15 setor elétrico - uma agenda para garantir v3 (1)

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SETOR ELÉTRICO: UMA AGENDA PARA GARANTIR O SUPRIMENTO E REDUZIR O CUSTO DE ENERGIA

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  • SETOR ELTRICO: UMA AGENDA

    PARA GARANTIR O SUPRIMENTO E

    REDUZIR O CUSTO DE ENERGIA

  • CONFEDERAO NACIONAL DA INDSTRIA CNI

    PRESIDENTE

    Robson Braga de Andrade

    1 VICE-PRESIDENTE

    Paulo Antonio Skaf

    2 VICE-PRESIDENTE

    Antnio Carlos da Silva

    3 VICE-PRESIDENTE

    Flavio Jos Cavalcanti de Azevedo

    VICE-PRESIDENTES

    Paulo Gilberto Fernandes Tigre

    Alcantaro Corra

    Jos de Freitas Mascarenhas

    Eduardo Eugenio Gouva Vieira

    Rodrigo Costa da Rocha Loures

    Roberto Proena de Macdo

    Jorge Wicks Crte Real

    Jos Conrado Azevedo Santos

    Mauro Mendes Ferreira

    Lucas Izoton Vieira

    Eduardo Prado de Oliveira

    Alexandre Herculano Coelho de Souza

    Furlan

    1 DIRETOR FINANCEIRO

    Francisco de Assis Benevides Gadelha

    2 DIRETOR FINANCEIRO

    Joo Francisco Salomo

    3 DIRETOR FINANCEIRO

    Srgio Marcolino Longen

    1 DIRETOR SECRETRIO

    Paulo Afonso Ferreira

    2 DIRETOR SECRETRIO

    Jos Carlos Lyra de Andrade

    3 DIRETOR SECRETRIO

    Antonio Rocha da Silva

    DIRETORES

    Olavo Machado Jnior

    Denis Roberto Ba

    Edlson Baldez das Neves

    Jorge Parente Frota Jnior

    Joaquim Gomes da Costa Filho

    Eduardo Machado Silva

    Telma Lucia de Azevedo Gurgel

    Rivaldo Fernandes Neves

    Glauco Jos Crte

    Carlos Mariani Bittencourt

    Roberto Cavalcanti Ribeiro

    Amaro Sales de Arajo

    Sergio Rogerio de Castro

    Julio Augusto Miranda Filho

    CONSELHO FISCAL

    TITULARES

    Joo Oliveira de Albuquerque

    Jos da Silva Nogueira Filho

    Carlos Salustiano de Sousa Coelho

    SUPLENTES

    Clio Batista Alves

    Haroldo Pinto Pereira

    Francisco de Sales Alencar

  • SETOR ELTRICO: UMA AGENDA PARA GARANTIR O SUPRIMENTO E

    REDUZIR O CUSTO DE ENERGIA

    15

  • 2014. CNI Confederao Nacional da Indstria.

    CNI

    Confederao Nacional da Indstria

    Setor Bancrio Norte

    Quadra 1 Bloco C

    Edifcio Roberto Simonsen

    70040-903 Braslia DF

    Tel.: (61) 3317-9000

    Fax: (61) 3317-9994

    http://www.cni.org.br

    Servio de Atendimento ao Cliente SAC

    Tels.: (61) 3317-9989 / 3317-9992

    [email protected]

  • O Mapa Estratgico da Indstria 2013-2022 apresenta diretrizes para aumentar a

    competitividade da indstria e o crescimento do Brasil. O Mapa apresenta dez

    fatores-chave para a competitividade e este documento resultado de um projeto

    ligado ao fator-chave Infraestrutura.

  • SUMRIO

    SUMRIO EXECUTIVO ............................................................................................................ 9

    1 A QUESTO TARIFRIA ................................................................................................... 17

    2 EXPANSO DA CAPACIDADE DE GERAO ................................................................ 33

    3 A QUESTO HIDRELTRICA ........................................................................................... 46

    4 GERNCIA INTEGRADA DE RECURSOS HDRICOS ..................................................... 66

  • 9

    SUMRIO EXECUTIVO

    O preo da eletricidade de fundamental importncia para a competitividade da

    indstria. A iniciativa governamental, em setembro de 2012, com a edio da MP 579, de

    aproveitar o final das concesses de usinas hidreltricas e sistemas de transmisso para

    reduzir as tarifas de energia eltrica, a partir de 2013, foi positiva para a indstria.

    Os aumentos tarifrios de 2014, e os previstos para 2015, devero anular a maior

    parte desse benefcio. Um levantamento recente da Firjan indica que os aumentos de 2014

    colocaro as tarifas industriais na quarta posio entre as mais caras do mundo. E os

    reajustes previstos para 2015 podero piorar significativamente essa situao.

    essencial analisar a causa desses aumentos e identificar aes capazes de

    reverter esse quadro em curto e mdio prazo. A maior parte das despesas

    extraordinrias de 2013 e 2014 resulta da combinao de dois fatores: no foi realizado o

  • 10

    leilo de renovao de contratos de energia que expiraram no final de 2012 e, como

    consequncia, as distribuidoras tiveram que comprar uma quantidade recorde de energia

    (diferena entre consumo e contratos) no mercado de curto prazo; os preos desse mercado

    foram extremamente elevados tanto em 2013 quanto em 2014.

    No caso da descontratao, a explicao mais plausvel que se esperava que a

    adeso de todos os geradores proposta de antecipao da renovao das

    concesses da MP 579 permitisse compensar os contratos expirados, o que acabou

    no ocorrendo. No entanto, o mais importante em termos de perspectivas futuras que

    houve uma percepo do problema e se tentou corrigi-lo em trs ocasies. A primeira foi um

    leilo extraordinrio em abril de 2013, que no atraiu geradores interessados. Um segundo

    leilo foi realizado no final de 2013, que atendeu a cerca de 40% do consumo descontratado.

    Finalmente, um terceiro leilo, em abril de 2014, conseguiu reduzir a maior parte da

    exposio ao mercado de curto prazo. A razo para esse terceiro leilo ter sido bem-

    sucedido foi a disposio do governo de aceitar preos maiores para os contratos (cerca de

    260 R$/MWh, o dobro do valor dos leiles de nova capacidade). Tais preos contratuais mais

    elevados eram necessrios para compensar a alternativa dos geradores, que era continuar

    vendendo sua energia no mercado de curto prazo por cerca de 800 R$/MWh.

    O cenrio de preos altos no mercado de curto prazo nos ltimos 18 meses pode ser

    explicado pelo comportamento dos recursos hdricos, que so a principal fonte

    geradora de energia no Brasil. Embora a hidrologia do incio de 2014 tenha sido adversa,

    importante observar que, em 2013, quando o problema comeou, ela foi quase igual

    mdia histrica. No entanto, apesar dessa hidrologia favorvel e de as usinas termeltricas

    terem sido fortemente acionadas em 2013, os reservatrios das hidreltricas esvaziaram ao

    longo do ano, agravando a situao de 2014. O comportamento do sistema hidreltrico em

    2012 tambm foi anmalo, pois os reservatrios comearam o ano com o maior

    armazenamento da histria, porm, esvaziaram to abruptamente que o Operador Nacional

    do Sistema (ONS) decidiu acionar todas as trmicas a partir de outubro de 2012 e mant-las

    acionadas durante o perodo de chuvas 2012-2013, uma ao operativa at ento indita.

    A nica explicao tcnica que parece ser coerente com o observado desde 2012

    que a capacidade estrutural de gerao (ou seja, a capacidade de produo de

    energia em condies hidrolgicas adversas, que o critrio de planejamento do

    sistema) est menor do que o consumo. Seria necessrio contratar 2.000 MW mdios de

    nova capacidade para restaurar o equilbrio entre oferta e demanda. Essa concluso no

    consensual. Vale observar que o governo no concorda com essa concluso, usando como

  • 11

    suporte simulaes que mostrariam tranquilidade de suprimento. H evidncias tcnicas,

    porm, de que os modelos de simulao estariam com um vis otimista em relao

    realidade operativa.

    A anlise da capacidade estrutural de gerao essencial. Se o desequilbrio for

    confirmado, o reforo de gerao necessrio dever ser contratado o mais rpido possvel.

    Caso contrrio, haver o risco de alguma dificuldade de suprimento voltar a ocorrer nos

    prximos anos.

    igualmente importante o exame das causas dos ndices de desempenho do

    sistema de transmisso terem piorado significativamente nos ltimos anos. H fortes

    evidncias de que os blecautes recentes foram causados por falhas nas subestaes, e no

    por atrasos na construo de reforos de transmisso. Isso no significa, contudo, que a

    eliminao desses atrasos no seja importante. tambm primordial, pois podem afetar

    significativamente o desempenho futuro do sistema.

