17 Área de manejo da

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17 Há muito tempo atrás nossos antepassados viviam num lugar chamado Bo’têa tũri ku’sa, localizado no igarapé Bu’sikaya, afluente do alto rio Papuri. Aí viviam misturados, Tukano e Desana. Certo dia de festa cerimonial houve um desentendimento entre dois irmãos, Duca Sãnapó e seu irmão mais velho, da etnia Tukano. Duca Sãnapó ficou muito ofendido e tempos depois resolveu abandonar o irmão e migrar para outro local. Convidou seu cunhado Roque para acompanhá-lo na expedição. Roque era Desana, do clã U'ahôri Du hpotiro. Os dois partiram com suas famílias. No decorrer da longa jornada rio abaixo fundaram três paragens. A primeira foi no igarapé Japurá; a segunda no igarapé Ingá; e a terceira no igarapé Õmeyã, no rio Uaupés. Durante este percurso as famílias dos dois cresceram muito, até que eles resolveram se dividir. Duca, do grupo Tukano, foi ocupar a área onde hoje está a comunidade Ananás. E Roque, do grupo Desana, veio ocupar a área da comunidade Matapi, ou Monte Alegre, como também é conhecida. De lá para cá já se passaram quatro ou cinco gerações. Em 2015, segundo levantamento que realizamos, 18 famílias viviam em Matapi, totalizando 102 pessoas. Uma parte das famílias é do grupo Desana e outra parte do grupo Tukano. Há apenas uma família Hupda que também vive na comunidade. E há ainda as mulheres/esposas que pertencem a outros grupos, como Pira-Tapuia, Tariano e Tuyuka. A língua falada na comunidade é o tukano. Todas as famílias de Matapi vivem sobretudo da pesca e da roça. A caça também é praticada, mas não com tanta frequência. Na nossa área tem bastante igapó, lagos e igarapés onde é possível pescar o ano inteiro. Por outro lado, contamos com pouca terra firme e solos férteis para a agricultura, já que grande parte do território da comunidade é constituído por áreas alagadiças ou caatinga. As áreas boas para roça ficam bastante afastadas da comunidade, sendo necessário horas e horas de caminhada ou de rabeta para se chegar aos roçados. Na nossa área há também outros recursos que utilizamos conforme as épocas e a necessidade, seja para alimentação ou para construção de casas e artesanato, como o caraná, açaí, buriti, bacaba e outros. Um problema que percebemos hoje em nossa região é uma significativa diminuição dos peixes em relação à antigamente. Não sabemos porque isso vem acontecendo, mas nessa área do baixo Uaupés há a entrada frequente de pescadores de fora que chegam para pescar sem pedir permissão das comunidades. Estes são sobretudo não indígenas que vêm da cidade usar arrastões e pesca de mergulho para vender os peixes na cidade, mas também alguns parentes indígenas de outras regiões que aproveitam para pescar quando estão de passagem pela região. Além disso, há ainda alguns problemas internos de desrespeito às áreas de pesca das comunidades e uso excessivo de malhadeiras por pescadores da própria região. Por isso hoje estamos tentando discutir formas de fiscalizar e cuidar melhor de nosso território, através da reivindicação de um sistema de comunicação mais eficiente, acordos de manejo internos e com parentes de outras regiões, respeito às áreas de uso de cada comunidade e valorização dos lugares sagrados ( wametisé). Muitos de nossos locais de pesca, pontos de piracema e áreas importantes para o manejo são wametisé. Na área de Matapi há alguns lugares bem importantes, como Muhipũ Wii (Casa da Lua), que é uma casa de flautas sagradas ( miriã porã) do nossos ancestrais. Há também lugar sagrado de peixes e morada de wai mahsã (peixe-gente). Todos esses locais exigem respeito, conhecimento e cuidados. Esse mapa é um dos resultados desse trabalho, ao qual nós AIMAs (Agentes Indígenas de Manejo Ambiental) de Matapi, com apoio dos conhecedores, professores, lideranças e outros moradores, viemos nos dedicando entre os anos 2014 e 2016. Ele foi elaborado a