2014 [email protected] · sei que não devia. mas quis e fiz! justo do manuel, a...
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Vilmondes Cândido Rosa
Uberaba – Minas Gerais
2014
.br
Prefácio
Envelheceu comigo... Eu menino... A calça azul... A
jaqueta jeans...
A camisa de mangas compridas... A janela que dava
para o sul...
Isso se fez no dia em que vesti xadrez na camisa; em
que cresci; em que me deixei onde existi...
Desistiu e partiu...; o moço feliz com gosto bobo; no
tempo à frente diz não à semente...
Em outro momento a gente ri: que seja de alegria,
numa fria fatia de dia...
O poema aos poucos chega ao fim; sem fantasias...
Fiz por você... Por causa do seu sorriso..., o mesmo
que esqueceu contido como a cor do seu vestido.
Vilmondes Cândido Rosa
Sumário
Dona Candinha .................................................... 8
Sobre Lobos ....................................................... 12
Genealogia ......................................................... 16
Primeiros Anos .................................................. 21
Último Caso ....................................................... 26
Tia Joana ............................................................ 29
A Palavra ........................................................... 35
O Diário ............................................................. 40
A Carta ............................................................... 43
Antônio .............................................................. 48
Culpa .................................................................. 55
De Volta ao Começo.......................................... 59
Todos os Meses são Filhos do Ano ................... 67
Valentina ............................................................ 71
Sem Motivos ...................................................... 74
Contundente ....................................................... 76
Bonecado ........................................................... 81
Padre Antônio Pedro .......................................... 86
O Homem .......................................................... 89
Maria Lúcia........................................................ 93
Nosso Encontro ................................................. 96
O Passado ........................................................ 101
O Nascimento .................................................. 105
No Fim ............................................................. 107
Recomeço ........................................................ 111
Luzes da Cidade............................................... 115
Luz do Sol ........................................................ 117
Pra Semana ...................................................... 119
As Primeiras Páginas ....................................... 121
O Primeiro Amor ............................................. 125
A comunhão ..................................................... 132
Despedida ........................................................ 134
Ou é Melhor ou é Pior ..................................... 137
Um cheiro ........................................................ 139
O Retiro ........................................................... 141
Amizade ........................................................... 145
A Partida .......................................................... 147
Uma Visita ....................................................... 150
Greve dos Poetas ............................................. 154
Vilmondes Cândido Rosa
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Dona Candinha
Hoje comprei um chiclete de hortelã pela
manhã. Não lembrava mais o gosto do chiclete, do
cheiro e nem do jeito!
Sou do tipo de homem que leva uma vida
obscura e só depois da morte se vai tecendo a lenda
em que se lhes perfaz a glorificação. Roubei a frase de
Manuel Bandeira. Sei que não devia. Mas quis e fiz!
Justo do Manuel, a quem devo respeito, pelas
companhias de seus textos nas noites de sábado ao
lado de um trago de vinho tinto: um sempre preferido
Cabernet Sauvignon. Respeito esse que agora por ora
se vê desfeito ao me referir a um pedaço de sua
crônica de forma meio esquecida, mal lembrada, mal
redigida. Talvez até descontextualizada tenha sido a
declaração a seu respeito!
Não cheguei até o fim. Não pude fazê-lo!
Doeu-me cada um dos ossos constituintes da maxila:
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os dois maxilares superiores não suportaram por muito
tempo a resistência da goma na boca. Não tenho mais
doze, já faz quarenta e três anos que deixei meus doze
vividos na cidade do interior, lá no meio de Minas.
Diziam lá: "que o tempo cura até o queijo". Só não
disseram o que fazer depois que o queijo estivesse
curado ou sarado como o também era mencionado
entre os do lugar. O queijo curado é ralado e quanto
menores forem seus pedaços melhor trará aos seus os
resultados.
Por causa da minha desorganização para com
as coisas de quarto, era chamado de Dona Candinha
por meus colegas de internato. Não ligava para o fato.
Atribuo a isso o pouco uso do descabido apelido
quando se referiam a minha pessoa. Eu superava em
muito esse apelido no jeito perfeito que tinha para com
os estudos. "Uma chuva só é chuva quando um pingo
cai sobre o outro". Quem disse isso?
Meninos choram na primeira noite. Não
precisei desse feito. Já no começo me dei de frente
com o silêncio à mente, sem os Lobos atormentando
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os sonhos pude dormir sem encobrir a cabeça. Já não
lembrava mais a cor da noite sem um cobertor por
sobre o corpo inteiro. Senti alegria por ter deixado a
grande casa distante dos olhos, dos sentidos e dos
ouvidos.
Mãe também se foi no outono daquele
primeiro ano de internato. Mãe tinha cabelos cor de
amêndoas. Deitar-me em seu colo era uma viagem.
