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O corpo na escola
Ano XVIII boletim 04 - Abril de 2008
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SUMRIO
O CORPO NA ESCOLA
PROPOSTA PEDAGGICA ...................................................................................................03
La Tiriba
PGM 1: A ESCOLA, A DISCIPLINARIZAO DOS CORPOS E AS PRTICAS PEDAGGICAS
.......................................................................................................................................... 14
Walter Kohan
PGM 2: EDUCAO DE CORPO INTEIRO......................................................................... 19
Daniela Guimares
PGM 3: ACONCHEGANDO O CORPO NA ESCOLA: AS PERSPECTIVAS......................... 28
Alexandra Pena, Isabel C. Boga Borges, Leonor Pio Borges
PGM 4: EDUCAO E VIVNCIA DO ESPAO:
DILOGOS ENTRE A ARQUITETURA E A PEDAGOGIA.....................................................40
La Tiriba
PGM 5 : O CORPO NA ESCOLA: EXPERINCIAS ALTERNATIVAS ............................ 52Adrianne Ogda Guedes
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PROPOSTA PEDAGGICAPROPOSTA PEDAGGICA
O CORPO NA ESCOLA
La Tiriba1
Entre os sculos XVII e XIX ganha fora a idia de uma separao entre mente e corpo, uma
das bases sobre a qual se fundou uma cincia e uma civilizao que hipervalorizaram a
racionalidade e o trabalho, em detrimento de outros caminhos de conhecer e modos de viver,
buscando suprimir todas as outras formas de conhecimento relacionadas existncia carnal
dos seres humanos: os sentimentos, a imaginao, a intuio, o conhecimento sensual, a
experincia. O objetivo desta srie o de debater e questionar uma lgica de funcionamento
escolar ainda orientada pelo pressuposto de que Penso, logo existo, mxima do pensamento
racionalista, que inspira e define, ainda nos dias de hoje, propostas pedaggicas e rotinas
escolares.
(...) Em todos os espaos, chama a ateno a formalidade, o vazio de referncias infantis,
no h objetos, brinquedos, desenhos das crianas... A organizao semelhante a das
escolas de ensino fundamental: pequenas carteiras enfileiradas, mesa de professora ao lado
do quadro-negro... Num prdio reformado, de pintura brilhante, limpeza caprichada,
crianas de trs para quatro anos assistem, enfileiradas em pequenas e coloridas carteiras
escolares individuais, a uma professora que se esmera em explicar-lhes noo de conjunto.
O que mais impressiona o formidvel empenho e a delicadeza da professora em sua
inteno de ensinar conceitos matemticos, ali no quadro-negro... As crianas,
desconfortveis e desengonadas nas carteiras, apenas repetiam suas palavras: Quantos
elementos tm aqui? Treeees.......!!! Depois desta atividade, exerccios no papel. Na sala
ao lado, crianas bem menores, algumas ainda bebs de 1 ano e pouco, cercadas por todos
os lados das mesmas carteiras coloridas. Do lado de fora, no ptio da escola, um colorido
parque infantil, que as crianas desfrutavam por um perodo diminuto em relao ao longo
tempo em que permaneciam na creche. L fora, depois da cerca, os campos, as rvores, os
animais, o sol, as nuvens o vento... (Observaes feitas em escola infantil da rea rural de
um municpio do Rio de Janeiro - 21/05/01).
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A cena inslita, mas to comum nas escolas brasileiras, a expresso de uma concepo de
educao e de escola que, alm de no fazer conexes entre conhecimento e vida, est voltada
para processos de transmisso/apropriao de conhecimentos via razo, que necessita,
portanto, de mentes atentas e corpos paralisados. Pois no necessrio mais do que ateno
mental para observar, refletir e compreender as regras de uma realidade que entendida como
racionalmente organizada. Em outras palavras, o modo de funcionamento descolado do
mundo natural indica que as prticas pedaggicas das instituies escolares esto definidas,
geralmente, pelas concepes ontolgica, epistemolgica e antropolgica que estruturam o
paradigma moderno, compondo uma idia de que as leis da realidade poderiam ser
apreendidas por um ser cuja principal atividade a racional (Plastino, 1994). Em
conseqncia, fica secundarizado tudo que extrapola esta dimenso: as brincadeiras, as
sensaes corporais, o devaneio.... Mas isto no s: a reproduo deste modo de
funcionamento se faz com o controle do corpo.
Denominada por Foucault (1987) como instituio de seqestro, a escola e outras instituies,
como os presdios, os hospcios e os quartis, visavam controlar no apenas o tempo dos
indivduos, mas tambm seus corpos, extraindo deles o mximo de tempo e de foras. De
maneira discreta, mas permanente, as formas de organizao espacial e os regimes
disciplinares conjugam controle de movimentos e de horrios, rituais de higiene,
regularizao da alimentao, etc. Assim, historicamente, a escola assume a tarefa de
higienizar o corpo, isto form-lo, corrigi-lo, qualific-lo, fazendo dele um ente capaz de
trabalhar.
(...) A ordenao por fileira, no sculo XVII. Comea a definir a grande forma de repartio
dos indivduos na ordem escolar: filas de alunos nas salas, nos corredores, nos ptios; (...)determinando lugares individuais (a organizao de um espao serial) tornou possvel o
controle de cada um e o trabalho simultneo de todos. Organizou uma nova economia do
tempo e da aprendizagem. Fez funcionar o espao como uma mquina de ensinar, mas
tambm de vigiar, de hierarquizar, de recompensar (Foucault, 1987, p. 126).
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As filas que se formam para levar as crianas de um espao a outro, os tempos de espera em
que permanecem encostadas s paredes, a falta de conforto das salas, as regras que so
impostas nos refeitrios, os tempos previamente definidos para defecar: tudo isto remete
idia de fabricao de uma retrica corporal, mas tambm de uma retrica do esprito, pois,
dcil um corpo que pode ser submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado
e aperfeioado (Foucault, 1987, p.118).
Tendo como referncia a concepo espinosiana de que a vivncia do que bom e do que
mau constitui dois tipos humanos, que vivem, aprendem e incorporam distintos modos de
sentir e viver a vida (como potncia ou como impotncia), consideramos que esta
perspectiva (de controle do corpo) est na contramo de um projeto de educao pautadonuma tica da alegria e do cuidado, na medida em que favorece a constituio de um tipo
humano que fraco, impotente (Espinosa,1983; Deleuze, 2002).
Se somos capazes de produzir histria e cultura, como produzir um cotidiano que se paute
pela vivncia do que bom, que alegra e, que frente vida, nos faz mais potentes? Como
favorecer encontros que compem? E como evitar os maus encontros, que decompem,
produzem tristezas? Se estas so sempre expresses da nossa impotncia, como trabalhar no
sentido de um cotidiano em que, diria Espinosa, as paixes alegres se sobreponham s paixes
tristes?
Uma resposta possvel : acreditando nos desejos das crianas, apostando em sua capacidade
de escolha, possibilitando contato permanente com o mundo natural, brincadeiras, livre
movimento do corpo. Entretanto, evidente a distncia da realidade escolar em relao a esta
crena e a este movimento a favor do prazer, da potncia. Onde esto as origens deste modo
de funcionamento?
Educao, escola e divrcio entre natureza e cultura, corpo e mente
Desde a Revoluo Industrial, (que inaugurou a reproduo em srie de bens materiais) e,
depois, a Revoluo Francesa (que superou o feudalismo e props o mercado como eixo da
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vida social) a funo social da escola vem sendo a de ensinar s novas geraes a lgica sob a
qual o sistema capitalista-urbano-industrial-patriarcal se estrutura.
No contexto de uma ordem capitalstica em que o sentido principal do trabalho social a
produo e a acumulao de bens, a escola est ainda organizada de acordo com o
pressuposto de que a razo pode decifrar a lgica interna da natureza. Isto explica que o
objetivo fundamental do trabalho escolar seja o de desenvolver plenamente em seus alunos a
capacidade racional para a compreenso e a submisso da natureza aos interesses do mercado,
desprezando ou secundarizando outros caminhos de abordagem da realidade material e
imaterial. Assim, alguns conceitos/idias/sentimentos/vises de mundo constitutivos dos
ideais da modernidade orientam concepes e prticas escolares em nosso tempo.
Primeiramente, uma crena na razo como salvo-conduto para enfrentar os ritmos da
natureza, que so tomados como obstculos para um esprito conhecedor, pesquisador,
desvendador de todos os mistrios da vida, que seria capaz, inclusive, de determinar os rumos
da histria. H, em conseqncia, supervalorizao do intelecto e desprezo pelo corpo. Esta
uma decorrncia da lgica dual que, separando seres humanos de natureza, afirma a
racionalidade como processo superior, em oposio natureza, identificada com o corpo
humano.
No corao da lgica paradigmtica est uma idia de superioridade em relao natureza: a
faculdade da razo no apenas coloca o Homem acima dos animais, como, por sua
qualidade, superior a qualquer outra espcie. Decorre da que o pensamento seja
considerado a atividade humana mais importante, que a cultura se apresente como a
caracterstica peculiar do homem, pela qual se distingue como um ser especial, diferente dos
animais e das coisas e, portanto, acima deles. Nesta perspectiva, a ordem natural seria inferior
ordem cultural, tudo O que relativo a este plano se sobrepe. Assim, a cultura
antropocntrica fragmenta o que uno: separa os humanos da natureza, a razo da emoo,
definindo uma oposio hierrquica entre as partes, uma das quais sempre considerada
como superior e sempre progride mediante a subordinao a outra (Mies e Shiva, 1997).
Assim, a natureza aparece subordinada aos homens, a mulher ao homem, o consumo
produo, o local ao global, a emoo razo, o corpo mente.
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Onde nasceu esta dupla fragmentao, marcante na trajetria do pensamento ocidental? Na
viso de Nietzsche (2000), j no momento de surgimento do pensamento filosfico cientfico,
na Grcia, algo de essencial se perdeu na relao dos humanos com a natureza e no equilbrio
entre afetivo e cognitivo.
