2 novos paradigmas para a inteligencia policial

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS PÓS-GRADUAÇÃO EM MONITORAMENTO AMBIENTAL E INTELIGÊNCIA COMPETITIVA NOVOS PARADIGMAS PARA A INTELIGÊNCIA POLICIAL: ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE OS MODELOS DE ESTADO, POLICIAL E COMPETITIVA VLADIMIR DE PAULA BRITO MANAUS 2006

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Page 1: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS

PÓS-GRADUAÇÃO EM MONITORAMENTO AMBIENTAL E INTELIGÊNCIA COMPETITIVA

NOVOS PARADIGMAS PARA A INTELIGÊNCIA POLICIAL: ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE OS

MODELOS DE ESTADO, POLICIAL E COMPETITIVA

VLADIMIR DE PAULA BRITO

MANAUS 2006

Page 2: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS

PÓS-GRADUAÇÃO EM MONITORAMENTO AMBIENTAL E INTELIGÊNCIA COMPETITIVA

VLADIMIR DE PAULA BRITO

NOVOS PARADIGMAS PARA A INTELIGÊNCIA POLICIAL: ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE OS MODELOS DE ESTADO,

POLICIAL E COMPETITIVA.

Monografia apresentada ao Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Monitoramento e Inteligência Competitiva da Universidade Federal do Amazonas, como requisito para a obtenção do título de Especialista em Monitoramento e Inteligência Competitiva.

Orientadora: Profª.Drª. Célia Regina Simonetti Barbalho

MANAUS

2006

Page 3: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

T833m BRITO, Vladimir de Paula. Em busca de

um novo paradigma para a inteligência

policial: análise comparativa entre a

inteligência de estado, policial e

competitiva. / Vladimir de Paula Brito. –

Manaus: UFAM, 2006.

161 p. ilust.

1. Inteligência Competitiva 2. Inteligência

de Estado 3. Inteligência policial.

Page 4: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

Resumo

Argumenta que as organizações de inteligência brasileiras, em particular as policiais, passam por uma mudança de paradigma, em que o combate às organizações criminosas, utilizando-se das técnicas de inteligência vem adquirindo importância. Expõe a necessidade dos organismos de inteligência policial se apropriarem de outras técnicas e processos de trabalho que sejam oriundos de outros segmentos, como a inteligência de Estado e a competitiva. Analisa um conjunto de técnicas de coleta e análise disponíveis, concluindo ao apontar as possibilidades de aprendizado para as instituições de segurança do Estado, mediante a adoção de praticas utilizadas pela inteligência competitiva.

Palavras chave: Inteligência de Estado; Inteligência policial; Inteligência

de segurança; Inteligência competitiva.

Page 5: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

Abstract

In this work is presented that Brazilian intelligence organizations, mostly the police forces, are passing through a paradigm change. The use of intelligence techniques applied to combat criminal organizations has become essential. It analyzes the increasing necessity of processes and methods improvement by applying ideas inherited from other knowledgement areas like intelligence of State and competitive intelligence. Besides, it also considers the available analysis and collection techniques and points to the learning possibilities for State security institutions in adopting ideas and practice used at competitive intelligence. Keywords: Intelligence of State; Police intelligence; Intelligence of security; Competitive intelligence.

Page 6: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

Lista de tabelas

Tabela 2 - Problema de inteligência x necessidade do usuário – I.C.. 53

Tabela 3. Análise comparativa entre inteligência clássica, policial e I.C. 63

Tabela 4. Categoria de coleta x uso analítico. 65

Tabela 5. Emprego da coleta pelos organismos estatais x I.C. 66

Tabela 6. Análise comparativa dos produtos de inteligência. 81

Tabela 7. Valores agregados em produtos e serviços de informação. 127

Page 7: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

Listas de siglas

ABIN Agência Brasileira de Inteligência.

CIA Central Intelligence Agency.

FBI Federal Bureau of Investigation.

FBIS Foreign Broadcast Information Service

GCHQ Government Communications Headquarters.

Mossad Instituto para Inteligência e Operações Especiais

NRO National Reconnaissance Office.

NSA National Security Agency.

SIS Secret Intelligence Service.

SNI Serviço Nacional de Informações. ESG Escola Superior de Guerra. SFICI Serviço Federal de Informações e contra-informação. SAE Secretaria de Assuntos Estratégicos. DIA Defense Intelligence Agency. NRO National Reconnaissance Officer.. DOPS Delegacia de Ordem Política e Social da Polícia Federal.

Page 8: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

Sumário

Introdução........................................................................ 11

CAPITULO I ...................................................................... 17

A atividade de inteligência estatal................................. 17

1.1. Inteligência: origem, conceitos e evolução. ....................... 18

1.1.1. Controle estatal da informação...................................................... 20

1.1.2. Conceituação de inteligência de Estado ....................................... 22

1.1.3. Campos da inteligência de Estado ................................................ 25

1.1.4. Origem da inteligência policial....................................................... 27

1.2. Inteligência governamental.................................................. 28

1.2.1. Inteligência de segurança nos EUA .............................................. 29

1.2.2. Inteligência de Estado no Brasil .................................................... 30

1.2.3. Inteligência policial no Brasil ......................................................... 33

1.3. Novos paradigmas para a inteligência policial................... 34

1.3.1. Transformações e mudanças institucionais .................................. 34

1.3.2. Evolução técnica e conceitual ....................................................... 37

CAPITULO II ..................................................................... 40

Atividade de inteligência competitiva ........................... 40

2.1. Inteligência: origem, conceitos e evolução ........................ 41

2.1.1. Origens e conceitos....................................................................... 41

2.1.2. Gestão da informação ................................................................... 43

2.1.3. Gestão do conhecimento............................................................... 44

2.1.4. Diferenças e similitudes................................................................. 45

2.1.5. Inteligência competitiva como opção técnico-conceitual............... 47

Page 9: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

9

CAPITULO III .................................................................... 50

Análise Comparativa....................................................... 50

3.1. Ciclo de inteligência ............................................................. 50

3.2. Requerimento ....................................................................... 52

3.2.1. Definição do problema de inteligência x necessidades do usuário53

3.3. Planejamento ........................................................................ 54

3.4. Coleta .................................................................................... 58

3.4.1. Tipos de coleta .............................................................................. 60

3.4.2. Dimensões de coleta ..................................................................... 65

3.4.3. Classificação de fontes de informação.......................................... 67

3.5. Processamento..................................................................... 69

3.5.1. Colação.......................................................................................... 70

3.5.2. Evolução ........................................................................................ 70

3.6. Análise................................................................................... 72

3.6.1. Processo de análise ...................................................................... 72

3.6.2. Doutrina de análise........................................................................ 74

3.6.3. Produtos informacionais de análise............................................... 78

3.6.4. Análise de alvo e organizacional ................................................... 84

3.6.5. Análise especulativo-evolutiva ou preditiva................................... 85

3.6.6. Fenômenos convergentes e divergentes ...................................... 86

3.6.7. Categorias de análise preditiva ..................................................... 88

3.7. Métodos de análise............................................................... 91

3.7.1. Tipos de análise lógica .................................................................. 92

3.7.2. Processo de afirmação x argumentação ....................................... 94

3.7.3. Análise de forças atuantes ............................................................ 97

3.7.4. Análise de alvo e organizacional ................................................. 105

Estrutura......................................................................................................... 105

Função ........................................................................................................... 109

Processo ........................................................................................................ 111

3.7.5. Análise quantitativa...................................................................... 113

Tipos de ferramentas ..................................................................................... 113

Tipos de informações quantitativas ................................................................ 115

3.7.6. Análise de cenários ..................................................................... 117

3.7.7. Similaridade das técnicas de análise .......................................... 120

Page 10: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

10

3.8. Disseminação ..................................................................... 121

3.8.1. Apresentação dos pontos essenciais .......................................... 121

3.8.2. Dimensões dos produtos de inteligência..................................... 122

3.8.3. Conteúdo ..................................................................................... 123

3.8.4. Características............................................................................. 124

3.8.5. Apresentação............................................................................... 124

3.8.6. Cliente.......................................................................................... 125

3.8.7. Valor agregado ............................................................................ 126

3.9. Formação do profissional de inteligência ........................ 130

3.9.1. Formação do coletor.................................................................... 130

3.9.2. Formação do analista .................................................................. 132

CAPITULO IV ................................................................. 136

Conclusão...................................................................... 136

4.1. Contribuições à inteligência policial................................. 138

4.1.1. Utilização intensiva do processamento e da análise de informação............................................................................................................... 138

4.1.2. Sinergia no desenvolvimento e utilização de técnicas de análise............................................................................................................... 141

4.1.3. Dinamismo no funcionamento e influência nas decisões............ 143

4.1.4. Maximização do uso de fontes abertas de informação ............... 144

4.1.5. Controle de qualidade na coleta e análise .................................. 145

4.1.6. Gestão dos recursos informacionais ........................................... 146

4.1.7. Sistema de gestão do conhecimento .......................................... 147

4.1.8. Análise de estimativas e cenários futuros ................................... 149

4.1.9. Construção de um sistema de alerta antecipado ........................ 151

4.2. Considerações finais.......................................................... 153

Referências.................................................................... 155

Page 11: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

11

Introdução

Percebeu-se, desde logo que o tempo parecia acelerado, e as informações, portanto, precisavam acompanhar esse ritmo. Novos partidos, novas associações, manifestações de rua, greves. Tornava-se necessária uma comunicação mais ágil, cotidiana, mais operante: o telégrafo. A inteligência – conjunto de procedimentos empregados para coletar, processar, e disseminar informações sobre movimentos sociais que pudessem atentar contra a segurança do Estado e a ordem política e social – deveria ser mais eficiente.

Luiz Reznik1 A polícia faz parte do sonho popular, uma polícia humanizada e justa, educada e inteligente, eficiente e sem cumplicidade, que já se esboça aqui e ali, mas que ainda é rara.

Luiz Eduardo Soares2

O uso de recursos e conceitos de inteligência pelas instituições de

segurança pública já remonta há algumas décadas no Brasil. No entanto, como

o modelo de inteligência policial no país era voltado para as disputas políticas,

tais recursos técnicos e conceituais foram centralmente utilizados para

perseguir os supostos inimigos internos dos governantes que estariam no

poder, secundarizando o que seria o papel principal de uma instituição policial

em uma sociedade democrática, que é o combate às organizações criminosas.

Com o advento da redemocratização no país, da Constituição Federal de

1988, das eleições diretas para todos os níveis, da implementação de

1 Democracia e segurança nacional: a polícia política no pós-guerra. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004. 2 Cabeça de porco. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005.

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12

concursos públicos e da liberdade de imprensa, dentre uma série de outros

fatores, cada vez mais emergem esquemas de corrupção permeando a

máquina do Estado, para os quais a sociedade exige providências. Entretanto,

se uma sociedade democrática possibilita identificar a herança de corrupção e

descaso para com a estrutura do Estado, também permite, em tempos de

globalização econômica, sociedade digital e conflitos globais, a atuação dos

grupos organizados que rapinam o erário. Faz-se importante ressaltar que a

atuação de tais organizações criminosas é muito mais sofisticada do que há

algumas décadas, sendo que muitas vezes “[...] por seu caráter sorrateiro,

esses problemas só podem ser contidos por meio de uma eficaz atuação dos

serviços de Inteligência de diversos países” (GODOY, 2005, p.09). No entanto,

enquanto o Estado é ainda limitado pelas fronteiras nacionais, pela lentidão de

seus processos e pela ausência de recursos financeiros, o crime organizado

não. Conforme satiriza Robinson (2001, p.19).

Enquanto vivemos num mundo onde uma filosofia de soberania do século XVII é reforçada por um modelo judiciário do século XVIII, defendido por um conceito de combate ao crime do século XIX que ainda está tentando chegar a um acordo com a tecnologia do século XX, o século XXI pertencerá aos criminosos transnacionais.

Colocadas diante dessa realidade, as instituições policiais, em particular

o Departamento de Polícia Federal, tem buscado conformar uma estratégia de

atuação que demonstre aptidão para lidar com um mundo tão desafiador e

hostil. Uma medida que vem sendo aplicada com sucesso são as operações3

de inteligência policial (FORTES, 2006, p.28), que estão sendo realizadas

nacionalmente, principalmente nos últimos dois anos. Contudo, um grande

desafio tem sido o de modificar uma concepção de inteligência construída

3 Mais informações sobre o balanço das operações da Polícia Federal dos anos de 2003 até junho de 2006, são encontradas na revista Carta Capital, n.408, bem como na revista Istoé, n.1925.

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13

sobre alicerces de repressão social e política, em que os ditos inimigos do

regime eram os alvos a serem acompanhados, e transformá-la em uma

estrutura que vise atuar sobre processos em que existam atuações criminosas

como o desvio de verbas públicas, o tráfico internacional de drogas ou os

crimes digitais. Cabe salientar que a atuação sobre processos criminosos,

sobretudo quando estes são globais, exige um conjunto de competências

pouco vivenciadas pelo Estado.

Entretanto, um dos grandes desafios para se remodelar a concepção de

inteligência ainda predominante no Brasil, uma vez que tais conceitos e origens

da atividade de inteligência ainda são obscuros para a sociedade brasileira, é à

busca de novos referenciais sobre tal atividade. Segundo Bessa (2004, p.53):

No Brasil – Devido às deformações sofridas ao longo do regime militar e à falta de estudos e discussões sérias sobre os seus reais objetivos – a Inteligência ficou marcada negativamente como uma atividade policialesca, voltada para intrigas e perseguições de adversários políticos do regime, e que colocava em um plano inferior os interesses do Estado e da sociedade.

Conforme se percebe, a palavra inteligência sofre o estigma dos anos de

repressão militar, sendo identificada com o ataque às liberdades individuais e

direitos políticos, atentando, portanto, contra a construção da democracia.

Como primeiro passo para a mudança e aprimoramento da atividade de

inteligência policial, faz-se importante resignificar o sentido histórico da referida

atividade, definindo claramente tais conceitos. Existe a necessidade da

utilização dos recursos oriundos da área de inteligência, mas não se sabe bem

precisamente o que seja inteligência.

Além da definição de conceitos e história, outra tarefa de fundamental

importância visando à mudança de objetivos da atividade de inteligência de

Estado no Brasil é a identificação e assimilação de novas técnicas de coleta e

Page 14: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

14

análise de informações, que possam ser empregadas no combate ao crime

organizado e que estejam sendo aplicadas em outros países, com tradição

democrática ou em outros tipos de organizações, como as empresas. Cabe

lembrar que o ferramental técnico utilizado pelas agências de inteligência em

uma democracia, obedecendo à Constituição e o Estado de direito, são bem

diferentes dos empregados em um regime ditatorial, em que as garantias e

liberdades individuais são anuladas e na qual a ação do Estado não encontra

limites regulatórios.

Portanto, ao elencar-se definições sobre a atividade de inteligência,

visando à referida mudança de sua atuação, é essencial considerar também

que tal atividade, como ramo ativo do saber, vem criando novas categorias

conceituais e funcionalidades, tal como a inteligência competitiva. Área esta

que tem acrescentado contribuições específicas ao campo como um todo e

pode contribuir com novos procedimentos para a inteligência policial.

Neste sentido, cabe destacar que dentre a identificação de novas

referências técnicas no campo da inteligência, um modelo que vem se

desenvolvendo nas últimas décadas é o da Inteligência Competitiva4, que

busca transformar dados em informação e informação em conhecimento,

monitorando um ambiente externo, extremamente competitivo no mundo em

que vivem e prosperam as empresas (SANTOS, 200?, p.01), e que poderia

portanto propiciar uma notável contribuição aos desafios postos para estruturar

e implementar a atividade de inteligência policial, focada em uma realidade

dinâmica e na necessidade de combater organizações sofisticadas e com

ligações globais.

4 Em pesquisa publicada pela revista Carta Capital, nº409, tem-se uma análise da presença da I.C. dentro de grandes empresas bem como, sob a óptica dos executivos, da efetividade desta.

Page 15: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

15

Contudo, para podermos considerar as práticas oriundas da inteligência

competitiva que possam ser empregadas no modelo estatal, em particular a

inteligência policial, é importante que seja feita uma análise comparativa entre

tais áreas de forma a identificar claramente aquilo que cada novo ramo da área

oferece de inovador, evidenciando o seu emprego e aplicabilidade.

Levando em conta tal contexto, este trabalho monográfico procurou

desenvolver uma conceituação da atividade de inteligência, mediante análise

de literatura, bem como sua evolução histórica, com o intuito de constituir os

fundamentos necessários para efetuar uma análise comparativa entre os ramos

clássicos da atividade de inteligência e o relacionamento à competitividade, de

forma a identificar ferramentas e práticas que possam ser utilizadas nas

crescentes atividades de combate ao crime organizado, que vêm sendo

desenvolvidas no Brasil.

Buscou-se no primeiro capítulo, precisar o conceito de inteligência, sua

origem histórica e sua evolução ao longo do tempo. Em seguida se busca

localizar o surgimento de instituições de inteligência de Estado e policial no

Brasil, bem como o atual momento de mudança de paradigmas e a

necessidade de se buscar o estado da arte em termos técnicos identificando

processos úteis em outros países, principalmente os Estados Unidos, bem

como a partir de técnicas empregadas nas organizações, mediante a

inteligência competitiva.

No segundo capítulo são trabalhados os conceitos de inteligência

competitiva, gestão da informação e gestão do conhecimento, no âmbito das

organizações, apresentando-se a I.C, como um aporte válido de novos

conhecimentos para emprego do Estado.

Page 16: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

16

No terceiro capítulo, tomando os preceitos das agências governamentais

clássicas como fundamento, uma vez que “[...] a inteligência de Estado é a

matriz de todos os outros tipos serviços de inteligência” (CARDOSO, 2005,

p.164), são analisados os principais conceitos e processos utilizados pelos

organismos de inteligência de Estado, principalmente a norte-americana, sendo

os mesmos comparados com a inteligência policial e competitiva. Utilizou-se

como método a elaboração de quadros comparativos, relacionando os

processos de inteligência de Estado, policial e competitiva, de forma a entender

as características e práticas similares, bem como as diferenças.

No quarto capitulo são apontadas conclusões do presente trabalho,

recomendando a relevância do emprego de técnicas de I.C. por parte das

instituições policiais de inteligência, sendo elencado um conjunto de

recomendações e possibilidades.

Page 17: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

17

CAPITULO I

A atividade de inteligência estatal

Durante milhares de anos, reis rainhas e generais dependeram de comunicações eficientes de modo a governar e comandar seus exércitos. Ao mesmo tempo, todos estavam cientes das conseqüências de suas mensagens caírem em mãos erradas, revelando segredos preciosos a nações rivais ou divulgando informações vitais para forças inimigas.

Simon Singh5

O monopólio da informação (pelo menos de alguns tipos de informação) era um meio de alcançar o monopólio do poder.

Peter Burke6

Ao discutirmos as características da atividade de inteligência sobre a

óptica dos governos, se faz importante que caracterizemos seu processo de

evolução histórica, de forma a que se identifiquem as raízes do modelo

atualmente vigente.

Não basta que se caracterize o presente papel dos organismos de

inteligência, como um elo descontínuo na relação espaço/tempo. Ao

pensarmos novos modelos e novos processos para tais setores

governamentais, principalmente para os órgãos policiais, ao repensarmos o

5 Passagem do livro: O livro dos códigos. Rio de Janeiro: Record, 2001. 6 Passagem do livro: Uma história social do conhecimento: de Gutenberg a Diderot.

Page 18: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

18

futuro, devemos fazê-lo sobre os alicerces do passado e as necessárias

mudanças do presente.

Além disso, se faz necessário que entendamos o modelo de inteligência

predominante, no caso o norte americano, bem como os efeitos desta visão

sobre a sociedade de brasileira e suas instituições de segurança.

1.1. Inteligência: origem, conceitos e evolução.

A atividade de inteligência está relacionada aos primórdios da civilização

humana e do surgimento do Estado. A necessidade de se conhecer as

intenções e ações do outro sempre foi decisiva para a sobrevivência ou o

desaparecimento de reinos e grupos organizados. Se o uso da força foi

indubitavelmente uma das molas mestras da história econômica e social da

humanidade, as informações necessárias para se saber quando a utilizar,

como, onde e por que, sempre estiveram relacionadas a capacidade dos

estadistas em compreenderem o ambiente em que viviam e o momento

oportuno para intervir sobre este.

Ao identificar as origens da atividade de inteligência, tem-se como um

dos primeiros registros históricos quando da jornada dos hebreus no deserto

em busca de Canaã, a terra prometida, quando “Disse o Senhor a Moisés:

Envia homens que espiem a terra de Canaã, que eu ei de dar aos filhos de

Israel” (BIBLIA, Números 12,13). Por esta passagem bíblica se percebe que a

necessidade de conhecer o adverso é inerente às atividades governamentais,

no caso em questão a conquista da terra sagrada pelo povo hebreu.

Page 19: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

19

Outro registro histórico do emprego de informação para a tomada de

decisão ocorre com Sun Tzu (2002, p.134), grande estadista e general chinês,

que viveu há cerca de quinhentos anos antes de Cristo que afirmava:

O meio pelo qual governantes, sábios e generais sagazes se moveram e conquistaram outros, pelo qual suas realizações ultrapassaram as massas, foi o conhecimento acurado. O conhecimento acurado não pode ser obtido de fantasmas e espíritos, inferido dos fenômenos ou projetado a partir das medidas do Céu, mas deve ser obtido dos homens, porque é o conhecimento da verdadeira situação do inimigo.

Em certo sentido, o acesso e controle da informação, em um mundo em

que esta era rarefeita, portanto em pequena quantidade e possível de ser

controlada, sempre foi visto de forma estratégica pelo Estado.

Ao longo dos séculos diversos são os exemplos da utilização da

atividade de inteligência para prover os governos de informações que

permitissem a sua sobrevivência política, econômica e militar.

No entanto, além de se precaver das ações de outros Estados

beligerantes, os governos de então, em geral ditatoriais, também se

interessavam em coletar e armazenar informações sobre a população

governada (BURKE, 2003, p.110), muitas vezes populações subjugadas pela

força, buscando efetividade no controle desta. Isto permite inferir que desde os

primórdios da atividade de inteligência, ela surge com um forte viés repressivo,

em que a informação era utilizada para reprimir povos descontentes, muitas

vezes governados por déspotas, legislando em interesse próprio, desassociado

dos interesses de Estado ou da sociedade.

Percebe-se então que uma característica marcante do princípio do

emprego da atividade de inteligência é sua utilização não somente para

espionar o governo inimigo, como também para controlar o acesso da

Page 20: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

20

população governada a informação, bem como para promover controles

sociais.

Todavia, com a evolução histórica e econômica da humanidade e o

decorrente aumento substancial de informações disponíveis, os organismos de

inteligência passaram a se especializar na procura por informações críticas

para os governantes, geralmente informações essas de difícil obtenção, uma

vez que o controle e captura de todas as informações, tornou-se uma

impossibilidade devido ao volume exponencial destas.

1.1.1. Controle estatal da informação

Como se observa a partir do descrito acima, tomando como exemplo as

primeiras civilizações, como a suméria ou a egípcia, pode-se afirmar que as

informações disponíveis eram poucas, e a circulação das mesmas vagarosa,

permitindo aos governos de então que não fossem delimitadas áreas de

atuação ou limites de interesses nas informações que o Estado coletava. Não

existia a distinção entre informação classificada ou oficial e aquela de amplo

domínio público, sendo todas elas consideradas como de propriedade do

Estado. Foi somente com o surgimento dos primeiros jornais e revistas ao

longo dos séculos XVI e XVII, com liberdade de publicação e opinião, que se

propiciou o estabelecimento de categorias de informações de domínio público,

portanto disponíveis a toda a sociedade, ou aquelas classificadas, restritas aos

governantes e seus órgãos de controle. (HERMAN, 1996, p.11).

Nesta direção, sob o prisma do Estado moderno, com o surgimento da

imprensa de Gutenberg, das primeiras universidades e do substancial aumento

de dados disponíveis à sociedade, a definição da inteligência passou por uma

Page 21: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

21

mudança de sentido, deslocando-se da busca de todas as informações

disponíveis para a obtenção de algumas fundamentais.

Tal mudança se deve, em parte, ao surgimento das primeiras

democracias e as conseqüentes limitações que estas imporiam ao amplo

controle informacional dos governos, bem como a conseqüente incapacidade

material dos primeiros Estados em dispor de meios, em escala suficiente, para

o controle sobre toda a população residente em seus limites territoriais. De fato,

“[...] na prática, (os governos) coletavam informações para responder a

problemas ou crises específicas, como sedição, pestes e guerra” (BURKE,

2003, p.110). Deste modo, o perfil das primeiras organizações de inteligência

que então surgiam foi balizado pela busca de informações não disponíveis em

meios tradicionais tais quais os livros e jornais, criando-se uma estrutura

institucional voltada para a obtenção do dado que o inimigo ou adversário

tentava deliberadamente esconder. Teve-se como decorrência de tais

mudanças o desenvolvimento de uma ampla gama de técnicas e métodos

especializados exclusivos do campo da inteligência (CLARK, 2004, p.13).

Outro elemento delimitador da atividade de inteligência, nos primórdios

do Estado moderno, foi às implicações de cunho tecnológico no tocante a

coleta de dados e sua análise. De pouco adiantava o acompanhamento de

diversos temas informacionais se os mesmos não chegassem à mesa do

tomador de decisões a tempo, o que frequentemente acontecia. Como

exemplo, Keegan destaca a questão das informações obtidas para uso militar

que, muitas vezes não conseguiam ser repassadas para os generais visando o

desfecho da batalha.

No mundo medieval, a obtenção de informações em tempo real era intrinsecamente difícil, exceto para distâncias muito curtas.

Page 22: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

22

Simplesmente não era possível levá-las adiante do avanço das tropas inimigas com velocidade suficiente. (KEEGAN, 2006, p.32).

Todavia, em se considerando as limitações expostas pelo autor acima

citado, a evolução tecnológica, também associada ao mesmo movimento de

transformações econômicas da sociedade, que impossibilitaram o controle

estatal da informação, mudando a atividade de inteligência, por outra via

permitiram ampliar substancialmente as possibilidades de coleta e organização

da informação por parte do Estado, bem como de disponibilização desta em

tempo real.

A partir das transformações econômico-tecnológicas que direcionaram a

atividade de inteligência para o arquétipo atual, faz-se importante definir os

modernos conceitos de inteligência estatal, fazendo notar, conforme já

observado, que como implicação das mudanças citadas, estes são marcados

tanto pela procura por informações de difícil obtenção, quanto pela

necessidade de se conhecer o inimigo e pelo uso intensivo de tecnologia da

informação.

1.1.2. Conceituação de inteligência de Estado

Para vários estudiosos dos campos da Ciência da Informação e

Administração, por exemplo, o conceito de inteligência é determinado pelo

conjunto de processos aplicados à informação, sendo essa avaliada “[...] como

uma coleção de informações filtrada, destilada e analisada” (ROEDEL, 2005,

p.80), se constituindo em produto final utilizável. Também existem estudiosos

do campo dos chamados intelligence studies como Godson (1995, p.01), que

definem inteligência a partir de sua origem, ou seja, como “[...] a informação

que é adquirida, explorada e protegida pelas atividades de organizações

especificamente estabelecidas pra este propósito”. Deste modo a inteligência é

Page 23: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

23

determinada, conseqüentemente, a partir das instituições de Estado, que a

desenvolvem.

Segundo o dicionário Oxford (OXFORD DICTIONARY, 2000, p.676),

inteligência é determinada pelo tema investigado e a forma em que este é

coletado, sendo considerada como a “[...] informação secreta que é coletada

sobre um País estrangeiro, especialmente um País inimigo”. Percebe-se que,

por esta definição, inteligência envolve temas estratégicos, lida com

informações de difícil obtenção, possui como foco os adversários ou inimigos e

é obtida sem o consentimento destes.

No entanto, conceitualmente vem se delineando um olhar predominante

sobre a inteligência de Estado, levando em conta sua origem em um cenário de

recursos escassos e aumento exponencial do volume de informações, que a

definiria, por conseguinte, como a ação desenvolvida por organizações

peculiares para suprir necessidades de conhecimento dos governos em áreas

vitais à sua sobrevivência, como guerras e rebeliões. Terreno este que seria

conceituado como do conflito, de enfrentamento entre as partes, sejam estas

idéias ou interesses. (CLARK, 2004, p.13).

Pode-se caracterizar então que os organismos de inteligência estatais

buscam reduzir a incerteza em um conflito entre Estados, ou entre o governo e

a sociedade, obtendo informações que o oponente trabalha propositalmente

para impedir ou negar o acesso, tal como o número de tropas envolvidas em

uma batalha ou as decisões estratégicas de um governo. De modo amplo,

inteligência pode ser sintetizada como a busca das informações negadas ou

protegidas pelo adversário aos interesses do Estado.

