócito por diversas maneiras: (1) mantém a flexibi-lidade da membrana celular, (2) mantém o transporte de íons atravésda membrana, (3) mantém o ferro da hemoglobina na forma ferrosa,e não na forma férrica (que causa a formação de metemoglobina, quenão transporta oxigênio), e (4) impede a oxidação das proteínas noeritrócito. Todavia, com o decorrer do tempo, esses sistemas metabólicosdo eritrócito tornam-se progressivamente menos ativos e a célula ficacada vez mais frágil, presumivelmente devido ao desgaste de seus proces-sos vitais.

Quando a membrana do eritrócito torna-se muito frágil, a célulapode sofrer ruptura durante sua passagem através de algum pontoestreitado da circulação. Muitos dos eritrócitos fragmentam-se no baço,onde se espremem através da polpa vermelha do órgão. No baço, osespaços entre as trabéculas estruturais da polpa têm apenas 3 µm delargura, em comparação com o diâmetro de 8 µm do eritrócito.Quando o baço é removido, o número de células anormais e de célulasvelhas que circulam no sangue aumenta de modo considerável.

Destruição da hemoglobina. A hemoglobina liberada pelas célulasquando são destruídas é fagocitada quase imediatamente por macrófagospresentes em muitas partes do organismo, porém sobretudo no fígado(células de Kupffer), no baço e na medula óssea. A seguir, duranteperíodo de algumas horas a vários dias, os macrófagos liberam o ferroda hemoglobina que retorna ao sangue, onde é transportado pelatransferrina até a medula óssea para a produção de novos eritrócitosou até o fígado e outros tecidos para armazenamento na forma deferritina. A fração porfirínica da molécula de hemoglobina é convertidapelos macrófagos, em várias etapas, no pigmento biliar bilirrubina,liberado no sangue e, mais tarde, secretado pelo fígado na bile. Esseprocesso será discutido, em relação à função hepática, no Cap. 70.

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ANEMIAS

Anemia é uma deficiência de eritrócitos, que pode ser causadapor perda muito rápida ou produção demasiado lenta de eritrócitos.A seguir, serão comentados alguns tipos de anemia e suas causasfisiológicas.

Anemia por perda de sangue. Após a ocorrência de rápidahemorragia, o organismo repõe o plasma dentro de 1 a 3 dias, mas nãocorrige a baixa concentração de eritrócitos. Se não houver uma segundahemorragia, a concentração de eritrócitos normaliza-se em 3 a 4semanas.

Na perda crônica de sangue, o indivíduo quase sempre não consegueabsorver ferro do intestino em quantidade suficiente para formar a hemo-globina na mesma velocidade em que ela é perdida. Por conseguinte,ocorre produção de eritrócitos com quantidade muito pequena de hemo-globina em seu interior, dando origem à anemia microcítka hipocrômica,que é ilustrada na Fig. 32.3.

Anemia aplástica. Aplasia medular é a ausência de medula ósseafuncionante. Por exemplo, pessoa exposta à irradiação com raios gamaproveniente de explosão nuclear tem probabilidade de sofrer destruiçãocompleta da medula óssea, seguida por anemia letal em poucas semanas.De forma semelhante, a radioterapia excessiva, certos produtos químicosindustriais e até mesmo determinados medicamentos a que a pessoapode ser sensível podem causar o mesmo efeito,

Anemia megaloblástica. A partir da exposição feita antes neste capí-tulo sobre a vitamina B12, ácido fólico e o fator intrínseco da mucosagástrica, pode-se facilmente compreender que a perda de qualquer umdesses fatores pode levar à reprodução muito lenta dos eritroblastosna medula óssea. Como conseqüência, essas células crescem demais,adquirem formas irregulares e são denominadas megaloblastos. Porconseguinte, a atrofia da mucosa gástrica, como a que ocorre na anemiaperniciosa, ou a perda de todo o estômago, em conseqüência degastrectomia total, podem resultar no desenvolvimento de anemiamegaloblástica. Além disso, os pacientes com espru intestinal,caracterizado por absorção deficiente de ácido fólico, de vitamina B12 e deoutros compostos da vitamina B, quase sempre desenvolvem anemiamegaloblástica. Como os eritroblastos não podem proliferar com rapidezsuficiente para formar números normais de eritrócitos, as célulasformadas apresentam, em sua maior parte, tamanho exagerado, comformas bizarras e membranas frágeis. Por conseguinte, sofrem rupturacom facilidade, de modo que o organismo passa a ter urgentenecessidade de número adequado de eritrócitos.

Anemia hemolítica. Numerosas anormalidades dos eritrócitos,muitas das quais são hereditárias, tornam as células muito frágeis, demodo que sofrem ruptura com facilidade ao passar pelos capilares, emparticular os do baço. Por conseguinte, embora o número de eritrócitosformados esteja normal, ou até mesmo excessivo, como ocorre emalgumas doenças hemolíticas, a sobrevida dos eritrócitos é tão curta queresulta no aparecimento de anemia grave. Dentre esses tipos de anemiadestacam-se os que se seguem.

Na esferocitose hereditária, os eritrócitos têm tamanho muito peque-no e apresentam forma mais esférica do que bicôncava. Essas célulasnão podem ser comprimidas, visto não terem estrutura normal da mem-brana, em forma de saco frouxo dos discos bicôncavos. Assim, ao atraves-sarem a polpa esplênica, eles se rompem com facilidade, até mesmopor leve compressão.

Na anemia falciforme, que ocorre em 0,3 a 1,0% dos negros ameri-canos e da África Ocidental, as células contêm um tipo anormal dehemoglobina, denominada hemoglobina S, resultante da composiçãoanormal das cadeias beta da hemoglobina, como foi explicado antesneste capítulo. Quando a hemoglobina S é exposta a baixas concentraçõesde oxigênio, ela precipita e forma longos cristais no interior dos eritró-citos. Esses cristais alongam a célula, conferindo-lhe o aspecto de foiceem lugar de disco bicôncavo. A hemoglobina precipitada também lesaa membrana celular, de modo que as células tornam-se muito frágeis,com o conseqüente desenvolvimento de anemia grave. Os pacientes quasesempre entram no ciclo vicioso denominado "crise" da anemia falciforme.em que a baixa tensão de oxigênio nos tecidos provoca falcização. oque provoca impedimento do fluxo sanguíneo pelos tecidos, determi-nando, por sua vez, redução maior da tensão de oxigênio. Assim, umavez iniciado o processo, ele progride rapidamente, causando reduçãoacentuada da massa de eritrócitos em poucas horas e, com freqüência,levando à morte.

Na eritroblastose fetal, os eritrócitos Rh-positivos do feto são ataca-

dos por anticorpos da mãe Rh-negativa. Esses anticorpos tornam ascélulas frágeis e fazem com que a criança nasça com anemia grave.A eritroblastose fetal é discutida no Cap. 35, em relação ao fator sanguí-neo Rh. A formação extremamente rápida de novos eritrócitos na eritro-blastose fetal resulta na liberação de grande número de formas blásticasde eritrócitos no sangue.

Em certas ocasiões, a hemólise também pode resultar de reaçõestransfusionais, de malária, de reações a certos medicamentos, e comoprocesso auto-imune.

EFEITOS DA ANEMIA SOBRE O SISTEMACIRCULATÓRIO

A viscosidade do sangue, que foi discutida no Cap. 14, dependequase totalmente da concentração de eritrócitos. Na anemia grave, aviscosidade do sangue pode cair para até uma vez e meia a da águaem relação ao valor normal de aproximadamente 3. Essa redução daviscosidade diminui a resistência ao fluxo sanguíneo nos vasos periféricos,de modo que o sangue retorna ao coração em quantidades maiores doque o normal. Além disso, a hipoxia decorrente do menor transportede oxigênio pelo sangue determina a dilatação dos vasos teciduais, oque permite retomo ainda maior de sangue ao coração, aumentandoo débito cardíaco até um nível mais elevado. Por conseguinte, um dosprincipais efeitos da anemia consiste em aumento acentuado da cargade trabalho sobre o coração. O aumento do débito cardíaco na anemiacompensa parcialmente muitos de seus efeitos. De fato, apesar de cadaunidade de sangue transportar apenas uma pequena quantidade deoxigênio, a velocidade do fluxo sanguíneo pode estar aumentada aponto de permitir a liberação de quantidades quase normais de oxigênionos tecidos. Todavia, quando o indivíduo anêmico começa a efetuarexercícios físicos, o coração não é capaz de bombear sangue emquantidades muito maiores do que as que já está bombeando.Conseqüentemente, durante o exercício, que aumenta acentuadamente ademanda de oxigênio dos tecidos, ocorre hipoxia tecidual extrema, c,com freqüência, verifica-se o desenvolvimento de insuficiência cardíacaaguda.

POLICITEMIA

Policitemia secundária. Toda vez que os tecidos se tornam hipóxicos,devido a um teor de oxigênio muito baixo na atmosfera, como em grandesaltitudes, ou devido a liberação insuficiente de oxigênio nos tecidos,como ocorre na insuficiência cardíaca, os órgãos hematopoéticos automa-ticamente passam a produzir grandes quandidades de eritrócitos. Estacondição é denominada policitemia secundária, e a contagem de eritró-citos costuma aumentar e atingir 6 a 8 milhões/mm3.

Uma forma muito comum de policitemia secundária, denominadapolicitemia fisiológica, ocorre em indivíduos que vivem em altitudes de4.200 a 5.200 m. Em geral, a contagem atinge 6 a 8 milhões/mm1, eesses indivíduos têm a capacidade de executar um trabalho contínuoe intenso, mesmo em atmosfera rarefeita.

Policitemia vera (eritremia). Além dos indivíduos que apresentampolicitemia fisiológica, outros têm a condição conhecida como policitemiavera, em que a contagem de eritrócitos pode atingir 7 a 8 milhões,e o hematócrito, 60 a 70%. A policitemia vera é uma condição tumoraldos órgãos produtores de eritrócitos. Causa uma produção excessivade eritrócitos, da mesma maneira que um tumor de mama leva à produçãoexcessiva de um tipo específico de célula mamaria. Em geral, tambémprovoca produção excessiva de leucócitos e plaquetas.

Na policitemia vera, não apenas o hematócrito aumenta, como tam-bém o volume sanguíneo total, que raramente chega a atingir o dobrodo valor normal. Como conseqüência, todo o sistema vascular fica inten-samente ingurgitado. Além disso, muitos dos capilares ficam obstruídosdevido à viscosidade do sangue, que, na policitemia vera, aumenta,por vezes, de seu valor normal de três vezes para 10 vezes a viscosidadeda água.

EFEITO DA POLICITEMIA SOBRE O SISTEMACIRCULATÓRIO

Devido ao acentuado aumento da viscosidade do sangue na policite-mia, o fluxo sanguíneo pelos vasos costuma ser muito lento. Com basenos fatores que regulam o retorno de sangue ao coração, conforme

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discutido no Cap. 20, é óbvio que o aumento da viscosidade tende areduzir a velocidade do retorno venoso ao coração. Por outro lado,o volume sanguíneo na policitemia está tão aumentado que ele tendea aumentar o retorno venoso. Na verdade, o débito cardíaco na polici-temia não está muito afastado do normal, visto que estes dois fatoresse neutralizam mutuamente.

A pressão arterial apresenta-se normal na maioria dos indivíduoscom policitemia, embora esteja elevada em cerca de um terço dos casos.Isso significa que os mecanismos reguladores da pressão arterial podemgeralmente compensar a tendência da viscosidade aumentada do sanguede elevar a resistência periférica, aumentando a pressão arterial.Contudo, além de certos limites, esses mecanismos deixam defuncionar.

A cor da pele depende, em grande parte, da quantidade de sangueno plexo subpapilar venoso. Na policitemia vera. a quantidade de sanguenesse plexo fica acentuadamente aumentada. Além disso, como o sangueflui lentamente pelos capilares cutâneos antes de penetrar no plexovenoso, quantidade de hemoglobina maior do que o normal édesoxigenada antes que o sangue penetre nesse plexo. A cor azul dessahemoglobina desoxigenada mascara a cor vermelha da hemoglobinaoxigenada. Por conseguinte, o indivíduo portador de policitemia veracostuma apresentar aspecto corado, quase sempre com totalidadeazulada {cianótica) da pele. (Na policitemia secundária, a cianosetambém é quase sempre evidente, visto ser a hipoxia a causa habitualdesse tipo de policitemia.)

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CAPÍTULO 33

Resistência do Organismo a Infecção: I. Leucócitos,Granulócitos, Sistema dos Monócitos-

Macrófagos e Inflamação.

Normalmente, nosso organismo está exposto a bactérias, vírus, fun-gos e parasitas, que ocorrem sobretudo na pele, na boca, nas vias respira-tórias, no tubo intestinal, nas mucosas dos olhos e até mesmo nas viasurinárias. Muitos desses agentes são capazes de produzir doença grave,se invadirem os tecidos mais profundos. Além disso, podemos ficar inter-mitentemente expostos a outras bactérias e vírus altamente infecciosos,além dos normalmente presentes em nosso organismo, causando doençasletais, como pneumonia, infecções estreptocócicas e febre tifóide.

Felizmente, nosso organismo possui um sistema especial para comba-ter os diferentes agentes infecciosos e tóxicos. Esse sistema é formadopelos leucócitos (glóbulos brancos) e por células teciduais originalmentederivadas dos leucócitos. Essas células atuam em conjunto, de duasmaneiras distintas, para impedir a instalação de doença: (1) pela destrui-ção efetiva dos agentes invasores pelo processo da fagocitose e (2) pelaformação de anticorpos e linfócitos sensibilizados que, isoladamente ouem conjunto, podem destruir o agente invasor. O presente capítulo irátratar do primeiro desses mecanismos, enquanto o capítulo seguinte des-creverá o segundo.

LEUCÓCITOS(GLÓBULOSBRANCOS)

Os leucócitos são as unidades móveis do sistema protetor do orga-nismo. São formados, em parte, na medula óssea (os granulócitos emonócitos, bem como alguns linfócitos), e, em parte, no tecido linfóide( linfócitos e plasmócitos); todavia, após sua formação, são transportadosno sangue para as diferentes partes do organismo onde irão atuar Overdadeiro valor dos leucócitos é que, em sua maior parte, são transpor-tados especificamente para as áreas de inflamação grave, proporcio-nando, assim, defesa rápida e potente contra qualquer agente infecciosoque possa estar presente. Como veremos adiante, os granulócitos e osmonócitos têm a capacidade especial de "procurar e destruir" qualquerinvasor estranho.

CARACTERÍSTICAS GERAIS DOS LEUCÓCITOS

Tipos de leucócitos. Normalmente, encontramos seis tipos diferentesde leucócitos no sangue: neutrofilós polimorfonucleares, eosinófilos poli-morfonucleares, basófilos polimorfonucleares, monócitos, linfócitos e al-guns plasmócitos. Além disso, há um grande número de plaquetas, queconsistem em fragmentos de um sétimo tipo de célula encontrada namedula óssea, o megacariócito. Os três tipos de células polimorfonu-cleadas possuem aspecto granular, conforme ilustrado na Fig. 33.1, razãopela qual são denominados granulócitos ou, na terminologia clínica, sim-plesmente "poli".

Os granulócitos e os monócitos protegem o organismo contra osmicrorganismos invasores ao ingeri-los — isto é, pelo processo da fagoci-

tose. Os linfócitos e os plasmócitos funcionam principalmente em conexãocom o sistema imune; isso será discutido no capítulo seguinte. Todavia,certos linfócitos têm por função fixar-se a microrganismos invasores espe-cíficos e destruí-los, atuando de forma semelhante aos granulócitos emonócitos. Por fim, a função das plaquetas consiste principalmente emativar o mecanismo da coagulação sangüínea, discutido no Cap. 36.

Concentrações dos diferentes leucócitos no sangue. O serhumano adulto possui aproximadamente 7.000 leucócitos por microlitrode sangue. As percentagens normais dos diferentes tipos de leucócitossão aproximadamente as seguintes:

Neutrófitos polimorfonucleares 62,0%Eosinófitos polimorfonucleares 2,3 %Basófilos polimorfonucleares 0,4 %Monócitos 5,3 %Linfócitos 30,0 %

O número de plaquetas, que consistem apenas em fragmentos celula-res, é normalmente de cerca de 300.000 por mililitro de sangue.

GÊNESE DOS LEUCÓCITOS

No capítulo anterior, a diferenciação inicial da célula-tronco hemo-poética pluripotencial nos diferentes tipos de células-tronco compro-missadas foi mostrada na Fig. 32.2. Além das células compromissadaspara a formação de eritrócitos, existem também duas grandes linhagensde leucócitos, as linhagens mielocítica e linfocítica. A Fig. 33.1 apresentaà esquerda, a linhagem mielocítica, começando pelo mieloblasto; à direitaestá a linhagem linfocitica, que começa pelo linfoblasto.

Os granulócitos e monócitos só são formados na medula óssea.Os linfócitos e os plasmócitos são produzidos principalmente nos váriosórgãos linfogênicos, incluindo os gânglios linfáticos, o baço, o timo,as amígdalas e vários restos linfóides na medula óssea, no intestino eem outros locais.

Os leucócitos formados na medula óssea, sobretudo os granulócitos,são armazenados no interior da medula até que sua presença seja neces-sária no sistema circulatório. Quando surge essa necessidade, váriosfatores, que serão discutidos adiante, provocam sua liberação. Normal-mente, existem cerca de três vezes mais granulócitos armazenados namedula do que no sangue circulante. Isso representa um suprimentode granulócitos para cerca de 6 dias.

Conforme ilustrado na Fig. 33.1 os megacariócitos também são for-mados na medula óssea e fazem parte do grupo mielogênico de célulasmedulares. Esses megacariócitos fragmentam-se na medula óssea, e ospequenos fragmentos, conhecidos como plaquetas, ou trombócitos, pas-sam, então, para o sangue.

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Fig. 33.1 Gênese dos leucócitos. As diversas células da série mielóidesão: 1, mieloblasto; 2, pró-mielócito; 3, megacariócito; 4, mielócitoneutrófilo; 5, metamie-lócito neutrófilo jovem; 6, metamielócitoneutrófilo "em bastão; 7, neutrófilo polimorfonuclear; 8, mielócitoeosinófilo; 9, metamielócito eosinófilo; 10, eosi-nófilo polimorfonuclear;11, mielócito basófilo; 12, basófilo polimorfonuclear; 13-16, estágios deformação dos monócitos.

TEMPO DE SOBREVIDA DOS LEUCÓCITOS

Os leucócitos estão presentes no sangue porque simplesmente sãotransportados da medula óssea ou do tecido linfóide para as áreas docorpo onde são necessários. Quando liberados pela medula óssea, asobrevida dos granulócitos é normalmente de 4 a 8 horas no sanguee de mais 4 a 5 dias nos tecidos. Na presença de infecção tecidual grave,esse tempo de sobrevida total quase sempre diminui para algumas horas,visto que os granulócitos dirigem-se rapidamente para a área infectada,desempenham sua função e. nesse processo, são destruídos.

Os monócitus também possuem tempo de trânsito curto no sangue,da ordem de 10 a 20 horas, antes de atravessarem as membranas capilarespara se dirigirem aos tecidos. Todavia, uma vez nesses tecidos, aumentamacentuadamente de tamanho e transformam-se em macrófagos teciduais;sob essa forma, podem sobreviver durante meses ou até anos, a nãoser que sejam destruídos ao desempenhar sua função fagocítica. Essesmacrófagos teciduais formam a base do sistema de macrófagos teciduais,responsável pela defesa contínua dos tecidos contra a infecção, comodiscutiremos adiante neste capítulo.

Os linfócitos penetram continuamente no sistema circulatório coma drenagem da linfa dos linfonodos. A seguir, depois de algumas horas,penetram nos tecidos por diapedese; a seguir, voltam ã linfa e retornamao sangue, repetidamente, de modo que existe circulação contínua delinfócitos pelos tecidos. Os linfócitos possuem tempo de sobrevida devários meses ou anos, embora isso dependa das necessidades do orga-nismo.

As plaquetas no sangue são totalmente substituídas a cada 10 dias,aproximadamente. Em outras palavras, cerca de 30.000 plaquetas sãoformadas, por dia, para cada microlitro de sangue.

Diapedese. Os neutrófilos e monócitos são capazes de espremer-seatravés dos poros dos vasos sanguíneos pelo processo conhecido comodiapedese. Isto é. mesmo quando o poro é bem menor do que a célula,uma pequena parte dessa célula desliza através do poro, ficando essaporção reduzida ao tamanho do poro, como ilustra a Fig. 33.2.

Movimento amebóide. Tanto os neutrófilos como os macrófagos des-locam-se pelos tecidos por movimento amebóide, que foi descrito noCap. 2. Algumas células podem deslocar-se com velocidade de até 40µm / min, o que corresponde a várias vezes o seu próprio comprimentoa cada minuto.

Quimiotaxia. Muitas substâncias químicas nos tecidos induzem odeslocamento de neutrófilos e macrófagos em direção à fonte dessa subs-tância química. Esse fenômeno, ilustrado na Fig. 33.2, é conhecido comoquimiotaxia. Quando o tecido fica inflamado, verifica-se a formaçãode pelo menos uma dúzia de diferentes produtos passíveis de induzirquimiotaxia para a área inflamada. Essas substâncias incluem (1) algumasdas toxinas bacterianas, (2) produtos degenerativos dos próprios tecidosinflamados, (3) vários produtos de reação do "complexo do comple-mento" (que será discutido no próximo capítulo), e (4) diversos produtosda reação produzidos durante a coagulação do plasma na área inflamada,bem como outras substâncias.

PROPRIEDADES DE DEFESA DOS NEUTRÒFILOS EMONÓCITOS-MACRÓFAGOS

São principalmente os neutrófilos e os monócitos que atacam edestroem as bactérias e os vírus invasores, bem como outros agenteslesivos. Os neutrófilos são células maduras capazes de atacar e destruirbactérias e vírus, mesmo no sangue circulante. Por outro lado, os monó-citos circulantes são células imaturas que possuem pouca capacidadede combater agentes infecciosos. Entretanto, quando penetram nos teci-dos, começam a intumescer, aumentando seu diâmetro por até cincovezes, isto é, até 80 µm. permitindo sua visualização a olho nu. Alémdisso, um número extremamente elevado de lisossomas aparece no seucitoplasma, conferindo-lhe o aspecto de uma bolsa repleta de grânulos.Nesse estágio, as células são denominadas macrófagos e têm a capacidadede combater os agentes patogênicos. Fig. 33.2 Movimento dos neutrófilos pelo processo da quimiotaxia para

uma área de lesão tecidual.

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Conforme ilustrado na Fig. 33.2, a qurmiotaxia depende do gradientede concentração da substância quimiotáxica. Essa concentração é maiorpróximo à sua origem, determinando o movimento direcional dos leucó-citos. A quimiotaxia é muito eficaz até distâncias de 100 µm do tecidoinflamado; como quase nenhuma área de tecido está situada a distânciade mais de 30 a 50 µm de um capilar, o sinal quimiotáxico pode facilmenteatrair grandes hordas de leucócitos dos capilares para a área inflamada.

FAGOCITOSE

A mais importante função dos neutrófilos e macrófagos é a fago-citose.

Obviamente, os fagócitos devem ser seletivos quanto ao materiala ser fagocitado, pois, do contrário, algumas das células e estruturasnormais do organismo poderiam ser ingeridas. A ocorrência ou nãode fagocitose depende, em particular, de três procedimentos seletivos.Em primeiro lugar, se a superfície de uma partícula for áspera, a probabi-lidade de ser fagocitada aumenta. Em segundo lugar, a maior partedas substâncias naturais do organismo possui revestimentos protetoresde proteína que repelem os fagócitos. Por outro lado, os tecidos mortose as partículas estranhas quase sempre não possuem esse revestimentoprotetor, e muitas exibem forte carga elétrica, tornando-as sujeitas ãfagocitose. Em terceiro lugar, o organismo possui meio específico parareconhecer certos materiais estranhos. Esta é a função do sistema imune,que será descrito no capítulo seguinte. O sistema imune torna anticorposcontra agentes infecciosos, como as bactérias. A seguir, as regiões variá-veis dos anticorpos aderem às membranas bacterianas, tornando essasbactérias especialmente suscetíveis à fagocitose. Para isso, a região cons-tante da molécula de anticorpo combina-se com o produto C3 da cascatado complemento, que representa outra parte do sistema imune que serádiscutido no capítulo seguinte. A seguir, as moléculas de C3 fixam-seaos receptores sobre a membrana do fagócito, iniciando, assim, a fagoci-tose. Todo esse processo é denominado opsonização.

Fagocitose pelos neutrófilos. Os neutrófilos que penetram nos tecidosjá são células maduras capazes de iniciar imediatamente a fagocitose.Ao aproximar-se da partícula a ser fagocitada, o neutrófilo fixa-se aela, projeta em seguida pseudópodos em todas as direções em tornoda partícula, que se unem no lado oposto e se fundem. Forma-se dessamaneira uma câmara fechada contendo a partícula fagocitada. A seguir,a câmara se invagina para o interior do citoplasma e separa-se da mem-brana celular externa, formando uma vesícula fagocítica (também deno-minada fagossoma ) que flutua livremente no citoplasma.

Um neutrófilo pode, em geral, fagocitar 5 a 20 bactérias antes dese tornar inativo e morrer.

Fagocitose pelos macrófagos. Os macrófagos, quando ativados pelosistema imune descrito no capítulo seguinte, são fagócitos muito maispotentes do que os neutrófilos e, com freqüência, são capazes de fagocitaraté 100 bactérias. Além disso, têm a capacidade de engolfar partículasmuito maiores, até mesmo eritrócitos ou parasitas da malária, enquantoos neutrófilos são incapazes de fagocitar partículas muito maiores doque as bactérias. Além disso, os macrófagos após digerir as partículas,podem expelir os produtos residuais e, com freqüência, sobrevivem du-rante muitos meses.

Digestão enzimática das partículas fagocitadas. Uma vezfagocitada uma partícula estranha, os lisossomas e outros grânuloscitoplasmáticos entram imediatamente em contato com a vesículafagocítica e suas membranas se fundem com a da vesícula, permitindo apassagem de muitas enzimas digestivas e agentes bactericidas para ointerior da vesícula. Por conseguinte, a vesícula fagocítica transforma-seem vesícula digestiva, e a digestão da partícula fagocitada começaimediatamente. Tanto os neutrófilos quanto os macrófagos possuemquantidades abundantes de lisossomas repletos de enzimas proteolíticas,especialmente apropriadas para a digestão de bactérias e outrosmateriais protéicos estranhos. Os lisossomas dos macrófagos tambémcontêm grandes quantidades de lipa-ses, que digerem as espessasmembranas lipídicas de algumas bactérias.

Capacidade dos neutrófilos e dos macrófagos de matarbactérias. Além da digestão das bactérias ingeridas nos fagossomas, osneutrófilos e os macrófagos também contêm agentes bactericidas quematam a maioria das bactérias, mesmo quando as enzimas lisossômicasnão conseguem digeri-las. Isso é especialmente importanteconsiderando-se o fato de que algumas bactérias possuemrevestimentos protetores ou outros fatores que impedem sua destruiçãopelas enzimas digestivas. Grande parte desse efeito letal resulta de vários

agentes oxidantes poderosos, formados por enzimas na membrana dafagossoma ou pela organela especial, denominada peroxissoma. Essesagentes oxidantes incluem grandes quantidades de superâxido (O;),peróxido de hidrogênio (H2O2) e íons hidroxila (—OH"), todos letaispara a maioria das bactérias, mesmo em quantidades muito pequenas.Além disso, uma das enzimas lisossômicas, a mieloperoxidase, catalisaa reação entre H2O2 e os íons cloreto para formar hipoclorito, que éextremamente bactericida.

Outra substância lisossômica letal para muitas bactérias no fagos-soma é a Usozima, um composto químico passível de provocar a dissolu-ção das membranas lipídicas das bactérias.

Todavia, infelizmente, algumas bactérias — em particular o baciloda tuberculose — possuem revestimentos resistentes à digestão lisossô-mica e, ao mesmo tempo, secretam substâncias que resistem até mesmoaos efeitos letais dos neutrófilos e macrófagos. Com freqüência, essasbactérias são responsáveis por muitas das doenças crônicas.

O SISTEMA DOS MONÓCITOS-MACRÓFAGOS E OSISTEMA RETICULOENDOTELIAL

Nos parágrafos anteriores, descrevemos os macrófagos principal-mente como células móveis, capazes de se deslocarem através dos tecidos.Todavia, numerosos monócitos, ao penetrarem nos tecidos e após setransformarem em macrófagos, fixam-se aos tecidos e aí permanecemdurante meses ou até mesmo anos, a não ser que sua presença sejaexigida para o desempenho de funções protetoras específicas. Possuemas mesmas capacidades dos macrófagos móveis de fagocitar grandes quan-tidades de bactérias, vírus, tecido necrótico ou outras partículas estranhasno tecido. Quando apropriadamente estimulados, podem desfazer seuspontos de fixação, transformando-se em macrófagos móveis que respon-dem à quimiotaxia e a todos os outros estímulos relacionados ao processoinflamatório.

A combinação de monócitos, macrófagos móveis, macrófagos teci-duais fixos e algumas células endoteliais especializadas na medula óssea,no baço e nos linfonodos é conhecida como sistema reticuloendotelial.A razão da reunião de todas essas células em sistema único é que todasexibem propriedades fagocíticas semelhantes. Além disso, todas ou quasetodas essas células originam-se de células-tronco monocíticas. Por conse-guinte, o sistema reticuloendotelial é quase sinônimo de sistema dosmonócitos-macrófagos. Todavia, como o termo "sistema reticuloendo-telial" é muito mais conhecido na literatura médica do que o termo"sistema dos monócitos-macrófagos", ele deve ser lembrado como siste-ma fagocítico generalizado localizado em todos os tecidos, porém espe-cialmente nas áreas onde grandes quantidades de partículas, toxinase outras substâncias não desejadas devem ser destruídas.

Macrófagos teciduais na pele e nos tecidos subcutâneos( histiocitos ). Apesar de a pele ser normalmente inexpugnável aagentes infecciosos, essa qualidade não se mantém quando suaintegridade é rompida. Nos casos em que a infecção se instala nostecidos subcutâneos, seguida de inflamação local, os macrófagosteciduais podem reproduzir-se in situ, formando mais macrófagos. Aseguir, essas células desempenham suas funções habituais de atacar edestruir os agentes infecciosos, conforme descrito antes.

Macrófagos dos linfonodos. Essencialmente, nenhum materialparticulado que penetra nos tecidos pode ser diretamente absorvidopelo sangue através das membranas capilares. Com efeito, se aspartículas não forem destruídas localmente nos tecidos, elaspenetram na linfa e fluem pelos vasos linfáticos para os linfonodossituados intermitentemente ao longo dos linfáticos. As partículasestranhas são aí capturadas na rede de seios revestidos de macrófagosteciduais.

A Fig. 33.3 ilustra a organização geral do linfonodo, mostrandoa entrada da linfa pelos linfáticos aferentes, fluindo através dos seiosmedulares e, finalmente, saindo pelo hilo para os linfáticos eferentes.Os seios são revestidos por grande número de macrófagos, e, se algumapartícula penetrar nos seios, os macrófagos a fagocitam e impedem suadisseminação geral por todo o organismo.

Macrófagos alveolares. O sistema respiratório constitui outra viapela qual os microrganismos invasores freqüentemente penetram noorganismo. Felizmente, os macrófagos teciduais estão presentes emgrande número como componentes integrantes das paredes alveolares.São capazes de fagocitar partículas que ficaram retidas nos alvéolos. Seas partículas forem digeríveis, os macrófagos também podem digeri-las eliberar os produtos digestivos na linfa.

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Fig. 33.3 Diagrama funcional de um linfonodo. (Redesenhado de Ham:Histology. Philadelphia, J.B. Lippincott Co., 1971.) Fig. 33.5 Estruturas funcionais do baço (Modificado de Bloom e Faw-

cett. Textbook of Histology. Philadelphia, W.B. SaundersCo., 1975.)

Se as partículas não forem digeríveis, os macrófagos formam quasesempre uma cápsula de "célula gigante" em torno da partícula até queseja lentamente dissolvida. Essas cápsulas são quase sempre formadasem torno dos bacilos da tuberculose, de partículas de pó de sílica e atémesmo de partículas de carvão.

Macrófagos teciduais (células de Kupffer) nos seios hepáticos.O tubo gastrintestinal é outra via favorita pela qual as bactérias invadem oorganismo. Grande número de bactérias passa constantemente atravésda mucosa gastrintestinal para o sangue porta. Todavia, antes que essesangue entre na circulação geral, ele deve atravessar os seios hepáticos,que são revestidos por macrófagos teciduais, denominados células deKupffer. Essas células, ilustradas na Fig. 33.4, formam um sistema defiltração de partículas tão eficiente que quase nenhuma bactéria do tubogastrintestinal consegue passar do sangue porta para a circulação sistê-mica geral. Na realidade, registros cinematográficos de fagocitose porcélulas de Kupffer demonstraram a fagocitose de bactéria única em menosde 0,01 segundo.

Macrófagos do baço e da medula óssea. Sc um microrganismo invasorconseguir atingir a circulação geral, ainda restam outras linhas de defesarepresentadas pelo sistema de macrófagos teciduais, em particular pelosmacrófagos do baço e da medula óssea. Em ambos os tecidos, os macró-

fagos ficam retidos na rede reticular desses dois órgãos, e, quando partí-culas estranhas entram em contato com eles, são fagocitadas. O baço ésemelhante aos linfonodos, exceto que o sangue, em vez de linfa,flui através de seu tecido. A Fig. 33,5 ilustra a estrutura geral do baço,mostrando um pequeno segmento periférico. Observe que umapequena artéria da cápsula esplênica penetra na polpa esplênica etermina em pequenos capilares. Os capilares são muito porosos, permi-tindo a passagem de grande número de células sangüíneas dos capilarespara os cordões da polpa vermelha. A seguir, essas células espremem-segradualmente através da rede trabecular dos cordões e, eventualmente,retornam à circulação através das paredes arteriais dos seios venosos.As trabéculas da polpa vermelha são revestidas por grande número demacrófagos, da mesma forma que os seios venosos. Essa passagem carac-terística do sangue através dos cordões da polpa vermelha constitui ummeio excepcional para a fagocitose de restos indesejáveis no sangue,sobretudo eritrócitos velhos e anormais.

INFLAMAÇÃO E FUNÇÃO DOS NEUTRÓFILOS EMACRÓFAGOS

Fig. 33.4 Células de Kupffer revestindo os sinusóides hepáticos,mostrando a fagocitose de partículas de tinta nanquim. (Redesenhadode Copenhaver et ai.: Bailey's Textbook of Histology. Baltimore,Williams & Wilkins, 1969.)

O PROCESSO DA INFLAMAÇÃO

Quando ocorre lesão tecidual, seja ela causada por bactérias, trau-matismo, agentes químicos, calor ou qualquer outro fenômeno, os tecidoslesados liberam várias substâncias que provocam importantes alteraçõessecundárias nos tecidos. Todo o complexo dessas alterações teciduaisé conhecido como inflamação. A inflamação caracteriza-se (1) pela vaso-dilatação dos vasos sanguíneos locais, com o conseqüente excesso dofluxo sanguíneo local, (2) pelo aumento da permeabilidade dos capilares,com extravasamento de grande quantidade de líquidos para os espaçosintersticiais, (3) quase sempre pela coagulação do líquido nos espaçosintersticiais, devido às quantidades excessivas de fibrinogênio e de outrasproteínas que vazaram dos capilares, (4) pela migração de grande númerode granulócitos e monócitos para o tecido, e (5) pela intumescênciadas células. Alguns dos produtos teciduais responsáveis por essas reaçõesincluem histamina, bradicinina. serotonina, prostagiandinas, diversosprodutos de reação do sistema do complemento (que serão descritos nocapítulo seguinte), produtos de reação do sistema da coagulação sangüíneae diversas substâncias hormonais denominadas linfoquinas que são libera-das por células T sensibilizadas (que fazem parte do sistema imune,como também veremos no capítulo seguinte). Várias dessas substânciasativam fortemente o sistema dos macrófagos, de modo que. em poucashoras, essas células começam a devorar o tecido destruído; entretanto,algumas vezes, os macrófagos também lesam as células que ainda estãovivas.

O efeito de "enclausuramento" da inflamação. Um dosprimeiros resultados da inflamação é o "enclausuramento" da área delesão em relação aos outros tecidos. 0s espaços teciduais e os linfáticosda área inflamada são bloqueados por coágulos de fibrinogênio, demodo que os líquidos circulam muito pouco através desses espaços. Porconseguinte, esse processo de confinamento retarda a

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propagação das bactérias ou dos produtos tóxicos.A intensidade do processo inflamatório costuma ser proporcional

ao grau de lesão tecidual. Por exemplo, os estafilococos que invademos tecidos liberam toxinas celulares extremamente letais. Comoconseqüência, o processo de inflamação desenvolve-se rapidamente —na realidade, muito mais rapidamente do que os próprios estafilococospodem multiplicar-se e propagar-se. Por conseguinte, a infecção estafílo-cócica é tipicamente enclausurada com muita rapidez. Por outro lado,os estreptococos não causam essa intensa destruição tecidual local.Assim, o processo de enclausuramento desenvolve-se lentamente,enquanto os estreptococos reproduzem-se e migram. Assim, osestreptococos têm tendência muito maior do que os estafilococos apropagar-se por todo o organismo e a causar morte, embora osestafilococos sejam muito mais destrutivos para os tecidos.

RESPOSTA DOS MACROFAGOS E NEUTRÓFILOS ÀINFLAMAÇÃO

O macrófago tecidual como primeira linha de defesa. Dentro depoucos minutos após o início da inflamação, os macrófagos que já estãopresentes nos tecidos, sejam eles histiócitos nos tecidos subcutâneas,macrófagos alveolares nos pulmões, micróglia no cérebro, ou outros,começam imediatamente sua ação fagocítica. Quando ativados pelosprodutos da inflamação, o primeiro efeito consiste no rápido aumentodo número de cada uma dessas células. A seguir, muitos dos macrófagosantes fixos rompem sua fixação e tornam-se móveis, constituindo a pri-meira linha de defesa contra a infecção dentro da primeira hora, Infeliz-mente, seu número quase sempre não é muito grande.

Invasão da área inflamada pelos neutrófilos — a segunda linha dedefesa. Também nas primeiras horas após o início da inflamação, grandenúmero de neutrófilos começa a invadir a área inflamada, provenienteda corrente sangüínea. Essa migração é determinada por produtos dostecidos inflamados que desencadeiam as seguintes reações: (1) alterama superfície interna do endotélio capilar, permitindo a aderência dosneutrófilos às paredes capilares na área inflamada. Esse efeito, denomi-nado marginação, é ilustrado na Fig. 32.2. (2) Causam a separação dascélulas endoteliais dos capilares e das pequenas vênulas. permitindoa formação de orifícios grandes o suficiente para permitir a passagemdos neutro"filós por diapedese para os espaços teciduais. (3) Outros produ-tos da inflamação causam quimiotaxia dos neutrófilos para os tecidoslesados, como foi explicado em seção anterior.

Por conseguinte, dentro de algumas horas após o início da lesãotecidual, a área fica bem suprida com neutrófilos. Como os neutrófiloscirculantes são células já maduras, podem começar imediatamente suafunção de limpeza, removendo os materiais estranhos.

Aumento agudo dos neutrófilos no sangue — "neutrofilia".Também dentro de poucas horas após o início de inflamação intensae aguda, o número de neutrófilos no sangue aumenta, algumas vezes,por quatro a cinco vezes o seu valor normal — atingindo 15.000 a 25.000por micro-litro. Esse fenômeno é denominado neutrofilia, que significaaumento do número de neutrófilos no sangue. A neutrofilia é causada porprodutos da inflamação que penetram na corrente sangüínea e que sãotransportados até a medula óssea, onde atuam sobre os capilaresmedulares e os neutrófilos armazenados, mobilizando-os imediatamentepara o sangue circulante. Obviamente, esse processo faz com quemaior número de neutrófilos fique disponível para a área tecidualinflamada.

Invasão do tecido inflamado por monócitos-macrófagos — a terceiralinha de defesa. Juntamente com a invasão dos neutrófilos, os monócitosdo sangue periférico também penetram no tecido inflamado. Todavia.o número de monócitos no sangue circulante é baixo, e, além disso,o compartimento de armazenamento dos monócitos na medula ósseaé muito menor que os dos neutrófilos. Por conseguinte, o estabelecimentodos monócitos na área tecidual inflamada é muito mais lento do queo dos neutrófilos, exigindo vários dias para se tornar efetivo. Alémdisso, mesmo após invadirem o tecido inflamado, os monócitos são célulasainda imaturas, que necessitam de 8 horas ou mais para atingir tamanhomuito maior e produzir grande quantidade de lisossomas para adquirira plena capacidade de fagocitose. Assim, depois de alguns dias a váriassemanas, os macrófagos finalmente passam a ser as células fagocíticasdominantes da área inflamada, devido ao enorme aumento da produçãomedular de monócitos, conforme explicado adiante.

Antes, frisamos que os macrófagos são capazes de fagocitar umnúmero muito maior de bactérias e de partículas bem maiores que osneutrófilos, fagocitando inclusive os próprios neutrófilos e grandes quan-tidades de tecido necrótico. Além disso, os macrófagos desempenhampapel importante no desencadeamento da produção de anticorpos, comodiscutiremos no próximo capítulo.