Para Nietzsche, a tradio filosfica ocidental inaugura um afastamento em relao
natureza, que nefasto para os humanos, na medida em que provoca um desequilbrio
patolgico entre corpo e mente, razo e emoo. Na sua viso, algo de essencial se perdeu
quando, a partir de Scrates, os gregos comeam a se afastar dos rituais a Dionsio, o deus da
msica e da embriaguez, e passam a privilegiar Apolo, o deus da racionalidade argumentativa,
do conhecimento cientfico, da lgica. Dionsio o deus que no habita o Olimpo, mas a
natureza. Representa a fora vital, a alegria, o excesso, enquanto Apolo, o deus severo,
representa a ordem, a norma, o equilbrio. Para Nietzsche, a histria da tradio filosfica a
histria do predomnio do esprito apolneo sobre o esprito dionisaco (Marcondes, 1997,
p.243), ou seja, a histria do predomnio da razo sobre o desejo. A decadncia e a fraqueza
da cultura ocidental teriam sua origem neste predomnio da racionalidade sobre a imaginao,
as emoes, as sensaes, que o filsofo define como foras afirmativas da vida. Em sua
viso, esta distoro teria sido reforada por elementos trazidos posteriormente pelo
cristianismo, como a culpa, o pecado, a submisso, o sacrifcio.
O conceito de corpo (do latim, corpus) vem se transmutando ao longo da histria do
Ocidente. Durante a poca moderna, a discusso sobre o que se convencionou chamar de
problema da relao entre alma e corpo manteve algumas das concepes antigas e
medievais. Mas o desenvolvimento da cincia, em especial da fsica, em moldes mecanicistas,
trouxe a noo de corpo material, radicalmente separado da alma.
Descartes (1596-1650) o expoente desta distino entre a substncia ou coisa extensa (res
extensa) e substncia ou a coisa pensante (res cogitans). Para o pensamento cartesiano, o
corpo material ope-se ao esprito, alma, ao pensamento, na medida em que estes seriam
indivisveis, enquanto que o corpo/ a matria seriam divisveis (Japiassu e Marcondes, 1996).
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Na contramo da concepo cartesiana em que a mente domina o corpo e as paixes, e tem
o poder de explicar todas as funes corporais de modo puramente mecnico Espinosa
(1632-1677), ao invs de perguntar o que um corpo, ao invs de buscar uma definio,
interroga: o que pode um corpo? Ao fazer esta pergunta, fere a lgica descrita por
Descartes, segundo a qual todas as funes corporais podem ser explicadas, medidas,
quantificadas. Para Espinosa, estamos fechados nos limites corpreos, mas podemos fugir
sempre, graas fora que nos impulsiona para alm. Assim, no haveria hierarquia entre
corpo e alma, h uma fora inconsciente no esprito, assim como h uma potncia insuspeita
no corpo (Barros e Passos, 2000, p. 3).
Entretanto, ao assumir a funo de formar as novas geraes para a reproduo do modelo
urbano-industrial, a instituio escolar ignorou concepes que no fragmentam nem
subordinam o corpo mente. Ao contrrio, optou por uma viso que, ao hipervalorizar o ego
e o intelecto, nega a verdade do corpo. De fato, temos sentido as conseqncias de um
cotidiano regido por uma rotina de esforos mentais e inflexibilidade fsica. As doenas se
manifestam, so resultado de um modo de funcionamento da sociedade, da fbrica, da
escola, da instituio familiar, de cada um de ns que alienado em relao a muitas das
mais elementares necessidades fsicas, como respirar profundamente, alimentar-se
sadiamente, dormir bem, relaxar.
O corpo humano mais do que um portador do texto mental
Numa sociedade marcada por controle e racionalidade, os movimentos de liberdade e
expressividade das crianas assustam os adultos. Amarrados ao imprio do relgio, ao tempo
da produo, estamos aprisionados aos prprios esquemas, ou melhor, aos limites que nos
foram impostos, na vida escolar, na famlia, no trabalho. Tendo aprendido a engolir os
desejos, so estes mesmos esquemas que necessitamos reproduzir, atravs das normas que
pretendemos impor s crianas, modelando os gestos e, simultaneamente, aquietando o
esprito. Pois, corpo e esprito no esto separados, o que ao no corpo , necessariamente,
ao na alma (Espinosa,1983).
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H, em todos os lugares, como que a obsesso do controle, que perpassa todos os nossos
comportamentos adultos com relao criana; precisamos sentir-nos donos da situao,
ter presentes todas as alternativas que a criana poder escolher, porque s assim nos
sentiremos seguros. A liberdade da criana a nossa insegurana, enquanto educadores,pais ou simples adultos, e, em nome da criana, buscamos a nossa tranqilidade, impondo-
lhes at os caminhos da imaginao (Lima, 1989, p.11).
Mas o desejo conspira... Na viso do filsofo Charles Fourier (1772-1837), porque ele no
tem outras alternativas, outros caminhos para satisfazer-se! Torna-se, assim, um subversivo
permanente, que trabalha de maneira infatigvel na desorganizao da sociedade,
desrespeitando todos os limites colocados pela legislao (Konder, 1998, p.17). Isto acontece
por uma questo de sobrevivncia fsica e espiritual. O desejo persevera porque, oprimido, se
manifesta como sintoma, como doena, do corpo e da alma, pois, toda paixo estrangulada
produz uma contrapaixo to malfica quanto a paixo natural seria benfica (idem, p.19).
Alm de buscar uma compreenso sobre um estilo de educar que desconsidera as crianas em
sua integralidade existencial, a srie O corpo na escola quer apresentar e refletir sobre
prticas educacionais atentas s vontades do corpo; prticas que no aprisionam os
movimentos, ao contrrio, ajudam as crianas a expressarem a dana de cada um, isto , o
jeito de ser, que , em outros termos, a expresso de nossa psiqu, de nossa alma. Atravs da
dana do corpo se mostra o interior de cada um (Robim, 1997, p. 1).
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Para danar a sua dana e construir uma dana coletiva (o estilo de ser de cada grupo)
precisamos de espaos-ambientes (Lima, 1989), que favoream esta construo, que
abram espaos (objetivos e subjetivos) para o corpo e o movimento. A escola precisa
recuperar a liberdade de movimentos que a vida na cidade grande e seu respectivo
modelo de funcionamento escolar restringiram, impedindo as mais simples e
fundamentais manifestaes como correr, pular, saltar, etc.
(...) Tudo isto traz tambm uma reduo da confiana no prprio corpo e uma certa
sensao de impotncia que difcil de erradicar, apesar de muitas vezes tentar-se
compensar a criana dando-lhe maior estimulao de sua fantasia ou de sua inteligncia,
atravs de tantos meios de que dispomos atualmente, conseguindo assim que o centro
intelectual supra uma carncia que na verdade no pode cumprir porque corresponde a
outros nveis de existncia (Palcos, 1998, p.2).
De acordo com Palcos (1998), a falta de liberdade de movimentos vai formando travas que
impedem as crianas de fazer um crescimento harmnico. Como todo movimento se inicia ou
deveria iniciar-se com um movimento reflexo, aqueles se perdem na medida em que estesficam inibidos. As escolas, enquanto espaos de educao integral das crianas, devem
constituir-se como ambientes que contribuam para evitar o surgimento de travas, ou mesmo
eliminar as que j tiverem se instalado, contribuindo para construir ou mesmo recuperar a
liberdade e a confiana no corpo. Esta uma das responsabilidades do educador que assume a
educao integral das crianas, porque a confiana no prprio corpo est relacionada ao
sentimento de confiana na vida.
Temas que sero abordados na srie O corpo na escola, que
ser apresentada no programa Salto para o Futuro/TV
Escola/SEED/MEC de 14 a 18 de abril de 2008:
PGM 1: A escola, a disciplinarizao dos corpos e as prticas pedaggicas
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Este primeiro programa apresentar e discutir a idia moderna de corpo como mquina e as
suas influncias nas rotinas escolares, ainda em nossos dias. Abordar as concepes de corpo
ao longo da histria, entre os gregos e, especialmente, em Descartes e Espinosa. E trar
tambm os estudos de Foucault sobre o papel da escola na constituio da sociedade moderna,
alm das idias da tradio filosfica racionalista e do romantismo sobre os cinco sentidos. A
inteno a de fazer uma articulao deste conjunto de idias com as prticas educacionais
cotidianas.
PGM 2: Educao de corpo inteiro
Este segundo programa ter como foco as contribuies atuais dos campos da pedagogia, da
psicologia e da Educao Fsica, que, nos ltimos tempos, vm apresentando novas propostas
comprometidas com uma educao de corpo inteiro. Sero debatidas as concepes de
conhecimento e de prtica pedaggica informadas por tericos como Piaget, Vygostsky,
Wallon, Maturana e Varela, Deleuze, e tambm propostas alternativas para uma educao que
considera a escola como espao de educao integral, isto , como instituio que considere
ritmos e interesses infantis, que permita s crianas e aos jovens aprenderem a identificar e a
respeitar as vontades do corpo.
PGM 3: Aconchegando o corpo na escola: as perspectivas
Este terceiro programa tem o objetivo de discutir as rotinas que envolvem mais claramente os
processos corporais (os tempos cotidianos para mexer, comer, dormir, danar, relaxar, correr,
brincar), especialmente nas escolas de horrio integral. Assim, sero abordadas tanto as
dinmicas de escolas de Ensino Fundamental, quanto de Educao Infantil, no que se refere s
necessidades de ampliar os espaos e os tempos de movimentar-se livremente, relaxar,
meditar, estar atento respirao, melhorar a alimentao, cuidar da postura, ter contato com
a natureza.