Page 24: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

24

Cabe ressaltar mais uma vez que, a opção pela busca do segredo deu-

se também pela impossibilidade técnica de controlar todas as informações,

uma vez que da Antiguidade clássica e o mundo medieval, com os seus

poucos repositórios informacionais, para a sociedade moderna, tem-se uma

explosão informacional, que forçou o Estado a fazer escolhas e estabelecer

prioridades.

Evidentemente existem informações importantes disponíveis na

imprensa ou publicações acadêmicas dos países democráticos, dentre muitas

outras fontes abertas ao público em geral. Não obstante, para trabalhar a

coleta de informações amplamente disponíveis não seria necessária a

edificação de uma estrutura voltada para a busca do segredo, para o dado que

é ocultado ou distorcido propositalmente. Cepik (2003, p.109) bem conceitua

essa visão, ao definir que:

Inteligência lida com o estudo do “outro” e procura elucidar situações nas quais as informações mais relevantes são potencialmente manipuladas ou escondidas, em que há um esforço organizado por parte de um adversário para desinformar, tornar turvo o entendimento e negar o conhecimento. Os chamados serviços de inteligência de segurança (security intelligence) têm muitos alvos puramente domésticos, mas mesmo estes compartilham a condição de “outro” aos olhos do arcabouço constitucional e da ordem política constituída.

Como se observa, inteligência relaciona-se à aquisição de dados de

difícil obtenção por meios convencionais e que, como conseqüência, exigem

para a sua obtenção o desenvolvimento de rotinas específicas, o que demanda

instituições especializadas, quais sejam, as citadas agencias de inteligência.

A título de ilustração, sob o enfoque da Ciência da Informação, tema

que será abordado posteriormente, também se encontra uma visão semelhante

sobre a diferenciação da inteligência de Estado, por vezes denominada

Page 25: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

25

espionagem, em relação à inteligência aplicada aos interesses empresariais,

denominada inteligência competitiva. Conforme Choo (2003, p.201):

Os custos econômicos e políticos combinados da espionagem industrial ou de outro tipo de roubo clandestino de informação não podem ser justificados quando comparados com os benefícios da recolha de inteligência a partir de fontes abertas.

Como conseguinte, nota-se que sob o prisma do Estado existe

legitimidade para o uso de meios clandestinos para a obtenção de informações,

em dissonância das demais organizações da iniciativa privada, que deve ater-

se aos meios legalmente permitidos, de fontes abertas a fim de produzir sua

própria inteligência. O foco das organizações estatais é a busca do segredo e

para tal se estruturam seus serviços de inteligência, como veremos a seguir.

1.1.3. Campos da inteligência de Estado

Sob o prisma das transformações da atividade de inteligência, tem-se

outra característica importante, como desdobramento institucional da procura

pelo conhecimento negado, que é a definição de quatro campos distintos de

atuação em inteligência, a saber (GODSON, 1995, p01):

a. Coleta: que consiste na obtenção de informações que sirvam ao

dirigente do Estado, muitas vezes por meios clandestinos;

b. Análise: cuja tarefa relaciona-se ao processamento da informação

obtida por uma ou mais fontes de coleta, e sua disponibilização

como produto final;

c. Contra-inteligência: definida como a proteção dos segredos de

Estado e a tentativa de manipular os serviços de inteligência

adversários em proveito próprios;

d. Ações encobertas: cujo propósito consiste em tentar influenciar

eventos em outros países, sem revelar o seu próprio envolvimento.

Page 26: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

26

Outro recorte conceitual da moderna atividade de inteligência é o cenário

em que esta ocorre, ou seja, os ambientes externos e internos. Enquanto a

inteligência no ambiente externo se relaciona com a obtenção de dados sobre

outros países e seus governos, principalmente informações relativas a

questões políticas, militares e de segurança, a inteligência relativa ao ambiente

interno consiste na atividade dentro do próprio país, em que se busca

neutralizar as ações de organizações de inteligência estrangeiras, bem como

proteger as informações internas da nação, principalmente sobre o governo e

seu serviço de inteligência (KEEGAN, 2006, p.395). Em resumo, enquanto a

inteligência externa busca identificar e fornecer as informações necessárias

aos governantes e militares de altas patentes para que os mesmos lidem com

as ameaças ao Estado e sua população, a inteligência interna ou de

segurança, que compreende a contra-inteligência, busca impedir que outros

governos, mediante seus próprios serviços de inteligência, ou inimigos internos,

tenham acesso a informações que comprometam a segurança do Estado

(CEPIK, 2003, p. 57).

Cabe destacar novamente que “[…] intelligence is about ‘them’, nor ‘us’;

it is not self-knowledge”7 (HERMAN, 1996, P.34). Mesmo no campo da

segurança interna, que muitas vezes trabalha com alvos domésticos, a

inteligência de Estado tem tais alvos como outsiders, como o outro, à medida

que possam significar ameaça ao Estado ou a sociedade (HERMAN, 1996,

p.34).

7 Inteligência é sobre ‘nós’, não ‘eles’; não é autoconhecimento. (Tradução nossa).

Page 27: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

27

1.1.4. Origem da inteligência policial

Um outro aspecto relevante a ser abordado, para permitir a ampla

compreensão do processo de construção das principais definições da

inteligência de Estado, é a investigação das atividades que deram origem ao

modelo atual desta. Como exposto anteriormente, tendo como elemento

impulsionador a busca do dado negado, segundo HERMAN (1996, 16-32) e

CEPIK (2003, p.91-102) foram três as atividades que constituíram-se como as

fontes históricas originárias das atuais organizações de inteligência. Tais fontes

foram:

a. A diplomacia, como elemento de coleta de informações no

exterior a partir de embaixadas ou representações diplomáticas;

b. A guerra, como necessidade de conhecer as ações do inimigo,

suas intenções e a localização física de suas tropas;

c. O policiamento e inteligência de segurança, que buscava

neutralizar os conspiradores contra os governos vigentes.

Levando em consideração tais fontes informadoras da inteligência de

Estado, pode-se ponderar que a inteligência executada pelas polícias e

agências de segurança interna, teve em sua origem uma forte abordagem

repressiva, no qual a atividade de inteligência era desenvolvida subordinada a

interesses dos segmentos sociais que estavam no poder e não a partir de

interesses de Estado. Afirma Cepik (2003, p.99) que:

As origens das atuais organizações de inteligência de segurança remontam ao policiamento político desenvolvido na Europa na primeira metade do século XIX, decorrente da percepção de ameaça representada por movimentos inspirados na Revolução Francesa e pelo nascente movimento operário anarquista e socialista.

Nota-se que os movimentos sociais, cujas posições atualmente, estando

sob a óptica de uma sociedade democrática, são consideradas como

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28

diferenças políticas salutares a uma democracia, quando da origem da

atividade de inteligência eram enquadrados no campo dos inimigos de Estado,

sendo tratados enquanto tal.

Com o decorrer do tempo as ameaças originadas pelo receio de que

outras revoluções francesas ocorressem diminuíram, sendo substituídas,

porém, por outros inimigos como o anarquismo e o comunismo. No entanto a

atividade policial como um todo e a inteligência em particular passaram por

uma transformação, como pode ser observado na exposição a seguir:

Becoming more professional, with the emergence of the criminal investigation department, the application of scientific techniques to the problems of detection, apprehension, surveillance of and storage of information about criminal areas and populations8. (HERMAN, 1996, p.19-20).

Como nos diz Herman, a atividade de inteligência policial passou a se

utilizar de instrumentos científicos, não mudando, entretanto, sua doutrina

sobre os inimigos internos.

Não obstante a referida profissionalização e evolução de meios técnicos

aplicados à atividade de inteligência policial e segurança interna, ao longo do

século vinte ainda se verificou uma grande ênfase na coleta de informações

sobre o inimigo interno, que para as operações policiais, ainda se misturam aos

inimigos do regime político vigente.

1.2. Inteligência governamental

Neste tópico analisaremos os modelos de inteligência predominantes,

bem como sua origem e evolução nos Estados Unidos e no Brasil.

8 Tornando-se mais profissional, com a emergência do departamento de investigação criminal, a aplicação de técnicas científicas para problemas de detecção, obtenção, vigilância e guarda de informação sobre áreas criminais e populações. (Tradução nossa).

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29

1.2.1. Inteligência de segurança nos EUA

Como potências predominantes da modernidade capitalista, a Inglaterra

e principalmente os Estados Unidos, constituíram os modelos de inteligência

vigentes. Tais modelos são edificados em consonância com o padrão

observado de inteligência voltada para o combate ao suposto inimigo interno e

impulsionado pelo ambiente de enfrentamento entre americanos e soviéticos

no pós-segunda Guerra Mundial, quando praticamente todas as atividades de

inteligência policial nos países ocidentais foram impactadas pela doutrina

americana de contenção do comunismo e dos referidos inimigos internos.

Faz-se importante ressaltar que com a potencialização do inimigo

soviético, o combate aos adversários do regime, que sempre existira, ganhou

um forte reforço ideológico, com a justificativa da contenção dos comunistas.

Sigilos telefônicos, movimentações financeiras, encontros pessoais, tudo foi

acompanhado pelo Estado, sob a égide do combate à ameaça soviética.

Para se ter a magnitude das implicações sob o cidadão comum, a partir

do prisma das liberdades individuais, pode-se citar como exemplo as grandes

dificuldades enfrentadas atualmente pelo governo dos Estados Unidos para

estruturar um sistema de inteligência nacional integrando as milhares de

instituições policiais do País (GELLER, MORRIS, 2003, p.253), na tentativa de

evitar outros ataques terroristas como o de 11 de setembro de 2001, uma vez

que a sociedade americana exerce uma grande pressão sobre as polícias, a

partir da década de setenta, mediante denúncias em jornais, manifestações

públicas e ações jurídicas, na medida em que estas instituições colecionavam

indiscriminadamente informações sobre milhares de cidadãos americanos, pelo

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30

simples motivo destes terem diferenças políticas com seus governantes.

Conforme afirma Carter (2002, p.41):

Controversies have surrounded law enforcement intelligence because of past instances where the police maintained records of citizen’s activities that were viewed as suspicious or anti-American, even though no crimes were being committed. This, of course, violates fundamental constitutional guarantees and offends the American sense of fairness with respect to government intrusiveness. Unfortunately, the boundary is not precise regarding the types of information the police can collect and keep. Some legal guidelines appear contradictory and the application of law to factual situations is often difficult. Beyond the legal ramifications, early intelligence initiatives by the police typically lacked focus, purpose, and process. Important lessons can be learned from these historical experiences that provide context and guidance for law enforcement intelligence today. 9

Como resultado das pressões da sociedade civil, a legislação

americana passou a determinar que a coleta de informações sobre os cidadãos

americanos fosse centrada em processos, ou seja, em um evento criminal, e

não nos indivíduos, de forma desconexa. De fato, somente se podem coletar

informações sobre um cidadão americano a partir do momento que exista

razoável suspeita de que o mesmo esteja envolvido em uma ação criminosa,

preservando-se assim o direito democrático de diferença de opiniões e

posições políticas, elemento basilar de qualquer regime democrático.

1.2.2. Inteligência de Estado no Brasil

No caso do Brasil, as atividades de inteligência de segurança e policial

também se desenvolveram sobre a óptica da vigilância sobre os eventuais

9 As atividades de inteligência policial tem sido permeadas por controvérsias devido a experiências passadas, quando a polícia mantinha dados das atividades dos cidadãos que eram consideradas suspeitas ou anti-americanas, mesmo que nenhum crime tivesse sido cometido. Isto evidentemente viola garantias constitucionais fundamentais e ofende o senso americano de justiça com respeito à intromissão governamental. Infelizmente o limite referente às informações que a polícia pode coletar e manter não é preciso. Alguns preceitos legais parecem contraditórios e a aplicação da Lei em situações reais é geralmente difícil. Além das ramificações legais, às primeiras iniciativas de inteligência policial tipicamente faltavam processo, propósito e foco. Importantes lições podem ser aprendidas dessas experiências históricas que provêm direcionamento e contextualização para a Inteligência das forças de segurança atuais. (Tradução nossa).

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31

dissidentes políticos dos governos vigentes, em que a diferença de opinião era

criminalizada. Tanto a inteligência de Estado, quanto a policial implementaram

diversas atividades visando acompanhar adversários do regime, bem como

muitas vezes efetuar a eliminação física dos mesmos.

Em relação à origem da atividade de inteligência clássica no Brasil, esta

remonta seu surgimento ao ano de 1956, ambientada pela doutrina norte

americana da guerra fria e sobre a égide da Escola Superior de Guerra – ESG,

mediante a criação do Serviço Federal de Informações e Contra-informação –

SFICI. Tal serviço, “[...] a partir dos dogmas paranóicos da Guerra Fria”

(FIGUEIREDO, p.56, 2005), nasceu com o claro foco na busca do suposto

inimigo interno. Na verdade o ativamento do SFICI se relaciona, em grande

parte, à pressão exercida pelos americanos, que tinham como política

privilegiada para as Américas, a estruturação de tais órgãos nos países da

América Latina visando combater o segmento de esquerda de tais países

(ANTUNES, 2002, p.48). Conforme caracteriza Martchenko (2004, p.76):

Na América do Sul, a origem e o desenvolvimento das principais estruturas de Inteligência sofreram forte influência da doutrina norte-americana. Sob o apanágio da contenção do Movimento Comunista Internacional, essas organizações foram fortemente marcadas e, em alguns casos, funcionaram como sucursais do sistema norte-americano em prol dos seus interesses estratégicos, com reflexos nos campos político e econômico.

Corroborando com a visão acima, ao analisar a estrutura do órgão,

quando de sua criação, tem-se mais uma dimensão de seus evidentes

propósitos, conforme nos conta Figueiredo (2005, p.66):

Seguindo os modelos propostos por Washington, o SFICI foi dividido entre quatro subseções: Exterior, Interior, Segurança Interna e Operações. As duas últimas eram as mais importantes. A subseção de Segurança Interna (SSSI) tinha uma larga incumbência, desde descobrir espiões de países hostis que atuavam no Brasil até levantar informações sobre partidos políticos, órgãos de administração pública e entidades de classe. Ou seja, para a SSSI, os inimigos estrangeiros, os organismos de Estado e sociedade civil organizada eram tudo uma coisa só: alvos a serem vigiados.

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32

Em 1964, com o golpe militar, o SFICI transformou-se em Serviço

Nacional de Informações – SNI, aprofundando ainda mais o foco da instituição

na caça ao citado inimigo interno, entendendo-se como estes os partidos de

esquerda e adversários do regime militar.

Durante a ditadura militar, entre 1964 e 1985, o SNI adquiriu a dimensão

de um Ministério e tornou-se o braço informacional privilegiado do regime no

combate aos subversivos, alimentando com informações as instituições

encarregadas diretamente da repressão política. (FIGUEIREDO, 2005, p.221).

Com o fim do SNI, pelo menos formalmente, surgiu um conglomerado de

siglas representando a atividade de inteligência, tal como a Secretária de

Assuntos Estratégicos – SAE, até que, em 1999, foi sancionada a lei que

estabeleceu o atual sistema de inteligência e a Agência Brasileira de

Inteligência – ABIN. Tais iniciativas legais acerca da atividade de inteligência

herdam o estigma da relação com “[...] tortura, corrupção, violação dos direitos

humanos e liberdades civis” (ANTUNES, 2002, p.30), no entanto a legislação

aprovada e as ações pesquisadas da agência (ANTUNES, 2002, p.202), ainda

dão à dimensão de que o acompanhamento das questões internas, sobretudo

no que tange aos movimentos sociais (VIDIGAL, 2004, p.09) é destaque na

atuação do órgão. Figueiredo (2005, p.528) corrobora com este pensamento ao

afirmar que:

No governo Lula, o serviço secreto continuou procurando detectar entre a população local quem eram e como agiam os responsáveis pelos males sociais. Entre os alvos estavam os sem-terra, os lideres de movimentos de moradia popular e os candidatos a Lula na área sindical.

Por esta leitura, apesar das mudanças de governo, poucas alterações se

efetuaram sobre a lógica de atuação da inteligência de Estado brasileira,

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33

continuando esta centrada, aparentemente, no acompanhamento da vida

política interna do País.

1.2.3. Inteligência policial no Brasil

Conforme anteriormente abordado, outra vertente do campo da

inteligência desenvolvida no Brasil, sob o prisma da segurança interna, foi à

inteligência policial. Mais antiga que os organismos de inteligência clássica,

como o SFICI, a atividade de inteligência nas instituições policiais brasileiras,

também foram criadas sobre o recorte de polícia política, cujo objeto de

atuação seria “[...] o conhecimento, a classificação e o controle – e a

repressão” (REZNIK, 2005, p.24) dos segmentos sociais considerados inimigos

do regime político.

Em 1933 foi criada a Delegacia Especial de Segurança Política e Social

– DESPS, sob a direção do getulismo, sendo em 1944 transformada em

Divisão de Polícia Política e Social – DPS, como parte do Departamento

Federal de Segurança Pública - DFSP. De sua origem, em 1933, até 1964 o

DPS atuou como órgão centralizador da inteligência acerca dos inimigos do

regime, repassando tal tarefa ao SNI no início do regime militar (REZNIK, 2004,

p.26), transformando-se apenas em uma delegacia dentro do Departamento de

Polícia Federal – DPF, criado em 1964 em substituição ao DFSP.

Com o fim da ditadura militar, em 1985, a Constituição de 1988 e os

avanços democráticos desta, tais como eleições diretas, fortalecimento do

Ministério Público e regulamentação dos concursos públicos, iniciou-se uma

série de mudanças institucionais na estrutura do DPF, que, enquanto

instituição, passou a assumir determinados valores democráticos que se

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34

associaram às mudanças relativas à atividade de inteligência nos países

democráticos, a exemplo dos Estados Unidos.

Tal processo de mudanças no DPF adquiriu dimensão pública e maior

volume em meados de 2002, na medida em que, conforme já abordado, o

órgão iniciou uma série de ações de inteligência visando o combate ao crime

organizado, que teve como resultado o desencadeamento de operações por

todo o Brasil, atingindo atores de dentro do regime como políticos, empresários

e funcionários públicos com postos elevados. Se tais segmentos não eram

afetados dantes, uma vez que a polícia combatia os inimigos políticos do

governo vigente, quando ela passou a atuar sob uma perspectiva republicana,

a lógica se modificou, começando a estar a inteligência policial “[...] a serviço

dos valores que uma sociedade democrática inscreveu em suas leis”

(MONJADERNET, 2002, p.294).

Contudo, tais mudanças nos objetivos institucionais, trouxeram em seu

bojo a necessária mudança de paradigmas técnicos, ou seja, das ferramentas

e métodos empregados no processo de inteligência.

1.3. Novos paradigmas para a inteligência policial

1.3.1. Transformações e mudanças institucionais

É possível que o contexto atual possa ser considerado como um

momento de transformação institucional em que o foco da atividade de

inteligência interna, sobretudo no âmbito da inteligência policial, esteja

deixando de tratar como adverso ou como inimigo, os distintos setores sociais

que compõem a sociedade brasileira, e esteja sendo focado na composição de

Page 35: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

35

um serviço voltado para a segurança do Estado e da sociedade como um todo.

Nesta direção, Reznik (2005, p.26) argumenta que:

O que está em questão hoje é um processo de reinstitucionalização de um serviço de inteligência ou de uma polícia política. [...] A democracia no pós-guerra estava constrangida pela guerra fria. Neste contexto os comunistas eram inimigos internos, enquadravam-se numa lei de segurança por serem ‘antinacionais’. O MST, [...] pode vir a servir como a atualização desse procedimento num quadro de novas exclusões para os critérios de pertencimento adequado à nação e ao exercício da cidadania.

Para o autor o contexto atual apresenta contradições que podem apontar

mudanças significativas sobre o foco da atividade de inteligência interna e,

sobretudo, em relação ao critério utilizado para eleger os inimigos internos do

país.

Ao analisar-se, nas últimas décadas, todo o processo evolutivo da

atividade de inteligência no Brasil e no mundo, bem como a expansão dos

sistemas desta citada área, infere-se que o Brasil esteja acompanhando um

movimento global em que, ultrapassada a temática do suposto inimigo

comunista, a missão dos serviços de inteligência interna (security intelligence)

esteja migrando do policiamento político para novas responsabilidades, como o

contraterrorismo e o combate ao crime organizado, com suas facetas de

fraudes financeiras, narcotráfico, crime do colarinho branco, lavagem de

dinheiro, etc. (CEPIK, 2003, p.102). Sob este prisma, corrobora com esta visão

Vidigal (2004, p.10), apontando que:

O crime organizado, em especial o tráfico de drogas e o contrabando de armas, as atividades financeiras ilegais, entre as quais a lavagem de dinheiro, são objetos da preocupação dos governos e representam um desafio para os Serviços de Inteligência de qualquer país. Incontestavelmente, um eficaz Serviço de inteligência, capaz de prover as informações necessárias, é a melhor arma para o combate ao crime organizado.

Desta forma, aponta-se o grande potencial para a atividade de

inteligência ser utilizada a serviço do combate ao crime organizado.

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36

Considerando-se as competências da atividade de inteligência na busca de

informações sigilosas e de difícil obtenção, a utilização de tais aptidões,

intrínsecas aos serviços secretos, para o enfrentamento das organizações

criminosas complexas que permeiam o Estado, é um mecanismo que não

somente pode ser eficaz no enfrentamento de fato das referidas organizações,

como também é uma tarefa que ajuda a reinstituir o propósito dos serviços de

inteligência policial, apontando um novo rumo para essa atividade.

Cabe ressaltar que com o advento do crime organizado e da

globalização econômica, o uso de instrumentos, por parte dos governos, que

permitam a coleta de provas e a identificação de criminosos, sem que estes

tenham ciência de estarem sendo investigados e criem mecanismos de defesa,

são essenciais à própria sobrevivência do Estado. Assim sendo, uma

abordagem para a inteligência policial deve atuar:

[...] na prevenção, obstrução, identificação e neutralização das ações criminosas, com vistas à investigação policial e ao fornecimento de subsídios ao Poder Judiciário e ao Ministério Público nos processos judiciais. Buscam-se informações necessárias que identifiquem o exato momento e lugar da realização de atos preparatórios e de execução de delitos praticados por organizações criminosas, obedecendo-se aos preceitos legais e constitucionais para a atividade policial e as garantias individuais. (GONÇALVES, 2003, P.12)

Sob este viés, a inteligência policial utilizaria seu conjunto de técnicas e

ferramentas para combater as organizações criminosas que ameaçam o

funcionamento da sociedade democrática, sob o estrito cumprimento das leis

vigentes em um Estado de Direito. A partir de tais elementos constituir-se-ia

como uma oportunidade histórica de se colocar as agências de inteligência a

serviço desta mesma sociedade e não de grupos dominantes. Todavia, para

mudar de fato os objetivos políticos, também se faz necessário modificar o

referencial técnico empregado, constituindo-se tal tarefa um grande desafio.

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37

1.3.2. Evolução técnica e conceitual

Ao se pensar na necessidade de mudança do objeto de atuação da

atividade de inteligência policial, em que este objeto se desloca do

enfrentamento com as oposições políticas aos governos vigentes e

movimentos sociais descontentes, migrando seu foco para o combate a

organizações criminosas que dilapidam o Estado e toda sociedade, também

serão necessárias mudanças nas técnicas e conceitos empregados pela

inteligência de Estado e policial para enfrentar este novo inimigo.

No momento em que os indivíduos são tratados como cidadãos e não

como inimigos de Estado, os mesmos passam a receber uma série de

garantias legais que outrora os serviços de inteligência, particularmente as

polícias, não tinham que observar ao coletar e analisar dados. Evidentemente é

muito mais fácil e rápido para o governo obter informações fornecidas por meio

de tortura, escutas clandestinas ou infiltrações de agentes, do que observando

os pressupostos legais balizados pela Constituição de 1988.

No entanto, atualmente o combate às organizações criminosas é muito

mais desafiador do que a repressão política desenvolvida anteriormente, uma

vez que tais organizações permeiam todos os segmentos sociais, do

empresário ao trabalhador, bem como todas as vertentes políticas, de partidos

esquerda aos de direita, sendo ramificada muitas vezes em nível internacional,

o que dificulta sobremaneira a localização de seus componentes e, sobretudo,

a coleta de provas sobre as atividades criminosas destes. Cabe observar como

particularidade que:

[...] a Inteligência Policial é, em suma, voltada para a produção de conhecimentos a serem utilizados em ações e estratégias de polícia judiciária, com escopo de identificar a estrutura e áreas de interesse da criminalidade organizada, por exemplo. (GOMES, 2006)

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38

Ou seja, na medida em que a polícia vem assumindo um novo papel em

uma sociedade democrática, a mesma se diferencia dos demais ramos da

inteligência pela necessidade da coleta de provas. No terreno da persecução

criminal não basta que se saiba, é necessária a prova do delito.

Considerando-se a necessidade de obter provas, pode-se afirmar que

um dos grandes paradigmas vividos pelos serviços de inteligência no Brasil é o

de estabelecer mecanismos para enfrentar organizações sofisticadas e

perigosas com instrumentos de coleta e análise de informações que respeitem

os direitos individuais dos cidadãos nacionais que, em tese pelo ordenamento

jurídico vigente, são inocentes até que se prove o contrário.

Neste sentido, um dos instrumentos fundamentais à evolução técnica

da inteligência policial no Brasil para adequar-se às necessidades funcionais

das novas demandas postas, como abordado acima, é o levantamento,

mediante análise de literatura, da evolução dos processos em inteligência

desenvolvidos no restante do mundo, sobretudo em países democráticos, bem

como em outros segmentos organizacionais, que não o Estado, tal como a

inteligência aplicada a áreas econômicas, como o meio empresarial.

Também é importante compreender a inteligência como um conjunto de

segmentos, além da inteligência de Estado e policial, sendo essencial analisar

outras aplicações da atividade que vem se destacando nas últimas décadas e

que podem acrescentar conhecimento técnico ao conjunto disponível das

agencias de Estado.

Um exemplo trata-se do uso de informação voltada para o

desenvolvimento do setor produtivo, em que as técnicas oriundas do campo da

inteligência, ora denominada inteligência competitiva, são aplicadas no

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39

fornecimento de informações que subsidiem a tomada de decisão, impactando

nos resultados obtidos pelas organizações. Considerando-se que as empresas

privadas historicamente têm uma série de restrições ao acesso e obtenção de

informação, que as instituições de inteligência estatal não possuem, estas

primeiras desenvolveram instrumentos para maximizar a utilização das

informações disponíveis, geralmente obtidas a partir de fontes abertas ao

público, que não precisam de autorização legal para sua utilização. Neste

sentido a referida Inteligência Competitiva – I.C. pode representar novas

experiências que podem ser utilizadas pelas instituições de combate ao crime,

a exemplo do uso de fontes abertas, ou seja, fontes cujo acesso não sofre

restrição legal, sendo o acesso franqueado a sociedade.

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40

CAPITULO II

Atividade de inteligência competitiva

(...) tratar o termo [inteligência competitiva] fazendo a ligação correta com suas origem também esbarra em outro problema cultural brasileiro, pois estaremos nos referindo à atividade de inteligência de Estado, que remete, na mente de muitos brasileiros, ao período de repressão militar e ao antigo Serviço Nacional de Informações – SNI.

Elaine Marcial10

Faz-se importante que se entendam as origens de inteligência

competitiva - I.C., seus principais conceitos e sua evolução para, mediante a

identificação de novas possibilidades técnicas e metodológicas oriundas dessa

área, se possam apontar caminhos possíveis para o desenvolvimento da

atividade de inteligência policial.

Como se percebe pela descrição a seguir, a área de I.C. apresenta um

conjunto de conceitos que podem trazer acréscimos significativos aos modelos

vigentes no Estado.

10 Trecho do artigo: O perfil do profissional de inteligência competitiva e o futuro dessa atividade no Brasil. In: Gestão estratégica da informação e inteligência competitiva. p.242-270. São Paulo: Saraiva, 2005.

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41

2.1. Inteligência: origem, conceitos e evolução

2.1.1. Origens e conceitos

À medida que a inteligência produzida nas organizações pode agregar

conhecimento novo para ser utilizado pelo Estado em seu novo objeto de

atuação, o combate ao crime organizado, faz-se importante precisar que os

conceitos relativos à utilização da informação existem sob a égide das

organizações empresariais.

Primeiramente cabe considerar que como a atividade de inteligência é

oriunda do Estado, observa-se que a base teórica de I.C. “[...] tem origem na

atividade de inteligência militar e de Estado, adaptada para a realidade das

organizações” (MARCIAL, 2005, p.242), o que legitima considerar a I.C. como

uma das disciplinas componentes do espectro conceitual do campo da

inteligência.