Aumento da produção de granulócitos e monócitos pela medula óssea— a quarta linha de defesa. A quarta linha de defesa consiste no aumentoacentuado da produção de granulócitos e monócitos pela medula óssea.Isso resulta da estimulação das células - tronco granulocíticas emonocíticas compromissadas. Entretanto, são necessários 3 a 4 diaspara que os granulócitos e monócitos recém - formados cheguem aoestágio de abandonar a medula óssea. Se o estímulo do tecido inflamadoprosseguir, a medula óssea pode continuar a produzir essas células emquantidades enormes durante meses e até mesmo anos, algumas vezescom velocidade de produção de ate 50 vezes o normal.

Controle por feedback das respostas dos macrófagos eneutrófítos

Embora mais de duas dúzias de diferentes fatores tenham sido impli-cados no controle da resposta dos macrófagos e neutrófilos à inflamação,acredita-se que cinco desses fatores desempenhem os papéis dominantes.Esses fatores, ilustrados na Fig. 33.6, incluem: (1) fator de necrose tumoral(TNF), (2) interleuquina-1 (IL-1), (3) fator estimulante de colônias degranulócitos - monócitos (GM-CSF), (4) fator estimulante de colônias degranulócitos (G-CSF), e (5) fator estimulante de colônias de monócitos(M-CSF).

Os dois primeiros, o TNF e a IL-1, parecem iniciar a maioria dosoutros eventos. H provável que todos os cinco fatores sejam formadosprincipalmente por macrófagos ativados nos tecidos inflamados e, emmenores quantidades, por outras células do tecido inflamado.

O aumento da produção de granulócitos e monócitos pela medulaóssea é devido principalmente aos três fatores estimulantes de colônias;um deles, o GM-CSF, estimula a produção de granulócitos e monócitos,enquanto os outros dois, isto é, o G-CSF e o M-CSF, estimulam aprodução de granulócitos e monócitos.

Assim, essa combinação de TNF, IL-1 e de fatores estimulantesde colônia, juntamente com outros fatores menos importantes, propor-ciona um poderoso mecanismo de feedback que começa com a inflamaçãotecidual, prossegue com a formação de leucócitos para defesa e, porfim. termina com a remoção da causa da inflamação.

Formação de pus

Quando os neutrófilos e os macrófagos englobam grandes quanti-dades de bactérias e de tecido necrótico, praticamente todos os neutró-filos e muitos, se não todos, macrófagos eventualmente morrem. Depoisde vários dias, forma-se quase sempre uma cavidade no tecido inflamadocontendo quantidades variáveis de tecido necrótico, neutrófilos e macró-fagos mortos. Essa mistura é geralmente conhecida como pus. Umavez suprimida a infecção, as células mortas e o tecido necrótico no pussofrem autólise gradual no decorrer de vários dias, e os produtos finaisdessa autólise costumam ser absorvidos pelos tecidos circundantes, atédesaparecimento da maioria dos sinais de lesão tecidual.

EOSINÓFILOS

Em condições normais, os eosinófilos constituem 2 a 3% de todosos leucócitos circulantes. Os eosinófilos são fagócitos fracos, capazesde quimiotaxia: todavia, em comparação com os neutrófilos, é duvidosoque essas células tenham importância significativa na proteção do orga-nismo contra os tipos comuns de infecção.

Por outro lado, os eosinófilos são quase sempre produzidos emgrande número por indivíduos com infecções parasitárias e migram paraos tecidos afetados pelos parasitas. Embora os parasitas sejam em suamaior parte grandes demais para serem fagocitados pelos eosinófilosou por qualquer outra célula fagocítica, os eosinófilos fixam-se a elese liberam substâncias que matam muitos deles. Por exemplo, uma dasinfecções mais disseminadas em todo o mundo é a esquistossomose,uma parasitose encontrada em até um terço da população de algunspaíses tropicais. O parasita invade literalmente qualquer parte do orga-

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Fig. 33.6 Controle da produção pela medula óssea de granulócitos ede monócitos-macrófagos em resposta aos múltiplos fatores de cresci-mento liberados por macrófagos ativados no tecido inflamado. (TNF,fator de necrose tecidual; IL-1, interleuquina-1; CM-CSF, fator estimu-lante de colônias de granulócitos-monócitos; G-CSF, fator estimulantede colônias de granulócitos; M-CSF, fator estimulante de colônias demonócitos-macrófagos.)

nismo. Os eosinófilos fixam-se às formas juvenis do parasita, matandomuitas delas. Para isso. atuam de diversas maneiras: (1) liberam enzimashidrotíticas de seus grânulos, que são lisossomas modificados, (2) prova-velmente também liberam formas de oxigênio altamente reativas, quesão muito letais, e (3) liberam de seus grânulos um polipeptidio altamentelarvicida, denominado proteína básica principal (MBP, major basteprotein). Nos Estados Unidos, outra doença parasitária que provocaeosinofilia é a triquinose, que resulta da invasão dos músculos peloparasita Trichinella ("verme do porco") após a ingestão de carne deporco não cozida.

Os eosinófilos também possuem tendência especial a acumular-seem tecidos nos quais ocorreram reações alérgicas, como nos tecidosperibrônquicos dos pulmões em pessoas asmáticas, na pele após reaçõescutâneas alérgicas, e assim por diante. Esse acúmulo resulta, pelo menosem parte, da participação de muitos mastócitos e basófilos nas reaçõesalérgicas, como veremos na seção seguinte; essas células liberam o fatorquimiotático dos eosinófilos, que provoca a migração de eosinófilos parao tecido alérgico inflamado.

Acredita-se que os eosinófilos tenham capacidade de destoxificaralgumas das substâncias produtoras da inflamação, liberadas pormastócitos e por basófilos, e, talvez de fagocitar e destruir complexosalérgeno-anticorpo, impedindo a propagação do processo inflamatóriolocal.

BASÓFILOS

Os basófilos encontrados no sangue circulante são muito semelhan-tes, embora não idênticos, aos grandes mastócitos localizados imediata-mente na parte externa de muitos dos capilares do organismo. Ambasas células liberam heparina no sangue, uma substância capaz de impedira coagulação sangüínea e que também pode acelerar a remoção de partí-culas de gordura do sangue após refeição rica em gordura.

Os mastócitos e os basófiios também liberam histamina, bem comoquantidades menores de bradicinina e serotonina. Com efeito, são princi-palmente os mastócitos nos tecidos inflamados que liberam essas substân-cias durante a inflamação.

Os mastócitos e os basófilos desempenham papel extremamenteimportante em alguns tipos de reação alérgica, visto que o tipo de anti-corpo que provoca reações alérgicas, o IgE Cap. 34), tem tendênciaespecial a fixar-se aos mastócitos e basófilos. A seguir, o antígeno espe-cífico reage com o anticorpo, e a ligação resultante do antígeno ao anti-corpo faz com que o mastócito ou o basófilo sofra ruptura, liberandoquantidades extremamente grandes de histamina, bradicinina, seroto-nina, heparina, substância de reação lenta da anafilaxia e várias enzimaslisossômicas. Estas, por sua vez, produzem reações teciduais e vasculareslocais que causam as manifestações alérgicas. Esses efeitos serão discu-tidos com maiores detalhes no capítulo seguinte.

LEUCOPENIA

A condição clínica conhecida como leucopenia ou agranulocitoseocorre ocasionalmente e caracteriza-se pela interrupção da produçãode leucócitos pela medula óssea, deixando o organismo desprotegidocontra bactérias c outros agentes que possam invadir os tecidos.

Normalmente, o corpo humano vive em simbiose com muitas bacté-rias, visto que todas as mucosas do organismo estão constantementeexpostas a grande número de bactérias. A boca quase sempre contémvárias bactérias — espiroquetas, pneumococos e estreptococos — e essasmesmas bactérias podem ser encontradas, em menor número, em todoo aparelho respiratório. O tubo gastrintestinal contém quantidades abun-dantes de bacilos colônicos. Além disso, podemos encontrar quase sem-pre bactérias nos olhos, na uretra e na vagina. Por conseguinte, qualquerdeclínio do número de leucócitos permite imediatamente a invasão dostecidos por bactérias que já estão presentes no organismo. Dentro de2 dias após a medula óssea interromper sua produção de leucócitos,podem aparecer úlceras na boca e no cólon, ou o indivíduo pode desen-volver alguma forma de infecção respiratória grave. As bactérias dasúlceras invadem rapidamente os tecidos circundantes e o sangue. Semtratamento, a morte quase sempre ocorre dentro de 3 a 6 dias apóso início da leucopenia total aguda.

A irradiação do corpo por raios gama de explosão nuclear ou aexposição a medicamentos e substâncias químicas contendo núcleos dehenzeno ou de antraceno têm muita probabilidade de causar aplasiada medula óssea. Com efeito, alguns medicamentos comuns, como ocloranfenicol (antibiótico), o tiouracil (utilizado no tratamento da tireoto-xicose) e até mesmo os vários barbitúricos hipnóticos provocam, emcertas ocasiões, agranulocitose (ou aplasia da medula óssea, em quenão há produção de nenhum tipo celular — inclusive eritrócitos — pelamedula óssea), desencadeando, assim, toda a sequência infecciosa dessadoença.

Após lesão da medula óssea por irradiação, algumas células-tronco.mieloblastos e hemocitoblastos geralmente não são destruídos e têmcapacidade de regenerar a medula óssea, contanto que haja tempo sufi-ciente. Por conseguinte, o paciente adequadamente tratado com antibió-ticos e outros medicamentos para deter a infecção costuma formar novamedula óssea dentro de semanas a meses, permitindo a normalizaçãoda concentração de células sangüíneas.

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LEUCEMIAS

A produção descontrolada de leucócitos é causada por mutaçãocancerosa de célula mielogénica ou linfogênica. Esse processo provocaleucemia, que geralmente se caracteriza por número muito aumentadode leucócitos anormais no sangue circulante.

Tipos de leucemias. As leucemias são divididas em dois tipos gerais:as leucemias Unfogênicas e as leucemias mielogènicas. As leucemias linfo-gênicas são causadas pela produção cancerosa de células linfóides; emgeral, começa num linfonodo ou em outro tecido linfogênico e, a seguir,propaga-se para outras áreas do organismo. O segundo tipo de leucemia,a leucemia mielogênica, começa pela produção cancerosa de células mie-logênicas jovens na medula óssea, que se disseminam por todo o orga-nismo, de modo que os leucócitos são produzidos em numerosos órgãosextramedulares.

Na leucemia mielogénica, o processo canceroso algumas vezes pro-duz células parcialmente diferenciadas, resultando em leucemia neutró-fãa, leucemia eosinófila, leucemia hasófila ou leucemia monocfúca. Toda-via, com mais freqüência, as células leucêmicas são bizarras e indiferen-ciadas e, portanto, não são idênticas a nenhum dos leucócitos normais.Em geral, quanto mais indiferenciada a célula, mais aguda a leucemia,levando quase sempre à morte do indivíduo em poucos meses, se nãofor instituído tratamento. Todavia, na presença de algumas das célulasmais diferenciadas, o processo pode ser bastante crônico, evoluindo algu-mas vezes lentamente, por um período de 10 a 20 anos.

As células leucêmicas, em particular as células muito indiferenciadas,não costumam ser funcionais, de modo que não podem oferecer a prote-ção habitual contra as infecções.

EFEITOS DA LEUCEMIA SOBRE O ORGANISMO

O primeiro efeito da leucemia consiste no crescimento metastáticode células leucêmicas em áreas anormais do corpo. As células leucêmicasda medula óssea podem reproduzir-se com tanta intensidade a pontode invadir o osso circundante, causando dor e, por fim, tendência afraturas fáceis. Quase todas as leucemias disseminam-se para o baço,os linfonodos, o fígado e outras regiões especialmente vascularizadas,independente de a leucemia ter origem na medula óssea ou nos linfono-dos. Em cada uma dessas áreas, as células em rápido crescimento invademos tecidos circundantes, utilizando os elementos metabólicos desses teci-dos e, conseqüente mente, causando sua destruição.

O desenvolvimento de infecções, a ocorrência de anemia grave ea tendência hemorrágica causada por trombocitopenia (falta de plaque-las) constituem efeitos muito comuns na leucemia. Esses efeitos resultamprincipalmente da substituição da medula óssea normal por célulasleucêmicas não-funcionais.

Por fim, talvez o efeito mais importante da leucemia sobre o orga-nismo seja o uso excessivo de substratos metabólicos pelas células cance-rosas em crescimento. Os tecidos leucêmicos produzem novas célulascom tanta rapidez que impõem enorme demanda aos líquidos corporaispara o fornecimento de substâncias nutritivas, sobretudo aminoácidose vitaminas. Conseqüentemente, verifica-se acentuada depleção da ener-gia do paciente, e a utilização excessiva de aminoácidos determina arápida deterioração das proteínas normais dos tecidos. Por conseguinte,enquanto os tecidos leucêmicos crescem, os outros tecidos são debilita-dos. Obviamente, após essa inanição metabólica prolongada, ela é porsi só suficiente para pausar a morte do indivíduo.

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CAPÍTULO 34

Resistência do Organismo a Infecção II:Imunidade e Alergia

IMUNIDADE INATA

O corpo humano tem a capacidade de resistir a quase todos ostipos de organismos ou toxinas que tendem a lesar seus tecidos e órgãos.Essa capacidade é denominada imunidade. Grande parte da imunidadese deve ao sistema imune especial formador de anticorpos e linfócitosativados que atacam e destroem os microrganismos ou toxinas específicas.Esse tipo de imunidade é conhecido como imunidade adquirida. Outraparte da imunidade resulta mais de processos gerais do que de processosdirigidos para organismos patogênicos específicos. Trata-se da denomi-nada imunidade inata. A imunidade inata abrange:

1. A fagocitose de bactérias e outros agentes invasores por leucócitose células do sistema de macrófagos teciduais, conforme descrito no capí-tulo anterior.

2. Destruição de microrganismos deglutidos pelas secreções ácidasdo estômago e pelas enzimas digestivas.

3. Resistência da pele à invasão por microrganismos.4. Presença no sangue de certos compostos químicos que se fixam

aos microrganismos estranhos ou às toxinas, destruindo-os. Alguns dessescompostos incluem (1) a lisozima, um polissacarídio mucolítico que atacabactérias e provoca sua dissolução; (2) polipeptidios básicos, que reagemcom certos tipos de bactérias Gram-positivas, inativando-as; (3) o complexo do complemento que será descrito adiante, formado por cercade 20 proteínas que podem ser ativadas de várias maneiras para destruiras bactérias; e (4) linfócitos citotóxicos naturais, capazes de reconhecere destruir células estranhas, células tumorais e até mesmo algumas célulasinfectadas.

Essa imunidade inata torna o organismo humano resistente a diversasdoenças, como algumas infecções virais paralíticas de animais, cóleraporcina, peste do gado bovino e cinomose — doença virótica que matagrande percentagem dos cães acometidos. Por outro lado. os animaisinferiores são resistentes ou totalmente imunes a muitas doenças huma-nas, como poliomielite, caxumba, cólera humana, sarampo e sífilis, todasmuito destrutivas ou até mesmo letais para o ser humano.

IMUNIDADE ADQUIRIDA

Além de sua imunidade inata, o corpo humano também tem a capaci-dade de desenvolver imunidade específica extremamente poderosa contraagentes invasores, como bactérias, vírus e toxinas letais e, até mesmo,contra tecidos estranhos de outros animais. Trata-se da denominadaimunidade adquirida. O restante deste capítulo versará sobre esse meca-nismo imune e algumas de suas reações associadas — em particular,as alergias.

A imunidade adquirida quase sempre pode conferir grau extremode proteção. Por exemplo, certas toxinas, como a toxina paralítica botulí-nica ou a toxina tetânica, podem ter sua ação anulada em doses de

até 100.000 vezes a quantidade que seria letal sem imunidade. Estaé a razão da suma importância do processo conhecido como "vacinação"para a proteção dos seres humanos contra doenças e toxinas, conformeserá explicado no decorrer deste capítulo.

DOIS TIPOS BÁSICOS DE IMUNIDADE ADQUIRIDA

O organismo possui dois tipos básicos e estreitamente associadosde imunidade adquirida. Em um deles, o organismo forma anticorposcirculantes, que são moléculas de globulina capazes de atacar o agenteinvasor. Esse tipo de imunidade é denominado imunidade humoral ouimunidade das células B. O segundo tipo de imunidade adquirida é obtidoatravés da formação de grande número de linfócitos ativados, produzidosespecificamente para destruir o agente estranho. Esse tipo de imunidadeé denominado imunidade celular ou imunidade das células T.

Veremos, de modo resumido, que tanto os anticorpos quanto oslinfócitos ativados são formados no tecido linfóide. Em primeiro lugar,consideraremos o desencadeamento, pelos antígenos, do processo imune.

ANTÍGENOS

Como a imunidade adquirida não ocorre até que haja uma primeirainvasão por algum microrganismos ou toxina estranha, é evidente queo organismo deve dispor de algum mecanismo para reconhecer a invasãoinicial. Cada toxina ou tipo de microrganismo contém quase sempreum ou mais compostos químicos específicos na sua estrutura que diferede todos os outros compostos. Em geral, trata-se de proteínas ou grandespolissacarídios, sendo eles que desencadeiam a imunidade adquirida.Essas substâncias são chamadas antígenos.

Para que uma substância seja antigênica, ela deve em geral possuirpeso molecular elevado, da ordem de 8.000 ou mais. Além disso, oprocesso da antigenicidade depende habitualmente de gruposmoleculares que se repetem de maneira regular, denominadosepitopos, sobre a superfície da molécula principal, o que explica porque as proteínas e os grandes polissacarídios são quase sempreantigênicos, uma vez que ambos apresentam esse tipo de característicaestereoquímica.

Haptenos. Embora as substâncias com pesos molecularesinferiores a 8.000 raramente atuem como antígenos, pode-se,entretanto, verificar o desenvolvimento de imunidade contra substânciasde baixo peso molecular de modo muito especial: se o composto debaixo peso molecular, que é denominado hapteno, combinar-seinicialmente com uma substância antigênica, como, por exemplo, umaproteína, a combinação poderá desencadear uma resposta imune. Osanticorpos ou linfócitos sensibilizados que se desenvolvem contra essacombinação podem reagir, então, contra a proteína ou contra o hapteno.Por conseguinte, na segunda exposição a hapteno, alguns dosanticorpos ou dos linfócitos reagem contra ele antes que possa difundir-se pelo organismo e provocar lesão.

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Os haptenos que desencadeiam esse tipo de resposta imune sãogeralmente medicamentos, constituintes químicos da poeira, produtosde degradação de caspa de animais, produtos degenerativos da peledescamada, diversas substâncias químicas industriais, toxina da urtiga etc.

FUNÇÃO DOS LINFÓCITOS NA IMUNIDADEADQUIRIDA

A imunidade adquirida é o produto do sistema linfóide do orga-nismo. Os indivíduos com deficiência genética de linfócitos, ou cujoslinfócitos foram destruídos por irradiação ou substâncias químicas, nãopodem desenvolver qualquer imunidade adquirida. Quase imediatamen-te após o nascimento, esses indivíduos morrem de infecção fulminante,a não ser que sejam tratados com medidas heróicas. Por conseguinte,é evidente que os linfócitos são essenciais para a vida do ser humano.

Os linfócitos localizam-se predominantemente nos linfonodos, mastambém são encontrados em tecidos especiais, como o baço, áreas submu-cosas do tubo gastrintestinal e medula óssea. O tecido linfóide possuidistribuição muito propícia no organismo para interceptar os microrga-nismos invasores ou as toxinas antes que possam disseminar-se extensa-mente. Por exemplo, o tecido linfóide do tubo gastrintestinal fica imedia-tamente exposto a antígenos que o invadem. O tecido linfóide da gargantae da faringe (amígdalas e adenóides) está extremamente bem localizadopara interceptar antígenos que penetram pelas vias respiratórias superio-res. O tecido linfóide nos linfonodos é exposto a antígenos que invademos tecidos periféricos do organismo. Por fim, o tecido linfóide do baçoe da medula óssea desempenha a função específica de interceptar agentesantigênicos que conseguiram atingir o sangue circulante.

Os dois tipos de linfócitos que promovem, respectivamente, a Imuni-dade celular e a imunidade humoral — os linfócitos T e B. Apesar dasemelhança da maioria dos linfócitos no tecido linfóide normal quandoexaminados ao microscópio, essas células são nitidamente divididas emduas grandes populações. Uma delas é responsável pela formação doslinfócitos ativados mediadores da imunidade humoral, enquanto a outraestá envolvida na formação de anticorpos que proporcionam a imunidadehumoral.

Ambos os tipos de linfócitos originam-se no embrião a partir decélulas-tronco hemopoéticas pluripotentes que se diferenciam e se tornamcompromissadas para formar linfócitos. Os linfócitos formados eventual-mente permanecem no tecido linfóide; todavia, antes de atingir esseestágio, sofrem maior diferenciação ou são "pré-processados" da seguintemaneira;

Os linfócitos destinados eventualmente a formar linfócitos ativadosmigram a princípio para o timo, onde sofrem pré-processamento, razãopela qual são denominados linfócitos T. São responsáveis pela imunidadecelular.

A outra população de linfócitos — os destinados a produzir anticorpos— é pré-processada no fígado, durante a metade da vida fetal, e namedula óssea, ao final da vida fetal e após o nascimento. Todavia, essapopulação celular foi identificada pela primeira vez em aves, onde opré-processamento ocorre na bolsa de Fabricius, estrutura não encon-trada em mamíferos. Por essa razão, esses linfócitos são denominadoslinfócitos B e são os responsáveis pela imunidade humoral.

A Fig. 34.1 ilustra os dois sistemas distintos de linfócitos para aformação de linfócitos T ativados e dos anticorpos, respectivamente.

PRÉ-PROCESSAMENTO DOS LINFÓCITOS T E B

Embora todos os linfócitos do organismo tenham sua origem emcélulas-tronco compromissadas linfocíticas do embrião, essas células são,em si, incapazes de formar linfócitos ativados ou anticorpos. Para quepossam formá-los, é necessário que sofram maior diferenciação em áreasadequadas de processamento no timo ou na área de processamento decélulas B.

Papel do timo no pré-processamento dos linfócitos T. A maior partedo pré-processamento dos linfócitos T no timo ocorre pouco antes donascimento e durante alguns meses após o nascimento. Por conseguinte,depois desse período, a remoção do timo geralmente não comprometeseriamente o sistema imune dos linfócitos T, necessário para a imunidadecelular. Entretanto, a remoção do timo alguns meses antes do nascimentopode impedir por completo o desenvolvimento da imunidade celular.Como esse tipo de imunidade celular é principalmente responsável pelarejeição de órgãos transplantados, como o coração e os rins, pode-setransplantar órgãos com pouca probabilidade de rejeição caso o timotenha sido removido do animal em tempo razoável antes de seu nasci-mento.

Hormônio tímico. Além do pré-processamento dos linfócitos T, al-guns pesquisadores acreditam que o timo secreta um ou mais fatoresestimulantes, coletivamente denominados hormônio tímico. Suposta-mente, esse hormônio circula pelos líquidos corporais c aumenta a ativi-dade dos linfócitos T que já saíram do timo e migraram para o tecidolinfóide. Acredita-se que esse hormônio induza maior proliferação eaumento de atividade desses linfócitos. Por outro lado, pouco se sabea respeito da natureza ou da função desse hormônio.

Papel da bolsa de Fabricius no pré-processamento dos linfócitos Bnas aves. Durante a parte final da vida fetal, a bolsa de Fabricius pré-pro-cessa os linfócitos B e os prepara para a produção de anticorpos. Aquitambém, esse pré-processamento prossegue por certo tempo após o nasci-mento. Nos mamíferos, acredita-se que as células B sejam pré-proces-sadas durante a metade da vida fetal no fígado e, posteriormente, namedula óssea.

Fig. 34.1 Formação de anticorpos e linfócitos sensibilizados por umlinfonodo em resposta a antígenos. Esta figura também mostra a origemdos linfócitos tímicos (T) e da bolsa (B), responsáveis pelos processosde imunidade celular e humoral dos linfonodos.

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Disseminação dos linfócitos processados para o tecido linfóide. Apóssua formação no timo e na bolsa, os linfócitos processados circulamlivremente no sangue durante algumas horas, mas, em seguida, são captu-rados pelo tecido linfóide. Por conseguinte, os linfócitos não se originamprimariamente no tecido linfóide, mas, na verdade, são transportadosaté ele a partir das áreas de pré-processamento no timo e, provavelmente,no fígado fetal e na medula óssea.

ESPECIFICIDADE DOS UNFÓCITOS T E DOSANTICORPOS - PAPEL DOS CLONES LINFOCÍTICOS

Quando um antígeno específico entra em contato com os linfócitosT ou B no tecido linfóide, alguns dos linfócitos T tornam-se ativadose formam ''células T", enquanto alguns linfócitos B produzem anticorpos.Por sua vez, as células T e os anticorpos reagem de modo altamenteespecífico contra o tipo particular de antígeno que desencadeou seudesenvolvimento. O mecanismo dessa especificidade é o seguinte:

Milhões de linfócitos específicos pré-formados no tecido linfóide. Exis-tem, pelo menos, 1 milhão de tipos diferentes de linfócitos B pré-for-mados e igual quantidade de linfócitos T pré-formados, capazes de produ-zir os anticorpos altamente específicos e as células T. quando estimuladospelos antígenos adequados. Cada um desses linfócitos pré-formados sóé capaz de produzir um tipo de anticorpo ou um tipo de célula T comdeterminada especificidade. Somente o tipo específico de antígeno como qual pode reagir é capaz de ativá-lo. Todavia, após o linfócito específicoter sido ativado pelo seu antígeno, ele passa a reproduzir-se intensamente,formando quantidades enormes de linfócitos do mesmo tipo. Se for umlinfócito B, sua descendência eventualmente irá secretar anticorpos quecircularão por todo o organismo. Se for um linfócito T, sua descendênciaserá composta de células T sensibilizadas que serão liberadas na linfae transportadas para o sangue, circulando por todos os líquidos teciduais,retornando à linfa e circulando repetidamente por esse circuito, algumasvezes durante meses ou até anos.

Iodos os diferentes linfócitos capazes de formar anticorpo ou tipocelular T específico são denominados clone de linfócitos. Os linfócitosde cada clone são semelhantes e provém, originalmente, de um ou dealguns linfócitos primordiais de seu tipo específico.

ORIGEM DOS DIVERSOS CLONES DE LINFÓCITOS

Apenas cerca de 1.000 genes codificam os diferentes tipos de anti-corpos e linfócitos T. A princípio, era um mistério o fato de númerotão pequeno de genes ser capaz de codificar 1 milhão ou mais de diferentesespecificidades de moléculas de anticorpos ou de células T que podemser produzidas pelo tecido linfóide, em particular quando se consideraque um só gene e em geral necessário para a formação de cada tipodiferente de proteína. Todavia, a resposta a essa questão já foi desco-berta. Durante o estágio de pré-processamento, os genes determinama formação de grandes moléculas de ARN, cada uma contendo muitossegmentos funcionais pequenos, que codificam uma porção individualdo anticorpo ou de um "marcador" celular T (a proteína na superfícieda célula T que lhe confere especificidade), mas não todo o anticorpoou todu u marcador celular T. A seguir, enquanto ainda se encontramno núcleo, as moléculas de ARN são clivadas em segmentos que sãonovamente emendados para formar as moléculas de ARN mensageirofinais, utilizando o mecanismo de clivagem e emenda descrito no Cap.3. Todavia, durante esse processo de clivagem e emenda, os segmentosindividuais das moléculas originais de ARN são reunidos em diferentescombinações nos diversos tipos de linfócitos processados. Quando sepensa que existem 1.000 ou mais genes diferentes, cada um codificandomúltiplos segmentos de anticorpos ou de marcadores celulares, pode-seentender como o vasto número de diferentes combinações pode ser for-mado, dando origem a, literalmente, milhões de possíveis especificidadesde anticorpos e células T.

Mecanismo de ativação de um clone de linfócitos

Cada clone de linfócitos responde a apenas um só tipo de antígeno(ou antígenos semelhantes que possuem quase exatamente as mesmascaracterísticas estereoquímicas). A razão disso é a seguinte: no casodos linfócitos B, cada um deles apresenta, na superfície de sua membranacelular, cerca de 100.000 moléculas de anticorpos que irão reagir de

modo altamente específico com apenas um determinado tipo de antígeno.Por conseguinte, quando aparece o antígeno apropriado, ele imediata-mente se fixa à membrana celular, desencadeando o processo de ativaçãoque iremos descrever adiante com maiores detalhes. No caso dos linfó-citos T, existem, sobre a superfície da membrana celular, moléculasmuito semelhantes aos anticorpos, denominadas proteínas receptoras dasuperfície (ou marcadores celulares T), que também são altamente especí-ficas para determinado tipo de antígeno ativador.

Papel dos macrófagos no processo de ativação. Além doslinfócitos existentes no tecido linfóide, literalmente milhões de macrófagostambém são encontrados no mesmo tecido. Esses macrófagos revestem ossinusóides dos linfonodos, do baço e de outros tecidos linfóides,localizando-se em aposição a muitos dos linfócitos nos linfonodos. Osmicrorganismos invasores são, em sua maior parte, fagocitados eparcialmente digeridos pelos macrófagos, sendo os produtos antigênicosliberados no citosol dessas células. A seguir, os macrófagos transferemdiretamente esses antígenos para os linfócitos, resultando em ativaçãodos clones específicos. Os macrófagos também secretam uma suBstânciaativadora que promove o crescimento e a reprodução dos linfócitosespecíficos. Essa substância é denominada interleuquina-1.

Papel das células T na ativação de linfócitos B. A maioria dos antíge-nos ativa ao mesmo tempo os linfócitos T e os linfócitos B. Algumasdas células T formadas, denominadas células auxiliares, secretam, porsua vez, substâncias específicas (coletivamente chamadas linfoquinas)que ativam ainda mais os linfócitos B. Com efeito, sem a ajuda dessascélulas T, a quantidade de anticorpos produzidos pelos linfócitos B égeralmente muito pequena. Voltaremos a discutir essa relação de coope-ração entre as células auxiliares e as células B após descrevermos osmecanismos do sistema de imunidade das células T.

ATRIBUTOS ESPECÍFICOS DO SISTEMA DELINFÓCITOS B - IMUNIDADE HUMORAL E ANTICORPOS

Formação de anticorpos pelos plasmócitos. Antes da exposição aantígenos específicos, os clones de linfócitos B permanecem dormentesno tecido linfóide. Todavia, com a chegada de um antígeno estranho,os macrófagos do tecido linfóide fagocitam o antígeno e, a seguir, apre-sentam-no aos linfócitos B adjacentes. Além disso, o antígeno tambémé apresentado ao mesmo tempo às células T, e as células T "auxiliares"ativadas também contribuem para a ativação dos linfócitos B, comoveremos adiante com maiores detalhes. Os linfócitos B específicos paradeterminado antígeno aumentam imediatamente de volume e assumemo aspecto de tinfoblastos. Alguns deles ainda sofrem maior diferenciaçãopara formar plasmoblastos, que são os precursores dos plasmócitos. Nes-sas células, o citoplasma se expande e o retículo endoplasmático rugosoprolifera acentuadamente. A seguir, começam a dividir-se com veloci-dade de aproximadamente uma vez a cada 10 horas, durante cerca denove divisões, produzindo, em 4 dias, uma população total de cercade 500 células para cada plasmoblasto original. A seguir, o plasmócitomaduro produz anticorpos de gama-globulina com velocidade extrema-mente rápida — cerca de 2.000 moléculas por segundo por plasmócito.Os anticorpos são secretados na linfa e transportados até o sangue circu-lante. Esse processo continua por vários dias ou semanas até que osplasmócitos morram.

Formação das células de “memória” — diferença entre a respostaprimária e a resposta secundária. Alguns dos linfoblastos formados pelaativação de um clone de linfócitos B não se diferenciam em plasmócitos;na verdade, formam quantidades moderadas de novos linfócitos B, seme-lhantes aos do clone original. Em outras palavras, a população do cloneativado aumenta especificamente de modo acentuado. Os novos linfócitosB juntam-se aos linfócitos originais do clone. Eles também circulampor todo o organismo e localizam-se em todos os tecidos linfóides, porémpermanecem imunologicamente dormentes até que sejam, mais umavez, ativados pelo mesmo antígeno. São as denominadas células de memó-ria. Obviamente, a exposição subseqüente ao mesmo antígeno irá desen-cadear resposta muito mais rápida e potente dos anticorpos, visto queexistem muito mais células de memória do que de linfócitos originaisdo clone específico.

A Fig. 34.2 ilustra as diferenças entre a resposta primária que ocorredurante a primeira exposição a um antígeno específico e a resposta secun-dária que surge após a segunda exposição ao mesmo antígeno. Observea demora no aparecimento da resposta primária, sua pequena potência

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como difusibilidade do anticorpo nos tecidos, aderência do anticorpoa estruturas específicas no interior dos tecidos, fixação ao complexodo complemento, facilidade com que os anticorpos atravessam as mem-branas e outras propriedades biológicas do anticorpo.

Especificidade dos anticorpos. Cada anticorpo é específico para de-terminado antígeno, devido à organização estrutural peculiar dos amino-ácidos nas regiões variáveis das cadeias leve e pesada. Essas cadeias pos-suem forma estérica diferente para cada especificidade antigênica, demodo que, quando o antígeno entra em contato com um anticorpo,os grupos prostéticos do antígeno encaixam-se, como se fossem umaimagem especular com os do anticorpo, permitindo a rápida ligaçãoentre anticorpo e antígeno. A ligação não é covalente; todavia, quandoo anticorpo é de alta especificidade, existe um número tão grande desítios de ligação que o acoplamento anticorpo-antígeno é extremamenteforte, sendo mantido (1) por ligações hidrofóbicas, (2) por pontes dehidrogênio, (3) por atrações iônicas, e (4) pelas forças de van der Waals.Além disso, obedece a lei termodinâmica de ação da massa:

KA = concentração do complexo antígeno – anticorpo

Concentração do anticorpo x concentração do antígeno

Fig. 34.2 Tempo de resposta dos anticorpos à primeira injeção deantígeno e à segunda injeção várias semanas depois.

e curta duração. Por outro lado, a resposta secundária começa rapida-mente após a exposição ao antígeno. é muito mais potente e formaanticorpos durante vários meses, e não apenas durante algumas semanas.A maior potência e duração da resposta secundária explicam por que avacinação costuma ser efetuada mediante injeção do antígeno emdoses múltiplas, com intervalos de várias semanas ou meses entre asinjeções.

Natureza dos anticorpos

Os anticorpos são gama-globulinas denominados imunoglobulinas,com pesos moleculares de aproximadamente 150.000 a 900.000. Em geral,constituem cerca de 20% de todas as proteínas plasmáticas.

Todas as imunoglobulinas são formadas por combinação de cadeiaspolipeptídicas leves e pesadas; a maioria consiste numa combinação deduas cadeias leves e duas pesadas, conforme ilustrado na Fig. 34.3.Contudo, algumas das imunoglobulinas apresentam combinações de até10 cadeias pesadas e 10 cadeias leves, dando origem a imunoglobulinasde peso molecular muito mais elevado. Contudo, em todas elas, cadacadeia pesada é paralela a uma cadeia leve em uma de suas extremidades,formando, assim, um par pesado-leve; existem sempre peio menos doisdesses pares em cada molécula de imunoglobulina.

A Fig. 34.3 mostra a extremidade característica de cada cadeia levee de cada cadeia pesada, denominada região variável, enquanto o restantede cadeia é conhecido como região constante. A região variável é diferentepara cada especificidade do anticorpo, sendo essa a região que se ligaespecificamente a um tipo particular de antígeno. A região constantedo anticorpo determina outras propriedades, estabelecendo certos fatores

Fig. 34.3 Estrutura de anticorpo IgG típico, mostrando que é compostode duas cadeias polipeptídicas pesadas e duas cadeias polipeptídicas leves.O antígeno liga-se a dois sítios diferentes sobre as regiões variáveis dascadeias.

Ka é denominada constante de afinidade e representa uma medida daforça de ligação do anticorpo ao antígeno.

Na Fig. 34.3, deve-se observar, em particular, a existência de duasregiões variáveis no anticorpo para a fixação do antígeno, tornandoesse tipo de anticorpo bivalente. Todavia, pequena proporção dessesanticorpos, que consistem em combinações de até 10 cadeias leves e10 cadeias pesadas, possuem até 10 sítios de ligação. Classes deanticorpos. Existem cinco classes gerais de anticorpos, denominadas,respectivamente, IgM, IgG, IgA, IgD e IgE. Ig refere-se àimunoglobulina, enquanto as outras cinco letras designam, simples-mente, as classes respectivas. Para os propósitos de nossa limitadaexposição, duas dessas classes de anticorpos têm importância particular;a IgG, que é um anticorpo bivalente e que constitui cerca de 75% dosanticorpos no indivíduo normal; e a IgE, que possui 10 sítios de ligação,mas que representa apenas pequena percentagem dos anticorpos,estando especialmente envolvida na alergia. Todavia, a classe IgMtambém é interessante, visto que grande proporção dos anticorposformados durante a resposta primária pertence a essa classe. Possuem 10sítios de ligação que as tornam extremamente eficazes na proteção doorganismo contra invasores, embora não existam grandes quantidades deanticorpos IgM.

Mecanismos de ação dos anticorpos

Os anticorpos atuam principalmente de duas maneiras diferentespara proteger o organismo contra agentes invasores: (1) por ataque diretoao invasor e (2) pela ativação do sistema do complemento que, então,destruir o invasor.

Ação direta dos anticorpos sobre os agentes invasores. A Fig.34.4 ilustra anticorpos (representados pelas barras em forma de Y)reagindo com antígenos (representados pelos halteres em escuro).Devido à natureza bivalente dos anticorpos e aos múltiplos sítiosantigênicos existentes na maioria dos agentes invasores, os anticorpospodem inativar o agente invasor de várias maneiras:

1. Aglutinação, em que várias partículas grandes com antígenosem sua superfície, como bactérias ou eritrócitos, são reunidas, formandoagregados.

2. Precipitação, em que o complexo molecular de antígeno solúvel(como a toxina tetânica) e anticorpo torna-se grande a ponto de serinsolúvel e precipitar-se.

3. Neutralização, em que os anticorpos recobrem os sítios tóxicosdo agente antigênico.

4. Lise, em que alguns anticorpos muito potentes têm algumas vezesa capacidade de atacar diretamente as membranas de agentes celulares,com a conseqüente ruptura da célula.

Todavia, em condições normais, as ações diretas dos anticorposque atacam os invasores antigênicos não são provavelmente fortes osuficiente para desempenhar papel importante na proteção do organismocontra o invasor. A maior parte da proteção provém dos efeitos amplifi-cadores do sistema do complemento, descrito abaixo.

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Fig. 34.4 Ligação de moléculas de antígeno entre si por anticorposbivalentes.

O sistema do complemento para a ação dos anticorpos

A expressão "complemento" é um termo coletivo utilizado paradescrever um sistema com cerca de 20 proteínas diferentes, muitas dasquais são precursores enzimáticos. Os atores principais desse sistemasão as 11 proteínas designadas por Cl a C9, B e D, ilustradas na Fig.34.5. Todas estão normalmente presentes entre as proteínas plasmáticas,bem como entre as proteínas plasmáticas que passam dos capilares paraos espaços teciduais. Os precursores enzimáticos são normalmente inati-vos, mas podem ser ativados de duas maneiras distintas: (1) pela viaclássica e (2) pela via alternativa.

A via clássica. A via clássica é ativada por reação antígeno-anticorpoIsto é, quando o anticorpo liga-se ao antígeno, um sítio reativo específicona região "constante" do anticorpo fica descoberto ou ativado; por suavez, esse sítio liga-se diretamente a uma molécula Cl do sistema decomplemento, desencadeando uma "cascata" de reações seqüenciais,mostrada na Fig. 34.5, que começa com a ativação da própria pró-enzimaCl. Apenas algumas combinações de antígeno-anticorpo são necessáriaspara ativar muitas moléculas na primeira etapa do sistema do comple-mento. As enzimas Cl assim formadas passam a ativar quantidades suces-sivamente maiores de enzimas nos estágios subseqüentes do sistema,de modo que, a partir de um início muito pequeno, verifica-se a ocor-rência de reação "amplificada" extremamente grande. Formam-se múlti-plos produtos finais, como mostra a figura, e vários deles exercem efeitosimportantes, que ajudam a impedir a lesão pelo microrganismo ou pelatoxina invasora- Dentre os efeitos mais importantes destacam-se:

1. Opsonização e fagocitose. Um dos produtos da cascata do comple-

mento, C3b, ativa intensamente a fagocitose pelos neutrófilos e macró-fagos, de modo que essas células passam a engolfar as bactérias às quaisestão fixados os complexos antígeno-anticorpo. Esse processo é denomi-nado opsonização. Com freqüência, aumenta por várias centenas devezes o número de bactérias que podem ser destruídas.

2. Lise. De todos os produtos da cascata do complemento, umdos mais importantes é o complexo lítico, que consiste numa combinaçãode múltiplos fatores do complemento, designado por C5b6789. Exerceefeito direto, rompendo as membranas celulares das bactérias e de outrosmicrorganismos invasores.

3. Aglutinação. Os produtos do complemento também alteram assuperfícies dos microrganismos invasores, induzindo a aderência entreeles e promovendo sua aglutinação.

4. Neutralização dos vírus. As enzimas e outros produtos do complemento podem atacar as estruturas de alguns vírus, tornando-os não-vi-rulentos.

5. Quimiotaxia. O fragmento C5a induz a quimiolaxia dos neutró-filos e macrófagos, ocasionando a migração de grande número dessesfagócitos para a região onde se encontra o agente antigênico.

6. Ativação de mastócitos e basófilos. Os fragmentos C3a, C4a eC5a ativam os mastócitos e basófilos, fazendo com que liberem histaminae várias outras substâncias nos líquidos locais. Por sua vez, essassubstâncias produzem aumento do fluxo sanguíneo local, maiorextravasamento de líquido e de proteínas plasmáticas no tecido, bemcomo outras reações teciduais locais que ajudam a inativar ou a imobilizaro agente antigênico.