    Recomendaes

    1 ADOTAR MEDIDAS DE CURTO PRAZO PARA REDUZIR AS TARIFAS DE ENERGIA

    Como mencionado, a MP 579 foi vantajosa para todos os consumidores. No entanto, uma

    das medidas governamentais, relacionadas com os benefcios da antecipao da renovao

    das concesses de gerao, tratou de maneira assimtrica os segmentos de consumo

    regulado (ACR) e livre (ACL), pois transferiu os ganhos somente para o ACR.

    Esse tratamento diferenciado no se justifica, pois os consumidores industriais que esto no

    ACL contriburam, ao longo de muitas dcadas, para a construo e a remunerao das

    usinas hidreltricas exatamente da mesma maneira que os demais. Por essa razo, prope-

    se que os benefcios da gerao cuja concesso expira a partir de julho de 2015 sejam

    repartidos de maneira equitativa entre ambos os segmentos.

    O ambiente de livre contratao um importante fator de competitividade para o mercado de

    energia e constitui uma conquista que no pode ser perdida. Nesse mercado esto as

  • 12

    grandes indstrias que formam a base das cadeias produtivas nacionais.

    2 EXPANDIR A CAPACIDADE DE GERAO

    necessrio contratar 13 GW mdios de nova capacidade de gerao (garantia fsica) para

    atender ao crescimento de demanda at 2023. At 2030, esse montante aumentaria para 40

    GW mdios.

    a. Aperfeioar a metodologia de contratao da nova capacidade pelo

    segmento regulado (ACR)

    O principal instrumento para contratao de nova capacidade de gerao no modelo

    do setor eltrico o leilo de energia nova para o segmento de consumo regulado

    (ACR). Esses leiles, realizados desde 2005, foram muito bem-sucedidos. Foram

    contratados at hoje 65 mil MW (potncia instalada) de nova capacidade (cerca de

    800 bilhes de reais em contratos) de um mix de fontes energticas que incluem

    hidreltricas convencionais, elicas, cogerao a biomassa e usinas termeltricas

    (gs natural, carvo e leo).

    Existem duas oportunidades de aperfeioamento no processo de expanso da

    capacidade de gerao. A primeira aprimorar o critrio dos leiles, que atualmente

    baseado em um nico parmetro, o custo da gerao da energia para o

    consumidor. importante acrescentar outros parmetros, tais como a regio em que

    a nova gerao deve ser instalada (o que evitaria reforos substanciais na

    transmisso); a capacidade de atendimento no s ao consumo de energia, mas

    tambm demanda mxima; e a despachabilidade, que capacidade de produzir

    energia adicional em casos de imprevistos (isso permitiria maior insero de fontes

    como elica ou biomassa, cuja produo a cada instante no pode ser controlada

    pelo Operador Nacional).

    b. Estimular a contratao da nova capacidade pelo segmento livre (ACL)

    O segundo aperfeioamento proposto refere-se participao do segmento de

    consumidores livres (ACL) na expanso da capacidade de gerao. Atualmente, a

    nica participao desse segmento nos leiles de energia nova uma cota

    determinada pelo governo na licitao da gerao hidreltrica. Um obstculo maior

    participao dos consumidores livres nesses leiles a durao dos contratos (20 ou

  • 13

    mais anos), pouco adequada necessidade de maior flexibilidade da indstria. Outra

    dificuldade que os contratos de suprimento oferecidos nos leiles so bastante

    padronizados, o que novamente pode no atender a requisitos especficos de cada

    indstria.

    Embora a regulamentao permita que os consumidores livres negociem a

    construo de nova capacidade, na prtica isso no ocorre pelas seguintes razes:

    (i) no caso da energia hidreltrica convencional, que uma concesso federal, a

    destinao determinada pelo governo; (ii) a gerao termeltrica a gs natural e

    carvo importado pouco atraente para os consumidores livres porque, alm de seu

    custo como um todo ser maior do que o da hidreltrica, ele varia significativamente a

    cada ano devido a mudanas nos preos internacionais dos combustveis e

    durao do acionamento das termeltricas pelo ONS a cada ano (fator de

    despacho); (iii) a gerao elica e cogerao a biomassa tm caractersticas

    atraentes em termos de preo e tamanho. No entanto, sua produo de energia varia

    muito a cada ms e ao longo do ano. Essa variabilidade faz com que o contrato de

    suprimento que interessaria ao consumidor livre, no qual o gerador se compromete a

    fornecer uma quantidade fixa de energia por um preo tambm fixo, muito

    arriscado para o gerador. Os consumidores regulados absorvem esse risco

    assinando um contrato especial (por disponibilidade) em que essas fontes no tm

    obrigao de produzir uma quantidade fixa de energia a cada ms.

    fundamental que haja um aperfeioamento regulatrio capaz de viabilizar a

    contratao de elicas e biomassa pelo ACL. A ideia ampliar o esquema conhecido

    como Mecanismo de Realocao de Energia (MRE), usado para reduzir o risco de

    contratao da gerao hidreltrica (cuja produo tambm muito varivel) para

    incorporar essas tecnologias renovveis. Prope-se equacionar os dois obstculos

    que existiam para tal incorporao: (i) a confiabilidade das medidas de vento e

    produo de biomassa; (ii) como representar o fato de que o pedgio para se

    incorporar ao MRE deveria depender da variabilidade da produo de cada usina (a

    resposta vem de uma extenso da teoria de portflios de aes em bolsa).

    3 IMPLANTAR A GERNCIA INTEGRADA DE RECURSOS HDRICOS

    O ONS anunciou recentemente que iria pleitear junto Agncia Nacional de guas (ANA) e

    ao Ibama a relaxao temporria de restries de defluncia e de armazenamento mnimos

    de vrias usinas hidreltricas. Embora a razo desse pedido, que aumentar a segurana de

  • 14

    suprimento de eletricidade, seja inteiramente compreensvel, importante registrar que ele

    causa prejuzos a diversos segmentos da populao. Por exemplo, o esvaziamento do

    reservatrio de Furnas teve um impacto muito negativo na atividade turstica da regio,

    centrada em torno do lago daquela usina. No caso de Trs Marias, foram necessrias

    medidas para assegurar o abastecimento de gua para as cidades vizinhas. No do rio So

    Francisco, os impactos incluem abastecimento de gua, irrigao, navegao e possibilidade

    de entrada de sal nos terrenos agrcolas perto da foz.

    Uma preocupao recorrente das agncias que gerenciam os recursos hdricos das bacias

    que a acomodao emergencial dos pedidos do ONS no seguida por uma discusso

    estrutural de como gerenciar da melhor maneira possvel os interesses de diferentes agentes

    para o uso dos recursos. Por exemplo, o mesmo pedido emergencial de reduzir as vazes

    mnimas do rio So Francisco j havia sido feito no ano de 2013 e em anos anteriores.

    A necessidade de uma gerncia integrada desses recursos, em que cada setor seja tratado

    em p de igualdade com o setor eltrico, se torna ainda mais evidente quando se examina a

    questo das eclusas das usinas hidreltricas. Como amplamente mostrado em estudos da

    CNI, as hidrovias possibilitam uma reduo expressiva dos custos do agronegcio, que um

    dos principais agentes para o crescimento econmico do pas.

    Por essas razes, prope-se que seja analisado e implantado um esquema de gerncia de

    recursos hdricos por bacia, no qual gerao hidreltrica, irrigao, abastecimento de gua,

    qualidade de gua, piscicultura e hidrovias sejam administrados de maneira integrada. A

    regio Nordeste poderia ser o primeiro exemplo dessa abordagem integrada.

    4 A QUESTO DOS RESERVATRIOS

    Um subtema crucial da gerncia integrada dos recursos hdricos a questo dos

    reservatrios. A capacidade de regularizar as vazes dos rios e, com isso, aumentar a

    segurana operativa e reduzir os gastos com gerao termeltrica, tem sido historicamente

    um componente essencial de nosso parque gerador. Os benefcios dos reservatrios vo

    muito alm do setor eltrico, pois, dentre outros, permitem a construo de sistemas de

    irrigao capazes de funcionar mesmo durante secas prolongadas, asseguram a navegao

    fluvial em vrios trechos de rios ao longo de todo o ano e viabilizam atividades econmicas

    especficas, como piscicultura e turismo.