PGM 4 Educao e vivncia do espao: dilogos entre a arquitetura e a pedagogia
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Neste quarto programa, o debate ser voltado para as relaes entre a educao e a vivncia
do espao. Neste sentido, abordar a questo do conforto e/ou do desconforto que oferecem os
prdios escolares, assim como o afastamento das crianas em relao ao mundo natural. O
objetivo discutir a sua adequao educao integral das crianas, considerando o conjunto
de necessidades corporais, espirituais, sociais e cognitivas. O programa abordar a questo da
importncia da definio de parmetros de qualidade (recentemente elaborados no campo da
Educao Infantil), assim como as propostas de arquitetos escolares importantes, como
Mayume de Souza Lima.
PGM 5 - O corpo na escola: experincias alternativas
Este quinto programa estar voltado para o relato e o debate de experincias concretas,
trazendo educadores/instituies que buscam construir propostas pedaggicas e rotinas
cotidianas comprometidas com a superao do divrcio entre corpo e mente, razo e emoo.
O debate envolver questes como mudanas nas formas de organizao dos espaos, dos
tempos, dos materiais pedaggicos e da prpria grade curricular, valorizando as atividades
que incluem o movimento do corpo em contato com a natureza, os jogos (cooperativos x
competitivos), a autodisciplina, a cooperao, a valorizao das interaes humanas.
Bibliografia
BARROS, Regina e PASSOS, Eduardo. A construo do Plano da Clnica. In:
Psicologia, teoria e pesquisa, jan./abr. 2000, vol. 16, n.1, p. 71-79.
DELEUZE, Gilles.Espinosa, filosofia prtica. So Paulo: Escuta, 2002.
ESPINOSA, Baruch de. tica. So Paulo: Abril Cultural, 1983. (Coleo Os
Pensadores).
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Petrpolis: Vozes, 1987.
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JAPIASSU, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionrio Bsico de Filosofia. Rio de
Janeiro: Zahar, 1996.
KONDER, Leandro. Charles Fourrier: o social ismo do prazer. R io deJaneiro: Ed. Civilizao Brasileira, 1998.
LIMA, Mayume de Souza.A cidade e a criana. So Paulo: Nobel, 1989.
MIES, Maria y SHIVA, Vandana. Ecofeminismo: teoria, crtica y perspectivas.
Barcelona: Icaria editorial, 1997.
MARCONDES, Danilo. Iniciao histria da filosofia: dos pr-socrticos
Winttengestein. Rio de Janeiro: Ed. Jorge Zahar, 1997.
NIETZSCHE, Friedrich. A filosofia na poca trgica dos gregos. In: SOUZA, Jos
(org.). Pr-socrticos vida e obra. So Paulo, Nova Cultural, 2000. (Coleo
Os Pensadores).
PALCOS, Maria Adela. Corpo e Psiquismo. Rio de Janeiro: Espao Coringa Rio
Aberto, 1998, mimeo.
PLASTINO, Carlos. O primado da Afetividade. A crtica freudiana ao paradigma
moderno. Rio de Janeiro: Relume Dumar, 2001.
ROBIM, Michel. A dana nossa de cada dia nos dai, hoje!. Rio de Janeiro: Espao
Coringa, 1998, mimeo.
TIRIBA, La. Crianas, natureza e educao infantil. Tese de doutorado. Rio de
Janeiro: PUC-Rio, 2005.
____. Reinventando relaes entre seres humanos e natureza nos espaos de educao
infantil. Revista Presena Pedaggica, v.13, n.76, jul./ago., Belo Horizonte,
Editora Dimenso, 2007.
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NOTAS:NOTAS:
Professora ambientalista e jornalista. Coordenadora do Setor de Educao
Ambiental do NIMA (Ncleo Interdisciplinar de Meio Ambiente/NIMA) da PUC-
Rio. Professora do Departamento de Educao e do Curso de Especializao
em Educao Infantil desta mesma Universidade. Assessora da Secretaria
de Educao de Santo Andr/SP. Consultora desta srie.
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PROGRAMA 1PROGRAMA 1
A ESCOLA, A DISCIPLINARIZAO DOS CORPOS E AS PRTICASPEDAGGICAS
Escola, experincia e verdadeEscola, experincia e verdade
Walter Kohan1
A escola tem sido, nos ltimos sculos, uma das instituies privilegiadas para disseminar as
verdades que uma sociedade produz, por meio de uma srie complexa de prticas de
disciplinamento, controle e governo. Se pensarmos no corpo, uma das coisas que mais
aprendemos na escola alunos, professores, orientadores, diretores, funcionrios, enfim,
todos ns que passamos pela instituio levar os corpos de determinada maneira e
privilegiar certo tipo de relaes corporais, com o nosso prprio corpo e os outros corpos que
habitam a instituio. As cadeiras colocadas de acordo com alguma posio predeterminada,
os corpos alinhados nas fileiras nos ptios, o uso de uniformes e outras normas sobre
vestimenta, as regras para controlar a entrada e a permanncia nos banheiros so algumas das
mais evidentes tcnicas de disciplinamento corporal.
Para pensar a escola, pode ser interessante considerar conceitos como verdade e experincia.
Os conceitos so criaes dos filsofos para dar conta de alguns problemas que eles mesmos
criam. Alguns conceitos so to interessantes que adquirem vida prpria, para alm do
problema para o qual foram criados. Este o caso de conceitos como experincia e verdade.
Neste texto, tentaremos pensar, com eles, a escola, a disciplinarizao dos corpos e as prticas
pedaggicas. Para isso, primeiro, vamos apresentar um uso especfico que M. Foucault faz
dos conceitos de verdade e experincia, contrapondo-os; num segundo momento,
estenderemos esse uso para pensar a questo que nos ocupa. Finalmente, formularemos alguns
interrogantes a partir das anlises propostas para o caso especfico da infncia.
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Foucault prope pensar a experincia e a verdade em relao com a escrita. O que significaria
escrever um livro a partir dessas duas possibilidades? O autor francs prope que, segundo a
lgica da verdade, quem escreve um livro o faz porque est instalado numa verdade e o
sentido principal da escrita a transmisso dessa verdade para os eventuais leitores do livro.
Assim, quem escreve um livro-verdade o faz para transmitir o que sabe para quem ele
considera que no sabe. Um livro funciona muito bem como verdade quando, depois de sua
leitura, sabemos o que antes no sabamos. De modo que, se h livros escritos como verdade,
porque tambm h leitores de livros verdade, ou seja, aqueles leitores que procuram num
livro as verdades que eles desejam conhecer. H livros que parecem ser escritos estritamente
com essa pretenso: por exemplo, aqueles que levam por ttulo: O que verdadeiramente disse
X ou ento tudo o que voc queria saber sobre Y. Tambm muitas outras formas de escrita
podem ter essa mesma lgica da verdade. Por exemplo, o jornal. Lemos o jornal como
verdade quando pensamos que nele vamos nos inteirar do que no sabemos.
A experincia revela outra relao com a leitura. Um livro que funciona como experincia
tambm afirma uma srie de verdades que pode ser constatada ou refutada. A experincia no
indiferente verdade. Mas, diferentemente de um livro que funciona como verdade, um
livro experincia no afirma verdades com o sentido de transmiti-las, mas para problematizar
a relao que um autor, ou um leitor, tm com a verdade. De modo que o ato de escrever ou o
de ler um livro, a partir da lgica da experincia, significam entrar num jogo de verdade que
tem por propsito desestabilizar a prpria verdade da qual se parte. Afirma Foucault:
Eu jamais penso exatamente o mesmo pela razo de que meus livros so, para mim,
experincias. Uma experincia algo do qual a prpria pessoa sai transformada. Se eu
devesse escrever um livro para comunicar o que j penso, antes de haver comeado aescrever, no teria jamais a coragem de empreend-lo2.
Para Foucault, ento, a experincia, como propiciadora de transformaes, e no a verdade o
que d sentido escrita. Um livro funciona como experincia quando, depois de l-lo, j no
podemos mais saber o que sabamos antes, como o sabamos. Se a verdade consolida os
lugares j habitados, a experincia uma espcie de viagem que permite sair do lugar que se
habita. Quando ela intensa e ousada, a transformao sequer conhece o ponto de chegada.
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Temos ento a experincia e a verdade como possibilidades da escrita e da leitura. Se o
sentido da segunda a transmisso da verdade, o sentido da primeira a transformao de si
atravs da transformao da relao com a verdade. O leitor j pode estar aplicando essa
distino ao prprio exerccio de leitura que est fazendo agora mesmo com este texto.
Pergunto ao leitor: estas palavras sobre a experincia e a verdade esto sendo lidas como
experincia ou como verdade?
Podemos tambm estender esses conceitos a muitos outros campos. Para aproximarmo-nos
daqueles que participam deste programa, podemos pensar na educao. Comecemos pelo
corpo. A verdade e a experincia so possibilidades do corpo em pelo menos dois sentidos.
H, por um lado, corpos que funcionam como verdade, e a servio de uma verdade, para
reproduzir padres ou valores socialmente impostos de, por exemplo, comportamento e
beleza. E a verdade tambm uma possibilidade para relacionarmo-nos com os corpos, de
saber o que no sabemos sobre eles, de como eles funcionam e como devem ser mostrados e
usados socialmente. Cada sociedade contm uma srie de dispositivos para produzir, legitimar
e transmitir suas verdades sobre as questes que lhe interessam. O corpo no uma exceo.
Porm, h tambm a possibilidade de um corpo experincia, ou seja, de uma relao de
experincia com o corpo. Neste caso, as prticas corporais no visam consolidao e
transmisso de uma verdade sobre o corpo, mas, ao contrrio, colocar em questo as verdades
que o corpo carrega consigo.
De fato, a questo bastante mais ampla e a escola tem funcionado como uma das instituies
mais poderosas na legitimao e na transmisso das verdades de uma sociedade, no apenas a
respeito dos corpos. So to fortes os dispositivos escolares consolidados no apenas pela
rigidez dos sistemas de ensino, mas tambm pelas tradies culturais que se sentem
extremamente vontade neles , que a pergunta pela prpria possibilidade de uma escola
experincia no carece de sentido. Em outras palavras, possvel uma escola que funcione
como experincia e no apenas como verdade? Pode sobreviver enquanto escola uma escola
que se volta contra as verdades que ela prpria afirma e dissemina?
