2 a lavagem de dinheiro e a sociedade pÓs-moderna · na atualidade, para explicar o ... ou outros...

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2 A LAVAGEM DE DINHEIRO E A SOCIEDADE PÓS-MODERNA 2.1 CONCEPÇÕES INICIAIS Na atualidade, para explicar o fenômeno da lavagem de dinheiro, em primeiro lugar, devemos entender que esse crime, diferentemente de seu modo de operação inicial, não está mais ligado somente aos tipos penais tradicionais da doutrina jurídica. Ele evoluiu significativamente com o desenvolvimento de nossa sociedade, fazendo com que fossem constituídos métodos de lavagem adaptados às características do tempo atual. Estes métodos são utilizados conforme a complexidade da execução dos mecanismos utilizados nos processos de lavagem. Por exemplo: a quantidade dos rendimentos derivados do comércio ilegal de drogas (em sua maioria, notas de pequeno valor) acaba se tornando recurso mais volumoso e pesado do que o próprio bem comercializado (drogas). Assim, a conversão desses numerários para valores maiores não é realizada via depósito em espécie, e sim por meio de cheques bancários, ou outros títulos negociáveis como instrumentos monetários. Muitas vezes, são frequentemente realizadas movimentações intensivas através de restaurantes, hotéis, empresas, máquinas de vendas, cassinos, etc., como negócios de fachada para a lavagem de dinheiro 1 . Nesse sentido, a associação entre o simbolismo do mercado e a representação do poder monetário favorece o comércio e a circulação de bens no sistema capitalista; por conseguinte, o mercado acaba absorvendo valores derivados desse crime, oferecendo, em troca, o poder monetário servindo como simulacro de prosperidade e poder. Ou seja, na realidade, perante o sistema econômico, não resta perceptível a origem dos numerários, mas sim, a sua aplicação que gera novas fontes de recursos. 1 “For example, the proceeds of the illegal drug trade are mostly small denomination bills, bulkier and heavier than the drugs themselves. Converting these bills to larger denominations, cashier’s checks, or other negotiable monetary instruments is often accomplished using cash-intensive businesses (like restaurants, hotels, vending machine companies, casinos, and car washes) as fronts.” (Este esquema de lavagem é exemplificado no artigo Understanding the Wash Cycle, escrito por Paul W. Bauer, Conselheiro Econômico, e Rhoda Ullmann, Assistente de Pesquisa do Federal Reserve Bank of Cleveland, disponível em: http://www.clevelandfed.org/Research/commentary/2000/0915.pdf . Acesso em: 26 jun. 2012).

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2 A LAVAGEM DE DINHEIRO E A SOCIEDADE PÓS-MODERNA

2.1 CONCEPÇÕES INICIAIS

Na atualidade, para explicar o fenômeno da lavagem de dinheiro, em primeiro

lugar, devemos entender que esse crime, diferentemente de seu modo de operação

inicial, não está mais ligado somente aos tipos penais tradicionais da doutrina

jurídica. Ele evoluiu significativamente com o desenvolvimento de nossa sociedade,

fazendo com que fossem constituídos métodos de lavagem adaptados às

características do tempo atual.

Estes métodos são utilizados conforme a complexidade da execução dos

mecanismos utilizados nos processos de lavagem. Por exemplo: a quantidade dos

rendimentos derivados do comércio ilegal de drogas (em sua maioria, notas de

pequeno valor) acaba se tornando recurso mais volumoso e pesado do que o próprio

bem comercializado (drogas). Assim, a conversão desses numerários para valores

maiores não é realizada via depósito em espécie, e sim por meio de cheques

bancários, ou outros títulos negociáveis como instrumentos monetários. Muitas

vezes, são frequentemente realizadas movimentações intensivas através de

restaurantes, hotéis, empresas, máquinas de vendas, cassinos, etc., como negócios

de fachada para a lavagem de dinheiro1.

Nesse sentido, a associação entre o simbolismo do mercado e a

representação do poder monetário favorece o comércio e a circulação de bens no

sistema capitalista; por conseguinte, o mercado acaba absorvendo valores derivados

desse crime, oferecendo, em troca, o poder monetário servindo como simulacro de

prosperidade e poder. Ou seja, na realidade, perante o sistema econômico, não

resta perceptível a origem dos numerários, mas sim, a sua aplicação que gera novas

fontes de recursos.

1 “For example, the proceeds of the illegal drug trade are mostly small denomination bills, bulkier and heavier than the drugs themselves. Converting these bills to larger denominations, cashier’s checks, or other negotiable monetary instruments is often accomplished using cash-intensive businesses (like restaurants, hotels, vending machine companies, casinos, and car washes) as fronts.” (Este esquema de lavagem é exemplificado no artigo Understanding the Wash Cycle, escrito por Paul W. Bauer, Conselheiro Econômico, e Rhoda Ullmann, Assistente de Pesquisa do Federal Reserve Bank of Cleveland, disponível em: http://www.clevelandfed.org/Research/commentary/2000/0915.pdf. Acesso em: 26 jun. 2012).

A doutrina liberal, por sua vez, tentará aparentar que esta associação não é

possível, pelo simples interesse em manter o equilíbrio do mercado em funcionando

pleno, demonstrando que os excessos representantes de distorções econômicas

seriam excluídos com a entrada de novos concorrentes. Assim, o poder estaria

manifesto, caso houvesse a possibilidade de alguma pessoa (ou empresa) regular o

mercado, fazendo com que outros estejam subordinados às suas decisões.2

Porém, este apontamento é equivocado e forçou a necessidade do Direito

Penal Econômico tangenciar alguns fenômenos ligados com a prática de

investimentos ilícitos diante do comportamento econômico do mercado. Na

realidade, os autores dessa ciência conhecem as dificuldades que existem na

investigação desses delitos, considerando que as cifras movimentadas por esses

mercados paralelos3 são gigantescas4, e, sendo assim, nada mais justo que um

estudo aprofundado no surgimento de novas concepções doutrinárias.

Os bancos, o desenvolvimento das cidades, os governos e o próprio

crescimento econômico foram alguns dos responsáveis pela criação de atores

sociais cada vez mais dedicados a participarem dos movimentos característicos do

mundo capitalista onde, não havendo nível de equilíbrio possível, buscou-se, através

de métodos artificiais, permitir a manutenção de uma padronização financeira

sustentável, mesmo que temporária.

Através de regulamentações dos mercados, o homem moderno experimentou

algumas transformações no campo econômico. E partindo dessa observação, o

direito penal iniciou a tentativa de tipificar a conduta da lavagem de dinheiro, a fim de

controlar a livre circulação de capitais ilícitos. Fruto desta mudança comportamental,

os ramos das Ciências Penais necessitaram aprofundar a investigação de métodos

de elaboração cada vez mais sofisticados.

A complexidade da estrutura social alterou velozmente as atividades ligadas a

determinados sistemas como o penal, o financeiro, as relações de comércio. E, de

certa maneira, observa-se que tanto a demora na apuração da origem dos

2 NUSDEO, Fábio. Curso de Economia: Introdução ao Direito Econômico. 6.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 281-282.3 Sobre a temática relacionada aos “mercados paralelos”, podemos consultar uma reportagem da Forbes denominada The invisible Bankers (Os banqueiros invisíveis), disponível em: http://www.forbes.com/global/2005/1017/024A.html. Acesso em 26 set. 2012. 4 CALLEGARI, André Luís. Direito penal econômico e lavagem de dinheiro: aspectos criminológicos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 25.

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numerários, quanto o crescente desenvolvimento de técnicas para a ocultação dos

valores, sofrerão as consequências temporais de nossa modernidade5.