Conforme define Roedel (2005, p.77):

[...] inteligência competitiva é entendida como um processo sistemático de coleta, tratamento, análise e disseminação da informação sobre a atividade dos concorrentes, fornecedores, clientes, tecnologias e tendências gerais de negócios, visando subsidiar a tomada de decisão e atingir as metas estratégicas da empresa.

De fato, sob este espectro, a I.C. é definida pelo acompanhamento do

ambiente externo à organização, bem como pelo emprego de rotinas

específicas, como a coleta, análise e disseminação de informações, que a

diferencia de outras áreas do conhecimento.

Outra visão que reforça a similaridade teórica de I.C. com a inteligência

clássica é o acompanhamento externo, bem como a utilização de processos

específicos de inteligência. Tarapanoff (2004, p.08) argumenta que além de

acompanhar o ambiente externo da organização, a I.C. se caracteriza também

Page 42: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

42

pela capacidade de analisar a informação coletada, avaliando-a, e em seguida

implementando mudanças no curso de ação, desenvolvendo “[...] novos

conceitos e estratégias” (TARAPANOFF, 2004, p.08). Com efeito, além do

processo, a I.C. envolve informação que seja acionável, que possa ser utilizada

pelo tomador de decisão para buscar moldar a realidade aos propósitos

organizacionais.

Ao discutir inteligência separadamente do contexto estatal, também se

pode ponderar o porquê das organizações voltadas para o mercado terem

assumido a atividade de inteligência com o enfoque competitivo. Neste sentido

as respostas se apresentam como óbvias. Em primeiro lugar, historicamente a

iniciativa privada sempre buscou referências organizativas nos governos, afinal

estes são compostos por organizações milenares. Os primeiros modelos de

burocracia surgiram do Estado, sejam com as civilizações egípcias e sumérias

ou mesmo, posteriormente, com o Império Romano, portanto nada mais natural

que o mercado continue a perceber o Estado como um referencial, mesmo que

às vezes negativo. Em segundo lugar, o momento econômico e social atual é

ímpar. A globalização econômica tem perpassado mercados, economias

nacionais e empresas com um profundo aporte de transformações econômicas.

São tantas as mudanças, tão rápidas e profundas, que a capacidade de leitura

do ambiente em que se opera e a constante adaptação às mudanças se

tornaram vitais para a sobrevivência institucional. Conforme pontua Brito (2001,

p.12):

À medida que as economias se abrem para os capitais e produtos mundiais, a necessidade de competitividade entre os capitalistas é cada vez maior. Ganha quem tiver o melhor produto, com o melhor preço, entregue rapidamente. Com esse fenômeno, empresas passam a deslocar-se constantemente pelo globo, em busca de condições produtivas mais vantajosas, como a redução do custo da mão-de-obra ou da matéria prima. No marco de uma disputa econômica cada vez mais global, cuja velocidade dos processos é

Page 43: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

43

enorme, a informação passa a ser um instrumento basilar na busca do lucro, e as ferramentas que ajudam a fazer trafegar a informação, como a Internet, adquirem um novo valor econômico.

A partir da exposição do autor, pressupõe-se que a capacidade de

perceber as mudanças locais e globais e formular políticas e projetos para

estas não se resumem a uma simples escolha, mas a uma imperativa

necessidade. Como não privilegiar e incrementar o tratamento e a utilização da

informação, se todo o sistema produtivo atual cada vez mais se encontra

balizado “[...] em torno de princípios de maximização da produtividade baseada

em conhecimentos”? (CASTELLS, p.226, 1999).

Visando sobreviver mantendo a competitividade em um cenário de

competidores mundiais, no qual a disputa por mercados locais ocorre cada vez

mais internacionalmente, e em que a obtenção de informações sobre as

necessidades dos clientes, as capacidades dos funcionários ou as ações dos

competidores são fundamentais, uma vez que empresas líderes de mercado

podem ser constantemente ameaçadas por produtos oriundos de pequenas

empresas, cuja existência sequer era conhecida, é que não somente a I.C.

como também uma série de atividades relativas ao conhecimento surgiram e se

desenvolveram buscando instrumentalizar as organizações para lidar com a

informação. Dentre tais atividades destacam-se a gestão da informação e a

gestão do conhecimento.

2.1.2. Gestão da informação

No tocante à gestão da informação – G.I., esta tem como objetivo

maximizar a utilização da informação disponível dentro da empresa, “[...] de

forma a habilitá-la a aprender e a adaptar-se ao seu meio ambiente em

mudança” (CHOO, 2003, p.283). A gestão da informação, segundo Choo

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44

(2003), seria composta pelas etapas de: 1. identificação de necessidades

informacionais; 2. aquisição de dados; 3. organização e armazenamento; 4.

desenvolvimento de produtos e serviços; 5. distribuição e utilização. Cabe

ressaltar que ao abordar produtos de G.I., a ação recai para o fornecimento de

informação relevante (CHOO, 2003, p.285) aos usuários, o que não implica

análise de tais informações como parte do produto, uma vez que a análise

poderá ser feita pelo próprio cliente.

2.1.3. Gestão do conhecimento

Outra temática informacional relevante para as organizações é a gestão do

conhecimento – G.C., que tem como foco “[...] gerenciar o conhecimento formal

e informal em uma organização” (MORESI, 2001, p.9). A G.C. objetiva

apropriar-se do conhecimento informal ou tácito, leia-se: opiniões, experiências,

suposições, decisões, etc., transformando-o em explícito e compartilhando-o

com toda a organização. Já sistema de gestão do conhecimento é entendido

como um

[...] conjunto de práticas distintas e interligadas visando melhorar o desempenho organizacional por meio de produção, retenção, disseminação, compartilhamento e aplicação do conhecimento dentro das organizações e na relação destas com o mundo exterior. (BATISTA, 2004, p.08).

No entanto, para Choo (2003), além da construção do conhecimento

envolvendo a partilha da informação tácita transformada em explícita, e a

administração destes processos em um sistema, a G.C. também compreende

os momentos de criação de significado em que os indivíduos de uma

organização oferecem um sentido comum ao que acontece no ambiente e à

tomada de decisões, onde a organização busca reduzir a incerteza de um

Page 45: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

45

contexto em constante mutação “[...] criando regras, premissas e programas de

desempenho” (CHOO, 2003, p.51).

2.1.4. Diferenças e similitudes

Dentro desta visão, as três abordagens da informação, G.I., G.C., e I.C.,

se complementariam, visando a criação de significado que permitiria uma

interpretação comum do ambiente, determinando os objetivos e propósitos para

a conversão do conhecimento que, por sua vez, “[...] leva à inovação na forma

de novos produtos ou novas competências” (CHOO, 2003, p.51), o que implica

escolhas táticas e estratégicas para a organização, que utilizará “[...] regras e

premissas destinadas a simplificar e legitimar seus atos” (CHOO, 2003, p.51)

quando da tomada de decisões.

Percebe-se que I.C. se diferencia da gestão da informação e gestão do

conhecimento, devido o foco no ambiente externo e, sobretudo, na entrega de

produtos informacionais que envolvam alto valor agregado mediante análise.

Corroborando com essa visão, sob o prisma das empresas:

Ao pensarmos em inteligência, remetemo-nos imediatamente à capacidade das organizações (entre elas as unidades de informação) de monitorar informações ambientais para responder satisfatoriamente aos desafios e oportunidades que se apresentam continuamente. Pode-se dizer que a inteligência visa, principalmente, a imprimir um comportamento adaptativo à organização, permitindo que estas mudem e adaptem seus objetivos, produtos e serviços, em resposta a novas demandas do mercado e a mudanças no ambiente. (TARAPANOFF, 2000, p.91).

Neste sentido infere-se o foco da autora na necessidade da informação

coletada e disponibilizada, dentro da lógica de I.C., ser aplicável à realidade da

empresa, ou seja, que a informação possa ser utilizada para moldar a

organização às mudanças da realidade.

Como se percebe, portanto, mais do que coleta em fontes abertas de

informação, a I.C. envolve a necessidade de fazer com que a quantidade de

Page 46: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

46

informação disponível para a coleta possa vir a produzir algum sentido para a

organização. Como decorrência, a I.C. apresenta um diferencial em relação à

G.C. e G.I., uma vez que não se resume em organizar coleções de informações

mas conforme já abordado, a coletar, organizar e analisar as mesmas,

subordinando o produto de tais informações analisadas às necessidades da

organização. De acordo com Cardoso Júnior (2003, p.18):

Os profissionais de inteligência competitiva coletam, analisam e aplicam, legal e eticamente, informações relativas às capacidades, às deficiências e às intenções de seus concorrentes, e monitoram os acontecimentos do ambiente competitivo geral (como concorrentes antes desconhecidos que surgem no horizonte ou novas tecnologias que podem alterar tudo). O seu objetivo: obter informações que subsidiem o processo de tomadas de decisões estratégicas e que possam ser colocadas para colocar a organização empresarial na fronteira competitiva dos avanços.

Diante o exposto pelo autor, é possível afirmar que a I.C. tem se

consolidado como uma ligação entre o cotidiano dinâmico e as necessidades

estratégicas da organização, em que um elemento retro-alimentaria o outro,

permitindo que a empresa tenha uma estratégia clara e que esta não se

transforme em um dogma se justapondo a realidade, não considerando as

mudanças nesta. Dentro desta lógica pode-se deduzir que a I.C. se

caracterizaria pelo vínculo entre o planejamento estratégico e as atividades

informacionais de coleta, tratamento e disseminação da informação (SANTOS,

200?, p.4).

Assim, as organizações que atualmente procuram inovação e

competitividade buscam a junção de informações gerenciadas e organizadas

com foco para o negócio, com um sistema “[...] que combina acesso, análise e

interpretação da informação” (REZENDE, 2002) mediante a Inteligência,

procurando assegurar também a incorporação do conhecimento produzido

como produto a partir da gestão do conhecimento.

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47

2.1.5. Inteligência competitiva como opção técnico-conceitual

A experiência de empresas como Petrobrás ou Microsoft11 em gerir e

utilizar a informação, produzindo inteligência, vem demonstrando como as

organizações privadas em conjunto com o meio acadêmico estão

desenvolvendo uma série de iniciativas visando melhor administrar e utilizar a

informação.

Mediante tais experiências, podemos inferir que a junção dos conceitos

de G.I., G.C. e I.C. representa uma ampla gama de inovações e avanços no

aspecto da obtenção, tratamento e utilização da informação que o Estado, no

marco da inteligência clássica e policial, ainda não tenha refletido.

Levando em conta, conforme anteriormente abordado, a evolução da

área de inteligência ao longo do tempo, particularmente o surgimento da I.C. e

sua aplicação bem sucedida dentro das organizações, seria natural por parte

do Governo e de suas instituições, uma pequena inflexão buscando analisar

aquilo que a inteligência voltada para o mercado possa ter trazido de novo e

dinâmico para esta área do conhecimento, de modo a viabilizar aplicações

destes avanços em suas atividades.

Conforme foi abordado anteriormente, a I.C. pode contribuir com

técnicas e conceitos no tocante ao trabalho com fontes abertas, bem como com

ferramentas e instrumentos de análise de mercado que as agências de

inteligência do Brasil possivelmente não estão familiarizadas, sobretudo as de

cunho policial, uma vez que até a promulgação da Constituição de 1988, era

possível a utilização de vários instrumentos para a obtenção de informações,

11 A experiência de gestão da informação da Microsoft está relatada no livro A Empresa na velocidade do pensamento, de Bill Gates.

Page 48: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

48

tal como o uso de interceptações clandestinas, que na conjuntura atual não são

mais legal e socialmente permitidos.

Entretanto, tais estudos ainda são inexistentes, sendo percebidos

poucos autores ou instituições interessadas em verificar a aplicabilidade de

técnicas oriundas da I. C., G.C. ou G.I., em organizações com tradição anterior

em inteligência clássica ou policial.

Dois autores, Campos e Soares (2003), parecem perceber a I.C. como

um campo conceitual útil às instituições policiais, afirmando que:

O objetivo típico de um projeto de Inteligência Competitiva é monitorar a circunscrição na qual a Unidade Policial está inserida, através da captura do conhecimento incorporado em documentos – memorandos, relatórios, apresentações, artigos e assim por diante – e colocá-lo num repositório onde possa ser facilmente armazenado, recuperado, tratado e disseminado. Portanto, Inteligência Competitiva é o resultado da análise de dados e informações coletados do ambiente que envolve a Unidade Policial e que irão embasar a tomada de decisão, pois geram recomendações que consideram eventos futuros e não somente relatórios para justificar decisões passadas. (CAMPOS; SOARES, 2003, p.37)

Contudo, mais do que monitorar o ambiente em que as organizações de

inteligência estatal se inserem, conforme pontuam os autores, a I.C.,

consolidada pelas necessidades competitivas das empresas em tempos de

globalização econômica, pode apresentar uma série de inovações no tocante a

obtenção, tratamento, organização, análise e disponibilização da informação

que, avaliadas comparativamente com os métodos tradicionais das agências

estatais, denotem a possibilidade destas adquirirem novas práticas e

consequentemente, terem acesso a inovações úteis às mudanças institucionais

necessárias, apontadas por este trabalho.

No momento que a sociedade busca resignificar o sentido de inteligência

interna e policial, focando as competências informacionais do Estado no

combate aos verdadeiros inimigos da nação, tal como o crime organizado e

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49

não na perseguição política de seus cidadãos, cabe o desafio de validar a

utilização dos conceitos observados até o momento no campo da inteligência

competitiva, mediante análise comparativa, com a inteligência de Estado,

permitindo que a atividade de inteligência governamental seja aprimorada em

suas ferramentas conceituais, maximizando sua efetividade no combate às

organizações criminosas que, de fato, ameaçam a sociedade brasileira.

Adotando algumas categorias para efeito de apreciação comparativa,

tais como coleta e análise, procurar-se-á, nos tópicos a seguir, identificar

similaridades e diferenças entre inteligência clássica, policial e competitiva, de

forma a apontar possibilidades de utilização de novas ferramentas teóricas, de

modo a ser possível identificar novas práticas que tenham sido acrescidas ao

terreno da inteligência pelas empresas, bem como por órgãos governamentais

de outros países, que possam ser utilizadas a serviço de toda sociedade.

Page 50: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

50

CAPITULO III

Análise Comparativa

É difícil que uma pessoa se conheça se não conhecer os outros.

Miyamoto Musashi12

Ao efetuarmos uma análise entre as características da inteligência

clássica, policial e competitiva, inicialmente far-se-á necessário identificar os

tópicos a serem comparados. Neste sentido, é primordial entendermos o

significado do ciclo de inteligência, uma vez que este conceito de processo e

suas etapas são considerados como um dos alicerces conceituais da área de

inteligência.

Em seguida abordaremos algumas etapas fundamentais do processo de

inteligência, constituindo-se as mesmas como os momentos da definição de

requisitos, planejamento, coleta, análise e disseminação.

3.1. Ciclo de inteligência

Por ciclo de inteligência compreende-se uma seqüência de etapas em

que se decompõem os processos da atividade de inteligência, sendo que elas

irão variar de acordo com a definição conceitual utilizada. A visão

tradicionalmente empregada pelo Federal Bureau of Investigation – FBI, uma

12 O livro dos cinco anéis. Rio de Janeiro: Ediouro, 2000.

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51

das polícias federais norte americanas (CARTER, 2004, p.65) bem como por

várias outras agências governamentais daquele país (CLARK, 2004, p.14)

determina seis momentos dentro do ciclo de inteligência, que seriam:

a. Requerimento, em que o cliente demanda suas necessidades

informacionais, sendo as mesmas traduzidas em requerimentos;

b. Planejamento, direção, em que a equipe estabelece metas de

coleta e análise, bem como os formatos de disponibilização do

produto para o cliente e o tempo necessário para tal;

c. Coleção, coleta, em que a informação é coletada a partir de vários

mecanismos de obtenção diferentes;

d. Processamento, envolvendo o agrupamento, organização da

informação coletada;

e. Análise, que extrairá padrões, significados, inferências e

constatações tendo como base o conjunto de informações

coletadas sobre dado tema;

f. Disseminação. Consiste na disponibilização do produto

informacional ao cliente.

Cabe observar, conforme mencionado anteriormente, que tais etapas

podem ser subdivididas ou agrupadas, segundo o que percebemos na

definição empregada por Lodi (2005, p.133) ou por Marcial (2005, p.244) em

que as etapas seriam resumidas a quatro momentos compostos por: 1-

Planejamento e direcionamento; 2- Coleta; 3- Análise; 4- Disseminação.

No entanto, abordaremos neste trabalho as etapas de coleta e análise,

uma vez que tais etapas são consideradas (CEPIK, 2003, p.34), (HERMAN,

1996, p. 39) como os elementos basilares do ciclo de inteligência.

Page 52: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

52

Buscaremos a seguir definir as etapas de coleta e análise, bem como

identificar características e especificidades relativas à inteligência clássica,

policial e competitiva.

3.2. Requerimento

Os clientes de inteligência, sejam os mesmos governantes, juízes ou

empresários, têm como característica principal a necessidade por informações

para a tomada de decisões, todavia nem sempre conseguem sintetizar suas

demandas informacionais em conceitos claros e objetivos. Muitas vezes

efetuam demandas genéricas, que dificultam as etapas posteriores de coleta e

análise, e como decorrência gerando produtos informacionais dispendiosos e

inúteis ao usuário. Portanto, o momento inicial do ciclo de inteligência é

decisivo, pois é quando as necessidades de cliente são transformadas em

requerimentos. Um dos mecanismos fundamentais para a obtenção das reais

necessidades dos usuários é a utilização de entrevistas, em que se tenta

identificar um roteiro de questões. KRIZAN recomenda como ponto de partida:

The “Five Ws” — Who, What, When, Where, and Why— are a good starting point for translating intelligence needs into requirements. A sixth related question, How, may also be considered. In both government and business, these questions form the basic framework for decisionmakers and intelligence practitioners to follow in formulating intelligence requirements and devising a strategy to satisfy them13. (1999, p.13).

Uma vez identificado o quê, quem, quando, onde, por que e como, se

adquire uma base para o início das fases posteriores.

13 As cinco indagações: o quê, quem, quando, onde, e por que, são um bom ponto de partida para o processo de transformação de necessidades em requerimentos. Uma sexta indagação relacionada, como, também deve ser considerada. Tanto no governo quanto no ambiente empresarial, essas questões compõem um ferramental básico para os tomadores de decisão e os profissionais de inteligência seguirem na formulação dos requerimentos de inteligência, bem como no desenvolvimento de uma estratégia para satisfazê-los. (Tradução nossa).

Page 53: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

53

Como se observa, não existe diferença alguma na utilização desta etapa

do ciclo de inteligência, entre as agências de Estado e a I.C. Se as demandas

são diferentes, as técnicas empregadas para obtê-las são as mesmas.

3.2.1. Definição do problema de inteligência x necessidades do usuário

A partir de um modelo proposto por KRIZAN (1999, p.14), se percebe as

diferenças entre o problema de inteligência e as necessidades do usuário, ou

seja, quais respostas este realmente necessita para que a inteligência

produzida seja realmente acionável. Muitas vezes o cliente não sabe precisar

suas reais necessidades.

Faz-se notar que, conforme comentado, apesar das diferenças no objeto

da ação de inteligência, os instrumentos e indagações para identificar as

demandas do usuário não se diferenciam entre as agências de Estado e a I.C.

Cenário governamental

Problema de inteligência

Quem

O que

Quando

Onde

Por que

Como

Um presidente de outro país.

Recusa em permitir a inspeção de locais com enriquecimento de urânio.

Agora. Proveniente de vários meses.

País X Desconhecido. Motivação pode ser relacionada ao desenvolvimento de armamento atômico.

Impedindo o acesso de inspetores e destruindo o equipamento de monitoramento.

Necessidades de inteligência

Quem

O que

Quando

Onde

Por que

Como

Page 54: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

54

Presidente da república.

Deseja informações sobre o presidente do País X.

Agora. Com atualização continua.

Palácio de Governo.

Conhecer a base de poder e as intencionalidades.

Mediante todos os recursos de coleta e análise.

Tabela 1 - Problema de inteligência x necessidade do usuário. Fonte: adaptação de Krizan (1999).

Cenário empresarial

Problema de inteligência

Quem

O que

Quando

Onde

Por que

Como

Companhia X.

Reorganiza o departamento de produção.

Subitamente. Mercado saturado.

Desconhecido.

Desconhecido.

Necessidades de inteligência

Quem

O que

Quando

Onde

Por que

Como

Presidente da companhia Y.

Deseja saber por que e como a companhia X efetuou as mudanças.

Agora. Com atualização continua.

Escritório da presidência.

Determinar se a nova estrutura propicia vantagem competitiva à empresa concorrente.

Mediante coleta e de fontes abertas e relatórios confidenciais.

Tabela 2 - Problema de inteligência x necessidade do usuário – I.C.. Fonte: adaptação de Krizan (1999).

3.3. Planejamento O planejamento, dentro do ciclo de inteligência, busca estabelecer meios

para transformar as necessidades informacionais identificadas no momento do

requerimento, em produtos de inteligência que atendam as necessidades do

cliente.

É mediante o planejamento que se assegura que a inteligência

produzida será utilizável, uma vez que o produto estará em conformidade com

Page 55: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

55

as necessidades identificadas anteriormente, a partir do emprego de

instrumentos e processos adequados, por profissionais com características

próprias para a tarefa, e principalmente no prazo correto. Cabe uma ressalva.

É muito comum que um grande número de projetos não se tornem viáveis

justamente por não serem planejados de forma adequada. Com a inteligência,

dada sua complexidade, não é diferente. Portanto o planejamento é essencial

ao sucesso da atividade.

Durante o processo de planejamento deverão ser previstos um conjunto

de etapas, tais como:

a. Lapso temporal. Em um primeiro momento é fundamental a

definição do tempo utilizado para o ciclo de inteligência, de forma

que a entrega da análise produzida possa ser útil ao decisor. Uma

vez que a inteligência é empregada para subsidiar a intervenção

no mundo real, a mesma deve estar disponível ao usuário do

sistema de forma que ainda possa ser empregada. Nesse sentido,

as etapas devem seguir um cronograma que se atenha

rigidamente ao propósito estabelecido. Evidentemente os prazos

irão variar de acordo com a necessidade, levando-se em conta

inclusive se os eventos acompanhados são táticos ou

estratégicos, e se dizem respeito ao que está acontecendo agora

ou mesmo se tentam prever o que irá acontecer.

b. Plano de coleta. Nesta etapa se efetuará a descrição de quais os

recursos de coleta de informações serão utilizados em

determinado projeto. Como recurso metodológico, se prescreve a

elaboração de uma lista de evidências esperadas, fazendo a

Page 56: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

56

correlação entre os recursos de coleta mais úteis para cada tipo

de evidência comparados aos itens da lista (KRIZAN, 1999, p.21).

O mais importante da confecção de uma relação de objetivos de

coleta e os meios para efetuá-la é evitar dois extremos em

relação à aquisição de dados. Por um lado tende-se a empregar

vários meios de obtenção de dados, resultando em um volume

exagerado de informações inúteis e provocando um decorrente

gargalo processual para filtrá-las, e por outro se tem a famosa

visão em túnel, em que se utilizam poucos meios para obter um

tipo de informação, em que se teria mais efetividade aplicando um

conjunto de instrumentos. É também no momento do

planejamento da coleta que se estabelece o tempo para efetuar a

mesma e os tipos de coleta prioritários. Como inteligência deve

ser empregável pelo cliente, é pouco producente a coleta de um

conjunto de dados que não sejam mais relevantes ao usuário do

sistema. Inteligência deve ser acionável. Outro aspecto a ser

determinado é o formato em que o conjunto de dados coletados

será entregue para análise. As distintas fases do ciclo de

inteligência devem dialogar entre si. Quando os formatos de

bancos de dados, planilhas ou relatórios são incompatíveis, o

tempo perdido com adequações é grande, o que pode afetar

substancialmente o prazo para entrega do produto, e

conseqüentemente a utilidade para o tomador de decisão da

inteligência produzida.

Page 57: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

57

c. Necessidades de processamento. Uma vez coletados os dados

brutos, nesta fase serão designados os tipos de ferramentas

utilizados para processar os dados, bem como os processos

necessários para filtrá-los, agrupá-los, organizá-los e adequá-los

às demais informações anteriormente armazenadas em uma

coleção temática. Esta etapa envolve um considerável volume de

horas de trabalho e dedicação da equipe de inteligência, sendo

necessário o planejamento adequado para que se processe

corretamente a informação coletada, permitindo que a mesma

possa ser analisada. Se os processos não forem bem definidos,

comumente muitos dados, que seriam informações relevantes,

tendem a serem perdidos em meio a uma infinidade de dados

colhidos.

d. Técnicas de análise. Levando-se em conta o tipo de coleta

planejada, se identificarão quais as técnicas podem ter mais

efetividade para serem empregadas na análise da coleção de

informações que será composta. Como observaremos no decorrer

deste trabalho, existe uma ampla gama de possibilidades e

ferramentas, variando de acordo com o tipo de dado coletado e o

tipo de produto analítico produzido.

e. Formatos para disseminação. Em paralelo à identificação das

ferramentas a serem empregadas para análise, se deve identificar

em quais formatos o produto analítico será entregue ao usuário.

Cabe ressaltar que as necessidades do usuário são o elemento

central neste momento. Se o usuário precisa de uma informação

Page 58: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

58

que possa ser sintetizada em uma frase, ou de um relatório em

profundidade de centenas ou milhares de páginas, o produto deve

ser adequado ao formato necessário. Ao se identificar o formato,

também se deve determinar o tipo e nível de linguagem

empregada. A compreensão no nível cognitivo do cliente, além de

suas características culturais, é primordial. Quando se fornece um

relatório de inteligência, o objetivo é a efetiva assimilação do

mesmo pelo tomador de decisões, e não o de impressionar o

referido cliente com os termos rebuscados, ou com os

conhecimentos acadêmicos do analista. Se o relatório não é

compreendido não é utilizável, não sendo, portanto, acionável.

À medida que se termine o planejamento inicial, deve se considerar

conforme observado acima, que o processo de inteligência é um ciclo, uma vez

que funciona de maneira contínua, sendo, portanto necessária a constante

adequação dos modelos planejados, as novas demandas apresentadas pelas

necessidades do cliente. Assim como todo modelo teórico ainda não

submetido ao crivo da realidade, é comum a necessidade de precisar os

instrumentos utilizados no decorrer do ciclo de inteligência.

3.4. Coleta Por coleta entende-se a atividade de obter dados e informações sobre

determinada temática relevante às necessidades do cliente. Tal coleta,

composta por entrevistas, pesquisas em bases de dados, acesso a periódicos,

dentre outros meios, resulta na conformação de uma coleção de informações

sobre dado assunto (CLARK, 2004, p.65) que, por sua vez, será a matéria

prima para a atividade de análise.

Page 59: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

59

Uma parcela significativa da atividade de inteligência relaciona-se a

obtenção e coleta de dados. Com os significativos avanços tecnológicos

atualmente disponíveis, tais como satélites geoestacionários, máquinas

fotográficas digitais, bancos de dados de patentes e a própria internet, a coleta

e o armazenamento de informações tornou-se acentuadamente mais fácil.

Todavia, sob o prisma governamental:

O volume de dados brutos e informações primárias coletadas é muito maior do que os relatórios efetivamente recebidos pelos usuários finais. Segundo uma estimativa dos anos 1980, somente 10% das informações coletadas chegariam a sair dos muros dos sistemas de inteligência. (CEPIK, 2003, p.35).

Tem-se, portanto, o paradoxo entre a possibilidade da composição de

amplas coleções, constituídas a partir do emprego massivo de tecnologia da

informação, e a aquisição de informações que não serão sequer analisadas,

levando-se em conta o montante de dados coletados e a necessidade da

intervenção humana para processá-las.

Se existe bastante similaridade entre a inteligência de Estado para com

a inteligência competitiva, em relação ao montante de informação disponível

em tempos de sociedade da informação, sob o prisma da amplitude dos meios

de coleta disponíveis, percebe-se que o Governo tem uma série de dispositivos

legais, sobretudo nos países desenvolvidos como os Estados Unidos, que lhe

permite diversificar amplamente as fontes de coleta. Cabe observar que, dado

o volume de recursos para obtenção de informações disponíveis ao Estado,

este criou áreas especializadas em determinados tipos de coleta de

informação, criando também, como demonstra a experiência americana,

agências especializadas em tais meios de coleta.