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Um leitor poderia estar tambm se perguntando: e caso sobreviva, como seria esta escola no
que diz respeito s necessidades e aos desejos do corpo? A ordem disciplinar tradicional, com
as cadeiras em filas, os uniformes e os regimentos atuais, seria substituda por qual ordem?
Ou seria substituda pela falta de ordem, a desordem? Talvez seja necessrio um
esclarecimento: no apenas mudando de tcnicas que se muda o modo de exercer o poder.
Por exemplo, podemos sentar os alunos em crculo, em confortveis travesseiros, com roupas
coloridas e numa sala bem arrumada para controlar e disciplinar mais sofisticadamente seus
corpos. Tambm seria interessante pensar que a desordem tambm uma ordem. Em todo o
caso, eis o que interessa mais a uma escrita experincia do que a uma escrita verdade: que o
prprio leitor pense a forma que uma escola mais sensvel s necessidades e aos desejos do
corpo teria.
Essa pergunta, em parte, diz respeito a todos ns que habitamos a instituio escolar.
Pensemos num professor de uma escola qualquer. Ele tambm tem a verdade e a experincia
como possibilidades. Um professor verdade aquele que entra na sala de aula porque pensa
que ele portador de algumas verdades das quais carecem seus alunos. claro que se existem
professores verdade porque tambm h alunos verdade, ou seja, aqueles que entram na sala
de aula para saber a verdade que os professores pretendem lhes transmitir. Ao contrrio, um
professor experincia aquele que entra na sala de aula, mesmo afirmando uma srie de
verdades, com o sentido principal de colocar suas verdades em questo, desejando mais
transformar e ser transformado do que transmitir o que j sabe. E, certamente, s h
professores experincia porque h alunos experincia. Tambm vale a pena se fazer a
pergunta sobre a prpria possibilidade de ser um professor que funcione como experincia no
interior da escola moderna, to prxima da lgica da verdade. Podemos ser professores
experincia no meio das condies existentes, incluindo as demandas sociais que so
colocadas na escola?
A questo diz tambm respeito infncia e a como a acolhemos. Se a escola pressupe uma
infncia verdade, porque temos feito dela um dos principais objetos de saber e poder. Da
infncia cada vez sabemos mais e com mais detalhes e sofisticao. Basta sabermos a idade
de uma criana para logo poder antecipar sua conduta, sua reao, e assim planejar
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adequadamente uma estratgia de desenvolvimento. Com efeito, temos feito da infncia um
dos terrenos favoritos da verdade. Diga-me teus anos e te direi como te comportars! O
lugar outorgado infncia atravessa a esquerda e a direita. Sabemos a verdade de uma
formao que conservar a sociedade ou ainda a revolucionar. Outorgamos um nico lugar
infncia, como lgico, num lugar onde domina a verdade. A escola verdade acolhe uma
infncia verdade, cuja formao alimenta os sonhos dos educadores. Pouco importa se esses
so tambm os sonhos da infncia.
Contudo, podemos afirmar outra relao com a infncia e dispor outro lugar para ela. Ela
pode ser tambm algo mais do que a matria de nossos sonhos e utopias, se abrirmos a
infncia e nossa relao com ela experincia. Mais uma vez, no est claro se isso
possvel, e como possvel, na escola moderna. Mas parece evidente que a lgica da verdade
est dando sintomas notrios de esgotamento, que ela pouco sensvel novidade da
infncia; ao novo, virtual ou atual, que cada nascimento traz consigo.
Por fim, a questo parece ir um pouco alm da escola, do corpo, da disciplina, dos
dispositivos pedaggicos e, ainda, da prpria infncia. A questo se somos capazes de fazer
no apenas do corpo, da escola e da infncia, mas da prpria vida, uma experincia. A questo
ento se a verdade, ou se a experincia, que d sentido a uma vida... dentro ou fora da
escola.
Notas:
Professor titular de Filosofia da Educao da Universidade do Estado do Rio
de Janeiro (UERJ).
2 M. Foucault. Entretien avec Michel Foucault. Entretien avec D.
Tromabadori. In: Dits et crits. Paris: Gallimard, 1994/1978, p. 41.
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PROGRAMA 2
EDUCAO DE CORPO INTEIRO
Daniela Guimares1
De um modo geral, na escola, o corpo compreendido e vivido na perspectiva do controle, da
adaptao e da represso. O ajuste social aprisiona a expanso, o espao dos impulsos e dos
prazeres. preciso e precioso o silncio, o uniforme limpo e alinhado, o jeito correto de se
sentar, o dedo levantado para a pergunta, o gesto calculado para no agitar o ambiente. Ocenrio de uma escola costuma ser reconhecido pela presena de cadeiras e mesas, quadro de
giz, murais, ou seja, equipamentos materiais que legitimam a valorizao dos processos de
representao (escrita, desenho, e outras marcas grficas), em detrimento de espaos para a
acolhida e a movimentao do corpo. A dimenso individualizante do trabalho tambm
contribui para o isolamento corporal: carteiras para uma s criana, atividades individuais,
prticas em que o valor colocado mais em cada um do que no grupo.
Na escola, os processos mentais tm primazia, em detrimento do corpo que, de modo geral,
ocupa o plano da eficincia, como instrumento do pensamento, funcionando como ponto de
aplicao de diversas tcnicas segurar corretamente o lpis, subir escadas alternando os
passos com sincronia, equilibrar-se, sentar de modo ereto, dentre outras. De um modo geral,
as aes educacionais valorizam mais as crianas como indivduos do que como participantes
de um grupo social, incentivam mais os processos racionais do que os motores, sensoriais e
afetivos.
Esta situao enraza-se nas concepes de desenvolvimento e aprendizagem que sustentam o
trabalho nas escolas. Diversos autores, especialmente do campo da Psicologia, elaboraram
vises sobre como as crianas aprendem e se desenvolvem que so incorporadas pelas teorias
pedaggicas, tendo em vista a organizao das prticas e dos modos de ensino nas instituies
educacionais. Neste texto, vamos apresentar algumas destas teorias do campo da Psicologia,
com o objetivo de focalizar o lugar que o corpo assume em suas formulaes.
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Em suas pesquisas, na rea da Psicologia, Piaget buscava responder seguinte questo: como
o adulto chega a pensar de modo hipottico e dedutivo, quer dizer, criando hipteses sobre
acontecimentos futuros ou planejando mentalmente suas aes antes de serem realizadas?
Como a criana deixa de precisar dos sentidos (olfato, viso, tato, etc.) ou da experincia
direta com os objetos para conhec-los, podendo fazer isto somente atravs da sua ao
mental?
De acordo com Piaget, no incio, quando a criana pequena, at mais ou menos os 6 anos,
para conhecer um objeto, preciso manipul-lo, senti-lo, t-lo presente. Por exemplo, no
possvel entender quanto a soma de 2 laranjas mais 3 laranjas, se no for possvel tocar e
mexer nas laranjas de verdade. Mais tarde, a criana no precisar mais lidar materialmente
com os objetos para concluir relaes entre eles, mas conseguir mentalmente resolver
problemas que envolvam essas relaes: a soma, a comparao entre as laranjas, etc. Piaget
estudou como o homem chega a no precisar dos objetos concretos para extrair deles relaes,
como faz isso mentalmente, pensando sobre eles.
Piaget estudou tambm como nasce o conhecimento abstrato, ou seja, independente da ao
do homem sobre os objetos; como gerado o conhecimento lgico, mental. Este projeto de
estudo piagetiano denomina-se Epistemologia Gentica. Gentica significa a gnese, isto , a
origem do conhecimento. Episteme significa cientfico; e logia quer dizer estudo. Piaget
pesquisou a origem do conhecimento cientfico no homem. Neste processo, investigou o
desenvolvimento intelectual (o desenvolvimento da inteligncia), dividindo-o em quatro
grandes perodos: perodo sensrio-motor; perodo pr-operatrio; perodo das operaes
concretas e perodo das operaes abstratas (ou formais).
A prpria definio do projeto piagetiano j expe o seu limite na considerao do corpo. O
conhecimento pela via das sensaes e do movimento algo a ser superado, tendo em vista a
competncia mental, que se coloca como o ponto de chegada final do desenvolvimento, o
pensamento abstrato, formal, hipottico e dedutivo. Conhecer construir relaes lgico-
matemticas no contato com os objetos.
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A partir das bases piagetianas, muitos projetos educacionais centram seu trabalho na
construo das estruturas mentais das crianas, planejando atividades em que o foco
organizar objetos logicamente, classificar, seriar, perceber diferenas e semelhanas entre
eles. A competncia intelectual e individual da criana marca as prticas.
Vigotski, tambm no campo da Psicologia, dedicou-se a identificar o nascimento cultural da
criana, a partir do substrato biolgico (essencialmente corporal) que a constitui. Este autor
prope uma abordagem dialtica para a relao entre biolgico e cultural, corpo e mente,
compreendendo que as construes socioculturais transformam o suporte biolgico que,
paralelamente, abre-se para novas elaboraes simblicas. Para este autor, a vida
interpsicolgica, a cultura na qual nasce a criana, torna-se sua vida intrapsicolgica,
formando suas competncias particulares, a partir de processos de negociao e re-criao
constantes.
Vigotski (1984) estuda o gesto de apontar como indicador da origem do processo de
constituio sociocultural das crianas. Sobre isso, ele diz que, inicialmente, esse gesto no
nada mais do que uma tentativa sem sucesso de pegar alguma coisa. Mas, quando a me vem
e ajuda a criana, notando que o seu movimento indica algo, a situao muda; o apontar torna-
se um gesto para os outros, para a me, neste caso. Ento, pegar um objeto transforma-se em
apontar, pela compreenso que o adulto mostra ter da ao da criana. Um comportamento de
base biolgica ganha novo sentido, torna-se comportamento dirigido para outra pessoa,
comportamento social, pelo contato com o outro.