Com o fluxo de capital cada vez mais volátil, os mercados globalizados

passaram a utilizar ferramentas que facilitam a captação e a transferência de

valores, ultrapassando, muitas vezes, os limites territoriais financeiros de cada

nação, dando origem a um delito com características transnacionais6. Esse é o

tempo moderno e líquido apresentado por Zygmund Bauman7 com a sua nova visão

de mundo pós-moderno. Na verdade, torna-se a verdadeira volatização da

economia.

Essa volatilização tornou extremamente difícil a persecução criminal do delito

de lavagem, fazendo com que as autoridades de determinado país exijam uma série

de requisitos com o objetivo de, a priori, tipificar sua ilicitude para posteriormente ser

requerida a tomada de medidas coercitivas com base em tratados de colaboração

internacional.

Também facilitaram este processo de desenvolvimento, a independência

micro8 e macroeconômica9 dos Estados e, principalmente, o crescimento de

inúmeras instituições financeiras responsáveis pela aceleração dos fluxos

financeiros da sociedade de consumo, fazendo com que as legislações internas de

cada país sofressem influências mercantilistas globalizadas.

5PETERSON, Peter G. Chasing Dirty Money: The Fight Against Money Laundering. Disponível em: http://www.piie.com/publications/chapters_preview/381/4iie3705.pdf. Acesso em : 27 jul. 2012. 6Organizações criminosas transnacionais são diferentes de quadrilhas e bandos, que são associações delinqüenciais comuns. Então, temos: associações delinqüenciais especiais, que são as transnacionais, e associações delinqüenciais comuns, que se organizam em quadrilhas e bandos. As transnacionais são aquelas que objetivam, que tendem ao controle social. O grande processualista na área do processo penal italiano, Giuliano Vassalli, duas vezes Ministro da Justiça, observou que "essas organizações representam um sistema extra-institucional de controle social, que tende a sobrepor-se à autoridade constituída". (MAIEROVITCH, Wálter Fanganiello. Crime Organizado Transnacional. Seminário internacional sobre lavagem de dinheiro. Série Cadernos do CEJ, Brasília, DF, 1999. v.17. p. 101.)7Referência ao sociólogo polonês Zygmund Bauman, autor da obra Modernidade Líquida.8A microeconomia estuda as unidades (consumidores, empresas, trabalhadores e proprietários dos recursos) compnentes da economia e o modo como suas decisões e ações são inter-relacionadas. Ela é também chamada “teoria dos preços” porque, nas economias liberais, é o funncionamento do livre mecanismo do sistema de preços que articula e coordena as ações dos produtores e consumidores. Diz-se que a microeconomia enxerga a árvore, enquanto a macroeconomia se preocupa com a floresta. (MENDES, Judas Tadeu Grassi. Economia: fundamentos e aplicações. 2.ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2009, p. 255-256). 9A macroeconomia tenta explicar as relações entre os grandes agregados (ou variáveis) econômicos, a saber: consumo, poupança, investimento, produto e renda nacionais, níveis de emprego nacional, nível geral de preços, controle da inflação, oferta e demanda monetárias e o desequilíbrio externo (balança comercial, de serviços e de capital). Ibid. p. 255.

3

Esse panorama mercantil globalizado flexibilizou a economia, e passou a ser

difundido pelos defensores do chamado liberalismo de mercado, conforme

observamos na ideia apresentada por Fernando Ferrari Filho:

Ora, com a liberalização dos mercados e o crescimento das operações envolvendo títulos de diferentes naturezas, e até moedas, cresceu muito a possibilidade de realização de operações especulativas. Estas, se por um lado refletem a liquidez dos mercados, liquidez que para Keynes acalmava os nervos do investidor, animando-o a correr riscos, por outro lado estes mercados liberalizados podem significar estruturas financeiras frágeis, entradas e saídas pró-cíclicas de capital e redução dos investimentos de longa maturação.10

Diante desse quadro evolutivo, os métodos de lavagem de dinheiro foram se

alternando de forma constante, criando uma situação de risco acima do imaginado

pelas autoridades em contato com a circulação monetária.

2.2 A INFLUÊNCIA DO TEMPO NA SOCIEDADE: O DESLOCAMENTO DO BEM

JURÍDICO LESIONADO E A COMPLEXIDADE DOS SISTEMAS

Nesse quadro de evolução social, o avanço de tecnologias criou um

deslocamento na análise do bem jurídico lesionado pelo crime de lavagem. Tendo

em vista a dificuldade do Estado em acompanhar as rápidas mudanças de métodos

utilizados por diversos criminosos, ocorreu uma transição em comandos normativos,

capazes de facilitar a persecução penal deste crime. Nas alterações do texto

normativo da Lei de Lavagem, resta claro que o legislador visou proteger a

administração da justiça como o principal bem passível de lesão.

Assim, diante do quadro apresentado, o avanço de tecnologias iniciou o

deslocamento da análise do bem jurídico lesionado substituindo a sociedade (como

bem jurídico lesionado) pela administração do poder jurisdicional do Estado.

A adaptação normativa foi em decorrência da superposição entre antigos e

novos sistemas, fruto da ideia de uma nova globalização apresentada por Thomas

Friedman, denominada como Globalização 3.0. Assim:

10FILHO, Fernando Ferrari; PAULA, Luiz Fernando de (orgs). Globalização Financeira: Ensaios de Macroeconomia Aberta. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2004. p. 298.

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Entretanto, a Globalização 3.0 não difere das eras anteriores apenas em termos do quanto vem encolhendo e achatando o mundo e do poder com que está munindo o indivíduo. A diferença reside também no fato de que as das primeiras etapas foram encabeçadas basicamente por europeus e americanos, pessoas e empresas, Muito embora a China fosse a maior economia do mundo no século XVIII, foram os países, empresas e exploradores ocidentais que conduziram a maior parte do processo de globalização e configuração do sistema. A tendência, todavia, é que esse fenômeno se inverta: em virtude do achatamento e encolhimento do mundo, esta fase 3.0 cada vez mais movida não só por indivíduos, mas também por um grupo muito mais diversificado de não-ocidentais e não-brancos. Pessoas de todos os cantos do mundo estão adquirindo poder; a Globalização 3.0 possibilita a um número cada vez maior de pessoas se conectarem num piscar de olhos, e veremos todas as facetas da diversidade humana entrando na roda.11

Com efeito, nesta mesma linha de pensamento, Misabel Abreu destaca que,

fruto do fenômeno de globalização, os mercados entraram em contato, favorecendo

o crescimento do intercâmbio de práticas importadoras de capitais. Assim:

É evidente que o fenômeno da globalização, da integração de mercados, acarretou o aumento considerável das transações internacionais. A evasão de capitais de um para outro país tem também recrusdecido. A nova realidade leva os países interessados, exportadores de capital,a pressionarem os demais, importadores de capital, a criarem condições objetivas que garantam a livre concorrência e a necessária segurança jurídica aos agentes econômicos envolvidos. A meta é reduzir aquilo que se convencionou chamar de efeito Delaware (busca incessante do Estado que ofereça maiores vantagens fiscais, menores exigências e sigilo mais forte) por meio de uma aproximação das diferentes ordens jurídicas partícipes.

Como panorama de fundo, trava-se, na verdade, uma verdadeira guerra pelo

capital, assim como pela conquista de mercados consumidores. Com isso,

organismos internacionais utilizam-se de fortes argumentos de convencimento

(combate à sonegação e ao crime organizado na “lavagem de dinheiro”), que

apenas escondem, muitas vezes, o real motivo da pressão: a luta pelo capital12.