7. Esses mesmos fatores desempenham papel importante nainflamação,que foi discutida no capítulo anterior, bem como na alergia, como vere-mos adiante.

8. Efeitos inflamatórios. Além dos efeitos inflamatórios causadospela ativação dos mastócitos e basófilos, vários outros produtos do com-plemento também contribuem para a inflamação local. Esses produtosprovocam aumento da hiperemia, maior extravasamento capilar de proteínas e coagulação das proteínas nos espaços teciduais, impedindo odeslocamento do microrganismo invasor através dos tecidos.

A via alternativa. O sistema do complemento é algumas vezes ativadosem a intermediação de reação antígeno-anticorpo. Isso ocorre especial-mente em resposta à presença de grandes moléculas de polissacarídiosnas membranas celulares de alguns microrganismos invasores. Essas subs-tâncias reagem com os fatores do complemento B e D, formando umproduto de ativação que ativa o fator C3, desencadeando as etapassubseqüentes depois de C3 da cascata do complemento. Porconseguinte, praticamente todos os mesmos produtos finais do sistemasão formados como na via clássica, produzindo os mesmos efeitossupracitados para proteger o organismo contra o invasor.

Como a via alternativa não depende da reação antígeno-anticorpo,constitui uma das primeiras linhas de defesa contra microrganismos inva-sores, sendo capaz de funcionar até mesmo antes de a pessoa se tornarimunizada contra o microrganismo.

Fig. 34.5 Cascata das reações durante a ativação da viaclássica do complemento. (Modificado de Alexander andGood: Fundamentais of Clinicai Immunology. Philadel-phia, W.B. Saunders Co., 1977.)

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ATRIBUTOS ESPECIAIS DO SISTEMA DE LINFÓCITOS T— CÉLULAS T ATIVADAS E "IMUNIDADE MEDIADA PORCÉLULAS"

Liberação de células T ativadas pelo tecido linfóide e formaçãode células de memória. Após exposição aos antígenos adequados,apresentados pelos macrófagos adjacentes, os linfócitos T do tecidolinfóide proliferam e liberam grande número de células T ativadas, deforma semelhante à liberação de anticorpos. A principal diferença éque, em lugar de liberar anticorpos, formam-se células T ativadas quesão liberadas na linfa. A seguir, essas células penetram na circulação edistribuem-se por todo o organismo, atravessam as paredes capilarespaia atingir os espaços teciduais e retornam ao sangue circulante pelalinfa, repetindo o processo completo em todo o organismo, algumasvezes durante meses ou até mesmo anos.

Além disso, formam-se linfócitos T com memória, de modo idênticoà formação de células de memória no sistema humoral de anticorpos.Isto é, quando um clone de linfócitos T é ativado por antígeno, muitosdos linfócitos recém-formados são preservados no tecido linfóide e pas-sam a fazer parte desse clone específico; com efeito, essas células commemória disseminam-se por todo o tecido linfóide do organismo. Comoconseqüência, após exposição subseqüente ao mesmo antígeno, a libera-ção de células T ativadas ocorre muito mais rapidamente e com intensi-dade muito maior do que na resposta primária.

Receptores para antígenos sobre os linfócitos T. Os antígenosligam-se a moléculas receptoras sobre a superfície das células T, da mesmamaneira que se ligam aos anticorpos. Essas moléculas receptoras sãoformadas por uma unidade variável semelhante à região variável doanticorpo humoral, mas sua parte basal está firmemente fixada àmembrana celular. Por conseguinte, nunca são secretadas pela célula noslíquidos corporais. Existem até 100.000 sítios receptores numa só célulaT.

Fig. 34.6 Regulação do sistema imune, dando ênfase ao papelcentral das células T auxiliares, ( MHC, complexo principal dahistocompatibilidade.

OS NUMEROSOS TIPOS DE CÉLULAS T E SUAS FUNÇÕES

Nos últimos anos, tornou-se evidente a existência de diversos tiposdiferentes de células T. São classificadas em três grandes grupos: (1)células T auxiliares, (2) células T citotóxicas e (3) células T supressoras.As funções de cada uma dessas células são totalmente distintas.

Células T auxiliares – sei papel na regulação global daimunidade.

As células T auxiliares são, sem dúvida alguma, as mais numerosasde todas as células T, constituindo, em geral, mais de três quartos delas.Como indica seu nome, auxiliam nas funções do sistema imune de diversasmaneiras. De fato, atuam como o principal regulador de praticamentetodas as funções imunes, conforme ilustrado na Fig. 34.6. Desempenhamesse papel por meio da formação de uma série de mediadores protéicos,denominados linfoquinas, que atuam sobre outras células do sistemaimune, bem como sobre as células da medula óssea. Dentre as linfoquinasmais importantes secretadas pelas células T auxiliares destacam-se:

Interleuquina-2Interleuquina-3Interleuquina-4lnterleuquina-5lnterleuquina-6Fator estimulante de colônias de granulócitos-monócitosInterferon--y

Funções reguladoras específicas das linfoquinas. Na ausênciadas linfoquinas derivadas das células T auxiliares, o resto do sistemaimune fica quase totalmente paralisado. De fato, são as células Tauxiliares que são inativadas ou destruídas pelo vírus da síndrome deimunodeficiência adquirida (AIDS), deixando o organismo quasetotalmente desprotegido contra doenças infecciosas, resultando nosrápidos efeitos letais bem conhecidos da AIDS. Algumas das funçõesreguladoras específicas são as seguintes:Estimulação do crescimento e da proliferação de células T citotóxicas edas células T supressoras. Na ausência de células T auxiliares, os clonespara a produção de células T citotóxicas e de células T supressorassão muito pouco ativados pela maioria dos antígenos. A linfoquina inter

Leuquina - 2 exerce efeito estimulante especialmente potente, determi-nando o crescimento e a proliferação de células T citotóxicas e supres-soras. Além disso, várias outras linfoquinas possuem efeitos menos poten-tes, sobretudo a interleuquina-4 e a interleuquina-5.

Estimulação do crescimento e da diferenciação das células B paraformar plasmócitos e anticorpos. As ações diretas do antígeno nosentido de causar o crescimento e a proliferação de células B, aformação de plasmócitos e a secreção de anticorpos também sãomuito fracas sem o "auxílio" das células T auxiliares. Quase todas asinterleuquinas participam da resposta das células B, mas sobretudo asinterleuquinas 4, 5 e 6. Com efeito, essas três interleuquinas possuemefeitos tão potentes sobre as células B que foram denominadas fatoresestimulantes ou fatores de crescimento das células B.

Ativação do sistema de macrófagos. As linfoquinas tambémafetam os macrófagos. Em primeiro lugar, retardam ou interrompem amigração dos macrófagos após terem sido atraídos, por quimiotaxia,para a área tecidual inflamada, resultando cm grande acúmulo dessascélulas. Em segundo lugar, ativam os macrófagos de modo que afagocitose seja mais eficiente, permitindo, assim, que essas célulaspossam atacar e destruir números cada vez maiores de microrganismosinvasores.

Efeito estimulante por feedback sobre as próprias célulasauxiliares. Algumas das linfoquinas, sobretudo a Ínterleuquina-2,exercem efeito direto de feedback positivo ao estimular a ativação daspróprias células I auxiliares. Atuam como amplificador, intensificando aresposta das células auxiliares, bem como toda a resposta imune aantígenos invasores.

Células T citotóxicas

A célula T citotóxica é uma célula de ataque direto, capaz de matarmicrorganismos e, por vezes, até mesmo algumas células do próprioorganismo. Por essa razão, são quase sempre denominadas células mata-doras. As proteínas receptoras sobre a superfície das células citotóxicaspermitem sua forte ligação a microrganismos ou a células que contêmo antígeno específico de ligação. A seguir, matam a célula fixada, confor-me ilustrado na Fig. 34.7. Após sua ligação, a célula T citotóxica secretaproteínas formadoras de buracos, denominadas perfurinas, que literal-mente escavam grandes buracos redondos na membrana da célula ataca-da. A seguir, a célula citotóxica libera substâncias citotóxicas diretamenteno interior da célula atacada.

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Quase imediatamente, a célula atacada intumesce muito e, em geral,dissolve-se por completo em pouco tempo.

Uma característica especialmente importante refere-se à capacidadedas células "matadoras" citotóxicas de retirar-se e afastar-se das célulasatacadas após terem cavado buracos e liberado substâncias citotóxicas,movendo-se para destruir muitas outras células. Com efeito, mesmoapós a destruição de todos os invasores, muitas dessas células aindapersistem durante meses nos tecidos.

As células T citotóxicas são especialmente letais para as célulasteciduais invadidas por vírus, visto que muitas partículas de vírus ficamaprisionadas nas membranas dessas células, atraindo as células T devidoà antigenicidade virótica. As células citotóxicas também desempenhampapel importante na destruição de células cancerosas, células de trans-plante cardíaco ou outros tipos de células "estranhas" ao próprio corpodo indivíduo.

Células T supressoras

Sabe-se muito menos a respeito das células supressoras do que arespeito das outras células T; todavia, são capazes de suprimir as funçõesdas células T citotóxicas e auxiliares. Acredita-se que essas funções su-pressoras tenham por objetivo regular as atividades das outras células,impedindo-as de provocar reações imunes excessivas que poderiam lesargravemente o organismo. Por esta razão, as células supressoras, junta-mente com as células T auxiliares, são classificadas como células Tregula-doras. Um dos cenários para a função das células T supressoras regula-doras é o seguinte: as células T auxiliares ativam as células T supressoras;por sua vez, estas células atuam como controladores por feedback nega-tivo das células T auxiliares, o que automaticamente ajusta o nível deatividade do sistema de células T auxiliares. É também provável queas células T supressoras desempenhem papel importante ao limitarema capacidade do sistema imune de atacar os próprios tecidos corporaisda pessoa; esse processo, conhecido como tolerância imune, será discutidona seção seguinte.

TOLERÂNCIA DO SISTEMA DE IMUNIDADE ADQUIRIDAAOS TECIDOS DA PRÓPRIA PESSOA — PAPEL DO PRÉ-PROCESSAMENTO NO TIMO E NA MEDULA ÓSSEA

Obviamente, se uma pessoa ficasse imune a seus próprios tecidos,o processo da imunidade adquirida acabaria por destruir seu corpo.Felizmente, o mecanismo imune normalmente "reconhece" os tecidosda própria pessoa como totalmente distintos dos tecidos dos invasores,de modo que seu sistema de imunidade forma poucos anticorpos e célulasativadas contra seus próprios antígenos. Esse fenômeno é conhecidocomo autotolerância aos próprios tecidos do corpo.

O mecanismo de selecão dos clones da autotolerância. Acredita-se que a maior parte do fenômeno da tolerância ocorra durante oprocessamento dos linfócitos T no timo e dos linfócitos B na área deprocessamento desses linfócitos, ou seja, na medula óssea, nos sereshumanos. A razão dessa hipótese é que a injeção de um antígenoforte no feto, durante o período em que os linfócitos estão sendoprocessados nessas duas áreas, irá impedir o desenvolvimento declones de linfócitos no tecido linfóide, específicos para o antígenoinjetado. Além disso, vários experimentos demonstraram que oslinfócitos imaturos específicos no timo, quando expostos a antígenoforte, tornam-se linfoblásticos, proliferam de modo considerável e, aseguir, combinam-se com o antígeno estimulante — um efeito que seacredita resulte na destruição das próprias células pelas células epiteliaistúnicas antes que possam migrar e colonizar o tecido linfóide. Porconseguinte, acredita-se que, durante o processamento dos linfócitos notimo e na área de processamento dos linfócitos B, todos os clones delinfócitos, ou sua maioria, específicos para os próprios tecidos do corposejam autodestruídos, devido à sua exposição contínua aos antígenosdo corpo.

Papel da células T supressoras no desenvolvimento datolerância.As células T supressoras são provavelmente responsáveis por outro

tipo de "autotolerância". Por exemplo, pode-se verificar algumas vezes aocorrência aguda de reação auto-imune contra os próprios tecidos doorganismo; entretanto, depois de alguns dias ou várias semanas, eladesaparece, embora os anticorpos auto-imunes ainda persistam no plasmacirculante.

Fig. 34.7 Destruição direta de uma célula invasora por linfócitos sensibi-lizados.O que aconteceu foi que o número de células T supressorasespecificamente sensibilizadas ao auto-antígeno agressor aumentou acen-tuadamente. Acredita-se que essas células T supressoras atuem no sentidode contrabalançar os efeitos dos anticorpos auto-imunes, bem como dascélulas auxiliares e das células T citotóxicas sensibilizadas, bloqueando,assim, o ataque imune ao tecido. Infelizmente, esse processo não estátotalmente elucidado.

Falha do mecanismo de tolerância — doenças auto-imunes.Infelizmente, as pessoas quase sempre perdem parte de sua tolerânciaimune a seus próprios tecidos. Isso ocorre, em maior grau, com oavanço da idade. Em geral, essa perda é observada após destruição dealguns tecidos corporais, que liberam quantidades consideráveis deantígenos que circulam no organismo e, presumivelmente, causamimunidade adquirida na forma de células T ativadas ou de anticorpos.Alguns desses antígenos parecem combinar-se com outras proteínas,como proteínas de bactérias c vírus, para formar novo tipo de antígenocapaz de provocar imunidade. A seguir, as células T ativadas e osanticorpos atacam os próprios tecidos do corpo. Acredita-se também quealgumas das proteínas do corpo sejam normalmente sequestradas dosistema imune durante o desenvolvimento embrionário da tolerância, demodo que a tolerância a essas proteínas nunca surge em primeirolugar. Por exemplo, as proteínas da córnea não parecem circular noslíquidos fetais, o que também ocorre no caso da molécula detireoglobulina da tireóide; por conseguinte, nunca se verifica odesenvolvimento de tolerância a essas proteínas. Quando ocorre lesão dequalquer um desses dois tecidos, suas moléculas protéicas podemdesencadear a imunidade; esta, por sua vez, pode atacar a córnea, noprimeiro caso, ou a tireóide, no segundo, causando opacificação dacórnea ou tireoidite, respectivamente.

Outras doenças que resultam de auto-imunidade incluem a febrereumática, em que o osso se torna imunizado contra os tecidos das articu-lações e do coração, em particular as válvulas cardíacas, após exposiçãoa um tipo específico de toxina estreptocócica que possui um epitopoem sua estrutura molecular semelhante à de alguns auto-antígenos dopróprio organismo; um tipo de glomerulonefrite, em que a pessoa ficaimunizada contra a membrana basal de seus glomérulos; a miasteniugrave, em que se verifica o desenvolvimento de imunidade contra asproteínas receptoras de acetilcohna da junção neuromuscular, causandoparalisia; e lupo eritematoso, em que o indivíduo se torna simultanea-mente imunizado contra diversos tecidos corporais, uma doença quecausa lesões extensas e, com freqüência, morte rápida.

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VACINAÇÃO

O processo de vacinação tem sido utilizado durante muitos anospara provocar imunidade adquirida contra doenças específicas. Umapessoa pode ser vacinada pela injeção de microrganismos mortos, quenão são mais capazes de causar doença, mas que ainda possuem seusantígenos químicos, Esse tipo de vacinação é usado para a proteçãocontra a febre tifóide, a coqueluche, a difteria e muitos outros tiposde doenças bacterianas. Além disso, pode-se obter imunidade contratoxinas previamente tratadas com substâncias químicas, de modo quesua natureza tóxica tenha sido destruída, com preservação de seus antíge-nos para causar imunidade. Esse procedimento é utilizado na vacinaçãocontra o tétano, o botulismo e outras doenças tóxicas semelhantes. Porfim, uma pessoa pode ser vacinada pela infecção com microrganismosvivos previamente "atenuados". Isto é, esses microrganismos cresceramem meios de cultura especiais ou passaram por uma série de animaisaté sofrerem mutações suficientes para que não mais causem doença,embora ainda possuam os antígenos específicos. Esse procedimento éusado para proteger contra a poliomielite, a febre amarela, o sarampo,a catapora e muitas outras doenças viróticas.

IMUNIDADE PASSIVA

Até agora, toda a imunidade adquirida que discutimos foi a imuni-dade ativa. Isto é, o próprio indivíduo desenvolve anticorpos ou linfócitosativados em resposta à invasão por antígeno estranho. Todavia, pode-seobter imunidade temporária na pessoa sem injetar qualquer tipo deantígeno. Para isso, administram-se anticorpos, células T ativadas ouambos, obtidos de outro indivíduo ou de algum animal que tenha sidoativamente imunizado contra o antígeno. Os anticorpos permanecerãopor 2 a 3 semanas, e, durante esse tempo, a pessoa ficará protegidacontra a doença invasora. As células T ativadas sobrevivem durantealgumas semanas se forem transfundidas de outra pessoa, mas só persis-tem durante algumas horas a vários dias se forem transfundidas de umanimal. A transfusão de anticorpos ou de linfócitos para conseguir imuni-dade é denominada imunidade passiva.

ALERGIA

Um dos efeitos colaterais importantes da imunidade é o desenvol-vimento, em certas condições, de alergia. Existem diferentes tipos dealergia, alguns dos quais pode ocorrer em qualquer pessoa, ao passoque outros são apenas observados em pessoas com tendência alérgicaespecífica.

UMA ALERGIA QUE OCORRE EM PESSOAS NORMAIS:A ALERGIA DA REAÇÃO TARDIA

Este tipo de alergia quase sempre provoca erupções cutâneas emresposta a determinados medicamentos ou substâncias químicas, em par-ticular alguns cosméticos e produtos químicos de uso doméstico, aosquais a pele é freqüentemente exposta. Outro exemplo desse tipo dealergia é a erupção cutânea causada por exposição à urtiga.

A alergia da reação tardia é causada por células T ativadas, e nãopor anticorpos. No caso da urtiga, a toxina em si não causa muito danoaos tecidos. Todavia, após exposição repetida, determina a formaçãode células T auxiliares e citotóxicas. A seguir, com exposição subseqüenteà toxina da urtiga, as células T ativadas, dentro de cerca de 1 dia,difundem-se em número suficiente para a pele, respondendo à toxinae desencadeando um tipo de reação imune mediada por célula. Lembran-do-nos que esse tipo de imunidade pode ocasionar a liberação de muitassubstâncias tóxicas pelas células T ativadas, bem como a invasão extensados tecidos por macrófagos, com seus efeitos subseqüentes, podemoscompreender que o resultado eventual de algumas alergias de reaçãotardia possa consistir em grave lesão dos tecidos.

ALERGIAS NA PESSOA "ALÉRGICA"

Algumas pessoas apresentam tendência "alérgica". Suas alergiassão denominadas alergias atôpicas, por serem causadas por resposta nãohabitual do sistema imune. A tendência alérgica é transmitida genetica-

mente de pai para filho e caracteriza-se pela presença de grandes quanti-dades de anticorpos IgE. Esses anticorpos são denominados reagiriasou anticorpos sensibilizadores, para distingui-los dos anticorpos IgG maiscomuns. Quando um alérgeno (definido como um antígeno que reageespecificamente com determinado anticorpo reagínico IgE) penetra noorganismo, ocorre reação alérgeno-reagina, com a conseqüente ocor-rência de reação alérgica.

Uma característica especial dos anticorpos IgE (as reaginas) consistena sua forte tendência a fixar-se a mastócitos e basófilos. Na verdade,um só mastócito ou basófilo é capaz de fixar até meio milhão de moléculasde anticorpos IgE. A seguir, quando o antígeno (o alérgeno), que possuimúltiplos sítios de ligação, fixa-se a vários anticorpos IgE ligados a ummastócito ou basófilo, essa fixação determina alteração imediata da mem-brana celular, talvez devido a simples efeito físico das moléculas deanticorpo ao serem puxadas pelo antígeno. De qualquer forma, muitosdos mastócitos e basófilos sofrem ruptura; outros liberam seus grânulossem se romper e também secretam outras substâncias que não estãopré-formadas nos grânulos. Algumas das diversas substâncias que sãoliberadas imediatamente ou secretadas pouco depois incluem histamina,substância de reação lenta da anafilaxia (que é uma mistura de substânciatóxicas denominadas leucotrienos), substância quimiotáxica dos eosinó-filos, protease, substância quimiotáxica dos neutrófilos, heparina e fatoresativadores das plaquetas. Essas substâncias causam certos fenómenos,como dilatação dos vasos sanguíneos locais, atração dos eosinófilos eneutrófilos para o sítio reativo, lesão dos tecidos locais pela protease,aumento da permeabilidade dos capilares e perda de líquido para ostecidos e contração das células musculares lisas locais. Por conseguinte,qualquer um dos diferentes tipos de respostas teciduais anormais podeocorrer, dependendo do tipo de tecido em que se verifica a reação alérge-no-reagina. Dentre os diferentes tipos de reações alérgicas causadas dessamaneira destacam-se:

Anafilaxia. Quando um alérgeno específico é injetado diretamentena circulação, ele pode reagir em áreas disseminadas do organismo,estando os basófilos circulantes e os mastócitos situados imediatamentefora dos pequenos vasos sanguíneos. Por conseguinte, ocorre reaçãoalérgica disseminada em todo o sistema vascular e nos tecidos estreita-mente associados a ele. Trata-se da denominada anafilaxia. A histaminaliberada na circulação provoca vasodilatação periférica disseminada, bemcomo aumento da permeabilidade dos capilares e perda pronunciadade plasma da circulação. Com freqüência, os indivíduos que sofremessa reação morrem de choque circulatório dentro de poucos minutos,a não ser que sejam tratados com norepinefrina para antagonizar osefeitos da histamina. Além disso, as células liberam a mistura de leuco-trienos denominada substância de reação lenta da anafilaxia, que causaespasmo da musculatura lisa dos bronquíolos, desencadeando uma crisesemelhante ã asma e, por vezes, causando morte por sufocação.

Urticária. A urticária resulta da entrada do antígeno em áreas especí-ficas da pele, provocando reações anafilactóides localizadas. A histaminaliberada localmente provoca (1) vasodilatação, que induz hiperemia ime-diata, e (2) aumento da permeabilidade local dos capilares, resultandoem áreas circunscritas locais de edema da pele em poucos minutos.Esses edemas são geralmente denominados bolhas de urticária. A admi-nistração de anti-histamínicos ao indivíduo antes da exposição impedea formação dessas bolhas.

Febre do feno. Na febre do feno, a reação alérgeno-reagina ocorreno nariz. A histamina liberada em resposta provoca dilatação vascularlocal, com a conseqüente elevação da pressão capilar, bem como aumentoda permeabilidade capilar. Ambos os efeitos produzem rápida perdade líquido para os tecidos do nariz, de modo que a mucosa nasal torna-seedemaciada a secretora. Nesse caso, também, o uso de anti-histamínicospode evitar essa reação de edema. Todavia, outros produtos da reaçãoalérgeno-reagina ainda podem causar irritação do nariz, desencadeandoa típica síndrome de espirros, a despeito da terapia com medicamentosanti-histamínicos.

Asma. Na asma, a reação alérgeno-reagina ocorre nos bronquíolosdos pulmões. Nesse caso, o produto mais importante liberado pelosmastócitos parece ser a substâncias de reação lenta da anafilaxia, queprovoca espasmo da musculatura lisa bronquiolar. Conseqüentemente,a pessoa tem dificuldade de respirar até que os produtos reativos dareação alérgica tenham sido removidos. Infelizmente, a administraçãode anti-histamínicos tem pouco efeito sobre a evolução da asma, vistoque a histamina não parece constituir o principal fator no desencadea-mento da reação asmática.

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CAPÍTULO 35

Grupos Sanguíneos; Transfusão; Transplantede Tecidos e Órgãos

ANTIGENICIDADE E REAÇÕES IMUNES DO SANGUE

Quando as transfusões de sangue entre seres humanos foram tenta-das pela primeira vez, tiveram sucesso em alguns casos, mas em muitosoutros ocorria aglutinação imediata ou tardia, bem como hemólise doseritrócitos, resultando cm reações transfusionais típicas que, algumasvezes, levavam à morte do indivíduo. Em pouco tempo, descobriu-seque o sangue de indivíduos diferentes possui geralmente propriedadesantigênicas e imunes diferentes, de modo que os anticorpos no plasmade um sangue reagem com os antígenos sobre as superfícies dos eritrócitosde outro sangue. Por esta razão, é fácil o sangue de um doador aglutinarcom o de um receptor. Felizmente, se forem tomadas as devidas precau-ções, pode-se determinar com antecedência a presença ou não de anti-corpos e antígenos apropriados nos sangues do doador e do receptorpara causar uma reação.

Multiplicidade de antígenos nas células sangüíneas. Pelo menos 30antígenos de ocorrência comum e centenas de outros antígenos raros— cada um dos quais pode, em determinadas ocasiões, causar reaçõesantígeno-anticorpo — foram detectados em células sangüíneas humanas,sobretudo na superfície das suas membranas celulares. Esses antígenossão, em sua maior parte, fracos e, por conseguinte, sua importânciareside principalmente no estudo da herança dos genes para estabele-cimento do parentesco, e assim por diante. Todavia, dois grupos particu-lares de antígenos têm mais probabilidade do que os outros de provocarreações transfusionais. São eles os denominados sistema O-A-B de antí-genos e sistema Rh.

GRUPOS SANGUÍNEOS O-A-B

ANTÍGENOS A e S - AGLUTINÓGENOS

Dois antígenos relacionados — tipos A e B — ocorrem na superfíciedos eritrócitos numa grande percentagem da população. Devido ao modopelo qual esses antígenos são herdados, uma pessoa pode não ter qualquerdeles em suas células, ou pode ter um deles ou ambos simultaneamente.

Conforme discutido adiante, os anticorpos fortes que reagem especi-ficamente com os antígenos tipo A ou tipo B ocorrem quase sempre noplasma de pessoas que não possuem esses antígenos nos eritrócitos. Essesanticorpos ligam-se aos antígenos dos eritrócitos, causando suaaglutinação. Por conseguinte, os antígenos tipo A e tipo B são denomi-nados aglutinógenos, e os anticorpos plasmáticos que produzem a agluti-nação são conhecidos como aglutininas. Com base na presença ou ausên-cia de aglutinógenos A e B nos eritrócitos, o sangue é tipado para trans-fusões.

Os quatro principais grupos sanguíneos O-A-B. Ao transfundir san-gue de um indivíduo para outro, os sangues dos doadores e dos receptoressão normalmente classificados em quatro tipos principais O-A-B, confor-me ilustrado no Quadro 35.1, dependendo da presença ou da ausência

dos dois aglutinógenos. Quando nem o aglutinógeno A nem o B estãopresentes, o sangue é do tipo O. Quando se verifica apenas a presençado aglutinógeno tipo A, o sangue é do tipo A. Quando somente o aglutinó-geno B está presente, o sangue é do tipo B. Por fim, quando ambosos aglutinógenos A e B estão presentes, o sangue é do tipo AB.

Freqüências relativas dos diferentes tipos sanguíneos. A prevalênciaaproximada dos diferentes tipos sanguíneos entre caucasóides é a se-guinte :

O 47%A 41%B 9%

AB 3%

A partir dessas percentagens, é óbvio que os genes O e A ocorremfreqüentemente, enquanto o gene B é mais raro.

Determinação genética dos aglutinógenos. Dois genes, cada um emdois cromossomas pareados, determinam os grupos sanguíneos O-A-B.Esses dois genes são alelomorfos: podem ser qualquer um dos três tiposdiferentes, mas apenas um tipo em cada cromossoma: tipo O, tipo Aou tipo B. Todavia, o gene do tipo O é total ou quase totalmente não-fun-cional, de modo que não determina qualquer aglutinógeno do tipo 0sobre as células, ou determina um aglutinógeno tão fraco que normal-mente é insignificante. Por outro lado, os genes do tipo A e do lipoB determinam a formação de potentes aglutinógenos nas células.

As seis combinações possíveis de genes, conforme indicado no Qua-dro 35.1, são OO, OA, OB, AA, BB, e AB- Essas diferentes combi-nações de genes são conhecidas como genótipos, e cada indivíduo possuium desses seis genótipos diferentes.

A partir deste quadro, verificamos que a pessoa com genótipo OOnão produz qualquer aglutinógeno, de modo que possui sangue do tipoO. O indivíduo com genótipo OA ou AA produz aglutinógenos tipoA e, por conseguinte, possui sangue do tipo A. Os genótipos OB eBB resultam em sangue do tipo B, enquanto o genótipo AB expressao sangue do tipo AB.

AGLUTININAS

Quando o aglutinógeno tipo A não está presente nos eritrócitosda pessoa, verifica-se o desenvolvimento de anticorpos conhecidos comoaglutininas anti-A no plasma. Do mesmo modo, quando o aglutinógenotipo B não está presente nos eritrócitos, formam-se anticorpos conhecidoscomo aglutininas anti-B no plasma.

Assim, consultando novamente o Quadro 35.1, observamos queo sangue do grupo O, embora não contenha qualquer aglutinógeno,possui ambas as aglutininas anti-A e anti-B; o sangue do grupo A contémaglutinógenos tipo A e aglutininas anti-B; e o sangue do grupo B, agluti-

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Quadro 35.1 Grupos sanguíneos com seus genótipos eaglutinógenos e aglutininas

Genótipos Tipos Sanguíneos Aglutinógenos AglutininasOO O - Anti-A e

anti B

OA ou AA A A anti BOB ou BB B B Ae B anti AAB AB -

nógenos tipo B e aglutininas anti-A. Por fim, o sangue do grupo ABcontém ambos os aglutinógenos AeB, mas não tem aglutininas.

Títulos das aglutininas em diferentes idades. Imediatamente apóso nascimento, a quantidade de aglutininas no plasma é quase zero. Doisa 8 meses após o nascimento, o lactente começa a produzir aglutininas— aglutininas anti-A, quando as células não possuem aglutinógenos tipoA, e aglutininas anti-B, quando não há aglutinógenos B nos eritrócitos.A Fig. 35.1 mostra a variação dos títulos de aglutininas anti-A e anti-Bem diferentes idades. Em geral, verifica-se o título máximo em tornodos 8 a 10 anos de idade, que declina gradualmente durante o restoda vida.

Origem das aglutininas no plasma. As aglutininas são gamaglobu-linas, como o são outros anticorpos, e são produzidas pelas mesmascélulas que produzem anticorpos contra qualquer outro antígeno. Amaioria consiste em moléculas de imunoglubilinas IgM e IgG.

Mas, por que são essas aglutininas produzidas em indivíduos quenão possuem as substâncias antigénicas em seus eritrócitos? A respostaparece ser a de que pequenas quantidades de antígenos do grupo Ae B penetram no organismo com os alimentos, bactérias, c por outrosmeios, de modo que essas substâncias desencadeiam o desenvolvimentode aglutininas anti-A ou anti-B. Uma das razões para se formular essahipótese é que a ingestão de antígeno do tipo A ou do tipo B em receptorcom outro tipo sanguíneo provoca resposta imune típica, com formaçãode quantidades maiores de aglutininas. Além disso, o recém-nascidopossui pouca ou nenhuma aglutinina, mostrando que a formação dasaglutininas ocorre quase totalmente após o nascimento.

PROCESSO DE AGLUTINAÇÃO NAS REAÇÕESTRANSFUSIONAIS

Quando dois sangues são incompatíveis, de modo que as aglutininasanti-A ou anti-B são misturadas com eritrócitos contendo, respectiva-mente, agiutinógenos A ou B, os eritrócitos aglutinam-se pelo seguinteprocesso: as próprias aglutininas ligam-se aos eritrócitos. Como as agluti-ninas possuem dois sítios de ligação (tipo IgG) ou até 10 (tipo IgM),uma só aglutinina pode ligar-se a dois ou mais eritrócitos diferentesao mesmo tempo, provocando a aderência entre as células, com a conse-

Fig. 35.1 Títulos médios de aglutinina anti-A e anti-B no sangue deindivíduos do grupo B e do grupo A em diferentes idades.

quente formação de agregados. A seguir, esses agregados obliteram ospequenos vasos sanguíneos do sistema circulatório. Durante as próximashoras ou dias, os leucócitos fagocíticos do sistema reticuloendotelial des-troem as células aglutinadas, liberando hemoglobina no plasma.

Hemólise nas reações transfusionais. Algumas vezes, quando ossangues do doador e do receptor são incompatíveis, ocorre hemóliseimediata dos eritrócitos no sangue circulante. Neste caso, os anticorposprovocam lise dos eritrócitos pela ativação do sistema do complemento.Este, por sua vez, libera enzimas proteolíticas (o complexo lítico) querompem as membranas celulares, como foi descrito no Cap. 34.

Todavia a hemólise intravascular imediata é bem menos comumdo que a aglutinação seguida por hemólise tardia, visto que, paTa queisso ocorra, é necessário não apenas um título muito elevado de anticor-pos, como também um tipo diferente de anticorpos, principalmente osanticorpos IgM. Esses anticorpos são denominados hemolisinas.

TIRAGEM DO SANGUE

Antes de se fazer uma transfusão é necessário determinar o tiposanguíneo do receptor e do doador, de modo que os sangues sejamcompatíveis. Esse procedimento, denominado tipagem do sangue, é efe-tuado da seguinte maneira: inicialmente, os eritrócitos são diluídos emsolução salina. Parte dessa diluição é, então, misturada com aglutininasanti-A, e outra parte com aglutininas anti-B. Depois de vários minutos,as misturas são observadas ao microscópio. Se os eritrócitos tiveremformado grumos — isto é, "aglutinarem-se" —, sabe-se que ocorreuuma reação antígeno-anticorpo.

O Quadro 35.2 ilustra a presença (+) ou ausência (-) de aglutinaçãocom cada um dos quatro tipos diferentes de sangue. Os eritrócitos dogrupo O não têm aglutinógenose, portanto, não reagem com soro anti-Aou anti-B.

O sangue do tipo A possui aglutinógenos A e, por conseguinte,aglutina com aglutininas anti-A. O sangue do tipo B possui aglutinógenosB e aglutina com soro anti-B. O sangue do tipo AB possui ambos osaglutinógenos A e B e, por conseguinte, aglutina com ambos os tiposde soro.

TIPOS DE SANGUE Rh

Além do sistema de grupos sanguíneos O-A-B, o outro sistemamais importante na transfusão de sangue é o sistema Rh. A principaldiferença entre o sistema O-A-B e o sistema Rh é que, no primeiro,as aglutininas responsáveis pela ocorrência de reações transfusionais de-senvolvem-se espontaneamente, ao passo que, no sistema Rh, quasenunca ocorrem aglutininas espontâneas. Com efeito, a pessoa deve ini-cialmente sofrer exposição maciça a um antígeno Rh, em geral comoresultado da transfusão de sangue ou do parto de criança com o antígeno,para que ocorra desenvolvimento suficiente de aglutinina para causarreação transfusional significativa.

Os antígenos Rh — indivíduos "Rh-positivos" e "Rh-negativos". Existem seis tipos comuns de antígenos Rh, cada um dosquais é denominado fator Rh. Esses tipos são designados por C, D, E,c, d, e e. A pessoa que possui antígeno C não apresentará antígenoc, enquanto a pessoa que não tiver antígeno C terá sempre o antígeno c.O mesmo ocorre com os antígenos D-d e E-e. Além disso, devido aomodo de herança desses fatores, cada pessoa terá um antígeno de cadaum dos três pares.

O antígeno tipo D é muito prevalente na população, sendo tambémconsideravelmente mais antigênico do que os outros antígenos Rh. Por

Quadro 35.2 Tipagem sangüínea — mostrando a aglutinação decélulas dos diferentes tipos sanguíneos com aglutininas anti-A e antiB.

SorosTipos de eritrócitos Anti - A Anti - BO - -A + -B - +AB + +

conseguinte, qualquer pessoa que tenha esse tipo de antígeno é conhecidacomo Rh-positiva, enquanto as pessoas que não o possuem são denomi-nadas Rh-negativas. Todavia, é preciso assinalar que, mesmo nas pessoas

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Rh-negativas, alguns dos outros antígenos Rh ainda podem causar rea-ções transfusionais, embora em grau bem mais leve.

Cerca de 85% de todas as pessoas brancas são Rh-positivas e 15%,Rh-negativas. Nos negros americanos, a percentagem de Rh-positivosé de cerca de 95%, ao passo que nos negros africanos é praticamentede 100%.

RESPOSTA IMUNE AO Rh

Formação de aglutininas anti-Rh. Quando eritrócitos contendofator Rh ou até mesmo produtos de degradação protéica dessas célulassão injetados em pessoa sem o fator — isto é, pessoa Rh-negativa —,verifica-se o desenvolvimento muito lento de aglutinina anti-Rh, cujaconcentração máxima é observada dentro de cerca de 2 a 4 meses. Essaresposta imune é maior em certas pessoas do que em outras. Apósmúltiplas exposições ao fator Rh, a pessoa Rh-ncgativa ficaeventualmente muito "sensibilizada" ao fator Rh.

Características das reações tranfusionais Rh. Se um indivíduo Rhnegativo nunca foi exposto antes a sangue Rh-positivo, a transfusãodeste sangue não irá causar qualquer reação imediata. Todavia, em algunsdesses indivíduos verifica-se o desenvolvimento de anticorpos anti-Rhem quantidades suficientes nas 2 a 4 semanas seguintes para causaraglutinação das células transfundidas que ainda se encontram no sangue.A seguir, essas células são hemolisadas pelo sistema dos macrófagosteciduais. Assim, ocorre reação transfusional tardia, embora seja geral-mente de pequena intensidade. Todavia, se forem feitas transfusõessubseqüentes de sangue Rh-positivo ao mesmo indivíduo que agora estáimunizado contra o fator Rh, a reação transfusional é muito mais acen-tuada e pode ser tão grave quanto as reações que ocorrem entre sanguesdos tipos A e B.

Eritroblastose fetal

A eritroblastose fetal é uma doença do feto e do recém-nascido,caracterizada por aglutinação progressiva e fagocitose subseqüente doseritrócitos. Na maioria dos casos de eritroblastose fetal, a mãe é Rh-ne-gativa, e o pai, Rh-positivo. A criança herda o antígeno Rh-positivodo pai, e a mãe desenvolve aglutininas anti-Rh que se difundem atravésda placenta para o feto, provocando aglutinação dos eritrócitos.

Prevalência da doença. A mãe Rh-negativa que tem seu primeirofilho Rh-positivo geralmente não desenvolve quantidades suficientes deaglutininas anti-RH para causar qualquer dano. Todavia, ao ter umsegundo filho Rh-positivo, cerca de 3% dos casos exibem alguns sinaisde eritroblastose fetal; aproximadamente 10% dos terceiros filhos têma doença, e a incidência aumenta progressivamente com as gestaçõessubseqüentes.

A mãe Rh-negativa só desenvolve aglutininas anti-Rh quando ofeto é Rh-positivo. Muitos dos pais Rh-positivos são heterozigotos (cercade 55%), de modo que cerca de um quarto dos filhos são Rh-negativos.Por conseguinte, depois do nascimento de uma criança com eritroblas-tose, não é certo que os futuros Filhos também serão eritroblastóticos.

Efeito dos anticorpos maternos sobre o feto. Após a formação deanticorpos anti-Rh na mãe, eles sofrem difusão lenta através da mem-brana placentária, penetrando no sangue fetal, onde causam aglutinaçãodo sangue. Os eritrócitos aglutinados do feto sofrem hemólisesubseqüente, liberando hemoglobina na circulação. Os macrófagosconvertem, então, a hemoglobina em bilirrubina, responsável pelacoloração amarelada da pele (icterícia). Provavelmente, os anticorpostambém atacam e lesam algumas outras células do feto.

Quadro clínico da eritroblastose. O recém-nascido ictérico, portadorde eritroblastose, é geralmente anêmico ao nascer; as aglutininas anti-Rhprovenientes da mãe em geral circulam no sangue do bebê durante 1a 2 meses após o nascimento, destruindo um número cada vez maiorde eritrócitos.

Os tecidos hematopoéticos do recém-nascido tentam repor os eritró-citos hemolisados. O fígado e o baço aumentam acentuadamente detamanho e produzem eritróritos da mesma maneira que o fizeram normal-mente na metade da gestação. Devido à produção muito rápida de células,

muitas formas imaturas, incluindo numerosas formas blásticas nucleadas,são lançadas no sistema circulatório, de modo que a doença foi denomi-nada eritroblastose fetal devido à presença dessas células.

Embora a anemia grave da eritroblastose fetal seja em geral a causada morte, muitas crianças que dificilmente conseguem sobreviver à ane-mia exibem comprometimento mental permanente ou lesão das áreasmotoras do cérebro, devido à precipitação de bilirrubina nos neurônios,causando sua destruição. Esse processo é denominado icterícia nuclear.

Tratamento do bebê com eritroblastose. O tratamento habitualpara a eritroblastose fetal consiste em substituir o sangue do lactentepor sangue Rh-negativo. Cerca de 400 ml de sangue Rh-negativo sãoinjetados no decorrer de um período de 1 hora e meia ou mais,enquanto o próprio sangue Rh-positivo do bebé está sendo removido.Esse procedimento pode ser repetido várias vezes durante as primeirassemanas de vida, principalmente para manter baixo o nível debilirrubina, evitando, assim, o desenvolvimento da icterícia nuclear.Quando essas células Rh-negativas transfundidas são substituídas pelaspróprias células Rh-positivas do lactente, um processo que leva seis oumais semanas, as aglutininas anti-Rh provenientes da mãe já estarãodestruídas.