Baseado em Vigotski, o trabalho de Pino (2006) dedica-se a buscar os indcios das origens da
constituio cultural da criana no ponto onde ocorre o encontro das formas simblicas de
comunicao adulta, com as quais o outro significa as coisas criana, com as formas
biolgicas de comunicao da criana (formas que ela dispe ao nascer). O autor indaga se
existiriam, antes do movimento de apontar, outros mecanismos que, sem exigir a
funcionalidade motora do apontar, poderiam desempenhar um papel equivalente. Ou seja,
antes da existncia da funcionalidade motora, seria possvel falar j de uma atividade cultural?
Nesta pista, identifica quando e como formas de reatividade do corpo tornam-se expressivas,
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portadoras de significao. Destaca o choro, o olhar, o movimento e o sorriso como
mecanismos que promovem essa relao entre natureza e cultura, localizando, atravs da
relao do adulto com essas expresses do beb, a construo de padres relacionais com o
mundo cultural circundante.
Desde os primeiros instantes da existncia, diferentes mecanismos culturais entram em ao,
conferindo ao movimento do beb um carter cada vez menos automtico e cada vez mais
imitativo e deliberativo. Ento, choros, sorrisos, deslocamentos e olhares so interpretados
pelos adultos, criando formas relacionais com os bebs. A forma natureza (reflexos,
movimentos fortuitos, balbucios, etc.) adquire um novo modo de existncia quando ganha
significao nas relaes interpessoais.
Ou seja, no incio, a funo sensorial e a funo motora constituem o primeiro circuito de
comunicao da criana com o outro. Podemos ver as crianas trocando objetos, olhares,
muitas vezes de forma casual e contingente. Ao entrar em funcionamento, esse circuito as
coloca numa rede de relaes em que suas aes vo ganhando significao, de acordo com a
tradio cultural do seu grupo. Pouco a pouco, ganham intencionalidade, sentido e direo.
Neste enfoque, o corpo entendido como espao de construo simblica e cultural a partir
da relao com o outro. O mundo adulto insere a criana no universo das construes
simblicas e verbais, quando, por exemplo, nomeia a ao das crianas, tutela suas
expresses, controla seus movimentos.
Pino (2006) prope que a cultura supe a natureza, porque ela , em ltima instncia, a
prpria natureza transformada em cultura, mas uma natureza que, sem deixar de ser
natureza, torna-se algo novo (p. 268), o que se pode chamar de natureza humanizada.
Essa ponderao importante porque chama a ateno para o risco da construo de
dicotomias e desequilbrio na valorizao de um ou outro plano, o natural ou o cultural.
De um lado, o trabalho de Vigotski chama a ateno para a importncia das relaes sociais
na constituio cultural das crianas, valorizando o que podem descobrir e como podem
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crescer em colaborao com adultos e parceiros com experincias distintas. Por outro lado,
preciso desviar do risco de considerar o plano cultural como um ideal a atingir. importante
focalizar, por exemplo, as formas no-verbais atravs das quais o mundo vai sendo
significado e experimentado. De um modo geral, os adultos se colocam como aqueles que j
sabem o que a criana quer, deseja, para onde vai seu movimento. Se as vem perto de um
balano, a tendncia coloc-las em cima dele; se percebem objetos perto de uma caixa,
concluem que vo coloc-los dentro dela.
O referencial que Vigotski aponta para pensarmos a aprendizagem e a escola demanda que
possamos focalizar os processos de negociao de sentidos das crianas entre si, e delas com
os adultos, como diferentes relaes de fora se compem. O que pode a criana no contato
com o adulto, de fato? Qual sua potncia, e no como se molda ao adulto? Trata-se de uma
tnue e fundamental diferena que se coloca no cotidiano das escolas. At que ponto o adulto
tutela a ao das crianas, ou dispe referncias e apresenta possibilidades que podem ser
agenciadas pela criana, no movimento do seu crescimento?
No plano do corpo, o desafio perceber como a dimenso natureza se torna cultura sem
deixar de ser natureza, expresso de emoes e afetos no deliberados. Gestos e movimentos
que nascem do impondervel, para obter prazer pelo prazer, podem tornar-se gestos para e
com o outro, sem que se perca o espao para o irrefletido, o inesperado, a surpresa, a alegria.
De modo semelhante a Vigotski, as investigaes do psiclogo Wallon buscavam como as
conexes cerebrais modificam-se medida que o ser humano relaciona-se socialmente.
Conversas do beb com a me, o colo dos adultos, poder ver e escutar outras pessoas, tudo faz
com que as regies do crebro do beb se ampliem e mudem suas funes. As interaes
sociais transformam os padres biolgicos. Wallon afirmava que o humano organicamente
social. Tambm como Vigotski, Wallon prope que somos sujeitos a partir do outro, pela
mediao do outro, ou seja, a partir da linguagem, que se coloca no meio, entre ns e o
mundo, para organizar a nossa relao com ele. Mais uma vez, neste caso, o desafio
perceber a linguagem para alm da dimenso oral, materializao do pensamento. H
linguagem nos olhares, no toque, na entonao, em outros modos de significar e trocar com o
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outro, para alm da forma verbal dominante e socialmente mais valorizada qual o lugar
destas outras formas na escola?
Wallon props trs centros que se entrelaam diferentemente, ao longo do desenvolvimento
da criana: a afetividade, a motricidade e a cognio. Num perodo inicial do
desenvolvimento, no recm-nascido, predomina a afetividade (a inteligncia ou cognio no
se separa da afetividade). o perodo denominado por ele como impulsivo-emocional (at por
volta de 2 anos). Nesse momento, o autor reconhece algo como um "dilogo tnico", ou seja,
uma espcie de conversa entre o beb e o adulto por intermdio no s das palavras, mas do
tnus corporal, da expresso facial, dos gestos, do contato fsico.
na relao com o movimento e a fala dos adultos que a criana vai entendendo quem ela e
quem so os outros. O processo de imitao tem um papel importante neste momento.
Quando faz algo igual a algum, quando busca imitar a palavra dita pela me, quando imita o
jeito de a av esconder um boneco embaixo de um pano, a criana ganha novos movimentos e
vai inserindo em seu repertrio a possibilidade simblica, ou seja, a capacidade de representar
aes e objetos ausentes do seu campo perceptivo, da sua viso presente.
Conforme os movimentos se expandem e desenvolvem-se o pegar, o andar e o deslocar-se
no espao tambm os movimentos simblicos aparecem. Trata-se do que Wallon denomina
dos primeiros ideomovimentos, caractersticos do perodo sensrio-motor projetivo (entre 2 e
4 anos).
Wallon prope que o ato motor o deslocamento do corpo no espao com cada vez mais
desenvoltura e segurana gera o ato mental. As primeiras idias mentais das crianas
nascem em seus movimentos. Ao observarmos crianas pequenas (de 3 anos, por exemplo)
brincando, comum percebermos que dos gestos brotam palavras e significados. Tambm
quando desenham, s conseguem dizer o que fizeram depois que terminam e no antes. Ou
seja, as palavras que retratam as idias surgem nas relaes e aes no espao.
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importante ressaltar que o ato mental inibe o motor, mas no deixa de ser atividade
corprea. Comea a haver uma economia no movimento quando o pensamento ganha um
lugar maior, medida que a criana mexe menos msculos para realizar tarefas. No entanto,
Wallon reconhece nas atividades de pensamento o que ele chama de funo tnica do
movimento, ou seja, uma motricidade expressiva. Ento, h dois tipos de atividade corprea:
a cintica, responsvel pelo movimento, deslocamento, mudana de posio e a atividade
tnica, presente na imobilidade e responsvel pela expressividade.
Para Wallon, por volta dos 4 anos, surge o perodo personalista, momento de afirmao do eu;
e a partir dos 7 anos, o perodo categorial, quando o domnio cognitivo oferece as bases para
que se desenvolvam as aes mentais de explicar, definir, diferir objetivamente o mundo.
relevante pensarmos que tanto a dimenso afetiva, quanto a cognitiva (mental) e do
movimento esto em jogo em todos os momentos do desenvolvimento. No h para Wallon
superposio de uma pela outra, somente predominncia alternada. Valorizar estes trs planos
no cotidiano da escola um desafio!
A contribuio de Wallon para pensarmos a escola traz algumas outras provocaes: como
equacionar a valorizao tanto do movimento cintico quanto do tnico, quer dizer, a
importncia dos deslocamentos da criana no espao, da expanso, correr, pular, saltar e a
contrao inerente ao pensamento? Como considerar o que o autor denomina como dilogo
tnico, que aparece entre o beb e o adulto, como forma de relao mediada pelo contato
corporal, como algo importante para a vida inteira? Como o professor toca, olha, escuta e,
pelas vias sensoriais, constitui uma qualidade afetiva na relao com as crianas no cotidiano?
Autores contemporneos do campo da Biologia e da Psicologia, Maturana e Varela, propem
que sujeito e meio so efeitos de uma rede processual, constituindo-se reciprocamente. O
princpio a relao. Assim, no conhecemos um mundo preexistente, que existe
independente de nossas aes nele. No h separao entre nosso conhecimento do mundo e o
que fazemos nele. Essa circularidade entre ao e experincia permite a afirmao de que todo
ato de conhecer faz surgir um mundo. Quando nos debruamos sobre a realidade para
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conhec-la, tambm produzimos essa realidade. Na relao entre sujeito e ambiente, ambos
esto em constante mudana. A capacidade de o organismo produzir a si mesmo sem destruir
sua unidade denominada pelos autores de autopoiesis.
Assim, a cognio, ou a produo de conhecimento, acontece no domnio das interaes de
todo o sistema autopoitico (onde a produo de sujeito e a produo de mundo acontecem
simultaneamente). Portanto, o conhecimento no algo que acontece na mente, mas em todo
o corpo. Maturana e Varela chamam de enao a cognio corporificada, isto , o fruto da
ao do sujeito no mundo, possibilitada pelo corpo. A ao guiada por processos sensoriais.
A partir dessas idias de Maturana e Varela, podemos dizer que a aprendizagem envolve a
coordenao de corpo e mente e no somente a representao mental do mundo.