Page 60: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

60

3.4.1. Tipos de coleta

Atualmente os distintos segmentos de obtenção de dados por parte dos

governos são agrupados nas seguintes disciplinas de coleta (CEPIK, 2003,

p.35; CLARK, 2004, p.99; HERMAN, 1996, p.61):

a. Humint (human intelligence14): Inteligência obtida a partir de

fontes humanas, entendendo-se por isso: entrevistas, ligações

com outras agências, obtenção clandestina de informações, rede

de contatos, obtenção de segredos técnicos. Segundo Herman

(1996, p.63), existe uma escala de relevância em relação às

informações obtidas por meios humanos que, do instrumento de

coleta menos sensitivo e relevante, ao mais sensitivo e relevante

teria a seguinte seqüência: 1. observadores casuais, especialistas

e peritos; 2. refugiados; 3. contatos comerciais; 4. interrogatório

de prisioneiros de guerra; 5. Informantes clandestinos ocasionais;

6. oponentes políticos, exilados e governos alternativos; 7.

traidores ou espiões; 8. agentes de inteligência produzindo

informes locais. Como se observa, a inteligência originada nos

indivíduos envolve desde a simples observação casual até

mesmo o emprego de espiões. São exemplos de instituições de

humint: CIA e o DIA nos Estados Unidos, o Mossad em Israel, a

Abin no Brasil e o SIS na Grã-bretanha.

b. Sigint (signals intelligence15): Inteligência obtida pela

interceptação de comunicações humanas e sinais digitais, bem

como pela eventual decodificação ou descriptação dos mesmos.

14 Inteligência humana. Tradução nossa. 15 Inteligência de sinais. Tradução nossa.

Page 61: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

61

Compreende as interceptações de comunicações telefônicas,

rede de computadores (internet) e comunicações por rádio.

Possui uma escala de relevância (HERMAN, 1996, p.71) em

relação às informações obtidas que, do instrumento de coleta

menos relevante ao mais relevante teria a seguinte seqüência: 1.

localização do local da transmissão, mensuração dos parâmetros

de sinal16; 2. análise de tráfico, possibilitando a reconstrução do

layout de comunicações e a identificação das estações que lhe

deram origem; 3. deciframento ou criptoanálise, consistindo em

quebrar os códigos de criptografia do adversário pelo acesso ao

conteúdo de suas comunicações sem que o mesmo saiba. Cabe

ressaltar que a inteligência de sinais envolve: 1. a comint

(communications intelligence17), baseada na interceptação de

comunicações e inteligência eletrônica; 2. a elint (electronic

intelligence18), envolvendo as emissões de sinais oriundas de

equipamentos de comunicações sem a interação humana. São

exemplos de instituições que praticam sigint: A NSA, nos EUA e a

GCHQ na Grã-Bretanha.

c. Imint (Imagery intelligence19): Inteligência derivada da obtenção e

interpretação de imagens fotográficas e multiespectrais. Tais

imagens obtidas por meio de uma câmera fotográfica, passando

pelo espectro de um radar e até mesmo por um satélite espacial.

16 A mensuração dos parâmetros de sinal é um dos instrumentos fundamentais a conceito de guerra eletrônica, em que mediante tais detecções, se obteria informações sobre o tipo de equipamento que emitiria o sinal em questão, permitindo a distinção entre emissões hostis, e amigáveis. 17 Inteligência de comunicações. Tradução nossa. 18 Inteligência eletrônica. Tradução nossa. 19 Inteligência de imagens. Tradução nossa.

Page 62: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

62

Considerando-se o custo envolvendo a utilização de satélites,

atualmente poucos países possuem agências com esta finalidade.

Como exemplo de instituição deste segmento pode-se citar a

NRO e a Central Imagery Office, ambas pertencentes ao governo

dos EUA.

d. Masint (measurement and signature intelligence20): Inteligência

procedente da mensuração técnica e científica de sinais térmicos,

sísmicos, magnéticos, dentre outros, de forma a localizar a origem

geográfica de tal sinal, bem como a identificar o equipamento que

lhe deu origem. Não existem organizações voltadas

exclusivamente para tal fim;

e. Osint (open sources intelligence21): Inteligência oriunda de fontes

abertas a todo o público, tais como jornais, periódicos, banco de

dados, documentários, entrevistas, teses e pesquisas

acadêmicas, grupos de discussão na internet, sites

especializados, etc., sendo que tais fontes públicas podem ser

impressas ou eletrônicas. Existem pesquisadores (COSTA, 2002,

p.26) que afirmam que os operadores de inteligência podem

encontrar até noventa e cinco por cento das informações

necessárias a uma organização mediante o emprego de fontes

abertas.

Utilizando-se das categorias governamentais como referência

comparativa entre a inteligência clássica, policial e competitiva, tem-se o

seguinte quadro:

20 Inteligência de mensuração de assinaturas. Tradução nossa. 21 Inteligência de fontes abertas. Tradução nossa.

Page 63: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

63

Tipo Inteligência de

Estado Inteligência policial

Inteligência competitiva

Humint

Utiliza todos os meios

disponíveis. Pode empregar espiões,

informantes pagos e agentes infiltrados,

bem como da aplicação de

interrogatório a prisioneiros de guerra

e/ou exilados.

Utiliza todos os meios legalmente disponíveis mediante autorização

judicial. Pode empregar informantes

pagos e agentes infiltrados, bem como aplicar interrogatórios

a pessoas investigadas e/ou presas.

Utiliza-se de rede de contatos, cooptação de ex-funcionários e entrevistas pessoais, sendo criminalizado a espionagem ou o

suborno.

Sigint

Utiliza todos os meios

disponíveis22. Envolvendo

interceptação de: telecomunicações,

internet e radiocomunicação.

Utiliza todos os meios disponíveis mediante autorização judicial.

Envolve interceptação de: telecomunicações,

internet e radiocomunicação.

Restringe-se ao acompanhamento do correio eletrônico dos

funcionários da própria empresa.

Não pode efetuar a interceptação de comunicações e

sinais.

Imint

Utiliza todos os meios

disponíveis, o que significa imagens de

diversos tipos de satélites, vídeo,

fotografia, imagens de radar, bem como

imagens eletroópticas.

Utiliza parcela significativa dos meios

disponíveis, como fotografia e vídeo,

além de imagens de satélite à medida que sejam necessários.

Utiliza imagens obtidas de satélites

comercialmente disponíveis, bem como imagens de

vídeo e fotografias.

Masint

Utiliza todos os meios disponíveis, incluindo

sensores remotos, sensores locais,

inteligência eletrônica, telemetria, inteligência de radar e geofísica, sensores nucleares,

dentre outros.

Exceto em casos excepcionais, não se utiliza dos meios de

masint.

Não se utiliza dos meios de masint.

22 No Brasil a ABIN não possui autorização legal para efetuar interceptação de telecomunicações ou de comunicações eletrônicas, sendo privativo as policiais judiciárias tal prerrogativa.

Page 64: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

64

Osint

Utiliza todos os meios disponíveis, inclusive

a gravação sistemática de

programas televisivos, o monitoramento de

periódicos e o armazenamento de

sites da internet.

Utiliza todos os meios disponíveis,

necessários às operações policiais, inclusive a gravação

de programas televisivos, a aquisição

de periódicos, e o armazenamento de

sites da internet.

Utiliza todos os meios disponíveis, principalmente o

acompanhamento de periódicos técnicos e econômicos, bases

de dados de patentes e trabalhos

científicos.

Tabela 3. Análise comparativa entre inteligência clássica, policial e I.C. Fonte: O autor.

Conforme se constata no tocante à coleção de dados e informações, a

inteligência de Estado e policial possuem grande vantagem sobre a inteligência

competitiva, uma vez que o próprio Estado, em nome da segurança da nação,

permite uma série de prerrogativas quanto a obtenção de informações que não

consente a sociedade civil, chegando a considerar-se o serviço secreto como

“a instituição que oficialmente atua fora da lei” (FIGUEIREDO, 2006, p.13).

Corroborando com esta visão, sob o prisma da I.C, Marcial (2005, p.247) afirma

que:

O que basicamente diferencia a atividade de inteligência da espionagem são as práticas legais e éticas de obtenção de dados e pedaços de informação. São considerados, por exemplo, métodos não éticos e ilegais: o grampo telefônico e de e-mail, a compra ou roubo de informações e documentos sigilosos de uma organização, a mentira a respeito da sua identidade, a infiltração de pessoas nas organizações concorrentes, entre outros.

Além das restrições legais e éticas impostas ao restante da sociedade,

os governos detêm uma série de recursos tecnológicos e grande amplitude de

atuação. Contudo, se o Estado possui várias possibilidades no terreno da

coleta de informações, cabe ponderar que vários instrumentos até pouco tempo

eram disponíveis somente aos governos, atualmente, com o barateamento

tecnológico, também tais serviços são fornecidos para toda a sociedade. Um

bom exemplo é o das imagens efetuadas por satélites que, até algumas

Page 65: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

65

décadas era de utilização exclusiva do Estado e atualmente, com o lançamento

de centenas de satélites comerciais, encontram-se amplamente utilizadas por

vários segmentos organizacionais.

3.4.2. Dimensões de coleta

Além da dimensão dos diversos tipos de coleta citados acima, os

mesmos referenciam-se basicamente a quatro dimensões, envolvendo

pessoas, objetos, emanações e registros. Independentemente do rol de

disciplinas de coletas, as mesmas levantarão informações das citadas

dimensões.

Ao objetivarmos obter informações sobre indivíduos e conceitos, objetos

e produtos, emanações de objetos ou processos e registros e documentos

gerados pela atividade humana ou por sua tecnologia, não empregaremos

necessariamente somente um meio de coleta. Conforme veremos abaixo, os

meios de coleta de informações poderão atender a mais de uma dimensão,

sem perder suas especificidades.

Categoria de coleta x uso analítico

Dimensão Disciplina de coleta e atributos

Uso analítico

Pessoas HUMINT. Análises de especialistas, pesquisas acadêmicas, informações de técnicos, relatos de participantes ou pessoas presentes em dado evento.

Transferência de conhecimento original; referência informacional para os outros tipos de coleta.

Page 66: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

66

Objetos IMINT. Provê a descrição de características físicas de equipamentos, materiais ou produtos, tais como texturas, composição, tamanho e aspectos específicos.

Fornece a base para análises objetivas, pautadas em condições, origens ou propósitos humanos.

Emanações MASINT, IMINT. Detecta fenômenos naturais ou de origem humana, tais como energia eletromagnética, temperatura de equipamentos, impressões digitais e resíduos químicos e materiais, dentre outros.

Permite análises técnicas e científicas de eventos.

Registros IMINT, SIGINT. Coleta registros simbólicos sejam esses orais ou escritos, ou registros não simbólicos, tais como emanações eletromagnéticas de mecanismos de comunicações ou fotografias.

Pesquisa, informações sobre pesquisas e eventos, traduções.

Tabela 4. Categoria de coleta x uso analítico. Fonte: adaptação de Krizan (1999).

Fazendo uso das dimensões abordadas, percebe-se que as mesmas

aplicam-se tanto à inteligência de Estado, quanto à I.C., constituindo-se como

categorias universais. Faz-se importante salientar mais uma vez, que se

apresenta mais um exemplo da proximidade conceitual entre as agências

governamentais e I.C., uma vez que, apesar das amplas possibilidades de

coleta permitidas ao Estado, os fundamentos da ação de coleta, bem como o

escopo do universo coletado são os mesmos. Segue uma análise comparativa

demonstrando as correlações:

Comparação entre o emprego da coleta pelos organismos

estatais x I.C. Dimensão Informação provida Governo I.C.

Page 67: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

67

Pessoas Revelações inadvertidas ou propositais fornecidas em encontros casuais, eventos oficiais ou no relacionamento com informantes.

Diplomata estrangeiro.

Um profissional de outra empresa, em um congresso de negócios.

Objetos Características físicas e funcionais de um item, discernidas mediante exame físico ou visual.

Equipamento militar.

Produtos e componentes.

Emanações Informações sobre a identidade e as atividades do meio que deu origem.

Interceptação de um teste nuclear.

Traços químicos em um rio que circunda uma fábrica concorrente.

Registros Evidências de existência e acontecimentos, bem como as características dos alvos acompanhados.

Imagens, telemetria, documentos e comunicações.

Literatura disponível sobre um tema de pesquisa ou o desenvolvimento de um produto.

Tabela 5. Emprego da coleta pelos organismos estatais x I.C. Fonte: adaptação de Krizan (1999).

Como se observa, embora os instrumentos técnicos variem

acentuadamente entre os organismos estatais e as organizações, os conceitos

que fundamentam os diversos tipos de técnicas empregadas são basicamente

os mesmos.

3.4.3. Classificação de fontes de informação

Cabe observar que se o Estado tem acesso a mais fontes de

informações, por outro tanto a I.C., tanto quanto a própria inteligência policial,

Page 68: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

68

tendem a classificar melhor as fontes que utilizam, facilitando a diferenciação

de informações relevantes (ROEDEL, 2005, p.79), (MANNING, 2003, p.386),

dentro de um grande montante de informações inócuas coletadas. Ao

empregar o conceito de fontes, tais organizações as classificam em:

a. Fontes primárias. São informações obtidas diretamente da

origem, sem modificação do conteúdo, a exemplo dos relatórios,

discursos, entrevistas, etc., ou seja, de relatos originais que não

sofreram nenhum tipo de intervenção ou processamento,

excetuando-se as elaborações do autor do referido documento.

b. Fontes secundárias. São as fontes que alteram a informação

original, como é o caso dos jornais, revistas, livros, bases de

dados, internet, etc., uma vez que a informação original, obtida na

fonte primária, serve de subsídio para a elaboração de um novo

documento.

c. Fontes terciárias. Consiste na sumarização ou compilação de

fontes secundárias, tal qual um catálogo ou uma enciclopédia.

Utilizando-se de tais conceitos, a I.C. e a inteligência policial têm a

possibilidade de diferenciar o nível de confiabilidade e segurança das fontes

que utilizam, em detrimento da inteligência de Estado que não trabalha com

tais categorias (CLARK, 2004, p.108).

Um exemplo da importância da classificação de fontes é o fato de que

nos Estados Unidos, na esfera judicial, não se pode utilizar uma testemunha

para provar o que uma terceira pessoa haveria dito, tendo em vista que para a

justiça americana a mensagem que atravessa muitos pontos intermediários não

possui credibilidade (CLARK, 2004, p.109). Outra circunstância, no âmbito da

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69

inteligência de Estado, na qual a ausência de classificação de fontes provoca

danos é a tradução de artigos e relatórios em língua estrangeira, uma vez que

elas tendem a serem tratadas como documentos originais, no entanto são

bastante comuns erros de tradução e interpretação que mudam completamente

o sentido original, incorrendo para que a etapa posterior de análise parta de

falsas premissas.

Cabe ponderar também que, com o grande volume de informações

disponíveis em rede atualmente, a diferença qualitativa e quantitativa das

informações com que trabalha a I.C. dentro de grandes corporações

multinacionais em relação a agências de inteligência da maior parte dos países

do mundo, exceção feita as grandes potências como os EUA e a China, tende

a ser similar, uma vez que obterão dados das mesmas fontes.

3.5. Processamento

A etapa de processamento de informações coletadas, possivelmente é o

momento que envolve o maior volume de trabalho no âmbito do ciclo de

inteligência, uma vez que é quando os dados brutos recém adquiridos serão

adequados às necessidades do analista.

São exemplos de atividades que compõem o processamento de

informações: a descrição dos elementos localizados em uma imagem de

satélite, tais como escolas, hospitais, companhias concorrentes ou estradas; a

tradução de textos, artigos ou livros, produzidos em língua estrangeira,

ambientando os mesmos ao contexto cultural local; a degravação de diálogos

em tapes de áudio/vídeo, permitindo a leitura do que um palestrante falou

sobre determinado produto ou inovação científica.

Page 70: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

70

3.5.1. Colação Uma outra etapa do processamento é a da colação, que consiste na

formatação dos dados em padrões, como os campos de uma planilha

eletrônica, ou a estrutura modelo de um relatório, agrupando os mesmos com

outras informações anteriormente colhidas, mediante o emprego de categorias

conceituais comuns. Um exemplo desta fase é a inserção de informações em

um banco de dados geral, indexando os registros inseridos de acordo com os

temas a que se relacionam.

3.5.2. Evolução Mais um aspecto referente ao processamento é a verificação da

consistência dos dados coletados em relação aos objetivos de inteligência

propostos e as conseqüentes necessidades de análise. Existem três

inferências que devem ser feitas no momento da evolução:

a. Confiabilidade. É obtida mediante a análise das informações

anteriores obtidas pela fonte em questão. Se um fornecedor de

informações se mostrou confiável anteriormente, existe uma

tendência a que venha se mostrar novamente. Contudo, a

informação deve ser avaliada principalmente por seus méritos,

independente de sua origem.

b. Proximidade. Envolve a proximidade física de uma fonte para com

a informação coletada. Evidentemente, quanto mais vinculada ao

centro de determinados acontecimentos, mais condições de

transmitir informações relevantes e confiáveis estará a fonte. Por

outro lado, quanto mais elos a informação perpassar antes de ser

obtida, maior a probabilidade da mesma sofrer alterações durante

Page 71: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

71

o percurso. Portanto, a exemplo dos métodos de I.C., uma fonte

primária será mais relevante que uma secundária.

c. Apropriação. Procura-se identificar o grau de autoridade sobre

determinado tema, da fonte originária da informação. Uma revista

científica relatando uma nova descoberta sobre biotecnologia,

sabendo-se que os periódicos acadêmicos são extremamente

criteriosos em suas publicações, tende a ser uma informação

mais credenciada do que um artigo com o mesmo tema

encontrado em um semanário especialista em bastidores de

programas televisivos. Neste tópico deve-se considerar ainda os

seguintes elementos ao efetuar-se uma caracterização:

1. Plausibilidade. Refere-se às condições ambientais para

determinar se a informação é falsa ou verdadeira. Em

determinadas circunstâncias uma informação pode ser

plausível e em outras não.

2. Conseqüência. A informação está em consonância com um

conjunto de conhecimentos que o analista possui sobre o

alvo de inteligência em questão.

3. Suporte. Os dados obtidos reforçam determinada

abordagem, uma vez que outro método de coleta ou outra

fonte forneceram informações semelhantes.

Uma vez processadas as informações, estas por sua vez tornam-se

disponíveis para a próxima etapa do ciclo de inteligência, a análise.

Page 72: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

72

3.6. Análise

O conceito de análise de inteligência relaciona-se com a avaliação de

evidências e indicadores, relativos a temas e problemas, produzindo relatórios

e informes voltados para o cliente final, o tomador de decisão. Cabe ressaltar

também que é durante o processo de análise que “[...] a informação é colocada

em um formato adequado para a decisão tática e estratégica” (SANTOS, 200?,

p.86), podendo ser utilizada pelo usuário.

A análise, dentro do ciclo de inteligência, é a atividade em que menor é a

diferença entre as agências de inteligência governamental e as demais

organizações, públicas ou privadas, uma vez que se fundamenta no campo da

pesquisa acadêmica. “Neste sentido, o “ethos” profissional da atividade de

análise de inteligência e suas regras de produção de conhecimento são os

mesmos que governam qualquer outra atividade de pesquisa” (CEPIK, 2003,

p.53). Assim sendo, como veremos ao observarmos o processo e a doutrina

de análise adotada por agências de inteligência de Estado, tais processos não

se diferenciam significativamente dos mecanismos de controle de qualidade

utilizados nas pesquisas acadêmicas ou projetos de negócios, visando auferir

legitimidade em seus resultados.

3.6.1. Processo de análise

Decompondo o processo de análise, a partir da óptica governamental,

constata-se também que as fases do mesmo coadunam-se com os

mecanismos de controle de trabalhos científicos encontrados nas

universidades. Segundo a literatura corrente, a análise é composta por uma

seqüência de etapas (HERMAN, 1996, p.100; DCAF, 2003, p.15), que

envolveriam a:

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73

a. Obtenção: rotina abarcando a captura de registros ainda não

estruturados de informação, ou seja, a obtenção de fragmentos

de informações que ainda serão contextualizadas na medida em

que tenham validade;

b. Evolução: verificação da confiabilidade da fonte e credibilidade da

informação, de forma a que a mesma mereça crédito para ser

analisada;

c. Análise: identificação dos fatos significantes, comparando os

mesmos com fatos anteriores ou concomitantes e tendo como

decorrência o delineamento de conclusões, mesmo que parciais;

d. Integração: Inclusão da informação analisada em um padrão mais

amplo daquelas que foram colecionadas anteriormente sobre

dado tema;

e. Interpretação: mediante os fatos relevantes identificados,

assinalar o impacto dos mesmos nos acontecimentos do futuro.

Assim, para a doutrina governamental, existe a análise de inteligência a

partir do momento em que a informação fornecida quando da coleta é

adquirida, julgada confiável, significada, permitindo conclusões, contextualizada

em um padrão mais amplo e por fim interpretada nos elementos de

previsibilidade para o presente/futuro que seu sentido possa fornecer. Pode-

se caracterizar, portanto, que para o Estado o processo de análise exige que a

informação seja processada e integrada em um contexto mais amplo, de forma

a permitir compreensões mais abrangentes do que o simples entendimento de

um momento da realidade descrito em um relatório.

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74

Contudo, ao observar as fases que compõem a análise, com destaque

para etapas como a reinserção do produto informacional em uma coleção

informacional mais ampla, constatamos que as citadas fases são bastante

semelhantes aos mecanismos utilizados nas demais organizações, tais como o

controle de fontes, que compõem a bibliografia de um trabalho acadêmico, ou o

crivo de especialistas externos que podem participar de uma banca de

mestrado. Reforçando as similaridades, aponta Barbalho (2003, p.10):

(...) a geração de conhecimento cientifico permite a movimentação no espaço e tempo, viabilizando a manipulação de hipótese e variáveis que explicitam a realidade, sendo dela retirada a explicação para aquilo que se estudou e devendo retornar a ela como um conhecimento mais apurado sobre as questões investigadas.

Neste sentido, o trabalho Científico manipula teses e hipótese para

posteriormente reinserir o novo conhecimento em um sistema mais amplo, tal

qual o descrito nas etapas de análise acima.

3.6.2. Doutrina de análise

Outra questão relevante quanto ao processo de análise é a que envolve

os elementos considerados necessários para que a mesma obtenha isenção e,

sobretudo, legitimidade para com o cliente. Sob este viés a Herman Kant

School for Intelligence Analysis (DAVIS, 200?, p.09), órgão formador dos

analistas de inteligência da CIA, a principal instituição de inteligência norte

americana, estabelece uma série de premissas visando a qualidade das

informações que em muito se assemelham aos itens de controle de qualidade

encontrados em empresas. Tais itens são:

a. Foco nas necessidades do tomador de decisão, fornecendo

análises, levando em conta a agenda de acontecimentos do

cenário econômico-social em que o cliente está envolvido, bem

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75

como o quesito temporalidade, uma vez que a informação deve

servir para moldar a realidade e não para registrar a história.

Outro aspecto digno de nota é o de que os produtos de

inteligência devem levar em consideração a curva de aprendizado

do usuário, de forma a que o mesmo tenha condições cognitivas

de utilizar o produto que recebe;

b. Atuação impessoalizada e apartidária, em que os produtos de

inteligência estão a serviço das funções e cargos e não dos

indivíduos que ocupam os mesmos;

c. Rigor intelectual. A informação deve ser avaliada quanto a

credibilidade e diagnosticada quanto a erros despercebidos;

d. Esforço consciente para evitar influências no processo de análise,

em que se evita chegar a conclusões que o cliente deseja em

detrimento do que acontece de fato na realidade;

e. Abertura para outras avaliações, de forma a permitir, sobretudo

quando o tema analisado é amplo e complexo, que a posição

assumida em um relatório de inteligência possa levar em conta

todas as possíveis vertentes de um assunto;

f. Utilização sistemática de especialistas externos, visando não

restringir as abordagens empregadas na análise dos temas

apenas sob a égide dos modelos utilizados pela equipe de

inteligência. A interação com professores universitários,

pesquisadores e executivos, resguardando-se o sigilo quando

este for necessário, é fundamental ao processo de análise;

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76

g. Responsabilidade coletiva pelas avaliações. A análise, sempre

que possível deve ser produto de equipe, sendo apresentada e

defendida junto ao cliente a partir da visão predominante na

equipe;

h. Comunicação clara e efetiva das análises e julgamentos. Para o

tomador de decisão, comumente ocupado, sintético quer dizer

melhor, no entanto deve-se observar a clareza nos julgamentos. A

utilização de termos tais como pode ou deve, necessita de

cuidados uma vez que permite a indução a erros;

i. Honestidade na admissão dos desacertos. A admissão de falhas

de análise é fator fundamental para a manutenção da

credibilidade junto ao cliente, além do que, mediante análise de

equívocos podem-se aprender lições fundamentais.

Vê-se que tais itens relacionam-se basicamente ao atendimento das

necessidades do cliente, mediante o prazo correto, com a linguagem adequada

e, sobretudo, com o rigor quanto à pertinência e veracidade das informações

prestadas.

Também dentro da perspectiva da busca da efetividade ao atendimento

ao cliente da análise de inteligência, Krizan (2003, p.103; 1999, p.20) propõe os

seguintes momentos:

a. Antecipação. Consiste no permanente contingenciamento das

necessidades informacionais do usuário, em que se busca

antecipar suas necessidades;

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77

b. Tempestividade. O produto de inteligência deve ser entregue

enquanto ainda é acionável, ou seja, enquanto o cliente pode tirar

vantagens da inteligência produzida;

c. Precisão. Os produtos de inteligência devem ser desenvolvidos

visando evitar erros técnicos, falhas de percepção e ações de

desinformação desenvolvidas por terceiros;

d. Objetividade. Todos os julgamentos contidos no relatório de

análise devem ser avaliados constantemente para que se evitem

dualidades, distorções deliberadas e manipulações para promover

interesses pessoais;

e. Usabilidade. Todos os produtos de inteligência devem ser

formatados visando à facilidade de compreensão do leitor e a

aplicação imediata. Os relatórios disponibilizados devem levar

em conta as capacidades do usuário para receber, compreender,

manipular, proteger e armazenar o produto;

f. Relevância. A informação deve ser selecionada, organizada e

disponibilizada de acordo com as demandas do cliente, de forma

a que possa trazer conseqüências e ter significado para o

contexto em que o usuário atua.

Mencionando parte dos quesitos acima, Tarapanoff (2004, p.05)

acrescenta mais um elemento como instrumento de garantia de qualidade as

demandas do cliente, a:

g. Completeza, em que toda a informação necessária à tomada de

decisão estaria disponível ao usuário.

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78

Nesta seqüência de quesitos, também se percebe a similaridade com os

itens relativos ao controle de qualidade, amplamente empregados nas

organizações, objetivando a garantia de seu elevado nível nos produtos

fornecidos.

3.6.3. Produtos informacionais de análise

A inteligência clássica possui alguns produtos informacionais, que,

levando em conta os predicados abordados acima relativos ao processo e

doutrina de análise, visam atender as demandas dos tomadores de decisão, no

caso das agências de Estado, os altos escalões governamentais.

Resguardando-se as especificidades da coleta de inteligência governamental

que trabalha, como já exposto, a partir da obtenção do dado negado, visando

“[...] derrotar um inimigo, antecipar-se a crises diplomáticas, compreender o

fluxo logístico de uma organização criminosa, planejar a defesa nacional,

apoiar operações militares etc.” (CEPIK, p.79), percebe-se que o segmento de

análise, gera produtos em formatos semelhantes aos encontrados nas demais

organizações públicas ou privadas. Se os interesses organizacionais são

diferentes, os métodos para trabalhar e disponibilizar a informação possuem

bastante semelhança.

Segundo o modelo adotado pela CIA (TEITELBAUM, 2004, p.28), os

produtos de inteligência estariam divididos em quatro categorias que se

coadunam com o arquétipo indicado por Herman (1996, p.105):

a. Relatório corrente: compreendendo o acompanhamento do que

aconteceu recentemente e do que acontece agora. Possui nível

tático, uma vez que descreve o momento atual sem maiores

aprofundamentos. É disseminado a partir de sumários executivos;

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79

b. Relatório básico-descritivo ou de pesquisa: relacionando-se a

pesquisas de médio ou longo prazo, em geral envolvendo temas

transnacionais tais como terrorismo, proliferação de armas de

destruição em massa, tendências econômicas mundiais, bem

como organizações criminosas e lavagem de dinheiro. É

disseminado mediante o emprego de relatórios especiais,

memorandos e relatórios de inteligência;

c. Relatório especulativo-evolutivo ou de estimativa: lida com a

tentativa de prever o que deve ou pode acontecer. Produz para o

tomador de decisão, cenários que relacionam a conjuntura atual

com o futuro, seja este próximo ou distante. É considerado o

produto de inteligência de Estado mais importante, uma vez que

permite ao governante tentar antever o futuro. É fornecido como

relatório de estimativas de inteligência;

d. Inteligência de alerta: funciona como um alarme preventivo contra

eventuais ameaças à segurança ou interesses nacionais, sendo

tais ameaças em nível tático, como ataques terroristas,

hostilidades iminentes, insurgências, dentre outros, e em nível

estratégico, como o desenvolvimento de novas tecnologias por

adversários, permitindo que o Estado que atue para impedir tais

acontecimentos. É disponibilizado mediante mensagens em

tempo real.