Assim, o sistema econômico e o jurídico se aproximam somente em lides motivadas

pela disputa na recuperação de ativos posteriormente identificados como ilícitos.

Porém, ilícitos ou não, para Edgar Morin13, nada do que poderíamos imaginar,

com a máxima certeza absoluta, representará somente uma interpretação, podendo

11FRIEDMAN, Thomas L. O mundo é plano: o mundo globalizado no século XXI. 3.ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009, p. 19.12DERZI, Misabel Abreu Machado. O Sigilo Bancário e a Guerra pelo Capital. Revista de Direito Tributário, São Paulo, n. 81, 2000. p.257-258.13Fundador da Teoria da Complexidade.

5

variar de significado, dependendo do ponto de vista de cada observador14. É esse

conjunto complexo de atos que irá variar de acordo com as regras jurídicas

interpretadas pelos Estados.

Nesse patamar, o campo penal abordará o conceito da proteção do bem

jurídico, conforme a interpretação de determinado sistema, tornando esta análise

uma complexa tarefa dogmática, pois existirão inúmeros posicionamentos relativos

ao tema. Porém, ainda que a discussão da figura do bem jurídico lesado, no crime

de lavagem de dinheiro, seja de extrema relevância, bastará que o mercado

selecione as formas de investimento permitidas em sua jurisdição, para haver a

necessidade de um maior controle e ajustamento das políticas criminais.

Consoante com esta análise, a alteração destas políticas a partir da

modificação da Lei de Lavagem de Dinheiro compreende diversas consequências

que irão influenciar na sua análise material e processual. Nesse sentido, se

entendermos que a lei anterior (Lei 9613/98, alterada em 9 de julho de 2012) não

abrangia o roubo como crime antecedente, logo, a conduta de possuir bens ocultos

ou dissimulados, após a alteração desta lei, também não será considerada crime.

Agora, se considerarmos a natureza do crime de lavagem como de caráter

permanente, o mascaramento será considerado um crime na atualidade15.

Tendo isso por base, reflete da melhor maneira possível a crítica de Gustavo

Henrique Badaró e Pierpaolo Cruz Bottini, quanto à opção do legislador em retirar o

rol de crimes antecedentes, oferecendo maior autonomia à lei, e elegendo a

administração da justiça como bem jurídico lesionado pelo delito de lavagem:

Reconhecer a opção do legislador pelo uso de regras de combate à lavagem de dinheiro para proteger a Administração da Justiça permite – como indicado – uma consistente a adequada aplicação da lei, mas não impede que se critique a escolha, sob uma perspectiva político-criminal. Nota-se que a ideia da lei, bem como das diretivas internacionais sobre o tema, é usar o direito penal para suprir a incapacidade do Estado de investigar o crime antecedente da lavagem de dinheiro e rastrear seu produto. A ineficiência dos meios tradicionais de investigação provocou a criminalização de sua obstrução pelo escamoteamento de bens. Espiritualizou-se o bem jurídico que se afasta de seu referencial antropocêntrico e passou a abrigar meras funcionalidades sistêmicas, protegendo não mais o homem e a sua capacidade de desenvolvimento,

14Disponível em: <http://www.juliotorres.ws/textos/teoriadacomplexidade/Complexidade-e-Liberdade.pdf>. Acesso em: 03 jul. 2012.15BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de Dinheiro: aspectos penais e processuais: comentários à Lei 9.613/1998, com alterações da Lei 12.683/2012. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 175.

6

mas a estrutura judicial e policial. O direito penal caminha para se tornar um mero instrumento de reforço dos mecanismos de organização da administração pública16.

Isso coaduna com o pensamento de Lúcio Santoro de Constantino, pois a

constante observação da sociedade, muitas vezes, gera fluxos direcionados para a

rápida mudança da política criminal, induzindo a modificação legislativa como uma

certeza na resolução dos problemas. Logo, conclui-se que a racionalização do

tempo presente não poderia ser maximizada, pois, sendo complexa, necessitaria de

uma análise mais aprofundada; do contrário, além de criar uma falsa sensação de

segurança, a norma poderia ser também a responsável pela promessa de rápida

solução do anseio social. Assim:

Por esta razão, o contexto político criminal na sociedade globalizada ocidental é autor de uma crescente demanda por uma segurança normativa simbólica. E muito embora a máquina estatal reste enfraquecida pela globalização econômica indisciplinada, a mesma se entrega ao induzimento e, concomitantemente, à procura de resolução do anseio social forte no sentimento de segurança.Tanto que se observa que as políticas criminais se tornam claramente repressivas com um discurso direcionado aos grandes temas que se afinam, exclusivamente, com a corrupção da seguridade.O Estado, explorador da insegurança, usufrui de discursos misericordiosos ao proclamar uma quimera protetiva fundamentada em justificações apelativas e que exteriorizam um maquiado apontamento estatal probo.17

Tendo em vista a construção desta materialidade histórica racional, e de

acordo com o reflexo da sociedade de um determinado período, o sistema criminal

também será passível de consequentes modificações temporais. Podemos perceber

este reflexo através dos fenômenos de interações mundiais ocorridos entre o campo

cognitivo e o da elaboração normativa.

Como forma de integração entre diversos sistemas e a assimilação cognitiva,

Niklas Luhmann nos apresenta a seguinte ideia:

Os campos de interação que hoje inauguram contatos em escala mundial, por exemplo a pesquisa e a difusão de desenvolvimentos técnicos, economia e comércio, imprensa, turismo, negociações diplomáticas, apresentam claramente um estilo não normativo de expectativas que em parte conta com auto-evidências civilizatórias, e em parte é conscientemente articulado em termos de assimilação cognitiva18.

16BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Op.cit, 2012. p. 61.17CONSTANTINO, Lúcio Santoro de; CALLEGARI, Luís André (Org.). Lavagem de Dinheiro. São Leopoldo: Unisinos, 2012. p. 146.18LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito. v. II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1985. p. 162.

7

Essa assimilação cognitiva é uma característica da pós-modernidade, pois,

quanto mais rápido ocorre determinada mudança, o sistema responde de forma

estrutural, organizando-se e dando uma característica volátil ao tempo entendido

como presente. Nesta linha de raciocínio, Fernando Ferrari Filho nos aponta:

Evidentemente, as mudanças nos processos de produção relacionadas à revolução da informática e das telecomunicações contribuíram para essa crescente flexibilidade de produção, ao substituir prensas metálicas por computadores e aço por silicone e ao reduzir os custos do ajuste da produção global. Não obstante, parece claro que a crescente variabilidade nos custos e preços internacionais, devida ao câmbio e taxas de juros flexíveis, tem sido a força propulsora por trás das inovações financeiras que dominam atualmente o processo de globalização.O domínio do setor financeiro traz certas dificuldades específicas. Já mencionamos o problema da distribuição global da demanda agregada, que é uma outra maneira de expressar a restrição do balanço de pagamentos. Não há razão para crer que as decisões de produção global de empresas transnacionais individuais, determinadas pela necessidade de maximizar o retorno para seus acionistas, venham a produzir movimentos de bens e serviços e ativos financeiros compatíveis com a estabilidade e o equilíbrio financeiro de um país.Os problemas que os fluxos de capital podem causar a países em desenvolvimento têm sido destacados nos últimos vinte anos. A lição fundamental é que o excesso (os anos 1970) é tão ruim quanto à falta (os anos 1980) e, o que é ainda pior, a passagem rápida de um para o outro (os anos 1990). Dessas lições gerais, foram extraídas algumas conclusões específicas sobre empréstimos para países em desenvolvimento. Nem todas parecem ser bem fundamentadas19.