partir de oficinas ministradas por assessores do Instituto Socioambiental-ISA em parceria com a FUNAI (Coordenação Regional Rio Negro) e com a FOIRN. A intenção é que esse trabalho possa ajudar a nossa comunidade e todos os moradores da região a manejar e cuidar melhor de nosso território, a partir da valorização de nossos próprios conhecimentos e modo de vida. Agentes Indígenas de Manejo Ambiental - AIMAs Organização: Aline Scolfaro (ISA) e Renata A. Alves (ISA). Elaboração de mapa: Renata A. Alves. Pesquisas, mapeamentos e texto: Darli Soares da Silva (Aima) e João Carlos Oitiz Gama (Aima). Desenhos: Adonilson F. Castilho (Ipanoré); Darli Soares da Silva (Matapi); Dênio M. Rodrigues (Taracuá); João Carlos Oitiz Gama (Matapi); Larissa M. Duarte (Taracuá); Silvaldo Navarro da Silva (São Pedro); Valdir C. Aguiar (Cunuri). Colaboradores da comunidade: João Pedro da Silva; Eugenio Pedro da Silva; Almir Miguel da Silva; Virgílio Sampaio da Silva; Odilson Penha Almeida; José Floriano Correia; Paulo Ricardo Pedrosa Ramón; Leôncio Alba Carvalho; Francisco Xavier Ribeiro; José Castilho Pimentel; Edilene Correia Ribeiro; Ivanildo dos Santos Amaral; Adriano Ramirez; Dercio Penha Almeida. Outros colaboradores: Denivaldo Cruz da Silva (Funai); Pieter Van Der Veld (ISA); Raphael Rodrigues (Ufscar). Edição de conteúdo (mapa e texto): Aline Scolfaro. Design gráfico: Roberto Strauss. Fontes: Base Cartográfica dos limites políticos, hidrografia e sedes municipais (IBGE, 2015); Terras Indígenas (Instituto Socioambiental, 2015); Vegetação de fundo (http:arcgis/rest/services/Terrestrial_Ecosustems_Reference_Tiled/MapServer, 2015) e Mapeamento Participativo Baixo Uaupés (AIMAS e comunidades, FOIRN/ISA/FUNAI, 2014 a 2015). Terra Indígena Alto Rio Negro São Gabriel da Cachoeira Área de Manejo da Comunidade Matapi Baixo Rio Uaupés Terra Indígena Alto Rio Negro Centro comunitário de Matapi ©Larissa Duarte, 2016 Sala de aula da escola em Matapi ©Larissa Duarte, 2016 Comunidade Matapi vista do rio ©Aloísio Cabalzar, 2008 Casa da lua e de jurupari, um dos lugares sagrados da área de Matapi ©Aline Scolfaro, 2015 AIMAs de Matapi em oficina de mapeamento ©Aline Scolfaro, 2015 Manejo florestal Wehse Roça Mihpita Açaí Neeta Buriti Ñumumahká Bacaba Ñumu pahka Patauá Mhûita Caranã Mihsi nĩro Cipó Poópu nĩro Molongó Diipu Seringa Wahtá nĩro Paxiúba Barasuhtiku Copaíba Wu hu ta Arumã Mõá pũnitá Buçu Nohka puri Tucum Pepuri Palha Branca Itaúba Itaúba Di’ímiró Argila Legenda geral adotada nos mapeamentos participativos de toda a região do Baixo Uaupés. Pode ser que alguns elementos não sejam encontrados na área de manejo de Matapi e que, portanto, não estejam representados no mapa da comunidade. Paisagens mapeadas Nu hku u ’mu arõ Mata alta Nu hku u ’mu atiro Mata baixa Tahtá boa Caatinga Diakoe Igapó O’pata Chavascal Bu hku wiake Capoeira antiga Ma’ma wiake Capoeira nova Outros lugares importantes Nuhkũ paro Praia Nu hku ro Ilha Poeya Cachoeira Dia u hkũ ari tukurõ Poço do rio Ahkó whîro Fonte d’água Trilhas Ma’a Trilha/caminho Ocupações Pahri mahka Comunidade/ Povoado Bu hku mahka Comunidade antiga Kamahka Sítio Wi’itó Sítio antigo Bohsénu mu weri mahka Sítio de festa A’peye mahkari Outras comunidades Dehsubari di’ta Limites das áreas de uso Lugares sagrados e históricos Õãmarã na niséti ukũke wiseri Lugar sagrado ancestral Wa’i mahsã wii Casa de peixe gente Wa’i turĩ bahsari wii Casa sagrada de peixes Pinõ wii Casa de cobra Bu hku ra bahsaka wiito Antiga maloca Wame’tiri wii Lugar histórico Wẽrikhára kuñaró Cemitério Manejo de peixes e caça Wa’iró Cacuri Kahsaka Cerca para matapi Wa’ia Turĩse Piracema Doé diekurõ Desova de traíra Ûá yari u’tu Desova de irapoca Omaperi Lugar onde cantam as rãs Bahpa nĩro Daracubizal Dihtara Lago Wehku ahko nerẽro Bebedouro de anta Yehsea ma’a Caminho de queixada Dehsu ba’ri u’tu Acampamento de pesca/caça REALIZAÇÃO APOIO 9 7 8 8 5 8 2 2 6 0 6 3 0