    No entanto, apesar de todos esses benefcios, o que se constata atualmente uma proibio

  • 15

    a priori construo de novos reservatrios de regularizao. Embora equvocos anteriores

    como os da usina de Balbina tenham levantado preocupaes legtimas com impactos

    socioambientais em reas inundadas, preciso buscar um aproveitamento racional dos

    recursos naturais do pas, em que os aspectos ambientais no sejam vistos como restries,

    e sim incorporados como objetivos. possvel aperfeioar o planejamento nessa direo,

    englobando a componente ambiental desde a etapa de inventrio.

    5 APERFEIOAR A GESTO DOS EMPREENDIMENTOS DO SETOR ELTRICO

    O atraso sistemtico das obras do setor um problema crnico que precisa ser resolvido. As

    frequentes alteraes nos cronogramas das obras aumentam o seu custo e impactam na

    oferta de energia. Torna-se necessrio um choque de gesto que reduza a burocracia em

    todas as instncias de governo pertinentes aos empreendimentos.

    6 IMPLEMENTAR ALTERNATIVAS VIVEIS DE GERAO DISTRIBUDA E SMART

    GRID

    A gerao distribuda (pequenas usinas, cogerao, miniusinas e microusinas) pode ser um

    vetor fundamental de reduo de custos para todos os agentes envolvidos. No entanto, a

    forma com que ela ser (ou no) introduzida no setor eltrico brasileiro e a maneira como

    seus custos sero alocados entre os agentes poder acabar resultando em conflitos que

    retardaro o seu desenvolvimento e/ou resultando em investimentos ociosos (stranded

    costs).

    Em particular, o desenvolvimento de gerao distribuda no mbito das redes de distribuio

    tem o potencial tanto de resolver problemas inerentes a essas redes (pela introduo de

    gerao em pontos congestionados nos quais a expanso seria muito custosa) quanto de

    prejudicar o prprio servio de distribuio (se a gerao for introduzida em locais j com

    excesso de gerao ou deixar ociosos investimentos recentes em expanso da rede de

    distribuio). As regras atuais tendem a deixar em posies antagnicas os distribuidores e

    grande parte da gerao distribuda, criando conflitos desnecessrios e potenciais impasses

    no desenvolvimento e penetrao dessas novas tecnologias no Brasil.

    A questo j sentida em vrios sistemas, especialmente nos EUA e na Europa, e tem

    causado discusses profundas sobre os estmulos e benefcios da gerao distribuda. A

    rpida evoluo tecnolgica acentua os riscos e oportunidades subjacentes, com novas

    tecnologias e modelos de gerao e distribuio suplantando os incumbentes em uma

  • 16

    velocidade at agora desconhecida do setor eltrico.

    necessrio mudar as regras atuais para viabilizar e incentivar parcerias entre gerao

    distribuda e distribuidoras (parcerias GDD), com alocao adequada de custos e benefcios

    entre geradores, distribuidores e consumidores, em vez de coloc-los em posies

    adversrias.

  • 17

    A

    1 A QUESTO TARIFRIA

    iniciativa governamental, em setembro de 2012, de aproveitar o final das concesses

    de usinas hidreltricas e sistemas de transmisso para reduzir as tarifas de energia

    eltrica a partir de 2013 foi muito positiva tanto para a indstria como para a populao em

    geral. Infelizmente, os aumentos tarifrios de 2014 e previstos para 2015 devero anular

    esse benefcio. De acordo com um levantamento feito pela FIRJAN, os aumentos de 2014

    colocaro as tarifas industriais na quarta posio entre as mais caras do mundo1; os

    aumentos previstos para 2015 podero piorar significativamente esta situao.

    Dado o impacto do preo da eletricidade na competitividade da indstria, importante

    analisar a causa desses aumentos e identificar aes que poderiam reverter esta situao a

    curto e mdio prazo. Inicialmente, detalharemos a previso das tarifas para 2014 e 2015.

    1 Valor Econmico, 16 de maio de 2014.

  • 18

    1.1 Composio das tarifas para o consumidor

    As anlises a seguir se referem chamada tarifa de fornecimento, que basicamente o que

    vem na conta de energia eltrica, porm sem os impostos ICMS e PIS/COFINS (a razo

    que o ICMS varia muito de estado para estado). Esta tarifa pode ser dividida em trs grandes

    parcelas: (1) estrutural; (2) conjuntural; e (3) encargos.

    a. Estrutural - abrange os custos conhecidos com antecedncia em cada ano: (a)

    remunerao dos investimentos em transmisso e distribuio; e (b) custo, da

    parcela fixa, dos contratos de suprimento de energia.

    b. Conjuntural - como indica o nome, esta parcela da tarifa cobre os custos que no so

    conhecidos com antecedncia, pois dependem da evoluo, ao longo do ano, do

    preo da energia no mercado de curto prazo e do acionamento das usinas

    termeltricas pelo Operador Nacional do Sistema (ONS). Os itens que dependem do

    preo de curto prazo so: (a) custo de compra da diferena entre montante

    contratado e o consumo de energia em cada ms; e (b) receita pela venda da

    energia produzida pelos geradores contratados nos leiles de reserva. J os itens

    que dependem do acionamento das termeltricas so: (c) ressarcimento do custo

    operativo das trmicas acionadas que foram contratadas por disponibilidade2; e (d)

    renda resultante da venda, no mercado de curto prazo, da diferena entre a

    produo de energia da trmica e o montante contratado.

    c. Encargos - tem como objetivo cobrir os seguintes subsdios: (a) Luz para Todos; (b)

    Conta de Consumo de Combustveis - CCC (compensao dos custos mais

    elevados de regies isoladas, que so atendidas por gerao termeltrica local); (c)

    tarifa especial para consumidores de baixa renda; e (d) descontos na tarifa de

    distribuio para consumidores que se contratam com fontes renovveis

    (contratao incentivada); e outros.

    A cada ano, na poca do reajuste ou reviso tarifria da distribuidora, a Agncia Nacional de

    Energia Eltrica - ANEEL incorpora nova tarifa os custos estruturais para o prximo ano.

    No caso dos custos conjunturais, a ANEEL adiciona dois termos: (i) uma previso dos

    mesmos, mais (ii) o ajuste entre o custo previsto no ano anterior e o que efetivamente

    ocorreu ao longo do ano. Em outras palavras, a distribuidora adianta do prprio bolso a

    2 Neste tipo de contrato, que semelhante a um aluguel, o consumidor paga um montante fixo mensal, includo na

    parcela estrutural da tarifa, e cobre os custos operativos.

  • 19

    diferena entre custo real e previsto, para ressarcimento no ano seguinte.

    Assim como no caso da parcela conjuntural, a ANEEL faz uma previso dos gastos com

    encargos e os incorpora nova tarifa. A distribuidora, por sua vez, transfere o valor

    incorporado para a Conta de Desenvolvimento Energtico (CDE), a qual usada para pagar

    os diversos subsdios (a CDE gerenciada pela Eletrobras). Diferentemente do visto acima

    para os custos conjunturais, as distribuidoras no cobrem automaticamente as diferenas

    entre os gastos reais da CDE e os recursos disponveis naquela conta, para compensao

    posterior na tarifa; esta ao requer uma diretriz da ANEEL, razo pela qual a conta da CDE

    ficou desequilibrada desde 2012.

    1.2 Aes de reduo tarifria em 2012

    Para entender o que aconteceu em 2013 e 2014, deve-se comear em setembro de 2012,

    quando o governo anunciou, por meio da MP 579, aes para reduzir em 20% as tarifas.

    Como mostra a tabela a seguir, esta reduo seria alcanada com a combinao das

    seguintes medidas: (i) reduo do custo dos contratos de usinas hidreltricas a partir de

    2013, em troca da renovao das concesses que expirariam a partir de 2015; (ii) idem para

    sistemas de transmisso com concesses a expirar; e (iii) eliminao de alguns encargos,

    como a RGR, e reduo dos custos dos demais, em particular a Conta de Consumo de

    Combustveis CCC, por meio de melhorias na gesto.

  • 20

    TABELA 1 REDUO NAS TARIFAS DE ENERGIA MP 579

    Fonte: PSR.

    Nos estudos preparatrios para o anncio, o governo projetou uma economia de 57 R$/MWh

    nas tarifas de fornecimento dos consumidores regulados (ACR), que correspondem a 75%

    do consumo de energia do pas. Como mostra a tabela, esta economia corresponde a 20%

    da tarifa de fornecimento na ocasio, 280 R$/MWh (mdia de todas as distribuidoras).