Cabe salientar que tais produtos informacionais possuem um recorte em

nível estratégico, pesquisando capacidades e planos do adversário e

desenvolvendo cenários do futuro, bem como em nível tático, oferecendo

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80

suporte a administração de crises ou a execução de planos (CLARK, 2004,

p.156). Contudo, mais uma vez se percebe que os modelos em que a

inteligência é distribuída por parte das agências de Estado são idênticos aos

utilizados em I.C. ou dentro das universidades e empresas. De acordo com

Herman (1996, p.100):

Immediate reporting is rather like good-quality daily journalism or radio news service, and the other extreme – long-term intelligence production – resemble the general run of research. All-source intelligence practitioners are much the same as analysts anywhere: specialists in subjects, working at speeds with the job, with the aim (normally) of product for distribution. Security intelligence is slightly different; those who seek to detect espionage and terrorism are more like detectives than the journalist or researchers who produce accounts and forecast of situations and subjects23

Sob o viés de Herman, a atividade de inteligência se relaciona ora com a

atividade de jornalismo, em que se obtêm informações sobre eventos e temas

de uma determinada conjuntura, ora com a atividade de pesquisa e

investigação científica, com as tarefas características de aprofundamento em

temas tecnológicos, econômicos e sociais mediante a utilização de métodos

científicos. Todavia, a observação do autor indica também que mesmo a

temática de inteligência policial e de segurança, em que este vincula à

atividade de um detetive, relaciona-se tanto ao jornalismo quanto à pesquisa

científica, uma vez que ambos necessitam investigar o meio para obter

informações. Vê-se mais uma vez que a atividade de análise de inteligência de

Estado em muito se assemelha à empregada em I.C.

23 O relatório corrente é mais semelhante ao jornalismo impresso ou aos programas de notícias transmitidos por rádio de boa qualidade, e o outro extremo – os produtos de inteligência estratégica – assemelham-se as pesquisas acadêmicas comuns. Analistas de inteligência são parecidos com os demais analistas: são especialistas em temas, trabalham de forma rápida, com o propósito (normalmente) de entregar o produto para distribuição. Inteligência de segurança é um pouco diferente do que estes, porque busca detectar espionagem e terrorismo parecendo-se mais com detetives do que com jornalistas ou pesquisadores que produzem teorias e previsões de situações e temas. (Tradução nossa).

Page 81: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

81

Ao compararmos os diversos produtos de inteligência quanto a sua

utilização por parte da inteligência clássica, policial e competitiva, tem-se o

seguinte panorama:

Tipo de relatório

Inteligência de Estado

Inteligência policial Inteligência competitiva

Corrente

Produz resumos diários para o presidente da

república, dentre outros

mandatários.

Produz resumos de

acontecimentos criminosos, bem

como a síntese de denúncias,

encaminhados para o judiciário e o

Ministério Público.

Produz resumos

diários para executivos de

grandes empresas.

Básico- descritivo

Produz relatórios em profundidade,

fornecidos ao alto escalão, sobre temas como conflito entre países,

desenvolvimento econômico e armamento

nuclear, dentre outros.

Produz relatórios em profundidade,

fornecidos ao poder judiciário, e ao

Ministério Público, sobre organizações

criminosas, tráfico de armas e drogas, terrorismo, ou

lavagem de dinheiro, dentre outros. É

consubstanciado pela coleta de provas

contra os envolvidos.

Produz relatórios em profundidade,

fornecidos a diretoria, sobre mercados

emergentes, relações comerciais, balança comercial, flutuação do câmbio, dentre

outros.

Especulativo- evolutivo

Produz cenários e visões de

futuro, fornecidos aos gestores, sobre temas

como globalização econômica,

primazia militar, organizações multilaterais, dentre outros.

Denominado análise criminal,24 produz

cenários e visões de futuro, fornecidos aos

gestores de segurança, sobre

temas como globalização

econômica, controle de fronteiras,

evolução de grandes organizações criminosas.

Produz cenários e visões de futuro, fornecidos aos dirigentes das organizações,

versando sobre globalização

econômica, acordos comerciais, evolução

econômica, organizações multilaterais e

possibilidades de

24 Sobre análise criminal ver artigo de Jorge Luiz Dantas, denominado: as bases introdutórias da análise criminal na inteligência policial, em que o autor relaciona e diferencia análise de inteligência e análise criminal.

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82

investimentos, dentre outros.

Alerta antecipado

Fornece ao presidente

informações sobre possíveis

agressões militares, ataques terroristas, dentre

outros.

Fornece ao Ministro de Estado e ao

sistema judiciário informações sobre ataques terroristas, conflitos fundiários, grandes assaltos, fugas de presos,

dentre outros.

Fornece ao diretor informações sobre

novas alianças comerciais,

mudanças repentinas na política

econômica, dentre outros.

Tabela 6. Análise comparativa dos produtos de inteligência. Fonte: o autor.

Conforme se percebe no quadro comparativo acima, em que pesem as

diferenças dos temas que são objetos de análise, os instrumentos empregados

são similares na inteligência clássica e policial e na I.C, não obstante algumas

sutis diferenças de nomenclatura de produtos informacionais, como é o caso da

inteligência policial que denomina o relatório de análise especulativo-evolutivo

como análise criminalística (DANTAS, 2005).

Outro recorte acerca dos tipos de inteligência produzida provém da

inteligência policial norte-americana, que apresenta três categorias de

inteligência “[...] relevantes para a polícia” (MANNING, 2003, p.392), onde se

teria a seguinte tipologia:

1. Inteligência prospectiva. São informações coletadas antes de um

crime ou problema, tendo como suporte a análise de alvos ou

eventos. Tem como base a busca da “[...] compreensão da

natureza, da aparência e da freqüência do fenômeno a ser

controlado” (2003, p.392). Tal categoria assemelha-se a análise

de estimativas, uma vez que trabalha em torno da intervenção

sobre acontecimentos futuros.

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83

2. Inteligência retrospectiva. Resulta dos processos cotidianos do

funcionamento da instituição, fornecendo informações sobre

prisões, mandados em aberto, indiciados, registro de entradas e

saídas do país, dentre outras. É paralela aos relatórios correntes

e básico-descritivos da inteligência de Estado, uma vez que

mediante informações atuais se tem subsídios para caracterizar a

conjuntura criminal, por exemplo, ou uma determinada

organização criminosa.

3. Inteligência aplicada. Busca associar suspeitos ou organizações

conhecidas com acontecimentos recentes de autoria

desconhecida. Assemelha-se mais à etapa de processamento de

inteligência, do que propriamente um produto analítico.

Em que pese a tipologia de inteligência proposta acima, é possível

concluir que a mesma se encontra representada nos produtos e processos de

inteligência de Estado, uma vez que eles agrupam todos os tipos de

inteligência produzidos, sendo conceitualmente mais consistentes. Percebe-se

também que paira uma confusão entre produtos e processos, quando

constatamos que a categoria de inteligência aplicada mais se assemelha,

conforme observado, ao processo analítico em si do que a um produto de

inteligência específico.

Outros aspectos a serem observados ainda são os nomes dos produtos

de inteligência, que também irão variar de acordo com a origem do processo

analítico (FARIAS, 2005, p.79). Se o relatório for o produto das percepções de

um indivíduo, no caso o analista, o mesmo receberá o nome de apreciação, em

detrimento do nome estimativa, utilizado para representar as percepções de

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84

futuros oficiais da organização, comumente fruto do trabalho integrado de

vários indivíduos.

3.6.4. Análise de alvo e organizacional

Uma dimensão que também perpassa todos os produtos informacionais

de inteligência é o da análise das organizações. Uma vez que ela trabalha com

a eleição de alvos dos quais se almeja obter informações, estes se

materializarão em conjuntos de indivíduos que compõem as citadas

organizações devendo, portanto, serem estudados em seu conjunto

organizacional, sejam estas instituições militares, de Estado, partidos políticos,

cartéis de drogas ou empresas concorrentes.

Cabe ressaltar que em determinados casos o acompanhamento de um

indivíduo ou alvo pode ser considerado também o de uma organização, à

medida que tal indivíduo tenha um papel primordial na estrutura avaliada, como

é o caso de um presidente da República, diretor de empresa ou mesmo o chefe

de uma organização criminosa. Ao analisar as organizações, as mesmas

deverão ser observadas sob um viés tridimensional (CLARK, 2004, p.216), em

que as dimensões são: estrutura, função e processo, entendendo-se que:

a. Estrutura: são os componentes de uma organização, em

particular as pessoas e os relacionamentos humanos entre estas.

b. Função: são os resultados produzidos pela organização, ou seja,

a sua finalidade e os seus objetivos.

c. Processo: é a seqüência de atividades e conhecimento

necessários a produção dos resultados esperados.

Mediante a análise de alvo ou organização, é possível Identificar forças

e fraquezas em nível tático ou estratégico; projetar ou prever transformações

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85

de forças por sobre a organização analisada, pensando mudanças em eventos

e roteiros de processos; bem como mapear informações sobre o alvo, de forma

que em uma disputa comercial, criminal ou militar, seja mais fácil à subjugação

do adversário.

3.6.5. Análise especulativo-evolutiva ou preditiva

Quando discutimos os produtos oriundos do processo de análise

produzidos pelas agências governamentais, bem como suas similaridades para

com os produtos informacionais de I.C., faz-se importante destacar e avaliar

em profundidade a inteligência denominada de estimativas, preditiva ou de

cenários, uma vez que a mesma é considerada o segmento mais importante da

atividade de análise de inteligência (HERMAN, 1996, p.106).

A importância de tentar prever o futuro, evidentemente diz respeito à

possibilidade de, em o conhecendo, moldá-lo de acordo com os interesses

políticos dos dirigentes do Estado ou da organização. Eis onde reside a

diferença deste campo da análise de inteligência de Estado para com os

demais. Saber o que acontece agora é o instrumento para reagir a crises,

conhecer o amanhã é onde reside a possibilidade de evitar o conflito. Sob este

prisma, Clark (2004, p.163) argumenta que:

Describing a past event is not intelligence analysis, it is history. The highest form of intelligence analysis -- the form desired by policymakers and executives -- requires structured thinking that results in a prediction of what is likely to happen. True intelligence analysis is always predictive.25

Por esta ótica, vemos que a inteligência de estimativa tende a ser o

segmento de maior relevância e amplitude sob o prisma dos governos, bem

25 Descrever um evento passado não é análise de inteligência, é história. A mais elevada forma de análise de inteligência, a forma desejada por políticos e executivos, requer pensamento estruturado que resulta em uma previsão do que provavelmente está para acontecer. Verdadeira análise de inteligência é sempre preditiva. Tradução nossa.

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86

como das demais organizações. Ao considerarmos o contexto de profundas

mudanças e instabilidades características do processo de globalização,

conclui-se que a posse de instrumentos para mensurar o futuro atualmente é

um elemento primordial na estratégia de sobrevivência de qualquer

organização, seja esta uma empresa multinacional ou o próprio governo.

3.6.6. Fenômenos convergentes e divergentes

Faz-se importante afirmar que tentar prever o futuro é

consideravelmente mais complexo do que descrever o passado ou o presente.

Quanto maior é o horizonte do futuro descrito, maiores são as possibilidades de

erros de previsão. No entanto, mais importante do que o resultado da análise

de estimativas, é a identificação de processos e tendências políticas,

econômicas e sociais engendrados, uma vez que ao se identificar padrões

relevantes, a inteligência fornece aos tomadores de decisões instrumentos para

agir sobre o futuro, atuando inclusive para acelerar ou reverter as tendências

detectadas. Neste sentido, o objetivo do relatório de inteligência de estimativas

não é o de meramente tentar prever um futuro que deverá necessariamente

ocorrer, mas sim de identificar as principais forças atuando sobre este

permitindo que a organização intervenha sobre tal futuro para moldá-lo de

acordo com os seus próprios interesses, portanto modificando-o.

Dado o escopo de curto, médio e longo prazo da análise preditiva, existe

uma sÉrie de subprodutos de inteligência dentro deste tema, com

características bastante distintas. Entretanto, antes de considerarmos as

subcategorias de análise de estimativas, cabe considerar quais fenômenos

podem ser analisados e quais não podem. De acordo com Clark (2004, p.163)

para propósitos preditivos utiliza-se o termo fenômenos convergentes para

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87

designar os acontecimentos que podem ser previstos e fenômenos divergentes

para identificar os eventos imprevisíveis. Ainda segundo o autor, os eventos

convergentes são governados pelas leis de causa e efeito, apresentando

padrões que permitem analisar conseqüências. Como fenômenos previsíveis

têm-se eventos gerais como guerras, mudanças na taxa de câmbio ou a venda

de empresas, por exemplo. Já os fenômenos imprevisíveis ou divergentes

relacionam-se a ocorrências individuais que, por serem únicas não seguem

padrões, como é o caso do momento de um ataque terrorista. Também pode-

se relacionar os fenômenos convergentes a análise macro, em que se

observam acontecimentos e tendências de grande envergadura e por isso

mesmo facilmente detectáveis, enquanto os fenômenos divergentes

relacionam-se a acontecimentos micro, particulares. Conforme argumenta o

estratego Musashi (MUSASHI, 2000, p.48):

O que é grande percebe-se com facilidade; o que é pequeno, nem tanto, nem sempre. Resumindo: é difícil que grandes grupos de homens troquem de posição, e por isso seus movimentos podem ser percebidos sem problema. Já uma pessoa sozinha pode mudar de opinião num segundo, e assim seus movimentos não são fáceis de prever.

Conforme aborda o autor, os movimentos individuais são muito mais

fáceis de serem executados, no entanto, difíceis de serem previstos, já as

ações de uma sociedade que, para modificar uma direção podem levar anos ou

décadas, justamente pela vagareza de movimentos permite sua identificação.

Tomemos como exemplo o citado ataque terrorista. É possível prever os

fenômenos convergentes ou de causa e efeito que provocaram o surgimento

de organizações que praticam terrorismo, bem como as nações que serão alvo

dos ataques de tais organizações. Também é possível ter indicações de

quando as organizações que empregam o terrorismo acumularam mais

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88

condições objetivas como homens, armamento e financiamento, para realizar

seus ataques, no entanto, entramos no campo dos fenômenos imprevisíveis,

ou divergentes, quando tentamos prever eventos aleatórios como o dia em que

um homem portando explosivos irá decidir explodir com os mesmos dentro de

um restaurante ou qual o vôo que será lançado sobre um prédio.

3.6.7. Categorias de análise preditiva

Uma vez que dado evento seja passível de ser previsto como fenômeno

convergente, este poderá ser analisado a partir de um horizonte de tempo, em

que serão fornecidas ao tomador de decisão previsões balizadas por um tema

e um lapso temporal.

Contudo, ao elaborarmos qualquer tipo de análise preditiva tem-se como

passo fundamental a identificação das forças atuantes sobre o processo

investigado. A identificação de tais tendências envolve compreender as

referidas forças com atuação predominante até o presente, as que irão

predominar ao longo de determinado tempo e as novas que possam surgir

(CLARK, 2004, p.166). Sob este prisma considera-se que existam três

categorias de análise preditiva, com distintos graus de complexidade (CLARK,

2004, p.184), sendo a saber:

a. Extrapolação: É o produto de análise preditiva considerado mais

simples, uma vez que não prevê mudança das forças envolvidas

em um cenário, nem a presença de novos entrantes. Baseia-se

somente na observação do passado para determinar o que irá

acontecer em seguida. Comumente é utilizada para análises de

curto prazo, uma vez que eventos de média e longa duração

necessariamente contarão com mudanças na correlação das

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89

forças atuantes, bem como a entrada de novos atores. É

considerada uma asserção sobre o futuro;

b. Projeção: Ao contrário da extrapolação que é uma asserção sobre

o futuro, a projeção e a previsão são consideradas análises

probabilísticas, uma vez que trabalham com possibilidades de

futuros e, portanto, tratam necessariamente com a geração de

cenários alternativos. No tocante a projeção, esta assume que as

forças atuantes em um cenário irão variar em sua correlação ao

longo do tempo, no entanto não irão surgir novas forças. É

considerado um método mais efetivo do que o de extrapolação

para médio prazo, uma vez que as mudanças de tendências são

quase uma constante na história humana.

c. Previsão: Envolvendo a análise de probabilidades, a previsão

trabalha com cenários de longo prazo, em que necessariamente a

correlação entre as forças irá se modificar como também surgirão

novos entrantes com novas tecnologias e organizações. Busca

identificar a relação e simbiose entre tendências e eventos que

possam originar contextos inovadores. A análise de previsão é

utilizada preferencialmente para a construção de futuros

alternativos de longo prazo.

Mediante esses três tipos de análise preditiva, se comporá perspectivas

de acontecimentos de curto prazo e visões de futuro de médio e longo prazo.

Observando mais uma vez a diferença entre esses instrumentos, como os

distintos graus de complexidade dos mesmos, apresenta-se o caso da indústria

de informática durante a década de 1980.

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90

Nos anos oitenta a IBM ostentava a primeira posição na indústria de

tecnologia da informação e apostava no segmento de computadores de grande

porte. Utilizando a análise preditiva por extrapolação, estabelecer a perspectiva

de ganhos da IBM para o ano seguinte era relativamente fácil, uma vez que

vários indicadores econômicos não se modificavam aleatoriamente. Com o

emprego de técnicas de projeção, se pôde tentar prever que o segmento de

grandes computadores perderia espaço para microcomputadores, não obstante

o fato de que identificar uma alteração na relação entre as forças atuantes era

algo bem mais complexo de se efetuar, uma vez que o modelo computacional

das décadas de 1950, 1960 e 1970 era baseado no processamento

centralizado, ou seja, no computador de grande porte. No entanto, mesmo com

a aplicação de técnicas de previsão, imaginar que esse cenário se modificaria

radicalmente com o surgimento de novas forças tais como o advento da

internet comercial em meados de 1994, um evento aleatório, era quase uma

impossibilidade. Contudo, apesar das dificuldades inerentes ao processo, para

qualquer organização pública ou privada, a mera existência de um cenário que

cogitasse tais mudanças seria de um valor inestimável.

É importante destacar que a análise de previsão é considerada tão

relevante no terreno da inteligência de Estado que a CIA26 disponibiliza para o

público em geral relatórios (CIA, 2006) com o desenvolvimento de cenários

sobre as perspectivas para o mundo, com amplo espectro de tempo.

Evidentemente tais cenários são desenvolvidos sob o prisma norte-americano,

contudo não deixa de ser bastante ilustrativo quanto à relevância dada pela

26 Um bom exemplo é o relatório da CIA: como será o mundo em 2020, em que a citada agência perscruta cenários de possíveis futuros.

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91

maior potência do planeta no tocante a necessidade de tentar vislumbrar o

futuro e consequentemente moldá-lo segundo seus próprios interesses.

Em seqüência ao estudo da análise preditiva, faz-se necessário ressaltar

a similaridade, quando do campo da análise, entre os produtos e métodos

empregados por parte das organizações de inteligência de Estado para com as

organizações que utilizam a I.C. Como parte do objetivo deste trabalho, uma

vez apontados os produtos da análise de inteligência cabe identificar os

métodos utilizados nas distintas etapas analíticas, determinando-se também a

origem de tais métodos.

3.7. Métodos de análise

Ao se considerar os distintos momentos do processo de análise,

conforme abordado acima, percebe-se que tais etapas analíticas empregam

vários métodos e técnicas objetivando identificar padrões e acontecimentos

atuais, bem como a correlação de forças que moldarão o futuro. Conforme

abordado ao longo deste trabalho, verifica-se que várias ferramentas

conceituais empregadas na análise de inteligência têm sua origem nas áreas

de Administração, Engenharia e Ciência da Informação, sendo

consequentemente encontrados na I.C.

A identificação de tais métodos de análise, em sua maioria oriundos da

I.C. pode significar, conforme a premissa desta pesquisa, a possibilidade de

renovação e ampliação dos instrumentos utilizados na atividade de inteligência

de segurança brasileira, habilitando o Departamento de Polícia Federal a

avançar ainda mais em suas ações de combate ao crime organizado. Nesta

direção, decomporemos as várias etapas da atividade de análise avaliando as

diversas técnicas utilizadas.

Page 92: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

92

3.7.1. Tipos de análise lógica

Antes de empregar qualquer ferramenta o analista selecionará

mentalmente instrumentos lógicos com que avalia o objeto ou acontecimento

em questão, de forma a construir um raciocínio analítico, que lhe permitirá

chagar a conclusões, mesmo que parciais materializadas em um relatório.

Existem basicamente quatro instrumentos lógicos, aplicáveis ao processo de

análise (KRIZAN, 1999, p.30), sendo os mesmos a indução, dedução, abdução

e método científico. Trabalharemos tais conceitos a seguir:

a. Dedução. No processo de dedução, se parte de um

acontecimento geral e universal para o particular, enquadrando o

mesmo em tal sistema. Tomemos como exemplo uma afirmação

de que todos os homens são mortais. João é homem, portanto é

mortal. Em relação à análise, a mesma utiliza tal mecanismo em

poucas ocasiões (KRIZAN, 1999, p.31), uma vez que é raro o

acompanhamento de sistemas fechados. Comumente a lógica

dedutiva é aplicada em raciocínios matemáticos, encontrados em

coletas de Imint e Sigint.

b. Indução. A indução funciona de forma oposta a dedução, pois

parte de acontecimentos isolados para estabelecer verdades

universais. Como exemplo do raciocínio indutivo tem-se: João

morreu, Sofia morreu, Luiz morreu, bem como todo universo

humano observado, logo todos os homens são mortais. O

processo indutivo de buscar generalizações a partir da

observação de determinadas premissas é bastante empregado

quando da análise de inteligência, contudo se deve considerar

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93

que as conclusões indutivas podem com freqüência levar ao erro,

pois generalizações de premissas verdadeiras podem apontar

falsas conclusões (TEIXEIRA, 2006). Bertrand Russell nos brinda

com um exemplo irônico, ao relatar o caso de um peru que por

receber milho todos os dias estaria equivocado em imaginar que

no dia 24 de dezembro também receberia, uma vez que seu

destino é a panela.

c. Abdução. Envolve o desenvolvimento de hipóteses na tentativa de

explicar eventos, a partir de evidências pouco familiares à

questão. A indução se diferencia da abdução, uma vez que essa

considera uma situação plenamente explicada, faltando ao

analista tão somente à articulação de conclusões em forma de

relatório, enquanto a hipótese é mais frágil, colocando-se no

terreno da possibilidade, que ainda deve ser validada mediante

algum mecanismo. Ou seja, as hipóteses são utilizadas para

explicar acontecimentos pouco freqüentes e ainda não

observados anteriormente.

d. Método científico. Consiste no momento em que o analista tenta

identificar plausibilidade nas hipóteses anteriormente

selecionadas, mediante o emprego de mecanismos que simulem

e reproduzam a realidade observada, permitindo a repetição da

mesma a partir de simulações. Todavia, cabe observar que no

terreno das relações humanas esse método é falho, destoando de

seu rigor científico no campo das ciências exatas, contudo

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94

permite ao menos tentativas de aproximação dos processos

acompanhados, legitimando constatações e inferências.

A partir das hipóteses levantadas quando da abdução, o analista

empregará diversas técnicas com base científica, visando identificar situações

ou acontecimentos. Algumas técnicas são descritas a seguir.

3.7.2. Processo de afirmação x argumentação

O processo de afirmação x argumentação é uma das técnicas de análise

que permeia todos os produtos informacionais da atividade de inteligência.

Basicamente consiste em dois momentos. No primeiro, se extrai das

informações em análise o seu significado central, que é apresentado na forma

de afirmações e suposições, conformando uma síntese dos dados para, em um

segundo momento, partindo das premissas que compõem a afirmação original

sintetizada, analisar tais dados, os correlacionando, e expandindo o

conhecimento contido nos mesmos construindo, como decorrência, uma

argumentação que sustentará as afirmações feitas originalmente.

No decorrer do processo de afirmação x argumentação, as premissas

contidas na primeira serão modificadas por diversas vezes, pois tenderão a ser

alteradas por novos dados acrescidos ao longo da coleta ou mesmo pela

melhor compreensão dos dados já coletados que, à medida que são juntados

com outros fragmentos de informações passam a produzir um novo sentido.

Contudo, torna-se claro que existe uma sinergia entre a afirmação e a

argumentação, em que uma etapa afeta a outra de maneira decorrente, até que

se chegue, tal qual uma espiral, a um ponto em que o cenário ou processo de

análise consiga preencher as lacunas e se estabilize, gerando inteligência.

Page 95: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

95

Cabe observar ainda que a afirmação de hipóteses também recebe o

nome de síntese ou fusão, (CLARK, 2004, p.32) sendo considerado o momento

em que o analista constrói um modelo mental, sintetizando o conjunto de

informações disponíveis. Por análise entende-se a etapa em que são extraídas

informações do conjunto de dados que deu origem às hipóteses propostas,

buscando-se provas que justifiquem o modelo proposto, que o modifiquem ou

mesmo o refutem completamente.

Existe um conjunto de técnicas para a construção de premissas ou

modelos, bem como para análise de dados. Algumas serão destacadas a

seguir:

a. Listas de comparação. São listados paralelamente os argumentos

favoráveis e desfavoráveis a um determinado tema em análise, de

forma que se comparem os benefícios e malefícios de

determinado curso de ação ou acontecimento;

b. Curvas. Análise em um gráfico, com as retas x e y se cruzando,

que, mediante a inserção de valores possibilita a identificação do

desempenho de uma atividade ao longo do tempo, bem como

permite a construção de inferências sobre o futuro, a partir da

extrapolação de tendências;

c. Benchmarking. Permite a comparação das práticas e processos

de duas ou mais organizações.

d. Padrões estatísticos. Mediante o emprego de técnicas estatísticas

se pode avaliar padrões de consumo de drogas de acordo com a

época do ano, a evolução de gastos militares de determinados

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96

países ou mesmo a evolução de uma empresa concorrente em

determinado segmento de mercado, por exemplo.

e. Evolução cronológica. Busca relacionar a evolução de

determinadas atividades a partir da dimensão tempo.

f. Evolução geoespacial. Mediante o emprego de mapas,

geralmente a partir de softwares de geoprocessamento, se

agregam dados que permitem inferências sobre mudanças em

padrões geográficos, tais como alterações em utilização de

determinadas pistas de pouso clandestinas ao longo de um ano.

Também se utilizam os softwares CAD/CAM27 para a construção

de maquetes virtuais, que servem para descrever uma estrutura

física em análise.

g. Modelo entidade-relacionamento. Muito empregado em análise de

sistemas de informação para representar processos. Permite a

representação de pessoas, lugares, coisas e eventos,

denominadas como entidade, e suas diversas interações entre

tais entidades, que recebem o nome de relacionamento.

h. Análise de rede e ligações. Utilizada na década de 1940 pela

Polícia de Los Angeles, nos Estados Unidos, permite a análise de

vínculos entre pessoas, contas bancárias, telefones, veículos,

dentre outros quesitos, permitindo a visualização das ligações em

um software gráfico. É uma das ferramentas mais utilizadas pelos

organismos de inteligência policial de todo o mundo, existindo

27 CAD: computer aided design. Computador auxiliando o design. (Tradução nossa). CAM: computer aided modeling. Computador auxiliando a modelagem. (Tradução nossa).

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97

diversos produtos disponíveis. É descrita com mais detalhes no

tópico abaixo.

i. Mapas conceituais. Com o auxilio de softwares especialistas28,

são listados conceitos e efetuadas ligações entre os mesmos,

sendo assinalado como atributo em cada ligação um ou mais

termos que dão sentido à mesma. À medida que novos termos

vão surgindo a temática abordada vai sendo aprofundada.