REAÇÕES TRANSFUSIONAIS RESULTANTESDA INCOMPATIBILIDADE SANGÜÍNEA

Se o sangue de um grupo sanguíneo for transfundido a um receptorde outro grupo sanguíneo, é provável que ocorra reação transfusional,caracterizada pela aglutinação dos eritrócitos do sangue do doador. Emuito raro que o sangue transfundido possa causar aglutinação das célulasdo receptor, pela seguinte razão: a porção do plasma do sangue dodoador dilui-se imediatamente com o plasma do receptor, diminuindo,assim, o título das aglutininas injetadas até um nível demasiado baixopara causar aglutinação. Por outro lado, o sangue transfundido pratica-mente não dilui as aglutininas no plasma do receptor. Por conseguinte,as aglutininas do receptor ainda podem aglutinar as células do doador.

Conforme explicado antes, todas as reações transfusionais causameventualmente hemólise, seja hemólise imediata, causada por hemoli-sinas, ou fagocitose das células aglutinadas. A hemoglobina liberadados eritrócitos é, então, convertida pelos fagócitos em bilirrubina e,posteriormente, excretada na bile pelo fígado, conforme discutido noCap. 70. A concentração de bilirrubina nos líquidos corporais aumentaquase sempre o suficiente para causar icterícia — isto é, os tecidos doindivíduo ficam amarelados devido ao pigmento biliar. Entretanto, sea função hepática estiver normal, a icterícia geralmente não aparece,a não ser que haja hemólise de 300 a 500 ml de sangue em menosde um dia.

Insuficiência renal aguda após reações transfusionais. Um dosefeitos mais letais das reações transfusionais é a insuficiência renalaguda, que pode surgir dentro de poucos minutos a algumas horas eprosseguir até que a pessoa morra por insuficiência renal.

A insuficiência renal aguda parece resultar de três causas diferentes:em primeiro lugar, a reação antígeno-anticorpo da reação transfusionallibera substâncias tóxicas do sangue hemolisado, causando vasoconstriçãorenal pronunciada. Em segundo lugar, a perda de eritrócitos circulantes,juntamente com a produção de substâncias tóxicas das células hemoli-sadas e da reação imune, provoca quase sempre choque circulatório.A pressão arterial cai para níveis muito baixos, e o fluxo sanguíneorenal e o débito urinário diminuem. Em terceiro lugar, se a quantidadetotal de hemoglobina livre no sangue circulante for maior que a quanti-dade que pode ligar-se à haptoglobina (proteína plasmática capaz deligar-se a pequenas quantidades de hemoglobina), grande parte do exces-so atravessa as membranas glomerulares e passa para os túbulos renais.Se essa quantidade for pequena, poderá ser absorvida através do epitéliotubular para o sangue, sem causar maior prejuízo; entretanto, se forgrande, apenas pequena percentagem será reabsorvida. Todavia, a águacontinua sendo reabsorvida, com conseqüente elevação da concentraçãotubular de hemoglobina a ponto de ocasionar sua precipitação, bloquean-do muitos dos túbulos. Esse processo ocorre especialmente se a urinafor ácida. Por conseguinte, a vasoconstrição renal, o choque circulatórioe o bloqueio tubular atuam em conjunto, causando insuficiência renalaguda. Se a insuficiência for completa e não for aliviada, o pacientemorre dentro de 1 semana a 12 dias, conforme explicado no Cap. 31,a não ser que seja tratado com rim artificial.

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TRANSPLANTE DE TECIDOS E ÓRGÃOS

Muitos dos diferentes antígenos dos eritrócitos que provocamreações transfusionais, além de muitos outros antígenos, também estãopresentes em outras células do organismo. Conseqüentemente,qualquer célula estranha transplantada para um receptor pode causarrespostas e reações imunes. Em outras palavras, a maioria dosreceptores é tão capaz de resistir á invasão de células teciduais estranhasquanto ã invasão por bactérias ou eritrócitos estranhos.

Isoenxertos, aloenxertos e xenoenxertos. O transplante de umTecido ou de todo um órgão de um gêmeo idêntico para outro édenominado isoenxerio. O transplante de um indivíduo para outro ou deum animal para outro da mesma espécie é conhecido comoaloenxerto. Por fim,0 transplante de um animal inferior para o ser humano ou de um animalde uma espécie para um animal de outra espécie é denominado xenoen-xerio.

Transplante de tecidos celulares. No caso dos isoenxertos, ascélulas do transplante quase sempre vivem indefinidamente se houversuprimento sanguíneo adequado; no caso de aloenxertos exenoenxertos, ocorrem quase sempre reações imunes, causando amorte de todas as células do enxerto dentro de 1 a 5 semanas após otransplante, a não ser que se recorra a alguma terapia específica paraimpedir a reação imune. Em geral, as células do aloenxerto persistempor mais tempo do que a dos xenoenxertos, visto que a composiçãoantigênica do aloenxerto assemelha-se mais à dos tecidos do receptor doque no xenoenxerto. Quando os tecidos são adequadamente "tipados" esão muito semelhantes antes do transplante, obtém-se, algumas vezes,aloenxertos bem-sucedidos, até mesmo sem terapia medicamentosa.

Alguns dos diferentes tecidos e órgãos que foram transplantadosexperimentalmente ou para benefício terapêutico de uma pessoa paraoutra são: pele, rim, coração, fígado, tecido glandular, medula ósseae pulmão. Muitos transplantes de rim tiveram êxito durante 5 a 15 anos,enquanto os transplantes de fígado e coração têm tido sucesso durante1 a 15 anos.

TENTATIVAS DE SUPERAR A REAÇÃOIMUNE NO TECIDO TRANSPLANTADO

Devido à extrema importância potencial de certos transplantes detecidos e órgãos, tentativas sérias têm sido feitas para impedir a ocor-rência das reações antígeno-an ti corpo associadas aos transplantes. Osseguintes procedimentos específicos tiveram certo grau de sucesso clínicoou experimental.

Tipagem de tecido — o complexo HLA de antigenos

Os antígenos mais importantes que provocam rejeição de enxertosformam um complexo denominado antígeno HLA. São subdivididosem três classes diferentes: classe 1, presentes sobre a superfície de todasas células do organismo; classe 2, presentes especificamente sobre asuperfície das células linfocíticas associadas à imunidade; e classe 3,relacionados à produção do complemento e de outras substâncias relacio-nadas à imunidade.

Como os antígenos HLA da classe 1 estão presentes em quase todasas células do organismo, são os principais responsáveis pela rejeiçãode enxertos. Trata-se de um grupo de 150 antígenos diferentes localizadossobre a superfície da membrana celular de todas as células do organismo.Apesar desse grande número de antígenos diferentes, são codificadospor apenas seis genes distintos, três localizados em cada cromossomade um par. Os genes são alelomórficos e, portanto, podem codificarseis antígenos HLA diferentes em determinado indivíduo. Todavia, mes-mo essa quantidade representa mais de um trilhão de combinações possí-veis. Por conseguinte, é praticamente impossível que duas pessoas distin-tas, à exceção dos gêmeos idênticos, tenham os mesmos seis antígenosHLA. O desenvolvimento de imunidade contra qualquer um desses antí-genos pode causar rejeição de transplante.

Os antígenos HLA ocorrem nos leucócitos, bem como nas célulasteciduais. Por conseguinte, a tipagem tecidual na procura desses antíge-nos é feita nas membranas dos linfócitos isolados do sangue da pessoa.Os linfócitos são misturados com anti-soros apropriados e com comple-mento; após incubação apropriada, as células são testadas quanto a ocor-rência de lesão da membrana, geralmente pela velocidade de captação

de um corante supravital pelas células linfocíticas.Felizmente, alguns dos antígenos HLA não são acentuadamente

antigênicos; por esta razão, a compatibilidade exata de alguns dos antíge-nos entre doador e receptor não é absolutamente essencial para permitira aceitação de aloenxerto. Por conseguinte, a obtenção da melhor compa-tibilidade possível entre doador e receptor torna o transplante muitomenos perigoso. O maior sucesso tem sido obtido com tipagem tecidualentre os membros da mesma família. Naturalmente, a compatibilidadede gêmeos idênticos é total, de modo que os transplantes entre gêmeosidênticos quase nunca são rejeitados em conseqüência de reações imunes.

Prevenção da rejeição de enxerto pela supressão dosistema imune

Obviamente, se o sistema imune fosse totalmente suprimido, nãohaveria rejeição de transplante. Com efeito, na pessoa que apresentagrave depressão do sistema imune, os enxertos podem ser bem-sucedidossem se recorrer a qualquer terapia para impedir a rejeição. Todavia,no indivíduo normal, mesmo com a melhor tipagem tecidual possível,os aloenxertos raramente resistem por mais de algumas semanas semo uso de algum método terapêutico para suprimir o sistema imune.Além disso, como as células T são principalmente importantes na destrui-ção das células do enxerto, sua supressão é muito mais importante quea dos anticorpos plasmáticos. Alguns dos agentes terapêuticos que têmsido utilizados para essa finalidade incluem:

1. Hormônios glicocorticóides (ou medicamentos com atividade gli-cocorticóide) que suprimem o crescimento de todo o tecido linfóide e,por conseguinte, diminuem a formação de anticorpos e de células T.

2. Vários medicamentos que possuem efeito tóxico sobre o sistemalinfóide e, portanto, bloqueiam a formação de anticorpos e de célulasT, em particular a azatioprina (lmuran).

3. A ciclosporina, que exerce efeito inibidor específico sobre a for-mação de células T auxiliares, sendo, portanto, eficaz no bloqueio dareação de rejeição por células T. A ciclosporina tem sido o mais valiosode todos os medicamentos, pelo fato de não suprimir algumas outrasporções do sistema imune.

Infelizmente, o uso desses agentes deixa a pessoa desprotegida con-tra a doença; em conseqüência, as infecções bacterianas e viróticas tor-nam-se algumas vezes exuberantes. Além disso, a incidência de cânceré várias vezes maior na pessoa imunossuprimida, talvez devido àimportância do sistema imune na destruição de muitas células cancerosasiniciais antes de começarem realmente a proliferar.

Em resumo, o transplante de tecidos vivos em seres humanos temtido êxito limitado, porém importante. Por outro lado, quando conse-guirmos bloquear a resposta imune do receptor ao órgão do doadorsem destruir, ao mesmo tempo, a imunidade específica do receptor paradoenças, a história mudará da noite para o dia.

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CAPÍTULO 36

Hemostasia e Coagulação do Sangue

EVENTOS DA HEMOSTASIA

O termo hemostasia significa prevenção da perda de sangue. Todavez que um vaso sanguíneo sofre lesão ou ruptura, a hemostasia é mantidapor meio de vários mecanismos distintos, que incluem (1) espasmo vascu-lar, (2) formação de tampão plaquetário, (3) coagulação sanguínea, e(4) crescimento eventual de tecido fibroso no coágulo sanguíneo paraobturar o orifício no vaso de forma permanente.

CONSTRIÇÃO VASCULAR

Imediatamente após a ocorrência de corte ou ruptura de um vasosanguíneo, o estímulo do vaso traumatizado determina a contração desua parede; instantaneamente, esse processo reduz o fluxo de sanguepela ruptura do vaso. A contração resulta de reflexos nervosos, do espas-mo miogênico local e de fatores humorais locais provenientes dos tecidostraumatizados e das plaquetas sanguíneas. Presume-se que os reflexosnervosos sejam iniciados por impulsos de dor ou por outros impulsosoriginados no vaso traumatizado ou nos tecidos adjacentes. Todavia,grande parte da vasoconstrição resulta, provavelmente, da contraçãomiogênica local dos vasos sanguíneos desencadeada pela lesão diretada parede vascular. Nos casos dos vasos de menor calibre, as plaquetassão responsáveis por grande parte da vasoconstrição, devido à liberaçãoda substância vasoconstritora tromboxana A2. Quanto maior o trauma-tismo do vaso, maior o grau de espasmo; isso significa que um vasoque tenha sido literalmente seccionado costuma sangrar muito mais doque o vaso que tenha sido rompido por esmagamento. Esse espasmovascular local pode durar muitos minutos ou mesmo várias horas; duranteesse tempo, podem ocorrer os seguintes processos de formação do tampãoplaquetário e coagulação sanguínea.

A importância do espasmo vascular como forma de hemostasia éilustrada pelo fato de que os indivíduos cujas pernas sofreram trauma-tismo por esmagamento apresentam algumas vezes espasmo tão intensoem vasos de grande calibre, como a artéria tibial anterior, que nãohá perda letal de sangue.

FORMAÇÃO DO TAMPÃO PLAQUETÁRIO

Se a ruptura no vaso sanguíneo for muito pequena - e muitosorifícios vasculares muito pequenos se formam a cada dia, é quase sempreocluída por um tampão plaquetário, e não por coágulo de sangue. Parase compreender esse processo, é importante se considerar em primeirolugar a natureza das próprias plaquetas.

Características físicas e químicas das plaquetas

As plaquetas são pequenos discos redondos ou ovais com diâmetrode 2 a 4 µm. São formadas na medula óssea a partir dos megacariócitos,que são células extremamente grandes da série hematopoética da medulaóssea. Os megacariócitos fragmentam-se em plaquetas ainda na medulaóssea ou pouco depois de penetrar no sangue, especialmente quando

tentam passar através dos capilares pulmonares. A concentração normalde plaquetas no sangue circulante situa-se entre 150.000 e 300.000 pormicrolitro.

As plaquetas possuem muitas das características funcionais de célulascompletas, muito embora não tenham núcleo e não possam reproduzir-se.Em seu citoplasma são encontrados diversos fatores ativos, como (1)moléculas de actina e miosina, semelhantes às encontradas nas célulasmusculares, bem como outra proteína contrátil, a trombostenina, quepode ocasionar a contração das plaquetas; (2) resíduos do retículoendoplasmático e do aparelho de Golgi que sintetizam várias enzimas earmazenam grandes quantidades de íons cálcio; (3) mitocôndrias esistemas enzimáticos capazes de formar trifosfato de adenosina (ATP) edifosfato de adenosina (ADP); (4) sistemas enzimáticos que sintetizamprostaglandinas, hormônios locais que causam muitos tipos diferentesde reações vasculares e outras reações teciduais locais; (5) uma proteínaimportante, denominada fator de estabilização da fibrina, quediscutiremos adiante, em relação à coagulação sanguínea; e (6) um fatorde crescimento que pode induzir a multiplicação e o crescimento dascélulas endoteliais vasculares, das células musculares lisas vasculares edos fibroblastos, resultando, assim, em crescimento celular que iráajudar no reparo das paredesvasculares lesadas.

A membrana celular das plaquetas também é importante. Em suasuperfície, existe uma camada de glicoproteínas que impede a aderênciaao endotélio normal, mas que permite sua aderência a áreas lesadasda parede vascular, em particular às células endoteliais lesadas e, sobre-tudo, a qualquer colágeno exposto das camadas mais profundas da paredevascular. Além disso, a membrana possui grandes quantidades de fosfoli-pidios contendo o fator plaquetário 3, que desempenha vários papéisde ativação em múltiplos pontos do processo da coagulação sanguínea,como discutiremos adiante.

Por conseguinte, a plaqueta é uma estrutura muito ativa. Sua meia-vida no sangue circulante é de 8 a 12 dias; ao fim desse prazo, seusprocessos vitais cessam. A seguir, a plaqueta é eliminada da circulaçãoprincipalmente pelo sistema de macrófagos dos tecidos; mais de 50%das plaquetas são removidos pelos macrófagos do baço, onde o sangueflui através de uma rede de trabéculas apertadas.

Mecanismo do tampão plaquetário

O reparo de orifícios vasculares pelas plaquetas baseia-se em diversasfunções importantes da própria plaqueta. Quando entram em contatocom uma superfície vascular lesada, como as fibras de colágeno na paredevascular ou até mesmo as células endoteliais lesadas, as plaquetas imedia-tamente modificam suas características de forma drástica. Começam ainchar; assumem formas irregulares com numerosos prolongamentos quese irradiam de sua superfície; suas proteínas contrateis sofrem contraçãovigorosa e ocasionam a liberação de grânulos contendo múltiplos fatoresativos; tornam-se pegajosas, de modo que aderem às fibras de colágeno;secretam grandes quantidades de ADP; e suas enzimas formam trombo-xana A2, que também é secretada no sangue. Por sua vez, o ADP ea tromboxana atuam sobre plaquetas vizinhas, ativando-as, e a viscosi-dade dessas plaquetas determina sua aderência às plaquetas original-

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mente ativadas. Assim, no local de qualquer ruptura de um vaso, aparede vascular ou os tecidos extravasculares lesados desencadeiam umciclo vicioso de ativação de um número sucessivamente crescente deplaquetas, que atraem número cada vez maior de plaquetas, com a conse-quente formação de um tampão plaquetário. A princípio, este tampãoé bastante frouxo, mas, em geral, é suficiente para impedir a perdade sangue, se a lesão vascular for pequena. A seguir, durante o processosubseqüente da coagulação sanguínea, que será descrito nos parágrafosseguintes, formam-se filamentos de fibrina que se fixam às plaquetas,formando dessa maneira um tampão firme.

Importância do mecanismo plaquetário na oclusão deorifícios vasculares. Se a ruptura do vaso for pequena, o própriotampão plaquetário pode interromper a perda de sangue por completo;entretanto, se for grande, torna-se necessária, além do tampãoplaquetário, a formação de um coágulo sanguíneo para interromper osangramento.

O mecanismo de tamponamento plaquetário é de suma importânciapara fechar pequenas rupturas em vasos sanguíneos muito pequenos,que ocorrem centenas de vezes por dia. Com efeito, múltiplos orifíciospequenos através das próprias células endoteliais são quase sempre fecha-dos por plaquetas que se fundem com essas células endoteliais, formandouma membrana celular endotelial adicional. O indivíduo que apresentapequeno número de plaquetas desenvolve literalmente centenas de pe-quenas áreas hemorrágicas sob a pele c em todos os tecidos internos,o que não ocorre nos indivíduos normais.

COAGULAÇÃO DO SANGUE NO VASO LESADO

O terceiro mecanismo da hemostasia consiste na formação do coágu-lo sanguíneo. O coágulo começa a se formar dentro de 15 a 20 segundos,se o traumatismo da parede vascular for grave, e dentro de 1 a 2 minutos,se o traumatismo for menor. O processo da coagulação é iniciado porsubstâncias ativadoras, tanto da parede vascular traumatizada quantodas plaquetas, e por proteínas sanguíneas que aderem ã parede vascularlesada. Os eventos físicos desse processo estão ilustrados na Fig. 36.1,mas os processos químicos serão discutidos adiante neste capítulo, commaiores detalhes.

Dentro de 3 a 6 minutos após a ruptura do vaso, se o orifício vascularnão for muito grande, todo o orifício ou a extremidade rota do vasosão preenchidos pelo coágulo. Depois de 20 minutos a 1 hora, o coágulose retrai, fechando ainda mais o vaso. As plaquetas desempenham impor-tante papel nessa retração do coágulo, conforme discutido adiante.

ORGANIZAÇÃO FIBROSA OU DISSOLUÇÃO DO COÁGULOSANGUÍNEO

Uma vez formado, o coágulo sanguíneo pode seguir dois destinosdiferentes: pode ser invadido por fibroblastos que, posteriormente, for-mam tecido conjuntivo em toda a extensão do coágulo, ou pode dissol-ver-se. O destino habitual de um coágulo que se forma num pequenoorifício da parede vascular é ser invadido por fibroblastos: essa invasãocomeça dentro de poucas horas após a formação do coágulo (promovida,pelo menos em parte, pelo fator de crescimento secretado pelas plaquetas)e prossegue até a organização completa do coágulo em tecido fibroso,dentro de cerca de 1 a 2 semanas. Por outro lado, quando ocorre formaçãode coágulo sanguíneo maior, como o que ocorre quando o sangue extra-vasa nos tecidos, substâncias especiais do próprio coágulo tornam-seativadas e atuam como enzimas para dissolvê-lo, como será discutidoadiante neste capítulo.

MECANISMO DACOAGULAÇÃO SANGUÍNEA

Teoria básica. Mais de 50 substâncias importantes que afetam acoagulação sanguínea já foram identificadas no sangue e nos tecidos;algumas promovem a coagulação e são denominadas pró-coagulanres,ao passo que outras inibem a coagulação e são conhecidas como anticoa-gulantes. A coagulação ou não do sangue depende do grau de equilíbrioentre esses dois grupos de substâncias. Em condições normais, predo-minam os anticoagulantes, de modo que o sangue não coagula; entre-tanto, quando ocorre ruptura de um vaso, os pró-coagulantes na áreada lesão tornam-se "ativados'" e sobrepujam os anticoagulantes, como conseqüente desenvolvimento de um coágulo.

Mecanismo geral. Iodos os pesquisadores no campo da coagulaçãosanguínea concordam com o fato de que a coagulação ocorre em trêsetapas essenciais: (1) Um complexo de substâncias, denominado ativadorda protrombina, é formado em resposta à ruptura do vaso ou à lesãodo próprio sangue. (2) O ativador da protrombina catalisa a conversãoda protrombina em trombina. (3) A trombina atua como enzima paraconverter o fibrinogênio em filamentos de fibrina, que envolvem as pla-quetas, eritrócitos e plasma, formando o coágulo propriamente dito.

Consideraremos, em primeiro lugar, o mecanismo de formação docoágulo propriamente dito, começando pela conversão da protrombinaem trombina; a seguir, retornaremos às etapas iniciais do processo dacoagulação onde ocorre a formação do ativador da protrombina.

CONVERSÃO DA PROTROMBINA EM TROMBINA

Após ter ocorrido formação do ativador da protrombina em conse-quência da ruptura do vaso ou devido à lesão de substâncias ativadorasespeciais no sangue, o ativador da protrombina determina a conversãoda protrombina em trombina (Fig. 36.2). Por sua vez, essa conversãoprovoca a polimerização das moléculas de fibrinogênio em filamentosde fibrina dentro de 10 a 15 segundos. Assim, o fator que limita avelocidade da coagulação sanguínea consiste, em geral, na formaçãodo ativador de protrombina, e não nas reações subseqüentes depoisdeste ponto, visto que elas normalmente ocorrem com grande rapidezpara formar o coágulo.

Protrombina e trombina. A protrombina é uma proteína plasmática,uma alfa,-globulina, com peso molecular de 68.700. Encontra-se presenteno plasma normal em concentração de cerca de 15 mg/dl. Trata-se de

Fig. 36.1 O processo da coagulação no vaso sanguíneotraumatizado. (Modificado de Seegers; Hemostatie Agents.Springfield, III. , Charles C Thomas.)

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uma proteína instável, que pode ser facilmente desdobrada em compostosmenores, um dos quais é a trombina, com peso molecular de 33.700,ou seja, quase a metade do peso molecular da protrombina,

A protrombina é continuamente formada pelo fígado, sendo utili-zada também, de modo contínuo, em todo o organismo para o processoda coagulação sanguínea. Se o fígado for incapaz de produzir protrom-bina, sua concentração plasmática cai até valores demasiado baixos parapromover a coagulação sanguínea normal dentro de 24 horas. O fígadonecessita de vitamina K. para a formação normal da protrombina, alémde outros três fatores da coagulação que discutiremos adiante. Por conse-guinte, tanto a falta de vitamina K quanto a presença de hepatopatiacapaz de impedir a formação normal de protrombina podem muitasvezes diminuir a protrombina a níveis tão baixos a ponto de resultarem tendência hemorrágica.

CONVERSÃO DO FIBRINOGÊNIO EM FIBRINA -FORMAÇÃO DO COÁGULO

Fibrinogênio. O fibrinogênio é uma proteína com alto peso molecular(340.000) que ocorre no plasma em quantidades de 100 a 700 mg/dl.O fibrinogênio é formado no fígado, de modo que, em certas ocasiões,a presença de hepatopatia diminui a concentração do fibrinogênio circu-lante, bem como a concentração de protrombina, como foi assinaladoantes.

Devido a seu grande tamanho molecular, o extravasamento de fibri-nogênio nos líquidos intersticiais é normalmente muito pequeno; e, porser ele um dos fatores essenciais no processo da coagulação, os líquidosintersticiais habitualmente coagulam pouco ou não chegam a coagular.Todavia, quando a permeabilidade dos capilares aumenta patologica-mente, o fibrinogênio extravasa para os líquidos teciduais em quantidadessuficientes para permitir a ocorrência de coagulação semelhante à queocorre no plasma e no sangue total.

Ação da trombina sobre o fibrinogênio para formar fibrina. Atrombina é uma enzima com capacidade proteolítica. Atua sobre ofibrinogênio para remover quatro peptídios de baixo peso molecular decada molécula de fibrinogênio, com a conseqüente formação demolécula de monômero de fibrina que tem capacidade automática desofrer polimerização com outras moléculas de monômeros de fibrina. Porconseguinte, muitas moléculas de monômeros de fibrina polimerizam-seem segundos, constituindo longos filamentos de fibrina que formam oretículo do coágulo.

Nas etapas iniciais dessa polimerização, as moléculas de monômerode fibrina são mantidas unidas por ligações não-covalentes fraca de hidro-gênio, e os filamentos não apresentam ligações cruzadas. Por conse-guinte, o coágulo resultante é fraco e pode ser rompido com facilidade.Todavia, no decorrer de poucos minutos, ocorre outro processo quefortalece acentuadamente o retículo de fibrina. Esse processo envolvea substância denominada fator de estabilização da fibrina que normal-mente está presente em pequenas quantidades nas globulinas plasmáticas,mas que também é liberada pelas plaquetas aprisionadas no coágulo.Para que o fator estabilizador da fibrina possa exercer qualquer efeitosobre os filamentos de fibrina, ele deve ser ativado. Felizmente, a mesmatrombina que determina a formação de fibrina também ativa o fatorde estabilização da fibrina. A seguir, essa substância ativada atua comoenzima para formar ligações covalentes entre as moléculas de monômerosde fibrina, bem como múltiplas ligações cruzadas entre os filamentosadjacentes de fibrina, aumentando enormemente a resistência tridimen-sional da rede de fibrina.

Coágulo sanguíneo. O coágulo é composto de uma rede de filamentosde fibrina que se estendem em todas as direções, aprisionando célulassanguíneas, plaquetas e plasma. Os filamentos de fibrina aderem àssuperfícies lesadas dos vasos sanguíneos; por conseguinte, o coágulotorna-se aderente a qualquer orifício vascular, impedindo a perda desangue.

Retração do coágulo - soro. Dentro de poucos minutos após aformação do coágulo, ele começa a sofrer retração e, em geral, expelea maior parte do líquido retido em seu interior em 20 a 60 minutos.O líquido expelido é denominado soro, devido à remoção de todo oseu fibrinogênio e da maioria dos outros fatores da coagulação. Dessamaneira, o soro difere do plasma. Obviamente, o soro não pode coagulardevido à ausência desses fatores.

As plaquetas são necessárias para que ocorra retração do coágulo.

Por conseguinte, a incapacidade de haver retração do coágulo indicaque o número de plaquetas no sangue circulante está baixo. Micrografiaseletrônicas de plaquetas em coágulos sanguíneos mostram que elas ade-rem aos filamentos de fibrina de tal maneira que, na realidade, ligamdiferentes filamentos entre si. Além disso, as plaquetas aprisionadasno coágulo continuam a liberar substâncias pró-coagulantes, uma dasquais é o fator de estabilização da fibrina, que' produz cada vez maisligações cruzadas entre os filamentos de fibrina adjacentes. Além disso,as próprias plaquetas contribuem diretamente para a contração do coágu-lo, ao ativarem as moléculas de trombostenina, de actina e de miosinadas plaquetas, que são proteínas contrateis que produzem forte contraçãodas espículas plaquetárias presas à fibrina. Obviamente, isso tambémajuda a comprimir a rede de fibrina numa massa menor. A contraçãoé provavelmente ativada pela trombina, bem como por íons cálcio libera-dos dos depósitos de cálcio nas mitocôndrias, no retículo endoplasmáticoe no aparelho de Golgi das plaquetas.

À medida que o coágulo se retrai, as bordas do vaso sanguíneorompido são aproximadas, contribuindo possível ou provavelmente parao estado final de hemostasia.

O CICLO VICIOSO DA FORMAÇÃO DO COÁGULO

Uma vez iniciado o desenvolvimento do coágulo sanguíneo, elenormalmente se estende em poucos minutos para o sangue circulante.Isto é, o próprio coágulo inicia um ciclo vicioso para promover maiscoagulação. Uma das causas mais importantes disso é o fato de a açãoproteolítica da trombina permitir sua ação sobre muitos outros fatoresda coagulação sanguínea, além do fibrinogênio. Por exemplo, a trombinapossui efeito proteolitico direto sobre a própria protrombina e tendea clivá-la em mais trombina; além disso, atua sobre alguns dos fatoresda coagulação responsáveis pela formação do ativador da protrombina.Esses efeitos, que serão discutidos em parágrafos subseqüentes, incluem:(1) aceleração das ações dos Fatores VIII, IX, X, XI e XII; e (2) agregaçãodas plaquetas. ] Uma vez formada uma quantidade crítica de trombina,desenvolve-se um ciclo vicioso que provoca cada vez mais coagulaçãosanguínea e maior formação de trombina. Assim, o coágulo sanguíneocontinua a crescer até que algo faça cessar esse crescimento.

INÍCIO DA COAGULAÇÃO: FORMAÇÃO DOCOMPLEXO ATIVADOR DA PROTROMBINA

Agora que já discutimos o processo da coagulação iniciado pelaconversão da protrombina em trombina, devemos considerar os meca-nismos mais complexos que ativam a protrombina, induzindo sua conver-são em trombina. Esses mecanismos podem ser desencadeados por trau-matismo da parede vascular e dos tecidos adjacentes, traumatismo dosangue ou contato do sangue com células endoteliais lesadas ou comcolágeno e outros elementos teciduais fora do endotélio vascular. Emcada caso, levam à formação do complexo ativador de protrombina,que causa, então, a conversão da protrombina em trombina.

O ativador da protrombina pode ser formado de duas maneirasbásicas, embora, na realidade, ambas interajam constantemente entresi: (1) pela via extrínseca, que começa com o traumatismo da paredevascular e dos tecidos adjacentes, e (2) pela via intrínseca, que começano próprio sangue.

Tanto na via extrínseca quanto na via intrínseca, uma série de dife-rentes proteínas plasmáticas, especialmente beta-globulinas, desempe-nha funções importantes. Essas proteínas, juntamente com os outrosfatores já mencionados que participam do processo da coagulação, sãodenominadas fatores da coagulação sanguínea; em sua maior parte, trata-se de formas inativas de enzimas proteolíticas. Quando convertidas nasformas ativas, suas ações enzimáticas determinam as reações sucessivasem cascata do processo da coagulação.

A maior parte dos fatores da coagulação arrolados no Quadro 36.1é designada por algarismos romanos.

Mecanismo extrínseco para iniciar a coagulação

O mecanismo extrínseco para iniciar a formação do ativador deprotrombina começa com a lesão da parede vascular ou de tecidos extra-vasculares e ocorre de acordo com as três etapas básicas seguintes, confor-me ilustrado na Fig. 36.3.

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Fig. 36.3 A via extrínseca para iniciara coagulação sanguínea.

1. Liberação da tromboplastina tecidual. O tecido traumatizado libera um complexo de vários fatores, denominado tromboplastina tecidual.Esse complexo inclui, em particular, fosfolipídios das membranas dostecidos, bem como um complexo de lipoproteínas contendo glicoproteínaimportante que atua como enzima proteolítica.

2. Ativação do Fator X para formar o Fator X ativado — papei

Quadro 36.1 Fatores da coagulação no sangue e seussinônimos

Fatores da coagulação Sinônimos

Fibrinogênio Fator IProtrombina Fator IITromboplastina tecidual Fator III; fator tecidualCálcio Fator IVFator V Proacelerina; fator lábil; globulina Ac

(Ac-G)Fator VII Acelerador sérico da conversão de

protrombina (SPCA); proconvertina; fatorestável

Fator VIII Fator anti-hemofílico (FAH); globulinaanti -hemofílica (GAH); fator anti-hemofílico A

Fator IX Componente plasmático da tromboplastina(PTC); Fator Christmas; fatoranti-hemofílico B

Fator X Fator Stuart, fator Stuart-ProwerFator XI Antecedente da tromboplastina plasmática

(PTA); fator anti-hemofílico CFator XII Fator HagemanFator XIII Fator estabilizador da fibrinaPré-calic reina Fator FletcherCininogênio de alto peso Fator Fitzgerald; HMWKmolecularPlaquetas

do Fator VII e da iromboplastina tecidual. O complexo de lipoproteínasda tromboplastina tecidual combina-se com o Fator VII da coagulaçãosanguínea, e esse complexo, na presença de fosfolipídios teciduais ede íons cálcio, atua enzimaticamente sobre o Fator X, transformando-oem Fator X ativado.

3. Efeito do Fator X ativado na formação do ativador de protrombina— papel do Fator V. O Fato X ativado complexa-se imediatamentecom os fosfolipídios teciduais liberados como parte da tromboplastinatecidual ou pelas plaquetas e também com o Fator V, formando o com-plexo denominado ativador de protrombina. Em poucos segundos, essecomplexo cliva a protrombina para formar trombina, e o processo dacoagulação prossegue conforme descrito anteriormente. A princípio, oFator V no complexo ativador de protrombina é inativo; entretanto,com o início da coagulação e a formação de trombina, a ação proteolíticadesta ativa o Fator V. Este, por sua vez, transforma-se em outro acele-rador potente da ativação da protrombina. Por conseguinte, no complexofinal do ativador da protrombina, o Fator X ativado é a verdadeiraprotease que promove a clivagem da protrombina em trombina; o FatorV ativado acelera acentuadamente essa atividade de protease, enquantoos fosfolipídios atuam como veículo que acelera ainda o processo. Epreciso observar, em particular, o efeito de feedback positivo da trom-bina, atuando por meio do Fator V, para acelerar todo o processo umavez iniciado.

Mecanismo intrínseco para iniciar a coagulação

O segundo mecanismo para iniciar a formação do ativador da pro-trombina e, portanto, para desencadear a coagulação começa com otraumatismo do próprio sangue ou pela exposição do sangue ao colágenode parede vascular traumatizada e, a seguir, prossegue pela seguintesérie de reações em cascata, conforme ilustrado no Fig. 36.4:

1. Ativação do Fator XII e liberação de fosfolipídios plaquetários. Otraumatismo do sangue ou a exposição do sangue ao colágeno daparede vascular alteram dois importantes fatores da coagulação: o FatorXII e as plaquetas. Quando o Fator XII é alterado, como ocorre quando

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entra em contato com o colágeno ou com alguma superfície que podeser molhada, como o vidro, assume nova configuração que o converteem enzima proteolítica. denominada "Fator X ativado". Simultanea-mente, o traumatismo do sangue também lesa as plaquetas, devido àsua aderência ao colágeno ou à superfície que pode ser molhada (oudevido a outros tipos de lesão), determinando a liberação de fosfolipídiosplaquetários que contêm a lipoproteína denominada fator plaquetário3. Esse fator também desempenha algum papel nas reações subseqüentesda coagulação.

2. Ativação do Fator XI. O Fator XII ativado atua enzimaticamentesobre o Fator XI para ativá-lo também, constituindo a segunda etapado mecanismo intrínseco. Essa reação também requer cininogênio dealto peso molecular, sendo acelerada pela pré-calicreína.

3. Ativação do Fator IX pelo fator XI ativado. O Fator XI ativadoatua, então, enzimaticamente sobre o Fator IX, ativando-o também.

4. Ativação do Fator X—função do Fator VIII. O Fator IX ativado,atuando em combinação com o Fator VIU e com os fosfolipídios plaque-tários e o fator 3 provenientes das plaquetas traumatizadas, ativa o FatorX. É evidente que, quando a quantidade de Fator VIII ou de plaquetasé insuficiente, essa etapa também fica deficiente. O Fator VIII é o fatorque falta em indivíduos portadores da hemofilia clássica; por esta razão,também é conhecido como fator anti-hemofílico. As plaquetas são ofator de coagulação que falta na doença hemorrágica conhecida comotrombocitopenia.

5. Ação do Fator X ativado na formação do ativador da protrombina— função do Fator V. Esta etapa do mecanismo intrínseco é idênticaà última etapa da via extrínseca. Isto é, o Fator X ativado combina-secom o Fator V e com fosfolipídios plaquetários ou teciduais, formandoo complexo denominado ativador do protrombina. Por sua vez, o ativadorda protrombina inicia em poucos segundos a clivagem da protrombinapara formar trombina, acionando, dessa maneira, o processo final dacoagulação, conforme descrito antes.

Papel dos tons cálcio nas vias intrínseca e extrínseca

À exceção das duas primeiras etapas da via intrínseca, os íons cálciosão necessários para promover todas as demais reações. Por conseguinte,não ocorre coagulação sanguínea na ausência de íons cálcio.

Felizmente, a concentração de íons cálcio no organismo raramente

cai o suficiente para afetar de modo significativo a cinética da coagulaçãosanguínea. Por outro lado, quando se retira sangue de um indivíduo,pode-se impedir a ocorrência de coagulação ao se reduzir a concentraçãode íons cálcio até abaixo do limiar para a coagulação pela desionizaçãodo cálcio, fazendo-o reagir com substâncias como o íon citrato, ou atravésde sua precipitação com substâncias como o íon oxalato.

Interação entre as vias extrínseca e intrínseca - resumo dodesencadeamento da coagulação sanguínea

Com base nos esquemas descritos acima sobre os sistemas intrínsecoe extrínseco, é evidente que, após ruptura de vasos sanguíneos, a coagu-lação é iniciada por ambas as vias ao mesmo tempo. A tromboplastinatecidual inicia a via extrínseca, enquanto o contato do Fator XII e dasplaquetas com o colágeno da parede vascular desencadeia a via intrínseca.

Outra interação importante também ocorre entre os sistemas, causa-da pelos efeitos proteolíticos da trombina, ativando enzimas da via intrín-seca. Por exemplo, observe que, na Fig. 36.4, a trombina ativa o FatorVII e também atua diretamente sobre as plaquetas, causando sua agrega-ção e determinando a liberação de seus grânulos, que contêm váriosoutros fatores pró-coagulantes. Por conseguinte, o desencadeamento davia extrínseca da coagulação ativa secundariamente a via intrínseca.

Quando o sangue é removido do organismo e mantido em tubode ensaio, somente a via intrínseca pode desencadear a coagulação.Em geral, isso resulta do contato do Fator XII e das plaquetas coma parede do tubo, que os ativa, desencadeando o mecanismo intrínseco.Se a superfície do tubo for do tipo que não pode ser molhada, comouma superfície siliconizada, a coagulação sanguínea é retardada por 1hora ou mais.

Algumas vezes, a coagulação intravascular resulta de outros fatoresque ativam a via intrínseca. Por exemplo, as reações antígeno - anti corpodesencadeiam, algumas vezes, o processo da coagulação, sendo o mesmoprocesso observado com alguns medicamentos ou restos celulares quepenetram na circulação.

Uma diferença particularmente importante entre as vias extrínsecae intrínseca é que a via extrínseca pode ser de natureza explosiva; umavez iniciada, sua velocidade só é limitada pela quantidade de trompo-plastina tecidual liberada dos tecidos traumatizados e pelas quantidadesdos Fatores X, VII e V no sangue. Na presença de traumatismo tecidual

Fig. 36.4 A via intrínseca para iniciara coagulação sanguínea.

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grave, a coagulação pode ocorrer em apenas 15 segundos. Por outrolado, a via intrínseca é muito mais lenta, exigindo em geral 1 a 6 minutospara produzir coagulação.

PREVENÇÃO DA COAGULAÇÃO SANGUÍNEA NOSISTEMA VASCULAR NORMAL - ANTICOAGULANTESINTRAVASCULARES

Fatores da superfície endotelial. Provavelmente os fatores mais im-portantes para impedir a ocorrência de coagulação no sistema vascularnormal sejam (1) a natureza lisa do endotélio, que impede a ativaçãopor contato do sistema intrínseco da coagulação; (2) a camada de glicocá-lice, um mucopolissacarídio adsorvido à superfície interna do endotélio,que repele os fatores da coagulação e as plaquetas, impedindo, assim,a ativação da coagulação; e (3) uma proteína ligada à membrana endote-lial, a trombomodulina, que se liga à trombina. A ligação da trombomo-dulina à trombina não só retarda o processo da coagulação ao removera trombina, como também o complexo trombomodulina-trombina ativauma proteína plasmática, a proteína C, que atua como anticoagulanteao inativar os Fatores V e VIII ativados.

Quando a parede endotelial é lesada, são perdidas tanto a sua natu-reza lisa quanto a camada de glicocálice-trombomodulina, o que ativatanto o Fator XII quanto as plaquetas, desencadeando a via intrínsecada coagulação. Se o Fator XII e as plaquetas entrarem em contato como colágeno subendotelial, a ativação será ainda mais potente.

A ação antitrombínica da fibrina e da antitrombina III. Dentre osmais importantes anticoagulantes existentes no próprio sangue, desta-cam-se os que removem a trombina do sangue. Os dois mais potentessão os filamentos defibrina, formados durante o processo da coagulação,e uma alfa-globulina, denominada antitrombina III ou co-fator antitrom-bina-heparina.

Enquanto o coágulo está sendo formado, cerca de 85 a 90% datrombina formada a partir da protrombina ficam adsorvidos aos filamen-tos de fibrina à medida que eles se desenvolvem. Obviamente, esseprocesso ajuda a impedir a disseminação da trombina no sangue restante,prevenindo dessa maneira, a propagação excessiva do coágulo.

A trombina que não é adsorvida aos filamentos de fibrina combina-selogo com a antitrombina III, o que bloqueia seu efeito sobre o fibrino-gênio e, a seguir, inativa a trombina ligada durante os 12 a 20 minutosseguintes.

Heparina. A heparina é outro potente anticoagulante. Contudo,sua concentração no sangue é normalmente muito baixa; por conseguinte,somente em algumas condições fisiológicas é que ela possui efeitos anti-coagulantes significativos. Por outro lado, é muito utilizada na práticamédica para impedir a coagulação intravascular.