Cabe observar que, supondo uma determinada situação, onde um sistema

(setor público, por exemplo) não possa atuar, ou atue de forma antagônica, o

sistema setor privado passará por ocupar funções, as quais poderiam ser

designadas a ambos. Como resultado desta interação, o sistema reflete esta

mudança através de regulamentações, regras, com o objetivo de que, mesmo

separados, ambos sinalizem no mesmo sentido.

Esta situação se aplica diretamente ao sistema bancário que, sendo um

serviço autorizado pelo Estado com características públicas, torna-se subordinado à

ordem financeira, operando com valores não associados ao sistema penal; porém,

sofrendo as suas consequências caso utilizado de forma ilícita.

Dessa forma, para frear a não observância das normatizações e a igualdade

de forças entre os indivíduos, o Estado passou a regular o mercado, cabendo à

Justiça controlar e julgar os casos de práticas comprovadamente ilícitas.

19FILHO, Fernando Ferrari; PAULA, Luiz Fernando de (orgs). Op.cit., 2004. p. 37 – 38.

8

O maior problema se apresenta quando determinados organismos privados,

autorizados pelo Estado, ensejam uma prática conhecida somente dos grandes

utilizadores do sistema financeiro. Esta “brecha” no sistema financeiro aponta para

um problema de ordem pública que intervém na ordem do fluxo de capitais, daí um

dos motivos da rápida modificação nas ferramentas estatais de persecução criminal.

Com esse mesmo interesse de controle, em uma clara tentativa de

participação ativa, o Estado passou a ser o protagonista da representação dos

principais setores ligados às atividades econômicas prestadas pelo serviço público,

incluindo setores estratégicos, como energia elétrica, mineração, petróleo,

saneamento, telefonia, etc.20 Porém, mesmo com a regulamentação centralizada

pelo ente estatal, ainda assim o mercado financeiro é utilizado como o principal meio

para a criminalidade realizar suas transações de lavagem de dinheiro, impondo a

criação de estruturas de regulações financeiras específicas que visem à

padronização de condutas e à regulação sistêmica e prudencial21.

Também, fruto dos diversos sistemas econômicos e na atualidade, com

características globalizadas, as regulamentações do Estado, muitas vezes, são

distorcidas, ocasionando o surgimento de centros de economias paralelas, como,

por exemplo, os paraísos fiscais e seus investimentos offshore. Esse deslocamento

de controle jurisdicional aumenta consideravelmente a complexidade no combate ao

crime de lavagem, dificultando a extensão dos poderes jurisdicionais.

E é dentro deste “sistema paralelo” que os “lavadores” se aproveitam da

complexidade para realizar determinadas operações financeiras. Afinal, histórias

diferentes podem ser contadas através dos mesmos fatos, podendo receber nomes

diversos ao longo do caminho da persecução criminal.

2.3 A EVOLUÇÃO SOCIAL E SUA RELAÇÃO COM O CRIME DE LAVAGEM DE

DINHEIRO: O DESENVOLVIMENTO DE NOVOS MECANISMOS PARA A

LAVAGEM

Conquanto o cometimento do crime de lavagem de dinheiro esteja

nitidamente ligado ao desenvolvimento da sociedade moderna, um fato que não

podemos deixar de investigar refere-se aos mecanismos que tornaram esse crime

20CARVALHO, Tomas Lima de. Revista de Direito da ADVOCEF. Porto Alegre, v.1, n.14, 2012. p. 80.21Idem. p. 90-96.

9

um dos mais especializados do mundo. Podemos, em tese, realizar esta afirmativa

tendo em vista que a estruturação do seu modo de operação não decorre de

práticas recentes, mas se tornou fruto de fraudes aprimoradas a cada novo método

de lavagem experimentado22.

Foram essas modificações no panorama do crime de lavagem de dinheiro

que, ao final da década de oitenta, ocasionou a elaboração de tratados e

convenções, impulsionando os países a aprovaram leis que tornassem específico o

combate a este delito. Devemos lembrar que, com o advento das telecomunicações,

o controle do crime de lavagem foi elevado a nível internacional por influenciar

diversos mercados econômicos, muitas vezes, tornando frágeis determinadas

economias.

Em relação ao surgimento de fontes que ligam a lavagem de dinheiro com a

sociedade pós-moderna, pode-se afirmar que elas estarão centralizadas no estudo

da doutrina norte-americana, levando em consideração suas instituições terem sido

as precursoras de práticas relacionadas à industrialização e ao desenvolvimento

capitalista de mercado. Cabe ressaltar que, embora a legislação relativa a práticas

de lavagem de capitais já existisse, somente a partir de 1970 é que foram

sancionados os primeiros mecanismos de combate a esse delito.

Nesta época nos Estados Unidos surgiu a chamada BSA (Bank Secrecy

Act)23, conhecida como a Lei do Sigilo Bancário (Currency and Foreign Transactions

Reporting Act). Ela estabelecia uma série de notificações e registros para o fim de

colaborar no rastreamento de pistas que pudessem elucidar a origem das

transações24.

22As diversas técnicas de lavagem de dinheiro através do uso de tecnologias aumentam consideravelmente o tempo de resolução no processo de investigação. Segundo reportagem do jornalista Jeam Bidlle, a busca por um proprietário de determinado site, pode ser algo de difícil solução: “O Streamate é difícil de conseguir informações. Tentar descobrir quem realmente é o dono é bem complicado: O domínio pertence ao Flying Crocodile Incorporated, que tem uma caixa postal em Seattle. Vagas de emprego apontam para uma empresa obscura chamada NaiadDev, também com sede em Seattle (e hospedada pelo FlyingCroc). Mas os registros da empresa estão com um tal de Rena Erotocritou, empregado por “Ariel Secretaries Limited”, uma empresa fantasma com sede em Chipre.” Reportagem disponível em <http://tecnologia.br.msn.com/internet/trabalho-escravo-lavagem-de-dinheiro-e-pilhas-de-dinheiro-segredos-das-strippers-de-webcam-nsfw#page=0>. Acesso em: 24 set. 2012 23A Lei de Sigilo Bancário norte-americana esta disponível online no site Eletronic Code of Federal Regulations: <http://ecfr.gpoaccess.gov/cgi/t/text/text-idx?c=ecfr&sid=0f0c7433271a7f40e09a84815d1 6bca5&rgn=div8&view=text&node=12:1.0.1.1.19.3.8.1&idno=12>. Acesso em: 24 set. 2012 24POWIS, Robert E. Os lavadores de dinheiro. São Paulo: Makron Books, 1993. p. 17.

10

A necessidade desta alteração do controle normativo foi indispensável

perante o crescente desenvolvimento de uma rede de comunicações, a qual pode

sintetizar o tempo em relação à transmissão de informações. Em decorrência desse

fator, surgiram novas formas de comércio transnacionais, e mecanismos que

alteraram o fluxo da economia. Assim:

Na perspectiva da integração das nações, aproximam-se as ciências do direito, da economia e das finanças a uma velocidade vertiginosa. Nos foros internacionais -em que países perdem pouco a pouco sua representatividade em prol dos blocos econômicos que integram, a modelagem da sistemática jurídica é temperada pela busca da eficiência. A busca da eficiência, na economia e nas finanças, por sua vez, deve ser iluminada pela justiça – sempre essencial -na órbita das relações sociais, empresariais, sindicais e governamentais. A questão da justiça se projeta na equidade (justiça horizontal) e na adequada distribuição de encargos e benefícios (justiça vertical). Embora a globalização tenha propiciado notável crescimento econômico, produziu não menos dramáticos efeitos junto às comunidades nacionais (riqueza desmesurada convivendo com inimaginável miséria material), com o que as questões éticas – voltadas à realização plena dos indivíduos – juntamente com a democratização e o fortalecimento das estruturas institucionais multilaterais,devem ser o eixo ao redor do qual as políticas públicas são modeladas25.