Aprendizagem no repetio mecnica, mas atividade criadora, que envolve o acoplamento
do organismo com o meio. Na escola, importante focalizar quais as experincias sensoriais,
afetivas e relacionais das crianas, tendo em vista percebermos quais mundos criam e como
so constitudas como sujeito. A experincia produz o conhecimento e produz a prpria
criana, como exploradora, criadora, confiante em si, ou submissa, passiva, expectadora da
ao do outro.
A interlocuo com a Filosofia dilata essa compreenso da aprendizagem como criao de um
mundo, experincia e no representao mental, algo que acontece somente no pensamento.
Deleuze (1987), analisando a obra de Proust, prope que a aprendizagem acontece sempre por
intermdio de signos e no pela assimilao de contedos objetivos; acontece quando um
signo interpela o sujeito, no encontro, no como algo planejado de antemo. Para o autor,
todo aprendiz egiptlogo de alguma coisa, decifra signos que emanam dos objetos, do
mundo, das relaes.
Portanto, para a escola, coloca-se o desafio de organizar espaos, objetos, relaes que
incitem ao movimento, aos encontros, alegria, surpresa e ao impondervel. Isso no
significa deixar de lado ou de fora o pensamento e a razo, mas de equacion-los com o corpo
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e a emoo, na perspectiva de dar sentido e compreender os acontecimentos da vida, o que
diferente de controlar a vida, antes que ela acontea.
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
DELEUZE, Gilles.Proust e os signos. Rio de Janeiro: Forense, 1987.
MATURANA, Humberto. Emoes e linguagem na educao e na poltica. Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2002.
PIAGET, Jean. O raciocnio na criana. Rio de Janeiro: Record, 1967.
PIAGET, Jean. O nascimento da inteligncia na criana. Rio de Janeiro: Zahar, 1970.
PINO, Angel.As marcas do humano: as origens da constituio cultural da criana na
perspectiva de Lev S. Vigotski. So Paulo: Cortez, 2005.
VYGOTSKY, Lev Seminovich. A formao social da mente. So Paulo: Martins
Fontes, 1984.
VYGOTSKY, Lev Seminovich. Pensamento e Linguagem. So Paulo: Martins Fontes,
1987.
WALLON, Henri. As origens do carter na criana. So Paulo: Nova Alexandria,
1995.
WALLON, Henri.As origens do pensamento na criana. So Paulo: Manole, 1989.
Nota:
Professora do Curso de Especializao em Educao Infantil Perspectivas
de trabalho em creches e pr-escolas na PUC-Rio. Doutora em Educao
pela PUC - Rio.
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PROGRAMA 3
ACONCHEGANDO O CORPO NA ESCOLA: AS PERSPECTIVAS
Pensando o lugar do corpo na escola
Alexandra Pena1
Isabel C. Boga2
Leonor Pio Borges3
A famosa mxima penso, logo existo implica numa concepo que permeia todo o
conhecimento e osvalores ocidentais, e que tem duas caractersticas muito definidas: a de que
corpo e mente so opostos, e a de que o corpo um mero suporte para as nobres atividades
mentais. Essa concepo, na escola, se materializa como a crena de que s se aprende com a
mente.
Nossos questionamentos esto relacionados, principalmente, s rotinas e atividades escolares
que envolvem o corpo, de bebs dos berrios at crianas de 10 anos, como comer, brincar,
tomar banho, correr, se mexer, danar, ir ao banheiro... Por que estabelecemos uma hora
para cada uma dessas atividades? Ser que todo mundo tem fome junto? Quem diz que hora
de dormir? Alm disso, por que propomos determinadas atividades e no outras? Temos, na
escola, uma hora para danar? E para fazer o que se tem vontade?
No incio, procuramos compreender o modelo de escola vigente, evidenciando, a partir desta
contextualizao, a relao que a sociedade ocidental estabeleceu com o corpo e com suas
necessidades e desejos. Em seguida, abordamos a questo do corpo como a primeira morada
do psiquismo e finalizamos com a esperana de conquistar novas concepes sobre o corpo e
sobre a criana, que gerem desdobramentos nas prticas pedaggicas e no cotidiano da escola.
Historicamente, a relao do ser humano com o corpo marcada pelo controle. Hoje, as
instituies escolares ainda reproduzem estas prticas dicotmicas por duas razes: primeiro,
porque o discurso higienista produziu, alm de uma preocupao com o corpo, a sade e a
higiene, um discurso social e poltico, e segundo pela presena ainda marcante de instituies
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religiosas nos espaos educacionais, sustentadas por um discurso do sagrado e da moral. O
controle da economia do corpo pela limpeza, pela abstinncia sexual e no-masturbao foi
um princpio bsico para a formao dos sujeitos capitalistas e cristos, que ns somos.
Os corpos ficaram cada vez mais regulados e administrados em nome da ordem social. O
corpo solto torna-se imoral, desviado, desocupado e deve ser transformado, com a ajuda da
educao moral, em corpo til. Segundo Foucault (1982), poderamos dizer que o sculo XIX
realizou um grande esforo de disciplinarizao e de normalizao.
Podemos constatar a expresso destas marcas em algumas prticas escolares como: filas de
carteiras, o emparedamento por horas a fio das crianas dentro das salas de aula, as filas
indianas, as msicas para todas as atividades, a hora definida de cada coisa, etc.
A descoberta das crianas como seres diferentes dos adultos trouxe uma questo: como fazer
para educ-las, para torn-las virtuosas? Uma das respostas encontradas foi a criao de
instituies para civilizar as crianas e, em conseqncia, controlar as famlias e a sociedade
(Barbosa, 2006, p.54).
A rotina da escola demonstra um automatismo das relaes e uma acomodao a padres de
comportamento previamente estabelecidos, onde no h lugar para o surgimento do novo.
Que concepes de criana e de desenvolvimento infantil esto por trs desse modelo de
educao? Seria a concepo de uma criana autnoma, criativa, capaz de produzir cultura?
Parece mais a de uma criana em falta, que precisa ser ensinada, moldada.
No entanto, no podemos nos esquecer que somos, ns mesmos, profissionais de educao
cuja formao marcada fortemente pelo vis cartesiano que perpassa toda a civilizao
ocidental e que, inclusive, influencia a forma como construmos e organizamos nosso
conhecimento. Deste modo, por mais que saibamos que no existe desenvolvimento motor
separado de desenvolvimento afetivo nem de desenvolvimento cognitivo, ainda difcil ter
um olhar integrado sobre o processo de desenvolvimento de nossas crianas na prtica
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cotidiana. O risco de compartimentalizar o processo de desenvolvimento infantil real e
constante
Alm dessa compartimentalizao, existe a questo do peso que cada um desses aspectos
encontra em nossa sociedade. Como j colocado anteriormente, vivemos numa sociedade que
prioriza o racional, o pensamento, os processos mentais em detrimento de outras experincias
como as sensoriais, sentimentais, artsticas e o contato com a natureza.
A importncia dada ordem e ao controle aparece claramente em diversos momentos do
cotidiano: as crianas no tm liberdade para escolher as atividades que desejam realizar, de
se servirem sozinhas na hora do almoo, de dormir o tempo que precisam, de se
movimentarem da maneira que quiserem.
Todas essas questes nos fazem refletir sobre como a escola pode acabar contribuindo para a
formao de pessoas sem autonomia, que desconhecem seus prprios corpos, seus
sentimentos, suas possibilidades e seus limites.
atravs do corpo que a criana experimenta o mundo, conhece as sensaes de calor, frio,
aconchego, dor, prazer, medo, etc., mas para isso necessrio que ela possa se movimentar e
interagir com o ambiente sua volta. De fato, para Maturana (2001) viver sinnimo de
conhecer. Segundo este autor, um bilogo chileno, o ser humano aprende com o corpo inteiro.
Seu conceito de acoplamento estrutural supe que o conhecimento se d nas trocas
estabelecidas a partir das relaes do ser humano com o outro humano, mas tambm com o
outro ambiente sua volta.
Neste processo, o ser humano se modifica e modifica o outro simultaneamente, o que
significa dizer que a cada encontro, a cada momento, estamos modificando e sendo
modificados, numa espiral infinita que s cessa com a morte. Esse conceito d a dimenso da
importncia do espao entre o eu e o outro, o espao da relao, que chamado por Maturana
de espao de convivncia. (Maturana, apudPio Borges de Castro, 2006, p. 16) Este conceito
implica num ambiente verdadeiramente acolhedor construo do conhecimento, pois parte
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do princpio de que o conhecimento no est em mim nem no outro, mas sim na relao que
estabelecemos entre ns. Esse pressuposto inclui a necessidade de reconhecer a alteridade em
todas as suas dimenses, pois, sem respeito ao outro, s suas diferenas, desejos e
necessidades, no h aprendizado, no h paz no viver e no conviver.
Para Maturana (2001), o conhecimento no representativo, no est gravado na mente
humana, mas corpreo est gravado em nossos corpos, o que inclui outras dimenses que
no s a mente racional humana: inclui as sensaes corporais e os sentimentos vivenciados.
No entanto, estamos inseridos em uma cultura que enfatiza o conflito mente-corpo e a escola
acaba reproduzindo esta dualidade em suas estruturas curriculares e em suas rotinas.
(...) o jeito de ser do nosso corpo no algo que possumos naturalmente, no apenas
uma construo pessoal, mas social e poltica: algo aprendido, construdo ao longo de
toda a vida. Portanto, a histria e a cultura significam nossos corpos (Tiriba, 2001, p. 01).
H uma grande valorizao do intelecto, j que a sociedade em que vivemos tende a ignorar
tudo aquilo que nos identifica enquanto animais. Relegando o corpo a um segundo plano,
ficam tambm esquecidos outros canais de expresso, entre eles as sensaes fsicas, as
emoes, os afetos, os desejos.