A molécula de heparina é um polissacarídio conjugado com cargaaltamente negativa. A heparina em si tem pouca ou nenhuma propriedadeanticoagulante; todavia, combina-se com a antitrombina III e aumentaem até 100 a 1.000 vezes a eficácia da antitrombina III no processode remoção da trombina, atuando, portanto, como anticoagulante. As-sim, na presença de excesso de heparina, a remoção da trombina dosangue circulante é quase instantânea.

O complexo de heparina e antitrombina III também remove, alémda trombina, vários outros fatores ativados da coagulação, aumentandoainda mais a eficácia da anticoagulação. Esses outros fatores removidosincluem os Fatores XII, XI, IX e X.

A heparina é produzida por muitos tipos de células do organismo;entretanto, quantidades particularmente grandes são formadas pelosmastócitos basófilos localizados no tecido conjuntivo pericapilar de todoo corpo. Essas células secretam continuamente pequenas quantidadesde heparina que se difundem pelo sistema circulatório. As células basó-filas do sangue, que são quase idênticas aos mastócitos em termos funcio-nais, também liberam pequenas quantidades de heparina no plasma.

Os mastócitos são extremamente abundantes nos tecidos que circun-dam os capilares dos pulmões e, em menor grau os capilares do fígado. Éfácil compreender por que grandes quantidades de heparina poderiamvir a ser necessárias nessas áreas, visto que os capilares pulmonarese hepáticos recebem muitos coágulos embólicos formados no sanguevenoso de fluxo lento; a formação de heparina em quantidades suficientespoderia impedir o crescimento adicional dos coágulos.

Alfa-macroglobulina. A alfa 2 -macroglobulina é uma molécula muitogrande de globulina, com peso molecular de 360.000. Assemelha-se ao

complexo de antitrombina-heparina por combinar-se aos fatores proteo-líticos da coagulação. Todavia, sua atividade não é acelerada pela hepa-rina. Sua função consiste em atuar principalmente como agente de fixaçãopara vários dos fatores da coagulação, impedindo suas ações proteolíticasaté que possam ser destruídos de várias maneiras, mas não pela própriaalfa2-macroglobulina. Dessa forma, desempenha provavelmente papelimportante, mesmo em condições normais, na prevenção da coagulaçãosanguínea.

LISE DOS COÁGULOS SANGUÍNEOS - PLASMINA

As proteínas plasmáticas contêm uma euglobulina denominadaplasminogênio ou profibrinolisina, que, quando ativada, transforma-senuma substância conhecida como plasmina ou fibrinolisina. A plasmina éuma enzima proteolítica que se assemelha ã tripsina, a enzima digestivamais importante da secreção pancreática. Ela digere os filamentos defibrina, bem como nutras substâncias no sangue circulante, como ofibrinogênio, o Fator V, o Fator VIII, a protrombina e o Fator XII. Porconseguinte, sempre que ocorre formação de plasmina no coágulo, elapode causar sua lise e também destruir muitos dos fatores da coagulação,provocando, assim, a hipocoagulabilidade do sangue.

Formação de plasmina e lise dos coágulos. Quando se forma umcoágulo, grande quantidade de plasminogênio é aprisionada em seu inte-rior, juntamente com outras proteínas plasmáticas. Todavia, esse plasmi-nogênio não é transformado em plasmina, nem irá causar a lise do coáguloaté que seja ativado. Felizmente, os tecidos e o endotélio vascular lesadosliberam um potente ativador, denominado ativador do plasminogêniotecidual, que, dentro de 1 dia ou mais após a interrupção do sangramentopelo coágulo, converte, finalmente, o plasminogênio em plasmina, remo-vendo o coágulo. Com efeito, esse mecanismo reabre muitos pequenosvasos sanguíneos cujo fluxo sanguíneo fora interrompido por coágulos.

Um inibidor da plasmina, alfa-antiplasmina. A plasmina não sódestrói os filamentos de fibrina, como também atua como enzima proteo-lítica para digerir o fibrinogênio, além de vários outros fatores da coagu-lação. Pequenas quantidades de plasmina são continuamente formadasno sangue, o que poderia interferir seriamente na ativação do sistemada coagulação, não fosse o fato de o sangue também conter outro fator,a alfa2-antiplasmina, que se liga à plasmina e a inibe. Por conseguinte,a velocidade de formação da plasmina deve aumentar acima de determi-nado valor crítico para que possa ser eficaz.

Significado do sistema da plasmina. A lise dos coágulos sanguíneospermite a lenta depuração (no decorrer de um período de vários dias)do sangue coagulado nos tecidos e, em alguns casos, permite a reaberturade vasos coagulados. Uma função especialmente importante do sistemada plasmina consiste em remover coágulos muito pequenos dos milhõesde diminutos vasos periféricos que eventualmente ficaram ocluídos senão houvesse um mecanismo para desobstruí-los.

CONDIÇÕES QUE CAUSAM SANGRAMENTOEXCESSIVO NO SER HUMANO

O sangramento excessivo pode resultar da deficiência de qualquerum dos diversos fatores da coagulação sanguínea. Três tipos particularesde tendência hemorrágica foram estudados em maior detalhe e serãodiscutidos aqui: (1) o sangramento causado pela deficiência de vitaminaK, (2) a hemofilia, e (3) a trombocitopenia (deficiência de plaquetas).

DIMINUIÇÃO DA PROTROMBINA, DO FATOR VII, DOFATOR IX E DO FATOR X CAUSADA POR DEFICIÊNCIADE VITAMINA K

Com poucas exceções, quase todas os fatores da coagulação sanguí-nea são formados pelo fígado. Por conseguinte, as doenças hepáticas,como a hepatite, a cirrose e a atrofia amarela aguda, podem deprimiracentuadamente o sistema da coagulação a ponto de o paciente apresentargrave tendência hemorrágica.

Outra causa de formação deprimida dos fatores da coagulação pelofígado é a deficiência de vitamina K. A vitamina K é necessária parapromover a formação de quatro dos mais importantes fatores da coagu-lação: a protrombina, o Fator VII, o Fator IX e o Fator X. Na ausência devitamina K, a insuficiência desses fatores da coagulação também poderesultar em grave tendência hemorrágica.

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Felizmente, a vitamina K é continuamente sintetizada nointestino por bactérias, de modo que sua deficiência raramenteocorre, se é que ocorre; devido à sua ausência da dieta, excetono recém-nascido, antes que se estabeleça a flora bacterianaintestinal. Todavia, a deficiência de vitamina K ocorre quasesempre como resultado da absorção deficiente de gorduras pelotubo gastrintestinal, visto ser a vitamina K lipossolúvel e normal-mente absorvida no sangue juntamente com as gorduras.

Uma das causas mais prevalentes de deficiência de vitaminaK é a incapacidade do fígado de secretar bile no tubo gastrin-testinal (em conseqüência da obstrução dos dutos biliares ouda presença de hepatopatia), visto que a ausência de bile impedea digestão e a absorção adequada de lipídios, diminuindo, assim,a absorção da vitamina K. Por conseguinte, a hepatopatia deter-mina quase sempre produção diminuída de protrombina e dosoutros fatores, devido a absorção insuficiente de vitamina K edisfunção das células hepáticas. Por esse motivo, administra-sevitamina K a todos os pacientes com doença hepática ou comobstrução dos dutos biliares, antes de se proceder a qualquerintervenção cirúrgica. Normalmente, se a vitamina K for adminis-trada a um paciente deficiente 4 a 8 horas antes da cirurgia,e as células hepáticas parenquimatosas tiverem pelo menos meta-de de sua função normal, serão produzidas quantidades suficien-tes de fatores da coagulação para impedir o sangramento exces-sivo durante a operação.

HEMOFILIA

A hemofilia é uma tendência hemorrágica que afeta quase exclusiva-mente o sexo masculino. Em 85% dos casos, é causada pela deficiênciade Fator VIU. Esse tipo de hemofilia é denominado hemofilia A ouhemofilia clássica. Nos Estados Unidos, cerca de 1 em cada 10.000 indiví-duos do sexo masculino apresenta hemofilia clássica. Nos outros 15%dos pacientes, a tendência hemorrágica é causada pela deficiência doFator IX. Ambos os fatores são transmitidas geneticamente pelo cromos-soma feminino como caráter recessivo. Por conseguinte, a mulher quasenunca apresenta hemofilia, visto que pelo menos um de seus dois cromos-somas X terá o gene apropriado. Todavia, se um de seus cromossomasX for deficiente, será portadora de hemofilia, transmitindo a doençaà metade de seus filhos do sexo masculino e transmitindo o estado deportador à metade de suas filhas.

O caráter hemorrágico na hemofilia pode apresentar vários grausde intensidade, dependendo da gravidade da deficiência genética. Emgeral, não ocorrerá sangramento, exceto após traumatismo; entretanto,a intensidade do traumatismo necessário para produzir hemorragia gravee prolongada pode ser leve a ponto de ser dificilmente percebido. Comfreqüência, o sangramento pode, literalmente, durar várias semanas apósa extração de um dente.

O Fator VIII é formado por dois componentes distintos: um compo-nente muito grande, com peso molecular de milhões, e outro menor,com peso molecular de cerca de 230.000. Esse componente menor émais importante na via intrínseca da coagulação, e é a deficiência dessecomponente do Fator VIU que é responsável pela hemofilia clássica.Outra doença hemorrágica com características pouco diferentes, denomi-nada doença de Willebrand, resulta da perda do componente maior.

Quando o indivíduo com hemofilia clássica apresenta sangramentointenso e prolongado, a única terapia verdadeiramente eficaz consistena injeção de Fator VIII purificado. Infelizmente, o Fator VIII é decusto muito elevado, e sua disponibilidade é limitada, visto que só podeser obtido do sangue humano e apenas em quantidades extremamentepequenas. Felizmente, o Fator VIII obtido por engenharia genética estaráem breve disponível para uso em seres humanos.

TROMBOCITOPENIA

A trombocitopenia refere-se à presença de número muito baixode plaquetas no sistema circulatório. Os indivíduos com trombocitopeniaapresentam tendência hemorrágica semelhante à dos hemofílicos, excetoque o sangramento costuma ocorrer a partir de muitos capilares ouvênulas pequenas, e não de vasos maiores, como na hemofilia. Como

conseqüência, observam-se pequenas hemorragias puntiformes em todosos tecidos do corpo. A pele desses indivíduos exibe numerosas manchaspequenas e purpúreas, explicando a denominação púrpura trombocito-pênica. É preciso lembrar que as plaquetas são especialmente importantesno reparo de pequenas rupturas em capilares e outros vasos de pequenocalibre.

Normalmente, não ocorre sangramento até que o número de plaque-tas no sangue sofra queda do valor normal de 150.000 a 300.000 atéum valor de aproximadamente 50.000 por microlitro. Com freqüência,a presença de níveis de apenas 10.000 por microlitro é letal.

Mesmo sem efetuar contagens plaquetárias específicas no sangue,pode-se, algumas vezes, suspeitar da presença de trombocitopenia pelasimples observação da ocorrência ou não de retração do coágulo, vistoque, conforme assinalado antes, a retração do coágulo depende normal-mente da presença de grandes quantidades de plaquetas retidas na redede fibrina do coágulo.

A maioria dos indivíduos com trombocitopenia apresenta a doençaconhecida como trombocitopenia idiopática, o que significa, simples-mente, “trombocitopenia de causa desconhecida”. Todavia, nos últimosanos, descobriu-se que a maioria desses indivíduos possui anticorposespecíficos que destroem as plaquetas. Em certas ocasiões, esses anti-corpos desenvolvem-se como conseqüência de transfusões de sanguede outras pessoas, mas, em geral, resultam do desenvolvimento de auto-i-munidade contra as próprias plaquetas do indivíduo, cuja causa é, entre-tanto, desconhecida.

A interrupção do sangramento por 1 a 4 dias no paciente trombocito-pénico pode ser quase sempre obtida com transfusão de sangue totalfresco. Além disso, a esplenectomia costuma ser muito útil, produzindo,algumas vezes, cura quase completa, visto que o baço remove do sanguegrande número de plaquetas, principalmente as lesadas.

CONDIÇÕES TROMBOEMBÓLICAS NO SER HUMANO

Trombos e êmbolos. O trombo é um coágulo anormal que se desen-volve num vaso sanguíneo. Uma vez formado o coágulo, é provávelque o fluxo contínuo de sangue que passa por ele acabe por deslocá-loe esses coágulos que fluem livremente são conhecidos como êmbolos. Emgeral, os êmbolos não param de fluir até atingir um ponto estreitadodo sistema circulatório. Por conseguinte, os êmbolos que se originamem artérias de grande calibre ou no lado esquerdo do coração eventual-mente bloqueiam artérias sistêmicas de menor calibre ou arteríolas nocérebro, nos rins ou em outros locais. Por outro lado, os êmbolos quetêm origem no sistema venoso e no lado direito do coração fluem nosvasos pulmonares, causando embolia arterial pulmonar.

Causas das condições tromboembólicas. No ser humano, as causasdas condições tromboembólicas são geralmente duplas: em primeiro lu-gar, qualquer superfície endotelial áspera de um vaso — como a quepode ser causada por arteriosclerose, infecção ou traumatismo—é capazde iniciar o processo da coagulação. Em segundo lugar, o sangue quasesempre coagula quando flui muito lentamente pelos vasos sanguíneos,devido à formação contínua de pequenas quantidades de trombina eoutros pró-coagulantes. Em geral, essas substâncias são removidas dosangue pelo sistema de macrófagos, principalmente pelas células de Kupf-fer do fígado. Se o sangue estiver fluindo de modo muito lento, asconcentrações dos pró-coagulantes em determinados locais elevam-sequase sempre o suficiente para iniciar a coagulação; entretanto, quandoo sangue fluir rapidamente, esses pró-coagulantes são logo misturadoscom grandes quantidades de sangue e removidos durante sua passagempelo fígado.

Uso do ativador do plasminogênio tecidual no tratamento dos coágulosintravasculares. Na atualidade, dispõe-se do ativador do plasminogêniotecidual obtido por engenharia genética. Mostra-se muito eficaz na disso-lução de coágulos intravasculares quando administrado diretamente naárea de trombose por meio de cateter. Por exemplo, se for utilizadodentro das primeiras horas após oclusão trombótica de artéria coronária,evita-se quase sempre grave lesão do coração.

TROMBOSE FEMORAL E EMBOLIA PULMONARMACIÇA

Devido à ocorrência quase invariável de coagulação quando o fluxosanguíneo é bloqueado durante muitas horas em qualquer vaso do corpo,a imobilidade dos pacientes acamados, juntamente com a prática de

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elevar seus joelhos com travesseiros, provoca quase sempre coagulaçãointravascular, como conseqüência da estase do sangue em uma ou maisdas veias da perna durante horas. A seguir, o coágulo cresce, principal-mente na direção do fluxo sanguíneo lento, estendendo-se algumas vezespor todo o comprimento das veias da perna e, em certas ocasiões, chegan-do à veia ilíaca comum e à veia cava inferior. A seguir, cerca de 1vez em cada 10, parte considerável do coágulo se desprende de seusítio de fixação na parede vascular e flui livremente com o sangue venosopara o lado direito do coração e, daí, para as artérias pulmonares, provo-cando a embolia pulmonar maciça. Se o coágulo for grande o suficientepara ocluir ambas as artérias pulmonares, acorre morte imediata. Seapenas uma artéria pulmonar ou um ramo menor forem bloqueados,pode não ocorrer morte, ou a embolia pode levar à morte em poucashoras a vários dias, devido ao crescimento posterior do coágulo no interiordos vasos pulmonares. Também nesse caso, a terapia com ativador doplasminogênio tecidual pode salvar a vida do indivíduo.

COAGULAÇÃO INTRAVASCULAR DISSEMINADA

Em certas ocasiões, o mecanismo da coagulação fica ativado emáreas disseminadas da circulação, dando origem à condição conhecidacomo coagulação intravascular disseminada. Com freqüência, resulta dapresença de grandes quantidades de tecido traumatizado ou necrótico,que liberam tromboplastina tecidual no sangue. Amiúde, os coágulossão pequenos, porém numerosos e causam obstrução em grande propor-ção dos vasos sanguíneos periféricos de pequeno calibre. Isso ocorreespecialmente no choque septicêmico, onde as bactérias circulantes ousuas toxinas — especialmente endotoxinas — ativam os mecanismos dacoagulação. A oclusão dos pequenos vasos periféricos diminui acentua-damente a liberação de oxigênio e de outros nutrientes para os tecidos— situação que exacerba o quadro de choque. É em parte por essarazão que o choque septicêmico é letal em 85% ou mais dos pacientes.

Um efeito peculiar da coagulação intravascular disseminada é queo paciente quase sempre começa a sangrar. A razão disso é que a coagu-lação disseminada remove tantos fatores da coagulação que restam pou-quíssimos pró-coagulantes para permitir a hemostasia normal do sanguerestante.

ANTICOAGULANTES PARA USO CLÍNICO

Em algumas condições tromboembólicas, é desejável retardar o pro-cesso da coagulação. Por conseguinte, foram desenvolvidos vários anti-coagulantes para o tratamento dessas condições. Os de maior utilidadeem clínica são a heparina e os cumarínícos.

HEPARINA COMO ANTICOAGULANTE INTRAVENOSO

A heparina comercial é extraída de tecidos animais de vários órgãose preparada em forma quase pura. A injeção de quantidades relativa-mente pequenas, da ordem de cerca de 0,5 a 1 mg por quilogramade peso corporal, faz com que o tempo de coagulação do sangue aumentede seu valor normal de cerca de 6 minutos para 30 minutos ou mais.Além disso, essa mudança do tempo de coagulação é instantânea, impe-dindo, assim, qualquer progressão da condição tromboembólica.

A ação da heparina tem duração aproximada de 3 a 4 horas. Aheparina injetada é destruída por uma enzima no sangue, conhecidacomo heparinase.

No tratamento de um paciente com heparina, administra-se, porvezes, quantidade excessiva de heparina, produzindo grave crise hemor-rágica. Nesses casos, a protamina atua especificamente como antí-hepa-rínico, e o mecanismo da coagulação pode ser normalizado mediantea administração dessa substância. A protamina combina-se com a hepa-rina e a inativa, devido a suas fortes cargas elétricas positivas, umavez que a heparina possui fortes cargas negativas.

CUMARÍNICOS COMO ANTICOAGULANTES

Quando um cumarínico, como o warfarin, é administrado a umpaciente, os níveis plasmáticos de protrombina e dos Fatores VII, IXe X (todos formados pelo fígado) começam a cair, indicando que owarfarin possui poderoso efeito depressor sobre a formação hepáticade todos esses compostos. O warfarin exerce esse efeito ao competir

com a vitamina K pelos sítios reativos nos processos enzimáticos envol-vidos na formação da protrombina e dos outros três fatores da coagulação,bloqueando, assim, a ação da vitamina K.

Após a administração de uma dose eficaz de warfarin, a atividadecoagulante do sangue diminui por cerca de 50% de seu valor normalao fim de 12 horas e até aproximadamente 20% do normal depois de24 horas. Em outras palavras, o processo da coagulação não é bloqueadode imediato, mas deve aguardar o consumo da protrombina e dos outrosfatores já presentes no plasma. A coagulação normal retorna dentrode 1 a 3 dias após a suspensão da terapia.

PREVENÇÃO DA COAGULAÇÃO SANGUÍNEA FORA DOORGANISMO

Embora o sangue removido do organismo e mantido em tubo deensaio coagule normalmente em cerca de 6 minutos, o sangue colhidoem recipientes siliconizados quase sempre não coagula antes de 1 horaou mais. A razão desse retardo é que a preparação das superfícies dosrecipientes com silicone impede a ativação das plaquetas por contato,bem como o Fator XII, que inicia o mecanismo intrínseco da coagulação.Por outro lado, os recipientes de vidro não-tratado permitem a ativaçãopor contato, verificando-se a rápida formação de coágulos.

A heparina pode ser utilizada para impedir a coagulação do sanguetanto fora quanto no interior do organismo, A heparina é utilizada espe-cialmente em todos os procedimentos cirúrgicos nos quais o sangue devepassar através de máquina coração-pulmão ou de rim artificial para retor-nar ao indivíduo.

Diversas substâncias que diminuem a concentração de tons cálciono sangue podem ser utilizadas para impedir a coagulação sanguíneafora do organismo. Por exemplo, os compostos solúveis de oxalato mistu-rados em quantidades muito pequenas com uma amostra de sangue pro-vocam a precipitação de oxalato de cálcio do plasma e, portanto, dimi-nuem os níveis de cálcio iônico a ponto de a coagulação sanguínea serbloqueada.

Outro agente desionizante de cálcio utilizado para impedir a coagu-lação é o citrato de sódio, amônio ou potássio. O íon citrato combina-secom o cálcio do sangue, formando um composto de cálcio não-ionizado,de modo que a ausência de cálcio iônico impede a coagulação. Os anticoa-gulantes de citrato possuem uma vantagem muito grande sobre os anticoa-gulantes de oxalato, visto ser o oxalato tóxico para o organismo, enquantoquantidades moderadas de citrato podem ser injetadas por via venosa.Após a injeção, o íon citrato é removido do sangue dentro de poucosminutos pelo fígado e é polimerizado em glicose ou metabolizado direta-mente para a obtenção de energia. Por conseguinte, 500 ml de sanguemantidos incoaguláveis pelo citrato podem ser habitualmente injetadosem receptor dentro de poucos minutos sem quaisquer conseqüênciasprejudiciais. Se o fígado estiver lesado ou se forem administradas grandesquantidades de sangue ou de plasma citratado com velocidade demasiadorápida, é possível que o íon citrato não seja removido com velocidadesuficiente, podendo, então, deprimir acentuadamente o nível de íoncálcio no sangue, o que pode resultar em tetania e morte por convulsão.

TESTES DE COAGULAÇÃO SANGUÍNEA

TEMPO DE SANGRAMENTO

Quando se utiliza um estilete pontiagudo para perfurar a pontado dedo ou o lobo da orelha, o sangramento dura geralmente 1 a 6minutos. Todavia, o tempo depende, em grande parte, da profundidadeda ferida ç do grau de hiperemia do dedo no momento do teste. Aausência de vários fatores da coagulação pode prolongar o tempo desangramento, que pode estar especialmente prolongado na falta de pla-quetas.

TEMPO DE COAGULAÇÃO

Muitos métodos foram planejados para determinar os tempos decoagulação. O método mais amplamente utilizado consiste em colheruma amostra de sangue em tubo de ensaio quimicamente limpo e, aseguir, agitá-lo a intervalos de cerca de 30 segundos até que ocorracoagulação do sangue. Através desse método, o tempo de coagulaçãonormal é de cerca de 6 a 10 minutos.

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Foram planejados testes semelhantes ao do tempo de protrombinapara determinar as quantidades de outros fatores da coagulação no orga-nismo. Em cada um desses testes, quantidades excessivas de íons cálcioe de todos os outros fatores, à exceção do que vai ser testado, sãoacrescentadas de um só vez ao sangue oxalatado; a seguir, determina-seo tempo de coagulação da mesma maneira que o tempo de protrombinahabitual. Se o fator deficiente, o tempo estará consideravelmente prolon-gado.

Fig. 36.5 Relação entre a concentração de protrombina no sangue eo tempo de protrombina.

Foram planejados procedimentos utilizando múltiplos tubos de en-saio para determinar com maior precisão o tempo de coagulação. Toda-via, os tempos de coagulação também dependem muito da condiçãodo próprio tubo, bem como de seu tamanho, tornando-se necessárioelevado grau de padronização para a obtenção de resultados precisos.A hemofilia é uma condição típica que provoca aumento do tempo decoagulação; todavia, a deficiência de qualquer um dos fatores da viaintrínseca da coagulação pode ser responsável pelo prolongamento dotempo de coagulação.

TEMPO DE PROTROMBINA

O tempo de protrombina fornece uma indicação sobre a quantidadetotal de protrombina existente no sangue. A Fig. 36.5 mostra a relaçãoda concentração de protrombina com o tempo de protrombina. O métodode determinação do tempo de protrombina é o seguinte.

O sangue removido do paciente é imediatamente oxalatado, impe-dindo a transformação da protrombina em trombina. Em seguida, mistu-ra-se rapidamente grande quantidade de íons cálcio e de tromboplastinatecidual com o sangue oxalatado. O cálcio anula o efeito do oxalato,e a tromboplastina tecidual ativa a reação da protrombina em trombinapela via extrínseca da coagulação. O tempo necessário para que ocorracoagulação é conhecido como tempo de protrombina. O tempo de pro-trombina normal é de aproximadamente 12 segundos, embora dependa,em certo grau, do método utilizado. Em cada laboratório, uma curvarelacionando a concentração de protrombina com o tempo de protrom-bina, como a mostrada na Fig. 36.5, é normalmente traçada para ométodo utilizado, permitindo a quantificação da protrombina no sangue.

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UNIDADE VII

RESPIRAÇÃO

Ventilação PulmonarCirculação Pulmonar; Edema Pulmonar; Líquido PleuralPrincípios Físicos das Trocas Gasosas; Difusão de Oxigênio e deDióxido de Carbono Através da Membrana RespiratóriaTransporte de Oxigênio e de Dióxido de Carbono no Sangue e nosLíquidos CorporaisRegulação da RespiraçãoInsuficiência Respiratória - Fisiopatologia, Diagnóstico,Oxigenoterapia

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CAPÍTULO 37

Ventilação Pulmonar

Evidentemente, a respiração tem por objetivo forneceroxigênio aos tecidos e remover o dióxido de carbono. Conside-rando-se esta função, a respiração pode ser dividida em quatroeventos principais: (1) ventilação pulmonar, que se refere a entra-da e saída de ar entre a atmosfera e os alvéolos pulmonares,(2) difusão de oxigênio e de dióxido de carbono entre os alvéolose o sangue, (3) transporte de oxigênio e de dióxido de carbonono sangue e nos líquidos corporais, para e das células, e (4)regulação da ventilação e de outros aspectos da respiração. Opresente capítulo irá descrever a ventilação pulmonar, enquantonos capítulos subseqüentes serão consideradas as outras funçõesrespiratórias, bem como a fisiologia de problemas respiratóriosespeciais.

MECÂNICA DA VENTILAÇÃO PULMONAR

MÚSCULOS RESPONSÁVEIS PELA EXPANSÃO ECONTRAÇÃO PULMONARES

Os pulmões podem sofrer expansão e retração por duasmaneiras: (1) pelos movimentos do diafragma para baixo e paracima, a fim de aumentar ou diminuir a altura da cavidade torácica,e (2) pela elevação e abaixamento das costelas para aumentare diminuir o diâmetro ântero-posterior da cavidade torácica. AFig. 37.1 ilustra esses dois métodos.

A respiração normal e tranqüila é efetuada quase inteira-mente pelo primeiro desses dois métodos, isto é, pelo movimentodo diafragma. Durante a inspiração, a contração do diafragmatraciona as superfícies inferiores dos pulmões para baixo. A se-guir, durante a expiração, o diafragma simplesmente se relaxa,e é a retração elástica dos pulmões, da parede torácica e dasestruturas abdominais que comprime os pulmões. Todavia, du-rante a respiração intensa, as forças elásticas não são poderosaso suficiente para causar a expiração rápida necessária, de modoque a força adicional necessária é obtida principalmente pelacontração dos músculos abdominais, que força o conteúdo abdo-minal paTa cima, contra a parte inferior do diafragma.

O segundo método para expandir os pulmões é efetuadopela elevação da caixa torácica. Esse processo determina a expan-são dos pulmões, visto que, na posição natural de repouso, ascostelas estão voltadas para baixo, permitindo ao esterno incli-nar-se para trás, em direção à coluna vertebral. Todavia, quandoa caixa torácica é elevada, as costelas se projetam quase direta-

mente para a frente, de modo que o esterno também passa ase mover para frente, afastando-se da coluna; em conseqüência,a espessura ântero-posterior do tórax passa a ser cerca de 20%maior durante a inspiração máxima do que durante a expiração.Por conseguinte, os músculos que elevam a caixa torácica podemser classificados cm músculos da inspiração, enquanto os queabaixam a caixa torácica são conhecidos como músculos da expira-ção. Os músculos mais importantes que elevam a caixa torácicasão os intercostais externos; entretanto, outros músculos que tam-bém participam do processo incluem: (1) os músculos esternodei-domastóides, que elevam o esterno; (2) os serráteis anteriores,que elevam muitas das costelas; e (3) os escalenos, que elevamas duas primeiras costelas.

Os músculos que tracionam a caixa torácica para baixo du-rante a expiração são: (1) os retos abdominais, que têm o poderosoefeito de tracionar as costelas inferiores para baixo, ao mesmotempo que, juntamente com os outros músculos abdominais,comprimem o conteúdo abdominal para cima, contra o diafrag-ma, e (2) os intercostais internos.

A Fig. 37.1 ilustra o mecanismo pelo qual os intercostaisexternos e internos atuam para produzir a inspiração e a expira-ção. A esquerda, as costelas, durante a expiração, formam umângulo para baixo, e. os intercostais externos estão alongadospara frente e para baixo. Quando eles se contraem, puxam as

Fig. 37.1 Expansão e retração da caixa torácica durante a expiraçãoe a inspiração, ilustrando especialmente a contração diafragmática, aelevação da caixa torácica e a função dos músculos intercostais.

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costelas superiores para a frente em relação às costelas inferiores,causando um efeito de alavanca sobre as costelas, o que determinasua elevação, causando, assim, a inspiração. Os intercostais inter-nos funcionam exatamente do modo oposto, atuando como mús-culos expiratórios, visto que formam um ângulo entre as costelasna direção oposta, causando o efeito oposto de alavanca.

MOVIMENTO DE ENTRADA E DE SAÍDA DE ARDOS PULMÕES — AS PRESSÕES QUE OPRODUZEM

O pulmão é uma estrutura elástica que sofre colapso à seme-lhança de um balão e expele todo seu ar pela traquéia todavez que não houver uma força para mantê-lo insuflado. Alémdisso, não existe qualquer inserção entre o pulmão e a parededa caixa torácica, exceto no local em que é suspenso no hilo,do mediastino. Com efeito, o pulmão literalmente flutua na caixatorácica, circundado por uma camada muito delgada de líquidopleural, que lubrifica os movimentos dos pulmões no interiorda cavidade. Além disso, o bombeamento contínuo desse líquidopara os canais linfáticos mantém leve sucção entre a superfícievisceral da pleura pulmonar e a superfície pleural parietal dacavidade torácica. Por conseguinte, os dois pulmões aderem àparede torácica como se estivessem colados, embora possam des-lisar livremente, quando bem lubrificados, à medida que o tóraxse expande e se retrai.

Pressão pleura! e suas mudanças durante arespiração

A pressão pleural refere-se à pressão existente no estreitoespaço entre a pleura pulmonar e a pleura da parede torácica.Conforme assinalado acima, aí existe normalmente leve sucção,o que significa pressão ligeiramente negativa. No início da inspira-ção, a pressão pleural normal é de aproximadamente -5 cmde água, que é a quantidade de sucção necessária para manteros pulmões abertos em seu nível de repouso. A seguir, durantea inspiração normal, a expansão da caixa torácica traciona a

superfície dos pulmões com maior força e cria pressão aindamais negativa, atingindo valor médio de cerca de -7,5 cm deágua.

Essas relações entre a pressão pleural e a variação do volumepulmonar estão ilustradas na Fig. 37.2, que mostra, no painelinferior, a negatividade crescente da pressão pleural, de -5 a -7,5 durante a inspiração, e, no painel superior, o aumentode 0,5 litro do volume pulmonar. A seguir, durante a expiração,esses eventos são essencialmente invertidos.

Pressão alveolar

A pressão alveolar refere-se à pressão existente no interiordos alvéolos pulmonares. Quando a glote está aberta, e nãoocorre fluxo de ar para dentro ou para fora dos pulmões, aspressões em todas as partes da árvore respiratória, ao longodos alvéolos, são exatamente iguais à pressão atmosférica, consi-derada como 0 centímetro de água. Para provocar a entradade ar durante a inspiração, a pressão nos alvéolos deve cairpara um valor ligeiramente inferior à pressão atmosférica. Osegundo painel da Fig. 37,2 ilustra a redução da pressão alveolarpara cerca de menos 1 cm de água durante a inspiração normal.Essa pressão negativa muito pequena é, entretanto, suficientepara determinar a entrada de cerca de 0,5 1 de ar nos pulmõesnos 2 segundos necessários para a inspiração.

Durante a expiração, ocorrem eventos opostos: a pressãoalveolar se eleva para cerca de +1 cm de água, forçando a saídado 0,5 1 de ar inspirado dos pulmões durante os 2 a 3 segundosda expiração.

Pressão transpulmonar. Por fim, no terceiro painel da Fig.37.2, verifica-se a diferença de pressão entre a pressão alveolare a pressão pleural. Trata-se da denominada pressão transpul-monar, que é a diferença de pressão entre os alvéolos e as super-fícies externas dos pulmões. Na verdade, trata-se de uma medidadas forças elásticas dos pulmões que tendem a ocasionar seucolapso a cada ponto da expansão, denominada pressão de retra-ção.

Complacência dos pulmões

Fig. 37.2 Variações do volume pulmonar, da pressão alveolar, dapressão pleural e da pressão transpulmonar durante a respiraçãonormal.

O grau de expansão dos pulmões em relação a cada unidadede aumento da pressão transpulmonar é denominado compla-cência. No adulto médio, a complacência total normal de ambosos pulmões é de aproximadamente 200 ml/cm de pressão deágua. Em outras palavras, toda vez que a pressão transpulmonaraumenta por 1 cm de água, os pulmões sofrem expansão de200 ml.

Diagrama da complacência dos pulmões. A Fig. 37.3 é diagra-ma que estabelece a relação entre as variações do volume pulmo-nar e as alterações da pressão transpulmonar. Podemos verificarque a relação é diferente para a inspiração e a expiração. Cadacurva é registrada modificando-se a pressão transpulmonar empequenas etapas e permitindo-se que o volume pulmonar atinjaum nível uniforme entre as etapas sucessivas. As duas curvassão denominadas curva de complacência inspiratória e curva decomplacência expiratória; todo o diagrama é conhecido comodiagrama da complacência pulmonar.

As características do diagrama da complacência são determi-nadas pelas forças elásticas dos pulmões. Podem ser divididas emduas partes distintas: (1) as forças elásticas do próprio tecidopulmonar e (2) a força elástica causada peia tensão superficialdo líquido que reveste as paredes internas dos alvéolos e outrosespaços aéreos dos pulmões.

As forças elásticas dos tecidos pulmonares são determinadasem sua maior parte pela elastina e pelas fibras colágenas entrela-çadas no parênquima pulmonar. Nos pulmões vazios, essas fibras

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Fig. 37.3Diagrama da complacência numa pessoa normal. Esse diagrama mostraapenas a complacência dos pulmões.

Fig. 37.4 Comparação dos diagramas de complacência dos pulmõescheios de ar e cheios de solução salin

estão parcialmente contraídas e retorcidas; a seguir, quando ospulmões sofrem expansão, as fibras são parcialmente distendidas,de modo que ficam alongadas. As forças elásticas causadas pelatensão superficial são muito mais complexas. Todavia, a tensãosuperficial é responsável por cerca de dois terços das forçaselásticas totais nos pulmões normais. O significado da tensãosuperficial é ilustrado na Fig. 37.4, em que é comparada acomplacência dos pulmões quando cheios de ar e quando cheiosde solução salina. Quando os pulmões estão cheios de ar, existeuma interface entre o líquido de revestimento alveolar e o ar nosalvéolos. No caso dos pulmões cheios de solução salina, não háqualquer interface ar-líquido, de modo que não há efeito datensão superficial, e somente as forças elásticas teciduais sãoatuantes no pulmão cheio de solução salina.

É preciso frisar que as pressões transpulmonares necessáriaspara expandir os pulmões cheios de ar são cerca de três vezesmaiores que as pressões necessárias para expandir os pulmõescheios de solução salina. Por conseguinte, podemos concluir queas forças elásticas teciduais que tendem a produzir colapso dopulmão cheio de ar representam apenas cerca de um terço daelasticidade pulmonar total, enquanto as forças da tensão super-ficial correspondem a cerca de dois terços. As forças elásticas datensão superficial dos pulmões também se modificamacentuadamente na ausência da substancia denominada"surfactante" no líquido alveolar. Por isso, discutiremos aseguir o surfactante e sua relação com as forças da tensãosuperficial.

"Surfactante", tensão superficial e colapsotios pulmões

Princípio de tensão superficial. Quando a água forma umasuperfície com o ar, as moléculas de água na superfície da águaexercem entre si uma forte atração adicional. Comoconseqüência, a superfície da água tende a contrair-se. E issoque mantém as gotas de chuva unidas; isto é, existe uma fortemembrana contrátil de moléculas de água em torno de toda asuperfície da gota de chuva. Vamos reverter esses princípios ever o que acontece nas superfícies internas dos alvéolos e deoutros espaços aéreos. Nessas regiões, a superfície da águatambém tende a contrair-se, mas, nesse caso, a superfície da

água que reveste os alvéolos circunda o ar alveolar e tendesempre a contrair-se como um balão. Naturalmente, isso tempor efeito forçar o ar para fora dos alvéolos, pelos brônquios;nessa ação, provoca o colapso dos alvéolos (e de outros espaçosaéreos nos pulmões). Como esse processo ocorre em todos osespaços aéreos dos pulmões, o efeito final consiste nodesenvolvimento de força contrátil elástica em todo o pulmão,denominada força elástica de tensão superficial.

"Surfactante" e seu efeito sobre a tensão superficial. O sur-factante é um agente tensoativo, o que significa que, quando espa-lhado sobre a superfície de um líquido, ele reduz acentuadamentesua tensão superficial. É secretado por células epiteliais especiaissecretoras de surfactante que compreendem cerca de 10% daárea de superfície dos alvéolos. Essas células são de naturezagranular, contendo inclusões lipídicas. São denominadas célulasepiteliais alveolares tipo II.

O surfactante é uma mistura complexa de vários fosfoli-pídios, proteínas e íons. Os três componentes mais importantessão o fosfolipídio dipalmitol-lecitina, apoproteínas surfactantese íons cálcio. O dipalmitol-lecitina, juntamente com vários fosfoli-pídios de menor importância, é o responsável pela redução datensão superficial. Esses componentes não se dissolvem no líqui-do; pelo contrário, espalham-se sobre sua superfície, visto queparte de cada molécula de fosfolipídio é hidrofílica e dissolve-seno revestimento de água dos alvéolos, enquanto a parte lipídicada molécula é hidrofóbica e orientada para o ar, formando umasuperfície hidrofóbica lipídica exposta ao ar. Essa superfície pos-sui 1/12 a 1/2 da tensão superficial de uma superfície de águapura. A importância das apoproteínas e dos íons cálcio no surfac-tante é que, na sua ausência, o dipalmitol-lecitina espalha-setão lentamente sobre a superfície líquida que ele não pode funcio-nar de modo efetivo.

Em termos quantitativos, a tensão superficial de diferenteslíquidos aquosos é aproximadamente a seguinte: água pura, 70dinas/cm; líquidos normais que revestem os alvéolos, porém semsurfactante, 50 dinas/cm; líquidos que revestem os alvéolos comsurfactante, entre 5 e 30 dinas/cm.

A pressão de colapso de alvéolos ocluídos devido à tensãosuperficial. Se as> passagens aéreas dos espaços aéreos dos pulmõesestiverem bloqueadas, a tensão superficial que tende a causar colapsodos espaços irá criar uma pressão positiva nos alvéolos, tentandoexpulsar o ar. A quantidade de pressão gerada dessa maneira numespaço aéreo esférico

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Para o alvéolo de tamanho médio com raio com cerca de 100 /xm metrose revestido por surfactante normal, a pressão calculada é cerca de 4cm de pressão de água (3 mm Hg). Todavia, se os alvéolos forem reves-tidos por água pura. seria de cerca de 18 cm de pressão de água. Porconseguinte, constatamos a suma importância do surfactante na reduçãoda quantidade de pressão transpulmonar necessária para manter os pul-mões expandidos.

Efeito do tamanho dos alvéolos sobre a pressão de colapso causadapela tensão superficial. Ao analisar a fórmula acima, verificamos quea pressão de colapso gerada nos alvéolos c inversamente afetada peloraio do alvéolo, o que significa que, quanto menor o alvéolo, maiora pressão de colapso. Por conseguinte, quando os alvéolos têm metadedo raio normal, ou seja, apenas 50 em lugar de 100 /im, as pressõesde colapso aumentam por exatamente duas vezes. Esse aspecto é especifi-camente significativo cm prematuros muito pequenos, que quase semprepossuem alvéolos com raios menores que um quarto do normal. Alémdisso, o surfactante normalmente só começa a ser secretado para osalvéolos entre o sexto e o sétimo mês de gestação e, em alguns bebes,até mais tarde, de modo que muitos prematuros têm pouco ou nenhumsurfactante nos alvéolos. Por conseguinte, os pulmões desses bebês têmextrema tendência ao colapso, algumas vezes de até 30 mm Hg ou mais,causando a denominada síndrome de angústia respiratória do recém-nas-eido. Essa síndrome é fatal, se não for tratada com medidas rigorosas.

Papel do surfactante, "interdependência" e tecido fibroso pulmonarna "estabilização" do tamanho dos alvéolos. Vejamos, agora, o queaconteceria se muitos dos alvéolos nos pulmões fossem muito pequenose outros muito grandes. A tendência dos alvéolos menores ao colapsoseria muito maior que a dos alvéolos de maior tamanho. Por conseguinte,teoricamente, os alvéolos menores teriam tendência a colapsar, dimi-nuindo seu volume nos pulmões; essa perda de volume em parte dospulmões causaria a expansão dos alvéolos maiores. A seguir, quandoos alvéolos menores ficassem ainda menores, sua tendência ao colapsotambém aumentaria, enquanto a tendência ao colapso dos alvéolos maio-res em expansão ficaria menor. Assim, teoricamente, todos os alvéolosmenores sofreriam colapso, o que aumentaria ainda mais o tamanhodos alvéolos maiores. Esse fenômeno é denominado instabilidade dosalvéolos.