    Dado que a reduo almejada do encargo CDE no poderia ser alcanada imediatamente,

    pois dependia de aes de melhoria de gesto, o governo decidiu aportar um subsdio de 3,3

    bilhes de reais quela conta nos anos 2013 e 2014.

    Aps o anncio da medida, o governo teve que revisar para baixo suas estimativas de

    reduo tarifria. A razo que, exceo do grupo Eletrobras, as empresas geradoras

    preferiram no renovar as concesses e continuar com os contratos atuais3, em contraste,

    todas as empresas transmissoras aderiram renovao. Como mostra a tabela a seguir, a

    economia prevista passou de 57 para 42 R$/MWh, o que permitiria uma reduo de apenas

    15%.

    3 As concesses no renovadas sero leiloadas a partir de julho de 2015. As atuais concessionrias podem

    participar deste leilo.

    Reduo de despesasPremissa

    RS bilho R$/MWh

    Gerao 8,1 2513,1 GW mdiosCusto reduzido de 95 para 25 R$/MWh

    Transmisso 6,0 13

    Reduo da RAP de 9,2 para 2,7 bilhes de R$Apropriao de 6 bilhes parao consumo

    Encargos 7,6 18

    Fim do encargo RGR (1,6 bi)Fim do encargo CCC (3,2 bi)Reduo de 75% do encargo CDE (2,8 bi)

    Reduo total

    21,7 57

    Tarifa mdia de fornecimento................... 280

    Reduo.......................... 20%

  • 21

    TABELA 2 ECONOMIA PREVISTA MP 579

    Fonte: PSR.

    O governo decidiu, ento, manter a reduo de 20% prometida por meio de um aumento do

    subsdio do Tesouro CDE em 2013, que passou de 3,3 para 8,5 bilhes de reais (para

    2014, o valor tambm foi aumentado de 3,3 para 9,9 bilhes de reais).

    No entanto, como ser visto a seguir, os custos do setor eltrico em 2013 e 2014 foram

    muito maiores do que os previstos pelo governo. Isso se deveu combinao de dois

    fatores: (i) o consumo das distribuidoras no estava 100% coberto por contratos, ao

    contrrio do que determina a regulamentao setorial; e (ii) os custos de compra da

    diferena entre consumo e contrato no mercado de curto prazo foram extremamente

    elevados.

    1.3 Descontratao das distribuidoras

    Em dezembro de 2012 venceram cerca de 8.600 MW mdios em contratos de suprimento de

    Reduo de despesasPremissa Realidade

    RS bilho R$/MWh

    Gerao 4,2 1313,1 GW mdiosCusto reduzido de 95 para 25 R$/MWh

    7,8 GW mdios (no-adeso)Custo reduzido de 95 para 33R$/MWh

    Transmisso 5,0 11

    Reduo da RAP de 9,2 para 2,7 bilhes de R$Apropriao de 6 bilhes parao consumo

    Reduo da RAP de 9,2 para 3,7 bilhes de R$Apropriao de 5 bilhes parao consumo

    Encargos 7,6 18

    Fim do encargo RGR (1,6 bi)Fim do encargo CCC (3,2 bi)Reduo de 75% do encargo CDE (2,8 bi)

    Fim do encargo RGR (1,6 bi)Fim do encargo CCC (3,2 bi)Reduo de 75% do encargo CDE (2,8 bi)

    Reduo total

    16,8 42

    Tarifa mdia de fornecimento................... 280

    Reduo.......................... 15%

  • 22

    energia das distribuidoras. Esses contratos haviam sido firmados no primeiro leilo de

    energia existente, realizado em 2005. Como as distribuidoras tm obrigao regulatria de

    estar 100% contratadas, era vital, e est na lei, que fosse realizado at o fim de 2012 um

    leilo de recontratao.

    No entanto, as distribuidoras no tm autoridade para convocar, por si mesmas, um leilo de

    contratao; esta convocao s pode ser feita pelo governo. Por razes que sero

    discutidas posteriormente, o governo no determinou a realizao do leilo. Como

    consequncia, as distribuidoras ficaram descontratadas em 2.000 MW mdios em 2013; e

    em 2.500 MW mdios em 20144.

    Nesta situao, a nica opo para as distribuidoras comprar a diferena entre o consumo

    de energia e o montante contratado no mercado de curto prazo. Dado que as distribuidoras

    no tiveram qualquer culpa pela descontratao, a regulamentao determina que os custos

    de compra sejam transferidos para as tarifas. No entanto, como visto acima, as distribuidoras

    deveriam arcar com as despesas de compra de energia no mercado de curto prazo, para

    ressarcimento posterior, poca da reviso ou do reajuste tarifrio.

    1.4 Custos adicionais em 2013

    Como os preos de curto prazo estiveram extremamente elevados durante todo o ano, estas

    despesas de compra foram bilionrias. Como consequncia, a capacidade financeira das

    distribuidoras se exauriu rapidamente e, j em abril de 2013, elas corriam um srio risco de

    quebrar. Diante desta situao emergencial, o governo procurou reequilibrar

    economicamente as distribuidoras por meio de um emprstimo (sem juros) de 10 bilhes de

    reais, que seria pago em cinco anos, a partir de 2014 por meio de um aumento nas tarifas

    (posteriormente, este primeiro pagamento foi adiado para 2015). Isso nos permite concluir

    que:

    4 A razo de as distribuidoras no ficarem descontratadas em 8.600 MW mdios, que foi o montante de contratos

    que expirou, que 5.100 MW mdios destes contratos foram compensados por contratos a preos mais reduzidos das geradoras do grupo Eletrobrs (que, como visto, aderiu renovao das concesses); e 1.500 MW mdios adicionais eram contratos suplementares ao consumo previsto (este suplemento permitido pela regulamentao, pois permite que o consumo fique 100% coberto por contratos mesmo com aumentos inesperados do mesmo). Portanto, o montante descontratado igual 8.600 5.100 1.500 = 2.000 MW mdios.

  • 23

    O custo adicional para setor eltrico em 2013 devido descontratao e subsdios foi 18,5

    bilhes de reais, dos quais 10 bilhes sero pagos pelos consumidores, a partir de 2015; os

    8,5 bilhes restantes foram pagos pelos contribuintes naquele ano (subsdio para garantir a

    reduo nas tarifas almejada pelo governo, visto acima) 5.

    1.4.1 CUSTOS ADICIONAIS EM 2014

    Apesar de todas as usinas termeltricas terem sido acionadas de forma quase ininterrupta ao

    longo de 20136, e de a hidrologia naquele ano ter sido bastante favorvel, os reservatrios

    das usinas hidreltricas continuaram a esvaziar (a razo para este comportamento anmalo

    das hidreltricas ser discutida posteriormente). Como consequncia, os preos no mercado

    de curto prazo de 2014 foram ainda mais elevados que os de 2013. Dado que as

    distribuidoras continuavam a ter que comprar energia no mercado de curto prazo (agora para

    compensar uma descontratao de 2.500 MW mdios7), o desequilbrio financeiro voltou a

    ocorrer, e de forma ainda mais severa do que em 2013.

    Estimoaram-se os custos de 2014 fazendo balanos detalhados, para cada distribuidora, das

    diferenas entre as despesas conjunturais (incluindo compra de energia no mercado de curto

    prazo, pagamento do custo de combustvel das trmicas contratadas por disponibilidade, e

    outros) e o montante previsto pela ANEEL para a parcela conjuntural das tarifas8. Em outras

    palavras, est-se calculando os custos adicionais aos que os consumidores pagariam em

    uma situao normal, em que as distribuidoras no estivessem descontratadas. Observa-se,

    adicionalmente, que os balanos levaram em conta os resultados do leilo de contratao de

    energia existente realizado em maio de 2014, o qual reduziu a exposio das distribuidoras

    de 2.500 para cerca de 500 MW mdios. O resultado desses balanos indica que:

    5 A rigor, tambm deveria ser contabilizado como custo para o contribuinte o fato de o emprstimo de 10 bilhes de

    reais do Tesouro ter juro zero De maneira muito simplificada, supondo que a taxa de captao do governo cerca

    de 7%, o subsdio financeiro seria dado pelo produto 14,5 0,07 1 bilho de reais por ano. A conta real mais complexa, porque necessrio descontar o valor amortizado de cada ano. 6 Mais precisamente, o acionamento macio das usinas termeltricas comeou em outubro de 2012 e deve continuar

    at o final de 2014. 7 Uma das razes principais para a descontratao ter aumentado de 2013 para 2014 que, ao final de 2013,

    expiraram outros contratos de suprimento que haviam sido firmados no leilo de 2005. 8 De janeiro at abril foram usadas as informaes registradas pela ANEEL e pelo mercado de curto prazo; a partir

    de maio, estes custos vieram de simulaes probabilsticas da operao do sistema.