As prticas escolares, em geral, associam movimento baguna, disperso e, por isso,
privilegiam o no-movimento, a postura esttica, quieta e atenta como condio para a
aprendizagem. Valoriza-se apenas o movimento mecnico e sistemtico, que tem como
objetivo aprimorar a coordenao motora, para garantir a aquisio da leitura e da escrita ou,
ainda, o movimento ligado prtica esportiva.
Um corpo escolarizado capaz de ficar sentado por muitas horas e tem, provavelmente, a
habilidade para expressar gestos ou comportamentos indicativos de interesse e de ateno,
mesmo que falsos. Um corpo disciplinado pela escola treinado no silncio e num
determinado modelo de fala; concebe e usa o tempo e o espao de uma forma particular.
Mos, olhos e ouvidos esto adestrados para tarefas intelectuais, mas possivelmente
desatentos ou desajeitados para outras tantas (Louro, apud Pena, 2003, p. 35).
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Os comportamentos e os movimentos previamente determinados compem a rotina de
atividades infantis, desconsiderando o interesse das crianas. O espao externo das escolas
costuma ser muito mal aproveitado, restringindo-se apenas ao recreio. O dia-a-dia escolar
lembra o de uma linha de montagem, onde os encontros acontecem sem criatividade, sem
troca, sem emoo, sem produo de conhecimento.
Hoje, quando ainda temos muitas de nossas prticas educativas resultantes desse modelo
autoritrio e assistencialista, observamos, com freqncia, escolas que mantm na sua rotina
um excessivo controle sobre as atitudes espontneas das crianas.
O atendimento aos bebs tambm denuncia prticas estereotipadas de atendimento. Com a
criao de berrios, um enorme nmero de bebs passou a ser atendido em ambiente escolar.
O que dizer dos bebs que so impedidos, por exemplo, de explorar os alimentos com as
mos, com a boca, de se sujarem por inteiro? Provavelmente, eles perdero muito com relao
conquista de sua autonomia pessoal e parte da confiana em si mesmos.
Em geral, no temos idia do quanto o corpo, desde muito cedo, est implicado na
constituio do psiquismo. No incio da vida, nossa comunicao com o mundo se d no nvel
corporal, atravs dos sentidos: ttil, olfativo, visual, auditivo, gustativo e muscular (Anzieu,
1989).
O nascimento biolgico e o nascimento psquico no coincidem no tempo. Neurobilogos,
psiclogos, alm de psicanalistas, vm estudando esta questo desde os anos 70,
principalmente na Frana e nos EUA, procurando identificar o percurso que leva ao
nascimento psquico, considerando especialmente a enorme plasticidade do crebro nos trs
primeiros anos de vida.
Em um primeiro momento, o beb vai adquirindo, pouco a pouco, a conscincia de uma
separao de corpos entre ele e seus cuidadores. Adquirir a conscincia desta separao uma
travessia extremamente delicada que se d durante o primeiro ano de vida. Sair da unidade-
dual, para perceber a existncia de um eu e de um no-eu, o caminho inicial para o
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desenvolvimento do psiquismo. De incio temos, portanto, um ego corporal para construir um
ego psquico. Segundo Tustin (1990), a maneira como o beb toma conscincia do no-eu
essencial constituio de sua identidade individual.
Numa interseo com seus cuidadores, que deve ser contnua, se d a interpenetrao de
alguns aspectos corporais: os olhos relacionados ao olhar acolhedor do outro; a boca
relacionada amamentao e ao auto-erotismo oral; a vivncia de colo, experimentada como
suporte pelo beb, numa juno entre cabea, nuca e costas e, finalmente, todos estes aspectos
embalados pela capacidade de expressar sons adquirida pelo beb. Num sutil alinhavar de
sensaes, o beb vai organizando seu corpo e percebendo-se como nico e inteiro.
Os processos de subjetivao vo depender dessa primeira organizao do corpo sensvel.
Nesta primeira costura se faz necessria uma parceria com a doura, como acolhedora deste
funcionamento precoce, em que as emoes ainda so confundidas com as sensaes (Haag,
1991, p. 53-54). Ser atravs da doura do toque que construiremos a ternura. A ternura ,
portanto, inicialmente ttil (Fontes, 2002).
O sentido do toque entre o cuidador e o beb uma maneira de transmisso entre os dois. O
toque entre cuidador e beb pode resgatar ou impedir um melhor equilbrio nesta dade, que
a base do contato do beb com o mundo. Com o nascimento de um beb, recebemos em
nossos braos muito mais que uma tabula rasa, na qual iremos imprimir nossa educao
parental ou pedaggica. O que na verdade ocorre so trocas bilaterais, que so construdas
desde o nascimento. Estas interaes podem formar uma troca positiva quando h: sincronia
(simultaneidade), mutualidade (reciprocidade) e sintonia afetiva. Por outro lado, temos as
interaes patolgicas e patognicas que so o resultado de sobrecarga, carncia e
assincronia(Golse, 2003).
O cuidador uma pea-chave nesta atmosfera que envolve o beb. Se o adulto for sensvel a
este momento especial da vida do beb, estar cuidando do espao relacional entre ele e o
beb, construindo um campo de afetao (Maia, 2004) favorvel ao desenvolvimento
infantil. Desta forma, promove-se o fortalecimento dos laos afetivos, fundando uma
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intimidade estruturante na escola. Estes subsdios permitem que os educadores possam
identificar diferentes modalidades relacionais, com o intuito de promover interaes positivas
que incentivem o desenvolvimento saudvel do beb e da criana, prevenindo assim,
possveis desequilbrios nestas trocas.
Nos lactentes, percebemos que os estmulos auditivos constituem o grande motor da
interao. A voz do adulto provoca sorrisos, atrai o olhar, facilita uma relao face a face,
alm de permitir uma troca de comunicao verbal. O ambiente lingstico dos bebs est
composto por formas particulares de linguagem. A prosdia (pronncia das palavras)
contribui para a estruturao do universo afetivo do beb e tambm ajuda na estruturao de
seu tratamento da palavra. A criana, ainda bem pequena, j percebe os sons das palavras,
podendo organiz-los, segment-los e reconhec-los. Os bebs reagem s variaes na
durao e na entonao da fala dos adultos e, em resposta, se comunicam, se identificam e
captam a emoo transmitida em cada fala. A maneira de falar com as crianas, assumida,
instintivamente pelos pais e por grande parte dos que cuidam das crianas, mergulha a
criana num banho lingstico e afetivo (Soul & Cyrulnik,1999).
A Educao Infantil, ao lidar com crianas de zero a cinco/seis anos, e a primeira parte do
Ensino Fundamental, ao lidar com crianas at 10 anos, so etapas que esto mergulhadas no
mundo da comunicao, no s da comunicao verbal, como tambm da comunicao no-
verbal. O mundo da expresso corporal e sensorial, embora desprezado, um universo a ser
explorado, quando o aprendizado direcionado e restritivo no dominar mais as relaes
escolares.
Portanto, de crucial importncia que os educadores sejam sensveis s necessidades e
desejos do corpo. Mas como desenvolver essa escuta com as crianas se no a tivermos
conosco? Como perceber as sensaes dos outros sem conectarmos as nossas prprias? Como
estar aberto s emoes infantis sem recuperarmos os nossos sentimentos? Como acompanhar
o ritmo das crianas sem sentirmos os nossos ritmos biolgicos?
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Novas prticas, como a arte milenar de massagem para bebs desenvolvida na ndia, chamada
Shantala, poderiam ser desenvolvidas nas creches e nas escolas.
A Shantala na escola seria uma ponte entre a experincia corporal com o beb e a
apropriao de um olhar mais amplo pelas educadoras de berrio. Praticar a Shantala, para
alm de uma tcnica, traduz uma oportunidade de contato no s com o corpo do beb, mas
tambm com o prprio corpo das educadoras, repensando a relao que estabelecem com
cada criana, assim como valorizando as inmeras formas de comunicao produzidas
pelas crianas. Tocar implica em ser tocado, j que o relaxamento necessrio para a prtica
da Shantala pode trazer uma nova forma de contato das educadoras/cuidadoras com elas
prprias, oferecendo novas representaes psquicas, que seriam acolhidas num trabalho de
formao destas educadoras (Boga Borges, 2007, 57-58).
Estar atento ao corpo, aos sentimentos e aos desejos das crianas nas relaes e atividades
cotidianas na escola implica reconhecer, legitimar e dar voz s necessidades infantis, seja da
ordem do corpo ou do psiquismo, favorecendo o desenvolvimento de seres sensveis a si
mesmos e aos outros. Nas situaes cotidianas, por exemplo, esse reconhecimento acontece
quando a criana chega a um adulto mostrando o joelho machucado e este pergunta est
doendo?. Ou quando uma criana bate em outra e o adulto pergunta: O que aconteceu?
Voc est com raiva? Por que voc fez isso? Estas perguntas fazem com que a criana possa,
gradativamente, perceber e nomear as sensaes do seu corpo e seus sentimentos at que seja
capaz de expressar-se pela fala, verbalizando as situaes ocorridas, as sensaes
experimentadas, os seus pensamentos e sentimentos. Dessa forma, constituem-se como
sujeitos sensveis a si mesmos e ao outro, pois, aoexperimentarem um olhar externo atento,
carinhoso e acolhedor em relao a si, so marcados inevitavelmente pela dimenso da
alteridade.
Em outras palavras, estamos falando de um ambiente que possibilite a constituio de sujeitos
solidrios, conscientes de si e da alteridade, da existncia de um outro que diferente de
mim. Num mundo regido cada vez mais pela massacrante ditatura do individualismo e do
imediatismo, do eu quero agora, do no me importa o que voc sente, pensa ou qual a sua
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situao me importa que eu esteja satisfeito, urgente pensarmos, como profissionais de
educao, nos seres humanos que estamos formando e que queremos formar.