Todavia, na prática, esse fenômeno de instabilidade dos alvéolosnão é observado no pulmão normal, embora possa ocorrer em condiçõesespeciais, como, por exemplo, quando existe uma quantidade muitopequena de surfactante no líquido alveolar, e o volume dos pulmõesestá concomitantemente diminuído. Existem várias razões pelas quaisnão ocorre instabilidade no pulmão normal. Uma delas é o fenômenoconhecido como interdependência entre os alvéolos adjacentes, dutosalveolares e outros espaços aéreos. Isto é, cada um desses espaços sustentao outro de tal maneira que, em geral, não pode existir um grandealvéolo adjacente a um alvéolo pequeno, visto que partilham paredesseptais comuns. Este é o fenômeno da interdependência.

Uma segunda razão pela qual não ocorre instabilidade reside nofato de o pulmão ser constituído por cerca de 50.000 unidades funcionais,contendo, cada uma, um ou alguns dutos alveolares e seus alvéolosassociados. Todas essas unidades são circundadas por septos fibrososque, a partir da superfície pulmonar, penetram no parênquima. Essetecido fibroso atua como suporte adicional.

Por fim, não devemos esquecer o papel do surfactante ao se oporà instabilidade. Nesse sentido, atua de duas maneiras distintas. Em pri-meiro lugar, reduz a quantidade total de tensão superficial, permitindoque o fenômeno da interdependência e o tecido fibroso vençam os efeitosda tensão superficial. Em segundo lugar, à medida que um alvéolo setorna menor, as moléculas de surfactante sobre a superfície alveolarficam comprimidas, aumentando sua concentração, o que reduz aindamais a tensão superficial. Por conseguinte, quanto menor for ficandoo alvéolo, menor sua tensão superficial, opondo-se à maior tendênciaao colapso dos alvéolos de menor tamanho. Inversamente, à medidaque os alvéolos ficam maiores, a concentração de surfactante na superfíciediminui, e a tensão superficial fica maior, impedindo qualquer aumentoadicional desses alvéolos de grande tamanho.

EFEITO DA CAIXA TORÁCICA SOBRE AEXPANSIBILIDADE DOS PULMÕES

Até agora, discutimos a expansibilidade dos pulmões isola-dos, sem considerarmos a caixa torácica. Entretanto, a caixatorácica também possui suas próprias características elásticas eviscosas, semelhantes às dos pulmões; e, mesmo se os pulmõesnão estivessem presentes no tórax, seria necessário considerávelesforço muscular para expandir a caixa torácica.

Complacência do tórax e dos pulmões em conjunto

A complacência de todo o sistema pulmonar (os pulmõese a caixa torácica juntos) é medida enquanto se expandem ospulmões de uma pessoa totalmente relaxada ou paralisada. Paraisso, é introduzida uma pequena quantidade de ar nos pulmõesde cada vez, enquanto são registradas as pressões, bem comoos volumes pulmonares. Verifica-se que, para respirar com essesistema pulmonar total, é necessária quase duas vezes mais pres-são do que quando se respira após a remoção dos pulmões dacaixa torácica. Por conseguinte, a complacência do sistema pul-monar-torácico combinado é apenas ligeiramente maior que me-tade da complacência pulmonar isolada — 110 ml de volumepor centímetro de água para o sistema combinado, em compa-ração com 200 ml/cm para os pulmões isolados. Além disso,quando os pulmões são expandidos e atingem volumes muitoaltos, ou então são comprimidos até volumes muito pequenos,as limitações do tórax tornam-se extremas; quando se chega próxi-mo a esses limites, a complacência do sistema pulmonar-torácicocombinado pode ser de apenas um quinto da dos pulmões isola-dos.

"TRABALHO" DA RESPIRAÇÃO

Como já foi salientado, durante a respiração tranqüila normal, acontração dos músculos respiratórios só ocorre durante a inspiração,enquanto a expiração é um processo totalmente passivo, ocasionadopela retração elástica dos pulmões e das estruturas da caixa torácica.Por conseguinte, os músculos respiratórios normalmente só "trabalham"para produzir a inspiração, e não para causar a expiração.

O trabalho da inspiração pode ser dividido em três partes distintas:

Fig. 37.5 Representação gráfica dos três tipos distintos de trabalhoexecutados durante a inspiração: (1) trabalho da complacência, (2)trabalho da resistência tecidual. e (3) trabalho da resistência das viasaéreas.

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(1) o necessário para expandir os pulmões contra suas forças elásticas,denominado trabalho de complacência ou trabalho elástico, (2) o neces-sário para superar a viscosidade do pulmão e das estruturas da paredetorácica, denominado trabalho de resistência tecidual; e (3) o necessáriopara superar a resistência das vias aéreas durante o movimento de arnos pulmões, denominado trabalho de resistência das vias aéreas. Essestrês tipos de trabalho estão ilustrados sob forma gráfica na Fig. 37.5.Nesse diagrama, a curva denominada "inspiração" ilustra a alteraçãoprogressiva da pressão pleuraf e do volume pulmonar durante a inspira-ção, enquanto a área total sombreada da figura representa o trabalhototal executado pelos músculos inspiratórios durante o ato da inspiração.Essa área sombreada é, por sua vez, dividida em três segmentos diferen-tes, que representam os três tipos diferentes de trabalho executadosdurante a inspiração- Esses tipos podem ser explicados da seguinte ma-neira:

Trabalho da complacência. A área pontilhada representa o trabalhoda complacência necessário para expandir os pulmões contra as forçaselásticas. Pode ser calculado multiplicando-se o volume da expansãopela pressão média necessária para produzir essa expansão, que corres-

ponde à área representada pelos pontilhados.

Trabalho de resistência tecidual. A área representada por linhasverticais é proporcional à quantidade de trabalho necessária para vencera viscosidade dos pulmões e da caixa torácica.

Trabalho de resistência das vias aéreas. Finalmente, a área repre-sentada na Fig. 37.5 por linhas horizontais representa o trabalho neces-sário para vencer a resistência ao fluxo de ar pelas vias respiratórias.

Trabalho adicional necessário para expandir « contrair a caixa torá-cica. O trabalho da respiração calculado na Fig. 37.5 refere-se apenasaos pulmões, e não à caixa torácica. Entretanto, vimos que a compla-cência do sistema pulmonar-torácico total corresponde a pouco maisda metade da dos pulmões isolados. Por conseguinte, são necessáriosquase duas vezes mais energia para a expansão e contração normaisdo sistema pulmonar-torácico total do que para a expansão dos pulmõesapenas.

Comparação dos diferentes tipos de trabalho. Ao se analisar a Fig.37.5, fica evidente que, durante a respiração tranqüila normal, a maiorparte do trabalho executado pelos músculos respiratórios é utilizadasimplesmente para expandir os pulmões. Em condições normais, apenaspequena percentagem do trabalho total é empregada para vencer a resis-tência tecidual (viscosidade tecidual), enquanto uma parte um poucomaior é usada para sobrepujar a resistência das vias aéreas. Por outrolado, durante a respiração muito intensa, quando o ar deve passar pelasvias respiratórias com velocidade muito grande, a maior proporção dotrabalho é, então, utilizada para vencer a resistência das vias aéreas.

Na presença de doença pulmonar, todos os três tipos distintos detrabalho aumentam quase sempre acentuadamente. O trabalho da com-placência e o da resistência tecidual ficam especialmente aumentadospor doenças que causam fibrose pulmonar, enquanto o trabalho da resis-tência das vias aéreas está particularmente aumentado nas doenças quecausam obstrução das vias aéreas.

Durante a respiração tranqüila normal, não ocorre "trabalho" du-rante a expiração, visto que ela resulta da retração elástica dos pulmõese do tórax. Todavia, na respiração forçada, ou quando a resistênciadas vias aéreas e dos tecidos são grandes, ocorre trabalho expiratórioque, por vezes, torna-se ainda maior que o trabalho inspiratório. Issoé particularmente observado na asma, que quase sempre aumenta pormuitas vezes a resistência das vias aéreas durante a expiração, porémem menor grau durante a inspiração, por razões que serão explicadasadiante.

Energia necessária para a respiração. Durante a respiração tranqüilanormal, apenas 3 a 5% da energia total consumida pelo organismo sãonecessários para ativar o processo ventilatório pulmonar. Entretanto,durante exercício muito intenso, a quantidade de energia necessária podeaumentar por até 50 vezes, sobretudo se a pessoa tiver algum grau deresistência aumentada das vias aéreas ou redução da complacência pulmo-nar. Por conseguinte, uma das principais limitações da intensidade do

exercício passível de ser executado por uma pessoa é sua capacidadede fornecer energia muscular para o processo respiratório.

VOLUMES E CAPACIDADES PULMONARES

REGISTRO DAS ALTERAÇÕES NO VOLUMEPULMONAR - ESPIROMETRIA

Um método simples para estudar a ventilação pulmonar con-siste em registrar o volume de ar que se movimenta para dentroe para fora dos pulmões, sendo o processo denominado espiro-metria. A Fig. 37.6 mostra um espirômetro típico. Consiste numtambor invertido sobre uma câmara de água, estando o tamborcontrabalançado por um peso. No tambor, existe uma misturade gases respiratórios, geralmente ar ou oxigênio; um tubo conec-ta a boca do indivíduo com a câmara de gás. Ao respirar paradentro e para fora da câmara, o tambor se eleva e cai, e éfeito o registro apropriado sobre uma folha de papel em movi-mento.

A Fig. 37.7 ilustra um espirograma, mostrando as alteraçõesdo volume pulmonar em diferentes condições de respiração. Parafacilitar a descrição dos eventos da ventilação pulmonar, o arnos pulmões foi subdividido, em diferentes pontos desse diagra-ma, em quatro volumes e quatro capacidades diferentes, mencio-nados a seguir.

VOLUMES PULMONARES

À esquerda da Fig. 37.7 estão arrolados quatro diferentes"volumes" pulmonares que, quando somados, correspondem aovolume máximo de expansão dos pulmões. O significado de cadaum desses volumes é o seguinte:

1.. O volume corrente 6 o volume de ar inspirado ou expiradoem cada incursão respiratória normal, equivalendo a cerca de500 ml no homem adulto jovem comum.

2. O volume de reserva inspiratório ê o volume adicionalde ar que pode ser inspirado além do volume corrente normal;em geral, equivale a cerca de 3.000 ml.

3. O volume de reserva expiratório refere-se à quantidadeadicional de ar que pode ser expirada por expiração forçadaapós o término da expiração corrente normal; normalmente, equi-vale a cerca de 1.100 ml.

4. O volume residual é o volume de ar que ainda permanecenos pulmões após a expiração forçada. Esse volume corresponde,em média, acerca de 1.200ml.

Fig. 37.6 Espirômetro

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Fig. 37.7 Diagrama mostrando as excursões respiratóriasdurante a respiração normal e durante a inspiração e expiraçãomáximas.

"CAPACIDADES" PULMONARES

Ao descrever os eventos do ciclo pulmonar, é por vezesdesejável considerar dois ou mais volumes em conjunto. Essascombinações são denominadas capacidades pulmonares. A direitada Fig. 37.7 encontram-se relacionadas as diferentes capacidadespulmonares, que podem ser descritas da seguinte maneira:

1. A capacidade inspiratória equivale ao volume correntemais o volume de reserva inspiratório. Trata-se da quantidadede ar (cerca de 3.500 ml) que uma pessoa pode inspirar come-çando no nível expiratório normal e distendendo os pulmõesao máximo.

2. A capacidade residual funcional é igual ao volume dereserva expiratório mais o volume residual. Trata-se da quantidadede ar que permanece nos pulmões ao final da expiração normal(cerca de 2.300 ml).

3. A capacidade vital é igual ao volume de reserva inspiratório mais o volume corrente mais o volume de reserva expiratório. Trata-se da quantidade máxima de ar que a pessoa pode

expelir dos pulmões após enchê-los inicialmente ao máximo e,em seguida, expirar ao máximo (cerca de 4.600 ml).

4. A capacidade pulmonar total refere-se ao volume máximode extensão dos pulmões com o maior esforço inspiratório possí-vel (cerca de 5.800 ml); é igual à capacidade vital mais o volumeresidual.

Todos os volumes e as capacidades pulmonares são cercade 20 a 25% menores nas mulheres do que nos homens e, evidente-mente, são maiores em pessoas grandes e atléticas do que empessoas pequenas e astènicas.

ABREVIATURAS E SÍMBOLOS UTILIZADOS EM ESTUDOSDA FUNÇÃO PULMONAR

A espirometria é apenas um dos muitos procedimentos utilizadosdiariamente pelo especialista. Além disso, veremos, em discussões poste-riores, que muitos dos procedimentos de mensuração dependem, emgrande parte, de cálculos matemáticos. Para simplificar esses cálculos,bem como para apresentar os dados da função pulmonar, diversas abre-viaturas e símbolos foram padronizados. Os mais importantes estão arro-

VC volu me corre nt e

Quadro 37.1 Lista de abreviaturas e símbolos para a função pulmonar

PB pressão atmosféricaCRF ca pa ci dad e r es idu al funcio nalVRE volu me d e re serva expira t órioVR volu me r esi du alCl ca pa cidade inspiratóriaVRI volu me d e re serva insp ira tóri oCPT ca pa ci dad e pul mona r t ota lCV ca pa cidade vitalRva res i s tên cia d a á r v or e t ra qu eo br ô nqui ca a o flu x o de ar

pa ra o pul mã oC co mpla cên ciaVM vo lu me d e gá s do espa ço mort oMA volu me d e gá s alveola rVi volu me inspirado de v entila çã o p or mi nutoVE volu me expira do de v entila çã o p or minu toVA ve ntila çã o alv eolar por minu toVo2 v el o ci dad e de ca pta çã o d e o xi g êni o p or mi nut oVco2 qu antida de de dió xido d e ca rbono eli minada por mi nutoVco velo cid a de d e ca pt ação do mo nó xi d o d e ca r bo no p or

minu toDL02 ca pa cida d e de di fu sã o d o pul mã o pa ra o oxi gêni oDLC02 ca pa cida d e de di fu sã o do pul mã o pa ra o mo n óxido d e

ca rbono

Palv pressão alveolarPpl pressão pleuralPo2 pressão parcial de oxigênioPco2 pressão parcial de dióxido de carbonoPn2 pressão parcial de nitrogênioPao2 pressão parcial de oxigênio no sangue arterialPaC02 pressão parcial de dióxido de carbono no sangue arterialPAqj pressão parcial de oxigênio no gás alveolarPAco2 pressão parcial de dióxido de carbono no gás alveolarPAH2O pressão parcial de água no gás alveolarR quociente respiratórioQ débito cardíacoQs fluxo de derivaçãoCaOz concentração de oxigênio no sangue arterialCv02 concentração de oxigênio no sangue venoso mistoSo2 percentagem de saturação da hemoglobina com oxigênioSao2 percentagem de saturação da hemoglobina comoxigênio no sangue arterial

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lados no Quadro 37.1. Utilizando esses símbolos, apresentamos aquialguns exercícios algébricos simples, que mostram algumas das inter-re-lações entre os volumes e as capacidades pulmonares; o estudante deveavaliar e verificar essas inter-relações:

CV - VRI + Vc + VRECV = Cl + VRECPT = CV + VRCPT = Cl + CRFCRF - VRE + VR

DETERMINAÇÃO DA CAPACIDADE RESIDUALFUNCIONAL - O MÉTODO DE DILUIÇÃO DO HÉLIO

A capacidade residual funcional, que é o volume de ar que normal-mente permanece nos pulmões entre as respirações, é muito importantepara a função pulmonar. Seu valor modifica-se acentuadamente em al-guns tipos de doença pulmonar, razão pela qual é quase sempre desejávelmedir essa capacidade. Infelizmente, o espirômetro não pode ser utili-zado de modo direto para medir a capacidade residual funcional, vistoque o ar do volume residual dos pulmões não pode ser expirado noespirômetro; esse volume corresponde a cerca da metade da capacidaderesidual funcional. Por conseguinte, para medir a capacidade residualfuncional, deve-se utilizar o espirômetro como método indireto, geral-mente pelo método da diluição do hélio, conforme indicado abaixo.

Um espirômetro de volume conhecido é preenchido com misturade ar e hélio, numa concentração conhecida. Antes de respirar o conteúdodo espirômetro, a pessoa faz uma expiração normal. Ao final dessaexpiração, o volume remanescente nos pulmões é exatamente igual àcapacidade residual funcional. Nesse momento, o indivíduo começa ime-diatamente a respirar pelo espirômetro, e os gases do aparelho começama misturar-se com os gases dos pulmões. Como conseqüência, o hélioé diluído pelos gases da capacidade residual funcional, e o volume dessacapacidade pode ser então calculado a partir do grau de diluição dohélio, utilizando-se a seguinte fórmula;

VERIFICAR A FORMULA

onde:

CRF é a capacidade residual funcional CiHe é aconcentração inicial de hélio no espirômeiro CfHc é aconcentração final de hélio no espirômetro ViE é ovolume inicial do espirômetro

Uma vez determinada a capacidade residual funcional, o volumeresidual pode ser obtido subtraindo-se o volume de reserva expiratórioda capacidade residual funcional. Além disso, a capacidade pulmonartotal pode ser determinada somando-se a capacidade inspiratória à capa-cidade residual funcional. Isto é:

média, de cerca de 6 l por minuto. Em certas ocasiões, a pessoapode viver por curtos períodos de tempo com volume-minutorespiratório de apenas 1,5 1 por minuto e com freqüência respira-tória de apenas duas a quatro respirações por minuto.

Algumas vezes, a freqüência respiratória se eleva e atinge40 a 50 por minuto; o volume corrente pode tornar-se tão grandequanto a capacidade vital, ou seja, de cerca de 4.600 ml nohomem adulto jovem. Todavia, na presença de freqüência respi-ratória rápida, a pessoa geralmente não pode manter um volumecorrente maior do que cerca da metade da capacidade vital.

VENTILAÇÃO ALVEOLAR

A importância final do sistema ventilatório pulmonar con-siste em renovar continuamente o ar nas áreas de troca gasosados pulmões, onde o ar fica em íntima proximidade com o sanguepulmonar. Essas áreas incluem os alvéolos, os sacos alveolares,os dutos alveolares e os bronquíolos respiratórios. A intensidadecom que o ar novo alcança essas áreas é denominada ventilaçãoalveolar. Curiosamente, porém, durante a respiração tranqüilanormal, o volume de ar no ar corrente é suficiente apenas paraencher as vias respiratórias até os bronquíolos terminais, e apenasparte muito pequena do ar inspirado flui realmente até o interiordos alvéolos. Por conseguinte, como é que o ar novo percorreesta última e curta distância dos bronquíolos terminais até ointerior dos alvéolos? A resposta é: por difusão. A difusão écausada pelo movimento cinético das moléculas, cm que cadamolécula de gás se movimenta com alta velocidade entre as outrasmoléculas. Felizmente, a velocidade do movimento das moléculasno ar respiratório é tão grande e as distâncias tão curtas entreos bronquíolos terminais e os alvéolos que os gases percorremessa distância em apenas uma fração de segundo.

Espaço morto e seu efeito sobre a ventilação alveolar

Infelizmente, parte do ar que uma pessoa respira nuncaatinge as áreas de troca gasosa, servindo tão-somente para encheras vias respiratórias onde não ocorre troca gasosa. Esse ar édenominado ar do espaço morto, visto não ter qualquer utilidadepara o processo das trocas gasosas; as vias respiratórias ondenão ocorre troca gasosa são denominadas espaço morto.

Na expiração, o ar do espaço morto é expirado em primeirolugar, antes que qualquer ar proveniente dos alvéolos alcancea atmosfera. Por conseguinte, o espaço morto é igualmente des-vantajoso para remover os gases expiratórios dos pulmões.

Determinação do volume do espaço morto. A Fig. 37.8 mostra um

VR - CRF - VRE

CPT - CRF + Cl

VOLUME-MINUTO RESPIRATÓRIO —FREQUÊNCIA RESPIRATÓRIA VEZES O VOLUMECORRENTE

O volume-minuto respiratório é a quantidade total de arnovo que penetra nas vias respiratórias a cada minuto; é igual aovolume corrente vezes a freqüência respiratória. O volumecorrente normal é de cerca de 500 ml, enquanto a freqüênciarespiratória normal é de aproximadamente 12 respirações porminuto. Por conseguinte, o volume-minuto respiratório é, em

Fig. 37.8 Registro contínuo das variações da concentração de oxigêniono ar expirado após inspiração de oxigênio puro. Este registro podeser utilizado para calcular o espaço morto, conforme discutido no texto.

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método simples para medir o volume do espaço morto. Ao fazer essadeterminação, o indivíduo deve fazer uma inspiração profunda comoxigênio. Obviamente, isso enche todo o espaço morto com oxigêniopuro, e parte do oxigênio também se mistura com o ar alveolar, semcontudo substituí-lo por completo. A seguir, a pessoa expira através de umaparelho de registro rápido de nitrogênio, fornecendo o gráficoapresentado na figura. A primeira parte do ar expirado provém deregiões de espaço morto das vias respiratórias, onde o ar foi totalmentesubstituído por oxigênio. Por conseguinte, na parte inicial do registro, sóaparece oxigênio, e a concentração de nitrogênio é exatamente zero. Aseguir, quando o ar alveolar atinge o medidor de nitrogênio, aconcentração de nitrogênio aumenta rapidamente, visto que o ar alveolarcontendo grandes quantidades de nitrogênio começa a se misturar como ar do espaço morto. Após expiração de maior quantidade de ar,todo o ar do espaço morto é eliminado das vias, permanecendo apenaso ar alveolar. Por conseguinte, a concentração de nitrogênioregistrada atinge um platô igual à sua concentração nos alvéolos,conforme ilustrado ã direita da figura. O leitor pode, então, verificarque a área pontilhada representa o ar que não contém nitrogênio; porconseguinte, essa área é uma medida do volume de ar do espaçomorto. Para a quantidade exata, utiliza-se a seguinte equação:

onde VA é o volume de ventilação alveolar por minuto, Freqé a freqüência da respiração por minuto, Vc é o volume corrente,

e VMl o volume do espaço morto.Por conseguinte, com volume corrente normal de 500 ml,

espaço morto normal de 150 ml e freqüência respiratória de12 por minuto, a ventilação alveolar é igual a 12 x (500 - 150)ou 4.200 ml/min.

A ventilação alveolar é um dos principais fatores que deter-minam as concentrações de oxigênio e de dióxido de carbononos alvéolos. Por conseguinte, quase todas as discussões relativasàs trocas gasosas nos capítulos que se seguem dão ênfase à venti-lação alveolar.

FUNÇÕES DAS VIAS RESPIRATÓRIAS

TRAQUÉIA, BRÔNQUIOS E BRONQUÍOLOS

A Fig. 37.9 ilustra o sistema respiratório, mostrando, em particular,as vias aéreas respiratórias. O ar distribui-se pelos pulmões por meioda traquéia, dos brônquios e dos bronquíolos. A traquéia é denominadaa via respiratória de primeira geração, e os dois brônquios principais

VM = Área pontilhada x VE Áreahachurada + Área pontilhada

direito e esquerdo constituem a segunda geração; a seguir, cada divisãoconstitui uma geração adicional. Existem entre 20 e 25 gerações antesde o ar alcançar finalmente os alvéolos.

Um dos problemas mais importantes em todas as vias respiratóriasconsiste em mantê-las abertas para permitir a fácil passagem do ar para

onde Vw c o ar do espaço morto, e VE o volume total de ar expirado.Suponhamos, por exemplo, que a área pontilhada no gráfico seja

igual a 30 cm2, e a área hachurada, 70 cm2, com volume total expiradode 500 ml. O espaço morto seria então:

30x 500 ou 150 ml

30 + 70

Volume normal do espaço morto. O ar do espaço mortonormal no adulto jovem é de cerca de 150 ml. Esse valor aumentaligeiramente com a idade.

Espaço morto anatômico versus fisiológico. O método acimadescrito para medir o espaço morto mede o volume de todoo espaço do sistema respiratório, à exceção das áreas de trocagasosa; esse volume é denominado espaço morto anatômico. To-davia, em certas ocasiões, alguns dos alvéolos não estão funcio-nando ou estão funcionando apenas parcialmente, devido a fluxosanguíneo ausente ou insuficiente pelos capilares pulmonares ad-jacentes. Por conseguinte, do ponto de vista funcional, essesalvéolos também devem ser considerados como espaço morto.Quando o espaço morto alveolar é incluído na determinaçãototal do espaço morto, este passa a ser denominado espaço mortofisiológico, em contraste com o espaço morto anatômico. Napessoa normal, os espaços mortos anatômico c fisiológico sãoquase iguais, visto que todos os alvéolos são funcionais no pulmãonormal; todavia, em indivíduos com alvéolos parcialmente funcio-nais ou não-funcionais em algumas partes dos pulmões, o espaçomorto fisiológico pode ser, em certas ocasiões, até 10 vezes maiorque o espaço morto anatômico, ou seja, de até 1 a 2 litros.Esses problemas serão discutidos com maiores detalhes no Cap,39, em relação à troca gasosa pulmonar, bem como no Cap.42, em relação a certas doenças pulmonares.

FREQUÊNCIA DA VENTILAÇÃO ALVEOLAR

A ventilação alveolar por minuto refere-se ao volume totalde ar novo que penetra nos alvéolos (e em outras áreas adjacentesde troca gasosa) a cada minuto. É igual à freqüência respiratóriamultiplicada pela quantidade de ar novo que penetra nos alvéolosa cada respiração:

VA= F X ( Vt – Vd )

dentro e para fora dos alvéolos. Para impedir o colapso da traquéia,múltiplos anéis cartilaginosos estendem-se por cerca de cinco sextos dacircunferência ao redor da traquéia. Nas paredes nos brônquios, existemplacas cartilaginosas menos extensas que também conferem um graurazoável de rigidez, permitindo, ao mesmo tempo, o movimento sufi-ciente para a expansão e contração dos pulmões. Essas lâminas ficamprogressivamente menos extensas nas últimas gerações de brônquiose desaparecem por completo nos bronquíolos, cujos diâmetros são, emgeral, inferiores a 1 a 1,5 mm. Por outro lado, o colapso dos bronquíolosnão é impedido por qualquer rigidez de suas paredes. Pelo contrário,são expandidos pelas mesmas pressões transpulmonares que expandemos alvéolos. Isto é, a medida que os alvéolos aumentam, os bronquíolostambém o fazem.

Parede muscular dos brônquios e bronquíolos e seu controle. Emtodas as áreas da traquéia e dos brônquios não ocupadas por lâminasde cartilagem, as paredes são formadas, principalmente por músculoUso. Além disso, as paredes dos bronquíolos consistem quase inteira-mente em músculo liso, ã exceção do bronquíolo mais terminal, denomi-nado bronquíolo respiratório, que só possui algumas fibras musculareslisas. Muitas doenças obstrutivas dos pulmões causam estenose dos brôn-quios menores e dos bronquíolos, quase sempre devido à excessiva con-tração do próprio músculo liso.

Resistência ao fluxo aéreo na árvore brônquica. Em condiçõesrespiratórias normais, o ar flui pelas vias aéreas respiratórias com tantafacilidade que um gradiente de pressão de menos de 1 cm de água dosalvéolos paTa a atmosfera é suficiente para favorecer um fluxoadequado de ar na respiração tranqüila. A maior quantidade deresistência ao fluxo aéreo não é observada nas pequeníssimas passagensaéreas dos bronquíolos, mas ocorre em alguns dos brônquios maiores,próximo ã traquéia. Essa elevada resistência se deve à presença derelativamente poucos desses brônquios maiores em comparação comcerca de 65.000 bronquíolos terminais paralelos, pelos quais deve passardiminuta quantidade de ar.

Todavia, em condições patológicas, os bronquíolos menores desem-penham quase sempre papel muito mais importante na determinaçãoda resistência ao fluxo aéreo, por duas razões: (1) devido a seu pequenotamanho, são facilmente ocluídos; (2) devido à percentagem maior demúsculo liso em suas paredes, sofrem contração muito fácil.

Controle nervoso e local da musculatura bronquiolar — controlesimpático. O controle direto dos bronquíolos por fibras nervosas simpá-ticas é relativamente fraco, devido ao pequeno número de fibras quepenetram nas porções centrais do pulmão. Entretanto, a árvore brônquicaé muito mais exposta a norepínefrina e epinefrina circulantes, liberadasno sangue por estimulação simpática da medula supra-renal. Esses doishormônios, sobretudo a epinefrina, causam dilatação da árvore brônquica

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Fig. 37.9 As vias respiratórias.

em virtude de maior estimulação dos receptores beta.Estimulação parassimpática. Algumas fibras nervosas parassimpá-

ticas provenientes dos nervos vagos também penetram no parênquimapulmonar. Esses nervos secretam acetilcolina quando ativados, e causamconstrição leve a moderada dos bronquíolos. Quando algum processopatológico, como a asma, já causou alguma constrição, a estimulaçãonervosa parassimpática sobreposta quase sempre agrava a condição. Nes-sas circunstâncias, a administração de medicamentos que bloqueiam osefeitos da acetilcolina, como a atropina, pode. algumas vezes, relaxaras vias respiratórias o suficiente para aliviar a obstrução.

Os nervos parassimpáticos são por vezes ativados por reflexos quese originam nos pulmões. A maior parte decorre da irritação das mem-branas epiteliais das próprias vias aéreas respiratórias, devido a gasesnocivos, poeira, fumaça de cigarro ou infecção brônquica. Além disso,verifica-se a ocorrência freqüente de reflexo constritor bronquíolar quan-do as pequenas artérias pulmonares são ocluídas por microêmbolos.

Fatores locais que afetam a contração brônquica. Diversassubstâncias diferentes formadas nos próprios pulmões são quase sempremuito ativas, causando constrição bronquiolar. Duas das maisimportantes dessas substâncias são a histamina e a substância de reaçãolenta da anafilaxia. Ambas são liberadas nos tecidos pulmonares pelosmastócitos durante as reações alérgicas, em particular reações alérgicascausadas pela presença de pólen no ar. Por conseguinte, desempenhampapéis fundamentais na produção da obstrução das vias aéreas queocorre na asma alérgica. Esse é particularmente o caso da substânciade reação lenta da anafilaxia.

Além disso, os mesmos irritantes que causam reflexos vasocons-tritores parassimpáticos das vias aéreas — fumaça, poeira, dióxido deenxofre e alguns dos elementos ácidos presentes no nevoeiro — podemdesencadear reações locais não-nervosas que causam constrição obstru-tiva das vias aéreas.

O revestimento mucoso das vias respiratórias e a ação dos cíliosna limpeza das vias aéreas

Todas as vias respiratórias, desde o nariz até os bronquíolos termi-nais, são mantidas úmidas por uma camada de muco que reveste todaa superfície. Esse muco é secretado, em parte, por células caliciformesisoladas presentes no revestimento epitelial das vias aéreas e, em parte,por pequenas glândulas submucosas. Além de umedecer as superfícies.

o muco também retira pequenas partículas do ar inspirado e impedeque a maioria alcance os alvéolos. O próprio muco é removido dasvias aéreas da seguinte maneira:

Toda a superfície das vias aéreas, tanto no nariz quanto nas viasaéreas inferiores até os bronquíolos terminais, é revestida por epitéliociliado, com cerca de 200 cílios em cada célula epitelial. Esses cíliosbatem continuamente, com velocidade de 10 a 20 vezes por segundo,pelo mecanismo explicado no Cap. 2, sendo a direção de sua "potênciapropulsora" orientada sempre para a faringe. Isto é, os cílios nas viasrespiratórias inferiores batem para cima, enquanto os presentes no narizbatem para baixo. Esse batimento contínuo determina o fluxo lentodo muco, com velocidade de cerca de 1 cm/min, em direção à faringe.A seguir, o muco e suas partículas aprisionadas são deglutidos ou elimina-dos para o exterior pela tosse.

Reflexo da tosse

Os brônquios e a traquéia são tão sensíveis ao toque leve que apresença de quantidades excessivas de qualquer substância estranha ouqualquer outra causa de irritação desencadeiam o reflexo da tosse. Alaringe e a carina (o ponto onde a traquéia se divide nos brônquios)são particularmente sensíveis, e os bronquíolos terminais e, até mesmo,os alvéolos são muito sensíveis a estímulos químicos corrosivos, comodióxido de enxofre e cloro. Os impulsos aferentes provenientes das viasrespiratórias passam principalmente pelos nervos vagos e dirigem-se parao bulbo. Aí é desencadeada uma seqüência automática de eventos peloscircuitos neuronais do bulbo, causando os efeitos que se seguem.

Primeiro, cerca de 2,5 1 de ar são inspirados. Segundo, a epiglotese fecha, e as cordas vocais se cerram fortemente para aprisionar oar no interior dos pulmões. Terceiro, os músculos abdominais se contraemfortemente, empurrando o diafragma para cima, enquanto outros múscu-los expiratórios, como os intercostais internos, também se contraemintensamente. Como conseqüência, a pressão nos pulmões eleva-se para100 mm Hg ou mais. Quarto, as cordas vocais e a epiglote se abremsubitamente, de modo que o ar contido sob pressão nos pulmões explodepara o exterior. Com efeito, esse ar é algumas vezes expelido com veloci-dades de até 120 a 160 km por hora. Além disso, outro aspecto muitoimportante é que a forte compressão dos pulmões também causa colapsodos brônquios e da traquéia, fazendo com que as partes não-cartilagínosasse invaginem para o lúmen, de modo que o ar expelido passa, na reali-

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dade, através de fendas brônquicas e traqueais. O ar, em movimentorápido, geralmente carrega consigo qualquer corpo estranho que estejapresente nos brônquios ou na traquéia.

Reflexo do espirro

O reflexo do espirro assemelha-se muito ao da tosse, exceto queele se aplica às vias nasais, e não às vias aéreas inferiores. O estímuloque desencadeia o reflexo do espirro é a irritação das vias nasais; osimpulsos aferentes passam pelo quinto par e dirigem-se para o bulbo,onde o reflexo se inicia. Ocorre uma série de reações semelhantes àsobservadas no reflexo da tosse; entretanto, a úvula é deprimida, demodo que grandes quantidades de ar passam rapidamente pelo nariz,ajudando, assim, a limpar as vias nasais, eliminando os materiais estra-nhos.

FUNÇÕES RESPIRATÓRIAS DO NARIZ

À medida que o ar passa pelo nariz, três funções distintas são efetua-das pelas cavidades nasais: (1) O ar é aquecido pelas superfícies extensasdas conchas e do septo, com área total de cerca de 160 cm2, conformeilustrado na Fig. 37.9. (2) O ar é quase totalmente umidificado, até mesmoantes de transpor o nariz. (3) O ar é filtrado. Todas essas funções reunidasrecebem a designação de função condicionadora do ar das vias aéreasrespiratórias superiores. Em geral, a temperatura do ar inspirado eleva-sepor 0,5"C em relação à temperatura corporal e de 2 a 3% da saturaçãoplena com vapor de água antes de atingir a traquéia. Quando a pessoarespira ar através de um tubo diretamente para a traquéia (como sefosse através de traqueostomia), o efeito de esfriamento e, sobretudo,de ressecamento no pulmão pode resultar em formação de crostas einfecção pulmonar.

Função de filtração do nariz. Os pêlos existentes na entrada dasnarinas são importantes para a remoção de grandes partículas. Todavia,muito mais importante é a remoção de partículas por precipitação turbu-lenta. Isto é, o ar que passa pelas vias nasais choca-se com muitas saliên-cias obstrutivas: as conchas (também denominadas ""cornetos" por causa-rem turbulência do ar), o septo e a parede faríngea. Toda vez queo ar se choca com uma dessas obstruções, deve mudar a direção deseu movimento; as partículas suspensas no ar, possuindo muito maismassa e momento do que o ar, não conseguem modificar sua direçãotão rapidamente quanto o ar. Assim, seguem adiante, golpeando assuperfícies das obstruções, onde são aprisionadas no revestimento muco-so e transportadas pelos cílios até a faringe para serem deglutidas.

Tamanho das partículas aprisionadas nas vias respiratórias. Omecanismo de turbulência nasal para a remoção de partículaspresentes no ar é tão eficaz que quase nenhuma partícula com maisde 4 a 6 µm de diâmetro penetra nos pulmões pelo nariz. Essetamanho é menor que o dos eritrócitos.

Quanto às partículas restantes, muitas com tamanhos entre 1 e 5µm, depositam-se nos bronquíolos menores como conseqüência da preci-pitação gravitacional. Por exemplo, a doença bronquiolar terminal émuito comum nos mineiros de carvão, devido à precipitação de partículasde poeira. Algumas das partículas ainda menores (com diâmetro demenos de 1µm difundem-se contra as paredes dos alvéolos e aderem

ao líquido alveolar. Todavia, muitas partículas com menos de0,5 /µm de diâmetro permanecem suspensas no ar alveolar e sãoexpelidas mais tarde pela expiração. Por exemplo, as partículas defumaça de cigarro possuem tamanho de aproximadamente 0,3 /am.Quase nenhuma delas sofre precipitação nas vias aéreasrespiratórias antes de alcançar os alvéolos. Todavia, até um terço seprecipita nos alvéolos pelo processo de difusão, enquanto asdemais permanecem suspensas e são expelidas no ar expirado.Muitas das partículas que ficam aprisionadas nos alvéolos são remo-vidas por macrófagos areolares, conforme explicado no Cap. 33,enquanto outras são transportadas por linfáticos pulmonares. Oexcesso de partículas determina o crescimento de tecido fibrosonos septos alveolares, resultando em debilidade permanente.

VOCALIZAÇÃO

A fala envolve não apenas o sistema respiratório, mas também(1) centros específicos de controle nervoso da fala no córtexcerebral, que são discutidos no Cap. 57, (2) centros de controlerespiratório do encéfalo, e (3) as estruturas de articulação e deressonância da boca e das cavidades nasais. Basicamente, a fala éconstituída por duas funções mecânicas distintas: (1) a fonação,realizada pela laringe, e (2) a articulação, efetuada pelas estruturasda boca.

Fonação. A laringe está especialmente adaptada para atuarcomo vibrador. O elemento vibrátil é constituído pelas cordasvocais, que fazem protrusão das paredes laterais da laringe para ocentro da glote; são estiradas e posicionadas por vários músculosespecíficos da própria laringe. A Fig. 37.10B ilustra as cordas vocaiscomo são vistas ao se examinar a glote com laringoscópio. Durantea respiração normal, as cordas se abrem para permitir a fácilpassagem de ar. Durante a fonação, as cordas se fecham de modoque a passagem de ar entre elas provoca vibração. A altura davibração é determinada principalmente pelo grau de estiramentodas cordas, mas também pelo grau de aproximação das cordasentre si e pela massa de suas bordas. A Fig. 37.10A mostra umavisão dissecada das cordas vocais após remoção de seurevestimento mucoso. Imediatamente no interior de cada cordavocal existe um forte ligamento elástico, denominado ligamentovocal. Esse ligamento vocal fixa-se anteriormente â grande cartila-gem tireóidea, que faz protrusão na superfície anterior do pescoço,sendo conhecida como "pomo de Adão". Posteriormente, oligamento vocal liga-se aos processos vocais das duas cartilagensuritenóides. Tanto a cartilagem tireóide quanto as cartilagensaritenóides articulam-se, por sua vez, com outra cartilagem nãorepresentada na Fig. 37.10, a cartilagem cricóide.As cordas vocais podem ser estiradas por rotação da cartilagem

tireóide para frente ou por rotação posterior das cartilagensaritenóides, ativadas por músculos que se estendem das cartilagenstireóide e aritenóides para a cartilagem cricóide. Os músculoslocalizados no interior das cordas vocais, lateralmente aosligamentos vocais — os músculos tircoaritenóides — podemtracionar as cartilagens aritenóides em direção ã cartilagemtireóide, afrouxando as cordas vocais. Além disso, tiras dessesmúsculos podem modificar a forma e a massa das bordas dascordas vocais, esticando-as para emitir sons agudos e relaxando-aspara sons mais baixos.

Fig. 37.10 Função da laringe na fonação.(Modificado de Greene: The Voice and ItsDisorders. 4. ed. Philadelphia, J.B. LippincottCo., 1980.)

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Por fim, vários outros grupos de músculos laríngeos muito pequenossituam-se entre as cartilagens aritenóides e a cartilagem cricóide e podemdeterminar a rotação dessas cartilagens para dentro ou para fora outracionar suas bases, estabelecendo as várias configurações das cordasvocais ilustradas na Fig. 37.10B.

Articulação e ressonância. Os três órgãos principais da articulaçãosão os lábios, a língua, e o palato mole. Esses órgãos não precisamser discutidos em detalhe, porque já estamos familiarizados com seusmovimentos durante a fala e outras vocalizações.

Os ressonadores incluem a boca, o nariz e os seios nasais associados,a faringe e até mesmo a própria cavidade torácica. Aqui também estamostodos habituados com as qualidades de ressonância dessas diferentesestruturas. Por exemplo, a função dos ressonadores nasais é ilustradapela mudança na qualidade da voz quando a pessoa está com resfriadointenso, bloqueando as passagens aéreas para esses ressonadores.

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CAPÍTULO 38

Circulação Pulmonar; Edema Pulmonar;Líquido Pleural.