Com essas modificações cada vez mais desenvolvidas, através dos meios de

comunicação, facilitou-se a integração de redes formadas pelos utilizadores de

diversas práticas financeiras, auxiliando as interações que capacitaram, na medida

do possível, o aprimoramento dos novos métodos de lavagem de dinheiro26.

Desse modo, o sistema especializou-se constantemente e, conforme James

Willian Colemman27, os maiores crimes financeiros acabaram sendo cometidos por

profissionais que vivem o complicado mundo das operações técnicas e, envolvidos

25AMARAL, Antonio Carlos Rodrigues do (Coord.). Direito do Comércio Internacional: Aspectos Fundamentais. São Paulo: Aduaneiras, 2004. p. 5126Um exemplo de aprimoramento nos métodos de lavagem de dinheiro, pode ser observado na utilização de sites de webcam, conforme a reportagem Trabalho escravo, lavagem de dinheiro e pilhas de dinheiro: segredos das strippers de webcam. Segundo o jornalista Jeam Bidlle: “Os estúdios estão sendo usados para ter garotas online aceitando um laranja que usa seu dinheiro “sujo” para comprar tempo particular. O estúdio recebe pela sessão privada, e a garota recebe uma parte (bem pequena) e o dinheiro sai limpo,” Mila diz. Como resultado, “muitos estúdios Russos e Romenos pertencem à Máfia”, uma alegação que ela estende para o resto dos países em desenvolvimento. Tudo fica mais claro quando você lembra o quão complicadas são as estruturas financeiras dessas redes – é mais fácil lavar dinheiro através de uma empresa que confunde os fiscais colocando a sede simultaneamente na Hungria e em Portugal.” Disponível em <http://tecnologia.br.msn.com/internet/trabalho-escravo-lavagem-de-dinheiro-e-pilhas-de-dinheiro-segredos-das-strippers-de-webcam-nsfw#page=0 > . Acesso em: 24 set. 2012.27COLEMAN, James William. A Elite do crime- para entender o crime de colarinho branco: Título original: The Criminal Elite. Trad. Denise R. Sales. 5.ed. São Paulo, SP: Manole, 2005. p. 52.

11

por um “hermetismo”, passaram a controlar alguns dados que serão utilizados a seu

favor, ou daqueles aos quais possam prestar seus serviços.

Logo, além da mudança do paradigma social, encontramos essa situação

paralelamente ligada a práticas de mercado. São essas ações direcionadas à

construção da lógica capitalista e mercantil que possibilitaram a criação de

operadores técnicos especializados na linguagem dinâmica da economia. Quanto

mais forem ordenadas operações pelos responsáveis em movimentações

financeiras, mais difícil se tornará a identificação de sua origem inicial, tendo em

vista depender de um conhecimento técnico especializado.

Com muita propriedade, André Callegari aponta-nos o sofisticado sistema de

vínculos, que torna a persecução deste crime cada vez mais elaborada, tendo por

objetivo não somente viabilizar uma rede de informações, mas também facilitar a

introdução de valores em diferentes sistemas financeiros:

As grandes organizações criminais aproveitam-se da extensão territorial do Brasil e do descontrole por parte das autoridades, possibilitando o transporte de dinheiro em espécie, drogas, carros e metais preciosos pelas fronteiras. Os cartéis colombianos encontram no Brasil fortes aliados para despachar a droga para outros países, o que nos permite afirmar que o nosso País serve de rota da cocaína para os Estados Unidos e a Europa. A falta de maior controle permite grandes operações de contrabando de carros e armas, principalmente com o Paraguai, que aceita os carros brasileiros sem qualquer documentação.(…)O Uruguai também facilita as operações de lavagem, pois grandes quantias de dinheiro em espécie são depositadas temporariamente em suas agencias bancárias, sem qualquer controle. Assim, com a facilidade de cruzar as fronteiras entre Brasil e Uruguai, as organizações criminosas utilizam o sistema bancário do país vizinho, depositando o dinheiro em grandes quantidades para que depois regresse ao País com aparência de legalidade, seja com faturas de importação ou exportação, seja com empresas-fantasmas construídas em outros paraísos.28

Essas informações estão principalmente concentradas nas instituições

financeiras, sendo elas as detentoras dos principais dados que identificariam

determinado investidor e a possível origem do valor utilizado (seja ele lícito, ou

ilícito). Porém, como qualquer outra instituição, a eficácia da aplicação de leis e

28CALLEGARI, André Luís. Lavagem de Dinheiro. Barueri, São Paulo: Manole, 2004, p. 133.

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métodos de controle interno29 também estão sujeitos a políticas externas

dependentes de regulamentações harmônicas entre os setores público e privado.

Assim, o aumento da possibilidade de integração de capitais, autorizado pelo

poder estatal, contribui para uma demanda técnica que, além de sobrecarregar

diversos setores do governo, permanece totalmente vulnerável ao complexo modelo

econômico de regras do mercado. Tal sistema de regras é um dos responsáveis pela

dificuldade no rastreamento de informações, pois ele atua diretamente com base na

descentralização de órgãos responsáveis pela elaboração de leis regulatórias,

muitas vezes inviabilizando a eficácia entre modelos jurídicos adotados por

diferentes nações.

Nas palavras de Raúl Cervini:

Mientras el dinero sucio viaja eletrónicamente alrededor el mundo a lãs ordenes de um operador, la acción judicial se enfrenta en estos casos com problemas específicos, tanto em el terreno de os hechos com em el jurídico, cuando hay que tomar la declaración a um testigo em el extranjero o realizar cualquier otro acto de investigación o diligencias sumariales. Las diferencias que a menudo existen entre las legislaciones de los dintintos países contribuyen a acentuar el problema.30

Com o aumento do fluxo de mercado, elevou-se também o número de

transações internacionais devido às influências do fenômeno da globalização

mundial. Como consequência, além de ocorrerem rápidas flutuações nas taxas de

mercado, essa situação incitou uma competição por investimentos em outros

territórios. E é relevante destacar que, muitas vezes, a elaboração do crime de

lavagem utiliza-se das políticas de câmbio governamentais, autorizadas com o

objetivo de fomentar a economia.

29“Nesse sentido, os controles internos são um processo, e não somente um procedimento ou política, que é desempenhado em determinado ponto do tempo. São afetados pelas decisões da diretoria, pela conjuntura econômica e social, pelo engajamento dos seus funcionários, compreendendo, portanto, elemento cultural muito importante. Quando se trata de controles internos não é uma cultura para o staff, para o pessoal da linha mais importante da instituição. É um processo de comunicação do qual todos têm de participar; equivale, mais ou menos, à idéia de cidadania, ou seja, cada cidadão deve saber os seus direitos e as suas obrigações. Os objetivos do processo de controles internos são: a eficiência e a efetividade das atividades, que é o objetivo e o desempenho; a confiabilidade, a correção e a tempestividade das informações; a conformidade com as leis e os regulamentos. A cultura de controles internos tem muito a ver com a cultura de gerenciamento de riscos. Existem riscos de diversas naturezas. Particularmente, quando pensamos na lavagem de dinheiro estamos pensando na chamada "risco legal", que poderá acarretar riscos materiais para a instituição” (COELHO, Francisco da Silva. Seminário internacional sobre lavagem de dinheiro. Sistemas de Controle Interno (compliance). Série Cadernos do CEJ, Brasília, DF, 1999. v.17. p. 35).30CERVINI, Raúl; OLIVEIRA, William Terra de; GOMES, Luiz Flávio. Lei de lavagem de capitais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 35.