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Há muito tempo atrás nossos antepassados viviam num lugar chamado Bo’têa tũri ku’sa, localizado no igarapé Bu’sikaya, afluente do alto rio Papuri. Aí viviam misturados, Tukano e Desana. Certo dia de festa cerimonial houve um desentendimento entre dois irmãos, Duca Sãnapó e seu irmão mais velho, da etnia Tukano. Duca Sãnapó ficou muito ofendido e tempos depois resolveu abandonar o irmão e migrar para outro local. Convidou seu cunhado Roque para acompanhá-lo na expedição. Roque era Desana, do clã U'ahôri Duhpotiro. Os dois partiram com suas famílias. No decorrer da

longa jornada rio abaixo fundaram três paragens. A primeira foi no igarapé Japurá; a segunda no igarapé Ingá; e a terceira no igarapé Õmeyã, no rio Uaupés. Durante este percurso as famílias dos dois

cresceram muito, até que eles resolveram se dividir. Duca, do grupo Tukano, foi ocupar a área onde hoje está a comunidade Ananás. E Roque, do grupo Desana, veio ocupar a área da comunidade Matapi, ou

Monte Alegre, como também é conhecida. De lá para cá já se passaram quatro ou cinco gerações. Em 2015, segundo levantamento que realizamos, 18 famílias viviam em Matapi, totalizando 102 pessoas.

Uma parte das famílias é do grupo Desana e outra parte do grupo Tukano. Há apenas uma família Hupda que também vive na comunidade. E há ainda as mulheres/esposas que pertencem a outros grupos, como Pira-Tapuia, Tariano e Tuyuka. A língua falada na comunidade é o tukano.

Todas as famílias de Matapi vivem sobretudo da pesca e da roça. A caça também é praticada, mas não com tanta frequência. Na nossa área tem bastante igapó, lagos e igarapés onde é possível pescar o ano inteiro. Por outro lado, contamos com pouca terra firme e solos férteis para a agricultura, já que grande parte do território da comunidade é constituído por áreas alagadiças ou caatinga. As áreas boas para roça ficam bastante afastadas da comunidade, sendo necessário horas e horas de caminhada ou de rabeta para se chegar aos roçados. Na nossa área há também outros recursos que utilizamos conforme as épocas e a necessidade, seja para alimentação ou para construção de casas e artesanato, como o caraná, açaí, buriti, bacaba e outros.

Um problema que percebemos hoje em nossa região é uma significativa diminuição dos peixes em relação à antigamente. Não sabemos porque isso vem acontecendo, mas nessa área do baixo Uaupés há a entrada frequente de pescadores de fora que chegam para pescar sem pedir permissão das comunidades. Estes são sobretudo não indígenas que vêm da cidade usar arrastões e pesca de mergulho para vender os peixes na cidade, mas também alguns parentes indígenas de outras regiões que aproveitam para pescar quando estão de passagem pela região. Além disso, há ainda alguns problemas internos de desrespeito às áreas de pesca das comunidades e uso excessivo de malhadeiras por pescadores da própria região.

Por isso hoje estamos tentando discutir formas de fiscalizar e cuidar melhor de nosso território, através da reivindicação de um sistema de comunicação mais eficiente, acordos de manejo internos e com parentes de outras regiões, respeito às áreas de uso de cada comunidade e valorização dos lugares sagrados (wametisé). Muitos de nossos locais de pesca, pontos de piracema e áreas importantes para o manejo são wametisé. Na área de Matapi há alguns lugares bem importantes, como Muhipũ Wii (Casa da Lua), que é uma casa de flautas sagradas (miriã porã) do nossos ancestrais. Há também lugar sagrado de peixes e morada de wai mahsã (peixe-gente). Todos esses locais exigem respeito, conhecimento e cuidados.

Esse mapa é um dos resultados desse trabalho, ao qual nós AIMAs (Agentes Indígenas de Manejo Ambiental) de Matapi, com apoio dos conhecedores, professores, lideranças e outros moradores, viemos nos dedicando entre os anos 2014 e 2016. Ele foi elaborado a partir de oficinas ministradas por assessores do Instituto Socioambiental-ISA em parceria com a FUNAI (Coordenação Regional Rio Negro) e com a FOIRN. A intenção é que esse trabalho possa ajudar a nossa comunidade e todos os moradores da região a manejar e cuidar melhor de nosso território, a partir da valorização de nossos próprios conhecimentos e modo de vida.