A quantidade de sangue que flui pelos pulmões éessencialmente igual à que flui pela circulação sistêmica.Todavia, certos problemas relacionados à distribuição de fluxosanguíneo e a outros aspectos hemodinâmicos são peculiares àcirculação pulmonar e têm importância especial na função detroca gasosa dos pulmões. Por conseguinte, o presente capítuloversará, especificamente, sobre essas características especiais dacirculação pulmonar.

ANATOMIA FISIOLÓGICA DO SISTEMACIRCULATÓRIO PULMONAR

Vasos pulmonares. A artéria pulmonar estende-se por apenas 5 cmalém do ápice do ventrículo direito e, a seguir, divide-se nos ramosprincipais direito e esquerdo que suprem os dois pulmões respectivos.A artéria pulmonar também é fina, e a espessura de sua parede corres-ponde aproximadamente a duas vezes a da veia cava e a um terço daaorta. Todos os ramos da artéria pulmonar são muito curtos. Todavia,todas as artérias pulmonares, mesmo as artérias menores e arteríolas,têm diâmetros muito maiores do que as artérias sistêmicas correspon-dentes. Esta característica, somada à finura das paredes e distensibilidadedos vasos, confere à árvore arterial pulmonar complacência muito grande,que atinge em média quase 7 ml/mm Hg, ou seja, semelhante à detoda a árvore arterial sistêmica. Essa grande complacência permite àsartérias pulmonares acomodarem cerca de dois terços do débito sistólicodo ventrículo direito.

As veias pulmonares, como as artérias pulmonares, também sãocurtas, porém suas características de distensibilidade assemelham-se àsdas veias da circulação sistêmica.

Vasos brônquicos. O sangue também flui para os pulmões por váriasartérias brônquicas, que correspondem a cerca de 1 a 2% do débitocardíaco total. Esse sangue das artérias brônquicas é oxigenado, emcontraste com o sangue parcialmente desoxigenado das artérias pulmo-nares. Supre os tecidos de sustentação dos pulmões, incluindo o tecidoconjuntivo, os septos e os grandes e pequenos brônquios. Após ter passa-do pelos tecidos de sustentação, esse sangue arterial brônquico deságuanas veias pulmonares e entro no átrio esquerdo, em vez de retornarao átrio direito. Por conseguinte, o débito ventricular esquerdo é ligeira-mente maior do que o débito ventricular direito.

Linfáticos. Os linfáticos estendem-se a partir de todos os tecidosde sustentação do pulmão, começando nos espaços de tecido conjuntivoque circundam os bronquíolos terminais e dirigindo-se até o hilo dopulmão e, daí, principalmente para o duto linfático direito. As partículasque penetram nos alvéolos são parcialmente removidas por esses canais,e as proteínas também são removidas dos tecidos pulmonares, evitando,assim, a formação de edema.

PRESSÕES NO SISTEMA PULMONAR

Curva do pulso de pressão no ventrículo direito. As curvasdo pulso de pressão do ventrículo direito e da artéria pulmonarestão ilustradas na parte inferior da Fig. 38.1. Estas curvas con-trastam com a curva de pressão aórtica muito mais alta mostradaacima. A pressão sistólica no ventrículo direito do ser humanonormal é, em média, de cerca de 25 mmHg, enquanto a pressãodiastólica é, em média, de cerca de 0 a 1 mm Hg. Esses valoresequivalem a apenas um quinto dos observados no ventrículoesquerdo.

Pressões na artéria pulmonar. Durante a sístole, a pressãona artéria pulmonar é essencialmente igual à pressão no ventrículodireito, conforme ilustrado também na Fig. 38.1. Todavia, depoisque a válvula pulmonar se fecha, ao final da sístole, a pressãoventricular cai de modo abrupto, enquanto a pressão arterialpulmonar o faz lentamente à medida que o sangue flui peloscapilares pulmonares.

Conforme ilustrado na Fig. 38.2, a pressão arterial pulmonarsistólica no ser humano normal atinge, em média, cerca de 25mm Hg; a pressão arterial pulmonar diastólica é de aproxima-

Fig. 38.1 Contornos das curvas de pressão no ventrículo direito, naartéria pulmonar e na aorta.

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Fig. 38.2 Pressões nos diferentes vasos dos pulmões.

damente 8 mm Hg; e a pressão média arterial pulmonar, de15 mmHg.

Pressão do pulso arterial pulmonar. A pressão do pulso nasartérias pulmonares é, em média, de 17 mm Hg, o que corres-ponde a dois terços da pressão sistólica. Na exposição anterior,concernente à pressão de pulso na circulação sistêmica, foi frisadoque, quanto menor a complacência de um reservatório elásticoque recebe injeções pulsáteis de sangue, maior a pressão depulso. Não fosse a grande complacência das finas artérias pulmo-nares, a pressão do pulso arterial pulmonar seria ainda maiordo que realmente é. Todavia, outro fator que impede que apressão de pulso seja ainda mais elevada é que cerca de umterço do sangue ejetado pelo ventrículo direito passa das artériaspulmonares, pelos capilares, para as vias pulmonares e o átrioesquerdo, ao mesmo tempo que está sendo ejetado durante asístole.

Pressão capilar pulmonar. A pressão média capilar pulmo-nar, como mostra o diagrama da Fig. 38.2, tem sido estimadapor métodos indiretos, sendo de aproximadamente 7 mm Hg.Esse dado será discutido com maiores detalhes posteriormente,em relação às funções de troca de líquido dos capilares.

Pressões atrial esquerda e venosa pulmonar. A pressão mé-dia no átrio esquerdo e nas veias pulmonares principais é, emmédia, de 2 mm Hg no ser humano em decúbito, variando desde1 mm Hg até 5 mm Hg.

Em geral, não é conveniente medir diretamente a pressãoatrial esquerda no ser humano normal, devido à dificuldade deintroduzir um cateter através das câmaras cardíacas até o átrioesquerdo. Todavia, a pressão atrial esquerda quase sempre podeser determinada com precisão ao se medir a denominada pressãopulmonar de oclusão. Essa determinação é efetuada ao se intro-duzir um cateter através do coração direito e da artéria pulmonaraté um dos pequenos ramos das artérias pulmonares e ao empur-rá-lo até que oclua totalmente a artéria. A pressão medida, então,através do cateter, denominada "pressão de oclusão", é de cercade 5 mm Hg. Como todo o fluxo sanguíneo foi interrompidona pequena artéria, e considerando-se o fato de que os vasossanguíneos que se estendem a partir da artéria estabelecem cone-xão quase direta, por meio dos capilares pulmonares, com osangue das veias pulmonares, essa pressão de oclusão costumaser apenas 2 a 3 mm Hg mais elevada do que a pressão atrialesquerda. Além disso, quando essa pressão atrial esquerda atingevalores elevados, verifica-se também elevação da pressão pulmo-nar de oclusão. Por conseguinte, as determinações da pressãode oclusão são quase sempre utilizadas para estudar as alteraçõesda pressão atrial esquerda na insuficiência cardíaca congestiva.

VOLUME DE SANGUE DOS PULMÕES

O volume de sangue dos pulmões é de aproximadamente450 ml, ou seja, cerca de 9% do volume sanguíneo total do

sistema circulatório. Cerca de 70 ml desse sangue encontram-senos capilares, enquanto o restante se distribui mais ou menosigualmente entre as artérias e veias.

Os pulmões como reservatório sanguíneo. Em diferentes con-dições fisiológicas e patológicas, a quantidade de sangue nospulmões pode variar desde apenas metade do normal até maisde duas vezes. Por exemplo, quando a pessoa sopra ar comtanta força que chega a elevar a pressão nos pulmões - como aosoprar um pistão -, até 250 ml de sangue podem ser expelidos dosistema circulatório pulmonar para a circulação sistêmica,Além disso, a perda de sangue da circulação sistêmica por hemor-ragia pode ser compensada, em parte, pelo desvio automáticode sangue dos pulmões para os vasos sistêmicos.

Desvio de sangue entre os sistemas circulatórios pulmonar esistêmico como conseqüência de patologia cardíaca. Ainsuficiência do coração esquerdo ou o aumento da resistência aofluxo sanguíneo através da válvula mitral, em conseqüência deestenose ou de regurgitação mitral, provoca acúmulo desangue na circulação pulmonar, aumentando, por vezes, ovolume sanguíneo pulmonar por até 100%, causando, também,elevações correspondentes nas pressões vasculares pulmonares.

Como o volume da circulação sistêmica é cerca de novevezes o do sistema pulmonar, o desvio de sangue de um sistemapara outro afeta sobremaneira o sistema pulmonar, mas, emgeral, tem efeitos sistêmicos apenas leves.

FLUXO SANGUÍNEO PELOS PULMÕES E SUADISTRIBUIÇÃO

O fluxo sanguíneo pelos pulmões é essencialmente igual aodébito cardíaco. Por conseguinte, os fatores que controlam odébito cardíaco - principalmente os fatores periféricos, conformediscutido no Cap. 20 — também controlam o fluxo sanguíneopulmonar. Na maioria das condições, os vasos pulmonares atuamcomo tubos passivos e distensíveis, que se alargam com a cres-cente pressão e sofrem constrição com a queda de pressão. Toda-via, para haver aeração adequada do sangue, é importante queele se distribua pelos segmentos pulmonares onde os alvéolosestão bem mais oxigenados. Para isso, entra em ação o mecanismoque se segue.

Efeito da redução do oxigênio alveolar sobre o fluxo sanguíneoalveolar local — controle automático da distribuição do fluxosanguíneo pulmonar. Quando a concentração de oxigênio nosalvéolos diminui abaixo da faixa normal, os vasos sanguíneosadjacentes sofrem lenta constrição durante 3 a 10 minutos, ea resistência vascular aumenta por até cinco vezes na presençade níveis extremamente baixos de oxigênio. É interessante assina-lar, em particular, que esse é oposto do efeito normalmente obser-vado nos vasos sistêmicos, que se dilatam em resposta a baixosníveis de oxigênio, em lugar de se contrair. Acredita-se que abaixa concentração de oxigênio determina a liberação, pelo tecidopulmonar, de alguma substância vasoconstritora ainda não desco-berta que, por sua vez, promoveria a constrição das pequenasartérias. Sugeriu-se que esse vasoconstritor poderia ser secretadopelas células epiteliais alveolares quando elas ficam hipóxicas.

O efeito dos baixos níveis de oxigênio sobre a resistênciavascular periférica possui importante função: a de distribuir ofluxo sanguíneo onde for mais eficaz. Isto é, quando alguns alvéo-los estão insuficientemente ventilados, de modo que sua concen-tração de oxigênio fica baixa, os vasos locais sofrem constrição.Isso, por sua vez, faz com que a maior parte do sangue fluapor outras áreas do pulmão melhor arejadas, proporcionando,desse modo, um sistema automático de controle para a distri-buição do fluxo sanguíneo para as diferentes áreas pulmonaresem proporção a seu grau de ventilação.

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Escassez do controle nervoso autonômico sobre o fluxo sanguíneopulmonar. Apesar de os tecidos pulmonares serem inervados, é duvidosoque esses nervos desempenhem função importante no controle normaldo fluxo sanguíneo pulmonar. Nas condições normais, a estimulaçãodas fibras vagais para os pulmões determina ligeira redução da resistênciavascular pulmonar, enquanto a estimulação simpática provoca elevaçãomoderada da resistência; ambos os efeitos parecem ser demasiado peque-nos para terem mais do que importância marginal.

Todavia, diversos pesquisadores descreveram reflexos no sistemavascular pulmonar que, em certas condições, poderiam adquirir impor-tância clínica. Por exemplo, foi proposto que a presença de pequenosêmbolos ocluindo as pequenas artérias pulmonares produz reflexo quepromove vasoconstrição simpática em todo o pulmão, com a conseqüenteelevação da pressão arterial pulmonar. Contudo, o significado dessereflexoainda permanece incerto,

Em contraste com o efeito muito leve (quase nulo) que a estimulaçãosimpática exerce sobre os pequenos vasos de resistência dos pulmões,o efeito da constrição dos grandes vasos pulmonares de capacitânciaé muito grande, sobretudo nas veias. Essa constrição dos grandes vasosproporciona um meio pelo qual a estimulação simpática pode deslocargrande parte de sangue extra dos pulmões para outros segmentos dacirculação quando isso é necessário.

EFEITO DOS GRADIENTES DE PRESSÃOHIDROSTÁTICA NOS PULMÕES SOBRE O FLUXOSANGUÍNEO PULMONAR REGIONAL

No Cap. 15, foi assinalado que a pressão no pé de pessoa em posiçãoereta pode ser 90 mm Hg maior que a pressão ao nível do coração.Essa diferença é causada pela pressão hidrostática — isto é, pelo pesodo próprio sangue. O mesmo efeito, porém em menor grau, é observadonos pulmões. No adulto normal ereto, o ponto mais inferior dos pulmõesestá cerca de 30 cm abaixo do ponto mais alto; isso representa diferençade pressão de 23 mm Hg, ou seja, cerca de 15 mm Hg acima do coraçãoe 8 mm Hg abaixo. Isto é, as pressões arteriais pulmonares na porçãosuperior do pulmão de pessoa ereta são cerca de 15 mm Hg menoresdo que a pressão arterial pulmonar ao nível do coração; a pressão naporção mais inferior dos pulmões é cerca de 8 mm Hg maior. Essasdiferenças de pressão exercem efeitos profundos sobre o fluxo sanguíneopelas diferentes áreas dos pulmões. Esses efeitos estão ilustrados pelacurva inferior da Fig. 38.3, que mostra, na forma de gráfico, o fluxode sangue por unidade de tecido pulmonar, em função do nível hidros-tático nos pulmões. É preciso observar que, na posição ortostática, emrepouso, o fluxo na parte superior do pulmão é muito pequeno, masaumenta cerca de cinco vezes em sua base. Para ajudar a explicar essas

Fig. 38.3 Fluxo sanguíneo em diferentes níveis do pulmão empessoa ereta, em repouso e durante o exercício. Observar que, quando apessoa está em repouso, o.fluxo sanguíneo é muito baixo no ápice dospulmões, enquanto a maior parte do fluxo ocorre na porção inferior dopulmão

Fig. 38.4 Mecânica do fluxo sanguíneo nas três zonas distintas de fluxosanguíneo do pulmão: zona 1, ausência de fluxo, visto que a pressãoalveolar é maior do que a pressão arterial; zona 2, fluxo intermitente,visto que a pressão arterial sistólica aumenta mais do que a pressãoalveolar, enquanto a pressão diastólica fica abaixo da pressão alveolar;zona 3, fluxo contínuo, visto que a pressão arterial permanece sempremaior do que a pressão alveolar.

diferenças, costuma-se dividir o pulmão em três zonas distintas, conformeilustrado na Fig. 38.4, onde os padrões de fluxo sanguíneo são muitodiferentes. Vamos explicar essas diferenças.

Zonas 1, 2 e 3 de fluxo sanguíneo pulmonar

Os capilares nas paredes alveolares estão distendidos pela pressãosanguínea em seu interior, mas, ao mesmo tempo, são comprimidospela pressão alveolar exercida externamente. Por conseguinte, toda vezque a pressão alveolar fica maior do que a pressão sanguínea capilar,os capilares se fecham, e não ocorre qualquer fluxo sanguíneo. Emdiferentes condições normais e patológicas, podemos observar qualqueruma dessas três zonas possíveis de fluxo sanguíneo pulmonar:

Zona 1: Não ocorre fluxo sanguíneo em qualquer momento do ciclocardíaco, visto que a pressão capilar local nessa área do pulmão nuncaé maior do que a pressão alveolar durante qualquer parte do ciclo car-díaco.

Zona 2: Fluxo sanguíneo intermitente durante os picos de pressãoarterial pulmonar, visto que a pressão sistólica é maior do que a pressãoalveolar, enquanto a pressão diastólica é menor do que a pressão alveolar.

Zona 3: Fluxo sanguíneo contínuo, visto que a pressão capilar alveo-lar permanece maior do que a pressão alveolar durante todo o ciclocardíaco.Em condições normais, os pulmões só possuem fluxo sanguíneo daszonas 2 e 3, situando-se a zona 2 (fluxo intermitente) nos ápices,enquanto a zona 3 (fluxo contínuo) é observada em todas as áreas inferio-res. Vamos explicar isso. Quando uma pessoa está na posição ortostática,a pressão arterial pulmonar no ápice do pulmão é cerca de 15 mm Hginferior à pressão ao nível do coração. Por conseguinte, a pressão sistólicaapical é de apenas 10 mm Hg (25 mm Hg ao nível do coração menosa diferença de pressão hidrostática de 15 mm Hg). Obviamente, elaé maior do que a pressão alveolar zero, de modo que o sangue fluipelos vasos sanguíneos apicais pulmonares durante a sístole. Por outrolado, durante a sístole, a pressão diastólica de 8 mm Hg ao nível docoração não é suficiente para elevar o sangue até o gradiente de pressãohidrostática de 15 mm Hg, necessário para causar o fluxo diastólico.Por conseguinte, o fluxo sanguíneo pela parte apical do pulmão é intermi-tente, havendo fluxo durante a sístole e interrupção do fluxo durantea diástole. Este é o denominado fluxo sanguíneo da zona 2, que começanos pulmões normais, aproximadamente 10 cm acima do nível do coração,estendendo-se até o ápice dos pulmões.

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Nas regiões inferiores dos pulmões, a cerca de 10 cm acima donível do coração, a pressão arterial pulmonar permanece maior do quea pressão alveolar zero durante a sístole e a diástole. Por conseguinte,existe fluxo contínuo, indicando o fluxo sanguíneo de zona 3. Alémdisso, quando a pessoa está deitada, nenhuma parte dos pulmões ficaa mais de alguns centímetros acima do nível do coração. Por conseguinte,na pessoa normal, o fluxo sanguíneo é sempre totalmente de zona 3,incluindo os ápices.

O fluxo sanguíneo de zona 1 só ocorre em condições anormais. Ofluxo sanguíneo de zona 1, que é a ausência de fluxo durante o ciclocardíaco, ocorre quando a pressão arterial sistêmica pulmonar é dema-siado baixa ou quando a pressão alveolar é excessivamente alta parapermitir a ocorrência de fluxo. Por exemplo, se uma pessoa em posiçãoereta estiver respirando contra uma pressão positiva, de modo que apressão intra-alveolar seja 10 mm Hg ou mais acima do normal, porémcom pressão sistólica pulmonar normal, pode-se esperar um fluxo sanguí-neo de zona 1 — isto é, ausência de fluxo sanguíneo — pelo menosnos ápices pulmonares. Outra situação em que ocorre fluxo sanguíneode zona 1 é observada na pessoa ereta cuja pressão sistólica pulmonaré excessivamente baixa, como a que pode ocorrer nos estados hipovo-lêmicos.

Efeito do exercício sobre o fluxo sanguíneo pelas diferentespartes dos pulmões. Ao analisar novamente a Fig. 38.3, podemosperceber que o fluxo sanguíneo em todas as regiões pulmonaresaumenta durante o exercício. Todavia, o aumento do fluxo no ápicedo pulmão pode ser de até 700 a 800%, enquanto, na base pulmonar,pode ser de apenas 200 a 300%. A razão desses efeitos reside nas pressõesvasculares pulmonares consideravelmente mais elevadas que ocorremdurante o exercício, convertendo efetivamente todo o pulmão no padrãode fluxo de zona 3.

EFEITO DO AUMENTO OO DÉBITO CARDÍACOSOBRE A CIRCULAÇÃO PULMONAR DURANTE OEXERCÍCIO INTENSO

Durante o exercício intenso, o fluxo sanguíneo pelos pulmõesaumenta quatro a sete vezes. Esse fluxo adicional é obtido deduas maneiras: (1) pelo aumento do número de capilares abertos,algumas vezes por três vezes, e (2) pelo aumento da velocidadedo fluxo através de cada capilar, quase sempre por duas vezes.Felizmente, no indivíduo normal, esses dois fatores em conjuntodiminuem a resistência vascular pulmonar, a ponto de a pressãoarterial pulmonar aumentar muito pouco até mesmo duranteo exercício máximo. Esse efeito está ilustrado na Fig. 38.5.

Fig. 38.5 Efeito do aumento do débito cardíaco sobre a pressão arterialpulmonar.

Essa capacidade dos pulmões de acomodar um fluxo sanguí-neo acentuadamente aumentado durante o exercício conservaobviamente a energia do coração direito e impede, também,elevação significativa da pressão capilar pulmonar, impedindo,portanto, o desenvolvimento de edema pulmonar durante o débi-to cardíaco aumentado.

FUNÇÃO DA CIRCULAÇÃO PULMONAR QUANDO APRESSÃO ATRIAL ESQUERDA AUMENTA COMOCONSEQUÊNCIA DA INSUFICIÊNCIA DO CORAÇÃOESQUERDO

Quando o coração esquerdo se torna insuficiente, o sanguecomeça a acumular-se no átrio esquerdo. Como conseqüência,a pressão atrial esquerda pode, em certas ocasiões, aumentarde seu valor normal de 1 a 5 mm Hg para 40 a 50 mm Hg.A elevação inicial, de até cerca de 7 mm Hg, quase não exerceefeito sobre a função circulatória pulmonar, visto que esse aumen-to inicial apenas expande as vênulas e abre mais capilares, demodo que o sangue continua a fluir das artérias pulmonarescom facilidade quase igual. A Fig. 38.6 ilustra esse efeito, mos-trando não haver quase variação da pressão arterial pulmonarnas pressões atriais esquerdas mais baixas. Como a pressão atrialesquerda no indivíduo normal quase nunca se eleva acima de+ 6 mm Hg, mesmo durante o exercício extremamente intenso,as alterações da pressão atrial esquerda praticamente não exer-cem efeito sobre a função circulatória pulmonar, exceto quandoocorre insuficiência do coração esquerdo.

Todavia, quando a elevação da pressão atrial esquerda ésuperior a 7 ou 8 mm Hg, qualquer aumento adicional da pressãoatrial esquerda irá causar elevação quase igual da pressão arterialpulmonar, conforme indicado na Fig. 38.6, com aumento conco-mitante da carga sobre o coração direito.

Também é verdade que a elevação inicial da pressão atrialesquerda para cerca de 7 ou 8 mm Hg praticamente não exercequalquer efeito sobre a pressão capilar pulmonar. Entretanto,qualquer elevação da pressão atrial esquerda acima disso aumentaquase igualmente a pressão capilar. Quando a pressão atrial es-querda aumenta acima de 25 a 30 mm Hg, causando elevaçõessemelhantes da pressão capilar, é muito provável haver desenvol-vimento de edema pulmonar.

DINÂMICA CAPILAR PULMONAR

As trocas de gases entre o ar alveolar e o sangue capilarpulmonar serão discutidas no próximo capítulo. Todavia, é impor-tante assinalar aqui que as paredes alveolares são recobertas por

Fig. 38.6 Efeito da pressão atrial esquerdasobre a pressão arterial pulmonar.

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tantos capilares que, na maioria das áreas, quase chegam a setocar. Por conseguinte, costuma-se dizer que o sangue capilarflui nas paredes alveolares como uma "lâmina", mais do queem vasos individuais.

Pressão capilar pulmonar. Infelizmente, ainda não foi efetua-da medida direta da pressão capilar pulmonar. Entretanto, amedida "isogravimétrica" da pressão capilar pulmonar, utilizandoa técnica descrita no Cap. 16, tem fornecido um valor de 7mm Hg. Este valor é provavelmente quase correto, visto que ( apressão atrial esquerda média é de cerca de 2 mm Hg, e apressão arterial pulmonar média, de apenas 15 mm Hg, de modoque a pressão capilar pulmonar média deve situar-se entre essesdois valores.

Tempo de permanência do sangue nos capilares. Com baseno estudo histológico da área total da seção transversa de todosos capilares pulmonares, pode-se calcular que, quando o débitocardíaco é normal, o sangue flui pelos capilares pulmonares emcerca de 0,8 segundo. O aumento do débito cardíaco reduz estetempo, algumas vezes, para menos de 0,3 s; essa redução seriamuito maior não fosse o fato de que capilares adicionais, quenormalmente estão colapsados, abrem-se para acomodar o au-mento do fluxo sanguíneo. Por conseguinte, em menos de 1 s,o sangue que passa pelos capilares fica oxigenado e perde seuexcesso de dióxido de carbono.

TROCA DE LÍQUIDO NOS CAPILARESPULMONARES E DINÂMICA DO LÍQUIDOINTERSTICIAL PULMONAR

zida no interstício pulmonar, fornecendo valor de cerca de -5 mm Hg, e pela medida da pressão de absorção do líquidodos alvéolos, fornecendo valor de cerca de - 8 mm Hg.)

3. Os capilares pulmonares são relativamente permeáveisa moléculas protéicas, de modo que a pressão coloidosmóticados líquidos intersticiais pulmonares é provavelmente de cercade 14 mm Hg em comparação com menos da metade desse valornos tecidos periféricos.

4. As paredes alveolares são extremamente delgadas, e oepitélio alveolar que recobre as superfícies alveolares é tão fracoque pode sofrer ruptura em conseqüência de qualquer pressãopositiva nos espaços intersticiais acima da pressão atmosférica(0 mm Hg), permitindo a passagem de líquido dos espaços intersticiais para o interior dos alvéolos.

Vejamos agora de que maneira essas diferenças quantitativasafetam a dinâmica do líquido pulmonar.

Inter-relação entre pressão do líquido intersticial e outraspressões no pulmão. A Fig. 38.7 ilustra um capilar pulmonar,um alvéolo pulmonar e um capilar linfático drenando o espaçointersticial entre o capilar e o alvéolo. Observe o equilíbrio deforças na membrana capilar:

Por conseguinte, as forças normais para fora são ligeiramentemaiores que as forças que atuam para dentro. A pressão médiade filtração efetiva na membrana capilar pulmonar pode ser calcu-lada da seguinte maneira:

A dinâmica da troca de líquido através dos capilares pulmo-nares é qualitativamente a mesma que a dos tecidos periféricos.Todavia, do ponto de vista quantitativo, existem importantesdiferenças:

1. A pressão capilar pulmonar é muito baixa, da ordemde cerca de 7 mm Hg, em comparação com a pressão capilarfuncional consideravelmente mais elevada nos tecidos periféricos,da ordem de cerca de 17 mm Hg.

2. A pressão do líquido intersticial nos pulmões é ligeiramente mais negativa que no tecido subcutâneo periférico. (Essapressão foi medida de duas maneiras: por meio de pipeta introdu-

Fig. 38.7 Forças hidrostática e osmótica na membrana capilar (à esquer-da) e na membrana alveolar fã direita) dos pulmões. A figura tambémmostra um linfático (centro) que bombeia líquido dos espaços intersticiaispulmonares. (Modificado de Guyton, Taylor and Granger: Dynamicsand Control ofthe Body Fluids. Philadelphía, W.B. Saunders Co., 1975.)

Essa pressão de filtração efetiva provoca pequeno fluxo con-tínuo de líquido dos capilares pulmonares para o interior dosespaços intersticiais; e, à exceção de pequena quantidade quese evapora nos alvéolos, esse líquido é bombeado de volta àcirculação pelo sistema linfático pulmonar.

Pressão intersticial negativa e mecanismo para manter osalvéolos "secos". Um dos problemas mais importantes da funçãopulmonar é compreender por que os alvéolos não ficam cheiosde líquido. O primeiro impulso seria afirmar que o epitélio alveo-lar impede que o líquido saia dos espaços intersticiais e penetrenos alvéolos. Entretanto, isso não é verdade, pois existe sempreum pequeno número de aberturas entre as células epiteliais alveo-lares pelas quais podem passar moléculas protéicas volumosas,bem como grandes quantidades de água e eletrólitos.

Todavia, se lembrarmos que os capilares pulmonares e osistema linfático pulmonar mantêm normalmente pressão nega-tiva nós espaços intersticiais, fica claro que, sempre que aparecer

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líquido extra nos alvéolos, ele será simplesmente aspirado meca-nicamente para o interior do interstício pulmonar através dospequenos orifícios existentes entre as células epiteliais alveolares.A seguir, o excesso de líquido é transportado pelos linfáticospulmonares ou absorvidos pelos capilares pulmonares. Por conse-guinte, em condições normais, os alvéolos são mantidos no estado"seco", à exceção de pequena quantidade de líquido que passado epitélio para as superfícies de revestimento dos alvéolos, man-tendo-os úmidos.

EDEMA PULMONAR

O aparecimento de edema pulmonar segue o mesmo processo deformação do edema observado em outras áreas do corpo. Qualquerfator passível de elevar a pressão do líquido intersticial pulmonar dafaixa negativa para a faixa positiva irá acarretar o súbito enchimentodos espaços intersticiais pulmonares e, nos casos mais graves, dos alvéoloscom grandes quantidades de líquido livre.

As causas habituais de edema pulmonar são as seguintes:1. Insuficiência cardíaca esquerda ou valvulopatia mitral, com sub

seqüente elevação pronunciada da pressão capilar pulmonar e inundaçãodos espaços intersticiais.

2. Lesão da membrana capilar pulmonar causada por infecções,como pneumonia, ou pela inalação de substâncias nocivas, como o gásclorídrico ou o dióxido de enxofre, resultando no rápido extravasamentode proteínas plasmáticas e de líquidos para fora dos capilares.

Edema pulmonar de "líquido intersticial" versus edema pulmonar"alveolar". O volume de líquido intersticial dos pulmões geralmentenão pode aumentar mais do que cerca de 50% (representando menosde 100 ml de líquido) antes que ocorra ruptura das membranas epiteliaisalveolares e transbordamento do líquido dos espaços intersticiais parao interior dos alvéolos. Esse processo decorre simplesmente da forçatensional muito pequena do epitélio alveolar pulmonar; isto é, qualquerpressão positiva nos espaços do líquido intersticial parece causar rupturaimediata desse epitélio.

Por conseguinte, à exceção dos casos mais discretos de edema pulmo-nar, o líquido de edema sempre penetra nos alvéolos; se esse edemase tornar grave o suficiente, poderá causar morte por sufocação.

Fator de segurança contra o edema pulmonar. Todos os fatores quetendem a evitara formação de edema nos tecidos periféricos também temtendência a impedir a ocorrência de edema nos pulmões. Isto é, antesque possa ocorrer pressão positiva no líquido intersticial, causandoedema, todos os seguintes fatores devem ser vencidos: (1) a negatividadenormal da pressão do líquido intersticial dos pulmões, (2) o bombeamentolinfático de líquido para fora dos espaços intersticiais, e (3) a osmose

aumentada de líquido para dentro dos capilares pulmonares, causadapela redução da proteína no líquido intersticial quando aumenta o fluxolinfático.

Em experimentos efetuados em animais, foi constatado que a pressãocapilar pulmonar normalmente deve aumentar até atingir um valor pelomenos igual à pressão coloidosmótica do plasma antes que possa ocorreredema pulmonar significativo. Para darmos um exemplo, a Fig. 38.8ilustra o efeito de diferentes níveis da pressão atrial esquerda sobreo aumento da velocidade de formação de edema em cães. Devemoslembrar que, toda vez que a pressão atrial esquerda aumenta e atingevalores elevados, ocorre elevação da pressão capilar pulmonar até umnível de 1 a 2 mm Hg acima da pressão atrial esquerda. Nessa figura,tão logo a pressão atrial esquerda ultrapassa 23 mm Hg (com pressãocapilar pulmonar superior a cerca de 25 mm Hg), o líquido começaa se acumular nos pulmões e aumenta de modo extremamente rápido,com elevação posterior da pressão. Contudo, na presença de pressãocapilar pulmonar inferior a 25 mm Hg, não ocorre qualquer aumentosignificativo do líquido pulmonar. A pressão coloidosmótica do plasmacm cães é quase exatamente igual a esse nível crítico de pressão de25 mm Hg. Por conseguinte, no ser humano que normalmente possuipressão coloidosmótica do plasma de 28 mm Hg, é possível prever que apressão capilar pulmonar deverá aumentar do nível normal de 7 mm Hgpara mais de 28 mm Hg para causar edema pulmonar, proporcionandoum fator de segurança contra a formação de edema pulmonar de cercade 21 mm Hg.

Fator de segurança em condições crônicas. Quando a pressãocapilar pulmonar permanece cronicamente elevada (durante pelo menos 2semanas), os pulmões ficam ainda mais resistentes ao edema pulmonar,visto que os vasos linfáticos sofrem acentuada expansão, aumentandoem até 10 vezes sua capacidade de transportar líquido para fora dosespaços intersticiais. Por conseguinte, no paciente com estenose mitralcrônica, verifica-se o desenvolvimento ocasional de pressão capilarpulmonar de até 40 a 45 mm Hg sem edema pulmonar significativo.

Por conseguinte, no edema pulmonar crônico, o fator de segurançacontra a formação de edema pulmonar pode elevar-se até 35 a 45 mm Hg,em comparação com o valor normal de 21 mm Hg nas condições agu-das.

Rapidez da morte no edema pulmonar agudo. Quando a pressãocapilar pulmonar aumenta até mesmo pouco acima do fator de segurança,pode ocorrer edema pulmonar letal dentro de horas e, até, dentro de20 a 30 minutos, se a pressão capilar alcançar 25 a 30 mm Hg acimado nível do fator de segurança. Por conseguinte, na insuficiência cardíacaesquerda aguda, em que a pressão capilar pulmonar pode, algumas vezes,atingir 50 mm Hg, a morte quase sempre sobrevêm em menos de meiahora por edema pulmonar agudo.

OS LÍQUIDOS DA CAVIDADE PLEURAL

Fig. 38.8 Velocidade de perda de líquido nos tecidos pulmonares quandoa pressão atrial esquerda (e também a pressão capilar pulmonar) aumen-ta. (De Guyton abd Lindsey: Circ. Res., 7:649, 1959. Com permissãoda The American Heart Association, Inc.)

Quando os pulmões sofrem expansão e retração durante a respiraçãonormal, eles deslizam no interior da cavidade pleural. Para facilitar essedeslizamento, existe uma camada muito fina de líquido entre a pleuraparietal e a pleura visceral.

Fig. 38.9 Dinâmica da troca de líquidos nos espaços intrapleurais.

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A Fig. 38.9 ilustra a dinâmica da troca de líquido no espaço pleura.As duas pleuras consistem numa membrana serosa mesenquimatosa mui-to porosa, através da qual ocorre transudação contínua de pequenasquantidades de líquido intersticial para o espaço pleural. Esses líquidostransportam proteínas teciduais, conferindo ao líquido pleural uma carac-terística mucóide, permitindo o deslizamento extremamente fácil dospulmões.

A quantidade total de líquido em cada cavidade pleural é muitopequena, de apenas alguns mililitros. Contudo, sempre que essa quanti-dade fica maior do que a estritamente suficiente para separar as duaspleuras, o excesso é bombeado por vasos linfáticos que se abrem direta-mente da cavidade pleural (1) no mediastino, (2) na superfície superiordo diafragma, e (3) nas superfícies laterais da pleura parietal. Por conse-guinte, o espaço pleural — o espaço situado entre as pleuras viscerale parietal — é denominado espaço potencial, visto ser normalmentetão estreito a ponto de não ser evidente como espaço físico.

Pressão negativa no líquido pleural. Como a tendência de retraçãodos pulmões ocasionaria seu colapso, é sempre necessário haver forçanegativa do lado de fora dos pulmões para mantê-los expandidos. Essaforça é fornecida pela pressão negativa existente no espaço pleural nor-mal. A causa básica dessa pressão negativa consiste no bombeamentode líquido do espaço pelos linfáticos (que também constitui a base dapressão negativa observada na maioria dos espaços teciduais do organis-mo). Como a tendência normal dos pulmões ao colapso é de cerca de- 4 mm Hg (- 5 ou - 6 cm de água), a pressão do líquido pleuralsempre deve ser pelo menos tão negativa quanto - 4 mm Hg paramanter os pulmões expandidos. As determinações efetuadas mostraramser essa pressãohabitualmente de cerca de — 7 mm Hg, o que correspondea alguns milímetros de mercúrio mais negativos do que a pressão decolapso dos pulmões. Por conseguinte, a negatividade do líquido pleuralmantém os pulmões contra a pleura parietal da cavidade torácica, estandoapenas separada dela pela camada extremamente fina de líquido mucóideque atua como lubrificante.

Derrame pleural. O derrame pleural refere-se à coleção de grandesquantidades de líquido livre no espaço pleural. É análogo ao líquidode edema nos tecidos e, com efeito, pode ser denominado edema dacavidade pleural. As possíveis causas do derrame são idênticas às causasde edema em outros tecidos, incluindo (1) bloqueio da drenagem linfáticaa partir da cavidade pleural; (2) insuficiência cardíaca, responsável porpressões capilares pulmonares e periféricas excessivamente elevadas, coma conseqüente transudação excessiva de líquido paia o interior da cavi-dade pleural; (3) acentuada redução da pressão coloidosmótica do plas-ma, permitindo, também, a transudação excessiva de líquido; e (4) infec-ção ou qualquer outra causa de inflamação das superfícies pleurais dacavidade pleural, causando ruptura das membranas capilares e permi-tindo a rápida passagem de proteínas plasmáticas e de líquido para ointerior da cavidade.

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CAPÍTULO 39

Princípios Físicos das Trocas Gasosas; Difusão de Oxigênio ede Dióxido de Carbono Através da Membrana Respiratória

Após a ventilação dos alvéolos com ar fresco, a próximaetapa do processo respiratório consiste na difusão do oxigêniodos alvéolos para o sangue pulmonar e do dióxido de carbonona direção oposta. O processo de difusão consiste simplesmentena movimentação aleatória das moléculas que se entrecruzamnas duas direções através da membrana respiratória. Todavia,em fisiologia respiratória, não se deve considerar tão-somenteo mecanismo básico pelo qual ocorre à difusão, mas tambéma velocidade com que ela se dá. Este é um problema muitomais complexo, que exige compreensão mais profunda da físicada difusão e da troca gasosa.

FÍSICA DA DIFUSÃO E PRESSÕES GASOSAS

BASE MOLECULAR DA DIFUSÃO GASOSA

Todos os gases de interesse em fisiologia respiratória são moléculassimples que são livres para se movimentar entre si, constituindo o pro-cesso denominado "difusão". Esse processo também se aplica aos gasesdissolvidos nos líquidos e nos tecidos do organismo.

Todavia, para que ocorra difusão, deve haver uma fonte de energia,que provém do movimento cinético das próprias moléculas. Isto é, excetona temperatura do zero absoluto, todas as moléculas de qualquer tipode matéria estão submetidas continuamente a algum movimento. Paraas moléculas livres que não estão fisicamente ligadas a outras, isso signi-fica movimento linear em alta velocidade até que elas colidam comoutras. A seguir, desviam-se para novas direções e continuam a colidircom outras moléculas. Dessa maneira, as moléculas movem-se rapida-mente entre si.

Difusão efetiva de um gás em uma direção - efeito do gradiente deconcentração. Se uma câmara de gás ou uma solução tiverem concen-tração elevada de determinado gás em uma das extremidades da câmara,com baixas concentrações na outra extremidade, conforme ilustrado naFig. 39.1, a difusão efetiva do gás ocorrerá da área de alta concentraçãopara área de baixa concentração. A razão disso é óbvia: existem simples-mente muito mais moléculas na extremidade A da câmara para difundir-se na direção da extremidade B do que moléculas para sofrer difusão nadireção oposta. Por conseguinte, as velocidades de difusão em cada umadas duas direções são proporcionalmente diferentes, conforme ilustradopelos comprimentos das duas setas.

PRESSÕES GASOSAS NUMA MISTURA DE GASES -PRESSÕES PARCIAIS DE CADA GÁS

A pressão é causada pelo impacto constante de moléculas, em movi-mento cinético contra uma superfície. Por conseguinte, a pressão de

um gás atuando sobre as superfícies das vias respiratórias e dos alvéolosé proporcional à força de impacto somada de todas as moléculas quecolidem contra a superfície em determinado instante. Isso significa que apressão total é diretamente proporcional à concentração das moléculasgasosas.

Todavia, em fisiologia respiratória, lidamos com misturas de gases,sobretudo de oxigênio, nitrogênio e dióxido de carbono. Além disso,a velocidade de difusão de cada um desses gases é diretamente propor-cional à pressão causada por esse gás isoladamente, o que é denominadopressão parcial do respectivo gás. Por conseguinte, explicaremos a seguiro conceito de pressão parcial.

Consideremos o ar, cuja composição aproximada é de 79% denitrogênio e 21% de oxigênio. A pressão total dessa mistura é de 760mm Hg, tornando-se claro pela descrição acima sobre a base molecularda pressão que cada gás contribui para a pressão total em proporçãodireta com sua concentração. Assim, 79% dos 760 mm Hg são causadospor nitrogênio (cerca de 600 mm Hg) e 21% por oxigênio (cerca de160 mm Hg). Por conseguinte, a "pressão parcial" de nitrogênio namistura é de 600 mm Hg, enquanto a do oxigênio é de 160 mm Hg; apressão total é de 76U mm Hg, ou seja, a soma das pressões parciaisindividuais.

As pressões parciais dos gases individuais em uma mistura são desig-nadas pelos símbolos Po3, Pco,, PN3, PH3O, PHCetc.

PRESSÕES DOS GASES NA ÁGUA E NOS TECIDOS

Os gases dissolvidos na água ou nos tecidos corporais também exer-cem pressão, visto que as moléculas dissolvidas movimentam-se ao acasoe possuem energia cinética, como no caso das moléculas existentes nafase gasosa. Além disso, quando as moléculas do gás dissolvido emlíquido encontram uma superfície como a membrana celular, elas exer-cem sua própria pressão, da mesma maneira que um gás na fase gasosa

Fig. 39.1 Difusão efetiva de oxigênio de uma extremidade a outra deuma câmara.