  • 24

    O custo adicional estimado para as distribuidoras em 2014 ser 25,3 bilhes de reais.

    A tabela a seguir mostra como este custo ser pago pelos consumidores.

    Montante

    (bilhes R$) Como ser pago pelo consumidor

    3,1 A ser repassado nas tarifas de 2015 (distribuidoras que j tiveram reajuste

    tarifrio at abril de 2014)

    7,8 A ser repassado nas tarifas de 2014 (reajustes)

    1,2 Emprstimo do Tesouro (a ser pago em cinco prestaes a partir de 2015)

    11,2 Emprstimo bancrio (a ser pago em dois anos a partir de 2015)

    1,9 Saldo (possivelmente ser pago com novo emprstimo bancrio)

    25,3 Total

    Fonte: PSR.

    Por sua vez, os contribuintes pagaro em 2014 o subsdio j mencionado de 9,9 bilhes de

    reais CDE. Assim como em 2013, o objetivo original deste subsdio era garantir a reduo

    de 20% das tarifas at que as medidas de eficincia que reduziriam os custos da CDE

    fizessem efeito, em 2015. No entanto, tem-se observado um aumento dos custos desta

    conta, ao invs de uma reduo9. A anlise acima nos permite concluir que:

    9 Foi noticiado recentemente que h vrios meses a CDE no paga os custos operativos das termeltricas dos

    sistemas isolados, por insuficincia de saldo.

    geraldo.motaRealce

    geraldo.motaRealce

  • 25

    O custo adicional para o setor eltrico em 2013 devido descontratao e subsdios foi de

    35,3 bilhes de reais, dos quais 25,3 bilhes sero pagos pelos consumidores (uma parte

    menor em 2014, o restante a partir de 2015). Os 10 bilhes restantes foram pagos pelos

    contribuintes. Somando os 28,5 bilhes de reais de 2013, calculados anteriormente,

    chega-se a um total de 53,8 bilhes de reais, dos quais os consumidores arcaro com 25,3

    + 10 = 35,3 bilhes, e os contribuintes, com 8,5 + 10 = 18,5 bilhes.

    1.5 Tarifas de 2014 e 2015

    As tarifas de fornecimento para 2014 e 2015 foram estimadas calculando, para cada

    distribuidora, os custos estruturais, conjunturais e encargos e o processo de reviso ou

    reajuste tarifrio das mesmas. Em particular, incorporou-se nas tarifas de 2015 o benefcio

    de contratos de gerao mais baratos devido aos leiles das concesses hidreltricas

    vincendas que sero realizados a partir de julho daquele ano.

    A figura a seguir mostra as tarifas de fornecimento (mdia para as 30 maiores distribuidoras)

    para a classe de consumo A4-Azul nos seguintes momentos: (i) dezembro de 2012, isto ,

    imediatamente antes de entrarem em vigor as medidas de reduo tarifria; (ii) mdia de

    2013; (iii) mdia projetada para 2014; e (iv) mdia projetada para 2015. Todos os valores

    esto ajustados monetariamente para abril de 2014.

  • 26

    GRFICO 1 TARIFAS MDIAS

    Fonte: PSR.

    Observa-se na figura que, de fato, houve uma reduo de 20% nas tarifas de 2013 com

    relao a dezembro de 2012. Porm, esta reduo foi obtida custa de um emprstimo de

    10 bilhes de reais, a ser pago pelos consumidores a partir de 2015; e de subsdios de 8

    bilhes de reais dos contribuintes. Para 2014, quando uma parte dos custos adicionais foi

    repassada s tarifas (o restante foi transferido para 2015), estima-se um aumento mdio de

    10% em termos reais, incluindo a inflao, o aumento de cerca de 16%. Finalmente,

    observa-se que o aumento estimado das tarifas de 2015 em relao a 2014 de 12%

    (valores reais). Com este aumento:

    As tarifas de 2015 devero voltar ao nvel de dezembro de 2012, em termos reais, o que

    significa uma reverso da reduo almejada pelo governo na MP 579.

    A anlise acima nos permite concluir que os custos adicionais resultantes da combinao de

    descontratao das distribuidoras e preos elevados no mercado de curto prazo por um

    longo perodo tiveram um impacto bastante adverso para a competitividade da indstria, bem

    como para consumidores e contribuintes em geral. A magnitude deste impacto negativo torna

    importante analisar, em mais detalhe, porque esta combinao adversa ocorreu. O objetivo

    desta anlise, identificar se h alguma medida preventiva ou corretiva que deveria ser

    tomada para evitar que problemas semelhantes voltem a ocorrer no futuro.

    313

    253 278

    312 322

    Dez/12 Mdia em 2013 Mdia projetadapara 2014

    Mdia projetadapara 2015 (Caso 1)

    Mdia projetadapara 2015 (Caso 2)

    [R$/

    MW

    h]Tarifa de Fornecimento Mdia do A4 - Azul

    (a valores de Abr/14)

  • 27

    1.6 Por que o leilo de contratao em 2012 no foi realizado?

    O governo nunca explicou o porqu desta deciso. A explicao mais plausvel que o

    governo esperava que a adeso dos geradores proposta de renovao das concesses da

    MP 579 permitisse compensar plenamente os contratos expirados10

    , o que acabou no

    ocorrendo. No entanto, o mais importante em termos de perspectivas futuras que o

    governo percebeu o problema e tentou corrigi-lo em trs ocasies: a primeira foi um leilo

    extraordinrio em abril de 2013, que no atraiu geradores interessados; um segundo leilo,

    realizado no final de 2013, atendeu cerca de 40% do consumo descontratado. Finalmente, o

    terceiro leilo de abril de 2014 conseguiu reduzir a maior parte da exposio das

    distribuidoras ao mercado de curto prazo11

    .

    A anlise acima nos permite concluir que a situao de descontratao das distribuidoras

    no deve se repetir no futuro. Isso nos leva prxima questo: por que os preos no

    mercado de curto prazo estiveram to altos nos ltimos 18 meses.

    1.7 Por que os preos de curto prazo estiveram e esto to elevados?

    A resposta do governo a esta questo que estamos em uma situao de seca

    extremamente severa. No entanto, ser visto a seguir que a explicao mais complexa.

    Observa-se inicialmente que, embora a hidrologia do incio de 2014 tenha sido de fato

    adversa, a hidrologia em 2013, quando o problema comeou, foi igual mdia histrica, o

    que uma condio bastante favorvel.

    10

    Ver nota de rodap 4. 11

    Observa-se que o xito deste ltimo leilo teve um custo relativamente alto para o consumidor, que foram contratos com preo de 260 R$/MWh, o dobro do preo dos leiles de nova capacidade. Esses preos contratuais mais elevados eram necessrios para compensar a alternativa dos geradores, que era continuar vendendo sua energia no mercado de curto prazo por cerca de 800 R$/MWh.

  • 28

    GRFICO 2 SRIE DE DISTRIBUIO PERCENTUAL DA ENERGIA NATURAL

    AFLUENTE (ENA) EM RELAO MDIA DE LONGO TERMO (MLT)

    Fonte: PSR.

    Observa-se, adicionalmente que, apesar desta hidrologia favorvel e de as usinas

    termeltricas terem sido fortemente acionadas durante todo o ano de 2013, os reservatrios

    das hidreltricas esvaziaram ao longo do ano, agravando a situao de 2014.

    GRFICO 3 SRIE DE ENERGIA ARMAZENADA (EAR) EM RELAO CAPACIDADE

    DOS RESERVATRIOS

    Fonte: PSR.

    63%

    69%

    83%

    89% 88%

    84%82%

    75%

    66%

    61%58%

    59%

    75%

    80%77%

    75%72% 72%

    67%

    57%

    47%

    37%

    33%31%

    38%

    46%

    55%

    62%

    61%

    63%60%

    55%

    49%

    44%

    40%

    43% 43%

    39%

    40%

    42%

    Jan

    -11

    Ap

    r-1

    1

    Jul-

    11

    Oct

    -11

    Jan

    -12

    Ap

    r-1

    2

    Jul-

    12

    Oct

    -12

    Jan

    -13

    Ap

    r-1

    3

    Jul-

    13

    Oct

    -13

    Jan

    -14

    Ap

    r-1

    4

    EAR

    M S

    IN (

    %m

    ax)

  • 29

    O rpido esvaziamento dos reservatrios em 2012 (em questo de meses, o sistema passou

    do maior armazenamento j registrado para um dos piores) tambm chama a ateno. A

    razo que, primeira vista, no havia razo para a ocorrncia deste esvaziamento abrupto:

    (i) as afluncias ao longo do ano no foram particularmente secas (87% da mdia histrica, o

    que melhor do que 25% das sries registradas; h que se lembrar que o sistema

    planejado para resistir s piores secas j ocorridas); e (ii) de acordo com o balano da

    Empresa de Pesquisa Energtica - EPE no Plano Decenal, a capacidade estrutural de

    gerao era bem superior demanda.