Agentes Indígenas de Manejo Ambiental - AIMAs

Organização: Aline Scolfaro (ISA) e Renata A. Alves (ISA). Elaboração de mapa: Renata A. Alves. Pesquisas, mapeamentos e texto: Darli Soares da Silva (Aima) e João Carlos Oitiz Gama (Aima). Desenhos: Adonilson F. Castilho (Ipanoré); Darli Soares da Silva (Matapi); Dênio M. Rodrigues (Taracuá); João Carlos Oitiz Gama (Matapi); Larissa M. Duarte (Taracuá); Silvaldo Navarro da Silva (São Pedro); Valdir C. Aguiar (Cunuri). Colaboradores da comunidade: João Pedro da Silva; Eugenio Pedro da Silva; Almir Miguel da Silva; Virgílio Sampaio da Silva; Odilson Penha Almeida; José Floriano Correia; Paulo Ricardo Pedrosa Ramón; Leôncio Alba Carvalho; Francisco Xavier Ribeiro; José Castilho Pimentel; Edilene Correia Ribeiro; Ivanildo dos Santos Amaral; Adriano Ramirez; Dercio Penha Almeida. Outros colaboradores: Denivaldo Cruz da Silva (Funai); Pieter Van Der Veld (ISA); Raphael Rodrigues (Ufscar). Edição de conteúdo (mapa e texto): Aline Scolfaro. Design gráfico: Roberto Strauss.

Fontes: Base Cartográfica dos limites políticos, hidrografia e sedes municipais (IBGE, 2015); Terras Indígenas (Instituto Socioambiental, 2015); Vegetação de fundo (http:arcgis/rest/services/Terrestrial_Ecosustems_Reference_Tiled/MapServer, 2015) e Mapeamento Participativo Baixo Uaupés (AIMAS e comunidades, FOIRN/ISA/FUNAI, 2014 a 2015).

Terra IndígenaAlto Rio Negro

São Gabriel da Cachoeira

Área de Manejo da Comunidade MatapiBaixo Rio UaupésTerra Indígena Alto Rio Negro

Centro comunitário de Matapi

©Larissa Duarte, 2016

Sala de aula da escola em Matapi©Larissa Duarte, 2016

Comunidade Matapi vista do rio

©Aloísio Cabalzar, 2008

Casa da lua e de jurupari, um dos

lugares sagrados da área de Matapi

©Aline Scolfaro, 2015

AIMAs de Matapi em oficina de mapeamento

©Aline Scolfaro, 2015

Manejo florestalWehse RoçaMihpita AçaíNeeta BuritiÑumumahká BacabaÑumupahka PatauáMhûita CaranãMihsi nĩro CipóPoópu nĩro MolongóDiipu SeringaWahtá nĩro PaxiúbaBarasuhtiku CopaíbaWuhuta ArumãMõá pũnitá BuçuNohka puri TucumPepuri Palha BrancaItaúba ItaúbaDi’ímiró Argila

Legenda geral adotada nos mapeamentos participativos de toda a região do Baixo Uaupés. Pode ser que alguns elementos não sejam encontrados na área de manejo de Matapi e que, portanto, não estejam representados no mapa da comunidade.

Paisagens mapeadasNuhku u’muarõMata altaNuhku u’muatiroMata baixaTahtá boaCaatinga Diakoe IgapóO’pataChavascalBuhku wiakeCapoeira antigaMa’ma wiakeCapoeira nova

Outros lugares importantesNuhkũ paro PraiaNuhkuro IlhaPoeya CachoeiraDia uhkũari tukurõ Poço do rioAhkó whîro Fonte d’água

TrilhasMa’aTrilha/caminho

OcupaçõesPahri mahka Comunidade/ PovoadoBuhku mahka Comunidade antigaKamahka Sítio Wi’itó Sítio antigoBohsénumu weri mahka Sítio de festaA’peye mahkari Outras comunidadesDehsubari di’ta Limites das áreas de uso

Lugares sagrados e históricosÕãmarã na niséti ukũke wiseri Lugar sagrado ancestralWa’i mahsã wii Casa de peixe genteWa’i turĩ bahsari wii Casa sagrada de peixesPinõ wii Casa de cobraBuhkura bahsaka wiito Antiga malocaWame’tiri wii Lugar históricoWẽrikhára kuñaró Cemitério

Manejo de peixes e caçaWa’iró CacuriKahsaka Cerca para matapiWa’ia Turĩse PiracemaDoé diekurõ Desova de traíraÛá yari u’tu Desova de irapocaOmaperi Lugar onde cantam as rãsBahpa nĩro DaracubizalDihtara LagoWehku ahko nerẽro Bebedouro de antaYehsea ma’a Caminho de queixadaDehsu ba’ri u’tu Acampamento de pesca/caça

RE AL IZ AÇ ÃO APOIO

9 7 8 8 5 8 2 2 6 0 6 3 0