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exerce sua própria pressão parcial individual. De forma semelhante,as pressões de cada gás dissolvido são designadas da mesma maneiraque as pressões parciais dos gases no estado gasoso, isto é, Po2 Pco2PN3, PHC

Falares que determinam a pressão de um gás dissolvido em líquido.A pressão de um gás em solução é determinada, não apenas por suaconcentração, mas também por seu coeficiente de solubilidade. Isto é,alguns tipos de moléculas, em particular dióxido de carbono, são físicaou quimicamente atraídas por moléculas de água, enquanto outras sãorepelidas. Naturalmente, quando as moléculas são atraídas, maior quanti-dade delas pode dissolver-se sem criar pressão excessiva dentro da solu-ção. Por outro lado, no caso das moléculas que são repelidas, desenvol-vem-se pressões excessivas para um menor número de moléculas dissol-vidas. Essas relações podem ser expressas pela seguinte fórmula, queconstitui a lei de Henry:

Concentração do gás dissolvidoPressão =Coeficiente de solubilidade

Quando a pressão é expressa em atmosferas e a concentração emvolume de gás dissolvido por cada volume de água, os coeficientes desolubilidade para os gases respiratórios importantes na temperatura cor-poral são os seguintes:

Oxigênio 0,024Dióxido de carbono 0,57Monóxido de carbono 0,018Nitrogênio 0,012Hélio 0,008

Com base nesses valores, verificamos que o dióxido de carbono é maisde 20 vezes mais solúvel que o oxigênio, enquanto este é moderadamentemais solúvel do que qualquer um dos outros três gases.

Difusão dos gases entre a fase gasosa nos alvéolos e a fase dissolvidano sangue pulmonar. A pressão parcial de cada gás na mistura gasosarespiratória tende a forçar as moléculas desse gás em solução a passarematravés da membrana alveolar e, a seguir, para o sangue dos capilaresalveolares. Por outro lado, as moléculas do mesmo gás que já estãodissolvidas no sangue chocam-se ao acaso no líquido, e algumas retornampara o interior dos alvéolos. A velocidade com que elas escapam édiretamente proporcional à sua pressão parcial no sangue. Todavia, emque direção irá ocorrer a difusão efetiva do gás? A resposta é que adifusão efetiva é determinada pela diferença entre as duas pressões par-ciais. Se a pressão parcial for maior na fase gasosa, como ocorre normal-mente para o oxigênio, um maior número de moléculas seguirá parao sangue, e não na outra direção. Alternativamente, se a pressão dogás for maior no sangue, o que normalmente ocorre com o dióxidode carbono, a difusão efetiva ocorrerá em direção à fase gasosa nosalvéolos.

PRESSÃO DE VAPOR DA ÁGUA

Quando o ar penetra nas vias aéreas respiratórias, ocorre evaporaçãoimediata de água das superfícies dessas vias, com umidificação do ar.Isso resulta do fato de que as moléculas de água, como as diferentesmoléculas gasosas dissolvidas, passam continuamente da superfície daágua para a fase gasosa. A pressão que as moléculas de água exercempara escapar através da superfície é denominada pressão de vapor daágua. Na temperatura corporal normal, de 37°C, essa pressão de vaporé de 47 mm Hg. Por conseguinte, uma vez umidificada a mistura gasosa— isto é, uma vez que esteja em "equilíbrio" com a água -circulante —, a pressão parcial do vapor de água na mistura gasosatambém é de 47 mm Hg. Essa pressão parcial, como as outras pressõesparciais, cdesignada por PH2O.

A pressão de vapor da água depende totalmente da temperaturada água. Quanto maior a temperatura, maior a atividade cinética dasmoléculas e, portanto, maior a probabilidade de que as moléculas deágua escapem de sua superfície para a fase gasosa. Por exemplo, a pressãode vapor de água a 0°C é de 5 mm Hg e, a 100°C, de 760 mm Hg.Todavia, o valor mais importante a ser lembrado é a pressão de vapor

na temperatura corporal, que é de 47 mm Hg. Este valor apareceráem muitas de nossas discussões subseqüentes.

DIFUSÃO DE GASES ATRAVÉS DE LÍQUIDOS - ADIFERENÇA DE PRESSÃO PARA A DIFUSÃO

Vamos retornar ao problema da difusão. Com base na exposiçãoacima, fica evidente que, quando a concentração ou a pressão de umgás for maior numa área do que em outra, haverá difusão efetiva daárea de maior pressão para a área de menor pressão. Por exemplo,consultando novamente a Fig. 39.1, podemos verificar facilmente queas moléculas na área de alta pressão, em virtude de seu maior número,têm maior probabilidade estatística de se movimentar aleatoriamentepara a área de baixa pressão do que as moléculas que tentam fazê-lona direção oposta. Todavia, algumas moléculas deslocam-se aleatoria-mente da área de baixa pressão para a área de pressão elevada. Porconseguinte, a difusão efetiva de gás da área de alta pressão para aárea de baixa pressão é igual ao número de moléculas que se deslocamnessa direção menos o número que segue na direção oposta que, porsua vez, é proporcional à diferença de pressão do gás entre as duasáreas, denominada simplesmente diferença de pressão para a difusão.

Quantificação da velocidade efetiva de difusão nos líquidos. Alémda diferença de pressão, vários outros fatores afetam a velocidade dedifusão dos gases em um líquido. Esses fatores incluem: (1) a solubilidadedo gás no líquido, (2) a área de seção transversa do líquido, (3) a distânciaatravés da qual o gás deve difundir-se, (4) o peso molecular do gás,e (5) a temperatura do líquido. No organismo, a temperatura permanecerazoavelmente constante e, em geral, não precisa ser considerada.

Obviamente, quanto maior a solubilidade do gás, maior o númerode moléculas disponíveis para difusão, para qualquer diferença de pres-são. Além disso, quanto maior a área de seção transversa da câmara,maior o número total de moléculas para difundir-se. Por outro lado,quanto maior a distância que as moléculas devem percorrer para suadifusão, maior o tempo necessário para que as moléculas possam difun-dir-se por essa distância. Por fim, quanto maior a velocidade do movi-mento cinético das moléculas, que é inversamente proporcional à raizquadrada do peso molecular, maior a velocidade de difusão do gás.Todos esses fatores podem ser expressos na mesma fórmula:

AP x A x Sd x

onde D é a velocidade de difusão, AP é a diferença de pressão entreas duas extremidades da via de difusão, A é a área de seção transversada via, S é a solubilidade do gás, d é a distância de difusão, e PM,o peso molecular do gás.

Considerando-se essa fórmula, é evidente que as características dopróprio gás determinam dois fatores da fórmula: a solubilidade e o pesomolecular, sendo os dois juntos conhecidos como coeficiente de difusãodo gás. Isto é, o coeficiente de difusão é igual a S/VPM; as velocidadesrelativas de difusão de diferentes gases nos mesmos níveis de pressãosão proporcionais a seus coeficientes de difusão. Considerando-se o coefi-ciente de difusão do oxigênio como sendo 1, os coeficientes relativosde difusão para diferentes gases de importância respiratória nos líquidoscorporais são:

Oxigênio 1,0Dióxido de carbono 20,3Monóxido de carbono 0,81Nitrogênio 0,53Hélio 0,95

DIFUSÃO DOS GASES ATRAVÉS DOS TECIDOS

Os gases de importância respiratória são muito solúveis nos lipídiose, portanto, são também muito solúveis nas membranas celulares. Devidoa essa propriedade, esses gases se difundem através das membranascelulares com dificuldade mínima. Na verdade, a principal limitaçãoao movimento dos gases nos tecidos é a velocidade de sua difusão através

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da água tecidual, em lugar de fazê-lo através das membranas celulares.Por conseguinte, a difusão dos gases através dos tecidos, incluindo amembrana respiratória, é quase igual ã difusão dos gases através daágua, conforme indicado na lista acima.

COMPOSIÇÃO DO AR ALVEOLAR - SUARELAÇÃO COM O AR ATMOSFÉRICO

O ar alveolar não tem as mesmas concentrações de gasesque o ar atmosférico, o que pode ser facilmente comprovadoao se comparar a composição do ar alveolar, na coluna 5 doQuadro 39.1 com a do ar atmosférico na coluna 1. Há váriasrazões para as diferenças observadas. Em primeiro lugar, o aralveolar é substituído apenas parcialmente por ar atmosféricoa cada respiração. Em segundo lugar, o oxigênio está sendoconstantemente absorvido do ar alveolar. Em terceiro lugar, odióxido de carbono sofre constante difusão do sangue pulmonarpara os alvéolos. E, por fim, o ar atmosférico seco que penetranas vias respiratórias é umidificado até mesmo antes de alcançaros alvéolos.

Umidificação do ar ao entrar nas vias respiratórias. Acoluna 1 do Quadro 39.1 mostra que o ar atmosférico éconstituído quase totalmente por nitrogênio e oxigênio; emcondições normais, quase não contém dióxido de carbono e sópouco vapor d'água. Todavia, tão logo o ar atmosférico penetranas vias respiratórias, ele é exposto aos líquidos que recobremas superfícies respiratórias. Mesmo antes de penetrar nosalvéolos, o ar fica totalmente umidificado.

A pressão parcial de vapor d'água na temperatura corporalnormal de 37°C é de 47 mm Hg, que, portanto, é a pressãoparcial da água no ar alveolar. Como a pressão total nos alvéolosnão pode aumentar mais que a pressão atmosférica, esse vapord'água simplesmente dilui todos os outros gases no ar inspirado.Na coluna 3 do Quadro 39.1, podemos observar que a umidifi-cação do ar dilui a pressão parcial de oxigênio, ao nível do mar,de uma média de 159 mm Hg no ar atmosférico para 149 mmHg no ar umidificado, enquanto dilui a pressão parcial denitrogênio de 597 para 563 mm Hg.

VELOCIDADE DE RENOVAÇÃO DO ARALVEOLAR PELO AR ATMOSFÉRICO

No Cap. 37, assinalamos que a capacidade residual funcionaldos pulmões, que se refere à quantidade de ar restante nos pul-mões ao término da expiração normal, corresponde a cerca de2.300 ml. Contudo, apenas 350 ml de ar novo são levados aosalvéolos a cada respiração normal, sendo expirada a mesma quan-tidade de ar alveolar. Por conseguinte, a quantidade de ar alveolarsubstituído por ar atmosférico novo a cada incursão respiratóriarepresenta apenas um sétimo do total, sendo, pois, necessárias

muitas incursões respiratórias para substituir a maior parte doar alveolar. A Fig. 39.2 ilustra essa lenta velocidade de renovaçãodo ar alveolar. No primeiro alvéolo da figura, encontra-se quanti-dade excessiva de gás em todos os alvéolos; todavia, convémobservar que, até mesmo ao final de 16 incursões respiratórias,o excesso de gás ainda não foi totalmente removido dos alvéolos.

A Fig. 39.3 ilustra, sob forma de gráfico, a velocidade deremoção normal de excesso de gás dos alvéolos, mostrando que,com a ventilação alveolar normal, cerca da metade do gás éremovida em 17 segundos. Quando a freqüência da ventilaçãoalveolar da pessoa é apenas metade do normal, metade do gásé removida em 34 segundos, e, quando a freqüência de ventilaçãoé o dobro do normal, a metade é removida em cerca de 8 segun-dos.

Importância da substituição lenta do ar alveolar. Essa lentasubstituição do ar alveolar tem importância particular na preven-ção de alterações súbitas das concentrações gasosas do sangue.

Isso torna o mecanismo de controle respiratório muito maisestável do que normalmente seria e também ajuda a evitar aumen-tos e reduções excessivas da oxigenação tecidual, da concentraçãode dióxido de carbono e do pH nos tecidos quando a respiraçãoé temporariamente interrompida.

CONCENTRAÇÃO E PRESSÃO PARCIAL DEOXIGÊNIO NOS ALVÉOLOS

O oxigênio sofre absorção contínua no sangue dos pulmões,e o novo oxigênio atmosférico entra continuamente nos alvéolos.Quanto maior a rapidez de absorção do oxigênio, menor suaconcentração nos alvéolos. Por outro lado, quanto mais rapida-mente o oxigênio novo da atmosfera é levado até os alvéolos,maior se torna sua concentração. Por conseguinte, a concentraçãode oxigênio nos alvéolos, bem como sua pressão parcial, é contro-lada, em primeiro lugar, pela velocidade de absorção do oxigêniopelo sangue e, em segundo lugar, pela velocidade de entradade novo oxigênio nos pulmões pelo processo ventilatório.

A Fig. 39.4 ilustra o efeito da ventilação alveolar e da veloci-dade de absorção de oxigênio pelo sangue sobre a pressão parcialalveolar de oxigênio (PAO3)- A curva contínua representa a absor-ção de oxigênio numa velocidade de 250 ml/min, enquanto acurva tracejada indica a velocidade de 1.000 ml/min. Na frequên-cia ventilatória normal de 4,2 litros/min, com consumo deoxigênio de 250 ml/min, o ponto operativo normal da Fig.39.4 é o ponto A. A figura também mostra que, quando sãoabsorvidos 1.000 ml de oxigênio por minuto, como ocorre duranteo exercício moderado, a freqüência da ventilação alveolar deveráaumentar por quatro vezes para manter a Po2 alveolar em seuvalor normal de 104 mm Hg.

Outro efeito ilustrado na Fig. 39.4 é que um aumentoextremamente pronunciado da ventilação alveolar nunca podeelevar a Po2 alveolar acima de 149 mm Hg enquanto a pessoaestiver respirando ar atmosférico normal, visto ser essa a Po2máxima de oxigênio no ar umidificado. Todavia, se a pessoarespirar

Quadro 39.1 Pressões parciais dos gases respiratórios à medida que entram nos pulmões e deles saem (ao nível do mar)

NzO2CO2HZO

Aratmosférico*(mm Hg)597,0159,00,33,7

(78,62%)(20,84%)(0,04%)(0,50%)

Arumidificado(mm Hg)563,4149,30,347,0

(74,09%)(19,67%)(0,04%)(6,20%)

Ar alveolar(mm Hg)

569,0104,040,047,0

(74,9%)(13,6%)

(5,3%)(6,2%)

Ar expirado(mm Hg)

566,0120,027,047,0

(74,5%)

(15,7%)

(3,6%))TOTAL 760,0 (100,00%) 760,0 (100,00%) 760,0 (100,0%) 760,0 (1 (06,0 2%0

*Em dia comum, fresco e claro.

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Fig. 39.2 Expiração de excesso de gás dos alvéolos comrespirações sucessivas.

Fig. 39.5 Efeito da ventilação alveolar e da velocidade de excreçãodo dióxido de carbono do sangue sobre a Pco2.

Fig. 39.3 Velocidade de remoção do excesso de gás dos alvéolos.

Fig. 39,4 Efeito da ventilação alveolar e de duas velocidades deabsorção do oxigênio, 250 ml/min e 1.000 ml/min, dos alvéolos sobrea Po2 alveolar.

de excreção do dióxido de carbono sobre a Pco2alveolar. A curva contínua representa a velocidade normalde excreção do dióxido de carbono, de 200 ml/min. Nafreqüência normal de ventilação alveolar de 4,2 l/min, oponto operativo para a Pco2 alveolar é o ponto A da Fig.39.5, isto é, 40 mm Hg.

Dois outros fatores também são evidentes na Fig.39.5: em primeiro lugar, a Pco, alveolar aumenta emproporção direta com a velocidade de excreção do dióxidode carbono, conforme representado pela elevação da curvatracejada para a excreção de 800 ml de CO3 por minuto.Em segundo lugar, a Pco2 alveolar diminui na proporçãoinversa com a ventilação alveolar. Por conseguinte, asconcentrações e as pressões parciais de oxigênio e dedióxido de carbono nos alvéolos são determinadas pelasvelocidades de absorção ou excreção desses dois gases, bemcomo pela ventilação alveolar.

AR EXPIRADO

O ar expirado é a combinação de ar proveniente do espaçomorto e do ar alveolar, de modo que sua composição global édeterminada, em primeiro lugar, pela proporção do ar expiradoque consiste em ar do espaço morto e pela proporção de aralveolar. A Fig. 39.6 mostra as alterações progressivas daspressões parciais de oxigênio e de dióxido de carbono no arexpirado durante a expiração.

gases contendo pressões parciais de oxigênio superiores a 149mm Hg, a Po2 alveolar poderá aproximar-se dessas pressões maiselevadas com altas freqüências de ventilação.

CONCENTRAÇÃO E PRESSÃO PARCIAL DE CO2NOS ALVÉOLOS

O dióxido de carbono é continuamente formado no orga-nismo e, a seguir, eliminado pelos alvéolos, a partir dos quais écontinuamente removido pelo processo da ventilação. A Fig. 39.5ilustra os efeitos da ventilação alveolar e de duas velocidades Fig. 39.6 Pressões parciais de oxigênio e de dióxido

de carbono nas várias porções do ar expirado normal.

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A primeira parte do ar expirado, composta por ar do espaço morto, é aratmosférico umidificado, cuja composição é mostrada na coluna 3 doquadro 39.1. A seguir, progressivamente, mais e mais ar alveolarmistura-se ao ar do espaço morto, até que todo o ar do espaço mortoseja finalmente eliminado, de modo que apenas ar alveolar é exaladoao fim da expiração. Assim, a maneira de colher ar alveolar paraestudos consiste, simplesmente em colher uma amostra da últimaporção do ar expirado.O ar expirado normal, contendo tanto ar do espaço morto como aralveolar, é composto por gases cujas concentrações é pressões parciaissão aproximadamente idênticas ás mostradas na coluna 7 Quadro 39.1,ou seja, concentrações situadas entre as do ar alveolar e as do aratmosférico umidificado.

Por isso, a membrana das hemácias usualmente tocaa parede dos capilares e, conseqüentemente, o oxigênio eo dióxido de carbono não têm que cruzar quantidadesignificativa de plasma ao se difundirem entre osalvéolos e as hemácias. Isso também aumenta a rapidezda difusão.

DIFUSÃO DOS GASES ATRAVÉS DAMEMBRANA RESPIRATÓRIA

A UNIDADE RESPIRATÓRIA. A Fig. 39.7 mostra a "unidaderespiratória", que é composta por um bronquíolo respiratório,dutos alveolares, átrios e alvéolos (dos quais existem cerca de300 milhões nos dois pulmões, tendo cada alvéolo um diâmetromédio de aproximadamente 0,2 mm). As paredes dos alvéolossão extremamente finas e, em seu interior, existe uma extensarede de capilares que se comunicam entre si, conformemostrado na Fig. 39.8. Em verdade, tendo em vista a extensãoda rede capilar, alguns autores descreveram o fluxo de sangue naparede alveolar como um “lençol” de sangue em movimento.Assim, é óbvio que os gases alveolares acham-se muito, muitopróximos do sangue contido nos capilares. Conseqüentemente,as trocas gasosas entre o ar alveolar e o sangue capilar pulmonarocorrem através das membranas de todas as porções terminaisdos pulmões, e não apenas nos alvéolos. Essas membranas sãocoletivamente chamadas de membrana respiratória, tambémdenominada membrana pulmonar.

A Membrana Respiratória. A Fig. 39.9 mostra, àesquerda, a ultra-estrutura da membrana respiratória vista emseção transversa e, à direita, uma hemácia. Mostra também adifusão do oxigênio do alvéolo para a hemácia e a difusão dodióxido de carbono no sentido oposto. Observe as diferentescamadas que compõem a membrana respiratória:

1. Uma camada de líquido que recobre o alvéolo e contémsurfactante. o qual reduz a tensão superficial do líquido alveolar

2. O epitélio alveolar, composto de delgadas células epiteliais3. A membrana basal do epitélio4. Um estreito espaço intersticial, situado entre o epitélio alveolar e

a membrana capilar5. A membrana basal do capilar, que em muitos pontos se funde com

a membrana basal do epitélio6. A membrana endotelial do capilar

A despeito do grande número de camadas, em algumas áreasa espessura total da membrana respiratória é de apenas 0,2 µm,sendo, em média, de aproximadamente 0,6 µm (exceto nospontos onde se situam os núcleos das células).

Com base em estudos histológicos, estimou-se que a área totalda membrana respiratória de um adulto normal seja deaproximadamente 70 m2. Isso equivale à área do piso de umasala de 8,25 X 8,5 m. Em qualquer dado momento, aquantidade total de sangue existente nos capilares pulmonares éde 60 a 140 ml. Imaginemos agora essa pequena quantidade desangue espalhada pelo chão de uma sala de 8,25 X 8,5 m; éfácil compreender a rapidez com que ocorrem as trocasgasosas nos pulmões. O diâmetro médio dos capilarespulmonares é de apenas 5 µm, o que significa que as hemáciaspassam apertadas por dentro deles.

Fig. 39.7 O lóbulo respiratório. (Reproduzido de W.S. Miller:The Lun Springfield, 111., Charles C. Thomas, 1947.)

Fatores que Afetam a Velocidade de Difusão dosGases através da Membrana Respiratória

Tendo-se em mente a discussão anterior sobre adifusão através da água, os mesmos princípios e fórmulaspodem ser apelidados à difusão dos gases através damembrana respiratória. Assim, os fatores quedeterminam o quão rapidamente um gás passa através damembrana são: (1) a espessura da membrana, (2) a áreada membrana, (3) o coeficiente de difusão do gás na

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substância da membrana e (4) a diferença de pressões entre osdois lados da membrana.

A espessura da membrana respiratória ocasionalmenteaumenta – por exemplo, quando ocorre acúmulo de líquido deedema no espaço intersticial da membrana e nos alvéolos - demodo que, nessas circunstâncias, os gases respiratórios têm quese difundir não apenas através da membrana, mas tambématravés desse líquido. Similarmente, algumas doençaspulmonares causam fibrose dos pulmões, o que pode aumentara espessura de algumas porções da membrana respiratória.Como a velocidade de difusão através da membrana éinversamente proporcional à espessura da membrana, qualquerfator que torne essa espessura maior do que duas a três vezes onormal pode interferir significativamente com a normalidadedas trocas gasosas.

Em muitas situações, a área da membrana respiratória podediminuir acentuadamente. Por exemplo, a remoção de todo um

pulmão diminui a área total à metade. No enfisema, muitosalvéolos coalescem por causa da dissolução de muitosseptos alveolares. Desse modo, as novas câmaras são muitomaiores que os alvéolos originais; não obstante, em virtude daperda dos septos alveolares, a área da membrana respiratóriafreqüentemente acha-se diminuída à quinta parte de suaextensão original. Quando a área total diminui para cerca deum terço a um quarto do normal, as trocas gasosas atravésda membrana sofrem diminuição significativa, mesmo emcondições de repouso. Durante competições esportivas eoutros exercícios extenuantes, até mesmo a menor diminuiçãona área da membrana pulmonar pode constituir sériodetrimento para as trocas gasosas.

O coeficiente de difusão de cada gás através damembrana respiratória depende diretamente de suasolubilidade na membrana e inversamente da raiz quadradade seu peso molecular. Por motivos já explicados, a

Fig. 39.8 A. Visão em superfície dos capilares de um septo alveovlael r.oc (i Rdaedpe rodue zid dfous dã eo

Mnaalonmeeymb era Cnaasrtle es :piratória équase

Resp. PhysioL, 7:150, 1969, sob permissão Biological and Medie cx atla Pm re en st se .a Nom re ts h-m Ha oq llu ae nda Dá ig vu ia s. ioP nr);is Bs ,opara uma dadaVisão em corte transversal de septos alveolares e de seu suprimentod vifae sr ce un lç ar.de pressões, o dióxido de carbono funde-se através

da membrana com velocidade cerca de 20 vezes superior àdo oxigênio. Por seu turno, o oxigênio difunde-se comvelocidade cerca de duas vezes maior que a do nitrogênio.

A diferença de pressões através da membrana respiratóriaé a diferença entre a pressão parcial de um gás nos alvéolose a pressão parcial desse mesmo gás no sangue. Para umdeterminado gás, a pressão parcial representa o número totalde moléculas que, na unidade de tempo, se choca contra aunidade de área da face alveolar da membrana, ao passo quea pressão no sangue representa o número de moléculas quetenta escapar do sangue e seguir em sentido oposto.

Fig. 39.8 A. Visão em superfície dos capilares de um septo alveolar.(Reproduzido de Maloney e Castle: Resp. PhysioL, 7:150, 1969, sobpermissão Biological and Medical Press. North-Holland Division); B,Visão em corte transversal de septos alveolares e de seu suprimentovascular.

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Fig. 39.9 Ultra-estrutura da membrana respiratória vista emcone transversal.

Por isso, a diferença entre essas duas pressões é umamedida da tendência dominante do movimento do gásatravés da membrana. Quando a pressão parcial de umgás é maior nos alvéolos do que no sangue, como ocorrecom o oxigênio, verifica-se difusão dominante dosalvéolos para o sangue; quando a pressão do gás é maiorno sangue do que nos alvéolos, como ocorre com odióxido de carbono, verifica-se difusão dominante dosangue para os alvéolos.

Capacidade de Difusão da MembranaRespiratória

A capacidade da membrana respiratória para efetuartrocas gasosas entre os alvéolos e o sangue capilarpulmonar pode ser expressa, em termos quantitativos,através de sua capacidade de difusão, que é definidacomo o volume de gás que se difunde através damembrana a cada minuto, para uma diferença depressões de I mm Hg.

Todos os fatores já discutidos aqui capazes de afetar adifusão através da membrana respiratória, podem afetar acapacidade de difusão.

Capacidade de Difusão para o Oxigênio. Num homemjovem de porte médio, em condições de repouso, acapacidade de difusão para o oxigênio é, em média, de 21ml/min/mm Hg. Em termos funcionais, o que issosignifica? Durante a ventilação basal, a diferença médiaentre as pressões de oxigênio através da membranarespiratória é de cerca de 1J mm Hg. Multiplicando-se essapressão (11) pela capacidade de difusão (21), verifica-seque um total de aproximadamente 230 ml de oxigêniodifunde-se através da membrana respiratória a cada minuto;esse volume é HH tico ao volume de oxigênio que o corpoconsome por minuto.

Alteração da capacidade de difusão para o oxigêniodurante o exercício. Durante exercícios extenuantes e emoutras situações em que ocorram grandes aumentos nofluxo sanguíneo pulmonar e na ventilação alveolar, observa-se, em homens jovens, que a capacidade de difusão para ooxigênio aumenta até alcançaram máximo deaproximadamente 65 ml/min/mm Hg, valor esse o triplo dacapacidade de difusão em condições de repouso.

Esse aumento é causado por diversos fatores,entre os quais (1) a abertura de numerosos capilares atéentão ocluídos ou a dilatação da capilares já abertos, dessamaneira aumentando a área da superfície através da qual ooxigênio pode difundir-se; (2) um melhor emparelhamentoentre a ventilação dos alvéolos e a perfusão sanguínea doscapilares alveolares (melhora da "relação ventilaçãoperfusão"), o que será explicado em detalhes mais adiante,capítulo. Assim, durante o exercício, a oxigenação doincrementada não apenas pelo aumento da ventilaçãoalveolar, também pelo aumento da capacidade da membranarespiratória transferir oxigênio para o sangue.

Capacidade de Difusão para o Dióxido deCarbono.

A capacidade de difusão para o dióxido de carbononunca foi medida, cm razão da seguinte dificuldade técnica:o dióxido de carbono difunde-se tão rapidamente atravésda membrana respiratória que a Pco2 no sangue capilarpulmonar não é muito diferente da Pco2 nos alvéolos — adiferença média é inferior mm Hg — e, com as técnicasdisponíveis, essa diferença é pequena demais para sermedida.

Não obstante, mensurações da difusão com outros gasesmostraram que a capacidade de difusão variadiretamente com o coeficiente de difusão do gás emquestão. Como o coeficiente de difusão do dióxido decarbono é 20 vezes maior que oxigênio, é de esperar quea capacidade de difusão do dióxido de carbono seja deaproximadamente 400 a 450 ml/min/mm Hg, emcondições de repouso, e de aproximadamente 1.200 a1.300 ml/min/mm Hg durante o exercício.

A Fig. 39.10 compara as capacidades de difusão(calculadas) para o oxigênio, o dióxido de carbono e o decarbono, em repouso e em exercício, mostrando a extremacapacidade de difusão para o dióxido de carbono e o efeitodo exercício sobre a capacidade de difusão para cada umdesses gases.

Mensuração da Capacidade de Difusão -oMétodo do Monóxido de Carbono. A capacidade dedifusão para o oxigênio pode ser calculada a partir demensurações: (1) da PO2 alveolar, (2) da Po2 existente no sanguecapilar pulmonar e (3) da captação de oxigênio pelo sangue.Contudo, medir a PO2 no sangue capilar pulmonar é tão difícile gera resultados tão imprecisos, que não é prático medir acapacidade de difusão do oxigênio através desse método tãodireto, exceto para fins experimentais.

Para contornarem as dificuldades encontradas namensuração direta da capacidade de difusão para o oxigênio, osfisiologistas usualmente medem a capacidade de difusão para omonóxido de carbono e, a partir desta, calculam, em seguida, acapacidade de difusão para o oxigênio. O princípio do método domonóxido carbono será agora descrito: uma pequena quantidadede monóxido de carbono é inalada e chega aos alvéolos; aseguir, a pressão parcial do monóxido de carbono nos alvéolos émedida em amostras apropriadas do ar alveolar. A pressão do

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monóxido de carbono no sangue é essencialmente nula, pois ahemoglobina combina-se a esse gás tão rapidamente que impede osurgimento de uma pressão de CO no plasma sanguíneo. Por isso,diferença entre as pressões de monóxido de carbono através da:membrana respiratória é igual à pressão parcial desse gás nosalvéolos.

39.10 Capacidade de difusão para o monóxido decarbono, para o oxigênio e para o dióxido de carbono empulmões humanos normais.

Assim, medindo-se o volume de monóxido de carbono absorvidono decurso de um intervalo de tempo e dividindo-se esse volumepela pressão parcial de monóxido de carbono nos alvéolos, pode-sedeterminar com precisão a capacidade de difusão para monóxido decarbono.

Para converter a capacidade de difusão para o monóxido decarbono em capacidade de difusão para o oxigênio, o valor daprimeira é multiplicado por 1,23, pois o coeficiente de difusãodo oxigênio é 1,23 vezes maior que o do monóxido de carbono.Assim, para um homem jovem em repouso, a capacidade dedifusão para o monóxido de carbono é, em média, de 17 ml/min/mm Hg; já a capacidade de difusão para o oxigênio é 1,23 vezespior do que isto, ou seja, é, em média, de 21 ml/min/mm Hg.Efeito da relação ventilação-Perfusão sobre asconcentrações dos gases Alveolares.

Na parte inicial deste capítulo, aprendemos que nos fatoresdeterminam a Po2 e a Pco: nos alvéolos: (1) a magnitude daventilação alveolar e (2) a magnitude da transferência de oxigênioe dióxido de carbono através da membrana respiratória. Nessasdiscussões iniciais, supusemos que todos os alvéolos sãoigualmente ventilados e que o fluxo sanguíneo pelos capilaresalveolar é o mesmo em todos os alvéolos. Contudo, até certoponto, circunstâncias normais e, especialmente, em presença depulmonares, algumas áreas dos pulmões são bem ventiladasquase não recebem fluxo sanguíneo, ao passo que outras áreaspodem ter excelente irrigação sanguínea mas pouca ou nenhumaventilação. Em qualquer uma dessas circunstâncias, as trocasgasosas através da membrana respiratória ficam seriamenteprejudicadas e a pessoa pode sofrer de grave disfunçãopulmonar pois embora apresente valores normais para a ventilaçãototal o fluxo sanguíneo pulmonar total, a ventilação e o fluxosanguíneo dirigem-se para áreas diferentes dentro dos pulmões.Por isso, foi criado um conceito altamente quantitativo para ajudar-nos

a compreender as trocas gasosas quando existe umdesequilíbrio entre a ventilação alveolar e o fluxo sanguíneopulmonar. Tal conceito é o de relação ventilação-perfusão.

A relação ventilação-perfusão é representada pelosímbolo VA/Q. Quando VA (ventilação alveolar) é normal paraum dado alvéolo e Q (fluxo sanguíneo) é também normal paraesse mesmo alvéolo, diz-se então que a relação ventilação-perfusão (VA/Q) nesse alvéolo também é normal. Contudo,quando a ventilação ( VA) é nula e, entretanto, o alvéolo aindarecebe perfusão (Q). a relação ventilação-perfusão dessealvéolo vale zero. No outro extremo, quando existe ventilação(VA) adequada mas a perfusão é nula, então a relação VA/Qtem valor infinito. Quando a relação tem valor nulo ou infinito,não há, nos alvéolos afetados. trocas gasosas através damembrana respiratória, o que explica a importância desseconceito. Por isso, explicaremos a seguir as conseqüênciasrespiratórias dessas duas situações extremas.

Pressões Parciais de Oxigênio e de Dióxido deCarbono nos Alvéolos quando (Va/Q) é Igual aZero. Quando (VA/Q) é igual a zero — isto é, quando oalvéolo não recebe nenhuma ventilação —. o ar no alvéoloentra em equilíbrio com o oxigênio e com o dióxido de carbonoexistentes no sangue, pois esses gases difundem-se entre osangue e o ar alveolar. O sangue que perfunde os capilares ésangue venoso misto que, proveniente da circulaçãosistêmica, está chegando aos pulmões, e são os gases dessesangue que entram em equilíbrio com os gases alveolares.No Cap. 40, veremos que o sangue venoso misto (V) normaltem normalmente Po2 de 40 mm Hg e Pco2 de 45 mm Hg.Conseqüentemente, essas são, também, as pressões parciaisdesses dois gases nos alvéolos que são perfundidos mas nãosão ventilados.

Pressões Parciais de Oxigênio e de Dióxido deCarbono quando (Va/Q) é Igual ao Infinito. O efeitosobre as pressões parciais dos gases alveolares quando VA/Qtem valor infinito é inteiramente diferente de quando VA/Qtem valor igual a zero, pois agora não há fluxo sanguíneocapilar nem para levar embora o oxigênio, nem para trazer odióxido de carbono até os alvéolos. Por isso, em vez de osgases alveolares entrarem em equilíbrio com os gases dosangue venoso misto, o ar alveolar torna-se idêntico ao arinspirado umidificado. Ou seja, o ar que é inspirado não perdenenhum oxigênio para o sangue e deste não recebe nenhumdióxido de carbono. E, como o ar inspirado e umidificadotem Po2 de 149 mm Hg e Pco2 de 0 mm Hg, estas passam a seras pressões parciais desses dois gases nos alvéolos.

Trocas Gasosas e Pressões Parciais dos GasesAlveolares Quando Va/Q é Normal. Quando sãonormais a ventilação alveolar e o fluxo sanguíneo peloscapilares alveolares (o que significa perfusão alveolarnormal), as trocas de oxigênio e de dióxido de carbonoaproximam-se do ideal: a Po, normalmente é de 104 mm Hg,valor que se situa entre o do ar inspirado (149 mm Hg) e o dosangue venoso misto (40 mm Hg). Da mesma forma, a Pco,situa-se entre dois extremos; seu valor normalmente é de 40mm Hg, em contraste com os 45 mm Hg do sangue venosomisto e com o valor nulo (0 mm Hg) observado no arinspirado. Assim, em condições normais, no ar alveolar a Po2 é,em média, de 104 mm Hg, ao passo que a Pco, é. em média, de40 mm Hg.

O Diagrama Po2-Pco2 Va/QOs conceitos apresentados nas seções anteriores podem

vantajosamente ser ilustrados sob forma gráfica, conformedemonstra a Fig. 39.11, que apresenta o chamado diagramaPo2-Pco2, VA/Q. A curva do diagrama representa todas ascombinações possíveis de Po2 e de Pco2 entre os valoresextremos de VA/Q (zero e infinito), quando são normais aspressões dos gases no sangue venoso misto e quando a pessoaestá respirando ar atmosférico ao nível do mar. Assim, oponto v representa os valores de Po2 e de Pco2 quando VA/Qé igual a zero. Nesse ponto, a Po2 é de 40 mm Hg e a Pco2, éde 45 mm Hg, valores estes idênticos aos do sangue venosomisto.

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Fig. 39.11 O diagrama Po2-Pco2, Pco2, VA/Q

Na outra extremidade da curva, onde VA/Q tem valorinfinito, o ponto I representa o ar inspirado, correspondendo àPo2 de 149 mm Hg e à Pco, de 0 mm Hg.

A curva também mostra o ponto que representa o ar alveolarnormal, correspondente a uma VA/Q normal. Neste ponto, a PO;é de 104 mm Hg e a Pco2 é de 40 mm Hg.

O Conceito de Shunt Fisiológico (Quando VA/Q Tem ValorInferior ao Normal)

Quando a relação VA/Q tem valor inferior ao normal (porémdiferente de zero), não há ventilação suficiente para oxigenarcompletamente o sangue que flui pelos capilares alveolares. Porisso, uma fração do sangue venoso misto que passa peloscapilares pulmonares não é oxigenada. Ao sangue que compõeessa fração, dá-se o nome de sangue "shuntado", Além disso,uma outra parcela de sangue flui pelos vasos brônquicos. e nãopelos vasos pulmonares, constituindo cerca de 27c do débitocardíaco; essa parcela também é constituída por sangue não-oxigenado e "shuntado".

A quantidade total de sangue "shuntado" por minuto échamada de shunt fisiológico. Esse shunt fisiológico é medidono laboratório de provas funcionais pulmonares analisando-sea concentração de oxigênio tanto no sangue venoso misto comono sangue arterial, e medindo-se, simultaneamente, o débitocardíaco. Conhecidos esses valores, pode-se calcular o shuntfisiológico através da equação

onde:

QPS é o fluxo de sangue pelo shunt fisiológico por minuto;QT é o débito cardíaco por minuto;CiO2 é a concentração de oxigênio que haveria no sangue

arterial se a relação ventilação-perfusão fosse a "ideal";Cao2 é a concentração de oxigênio medida no sangue

arterial; eCvO2 é a concentração medida de oxigênio no sangue venoso

misto.

Quanto maior o shunt fisiológico, maior é a quantidade desangue que deixa de ser oxigenada ao passar pelos pulmões.

O Conceito de "Espaço Morto Fisiológico" (Quando aRelação VA/Q Tem Valor Superior ao Normal)

Quando a ventilação de alguns dos alvéolos é grande mas ofluxo de sangue por esses alvéolos é pequeno, há muito maisoxigênio disponível nos - alvéolos do que deles pode serretirado pelo fluxo sanguíneo. Assim, diz-se que uma parte daventilação desses alvéolos é desperdiçada. Além disso, é sempretambém desperdiçada a ventilação do espaço morto anatômico.

A soma desses dois tipos de ventilação desperdiçadarecebe o nome de vwntilação de espaço mortofisiológico. Essa ventilação pode ser medida nolaboratório de provas funcionais pulmonares fazendo-seas mensurações apropriadas no sangue e no gásexpirado e empregando-se a seguinte equação,denominada equação de Bohr:

VDFIS é o espaço morto fisiológico;VT é o volume corrente;Paco2 é a pressão parcial de dióxido de carbono no sanguearterial;

PECO2 é o valor médio da pressão parcial de dióxido de carbonono volume total de ar expirado.

Quando o espaço morto fisiológico é grande, boa parte dotrabalho ventilatório é desperdiçada, pois uma grande parcelado ar mobilizado pela ventilação nunca chega a entraremcontam com o sangue dos capilares alveolares.

Anormalidades da Relação Ventilação - Perfusão

Relações Va/Q Anormais nos Ápices e nas BasesPulmonares. Em pessoa normal em posição de pé, o fluxosanguíneo e a ventilação alveolar são consideravelmente menoresnos ápices do que nas bases; contudo, o fluxo sanguíneo é aindamenor do que a ventilação. Por isso, nos ápices pulmonares, arelação VA/Q tem valor 2,5 vezes maior do que o ideal o queprovoca o aparecimento, em grau moderado, de um espaçomorto fisiológico nessa área do pulmão.No outro extremo, nas bases pulmonares, existe pouca ventilaçãopara o grau de perfusão sanguínea, o que resulta em relaçãoVA/Q com valor igual a 0,6 do valor ideal. Nessa área, pequenafração do sangue deixa de ser oxigenada normalmente issoequivale a um shunt fisiológico.

Em ambas as extremidades dos pulmões, o mauemparelhamento entre a ventilação e a perfusão diminui aeficiência dos pulmões nas trocas de oxigênio e de dióxido decarbono. Co^H do, durante o exercício, o fluxo de sangue paraos ápices aumenta acentuadamente, de modo que o espaçomorto fisiológico diminui muito e a eficácia das trocas gasosas seaproxima do ideal.

Va/Q Anormal na Doença Pulmonar ObstrutivaCrônica. A maioria das pessoas que fumam há muito tempodesenvolve graus variados de obstrução brônquica; em grandeparte dessas pessoas, com o passar do tempo, tal anormalidadechega a ser tão intensa que elas desenvolvem acentuadoseqüestro de ar alveolar e, conseqüentemente. enfisema pulmonar.Este, por sua vez, provoca a destruição de muitos septosalveolares. sim, em fumantes, duas anormalidades concorrempara relações VA/Q anormais. Em primeiro lugar, como muitosdos pequenos bronquíolos se acham quase obstruídos, osalvéolos situados distalmente às obstruções recebem poucaventilação causando uma relação VA/Q que se aproxima de zero.Era segundo lugar, naquelas áreas dos pulmões onde os septoslares foram destruídos mas ainda existe ventilação alveolarmaior parte da ventilação é desperdiçada, pois o fluxo neo édesproporcionalmente pequeno em relação a ventilação.

Na doença pulmonar obstrutiva crônica, algumas áreas dospulmões apresentam acentuado shunt fisiológico, ao passo outrasáreas integram-se ao espaço morto fisiológico. Ambas asanormalidades diminuem extraordinariamente a eficácia dospulmões como órgãos trocadores de gases, às vezes reduzindoessa eficácia a 1/10 do normal. Em verdade, esta é, nos dias dehoje, a mais prevalente das causas de incapacidade pulmonar..

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