    Para entender melhor o que estava ocorrendo, reproduziu-se o processo de esvaziamento

    dos reservatrios em 2012 atravs de um backcasting, isto , uma simulao operativa em

    que, a cada ms simulado, o modelo computacional que representa em detalhe a operao

    do sistema12

    recebe, como dados de entrada, exatamente o que ocorreu naquele ms. Mais

    precisamente, informa-se ao modelo computacional os seguintes valores: (i) nveis de

    armazenamento registrados em cada reservatrio no incio de janeiro de 2012; (ii) consumo

    verificado em cada regio; (iii) vazes que chegaram a cada usina hidreltrica ao longo

    daquele ms; e (iv) idem para a energia produzida por cada usina termeltrica (gs, carvo,

    nuclear, leo etc.) e pelas usinas elicas e a biomassa. Com base nessas informaes, o

    modelo calcula os nveis de armazenamento que os reservatrios teriam ao final de janeiro13

    .

    Este nvel calculado ento usado como dado de entrada para a simulao do ms

    seguinte, fevereiro, juntamente com os valores de demanda, vazes, gerao trmica etc.

    ocorridos naquele ms; e assim por diante, at o fim de dezembro de 2012.

    Dado que: (i) o modelo de simulao deveria representar de maneira bastante fiel a operao

    real do sistema (pois, como mencionado, usado tanto pelo ONS como pela agncia de

    planejamento, EPE); e (ii) o modelo foi alimentado, a cada ms, com os valores que

    efetivamente ocorreram, era de se esperar que a evoluo do nvel dos reservatrios

    resultante deste processo de backcasting fosse bastante prxima real. No entanto, isso no

    ocorreu. Como mostra a figura a seguir, o esvaziamento real dos reservatrios (grfico de

    colunas) foi bem mais acentuado do que a simulao oficial (grfico de rea).

    12

    Este modelo computacional o mesmo que o Operador Nacional do Sistema (ONS) usa para tomar as decises operativas reais; e que os rgos do governo como o MME e a EPE, utilizam para fazer as projees de segurana operativa que vem sendo divulgadas na imprensa. 13

    Observa-se que o total de gerao hidreltrica do backcasting, a cada ms, ser idntico ao ocorrido na realidade, pois a gerao hidreltrica , por construo, dada pela diferena entre consumo e a soma das geraes termeltricas e renovvel (elica e biomassa), cujos valores so informados ao modelo. Em outras palavras, o nico grau de liberdade do modelo de simulao no backcasting decidir quais as hidreltricas que iro produzir o total de gerao hidreltrica pr-determinado para aquele ms.

  • 30

    GRFICO 4 COMPARAO ENTRE O ESVAZIAMENTO REAL E A SIMULAO

    OFICIAL (BACKCASTING) DO SISTEMA EM 2012

    Fonte: PSR.

    Um exemplo da discrepncia entre a realidade e o que as simulaes governamentais

    indicam o nvel de armazenamento ao final do ano: a simulao aponta para 50%, um valor

    bastante razovel para as condies mencionadas para aquele ano (hidrologia moderada e

    excesso estrutural de gerao). No entanto, o armazenamento real foi de apenas 33%, uma

    diferena muito significativa.

    A anlise de backcasting permite concluir que os modelos oficiais de simulao no esto

    representando adequadamente todas as restries operativas que o ONS vem enfrentando

    na vida real. Como consequncia, existe um vis otimista nas simulaes oficiais. Este vis

    preocupante, pois essas simulaes so utilizadas para calcular a capacidade estrutural de

    suprimento do sistema e para projetar as condies de segurana de suprimento do sistema.

    Uma vez constatado o vis otimista, a prxima pergunta seria: possvel recalibrar o

    modelo de simulao para eliminar este vis? A resposta sim. Quando se faz esta

    calibrao14

    , o esvaziamento simulado passa a estar bastante prximo do real, como

    mostram as figuras a seguir.

    14

    No jargo do setor eltrico, a calibrao conhecida como fator de frico.

    30%

    40%

    50%

    60%

    70%

    80%

    90%En

    erg

    ia A

    rmaz

    en

    ada

    do

    SIN

    -%

    en

    erg

    ia a

    rmaz

    en

    vel

    mx

    ima

    03/2012 04/2012 05/2012 06/2012 07/2012 08/2012 09/2012 10/2012 11/2012

    Simulado 77% 77% 76% 80% 75% 68% 60% 52% 50%

    Real 77% 75% 72% 73% 70% 58% 47% 37% 33%

  • 31

    GRFICO 5 SIMULAO (COM CALIBRAO) X OPERAO REAL PARA 2012

    Fonte: PSR.

    GRFICO 6 SIMULAO (COM CALIBRAO) X OPERAO REAL PARA 2013

    Fonte: PSR.

    Essas simulaes mais aderentes realidade operativa permitem mostrar que a razo para a

    ocorrncia de preos elevados de curto prazo mesmo quando a hidrologia est favorvel,

    30%

    40%

    50%

    60%

    70%

    80%

    90%

    Ene

    rgia

    Arm

    aze

    nad

    a d

    o S

    IN -

    % e

    ne

    rgia

    arm

    aze

    nv

    el m

    xim

    a

    03/2012 04/2012 05/2012 06/2012 07/2012 08/2012 09/2012 10/2012 11/2012

    Simulao Fator Frico 83% 81% 78% 77% 70% 55% 45% 37% 33%

    Real 77% 75% 72% 73% 70% 58% 47% 37% 33%

    Figura 3 Comparao entre o esvaziamento real e a simulao da PSR (backcasting) do sistema em 2012

    30%

    40%

    50%

    60%

    70%

    80%

    90%

    Ene

    rgia

    Arm

    aze

    nad

    a d

    o S

    IN -

    % e

    ne

    rgia

    arm

    aze

    nv

    el m

    xim

    a

    03/2013 04/2013 05/2013 06/2013 07/2013 08/2013 09/2013 10/2013 11/2013

    Simulao Fator de frico 55% 66% 66% 68% 67% 60% 52% 45% 40%

    Real 55% 62% 61% 63% 60% 55% 49% 44% 40%

    Figura 5 Comparao entre o esvaziamento real e a simulao da PSR (backcasting) do sistema em 2012

  • 32

    como em 2013, que a capacidade estrutural de gerao (isto , a capacidade de produo

    de energia em condies hidrolgicas adversas, que o critrio de planejamento do sistema)

    est menor do que o consumo. Este problema pode ser corrigido atravs da contratao de

    um reforo na capacidade de gerao, estimado em 2.000 MW mdios.

    1.8 Recomendaes

    Em funo da anlise acima, uma primeira recomendao deste trabalho seria

    analisar em profundidade a questo da capacidade estrutural de gerao (observa-

    se que o Tribunal de Contas da Unio - TCU recentemente orientou o governo a

    realizar esta mesma anlise). Se o desequilbrio for confirmado, o reforo de gerao

    necessrio dever ser contratado o mais rpido possvel, caso contrrio haver o

    risco de alguma dificuldade de suprimento voltar a ocorrer nos prximos anos.

    Alm da anlise da capacidade estrutural de gerao, recomenda-se que as equipes

    de planejamento do governo analisem o porqu de os ndices de desempenho do

    sistema de transmisso terem piorado significativamente nos ltimos anos. Estudos

    tcnicos15

    mostram que, ao contrrio do que talvez se imagine, os blecautes

    recentes foram causados por falhas nas subestaes, e no por atrasos na

    construo de reforos de transmisso. (Isso no significa que a eliminao destes

    atrasos no importante; pelo contrrio, extremamente importante, pois os

    mesmos podem afetar significativamente o desempenho futuro do sistema.)

    Como mencionado, a MP 579 foi benfica para todos os consumidores. No entanto,

    uma das medidas governamentais, relacionada com os benefcios da antecipao da

    renovao das concesses de gerao, tratou de maneira assimtrica os segmentos

    de consumo regulado (ACR) e livre (ACL), pois transferiu os benefcios somente para

    o ACR. Este tratamento diferenciado no se justifica, pois os consumidores

    industriais que esto no ACL contriburam, ao longo de muitas dcadas, para a

    construo e remunerao das usinas hidreltricas exatamente da mesma maneira

    que os demais. Por esta razo, prope-se que os benefcios da gerao cuja

    concesso expira a partir de julho de 2015 sejam repartidos de maneira equitativa

    entre ambos os segmentos.