Embora eu já conhecesse aqueles desalinhos de seus
cabelos, tudo era sempre novo. Gostoso de ter e de
tocar!
A vida tem de tudo, coisas que nos fazem
sofrer, coisas que nos outros dias preenchem nossa
alma de uma alegria feita de paz. Conhece a paz ou a
tem em seus dias?
Mãe era feita de carinho, um eterno ninho de
fraternal calor. Tenho comigo o gosto que tive quando
lá existi, gosto que tenho quando me pego a recordar o
toque de suas leves mãos, gosto que terei em meus
dias finais. Sei que ainda no fim, pensar nos feitos de
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mãe me trará uma manhã de domingo, de beijos antes
de se abrir as cortinas ou sair.
Dessa relação com minha mãe só colhi doze
anos de sentimentos. Não lamento, não entendo, não
mal digo. Ainda hoje esse é o meu conforto, de seus
braços, nos seus abraços a mesma vontade de
adormecer.
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Sobre Lobos
Um bom cão às vezes se assemelha em muito a
um amigo. Um Lobo se parece com um valioso Cão
de Guarda. Bons amigos cuidam, bons cães protegem.
Mesmo sendo o Lobo parecido com o Cão, ninguém
teria em sua casa um Lobo feroz e faminto vigiando
seus filhos. Às vezes um homem se confunde entre o
Lobo e o Cão. Quando o mal vem de um amigo de
onde virá a salvação?!
Quando criança, Pai encontrou no cerrado à
esquerda da casa grande um desgarrado filhote de
Lobo Guará. Nos primeiros dias dei a ele leite servido
na velha mamadeira de vidro. Depois de uns dias o
pequeno Doloque se cansou do leite e passou a
investir contra as galinhas no terreiro. Pai o trancou
em uma jaula até o findar de seus dias. Quando era
noite, os outros lobos da fazenda uivavam. "O uivo de
um lobo cinzento pode ser ouvido a uma distância de
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até um quilômetro." Os uivos vinham até próximo da
casa sem nunca chegar até a jaula de Doloque.
Dona Nega, a cozinheira da casa, dizia que um
dia eles entrariam e nos matariam só para libertar o
irmão do cativeiro. Eu tinha medo, muito medo! Mas
mentia o que sentia, escondia e me continha. Temia o
Pai, temia o que fizesse, se soubesse. As noites eram
escuras e mais escuras se faziam quando os lobos
uivavam e eu cobria a cabeça com um cobertor de lã.
Os medos mudam quando as pessoas crescem.
Crescemos e acreditamos que os medos de criança
foram só bobagem de infância. Por que poucos têm
coragem de contar seus temores de infância? Os
terapeutas agradecem. O que seria da terapia sem um
medo para se tratar?!
Na primavera de seu primeiro ano, Doloque já
era uma fera: "Os lobos possuem uma audição
bastante apurada, a ponto de serem capazes de ouvir a
queda de folhas das árvores durante o outono. Dizem
acerca deles! A visão noturna de um Lobo é a mais
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aguçada dentre os da família dos canídeos."
Fascinante, não! Não para a gata da casa. A Pinta deu
bobeira nas beiras da jaula do Doloque. Essa nunca
mais voltou a se deitar nos pés do Pai.
João do Cabo recebeu já com advertência a
incumbência de desocupar a gaiola para outros fins.
O pequeno bruto foi levado de arrasto até a
paineira, morro acima, uns dez metros da porteira do
curral central. Lá foi soterrado em cova funda fechada
por uma pedra difícil de se encontrar.
Ouve um recalque do terreno debaixo da pedra.
Eu e o pequeno Eugênio da Nega fizemos uma cruz de
guatambu fincamos na base da pedra grande.
Na noite em que isso fizemos, os Lobos
uivaram do princípio até o fim do amanhecer, e se
faziam ouvidos por seus gritos. O Pai em muito se
irritou. Feito de seu! Ele mandou que queimassem a
cruz. Na noite seguinte, a pedra sumiu.
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Dona Nega comentou que os Lobos haviam
levado aquele que era um dos seus. O que não
significa que os da casa haviam sido perdoados.
Desfecho: Eu e Eugênio da Nega, naquela
noite, fomos pedir perdão. Acho que estamos pedindo
esse até os dias hoje! Não se é perdoado só por ter se
arrependido ou pedido por um arrependimento
qualquer.
O fascínio pelos Lobos envelheceu comigo.
Antes de envelhecer me sentia como um Lobo à caça
da presa.
Eu ganhei, nunca passei uma noite de cão.
Nunca fui levado aos feitos em vão!
Advogado dos bons, melhor que eu nunca se
achou entre os associados. Sou o perito no ato de
farejar uma presa na distância do bote. Fiz disso o meu
melhor ofício. Vivi com desperdício e ainda tenho
muito disso para viver, se ainda vier a viver, é claro!