3.7.3. Análise de forças atuantes

Um dos primeiros objetivos da análise de inteligência, seja esta corrente,

tática ou estratégica, é o de identificar as forças presentes em um determinado

evento e a correlação entre as mesmas. Com este objetivo são utilizadas as

seguintes técnicas:

a. Modelo das cinco forças de Michael Porter. Desenvolve um

modelo de análise baseado na disputa entre atores de um mesmo

segmento. Por ter sua origem relacionada à área de negócios,

trabalha com a concorrência entre empresas semelhantes, ou

seja, que atuam no mesmo nicho de mercado. Segundo Costa

(2002, p.59) as forças de Porter são compostas por: 1- Entrantes

potenciais, que podem significar uma ameaça mediante a

aplicação de novas tecnologias, preços ou serviços; 2-

Compradores, que afetam o negócio uma vez que tenham grande

poder de negociação, dado o volume de compras, bem como o

reduzido número de clientes para se vender; 3- Substitutos, que

representam a predominância de tecnologias ou serviços 28 Um software muito utilizado para a construção de modelos mentais é o cmaptools, sendo distribuído gratuitamente no sítio: http://cmap.ihmc.us/.

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98

análogos sobre o mercado em questão; 4- Fornecedores, que

afetam a empresa mediante o poder de barganha que tenham

para ditar os preços de venda de insumos; 5- Concorrentes na

indústria, determinando o grau de rivalidade e competitividade no

segmento analisado. As forças de Porter são amplamente

aplicadas na área de I.C, na expectativa de caracterizar os

cenários atuantes sobre um mercado bem como os novos

entrantes.

b. Fatores críticos do sucesso. Oriundo da Ciência da Informação

e da Administração, o conceito relaciona-se à identificação das

“[...] características, as condições ou as variáveis que devem ser

monitoradas e gerenciadas pela organização para que ela fique

bem posicionada em seu ambiente de competição” (BEUREN,

2005). Sob este viés, os fatores críticos de sucesso buscam

mapear junto aos clientes, sejam estes gestores de empresas ou

de Estado, os distintos fatores que afetam um determinado

segmento, determinando graus de relevância aos mesmos e

estabelecendo uma pontuação média que será agrupada em uma

matriz, o que facilita identificar as forças que serão monitoradas

pela organização, permitindo que esta se posicione

adequadamente em seu ambiente de atuação. Com este

ferramental é possível delinear corretamente as necessidades

informacionais da organização, além de identificar a relação de

forças envolvendo tecnologia, conhecimentos e habilidades que

sejam fundamentais à sobrevivência da organização. Ainda

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99

segundo Beuren et al (2005), com os fatores críticos de sucesso

têm-se a possibilidade de “[...] priorizar a enorme quantidade de

informações coletadas e empregadas em um sistema de

inteligência competitiva”, de forma a racionalizar a análise e coleta

de inteligência.

c. Método Delphi. Tendo origem na Rand Corporation29, Estados

Unidos, na década de cinqüenta, tal método objetiva identificar as

forças e tendências que atuarão sobre o futuro, mediante o

emprego de um grupo de especialistas que debaterão os temas

propostos e serão levados para argumentação entre o próprio

grupo a fim de construir um consenso de idéias. O Delphi prevê

(SALLES-FILHO, 2001, p.154) a comunicação estruturada, o

anonimato dos participantes, o retorno destes após cada etapa do

processo interativo e a construção de respostas estatísticas

fundamentadas na equipe. Segundo Salles-Filho (2001, p.155):

A base do método envolve um questionário que é elaborado por uma equipe de coordenação (monitores ou facilitadores) e enviado a um grupo de especialistas participantes previamente selecionados. Assim que estes retornam, a equipe coordenadora contabiliza as respostas, elabora um novo questionário e envia os resultados e as questões revisadas aos mesmos participantes para uma nova interação. Os especialistas têm então a oportunidade de rever suas opiniões à luz das de outros participantes, em anonimato, fornecendo um novo julgamento, agora revisado. O processo se repete até que se atinja um estado estacionário, isto é, o consenso.

Além da identificação do consenso sobre as forças que estarão

presentes no futuro, conforme aponta o autor, com o método

Delphi também se registram as diferenças entre os especialistas,

o que permite a obtenção de informações valiosas ao 29 Organização acadêmica sem fins lucrativos que desenvolve pesquisas em temas relativos à inteligência e segurança de Estado, dentre outros temas, para o governo norte-americano. Mais informações são encontradas no sítio: http://www.rand.org.

Page 100: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

100

planejamento de cenários. Além disso, com a evolução do debate

é possível detectar quais são os pontos chaves para a evolução

até um dado futuro, permitindo a localização dos elementos

primordiais a serem acompanhados.

d. Análise SWOT. Desenvolvida como mecanismo para auxiliar a

pesquisa e inovação a partir da Harvard Business School (HILL,

1997, p.46) durante a década de 1960, a análise de SWOT,

denominação em inglês para Forças (Strengths), Fraquezas

(Weaknesses), Oportunidades (Opportunities) e Ameaças

(Threats), busca identificar essas quatro forças ou fatores centrais

que atuam sobre a uma organização, em seu segmento ou nicho

de mercado, sendo que a análise de forças e fraquezas procura

destacar as capacidades da organização através de suas

características internas e a análise de oportunidades e ameaças

relaciona-se aos planos e observa o ambiente externo da

organização. No campo da inteligência, a análise SWOT também

é empregada para identificar as capacidades e planos de

organizações adversárias (CLARK, 2004, p.158), sejam estes em

nível tático ou estratégico. A aplicação da SWOT ocorre a partir

da elaboração de uma tabela matriz em que são listados os itens

relativos aos quatro temas descritos. Com a caracterização da

relação entre as forças arroladas tem-se uma base para efetuar o

planejamento estratégico ou a montagem de cenários.

e. Filtro de forças Kalman. Oriundo da área de engenharia, essa

metodologia é utilizada para o levantamento do estado presente e

Page 101: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

101

a mensuração da ação de forças atuando sobre ele, de forma a

se tentar buscar um estado futuro (CLARK, 2004, p.166). O filtro

de forças Kalman é uma aproximação quantitativa, utilizado em

projetos de engenharia a partir de álgebra avançada, no entanto

também é utilizado de forma qualitativa por agências de

inteligência como a CIA. Basicamente a técnica consiste em se

estabelecer um quadro de forças do momento presente e movê-lo

para um cenário de futuro, baseado em um provável quadro de

forças envolvidas. Essa técnica se utiliza amplamente dos

conceitos de extrapolação, projeção e predição. O filtro de

Kalman tem as seguintes etapas para aplicação: 1- Identificam-se

as forças que atuaram e vêm atuando sobre uma determinada

entidade; 2- Em seguida trazemos para o presente as forças que

localizamos no passado, de forma a se observar variações no

peso das mesmas sobre os eventos e assumimos que as forças

não irão mudar, extrapolando-as para um primeiro cenário futuro;

3- É feita uma projeção, estimando que ocorram mudanças

comuns em algumas forças ao longo do tempo; 4- É realizada

uma previsão, iniciando-se a partir da projeção e estimando novas

forças que atuarão sobre a entidade em análise; 5- Determina-se

o futuro mais plausível, baseado na análise do conjunto de forças

dos três momentos anteriores de extrapolação, projeção e

previsão, buscando-se identificar forças atuantes, forças que

perderam significado, bem como novos entrantes. Como se

observa, mais do que para prever um cenário, o filtro é um

Page 102: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

102

instrumento para caracterizar a ação das forças ao longo de uma

linha temporal.

f. Análise de forças síntese/análise. Esta técnica determina as

principais forças a serem analisadas, bem como a interação entre

as mesmas ao longo do tempo, envolvendo as etapas de

localização daquelas existentes, verificação de como elas estão

mudando e em qual direção, bem como em que ritmo. Por fim, no

momento da previsão o analista deve identificar novas forças que

surgem no cenário. Sob o prisma da inteligência de Estado

(CLARK, 2004, p.168) consideram-se como as principais forças

as dimensões políticas, econômicas, de poder militar e

psicossociais, já no “mundo dos negócios” (CLARK, 2004, p.168)

as categorias são: política, economia, tecnologia e sociedade. O

método de síntese análise é considerado um dos instrumentos

analíticos mais antigos da humanidade, sendo encontrado

inclusive no livro “A arte da guerra”, de SUN TZU30, no capítulo

em que discorre sobre a lei moral (As leis e a organização social

vigente), o comandante (Virtude da liderança do Estado), os céus

(entendido como fatores climáticos), a terra (compreendendo

distâncias e aspectos geográficos) e o método e disciplina

(compreendido como a análise da estrutura do Exército). Segundo

Clark (2004) o processo de análise por este método envolve a

resposta à seguinte seqüência de questões: 1- Quais forças

afetaram a entidade (organização, situação, indústria ou área

30 General e estrategista chinês viveu há cerca de 500 anos, antes de cristo, tendo escrito o livro: A arte da guerra, obra esta conhecida como o primeiro tratado de estratégia militar da história da humanidade, bem como a primeira referência a atividade de inteligência de Estado.

Page 103: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

103

técnica) nos últimos anos?; 2- Quais são as cinco ou seis forças

predominantes?; 3- Como se espera que as forças elencadas

afetem a entidade nos anos vindouros?; 4- Quais são as cinco ou

seis forças que predominarão no futuro?; 5- Quais as principais

mudanças na correlação de forças entre o presente e o futuro

estimado?; 6- Quais as implicações dessas diferenças a partir da

mudança de forças para a entidade em análise? A partir dos

resultados dessa seqüência de questões deve-se trabalhar a

análise das forças adaptativas e das novas.

g. Benchmarking. Oriundo da área de negócios e I.C., é uma

ferramenta que busca, mediante análise comparativa com os

líderes de determinado ramo da indústria, identificar as melhores

práticas em um determinado segmento econômico. Assim sendo:

[...] busca-se identificar as melhores práticas das indústrias de um setor específico a fim de determinar padrões de desempenho em relação principalmente a: satisfação do consumidor, motivação e satisfação do funcionário, participação de mercado, retorno sobre ativos e, em nível operacional, melhoria de processos. Enfim, o benchmarking é uma oportunidade da empresa aprender com as melhores práticas de outra empresa e, assim, melhorar seu desempenho em alguns aspectos ou como um todo. (AFONSO, 2003, p.04).

Como se percebe, o Benchmarking nada mais é do que um

mecanismo para análise de processos e produtos, em que se

procura efetuar comparações com os outros. No terreno da

inteligência de Estado, tal técnica é correntemente empregada na

avaliação das capacidades dos oponentes, sendo utilizada para

identificar assimetrias de desenvolvimento tecnológico,

simplificação de técnicas para construção de armas, comparação

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104

de foco estratégico, aquisição de tecnologia desenvolvida pelo

adversário e análise de quantidade versus qualidade.

h. Inferência Bayesiana. Tendo origem na estatística, no segmento

de teoria da decisão, possui como característica a valoração

numérica dos elementos de incerteza presentes em uma dada

conjuntura, buscando, mediante a aplicação de tais valores,

equações estatísticas para identificar cenários probabilísticos. A

análise bayesiana apresenta os seguintes momentos:

A especificação estrutural envolve a identificação dos elementos do problema de decisão, isto é os eventos incertos, as alternativas possíveis, os parâmetros desconhecidos e as relações estruturais relacionando estes elementos. Os critérios para comparação das conseqüências associadas as varias alternativas devem possibilitar ao decisor uma certa racionalidade ou coerência no processo decisório (HEDIBERT; MIGON, 2002, p.24).

Levando em conta tais etapas na atividade de inteligência, o analista

irá assinalar “[...] probabilidades para as principais hipóteses de

interesse” (FISK, 1970), especificando valores para probabilidades

condicionais, tendo como inferir julgamentos sobre as hipóteses

centrais baseado em análises quantitativas. A inferência bayesiana é

o instrumento central para a construção de modelos de árvore de

decisão. Cabe observar que a CIA se utiliza da técnica de inferência

bayesiana desde a década de sessenta, como mecanismo para a

elaboração de análise de forças em um dado cenário.

Com tais métodos, dentre outros não citados neste trabalho, é possível

identificar a correlação de forças posta em um determinado evento ou

organização, para posteriormente aplicar outros métodos analíticos de acordo

com o produto esperado.

Page 105: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

105

3.7.4. Análise de alvo e organizacional

Conforme abordado neste trabalho, as análises de alvo são elaboradas

a partir do trinômio: estrutura, função e processo, sendo utilizadas uma série de

ferramentas para tal. Dentre a relação de instrumentos de análise destacam-se:

Estrutura

Ao se analisar uma estrutura, se busca identificar o tamanho da

organização e sua coerência com a missão proposta, a efetividade da

organização na persecução de seus propósitos para, por fim observar o

relacionamento entre as pessoas e grupos a partir da hierarquia organizacional.

São utilizados os seguintes mecanismos:

1. Análise de dimensão e capacidade:

a. Benchmarking: permite a comparação entre organizações com

missões similares, tornando possível observar se o tamanho e

capacidade da organização dificultam os objetivos mais do

que promovem os mesmos.

b. Curva de Laffer: Possibilita a análise da capacidade produtiva

e processual de uma organização, a partir do cruzamento

entre valores contidos em dois eixos gráficos, x e y. A título de

exemplo, se utiliza tal técnica para medir a capacidade de um

governo em taxar sua população elevando impostos, em

comparação com um nível X por cento de impostos, que

provocará um efeito decrescente na arrecadação. Melhor

dizendo, em um determinado momento os impostos podem

ficar tão elevados que o custo da sonegação destes seja visto

pelos cidadãos como menor do que o seu pagamento.

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106

2. Análise da efetividade da estrutura.

a. Análise de tipos de estrutura. Prevê a identificação do tipo de

estrutura político-econômica em que a organização está

inserida, como por exemplo democracia ou ditadura,

monarquia ou presidencialismo, ou sob o prisma econômico,

modelos protecionistas, liberais, economias planificadas ou

abertas às leis de mercado. Outro aspecto que deve ser

observado é da própria estrutura organizacional da instituição

em questão, em que o poder pode ser concentrado em poucas

pessoas, e a gestão é centralizada em uma diretoria executiva

ou na pessoa de um presidente ou descentralizada, em que

existem várias instâncias de gestão e decisão, com vários

grupos decisórios dentro da organização.

3. Análise de rede. Prevê o estabelecimento de nós representando

pessoas e o uso de ligações entre os nós para identificar os

vínculos formais (hierárquicos) e informais (de relacionamento

pessoal e de afinidade). Tal metodologia é amplamente

empregada em estudos de Ciências Sociais visando identificar

comportamento organizacional. Em inteligência, cuja análise

frequentemente é generalista, os nós vão além de pessoas,

também são compostos por organizações, lugares ou coisas.

Historicamente a análise em rede tem sido aplicada pela

comunidade de inteligência do governo dos Estados Unidos para

acompanhar alvos tais como grupos terroristas e traficantes de

drogas. No entanto nos últimos anos a I.C. tem feito uso intensivo

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107

desta técnica para identificar relações entre empresas, bem como

entre prestadores de serviços individuais. A análise de rede

possui os seguintes níveis:

a. Redes sociais. Neste nível os indivíduos são considerados

atores e são representados por nodos, sendo que o

relacionamento entre os mesmos, justificado por eventos, é

que caracterizam a relação. Somente se efetua o vínculo de

um ator para com outro se este for sustentado por algum

elemento de coleta tal como uma parceria estratégica,

reuniões de negócios, constantes telefonemas e mensagens

eletrônicas, dentre outros. Tais redes podem ser compostas

pela relação entre dois atores, bem como pelo relacionamento

entre um grande número destes. A análise de redes sociais

envolve dois conceitos chaves, que são:

1- centralidade, em que se busca identificar a relação

de poder dentro de uma organização mediante a

análise de vínculos entre os atores, presumindo que os

atores com mais vínculos sejam os mais importantes,

uma vez que: a. Têm mais possibilidades de escolhas,

em detrimento de atores com poucos vínculos e,

portanto, presumivelmente, com poucas opções

disponíveis; b. Possuem uma maior audiência dentro da

organização, pois podem ter a atenção de um maior

número de indivíduos; c. Servem como intermediários,

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108

a partir do momento em que se tornam elo entre outros

atores que não possuem contato pessoal.

2- equivalência, em que se procura identificar os

indivíduos que possuem um papel único, sem

correspondência com outros pares ou com um número

reduzido de possíveis substitutos. Neste quesito são

identificados: a. os atores insubstituíveis ou com

poucos substitutos; b. os atores que possuem

monopólio em determinadas questões para os demais

nós da rede; 3. os atores que tem funções equivalentes,

ou não, em outro segmento de negócios.

b. Redes generalizadas. Na análise de redes gerais os alvos

serão as pessoas, organizações, lugares e objetos. Neste tipo

de análise o objetivo é identificar padrões ocultos, como

contas bancárias para lavagem de dinheiro ou rotas de

transporte de drogas, por exemplo. A análise de relações

generalizadas tende a se focar na rede, considerando os nós

como organizações ou pessoas que compõem as mesmas.

Cabe ressaltar ainda que, no tocante à análise de rede, social ou

generalizada, as mesmas são consideradas como o principal

instrumento para se lidar com sistemas complexos, na medida em

que atuam ”[...] emprestando um valor agregado ao trabalho

investigativo que está fora do alcance prático da cognição

humana normal” (DANTAS, 2006, p.11), existindo, como

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109

decorrência uma dinâmica para utilização intensiva de

ferramentas baseadas em computador31.

Função

A análise de função é preditiva, uma vez que envolve a observação

comportamental de uma determinada organização ou indivíduo, visando

antever suas ações futuras a partir do comportamento passado. As perguntas

que se buscam responder com a análise funcional são, por exemplo: Como o

alvo irá reagir em uma determinada situação? Como tende a pensar? Por quais

caminhos irá seguir? Para responder esse tipo de questionamento é levado em

contas três dimensões do processo decisório abordadas a seguir:

1. Dimensão racional.

Teoria dos jogos32. Tal técnica é utilizada para analisar as

probabilidades disponíveis em uma situação, confrontadas com as

dificuldades da implementação de cada possibilidade, buscando

assim a melhor relação custo versus benefício.

Princípio da incerteza. Estabelece variáveis de análise, uma vez que

o analista ao investigar racionalmente uma questão pode alterar o

resultado da mesma. Como exemplo, tomemos um investidor no

mercado de ações que ao considerar se compra ou vende suas

ações gera um efeito sobre o mercado, de valorização ou

desvalorização que altera o ambiente analisado.

31 Um bom exemplo de software para análise de relacionamentos é o Analista Notebook, da I2, que é fornecido para vários órgãos de inteligência do mundo todo, inclusive do Brasil. Maiores informações podem ser encontradas no sítio: http://www.i2group.com. 32 John Von Neumann e Oskar Morgenstern apresentaram tal teoria no livro: Theory of games and economic behavior. Princeton: Princeton University Press. 1980.

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110

Cabe observar que quando se trabalha com a análise racional,

Clark (2004, p.225) alerta que se deve levar em conta o fato de que o

ser humano tende a fazer escolhas consideradas apenas razoáveis,

sem esgotar todas as alternativas postas em um sistema, ou seja, se

um determinado indivíduo precisa comprar comida, este não irá

verificar todos os estabelecimentos comerciais existentes em uma

grande cidade para em seguida escolher o mais adequado.

Comumente o sujeito, ao escolher, irá trabalhar com apenas algumas

alternativas, levando em conta itens como proximidade, tamanho do

estabelecimento ou experiência anterior.

2. Dimensão cultural.

Contexto cultural. Identificam-se valores culturais centrais relativos ao

ambiente em que o alvo ou a organização em análise está inserido,

buscando localizar valores, crenças, normas, condutas e

comportamentos (CLARK, 2004, p.227).

Hierarquia de necessidades de Maslow. Segundo Maslow (CLARK,

2004, p.229) o homem possui um conjunto seqüencial e hierárquico

de necessidades que uma vez satisfeitas permitem que se passe

para a próxima, tal qual quando se sobe uma escada. Tais

necessidades seriam em ordem de importância: 1. necessidades

fisiológicas, como alimentação e habitação; 2. segurança, no tocante

a estar livre de sofrer violência; 3. inserção social, no sentido de

relações sociais e amizades; 4. estima no que diz respeito a auto-

estima bem como a consideração de terceiros; 5. Auto-atualização,

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111

representando a ambição pelo desenvolvimento econômico, social e

cultural.

3. Dimensão emocional.

Teste de temperamentos de Kersey. Tendo sua utilização se

originado na I.C., consiste no enquadramento do indivíduo em um

determinado perfil de personalidade, mediante tabulação de

características comportamentais, sendo que cada perfil possui um

padrão comportamental distinto, o que permite projetar ou prever as

reações humanas de acordo com seu perfil de comportamento. São

quatro grandes grupos de temperamentos (KURI, 2004, p.70)

delineados: 1. racionais, tendendo a se utilizar da razão e de

modelos mentais abstratos; 2. guardiões, caracterizando-se pelo

conservadorismo e pelo zelo para com as instituições existentes; 3.

artesãos, tendo como mote a procura de emoções fortes e a fuga de

atividades rotineiras; 4. idealistas, que são movidos pelo

aperfeiçoamento pessoal e a auto-realização.

Processo

O processo se presta a analisar as etapas que compõem o ciclo de

desenvolvimento de um programa implementado por determinada organização.

Clark (2004, p.232) propõe os seguintes mecanismos para avaliar processos:

1. Desenvolvimento de projeto. Consiste na elaboração de uma

matriz em que se mensura o número de pessoas envolvidas,

versus o resultado, de forma a se identificar o coeficiente de

membros em um trabalho para que o mesmo chegue a bom

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112

termo. Mediante tal técnica também se pode identificar atrasos e

idiossincrasias no trabalho.

2. Análise de risco. É um processo composto pela identificação de

riscos associados a um programa em que se tenta medir as

conseqüências e efeitos deles para, então, se identificar ações

alternativas para a redução de exposição da organização a tais

contingências. A Rand Corporation desenvolveu uma

metodologia para estimativa para análise de risco de atentados

terroristas (WILLIS, 2005 p.06) que trabalha com a observação

dos seguintes conceitos: 1. ameaças, entendidas como a

probabilidade de um alvo sofrer um ataque de uma forma

específica durante um determinado período de tempo; 2.

vulnerabilidade, compreendida como a probabilidade de

ocorrência de danos a um alvo por um tipo de ação, durante um

lapso temporal; 3. conseqüências, definida como a magnitude dos

danos causados a um determinado alvo, a partir de um tipo de

ação em um horizonte de tempo. O risco é calculado pela

fórmula: risco = ameaças x vulnerabilidades x conseqüências.

Portanto, ele representa nada mais do que as conseqüências

esperadas de ações que causem danos, considerando-se a

probabilidade de que tais ações aconteçam e de que sejam bem

sucedidas.

3. Análise comparativa ou benchmarking consiste em comparar

modelos e processos, já tendo sido exposta anteriormente.

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113

3.7.5. Análise quantitativa

Também existe um conjunto de técnicas analíticas baseadas em

instrumentos quantitativos para mensurar a realidade. Tais procedimentos

envolvem a análise de um grande volume de dados e registros, de forma a que

sejam identificados padrões, permitindo inferências futuras.

Com o desenvolvimento da tecnologia da informação, a utilização de tais

técnicas quantitativas vem sendo amplamente empregada nas empresas

privadas, como mecanismos de suporte a decisão, mediante o emprego de

ferramentas específicas.

Tipos de ferramentas

Destacam-se os seguintes tipos de ferramentas:

a. Data Warehouse33. Consiste na migração de dados do ambiente

operacional da empresa para um sistema em que os mesmos serão

formatados para receberem processos de análise. É, portanto um banco

de dados que consolida dados obtidos a partir dos vários bancos de

dados mantidos pelas unidades organizacionais, permitindo uma visão

histórica e sintetizada das informações. Com os dados carregados neste

grande repositório, os analistas podem obter informações variadas, do

tipo: As vendas de passagens aéreas diminuíram, nos meses de janeiro

dos últimos seis anos? Qual a média de visitas que um cliente faz em

uma página na Internet, antes de efetuar a compra? Qual a média de

idade dos clientes de uma administradora de cartão de crédito, versus a

média de consumo? Ou seja, com o data warehouse têm-se acesso a

vários dados contidos na organização, ou adquiridos no ambiente, que

33 Armazém de dados. (Tradução nossa).

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114

permitam identificar padrões e ocorrências externas, sem que se afete o

ambiente operacional da empresa/instituição, uma vez que as consultas

são feitas sobre um sistema cuja finalidade é apenas subsidiar a análise.

b. Data mining34. É um aplicativo de análise de informações que, mediante

algoritmos matemáticos, busca estabelecer padrões de dados,

minerando-os, a partir da análise de um banco de dados ou de um data

warehousing. A vantagem da utilização de uma ferramenta como esta

reside no fato de ser automatizada, não dependendo diretamente da

intervenção humana. Neste sentido, além de efetuar um grande volume

de consultas, por não envolver a figura de um analista, tende a fazer

ligações baseadas em quesitos matemáticos, sem o preconceito que

acompanha o olhar humano. Como resultado das inferências

automáticas, se obtém padrões genéricos, improváveis de serem

construídos pelas abordagens de um indivíduo, úteis tanto para uma

empresa perceber potenciais para promoções de seus produtos, como

para o Estado se defender de eventuais ataques. Um possível emprego

dessas informações seria a descoberta via prospecção automática de

dados, de um modelo resultante, em que a título de exemplo, clientes

jovens, recém casados, que comprem um veículo, e seis meses depois

comprem outro, possam receber propostas promocionais de uma

revenda de automóveis apresentando promoções para atrair a fidelidade

desse perfil de clientes, ou de um banco estabelecendo uma nova

modalidade de financiamento. Contudo, o emprego de tais consultas

automatizadas também tem se expandido no terreno da inteligência para

34 Mineração de dados. (Tradução nossa).

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115

segurança nacional. Com a identificação automática de padrões, se

pode descobrir contas correntes utilizadas para lavar dinheiro do

narcotráfico, ou mediante a própria diferenciação dos padrões normais

de comportamento humano, encontrar um imigrante ilegal, um espião ou

terrorista, a partir de uma circunstância atípica, em que um indivíduo

viaja de avião do México em direção a França, depois se desloca para o

Canadá e em seguida toma um vôo até os Estados Unidos, em um

período de dois dias, o que poderia demonstrar uma tentativa de impedir

a localização de sua origem.

Tipos de informações quantitativas

Os principais usos no terreno da inteligência das técnicas de análise

quantitativa são:

a. Registro de patentes. Diversos sites na Internet disponibilizam extensas

bases de patentes, informando o autor, a empresa desenvolvedora, data

de registro e publicação, bem como os dados sobre a temática abordada

na patente. Mediante a análise quantitativa de tais registros, é possível

constatar quais áreas tecnológicas vêm se desenvolvendo ao longo do

tempo, bem como quais empresas e países se destacam em termos de

tecnologia. Com essas informações, se pode tanto competir com as

empresas de ponta, construindo tecnologias similares, como também

observar a tecnologia desenvolvida por países rivais para emprego

militar, ou mesmo quais os eventuais fornecedores de tecnologia para

grupos criminosos.

b. Controle de artigos científicos. Várias bases de dados são especialistas

no fornecimento de artigos publicados em periódicos científicos. A partir

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116

da análise quantitativa desses artigos, se pode localizar tecnologias e

conceitos emergentes, que ainda se tornarão produtos ou doutrinas,

bem como os centros de excelência em cada país. Tais informações

permitem não somente inferir os setores de pesquisa estratégica em

desenvolvimento, bem como as tecnologias promissoras, como também

o fornecimento de tais conhecimentos para terceiros.

c. Transações financeiras. Com a aplicação de técnicas de análise

quantitativa sobre informações de movimentações financeiras, tanto um

banco pode identificar a melhor oferta de produtos financeiros para seus

clientes, quanto o governo pode identificar processos de lavagem de

dinheiro oriundo de crimes, bem como movimentações suspeitas,

localizando instituições financeiras que sirvam como fachada de

organizações criminosas.

d. Web warehouse35. Com o armazenamento de dados relativos às

páginas visitadas por um usuário ou a partir de um determinado

computador, se pode rastrear a navegação na Internet de um indivíduo,

ou de uma comunidade de usuários de determinados produtos ou

serviços. De acordo com Stasiu (2003, p.03).

As funções primárias de um web warehouse são identificação, catalogação, recuperação, armazenamento e análise da informação (disponível em forma de texto, som, imagem, vídeo, gráficos, objetos multimídia, etc) através de tecnologia Web, com a finalidade de auxiliar na busca de informações específicas de interesse do usuário.

A partir desse processo, o analista de informações tanto pode identificar

padrões de consumo de um cliente, personalizando o seu atendimento

35 Armazém de dados da Web. (Tradução nossa).

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117

no ambiente web36, como sob o prisma do Estado, também pode tentar

identificar todas as pessoas que visitam regularmente sites de pedofilia,

ou de grupos islâmicos radicais.