Segundo Tiriba (2005), o paradigma que norteia a civilizao ocidental produz desigualdade
social, desequilbrio ambiental e sofrimento pessoal. De fato, cada vez torna-se mais claro que
h algo errado num mundo onde existe um abismo entre os muitos sem nada e os poucos que
concentram a riqueza; onde a natureza sinaliza no suportar mais o modo de produo
capitalista que a explora sem trgua; e, por fim, um mundo em que os seres humanos esto,
cada vez mais, consumindo compulsivamente (bens, medicamentos, drogas, comida, sexo,
etc.) em busca de uma satisfao que no chega, o que os mantm cada dia maisdeprimidos e
angustiados.
preciso mudar. preciso resgatar e valorizar a dimenso do cuidado conosco, com o outro e
com o mundo, comeando no berrio das creches e, se possvel, at incorporarmos o cuidado
ao nosso modo de viver.
Pensamos que um caminho considerar uma concepo de formao e qualificao dos
profissionais de educao que estimule um processo de construo de autonomia, que s
possvel valorizando a histria, a experincia, a palavra e tambm o corpo desses
profissionais.
Ao analisar as prticas escolares, especificamente entre os bebs de berrios e as crianas de
at 10 anos, procuramos demonstrar o quanto rotinas estereotipadas podem prejudicar uma
experincia rica em trocas, transformando-a numa atividade mecnica e carente de sentido.
Todos os envolvidos nesta cena sofrem, tanto adultos, como crianas. A coragem de mudar
aparece bem traduzida nas palavras de Freire:
No nos tornamos "delinqentes", anti-sociais, "narcisistas", deprimidos, obcecados pela
domesticao do corpo e por sensaes corporais estticas apenas porque queremos devorar
tudo e todos, segundo a lei do consumo. Tornamo-nos cronicamente insatisfeitos, infelizes,
abatidos, ansiosos, impiedosos, truculentos, apticos ou "resignados" porque nos fazem ver,
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sentir e pensar que nada do que somos ou temos desperta o menor "interesse", "admirao",
"cuidado" ou amor do outro (Freire Costa, 2000).
Reafirmamos nosso desejo de contribuir para um mundo diferente, uma vida menos banal,
onde a tica do cuidado possa retomar o seu valor, ao favorecer em cada um o encontro
com sua maneira singular de ser. Assim, propomos e buscamos maneiras de conviver com
nossos parceiros de vida, tenham eles a idade que tiverem, estimulando que o debate, os
desdobramentos e as respostas possam ser construdos pelos que vivem a experincia num
eterno compartilhar ao longo do trabalho e ao longo da vida.
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Revista Vida Simples - 06/2003
Ns fazemos o mundo.
Notas:
Psicloga com Formao em Psicoterapia Reichiana, especialista em Educao Infantil
pela PUC-Rio e mestranda em Psicologia pela UFRJ.
2 Psicanalista e membro do grupo de pesquisa "Primrdios da Vida Psquica - Clnica dos
Primeiros Anos", do Crculo Psicanaltico do Rio de Janeiro - CPRJ. Especialista em
Educao Infantil pela PUC-Rio.
3 Psicloga, bailarina, especialista em Educao Infantil e mestranda em Educao pela
PUC-Rio.
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http://vidasimples.abril.com.br/http://planetasustentavel.abril.co/nm.br/noticia/conteudo_259923.shtmlhttp://vidasimples.abril.com.br/http://planetasustentavel.abril.co/nm.br/noticia/conteudo_259923.shtml -
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PROGRAMA 4
EDUCAO E VIVNCIA DO ESPAO: DILOGOS ENTRE A
ARQUITETURA E A PEDAGOGIALa Tiriba1
Salas de aulas, geralmente inspitas, alunos em carteiras enfileiradas, quadro de giz, um
professor frente: estranha e inadequada organizao, em especial, nos lindos dias-de-sol-l-
fora. Fechada entre muros, estranha interao com a realidade social, desarticulada dos
cenrios onde ocorre a vida de verdade, indiferente, insensvel ou artificial na relao com oque, de fato, para as crianas e jovens, mobiliza e tem significado. E inadequada sade do
corpo, relao dos humanos com o mundo natural, ao desfrute do sol, do vento. Indiferente
beleza do universo mais amplo em que estamos situados, s necessidades do corpo e do
esprito. Espao contido, de crianas e adultos emparedados, mas fervilhante de energias.
A escola o nico espao social que freqentado diariamente, e durante um nmero
significativo de horas, por adultos e crianas. Para os pequenos, que freqentam creches, pr-escolas e as sries iniciais, especialmente os que permanecem em horrio integral, a que,
para alm do convvio familiar, aprendem a viver e a conviver. Nove horas dirias, s vezes,
mais! Para quem tem entre 0 e 10 anos, o que resta de tempo em cada dia? Se na escola que
grande parte da vida transcorre, preciso que a as crianas se sintam muito bem, que a sejam
felizes...
Referindo-se s reas destinadas s escolas nas cidades contemporneas do Terceiro Mundo, aarquiteta Mayume de Souza Lima escreveu:
As construes podiam se destinar tanto a crianas, a sacos de feijo ou a carros, pois so
apenas reas cobertas, com fechamento e piso. (...) os seres humanos perderam no apenas
a sua capacidade nica de dar sentido s coisas, mas tambm perderam o instinto primrio
de todos os animais adultos de buscar o ambiente mais favorvel para o desenvolvimento
dos seres jovens de sua espcie (Lima, 1989, p.11).
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Atualmente, somos informados sobre esforos investidos por dirigentes de secretarias de
educao, e mesmo por diretores e/ou professores, no sentido de qualificar os espaos
escolares. Sabemos de escolas que reorganizam as salas derrubando paredes, introduzindo
grandes espaos interativos e cantos para brincadeiras; que abrem janelas nos muros,
possibilitando a viso do lado exterior; que assumem o entorno, os parques, as praas, o
patrimnio cultural e ambiental da cidade como objeto de investigao pedaggica.
Entretanto, esta no a realidade da maioria das cidades brasileiras! No municpio do Rio de
Janeiro, por exemplo, vrias escolas no dispem de reas ao ar livre. O resultado que
crianas passam manhs e/ou tardes inteiras em espaos fechados, muitas vezes em salas
inteiramente ocupadas por mesas e cadeiras.
Mesmo considerando a precariedade de muitos Sistemas de Ensino, a situao salarial dos
professores e os recursos limitados para a educao, entendemos que hora de levantar a
bandeira da qualidade de vida nas escolas! No mais possvel compactuar com a
insalubridade do modo de funcionamento escolar. J hora de serem efetivadas as condies
concretas de materializao dos direitos previstos no Estatuto da Criana e do Adolescente e
que dizem respeito integridade da pessoa humana.
Este desafio exige que superemos uma viso de mundo que concebe os seres humanos
separados do mundo natural. No podemos esquecer que o divrcio primordial da
modernidade, entre seres humanos e natureza e os outros que dele se originam entre corpo e
mente e entre emoo e razo se materializam tambm nos espaos escolares. Como
assegurar bem-estar se as crianas no so assumidas em sua integralidade existencial, se a
escola no tem pelo corpo o mesmo apreo que tem pela mente?
Escola: um direito, uma alegria!
Do ponto de vista das crianas, no importa que a escola seja um direito, importa que seja
agradvel, interessante, instigante, que seja um lugar para onde elas desejem sempre retornar.
O poder pblico tem o dever de assegurar acesso e permanncia. Mas, a freqncia escola
no pode ser entendida apenas como direito a um espao que oferea proteo fsica e
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desenvolvimento cognitivo. preciso que as crianas se sintam bem, que sejam cuidadas; e
cuidar implica oferecer aquilo que satisfaa o conjunto de suas necessidades e desejos.
Entretanto, as escolas:
No so pensados para crianas alegres e brincalhonas, (...) mas para massas de crianas
(...). Roubam das crianas o direito a flores e gramados, gua no ptio, barro, areia, salas
amplas, abertas, coloridas, saudveis (Hoemke, 2004, p.18).
Segundo esta autora, quando se trata de construir escolas, aqueles que pensam e projetam os
espaos das crianas no se dedicam a compreender a lgica da infncia. Muitas vezes, o
projeto arquitetnico realizado por uma empresa terceirizada, a partir de dados de demanda,
como nmero de crianas e o que se quer nas salas. Estas informaes so obtidas junto s
equipes das Secretarias de Educao. Isto , no processo de elaborao do projeto
arquitetnico, h pouca ou nenhuma participao de educadores, crianas e suas famlias,
aqueles que faro uso do prdio que est sendo construdo.
Referindo-se ao processo de definio do local que abrigar a escola, Lima (1989) aponta uma
situao ainda comum: nem sempre escolhido pela sua salubridade, acesso, topografia, mas
por decises polticas que se voltam para o no confronto com os loteadores e para a
diminuio aparente dos custos da construo dos prdios (p. 65).
H ainda um aspecto, relativo s polticas de ampliao do acesso escola, que podemos
denominar como ideologia do espao construdo. Consiste em ocupar todos os espaos do
terreno com edificao de salas. Assim, as crianas ficariam confinadas, porque as reas ao ar
livre vo sendo ocupados com novas instalaes, o verde vai sumindo, as crianas vo ficando
emparedadas.
Esta situao se deve falta de recursos econmicos, mas tambm a uma viso que objetiva
estender a cobertura do atendimento, sem assegurar qualidade de vida. Neste caso, o
compromisso do poder pblico est restrito ao cumprimento de um dever que corresponde a
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um direito legal. Porm, esta referncia no basta, porque a tica do cuidar no se pauta num
conceito de moralidade centrado em direitos, num princpio moral abstrato, assentado sobre
condutas universais (Tronto, 1997). Pois, partindo do princpio de que as pessoas so
singulares, no h uma quantidade ou uma determinada maneira de cuidar que sirva a todas.
Assim, oferecer instalaes adequadas sade e ao bem-estar das crianas e adultos cumprir
com um primeiro dever, pois no basta que a freqncia escola seja apenas um direito,
preciso que, para as crianas, seja tambm uma alegria!
Na contramo do desejo, aprisionadas, as crianas vo sendo despotencializadas, adormecidas
em sua curiosidade, em sua exuberncia humana. Como diria Foucault (1987), seus