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Escola, um rito de passagem

A escola é palco de muitos acontecimentos. A despeito de todas as mudanças sofridas ao longo dos séculos, o espaço escolar continua a potencializar algumas vivências universais, e frequentá-lo é viver um rito de passagem. Ali se cruzam relações de poder e submissão, sentimentos de amizade e aversão, competição e solidariedade. Em seu “Conto de es-cola”, o mestre Machado de Assis descortina uma “cena de bastidores” repleta de afetos e significados. Pilar, seu narrador e protagonista, foi mandado para a escola pelo pai rigoroso para aprender a ser um homem responsável e trabalhador, mas foi lá que conheceu a mentira e a delação, apoiado pelo próprio sistema injusto que deveria torná-lo íntegro. Machado, ao ambientar a narrativa numa escola, trabalha com a ideia, recorrente na literatura, do am-biente educacional como microcosmo da sociedade. Publicado em 1896 no volume Várias histórias, “Conto de escola” passa-se em 1840, ano em que a maioridade de D. Pedro II, então com 15 anos incompletos, foi antecipada por uma manobra dos políticos liberais para encerrar a regência conservadora de Araújo Lima. Assim como Pilar aprendeu sobre corrupção, delação e injustiça, D. Pedro II aprenderia valores de que pre-cisaria para se tornar um governante. No conto, a passagem do mundo infantil para o universo habitado por adultos sisudos e corruptos também faz alusão à maturidade forçada do menino destinado a governar o Brasil na ausência de seu pai. O rito de passagem do narrador pode ser lido, assim, como a transformação então vivida pelo país. As metáforas pouco convencionais são um aspecto muito significativo do trabalho de Machado, e esta ver-são em quadrinhos, que traz o texto na íntegra, não poderia eliminar o prazer do leitor em descobri-las. Laerte Silvino contribui com a narrativa machadiana ao explicitar, por meio das cores, alguns elementos fundamentais para a sua apreciação, especialmente ao explorar a subjetividade do narrador, que conta sua história infantil em primeira pessoa. Difícil tarefa para um quadrinista esta, ficar em silêncio para deixar Machado falar. Silvino não só dá conta do recado como aproxima o leitor do século XXI de um dos maiores exploradores da alma humana que já existiram.A coleção Clássicos em HQ da Editora Peirópolis tem um mérito inquestionável: apresentar a leitores obras fundamentais para a formação de um repertório intelectual, sem facilitar os textos ou diminuir sua profun-didade e grandeza.

Maurício Soares Filho

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A ESCOLA era na Rua do Costa, um sobradinho de grade de pau.

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O ano era de 1840.

Naquele dia - uma segunda-feira, do mês de maio - deixei-me estar alguns instantes na Rua da Princesa

a ver onde iria brincar a manhã.

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Hesitava entre o morro de S. Diogo

e o Campo de Sant’Ana.

que não era então esse

parque atual, construção

de gentleman, mas um espaço

rústico, mais ou menos infinito.

alastrado de lavadeiras, capim e burros

soltos.

Morro ou campo? Tal era

o problema.

De repente disse comigo que o melhor era a

escola. E guiei para a escola.

Aqui vai a razão.

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Na semana anterior tinha feito

dois suetos, e, descoberto o caso, recebi o pagamento

das mãos de meu pai, que me deu uma

sova de vara demarmeleiro.

As sovas de meu pai doíam por

muito tempo.

Era um velho empregado do Arsenal de Guerra, ríspido e intolerante.

Sonhava para mim uma grande posição comercial, e tinha

ânsia de me ver com os elementos mercantis, ler, escrever e contar, para

me meter de caixeiro.

Citava-me nomes de capitalistas que tinham começado

ao balcão.

Fulano...

cicrano...

beltrano... de

tal...

Ora, foi a lembrança do

último castigo que me levou naquela manhã para o colégio.

Não era um menino de virtudes.

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Subi a escada com cautela, para não ser ouvido do mestre, e

cheguei a tempo.

Ele entrou na sala três ou

quatro minutos depois.

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Entrou com o andar manso de

costume.

em chinelas de cordovão

jaqueta de brim lavada e desbotada

calça branca e tesa

e grande colarinho caíd0.

Chamava-se Policarpo e

tinha perto de cinquenta anos

ou mais.

Uma vez sentado, extraiu da jaqueta a boceta de rapé e

o lenço vermelho, pô-los na gaveta; depois relanceou

os olhos pela sala.

Os meninos, que se conservaram de pé durante a entrada dele,

tornaram a sentar-se.

Tudo estava em ordem;

começaram os trabalhos.

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