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Também existirá um vasto campo onde bancos, corretoras, casas de câmbio,

entre todas as instituições, previstas na Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro

de 200131, poderão recorrer antes da prestação de determinada informação que

caracterize o crime de lavagem de dinheiro, ainda mais quando, para os operadores

desses mercados, os valores serão meramente fruto da capacidade contributiva do

investidor, e produto necessário para suas operações lícitas.

Este fato evidencia que existirá certa cautela na expropriação de valores

circulatórios, pois, mesmo após identificada a possibilidade de determinada quantia

ser de proveniência ilícita, ainda recairá sobre a sua origem a analogia da proteção

tributária da “pecúnia non olet” (dinheiro não tem cheiro), fazendo com que cada

sistema de governo mantenha seu mercado financeiro sob o manto do sigilo do

investidor. Essa consequência torna-se uma característica do sistema capitalista: a

proteção de seus ativos.

Quanto à reflexão sobre o fluxo de capitais lícitos e os sistemas de governo,

David Rothkopf, diretor da revista Foreign Policy, em recente entrevista para a

Revista Época32, aponta-nos um dos temas citado em seu livro Power Inc. ao relatar

a existência atual de diferentes tipos de capitalismo, envolvendo a construção de

grandes corporações, muitas vezes responsáveis pela sustentação de um mercado

mundial, vejamos:

A mudança tectônica se refere ao crescimento das corporações em dimensões que superam a maioria dos governos locais. As 2 mil principais empresas do mundo são maiores e controlam mais recursos que os menores países do mundo e seus governos nacionais. Em vez de um sistema internacional de Estados que se comunicam com outros Estados, temos hoje um sistema de Estados interagindo com atores privados, que controlam recursos significativos e podem orientar e moldar os resultados da forma que lhes convém, atrasando a regulação dos mercados financeiros globais e pressionando por mais abertura de mercados, mesmo que isso cause problemas.(...)

31A Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001, além de dispor sobre o sigilo das operações de instituições financeiras ainda dá outras providências, também conceituando em seu artigo 1º a classificação das instituições financeiras que conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas, e serviços prestados. Disponível em: http://www.receita.fazenda.gov.br/legislacao/ LeisComplementares/2001/leicp105.htm. Acesso em: 22 jul. 2012. 32ROTHKOPF, David. O poder das empresas tornou-se um risco global. Revista Época, São Paulo, n. 743, p.72-74, 13 ago. 2012. Entrevista concedida a Rodrigo Turrer. Este material também se encontra disponível em: http://www.fazenda.gov.br/resenhaeletronica/MostraMateria. asp?page= &cod= 831951. Acesso em: 20 set. 2012.

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O fim da Guerra Fria não encerrou o debate sobre o sistema ideal para alcançar a justiça social e oportunidade econômica, apesar de livros e artigos dizerem o contrário. Nas duas décadas seguintes ao fim da Guerra Fria, diversas modalidades de capitalismo surgiram: o capitalismo com “características chinesas”; o capitalismo democrático de desenvolvimento das grandes economias emergentes como Brasil e Índia, que têm de equilibrar as necessidades do mercado com as sociais; o capitalismo de pequenos mercados empreendedores, encontrado em Cingapura, Israel e nos Estados Árabes Unidos; o eurocapitalismo. Cada um é diferente na maneira de equilibrar o poder público e privado ou de lidar com as necessidades da comunidade contra as do indivíduo. Todos são diferentes do capitalismo anglo-americano, porque eles têm um papel maior para o governo como garantidor de um jogo justo, com um provedor de serviços essenciais.

Nessa perspectiva, observa-se que as características das operações de

lavagem de dinheiro, para aqueles já habituados à lógica do mercado, tornam-se

mero instrumento das ferramentas do processo de investimento em determinadas

economias. Assim, antes de entender como se formam as devidas ferramentas, será

necessário abordar a definição da prática do crime de lavagem de dinheiro.

2.4 ASPECTOS DA LEGISLAÇÃO APLICADA À LAVAGEM DE DINHEIRO

Basicamente quanto à legislação que define o crime de lavagem de dinheiro,

ela pode ser divida em “gerações”. A “primeira geração” está estritamente ligada à

Convenção de Viena, e combate especificamente os crimes conexos ao tráfico de

drogas. A “segunda geração” (da qual o Brasil fazia parte antes da alteração da Lei

9613/98) instituía um rol taxativo, discriminando certo número de crimes

antecedentes conexos ao crime de lavagem de capitais. Na “terceira geração”, a

legislação pune a lavagem em relação a qualquer crime que a anteceda33. Após a

alteração desta lei o Brasil passou a seguir definitivamente este terceiro modelo.

Mundialmente, o marco principal no combate ao crime de lavagem de dinheiro

restou previsto na Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de

Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas34, criada em Viena, em 20 de dezembro

de 1988.

33Uma análise crítica da lei dos crimes de lavagem de dinheiro / Conselho de Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários, Secretaria de Pesquisa e Informação Jurídicas. Brasília: CJF, 2002. p. 27.34Disponível em: <http://www.gafisud.info/pdf/Convecaodasnacoesunidascontratrf icoestupefaciente s.pdf>. Acesso em: 26 jul. 2012.

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O Brasil ratificou a Convenção em 26 de junho de 1991, através do Decreto

154/91, sendo que a sua primeira legislação sobre o assunto foi a Lei n. 9.613 35, de

3 de março de 1998, a qual dispunha sobre os crimes de "lavagem"36 ou ocultação

de bens, direitos e valores.

Com este marco legislativo, ocorreu a criação de um instrumento mais eficaz

no combate ao crime organizado, o COAF - Conselho de Controle de Atividades

Financeiras, órgão responsável por informar movimentações financeiras atípicas no

Sistema Financeiro Nacional.

A última modificação realizada neste arcabouço normativo foi efetuada em 9

de julho de 2012, através da Lei nº 12.683, com o objetivo de “tornar mais eficiente a

persecução penal dos crimes de lavagem de dinheiro” 37. Esta modificação, além de

alterar sensivelmente o texto normativo, teve como objetivo a extensão das

ferramentas que possibilitam aos agentes estatais uma busca mais dinâmica no

combate ao crime de lavagem.

Essa necessária modificação foi realizada, principalmente, para oferecer

regras claras e ágeis de acordo com a nova sistemática atual. Assim, a Lei 9613/98

que trata dos crimes de "lavagem" ou ocultação de bens, direitos e valores, em seu

Capítulo I, passou a definir este crime com a seguinte redação:

Art. 1º. Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal.

De acordo com esta produção legislativa, a criminalização de condutas onde

exista dano a bens e interesses jurídicos já seria esperada pela sociedade que

convive com uma rápida transformação social, seja em países desenvolvidos, seja

em processo de desenvolvimento38.

35Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/LEIS/L9613.htm>. Acesso em: 03 set. 2012. 36Sobre a expressão utilizada com aspas, verificar o item 2.4 do presente trabalho.37Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12683.htm>. Acesso em: 02 jul. 2012. 38SILVA, César Antônio da. Lavagem de dinheiro: uma nova perspectiva penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 35.