3.7.6. Análise de cenários

Uma vez efetuada a identificação das forças presentes em uma dada

conjuntura ou estimada a composição de tais forças em um futuro, será

necessária a construção de cenários.

Seu surgimento, enquanto área de pesquisa, remonta ao segmento de

inteligência de Estado norte americano, que fundou a Rand Corporation na

década de cinqüenta com tal propósito. Considerada uma atividade

extremamente complexa, a Rand “[...] estendeu duas atividades para os

campos da sociologia, meteorologia e política” (MARCIAL, 1999, p.11) de

forma a ampliar o escopo das forças que compõem uma conjuntura observada.

Apesar de atualmente ser amplamente empregada por empresas privadas, a

atividade de produção de cenários é característica basilar da atividade de

inteligência, conforme podemos observar com o relatório da CIA: como será o

mundo em 2020 (2006), bem como pelo cenário produzido pela inteligência

brasileira, denominado Cenários exploratórios do Brasil 202037 (1997).

Um cenário é definido como “[...] uma descrição detalhada e

internamente consistente daquilo que o futuro poderá vir a ser” (LODI, 2005,

p.128), sendo construído mediante informações qualitativas e quantitativas que

36 Considerando que o ambiente web tende a ser impessoal, a utilização desse tipo de ferramenta pode ser um grande elemento de vantagem competitiva. Um bom exemplo é o da empresa Amazon, com o endereço: http://www.amazon.com, que utilizando-se de um conjunto de tecnologias baseadas em data mining e web warehouse, permite visitas personalizadas de seus clientes, uma vez que o ambiente virtual identifica o usuário, ou o computador deste e personaliza a página de acordo com as preferências demonstradas pelo usuário nas visitações ou compras anteriores. 37 Tal cenário foi desenvolvido pela Secretária de Assuntos Estratégicos - SAE, que deu origem a ABIN, a atual Agência Brasileira de Inteligência.

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118

analisam a correlação de forças ao longo do tempo em um dado ambiente.

Como bom instrumento de inteligência o cenário é elaborado centralmente para

subsidiar a tomada de decisões.

Os cenários são agrupados como normativos e exploratórios (MARCIAL,

1999, p.33; BEZERRA, 2005, p.94), a partir da observação de sua natureza.

Entendem-se como cenários normativos ou burocráticos aqueles que

apresentam futuros desejados. Tal cenário é construído como um objetivo

organizacional, apontando para sua realização, a necessidade de superação

de desafios e metas. Em um primeiro momento se apresenta o futuro desejado

e posteriormente são discutidos os mecanismos para que se alcance tal futuro.

A indagação presente no cenário normativo é: Que tipo de futuro se deseja ter?

Para que se inicie em seguida a análise de mecanismos para a concretização

de tal futuro. Por cenário exploratório tem-se a apresentação de futuros

possíveis ou prováveis em um dado sistema. Diretamente associado à

identificação de forças por extrapolação, projeção e previsão, este cenário

apresenta dois subgrupos, sendo: a. os extrapolativos, em que o futuro é o

prolongamento sem surpresas do presente; b. os múltiplos, em que o futuro

apresenta mudanças de forças ou ruptura das mesmas com o surgimento de

novos fatores.

No tocante ao número de cenários, recomenda-se que não se ultrapasse

a prospecção de quatro cenários, uma vez que “[...] apesar do futuro ter um

número de possibilidades infinitas de acontecimentos, torna-se improdutivo

tentar explorar todas essas possibilidades” (MARCIAL, 1999, p.34). Também

se deve evitar a produção de três cenários, de forma a que se evite a indução

ao erro de considerar o cenário intermediário como o que de fato ocorrerá.

Page 119: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

119

As etapas para construção de cenários (CLARK, 2004, p.179) são

compostas pelos seguintes momentos:

a. Definição do problema. Consiste na identificação de quais

questões se pretende resolver. Considerando-se que o futuro é

composto por milhares de possibilidades, o foco nas indagações

centrais é fundamental.

b. Identificação de forças que afetam o problema. É a incorporação

ao cenário da etapa de trabalho anterior, em que se identificam as

forças atuantes em um determinado evento. As principais forças,

de acordo com o que foi abordado anteriormente, são: dinâmicas

sociais, tendências econômicas, políticas e tecnológicas. Nesta

etapa as forças são analisadas isoladamente e em seu conjunto,

de forma a se verificar sinergias entre as mesmas.

c. Identificação de possíveis soluções. Nesta etapa se fará a

escolha da metodologia para o desenvolvimento do cenário,

efetuando-se a partir das tendências chaves identificadas no

momento anterior, a construção de cenários mais ou menos

favoráveis aos interesses da organização.

d. Localizar a melhor solução. É o momento em que se apresenta

ao decisor uma avaliação do melhor futuro possível, bem como a

estimativa de ações que possam levar a organização até lá.

Por fim, uma vez elaborado, o cenário enquanto produto de inteligência,

passa a necessitar da atividade de coleta de inteligência, de forma a monitorar

alguns quesitos informacionais fundamentais, conseguindo com isso evoluir

aqueles propostos. Conforme afirma Marcial (1999, p.39) “[...] para a

Page 120: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

120

construção de bons cenários nesse novo ambiente competitivo, torna-se

importante a constante incorporação dos resultados da monitoração ambiental

aos estudos de futuro”. Portanto, considerando-se as mudanças típicas de uma

sociedade globalizada, de pouco vale a construção de um cenário como

referência de futuro se o mesmo não for objeto de constante análise, de forma

a que se evolua as caracterizações neles contidas. Cabe lembrar que para a

atividade de inteligência, o cenário comporá um produto informacional

devendo, portanto, estar submetido ao ciclo de requerimento, coleta e análise,

característicos desta área do conhecimento.

3.7.7. Similaridade das técnicas de análise

Com a observação do conjunto de técnicas de análise apresentados

acima, percebe-se que as metodologias para análise de inteligência

empregada pelos órgãos de Estado são acentuadamente similares ao

ferramental utilizado em I.C. Mais do que a utilização de modelos comuns, se

faz notar um processo de sinergia intelectual, em que ora a I.C. fornece as

técnicas que são prontamente adotadas pelas instituições governamentais, ora

as instituições de Estado fornecem tais técnicas e o segmento de inteligência

empresarial e competitiva faz pronto uso dessas.

Como conseqüência dessa sinergia, observamos que a pesquisa e,

sobretudo a aplicação de novos procedimentos à atividade de inteligência, tem

sido muito grande. Quando um segmento de inteligência, como a I.C., passa a

utilizar uma técnica antes empregada exclusivamente por outro, como a CIA, o

Mossad ou o MI-5, possibilita o desenvolvimento de tal processo, de forma que,

posteriormente a mesma voltará a ser utilizada pela agência originária, no

entanto com mais aperfeiçoamentos oriundos do crivo de outros setores. Com

Page 121: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

121

isso evidencia-se um grande desenvolvimento na atividade de análise de

inteligência

Cabe observar que, uma parcela significativa deste processo interativo é

originária da interação entre profissionais de análise de inteligência que, no

modelo americano, recebem uma formação semelhante, muitas vezes nas

mesmas escolas, como veremos a seguir.

3.8. Disseminação

A disseminação é o ponto em que as demandas do usuário, que foram

apresentadas no momento do requerimento, encontram-se com o mesmo

novamente, ou não, a depender da identificação anterior adequada de suas

necessidades e do formato em que estas sejam disponibilizadas como

produtos informacionais. A etapa da disseminação da informação é um

momento crítico, pois mesmo com um produto de qualidade, ao não se

identificar a melhor abordagem para a entrega, o que deveria ser inteligência

torna-se mais uma pilha de papéis armazenados. A partir do objetivo de

garantir que a inteligência solicitada realmente chegue às mãos do tomador de

decisões de forma a que possa ser utilizada, apresentam-se alguns aspectos

importantes de serem abordados.

3.8.1. Apresentação dos pontos essenciais

A disseminação dos produtos de inteligência, deve levar em conta as

necessidades do usuário, e não o desejo do analista de demonstrar todo o

esforço contido no processo de análise. Comumente o usuário de inteligência

necessita chegar a conclusões rapidamente, e neste sentido os produtos de

inteligência não podem se constituir como um enigma a ser decifrado, decifra-

Page 122: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

122

me ou te devoro. Um bom produto de inteligência precisa ser claro, conciso,

conclusivo e livre de jargões técnicos ou detalhes inúteis.

Faz-se importante pontuar que o relatório de inteligência, conforme a

demanda pode e deve ter diversos graus de profundidade, permitindo ao

cliente que avance na leitura do mesmo ou não, de acordo com suas próprias

necessidades. Contudo, nem sempre o decisor tem tempo, paciência ou

necessidade de ler em profundidade, análises de inteligência de dez mil

páginas, preferindo muitas vezes, de acordo com a credibilidade anterior dos

produtos de inteligência, observar um sumário executivo de dez páginas e

considerar os resultados contidos no mesmo.

3.8.2. Dimensões dos produtos de inteligência

Ao se disponibilizar produtos de inteligência, existe um conjunto de

configurações que devem ser observadas, ressalvando-se os interesses e as

demandas do usuário, e consequentemente a aplicabilidade da informação

fornecida. Apresenta-se o seguinte quadro de possibilidades:

Dimensões dos produtos de inteligência

Categoria Dimensão Exemplos

Assunto Biográficos, econômicos, geográficos, militares, políticos, científicos, tecnológicos, sociológicos, organizacionais, meios de transporte e comunicações.

Conteúdo

Intenção de uso. Pesquisa, análise corrente, estimativas, apoio operacional, ciência e tecnologia e alerta antecipado.

Prazo Curto/longo termo, aproveitamento de oportunidades, rotina/prioridade.

Características

Periodicidade Quando necessário/planejado, preposição do analista/demanda do usuário.

Page 123: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

123

Abrangência Reduzida/ampla, detalhado/sumarizado, básico/exaustivo.

Mídia Papel/digital, escrito/oral, vídeo. Apresentação

Formato Formal/informal, textual/gráfico.

Relacionamento com o produtor

Intencional/incidental, interno/externo, neófito/experto.

Cliente

Método de distribuição

Interno/externo, direto/indireto, focal/abrangente.

Tabela 7. Dimensões dos produtos de inteligência. Fonte: adaptação de Krizan, 1999.

3.8.3. Conteúdo

Conforme abordado na etapa do requerimento, o conteúdo de um

produto de inteligência deve ser negociado com o usuário deste. Tanto o tema

deve ser bem delimitado, no início do processo, quanto às novas possibilidades

que venham a surgir, à medida que se obtém a confiança e parceria do cliente,

devam ser exploradas em comum acordo. Considerando-se a premissa de que

inteligência para ser considerada enquanto tal deva ser acionável, não adianta

se produzir compêndios de informações se as mesmas não serão em momento

algum empregadas.

Além do objeto temático da ação de inteligência, deve-se levantar com o

tomador de decisões suas pretensões para com a informação obtida. Conforme

abordado anteriormente, existem diversos produtos de inteligência visando

atender a uma ampla gama de demandas, que vão da identificação de

ameaças imediatas, passando por relatos descrevendo a conjuntura atual e

chegando até mesmo à tentativa de se estimar o futuro. De acordo com a

aplicação da inteligência, se terá um estilo analítico e um formato documental.

Page 124: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

124

Identificar as reais necessidades do usuário quanto à utilização da informação

é tão importante quanto saber o tema que o mesmo deseja acompanhar.

3.8.4. Características

As principais características de um produto de inteligência envolvem o

prazo, a periodicidade e a abrangência do mesmo. O prazo relaciona-se com a

temporalidade envolvendo a elaboração do relatório, que pode ser diário, ou

mesmo o resultado de um esforço de vários anos. Também relaciona-se com o

aproveitamento de oportunidades, priorizando determinadas ações, em

detrimento de outras. Por periodicidade se tem a origem da demanda, que

pode ser uma preposição do analista diante de um cenário recém identificado,

bem como uma demanda do usuário, a partir de lacunas de conhecimento.

Relaciona-se também à periodicidade, a verificação se um dado projeto de

inteligência foi planejado ou se é originado da necessidade de entender e

responder a um evento novo. A abrangência determina o grau de cobertura de

um tema, que poderá ser superficial, amplo, especializado, aprofundado,

conjugando esses quesitos de acordo com as necessidades do tomador de

decisões.

3.8.5. Apresentação

A forma com que as análises de inteligência são apresentadas pode

variar de acordo com a mídia utilizada como suporte físico da informação, bem

como com o formato gráfico e redacional. Com a evolução tecnológica,

produtos de inteligência são construídos não somente sobre papel, como

também a partir da produção de vídeos, gráficos e modelos relacionais,

gravações e slides, bem como mediante suporte digital em ambiente de

Page 125: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

125

Intranet corporativa, de forma a que os usuários tenham constante acesso aos

produtos disponíveis. Faz-se relevante observar que as transformações

tecnológicas características de uma sociedade da informação, permitem um

grande intercâmbio de dados entre várias organizações de inteligência38, sejam

as mesmas da esfera estatal ou das organizações, compartilhando em tempo

real, informações relevantes. Além do suporte físico, outro aspecto que irá

variar de acordo com as preferências do cliente é o grau de formalidade do

documento, que pode ser textual ou gráfico, tendo características mais formais

ou informais.

3.8.6. Cliente

A proximidade com a organização ou o cliente demandante da

inteligência é fundamental. A interação com esse, não somente no momento da

identificação das necessidades informacionais transformadas em

requerimentos, como também ao longo de todo o ciclo de inteligência é um

aspecto garantidor da satisfação do usuário no momento da disseminação da

inteligência produzida. Também derivam do ambiente de relacionamento com o

demandante as características do produto disponibilizado posteriormente. O

relacionamento com o solicitante é afetado a partir de quesitos, tais como: se o

relacionamento entre as partes é freqüente ou ocasional, se o usuário é

externo ou interno à organização de inteligência, ou se as referidas partes

possuem uma compreensão do assunto a ser identificado em níveis muito

diferentes de profundidade, dificultando ou facilitando o diálogo.

38 Conforme abordado neste documento, a comunidade de inteligência de Estado dos EUA atualmente encontra-se incumbida de um grande projeto envolvendo a partilha de informações, bem como a rapidez no acesso às mesma.

Page 126: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

126

3.8.7. Valor agregado

Também sob o prisma das necessidades do cliente, Choo (2003, p.78)

argumenta que existe uma cadeia de valor dos produtos informacionais, que

são agrupados em seis categorias conceituais, a partir de produtos e serviços

informacionais:

Page 127: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

127

Critérios do utilizador

Valores acrescentados Características e exemplos de valores acrescentados.

Folhear Índice dos materiais Formatação Mapas e catalogações

Interface Ajuda na utilização do serviço, mediante interface amigável e tópicos de ajuda.

Ordenação

Agrupamento da informação por assunto, data, etc.

Facilidade de utilização

Acesso físico Entrega de documentos impressos, para fácil leitura.

Acesso intelectual

Indexação, permitindo a recuperação do tema procurado. Sistema de gestão de bases de dados, facilitando o acesso.

Ligação

Referência a outra informação relacionada.

Precisão

Ordenação dos temas. Descrição detalhada de elementos

Redução de ruído

Seletividade Entrada de informação seletiva

Exatidão Transmissão isenta de erros

Abrangência Cobertura exaustiva

Atualidade

Informação recente Vocabulário de acesso reflete uso corrente

Credibilidade

Confiança na qualidade constante do serviço

Qualidade

Validade Solidez dos dados fornecidos

Proximidade em relação ao problema

Sensível as necessidades específicas de pessoa/problema

Flexibilidade

Múltiplas possibilidades de manipulação dos dados

Simplicidade

Os dados mais transparentes e relevantes são selecionados para apresentação

Adaptabilidade

Estímulo Atividades que realçam o perfil do serviço

Redução de tempo

Velocidade de resposta

Redução de custos

Redução de gastos para os usuários.

Tabela 7. Valores agregados em produtos e serviços de informação. Fonte: Adaptação de Choo; 2003.

Page 128: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

128

Ainda, segundo o autor (2003, p.79), as referidas categorias teriam os

seguintes papéis:

a. Facilidade de utilização. Envolve a diminuição do grau de

dificuldade para manipulação de um produto ou serviço

informacional, mediante instrumentos que facilitem o uso do

produto, tais como índices de assuntos, formato adequado ao

usuário, facilidade de acesso ao documento e disponibilização do

mesmo em suportes físicos digitais e analógicos. Quanto mais fácil

é para o cliente ter acesso ao conteúdo informativo, rompendo a

embalagem do produto, mais o referido produto possui valor

agregado neste quesito.

b. Redução de ruído. Refere-se à eliminação de informação

irrelevante ao usuário, tendo o foco nas necessidades

informacionais deste. É importante também que o resultado da

análise seja corretamente indexado, permitindo o acesso

informacional do usuário, bem como indicando outras fontes de

referencia, à medida que o cliente tenha interesse em pesquisas

sobre temas correlatos. Quanto mais o produto da análise for

focado nos interesses demandados do tomador de decisão,

impedindo que o mesmo se perca em temas não relevantes, mais

se agrega qualidade ao citado material.

c. Qualidade. Este quesito relaciona-se a “excelência geral do

produto” (2003, p.79), incluindo a ausência de erros, mediante a

exatidão, pelo grau de profundidade temática, correspondente às

expectativas do usuário, pela busca do estado da arte do tema em

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129

análise, de forma a que propicie atualidade. Outra abordagem

relevante é o fornecimento de informações que demonstrem a

solidez dos dados coletados, permitindo que o cliente veja o

produto de inteligência com credibilidade e consequentemente

possa utilizar o mesmo com segurança.

d. Adaptabilidade. Vincula-se às condições que o produto de

inteligência tem de “responder as necessidades e circunstâncias

dos utilizadores nos seus ambientes de trabalho” (2003, p.79). Ou

seja, o resultado do processo analítico deve ser conseqüência do

atendimento dos requerimentos iniciais do cliente, bem como da

tentativa de responder de forma dinâmica a realidade mutável, pois,

a mesma quando se altera, já que o mundo tende a ser dinâmico,

modifica como conseqüência, várias das solicitações apresentadas

originariamente, quando do início do ciclo de inteligência. Além de

acompanhar a conjuntura do assunto em pesquisa, outro elemento

fundamental é a constante interação com o tomador de decisões,

de forma a precisar com o mesmo as alterações de demandas

informacionais.

e. Redução de tempo e custos. Envolve basicamente a rápida

resposta dos requerimentos do usuário e na tentativa de mensurar

os recursos economizados a partir do emprego da inteligência

fornecida.

Cabe observar que uma importante contribuição da I.C. para com os

demais ramos de inteligência, é a constante preocupação em se tentar

identificar o grau de empregabilidade da inteligência fornecida ao usuário.

Page 130: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

130

3.9. Formação do profissional de inteligência

Ao se observar a formação do profissional de inteligência, sob o prisma

da busca das similaridades e diferenças entre a inteligência de Estado, policial

e I.C., constata-se que existem diferenças entre as etapas de coleta e análise,

que necessitarão de profissionais com habilidades diferentes. Enquanto o

coletor terá características únicas, de acordo com o ramo de coleta em que

esteja envolvido, o analista tende a ser um profissional intercambiável entre as

agências ou mesmo os diversos tipos de inteligência.

3.9.1. Formação do coletor

Observa-se que o coletor de informações de inteligência tende a ser um

especialista, dominando os recursos específicos utilizados para determinado

tipo de coleta. Cabe observar que tais mecanismos de coleta, muitas vezes

restritos ao governo (KRIZAN, 1999, p.23), tendem a ter características únicas.

Tomemos como exemplo destas especificidades de coleta as agências

de inteligência de Estado, como a norte-americana NSA e sua congênere

britânica a GCHK, que têm como função interceptar as telecomunicações do

mundo todo, e da NRO, que coleta imagens de satélites de todo o globo,

formando coleções de dados para utilização das forças armadas e dos

analistas de inteligência nos EUA. Tais agências utilizam métodos singulares,

com aplicação intensiva de alta tecnologia, grande investimento financeiro e,

sobretudo, com barreiras para terceiros mediante limitações legais para que

outras organizações, que não o Estado, possam efetuar este tipo de coleta.

Possivelmente as características de coleta de inteligência nessas

agências somente encontrem similaridade em outras organizações congêneres

existentes em outros países. Mesmo as agências de inteligência que trabalham

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131

com coleta humana, como a CIA, a ABIN ou o Mossad39, no âmbito externo, ou

as agências de segurança interna e policial, como o FBI ou a Polícia Federal,

exigem uma série de competências por parte de seus operadores, que além de

muito específicas, são ilegais quando executadas por terceiros.

[...] a coleta de informações exige outro tipo de habilidades que, em boa parte, dependem da forma como a informação vai ser buscada: no exterior, ou no próprio país, através do exame de documentos, de entrevistas pessoais, por infiltração nos órgãos ou grupos a serem investigados, através de informantes, do interrogatório de presos, de maneira ostensiva ou encoberta, etc. A definição das qualificações dos coletores de informações será dada em função das necessidades identificadas. Cursos específicos – que incluirão inclusive técnicas relativas aos métodos que serão utilizados pelos coletores e prática de equipamentos disponíveis para a coleta de informações – são indispensáveis. É importante que os selecionados conheçam os parâmetros éticos fixados pela agência para a sua atuação. (VIDIGAL, 2004, p.34).

Neste sentido, evidencia-se a existência de significativas diferenças na

atividade de coleta de inteligência de Estado e policial para com a inteligência

competitiva, tendo em vista as especificidades daquela destinada a inteligência

de Estado.

Contudo, cabe ressaltar que se as diferenças processuais são muitas,

sob o ponto de vista da diversidade dos instrumentos de coleta permitidos aos

governos. Sob o viés da usabilidade de tais mecanismos, a proximidade entre a

I.C. e a inteligência de Estado irá aumentar em um futuro próximo. Atualmente

as informações disponíveis a todo o público, denominadas fontes abertas, e

matéria prima básica de I.C., estão ocupando um grande espaço na coleta de

inteligência governamental, existindo uma dinâmica por parte das organizações

de inteligência governamental em ampliar a coleta de fontes abertas e

maximizar sua utilização a partir, inclusive, do exemplo que oferecem as

técnicas de coleta utilizadas em I.C.

39 O Mossad, é a agencia de espionagem e contra-terrorismo do governo de Israel, sendo conhecida como uma das agências de humint mais bem sucedidas no campo da inteligência governamental.

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132

Uma expressão da tendência do aumento da utilização das fontes

abertas é a recomendação, por parte comissão de investigação das falhas que

ocasionaram os atentados de 11 de setembro nos EUA (2005, p.377), para que

o governo norte-americano crie um diretório dentro da CIA, cuja tarefa

específica será a coleção de fontes abertas. Ao considerarmos que já existe

nos EUA uma agência exclusivamente para tal fim, a FBIS, a criação de mais

um serviço nesta área constitui uma evidente indicação da relevância que as

informações oriundas das citadas fontes abertas vem adquirindo em tempos de

sociedade da informação, Internet e Google.

À medida que prospere essa tendência, certamente existirá um

movimento de convergência entre os atributos necessários a um coletor de I.C,

em relação aos profissionais de coleta pertencentes às organizações oficiais,

aproximando ainda mais tais perfis.

3.9.2. Formação do analista

No tocante à atividade de análise, percebe-se uma grande similaridade

entre a inteligência de Estado e policial e a inteligência competitiva. Conforme

observamos no decorrer deste trabalho, quase todas as técnicas empregadas

no momento da análise são comuns aos diversos tipos de inteligência, sendo

que parte considerável dos meios empregados pelos órgãos de Estado, tem

sua origem nas universidades e no ambiente empresarial.

Constata-se ainda, que o analista de inteligência assemelha-se a um

pesquisador (HERMAN, 1996, p.100) especializado em determinadas áreas do

conhecimento, tais como história ou geopolítica. Para o analista importa pouco,

sob o prisma técnico, se os dados com que trabalha foram obtidos mediante a

chantagem de informantes, a interceptação de uma mensagem eletrônica ou

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133

mesmo o simples acesso a um banco de dados. As características profissionais

que permanecem fundamentais são: compreensão a fundo do tema em estudo,

conhecimento de várias técnicas de análise, bem como o manuseio de

ferramentas tecnológicas e o domínio de línguas estrangeiras. De acordo com

o que argumenta Vidigal (2004, p.33):

Sem dúvida, o analista de informações é o que exige a maior gama de conhecimentos para o exercício de sua tarefa. Conhecimentos de ciência política, sociologia, psicologia, história, etc – em síntese, uma sólida cultura geral – parecem requisitos indispensáveis. É necessário aliar uma grande capacidade de leitura à reflexão. O analista, na grande maioria das vezes, não é formado pelos Órgãos de Inteligência; ele é recrutado já com as qualificações essenciais, só necessitando ser orientado paras as peculiaridades do Serviço de Inteligência e sobre os parâmetros estabelecidos pela Política Nacional de Inteligência.

Em assim sendo, o analista pode ser considerado como um profissional

de amplo emprego, podendo adaptar-se às especificidades do Estado, das

polícias ou das organizações privadas. Corrobora com esta abordagem o

processo de formação de analistas desenvolvido pelas universidades norte-

americanas, em que se prepara um profissional generalista. Um exemplo é o

curso de graduação em análise de inteligência, desenvolvido pela Mercy Hurst

College: institute for intelligence studies40, cuja abordagem curricular trabalha

disciplinas de inteligência clássica, tais como: a história da atividade de

inteligência americana, teoria política, geopolítica, segurança nacional, e

terrorismo, com matérias de cunho técnico como: introdução à pesquisa e

análise, investigação financeira e macroeconomia, juntamente com temas de

I.C., tais como: inteligência competitiva e inteligência competitiva avançada.

40 O curso denomina-se: research/ intelligence analyst program, e visa atender a analistas de inteligência governamental bem como empresas privadas, tendo como foco a segurança nacional, inteligência policial, combate ao terrorismo e inteligência competitiva. Mais informações no endereço: http://www.mciis.org.

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134

Todavia, embora em uma realidade distinta da americana, no Brasil

também se detectam exemplos no âmbito da formação profissional,

demonstrando o entrançamento entre I.C. e a inteligência clássica e policial,

como é o caso do curso de especialização em inteligência de Estado e

inteligência de segurança pública, ofertado pela Fundação Escola Superior do

Ministério Público de Minas Gerais – FESMP/MG41, onde o primeiro tópico

estudado aborda a inteligência clássica, a produção do conhecimento e a

inteligência competitiva.

No entanto, não somente as universidades privadas americanas ou

brasileiras têm incluído a I.C. em sua grade curricular. As próprias

organizações de inteligência de Estado o têm feito. No caso da CIA42, a

formação de seus analistas envolve também o estudo de inteligência

competitiva (DAVIS, 200?, p.09), como uma das disciplinas obrigatórias.

Outro movimento por parte do governo americano tem sido o de

desenvolver análises comparativas (KRIZAN, 1999), visando obter as melhores

práticas desenvolvidas em I.C., com a finalidade de aperfeiçoar a formação de

seus analistas de inteligência.

Como exposto, percebe-se que existe uma convergência de perfis

profissionais entre o analista de Estado e o analista oriundo da I.C., em que a

formação dos mesmos, resguardando-se as especificidades de cada atividade,

caminha em um mesmo sentido. Tal convergência tende a propiciar um amplo

grau de sinergia, que tem permitido o avanço da atividade de análise,

41 Informações adicionais são encontradas no endereço: http://www.fesmpmg.org.br/curso_inteligencia.htm. 42 A Herman Kant School for Intelligence Analysis (DAVIS, 200?, p.09), é o órgão formador dos analistas de inteligência da Central Intelligence Agency – CIA

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135

sobretudo quanto à diversificação de técnicas utilizadas com este fim, como

observamos ao longo deste trabalho.

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136

CAPITULO IV

Conclusão

[…] the process of intelligence is easy; good intelligence is hard43.

Mark M. Lowenthal44.

Mediante análise desenvolvida neste trabalho, percebe-se que a I.C. e a

inteligência de Estado têm apresentado uma série de contribuições técnicas à

inteligência de segurança e policial, proporcionando variadas práticas úteis à

atividade de combate ao crime organizado no Brasil.

Em um momento de transformações institucionais, em que está posta a

necessidade da alteração do paradigma acerca dos objetivos da inteligência

policial, a utilização de novas técnicas representa a chance de se

instrumentalizar um novo fazer policial. Se o primeiro grande desafio posto é a

mudança de foco da atividade de inteligência de segurança e policial, migrando

do acompanhamento de movimentos sociais e de adversários políticos dos

governantes, para o combate às organizações criminosas que lesam o Estado

e a sociedade, sem dúvida alguma o segundo desafio é a instrumentalização

43 O processo de inteligência é fácil, boa inteligência é difícil. (Tradução nossa). 44 Extraído de: Bringing intelligence about: practitioners reflect on best practices. Washington: Joint Military Intelligence College. 2003.