    15

    Energy Report PSR, edio 85, Janeiro de 2014

  • 33

    2 EXPANSO DA CAPACIDADE DE

    GERAO

    A figura a seguir mostra a necessidade de nova capacidade de gerao, expressa em GW

    mdios de garantia fsica, para os prximos anos. Esta necessidade foi determinada de

    forma a atender a uma projeo de consumo de energia a partir de um cenrio de PIB e est

    segregada entre oferta indicativa (energia nova que ser necessria ao sistema

    independentemente da tecnologia) e projetos estruturantes, que so aqueles projetos

    especficos (como grandes hidroeltricas e nucleares) que acreditamos sero incorporados

    pelo governo na oferta de forma mandatria.

  • 34

    GRFICO 7 CAPACIDADE DE GERAO

    Fonte: PSR.

    Como observado na figura, necessrio contratar 13 GW mdios de nova capacidade de

    gerao (garantia fsica) para atender ao crescimento de demanda at 2023. At 2030, este

    montante aumentaria para 40 GW mdios.

    Na regulamentao do setor eltrico, o incentivo para construo de nova capacidade de

    gerao vem da combinao de dois requisitos. O primeiro requisito que todos os

    consumidores devem estar 100% cobertos por contratos de suprimento. O segundo requisito

    que cada contrato, embora seja um instrumento financeiro, deve estar respaldado por uma

    garantia fsica de gerao, isto , necessrio associar ao contrato um conjunto de

    geradores capaz de, efetivamente, produzir a energia contratada. A consequncia da juno

    desses requisitos que, como mostra a figura a seguir, um novo consumidor s pode se

    conectar rede eltrica se houver capacidade disponvel de gerao suficiente para garantir

    que o aumento de demanda resultante no ameace a segurana de suprimento.

    Baixa contratao devido

    motorizao de Belo Monte

    necessria a contratao de 13 GW mdios para atender ao

    crescimento de demanda at 2023 e 40 GW mdios at 2030

    2014 2015 2016 2017 2018 2019-2030

    Projeo de PIB 1.7% 1.8% 2.8% 3.0% 3.1% 3.5%

    Fonte: at 2018, relatrio FOCUS de 2 de maio de 2014; De 2019 a 2030, premissa PSR.

    Fonte: Cenrio de expanso 2014-2030 da PSR

  • 35

    FIGURA 1 ESQUEMA DE OFERTA E DEMANDA

    Fonte: PSR.

    Em termos prticos, isso significa que os novos consumidores so, em ltima anlise,

    responsveis pela criao de incentivos entrada de nova gerao. Analisaremos a seguir

    quais so os incentivos para a nova gerao no chamado ambiente de contratao regulada

    (ACR), que abrange os consumidores cujo consumo de energia atendido pelas

    distribuidoras; e pelo ambiente de contratao livre (ACL) que, como indica o nome,

    corresponde aos consumidores que negociam diretamente seus contratos de suprimento

    com os geradores ou comercializadores de energia.

    2.1 Contratao de nova capacidade pelo ACR

    O ACR corresponde a 75% do consumo do pas. O principal instrumento para contratao de

    nova capacidade de gerao deste segmento so os chamados leiles de energia nova.

    Esses leiles, realizados desde 2005, foram muito bem sucedidos. Foram contratados at

    hoje 65 mil MW (potncia instalada) de nova capacidade, cerca de 800 bilhes de reais em

    contratos, de um mix de tecnologias que inclui hidreltricas convencionais; elicas;

    cogerao a biomassa; usinas termeltricas (gs natural, carvo e leo).

  • 36

    2.1.1 NECESSIDADE DE APERFEIOAMENTO DOS LEILES

    Os leiles foram inicialmente elaborados a partir de uma viso conceitual bastante

    simplificada em relao aos critrios para a escolha dos vencedores: as usinas seriam

    comparadas com base no custo de sua garantia fsica (R$/MWh de garantia fsica),

    independentemente de sua localizao, tipo ou de outras externalidades (por exemplo,

    capacidade de atender demanda de ponta). Esta viso simplificada era necessria na

    partida do modelo, de forma a permitir sua consolidao.

    No entanto, dado que esta consolidao j ocorreu, passa a ser importante aperfeioar os

    leiles para representar o fato de que o conjunto de reforos que maximiza os benefcios

    para os consumidores deve levar em conta, de forma integrada, os seguintes aspectos, ou

    atributos:

    segurana do suprimento de energia;

    segurana do suprimento de potncia;

    custo da gerao;

    custo adicional de transmisso;

    outros custos implcitos;

    segurana da materializao efetiva dos projetos e de seus prazos;

    confiabilidade e adaptabilidade do sistema resultante; e

    diversificao das fontes de energia.

    evidente que esta multiplicidade de atributos, alguns deles at conflitantes, no pode ser

    representada de maneira adequada pelo critrio de mnimo custo atualmente adotado. O

    governo reconhece esta limitao, e tem procurado contorn-la por meio de um conjunto de

    regras ad hoc, tais como separar a demanda em hdrica e trmica; leiles especficos para

    determinados tipos de fontes de energia; limites mximos para o custo operativo (CVA) das

    termeltricas. No entanto, estas regras no representam aspectos cada vez mais importantes

    como o atendimento demanda mxima e a despachabilidade, que a capacidade de

    produzir energia adicional em caso de imprevistos (isto permitiria a maior insero de fontes

    como elica ou biomassa, cuja produo a cada instante no pode ser controlada pelo

    Operador Nacional). Alm disso, as regras so complexas, pouco transparentes e, em alguns

    casos, levaram inadvertidamente a resultados indesejveis; um exemplo bastante conhecido

    foi a contratao macia de trmicas a leo, que foi causada por uma mudana que visava a

  • 37

    um ajuste na cogerao a biomassa.

    Por essas razes, h um grande interesse no desenvolvimento de metodologias e critrios

    analticos que permitam estabelecer objetivamente as regras e parmetros dos leiles de

    energia nova e de energia de reserva, de forma a fazer com que eles resultem em uma

    expanso eficiente e harmnica, que (i) atenda s diretrizes de poltica energtica, em

    particular aos critrios estabelecidos de segurana de suprimento; (ii) seja eficiente; (iii)

    incorpore as diversas externalidades associadas s vrias fontes de energia; e (iv) no

    rejeite a priori solues alternativas e inovaes tecnolgicas elaboradas fora do mbito do

    planejamento da expanso.

    Um trabalho recente de pesquisa (P&D) promovido pela Associao dos Produtores

    Independentes de Energia (APINE)16

    props uma metodologia e procedimento que atende

    aos objetivos acima. A divulgao dos resultados deste trabalho junto aos agentes setoriais e

    s entidades do governo ser feita no final de 2014 e poder contribuir significativamente

    para a eficcia do processo de entrada de nova capacidade de gerao.

    2.2 Contratao de nova capacidade pelo segmento livre (ACL)

    O segundo aperfeioamento proposto refere-se participao do segmento de consumidores

    livres (ACL) na expanso da capacidade de gerao. Atualmente, a nica participao deste

    segmento nos leiles de energia nova uma cota determinada pelo governo na licitao da

    gerao hidreltrica, o que restringe a oferta disponibilizada aos consumidores livres.

    Adicionalmente, a estrutura de precificao da gerao hidroeltrica no leilo visa minimizar

    o preo da usina hidroeltrica para o ACR, o que potencialmente penaliza a estrutura de

    precificao do ACL, que paga mais pela hidroeltrica para viabilizar um menor preo ao

    ACR.

    Embora a regulamentao permita que os consumidores livres negociem a construo de

    nova capacidade, na prtica isto no ocorre pelas seguintes razes: (i) no caso da energia

    hidreltrica convencional, que uma concesso federal, a destinao da mesma

    16

    Projeto de P&D da ANEEL PD-6491-0279/2012 intitulado Aperfeioamento do Processo de Contratao da Expanso do Parque Gerador, que possui como empresa proponente a COPEL e como cooperadas AES Tiet, CEMIG, Cachoeira Dourada, CESP, Duke, EMAE, Enerpeixe, Termopernambuco, Tractebel e Foz do Chapec Energia.