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2.5 DEFINIÇÃO DA EXPRESSÃO LAVAGEM DE DINHEIRO

Especificamente sobre a origem da expressão “lavagem” (contida no texto

legal entre aspas), para Guilherme de Souza Nucci39, o termo resta inadequado, pois

decorre de uma outra cultura, a norte-americana. Em contrapartida, para o Juiz José

Paulo Baltazar Júnior, a utilização dessa designação foi adotada no Brasil, por já

estar consagrada de acordo com a tradução do termo em inglês, money laudering

(lavagem de dinheiro). Assim:

Optou-se no Brasil, pela expressão lavagem de dinheiro, que à primeira vista pode parecer coloquial, mas já era consagrado pelo uso e está de acordo com a expressão em inglês money laundering, em alemão Geldwaschen ou Geldwäscherei. Em francês, utiliza-se blanchiment d´argent. Em espanhol, utilizam-se as expressões blanqueo de capitales e lavado de dinero. Em Portugal, fala-se em branqueamento, expressão que poderia ter uma conotação racista, motivo pelo qual não foi utilizada pelo legislador brasileiro. Em italiano, o termo utilizado é riciclaggio di denaro sporco. De notar que o texto da LLD, com exceção da ementa, não faz uso da expressão lavagem e a ementa, quando o faz, não menciona lavagem de dinheiro, mas sim de bens, direitos ou valores.40

Para os autores, a origem social mais conhecida desse termo reflete do

costume da máfia norte-americana, em especial na década de 20, ao se utilizarem

de lavanderias para ocultar os valores ilícitos adquiridos. Segundo o Conselho de

Controle de Atividades Financeiras, podemos definir lavagem de dinheiro como “o

processo pelo qual o criminoso transforma recursos ganhos em atividades ilegais

em ativos com uma origem aparentemente legal41.”

Para José Paulo Baltazar Júnior42, é esta transformação que torna mais difícil

a descoberta e o controle da lavagem, pois ele se aproveita da interação econômica

para penetrar no mercado formal, inserindo valores ilícitos que se misturam aos

lícitos.

39NUCCI, Guilherme de Souza. Lei penais e processuais penais comentadas. 2.ed.rev., atual. e ampl., São Paulo: RT, 2007.40BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Crimes Federais:contra a administração pública, a previdência social, a ordem tributária, o sistema financeiro nacional, as telecomunicações e as licitações, estelionato, moeda falsa, abuso de autoridade, tráfico internacional de drogas,lavagem de dinheiro. 7.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. p. 773.41COAF. Cartilha sobre Lavagem de Dinheiro: Um Problema Mundial. Disponível em: https://www.coaf.fazenda.gov.br/conteudo/publicacoes/downloads/cartilha.pdf. Acesso em: 07 jul. 2012 42BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Op.cit. 2006. p. 406.

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E com este pensamento, Raúl Cervini salienta que a inserção de valores no

circuito financeiro, tanto nacional como internacional, possui o objetivo de

movimentar a economia para apagar os rastros da ilicitude do valor. Assim:

A fin de facilitar el movimiento de estos fondos los delincuentos procuran hacerlos ingresar al sistema financeiro para transferirlos dentro de un país o fuera de él com seguridad y velocidad. Una vez ingresados em el circuito financeiro bajo diversos subterfúgios, se buscará moverlos tantas veces como sea posible para alejarlos del acto ilícito que lês diera origen. En este estadio del processo, se recurrirá a la más variada gama de operaciones, especialmente a aquellas que no despierten sospechas por ser usuales en los dferentes mercados, en la entidad o en el cliente de ésta. No escapan a esta finalidad las comunes operaciones bancarias ni otras transacciones comerciales (eportación e importación) o financieras (compravenda de acciones, títulos de deuda, bonos gubernamentales, papeles comerciales privados, etc.).43

Ainda no que concerne à conceituação do crime de lavagem de dinheiro, é

certo que existirá uma relação entre a sua origem e a associação de diversas figuras

para a sua execução. Dessa forma, o conceito doutrinário desse delito estabelecerá

influências relacionadas à internacionalização das atividades ilícitas, à

profissionalização do trabalho envolvido e à complexidade dos métodos utilizados44.

2.6 TIPOLOGIAS DO CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO

Independente da conceituação desse crime, o seu cometimento não está

muito distante de nossa realidade atual. Quer no mercado nacional, quer no

internacional, a lavagem de dinheiro torna-se uma complicada elaboração articulada

com o objetivo de se aproveitar de diversos campos, dentre eles, o social e o

financeiro.

43CERVINI, Raúl; OLIVEIRA, William Terra de; GOMES, Luiz Flávio. Op.cit., 1998. p. 28. citando a Conf. Associación de Bancos de La República Argentina: “Uso indebido d la banca – propuesta de autorregulación”, Buenos Aires, 1996, p.1. 44Para André Callegari, a movimentação de grandes cifras financeiras esta ligado principalmente ao crescente comércio de entorpecentes, e a sua facilitação em ocultação no mercado de capitais, a partir disto ocorrerá a profissionalização dos participantes deste esquema, com o objetivo de tornar a organização mais sólida e preparada para outras operações sofisticadas. (CALLEGARI, André Luís. Direito Penal Econômico e Lavagem de Dinheiro: Aspectos Criminológicos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 39.).

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Diferentemente do tipo penal de evasão de divisas45 (caracterizado pela

remessa de valores de determinado país para outro sem o recolhimento de tributos),

a lavagem de dinheiro, por diversas vezes, é executada no próprio território e o seu

produto é remetido para um paraíso fiscal a fim de dificultar o rastreamento dos

valores.

Sobre as tipologias envolvidas na lavagem de dinheiro, de acordo com a

classificação utilizada pelo Banco do Brasil, podemos citar alguns exemplos:

empresa de fachada, empresa fictícia, utilização de “laranjas”, importações

fraudulentas – superfaturamento, exportações fraudulentas – superfaturamento,

estruturação (fracionamento do dinheiro oriundo do crime em valores inferiores ao

limite estabelecido pelos órgãos reguladores, para a comunicação da operação),

venda fraudulenta de imóveis, utilização de produtos de seguradoras, dólar a cabo

(transferência de recursos do e para o exterior, com a intermediação de casas de

câmbio, doleiros e empresas de transferência de numerário, sem que o dinheiro saia

fisicamente do país de origem)46, compra de ativos ou de instrumentos monetários,

contrabando de moeda, mescla (recursos ilícitos são misturados, com recursos de

origem legítima de uma empresa e o volume total é apresentado como resultado do

faturamento operacional), transferências eletrônicas e cumplicidade de agentes

internos47.