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137

técnica para fazê-lo. Não basta o simples desejo de combater o crime

organizado, uma vez que não se tenha o emprego de meios efetivos para

transformar as aspirações em realidade. Neste sentido, tão desafiador quanto

mudar os propósitos institucionais é criar instrumentos para lidar com desafios

nunca dantes enfrentados.

De fato, pela primeira vez na história do Brasil, estão sendo efetuadas

operações de combate ao crime organizado, a partir da Polícia Federal, em que

juízes, policiais e políticos corruptos, bem como empresários criminosos, estão

sendo afetados diretamente. Tais organizações possuem mecanismos

sofisticados para burlar o controle do Estado, a exemplo da lavagem de

dinheiro, da participação de funcionários públicos corruptos, do grande poder

econômico, do emprego de ameaças, da transposição das fronteiras nacionais,

dentre outros quesitos. Neste sentido, o aprendizado de novas técnicas de

inteligência, oriundas da inteligência governamental de outros países ou das

organizações, a partir da I.C., representa um passo primordial na consolidação

dos novos rumos de combate ao crime organizado no Brasil.

Como observa-se, diversas são as contribuições feitas ao estado da arte

no terreno da inteligência, a partir de agências de Estado, ou das organizações

privadas e universidades. Tais ferramentas, métodos e processos, se

absorvidos pelo Estado, significam a concretização de um novo momento na

conjuntura brasileira de avanço na construção da democracia. Em consonância

com isso, apresentaremos a seguir um conjunto de contribuições, alicerçadas

no decorrer desta monografia, visando indicar alguns pontos de aprendizado,

dentre vários possíveis, que permitam ao Estado fortalecer seus procedimentos

técnicos de combate às organizações criminosas.

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138

4.1. Contribuições à inteligência policial

Nesta direção apresentaremos a seguir um conjunto de contribuições

processuais e metodológicas:

4.1.1. Utilização intensiva do processamento e da análise de informação

Ao contrário das organizações de Estado, ou da I.C., as instituições

responsáveis pela inteligência policial no Brasil tendem a subutilizar o momento

do processamento e análise de informações, deixando de maximizar sua ação,

uma vez que uma parcela significativa do que é coletado tende a não ser

aproveitada.

Com a proliferação de recursos de tecnologia da informação, além das

várias disciplinas de coleta permitidas ao Estado, tende-se a obter um volume

significativo de dados, contudo os mesmos não são processados

adequadamente e consequentemente não chegam sequer a serem analisados

e inseridos em um contexto mais amplo.

Contudo, por outro viés, percebe-se um grande enfoque das

organizações de inteligência estatais americanas quanto à necessidade de

investir e aprimorar o processo de análise, observando-se a mesma ação em

I.C. De acordo com o que observa Carter (2004):

Pieces of information gathered through the collection process are not intelligence. Rather, intelligence is the knowledge derived from the logical integration and assessment of that information and is sufficiently robust to enable law enforcement to draw conclusions related to particular crime45. (2004, p.63).

45 Pedaços de informações obtidas através do processo de coleta não se constituem como inteligência. Mais, inteligência é o conhecimento derivado da integração lógica e avaliação da informação e é suficientemente robusta para habilitar as organizações policiais a chegar a conclusões a respeito de determinado crime. (Tradução nossa).

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139

Consequentemente, sob o olhar do autor não se pode considerar

inteligência a simples coleta de fragmentos de dados, sem que exista a junção

desses em uma coleção informacional, que mediante o processo analítico

venha a produzir um sentido mais amplo, possibilitando a identificação de

padrões de ocorrências, características organizacionais, processos e

indivíduos, que de forma isolada passariam despercebidos. Em suma, a visão

oficial do governo dos EUA acredita que “the key factor that transforms

information to intelligence is analysis46” (CARTER, 2004, p.57), não se

caracterizando como atividade de inteligência a simples coleta de dados e

informações.

Outra expressão da importância da atividade de análise dentro das

organizações de inteligência de Estado norte americanas é a ênfase no

incremento a esta atividade, sendo determinado como a maior prioridade do

Diretor Nacional de Inteligência, dentre as várias medidas de reestruturação

recomendadas pela Comissão de avaliação de capacidades dos Estados

Unidos obstruírem a utilização de armas de destruição de massa (2005, p.388).

Além disso, a CIA, principal agência de humint americana, possui um Diretório

específico para análise em sua estrutura, cuja única função é analisar as

informações obtidas por outros órgãos de inteligência, bem como por seu

diretório de operações. No caso do FBI, o mesmo, além de catalisar a doutrina

de análise de inteligência nas demais agências policiais americanas,

empregando-a intensivamente no combate ao crime organizado, está

aumentando ainda mais o enfoque nesta atividade, criando um setor de análise

46 O fator chave que transforma informação em inteligência é o processo de análise. (Tradução nossa).

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140

estratégica, no diretório de inteligência, bem como novas posições de analistas

nos grupos de investigações de campo (2004, p.454).

No tocante à inteligência competitiva, a mesma relevância se observa

em relação ao papel da análise, haja visto inclusive o volume de técnicas

abordadas neste trabalho oriundas de I.C. relativas ao tema em questão. A

bem da verdade, como as organizações privadas são pautadas por um

ambiente extremamente competitivo, em que a existência organizacional

depende da capacidade de “[...] decifrar as forças e dinâmicas no meio

ambiente externo que moldam o futuro e que leiam o seu impacto na

organização” (CHOO, 2003, p.299), o ciclo de inteligência como um todo e o

processo analítico em particular são elementos basilares para a identificação

de características presentes, bem como de tendências futuras. Cabe observar

que o investimento de I.C. nas ferramentas de análise também pode ser

explicado pelo aumento exponencial de informações disponíveis em diversos

formatos de domínio público, e que a coleta sem a sistematização e avaliação

pode transformar imensas coleções de dados em simples amontoados de

símbolos alfanuméricos, uma vez que a existência da informação depende da

interação humana, e o conhecimento útil à organização irá, em boa medida

depender da capacidade analítica desta. Um bom exemplo do investimento das

organizações privadas em processamento de informações e inteligência

organizacional são os sistemas de armazéns de dados, abordados neste

trabalho, que portam um imenso volume de dados da organização para o

ambiente analítico.

Como se constata, um dos grandes passos que as organizações de

inteligência policial brasileiras devem dar é o investimento massivo em análise

Page 141: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

141

de inteligência. Não basta criar mecanismos para coletar e armazenar

informações, ou mesmo compartilhar as mesmas, se não existir um ambiente

organizacional propício para que as informações possam de fato ser utilizadas,

gerando produtos que permitam combater organizações criminosas existentes,

ameaças externas à segurança nacional, além de instrumentalizar os gestores

do Estado com mecanismos para prevenir a ocorrência criminosa.

4.1.2. Sinergia no desenvolvimento e utilização de técnicas de análise

É premente a necessidade de interagir com outros setores de

inteligência, bem como com as organizações privadas e a universidade, de

forma a sempre desenvolver o estado da arte no terreno das técnicas de

análise.

Quando observamos as técnicas de inteligência empregadas atualmente

nos Estados Unidos, na Inglaterra, ou mesmo no Brasil, constata-se que existe

uma forte convergência de práticas entre I.C. e inteligência clássica,

principalmente em relação à análise, em que por vezes torna-se difícil

identificar qual área deu origem à determinada prática e onde ela se

desenvolveu.

Tomando como exemplo o desenvolvimento de cenários, o mesmo,

como já vimos, é um conceito elaborado pela RAND Corporation em meados

da década de 1950, sendo originalmente considerado um produto de

inteligência de Estado, relacionado ao relatório especulativo-evolutivo ou de

estimativa. No entanto, a utilização de tais cenários pelo próprio Estado foi

fortemente influenciada pela experiência bem sucedida da Shell, cujo nicho

mercadológico é o petróleo, e que mediante o emprego bem sucedido de

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142

cenários conseguiu antecipar a cartelização dos preços na década de 1970,

com o decorrente aumento do valor do barril, bem como prever a crise na

cotação do produto durante a década de 1980. A partir da experiência da Shell

e de outras empresas, o uso de cenários se popularizou em diversas

organizações, inclusive no Governo, que lhe deu origem.

Mais uma prática que evidencia a sinergia entre I.C. e a inteligência

governamental são as técnicas de benchmark, cuja origem remonta ao meio

empresarial, mas que, entretanto tornou-se amplamente empregada na análise

de inteligência de Estado e de segurança, como instrumento de comparação da

evolução das tecnologias de armamentos ou a mensuração do estágio de

desenvolvimento de organizações criminosas.

Esse processo interativo entre o ambiente acadêmico, empresarial e

governamental, no segmento de inteligência, mais do que propiciado a cópia de

experiências bem sucedidas, tem permitido o surgimento de sinergias em

processos, como o caso das citadas técnicas de cenários ou de benchmark,

que trazem como saldo uma evolução de qualidade e não apenas de

quantidade, em que o resultado obtido representa mais do que a mera soma

das partes. Em seu bojo, esse processo de intercâmbio tem acelerado ainda

mais a evolução do saber nesta área de conhecimento.

Podemos concluir, portanto, que a exemplo da CIA, ou de diversas

instituições acadêmicas que formam analistas de inteligência, conhecer e

interagir com a I.C. não somente é importante como pode ser caracterizado

como fundamental para o desenvolvimento da atividade de inteligência. Aliás,

ambos os segmentos, Estado e I.C., necessitam do aprendizado comum.

Page 143: 2 Novos Paradigmas Para a Inteligencia Policial

143

4.1.3. Dinamismo no funcionamento e influência nas decisões

Observando as organizações que utilizam a I.C. para galgar posições

nas acirradas disputas de mercado, as instituições de inteligência policial têm

que ganhar agilidade nas respostas ao cliente, bem como credibilidade ao fazê-

lo.

Em consonância com a afirmação acima, a I.C. possibilita um outro tipo

de aprendizado de práticas relevantes para o campo estatal, que é o trabalho

em equipe e a fluidez de processos. Ao contrário das grandes organizações de

inteligência do governo, com estrutura e culturas extremamente hierárquicas,

em que os indivíduos são extremamente ciosos de sua posição funcional e

exigem o cumprimento de uma série de protocolos e processos, as equipes de

trabalho de I.C. se beneficiam de seu tamanho reduzido e da cultura das

organizações privadas, geralmente voltadas para o lucro. É mais fácil para um

analista de I.C. ter acesso ao processo decisório em uma empresa e

recomendar um curso de ação, do que o seu congênere dentro do Estado. Tal

diferença provavelmente é devida a um conjunto de fatores tais como: a cultura

vigente em várias empresas de pragmaticamente premiar idéias que dêem

retorno financeiro; a agilidade das pequenas equipes de I.C. em aproveitar

oportunidades, e a experiência operacional, comum a muitos profissionais da

inteligência competitiva, o que se traduz em experiência e, sobretudo

credibilidade para emitir opiniões/sugestões. Conforme ilustra Clark (2004,

p.06), é pouco provável que um analista da CIA tenha suficiente autoridade

profissional para orientar um general a mover seus batalhões para uma dada

posição ou a uma secretaria de Estado que ordene a seu embaixador o

estabelecimento de relações diplomáticas com rebeldes de Botswana. No

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144

entanto, muitas oportunidades são perdidas e tragédias acontecem devido a

essas dificuldades.

O exemplo de I.C. indica: a utilização de pequenas equipes

multidisciplinares, a necessidade de experiência operacional por parte dos

analistas e a necessidade de acesso imediato aos níveis decisórios sem muitos

elos de intermediação.

4.1.4. Maximização do uso de fontes abertas de informação

Em relação à coleta de informações, em que a I.C. possui uma série de

limitações legais de acesso a dados se comparada às instituições

governamentais, também existe um potencial de aprendizado para os órgãos

estatais. Quando se considera que o ambiente de coleta de inteligência

competitiva é restrito as fontes abertas, e que as empresas e organizações

sobrevivem e praticam inteligência, podemos supor que a utilização de tais

fontes vem sendo maximizada.

Cabe observar, conforme anteriormente abordado, que já existe um

movimento por parte do Estado em aumentar a coleta nas referidas fontes,

dado o volume de informações disponíveis ao público, sejam pagas ou

gratuitas.

Considerando-se que a I.C. se desenvolve e sobrevive a partir da

utilização cotidiana de tais instrumentos, presume-se que o estudo detalhado

de sua obtenção e utilização possa significar o aprendizado de novos

processos para o Estado, de maneira a utilizarem-se adequadamente tais

mecanismos, que tendem a ser subutilizados, tendo em vista a diversidade de

fontes que a inteligência policial dispõe.

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145

4.1.5. Controle de qualidade na coleta e análise

Um aspecto extremamente relevante à atividade de inteligência policial é

a qualidade dos dados obtidos e dos relatórios disponibilizados. Como

discutido anteriormente, uma peculiaridade dessa referida atividade é a de que

as informações produzidas além de informarem o cliente, na maioria das vezes

são utilizadas como meios de prova.

Dentro desta perspectiva, vimos alguns mecanismos utilizados pelas

instituições de inteligência clássica e competitiva como meio de garantia de

qualidade no produto final. Tais como, no momento da coleta, a classificação

de fontes de informação, em primárias, secundárias e terciárias, e a doutrina de

análise, que estabelece uma série de quesitos validando os relatórios de

inteligência antes de remetê-lo ao cliente, tais como, foco nas necessidades do

tomador de decisão, atuação impessoalizada e apartidária, rigor intelectual,

esforço consciente para evitar influências no processo de análise, abertura

para outras avaliações, utilização sistemática de especialistas externos,

responsabilidade coletiva pelas avaliações, comunicação clara e efetiva das

análises e julgamentos, honestidade na admissão dos desacertos e os quesitos

de antecipação, tempestividade, precisão, objetividade, usabilidade, relevância,

completeza.

Apesar de a inteligência policial ter técnicas para auferir qualidade a

seus produtos, os instrumentos utilizados em inteligência clássica e competitiva

representam um acréscimo bem vindo, que deve ser utilizado.

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146

4.1.6. Gestão dos recursos informacionais

Utilizando-se intensivamente dos recursos e conceitos de gestão da

informação, as organizações de inteligência policial podem maximizar a

utilização das coleções de informações que possuem.

Um dos grandes desafios das organizações de inteligência de Estado é

a gestão das coleções de informações que são obtidas pelos diversos meios

técnicos de coleta. Considerando-se o grande volume de dados, a questão de

como geri-los torna-se essencial, uma vez que estes tendem a aumentar

exponencialmente. Cabe notar que a capacidade das organizações de

inteligência em produzir boas análises, sobretudo de longo prazo, relaciona-se

diretamente a qualidade da coleção disponível. No momento em que inexistam

coleções organizadas, inexistem informações acessíveis, e, portanto,

objetivamente é o mesmo que não se possuir a referida informação.

A complexidade do problema é demonstrada pelo relatório do governo

dos EUA, a partir do citado diagnóstico da Comissão de avaliação de

capacidades dos Estados Unidos obstruírem a utilização de armas de

destruição de massa (2005), acerca das falhas dos serviços de inteligência que

propiciaram o ataque terrorista de 11 de setembro de 200147. No citado ataque

já existiam no sistema de informações dos órgãos de inteligência americano,

principalmente a CIA e o FBI, várias pistas desconexas, mas que em conjunto

demonstrariam claramente a intenção e o tipo de ataque. Contudo, como tais

informações se encontravam dispersas em vários sistemas, com várias mídias,

e diversos mecanismos de organização e recuperação, mesmo existindo

fisicamente, não estava disponível aos tomadores de decisão no momento 47 No referido ataque, imputado à rede terrorista Al Qaeda, três aviões comerciais foram atirados contra prédios americanos, no caso as duas torres do World Trade Center e o prédio do pentágono, provocando a morte de aproximadamente três mil pessoas.

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147

oportuno. Se ponderarmos que inteligência se caracteriza pela disponibilização

de informação acionável, portanto utilizável, verificamos que as referidas

informações não se tornaram acionáveis a tempo, o que demonstrou

claramente as falhas no sistema de inteligência americano no tocante à

gerência da informação coletada. Como aprendizado, as agências de

inteligência dos EUA estão desenvolvendo um ambicioso programa de

integração de dados e plataformas tecnológicas, de forma a padronizar os

mecanismos de organização e disponibilização das informações coletadas.

Em relação à inteligência policial no Brasil, mais importante ainda são a

adoção de tais medidas, uma vez que os sistemas de informações de

inteligência brasileiros são totalmente fragmentados e desconexos,

impossibilitando uma mínima integração de dados e informações que o Estado

tenha armazenado.

Novamente a experiência oriunda de I.C. pode ser apresentada como

uma alternativa. A partir da utilização das técnicas de gestão da informação,

como várias organizações já o fazem cotidianamente, e de acordo com o

demonstrado em tópico específico desta monografia, se pode maximizar a

organização da informação bem como a disponibilização da mesma para

análise e para os tomadores de decisões.

4.1.7. Sistema de gestão do conhecimento

Outra lacuna dos órgãos estatais de inteligência diz respeito ao emprego

de técnicas para gerir o conhecimento disponível dentro da organização. Uma

das grandes dificuldades consiste em transformar o conhecimento tácito, ou

seja, o conhecimento adquirido com a experiência cotidiana, em conhecimento

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148

explícito, seja este escrito ou verbalizado, de maneira que o mesmo possa ser

compartilhado e conseqüentemente utilizado por outrem.

Um exemplo das deficiências dos organismos de inteligência policial

neste quesito é o desenvolvimento e gestão de contatos. É comum que um

indivíduo possua uma série de relacionamentos pessoais, desenvolvidos ao

longo da vida profissional, a partir do órgão em que trabalha. Contudo, uma vez

que tais relacionamentos não são incorporados ao patrimônio informacional da

organização, tendem a se perder com o afastamento, transferência ou

aposentadoria do referido funcionário.

Mais uma demonstração da necessidade de gerir o conhecimento se dá

com o aprendizado de tarefas que envolvam a experiência cotidiana de

profissionais. Muitas vezes um analista de inteligência desenvolve um conjunto

de procedimentos e metodologias próprias para chegar a algumas conclusões

analíticas. Tais procedimentos surgiram a partir da necessidade de resolver

problemas no dia a dia, que até poderiam ter sido enfrentados anteriormente

por outro analista, mas uma vez que não foram explicitados foram perdidos

para a organização. Esse analista possui um valioso conjunto de informações

pessoais, contudo, se tais informações não forem explicitadas para os demais

analistas, tendem a se perder, do ponto de vista organizacional. Uma

passagem do projeto segurança pública para o Brasil (2002), bem ilustra esse

problema:

É verdade, os policiais sabem muito, sobretudo os mais experientes, tanto os investigadores da Polícia Civil, quanto os policiais militares, responsáveis pelo policiamento ostensivo. Entretanto, o que eles sabem está guardado em suas consciências e em suas memórias individuais. Quer dizer, todo esse patrimônio de conhecimentos está disperso e permanece inacessível. ( 2002, p.27)

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149

Existe uma série de iniciativas por parte de instituições de administração

pública federais, direta e indireta, em implantar modelos de gestão do

conhecimento (BATISTA, 2004, 2005), a exemplo das iniciativas do Ministério

da Justiça. Entretanto a atividade de inteligência se ressente de um projeto

direcionado aos setores que trabalham desenvolvendo operações de

inteligência, em particular a inteligência policial, tendo em vista as

características específicas de tais processos, como é o caso do sigilo.

4.1.8. Análise de estimativas e cenários futuros

Faz-se necessário que a inteligência policial diversifique e amplie os

produtos de inteligência que fornece, a exemplo das organizações de

inteligência de Estado, como a CIA, de forma a atender várias especificidades

informacionais que atualmente se encontram preteridas.

Um exemplo relevante se dá a partir da inteligência de Estado, em que

diversos produtos informacionais são elaborados. São disponibilizados

resumos correntes de conjuntura, relatórios temáticos aprofundados, alertas

antecipados e análises de estimativas, estando contido nestas últimas a

elaboração de cenários.

Tal diversidade permite ao tomador de decisão um conjunto de

instrumentos bastante diversificado que lhe assessoram. Contudo, no tocante à

inteligência policial, não existe ainda uma disponibilização desta variedade de

produtos para os indivíduos que estão ocupando postos de direção.

Na conjuntura atual são produzidos relatórios temáticos, cujo assunto é

a organização criminosa em questão, objetivando subsidiar as operações de

inteligência policial. Também são confeccionados relatórios diários sobre os

principais acontecimentos criminais no país, informando aos gestores o que

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150

acontece do cotidiano. Todavia, os produtos envolvendo análise de estimativas,

que no terreno da análise policial relacionam-se à criminologia, não são

elaborados periodicamente, sendo desenvolvidos, quando o são, muitas vezes

por iniciativa de pequenas equipes e não como demanda institucional.

A ausência de cenários e estimativas relativas ao crime organizado,

sobretudo no âmbito federal, dificulta o planejamento governamental tático e

estratégico, atrapalhando a elaboração de políticas públicas de médio e longo

prazo voltadas para a área. Cabe ponderar que os recursos públicos são

escassos, e a correta aplicação destes em ações que tenham maior

probabilidade de resultados satisfatórios pode fazer uma significativa diferença

para a sociedade. De acordo com Sherman (2003, p.244):

Um chefe de polícia, como um médico chefe estaria muito mais preocupado com as análises do crime, especialmente as cadeias de causalidade e tendências epidemiológicas emergentes. Um chefe de controle do crime atacaria tais cadeias de causalidade onde houvesse um ponto vulnerável.

Tal visão do autor corrobora a necessidade de focar a ação do Estado

em ações centrais, no caso as cadeias de causalidade, mediante a análise de

tendências, de forma a não dispersar o emprego de recursos orçamentários.

Contudo, a prevenção do cometimento de crimes torna-se uma atividade

praticamente impossível, uma vez que não se conte com a elaboração de

padrões de ocorrências, permitindo a indicação de regiões onde as incidências

sejam elevadas, bem como o tipo de delito praticado, de forma que as

instituições de segurança pública responsáveis possam tomar medidas

preventivas. Um relato interessante sobre a utilização de estimativas de

ocorrência criminosa vem da polícia de Minneapolis, EUA, onde se descobriu

em 1986, mediante a análise de 323 mil chamados, que “um pequeno número

de lugares produziu a maior parte dos crimes da cidade” (SHERMAN, 2003,

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151

p.196). No caso, apenas 3% dos locais produziram 50% das demandas para a

polícia. Além disso, se descobriu também que 5% dos endereços da cidade

provocaram 100% dos chamados para crimes de autoria desconhecida. Em

decorrência desse tipo de análise de estimativas, em que se pode tentar

antever os fenômenos futuros a partir da análise do passado, o Estado

maximiza sua ação intervindo onde interessa. Certamente, constatações

análogas podem ser feitas a crimes contra o Estado, como o desvio de verbas

públicas.

Neste sentido, a produção de estimativas sobre a ação e evolução de

grupos organizados que atuam desviando recursos públicos, traficando drogas,

armas e seres humanos, ou mesmo assaltando bancos, pode significar a

possibilidade de o Estado agir antes do cometimento do dano, que muitas

vezes pode ser irreversível.

4.1.9. Construção de um sistema de alerta antecipado

Outro serviço informacional característico da inteligência de Estado e da

I.C., mas ausente da produção de inteligência policial brasileira, é a confecção

de alertas, antecipando ameaças à sociedade e à segurança nacional.

Ao longo do tempo, são muitos os exemplos históricos das

conseqüências de falhas de um sistema de alerta antecipado, no tocante à

segurança nacional, como é o caso do ataque terrorista de 11 de setembro de

2001, em que não se conseguiu impedir a colisão de três aviões contra prédios

americanos, ou mesmo do ataque surpresa japonês a base americana de Pearl

Harbor em 1941, provocando a entrada dos EUA na segunda guerra mundial.

Da mesma forma existem exemplos históricos do emprego positivo do

alerta antecipado, que impediram sérios ataques à segurança nacional, como

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152

foi o caso da identificação dos mísseis de longo alcance soviéticos instalados

em Cuba, com vistas a possíveis ataques aos Estados Unidos.

Em um mundo globalizado e interconectado, repleto de conflitos globais,

a necessidade de se identificar oportunidades e ameaças é uma tarefa

fundamental dos organismos responsáveis pela segurança do Estado ou pela

sobrevivência de uma determinada empresa. As ameaças são múltiplas,

podendo ser econômicas, militares, sociais, tecnológicas ou políticas, bem

como em nível tático, em que ocorrem ações imediatas, como um atentado ou

estratégicas, em que ações atuais significarão ameaças futuras (DAVIS, 2002,

2003).

No caso brasileiro, apesar da aparente distância dos cenários de conflito

entre as organizações islâmicas fundamentalistas contra os EUA e aliados, tal

distância não é garantia de que o Estado nacional não venha a sofrer ações na

citada guerra. Na verdade, cogita-se que o Brasil possa vir a sofrer ataques,

principalmente em alvos locais norte americanos, israelenses ou europeus, na

medida em que o recrudescimento da disputa em outras áreas torne difíceis

tais ataques nessas regiões, ou mesmo como demonstração de onipresença

pelo mundo (DINIZ, 2004).

Neste sentido, cabe ressaltar ainda que existem diversas outras

ameaças estratégicas pairando sobre o Estado brasileiro, sejam essas no

ambiente externo, com a guerra civil colombiana, o fornecimento de gás da

Bolívia48, ou os enfrentamentos entre esquerda e direita na Venezuela, como

48 O governo brasileiro foi pego de surpresa pela nacionalização das empresas que exploram o gás natural boliviano, dentre elas a Petrobrás, uma empresa estatal. Tal acontecimento, desenvolvido durante o ano de 2006, além de afetar o patrimônio do Estado, também afeta a economia uma vez que a Bolívia é o principal e praticamente único fornecedor de gás natural para o mercado brasileiro. Observa-se que vários indicadores da referida nacionalização já

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153

no ambiente interno com as ações do crime organizado, a exemplo dos

ataques do PCC49 em São Paulo.

Contudo, a necessidade de se estruturar um serviço de alerta

antecipando envolvendo o sistema de segurança pública e particularmente os

órgãos de inteligência policial, pode ser apontado como premente. Os modelos

disponíveis, baseados na inteligência clássica e na competitiva, podem e são

excelentes parâmetros para estruturação de tais processos.

4.2. Considerações finais

Esse trabalho buscou identificar as raízes da atividade de inteligência

brasileira, bem como identificar sua evolução até o presente momento, com as

operações de inteligência realizadas pela Polícia Federal, apontando a

ocorrência de um singular movimento de mudanças de paradigma, em que a

sociedade repactua a função de uma polícia judiciária, buscando construir uma

instituição cidadã. Dentro deste prisma, não basta tão somente constatar a

necessidade de mudanças, como também apresentar o instrumental técnico

para fazê-lo. Neste sentido, em um segundo momento do trabalho, foi

apresentado um conjunto de técnicas e conceitos de inteligência que podem

ser instrumentos valiosos no sentido de fortalecer a dinâmica de

transformações, a partir do desenvolvimento e aperfeiçoamento da prática do

dia a dia das operações de inteligência policial.

Se, conforme descreve Mir (2004, p.425):

estavam postos, uma vez que tal tema era item do programa de vários candidatos a presidente da república boliviana. 49 O Primeiro Comando da Capital – PCC, organização criminosa formada por presidiários realizou uma série de ataques a policiais e órgãos públicos em São Paulo, durante o ano de 2006, com o objetivo de negociar concessões por parte do Estado. Tanto em sua violência, quanto no tocante a organização e extensão dos ataques, o governo foi pego de surpresa, conseguindo reagir alguns dias mais tarde.

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[...] Uma polícia democrática, desmilitarizada, preventiva, étnica e pacificadora se transformaria automaticamente num inimigo interno formidável para o Estado; com sua prática universal e legalista, seguimento estrito e inflexível do cumprimento da lei por todos os cidadãos quebraria a secular impunidade de setores públicos e privados. (2004, p.425).

Pode ser que com avanços tais como a mudança de paradigma das

organizações de inteligência policiais, em se consolidando o atual caminho de

combate ao crime organizado e enfrentamento da corrupção dentro do Estado,

estejamos dando mais alguns saltos em direção à utopia erigida por Mir, de se

ter uma polícia a serviço de toda a sociedade de fato, e não somente à

disposição de uma elite que a utiliza pra reprimir a diferença, mantendo os

miseráveis se matando em sua própria indigência, e sequer tocando nos

grandes criminosos que dilapidam o Estado, roubam o patrimônio público,

eternizam as desigualdades sociais e seqüestram a esperança de um futuro

menos injusto.

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155

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