45Lei nº 7.492, de 16 de junho de 1986. Define os crimes contra o sistema financeiro nacional, e dá outras providências. [...] Art. 22. Efetuar operação de câmbio não autorizada, com o fim de promover evasão de divisas do País: Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, a qualquer título, promove, sem autorização legal, a saída de moeda ou divisa para o exterior, ou nele mantiver depósitos não declarados à repartição federal competente.(Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/l7492.htm. Acesso em: 29 jul. 2012.)46Sobre este tipo de operação, ressalta-se que haverá o delito de lavagem consumado, tendo em vista existir o elemento subjetivo do tipo, qual seja, a intenção de lavagem via conta no exterior.47Disponível em: http://www.bb.com.br/portalbb/page251,105,5269,0,0,1,1.bb? codigoNoticia=4709& código Menu=580. Acesso em: 05 set jul. 2012. Em relação à inovação destes métodos, Roberto Chacon, nos apresenta com base no texto Report on Money laundering Typologies 2000-2001, elaborado pelo GAFI (Grupo de Ação Financeira sobre Lavagem de Dinheiro), a utilização de valores recebidos por cassinos virtuais, e utilizados como fonte de financiamento para o crime de lavagem. Muitas vezes os referidos sites estarão hospedados em centros offshore, vejamos um exemplo: “Um indivíduo de um País “D” registrou, por sua vez, um cassino com nome “Gamblerz.com” no País “E”, onde o nome da empresa é muito semelhante ao nome de um cassino no País “F”. “Gamblerz.com” funcionou legalmente, com uma licença. Mais tarde, um website para promover a informação sobre o jogo de azar foi criado no país “G” em nome de “gambler.com”, que, por sua vez é uma abreviação comum a ambas empresas. Uma conta bancária foi aberta no país “H” e milhares pessoas do País “J” transferiram seus recursos para ela. Pôde-se operar com os fundos mantidos em tal conta com a ajuda de um modem. Ele retirou US$ 1 milhão por meio de um modem de sua conta junto a um banco. As atividades continuaram por vários meses. Mais tarde, outra pessoa providenciou os documentos exigidos pelo banco, que continham indícios de falsificação que puderm ser detectados. O banco congelou a conta e comunicou o ocorrido. Já que constitui um problema determinar em que país o crime foi cometido, o País “J” iniciou uma investigação criminal para proteger seus próprios nacionais, por considerá-los vítimas. (ALBUQUERQUE, Roberto Chacon de. Lavagem de Dinheiro nas Operações Financeiras Veiculadas pela Internet. Revista de Direito Bancário e do mercado de Capitais, n. 23, São Paulo: Revista dos Tribunais. p. 411).

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Embora as designações do modus operandi citadas venham a acrescentar

parâmetros para identificar determinadas formas de lavagem, resta ainda salientar

que, dentro dos casos apontados, teremos ainda um conjunto de indicadores

próprios de cada método utilizado48.

Para tornar mais específico este trabalho, posteriormente analisamos cada

indicador de acordo com o objeto de estudo, quais sejam, os paraísos fiscais e as

empresas offshore.

2.7 ABORDAGEM CRIMINOLÓGICA DO DELITO DE LAVAGEM: OS CRIMES DO

COLARINHO BRANCO

Quanto aos aspectos criminológicos do agente utilizador da lavagem de

dinheiro, seu enquadramento poderá variar conforme as condutas de reciclagem dos

valores obtidos. Em alguns casos, existindo uma relação entre a complexidade de

investimento e as circunstâncias que envolvem o negócio, em determinada época, o

sujeito ativo estará cometendo, segundo o conceito de Edwin H. Sutherland, um

crime do colarinho branco.

Dessa maneira, a profissionalização dos membros envolvidos com este delito

e o maior emprego de profissionais externos49 tornam o fluxo de informações

contínuo, formando um dos empecilhos para identificar a origem do ciclo da

lavagem.

Sobre a definição de crime do colarinho branco, James Willian Coleman nos

ensina que:

Desde que Edwin H. Sutherland usou ela primeira vez o termo, em 1939, no discurso presidencial à American Sociological Society (Sociedade e Sociologia Americana), o crime do colarinho branco tornou-se um ponto de controvérsias. Sutherland, um dos fundadores da criminologia norte-americana, ampliou a abrangência de sua disciplina, ajudando a trazer os crimes do “mundo superior” dos negócios e do governo para um campo tradicionalmente voltado para crimes cometidos por pessoas pobres e desprivilegiadas. Naturalmente, mudanças de tão grande alcance encontram

48Sobre o tema da utilização de cassinos como mecanismos de lavagem de dinheiro, pertinente a consulta do trabalho Vulnerabilities of Casinos and Gaming Sector, elaborado pelo The Financial Action Task Force (FATF). (Disponível em: <http://www.fatf-gafi.org/media/fatf/documents/reports/Vulnerabilities%20of%20Casinos%20and%20Gaming%20Sector.pdf>. Acesso em; 19 set. 2012).49CALLEGARI, André Luís. Op.cit., 2003. p. 41.

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resistência em especial por desafiar tanto sensibilidades políticas quanto interesses poderosos e arraigados. Numerosos debates surgiram a respeito de quais transgressões poderiam ser legitimamente chamadas de crime do colarinho branco e se seriam “realmente” crimes.

E com base em uma dinâmica tão específica, o Magistrado Douglas Fischer

indica que este crime possui uma estreita relação com os delitos econômicos

cometidos por pessoas em circunstâncias próprias da posição social de seus

agentes. Vejamos:

Porém, na mesma senda de Sutherland, e com ele concordando com as premissas iniciais, há de se reconhecer ao menos que esses tipos de delitos não são praticados, como regra, por criminosos tradicionais. Trata-se de espécies delitivas que são marcadas, especialmente, pela circunstância de seus agentes, os quais, valendo-se de suas posições sociais e profissionais, praticam crimes que, também em princípio, atingem bens de interesses coletivos ou difusos, com consequências normalmente graves. Em face desses motivos, o delito econômico tende a se identificar como o white collar crime50.

Atualmente, o delito do colarinho branco representa uma característica

inerente do mundo corporativo, representando uma parcela da população que possui

acesso a informações de mercado capazes de realizar diversas movimentações que

dispersem valores de investimento. O problema desta dispersão acentua-se quando

o investimento é depositado fora do território nacional, muitas vezes através da

constituição de empresas offshore em paraísos fiscais, ou ainda, pelo depósito de

valores nestes locais.

Quanto à problemática real do crime de lavagem ligado aos ilícitos

corporativos, Miguel Tedesco Wedy e Diogo Schott afirmam que na atualidade esta

situação está principalmente relacionada ao dilema estatal de proteção dos bens

jurídicos individuais e à dificuldade encontrada pelo sistema judiciário na

comprovação efetiva das provas deste delito:

O problema que envolve a investigação da lavagem de dinheiro é uma das temáticas mais peculiares do atual momento histórico das ciências penais. Um momento histórico que se caracteriza pelo esboroamento de certas garantias e pela reafirmação do papel do estado no combate à criminalidade. Por isso mesmo, um quadrante do tempo que se caracteriza por uma irrefutável e inegável insegurança jurídica.E essa insegurança jurídica decorre também da dificuldade que a ciência

50FISCHER, Douglas. Delinqüência econômica e estado social e democrático de direito: uma teoria à luz da constituição. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2006, p. 45.

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penal está a encontrar para delinear, de forma clara e escorreita, os mecanismos para a proteção dos bens jurídicos supraindividuais que caracterizam a sociedade de risco e a própria lavagem de dinheiro. E, assim, dá-se uma proliferação de delitos de perigo abstrato sem o devido cuidado, o que acaba por gerar autênticas inversões do ônus da prova na seara processual penal. E aí se criva a dificuldade encontrada nos pretórios para a coleta da prova no caso da lavagem de dinheiro. Uma dificuldade que está a gerar uma série de decorrências prejudiciais para a estabilidade das garantias encontradas na Carta Magna de 198851.

Seguindo as características complexas52 do cometimento desse delito,

embora existam garantidas para a defesa da acusação deste crime, a doutrina

aponta que a reunião de provas torna-se uma tarefa complicada, pois o crime do

colarinho branco torna-se de extrema complexidade, caso o produto da conduta

delitiva seja integrado ao mercado financeiro.

51WEDY, Miguel Tedesco; SCHOTT, Diogo; CALLEGARI, Luís André (Org.). Op.cit., 2012. p. 185.52Por exemplo, segundo aponta a CPMI do Caso Banestado, o processo possuia em torno de 22 mil folhas com dezenas de intimados e com denúncias ao Ministério Público.

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