  • 38

    determinada pelo governo; (ii) a gerao termeltrica a gs natural e carvo importado so

    pouco atraentes para os consumidores livres porque, alm de seu custo total ser maior do

    que o da gerao hidreltrica, o mesmo varia significativamente a cada ano devido a

    mudanas nos preos internacionais dos combustveis e durao do acionamento das

    mesmas determinada pelo ONS a cada ano (fator de despacho); (iii) a gerao elica, as

    pequenas centrais hidroeltricas (PCHs) e cogerao a biomassa tm caractersticas

    atraentes em termos de preo, tamanho e possuem disponibilidade de volumes ao ACL. No

    entanto, sua produo de energia varia muito a cada ms e ao longo do ano. No caso das

    PCHs o Mecanismo de Realocao de Energia (MRE) um mecanismo de proteo. Mas,

    no caso da energia elica, cuja oferta para o ACL expressiva, esta variabilidade faz com

    que o contrato de suprimento que interessaria ao consumidor livre, onde o gerador se

    compromete a fornecer uma quantidade fixa de energia por um preo tambm fixo, muito

    arriscado para o gerador17

    . Na prtica, apenas grandes empresas proprietrias de usinas

    hidroeltricas e que possam produzir um portflio hidro elico esto em posio de assinar

    esses contratos, o que reduz a competio e a liquidez para o ACL.

    A expanso da oferta ao ACL depende da soluo de dois fatores principais:

    i. em termos de recursos e oferta de energia, a energia elica ser muito significativa

    em volume nos prximos anos, complementando o potencial das PCHS e aportando

    oferta ao ACL. Mas para esta oferta se materializar em volume e de forma

    competitiva necessria a gesto do risco de produo;

    ii. os mecanismos de financiabilidade da gerao destinada ao ACL precisam de

    aperfeioamentos. A longa durao dos contratos exigida pelos bancos (sobretudo

    pelo BNDES) para financiamento da gerao pouco adequada necessidade de

    maior flexibilidade da indstria e inibe o desenvolvimento de renovveis para o ACL.

    Esses temas sero discutidos a seguir e propostas sero apresentadas. Para o (i), descreve-

    se a seguir um aperfeioamento regulatrio, conhecido como MRE Hidroelico, que poderia

    viabilizar a contratao de elicas e biomassa pelo ACL. De maneira anloga ao caso do

    ACR, isso permitiria aumentar a eficcia da entrada de nova capacidade de gerao, com

    benefcios diretos para os consumidores industriais. Para o (ii), descreve-se uma proposta

    que poderia beneficiar as renovveis de um modo geral.

    17

    No caso da elica e biomassa, os consumidores regulados absorvem este risco assinando um contrato especial (por disponibilidade) em que estas fontes no tm obrigao de produzir uma quantidade fixa de energia a cada ms.

  • 39

    2.2.1 MRE HIDROELICO

    A ideia bsica ampliar o esquema conhecido como Mecanismo de Realocao de Energia

    (MRE), usado para reduzir o risco de contratao da gerao hidreltrica, cuja produo

    tambm muito varivel, para incorporar estas tecnologias renovveis, mas reconhecendo

    todas as vantagens e desvantagens em termos de contribuio para a produo do portflio.

    O MRE foi criado a partir da observao de que, embora a produo fsica individual de cada

    hidroeltrica seja bastante varivel, a produo fsica total do conjunto de usinas

    hidroeltricas muito mais estvel. Como consequncia, se cada hidreltrica recebesse,

    para efeitos de atendimento a seus contratos de suprimento, uma frao desta produo total

    ao invs de sua produo fsica, ela correria menos riscos de estar short em seus contratos

    (o que a obrigaria a comprar a diferena no mercado de curto prazo) sem ter nenhuma

    desvantagem. fcil ver a semelhana entre o MRE e um portflio de ativos (no caso, as

    usinas hidreltricas) cujos acionistas so os proprietrios destas usinas. A nica questo a

    resolver que frao da produo hidreltrica total iria para cada proprietrio. No caso do

    MRE, estabeleceu-se que esta frao seria proporcional garantia fsica18

    da respectiva

    usina. (De uma maneira simplificada, a garantia fsica de uma hidreltrica a energia que a

    mesma produz durante as secas mais severas.)

    Dado que na ocasio da criao do MRE, no final da dcada de 1990, a gerao hidreltrica

    do pas era dominada pelas usinas da regio Sudeste, cujas vazes tinham mais ou menos o

    mesmo padro (variao ao longo do ano, afluncia total em anos midos e secos etc.) o uso

    da garantia fsica como critrio de repartio era razovel. No entanto, medida que entram

    em operao hidreltricas de grande porte cujo padro de afluncias bastante diferente do

    padro das usinas do MRE, por exemplo, as usinas Santo Antnio, Jirau e Belo Monte, este

    critrio de repartio pode ser inadequado. Em particular, se uma nova usina tem um padro

    de afluncias que complementar ao das usinas j no MRE, isto , produz mais energia

    quando o resto do sistema produz menos, e vice-versa, sua contribuio para a reduo da

    variabilidade da produo hidreltrica total maior do que sua garantia fsica. A razo a

    mesma de um portflio de aes de empresa: um investidor pagaria mais por uma ao cuja

    rentabilidade tem correlao negativa com a rentabilidade do portflio do que por uma que

    variasse de maneira unssona com o portflio. Este o caso, por exemplo, de Santo Antnio

    e Jirau, que tiveram a maior cheia j registrada justamente na poca em que o resto do

    sistema estava passando por uma das secas mais severas da histria. Outro exemplo

    notvel de complementariedade o das usinas elicas da regio Nordeste, cujo padro de

    18

    O conceito de garantia fsica foi visto no incio deste captulo e reflete a contribuio esperada (mdia) de cada usina para a segurana de suprimento.

  • 40

    ventos o oposto do padro de afluncias das hidreltricas. Por outro lado, usinas que

    possuem uma forte variabilidade de produo podem contribuir de forma danosa ao portflio

    total caso sua produo mdia no seja elevada (voltando analogia anterior, um investidor

    pagaria menos por uma ao que aporta muita variabilidade a um portflio caso esta no

    seja compensada por um aumento correspondente de sua rentabilidade).

    As anlises acima motivam o aperfeioamento da metodologia para clculo da participao

    de cada ativo no MRE, visando determinar a construo de um portflio de ativos em que o

    benefcio fsico ou financeiro da estabilidade da sua produo ou renda spot,

    respectivamente, alocado aos seus participantes reconhecendo a contribuio de cada

    agente em termos de mdia, variabilidade e complementariedade na construo do

    benefcio. O objetivo evitar subsdios cruzados entre tecnologias na definio das cotas de

    participao neste MRE.

    A metodologia para este MRE19

    ,ilustrada na figura abaixo, utiliza um enfoque mdia/risco

    para medir a efetiva contribuio de cada usina para a reduo da volatilidade da produo

    total, similar ao empregado na moderna teoria de portflios.

    FIGURA 2 METODOLOGIA DO MRE

    Fonte: PSR.

    19

    Valenzuela, P., Lima, D. A., Barroso, L.A., Granville, S., Bezerra, B., Pereira, M. V.; Mecanismos de realocao de energia para renovveis: incorporando a variabilidade da produo de seus participantes. XIII Simpsio de Especialistas em Planejamento da Operao e Expanso Eltrica, 2014.

  • 41

    Em termos tcnicos, a metodologia prope uma nova mtrica da repartio do benefcio total

    de um mecanismo de realocao de energia de renovveis formada pela combinao linear

    entre o valor esperado e o CVaR (Valor em Risco Condicional) da renda dos participantes,

    com um mtodo de rateio desses benefcios que utiliza a alocao em proporo aos

    benefcios marginais. Esse mtodo, para o problema em questo, fornece resultados que

    esto comprovadamente no ncleo do jogo cooperativo, o que garante que nenhum agente

    tem incentivos para abandonar o mecanismo criado. Outra vantagem do mtodo sua

    facilidade de implementao, pois consiste basicamente de uma expresso analtica (que,

    inclusive, similar expresso atual para o clculo da garantia fsica, exceto pelo fator de

    conter um termo de risco).

    Se adotada, esta metodologia permitir a introduo de outras tecnologias no MRE atual de

    forma equitativa. No caso das elicas, isso permitiria a mitigao do risco de produo e que

    elas possam assinar contratos de suprimento mais adequados s necessidades dos

    consumidores do ACL, e permitir uma contribuio mais efetiva deste segmento expanso

    da capacidade de gerao do pas20

    .

    2.2.2 FINANCIABILIDADE PARA A EXPANSO DO ACL

    Mesmo que o problema da gesto de risco associada variabilidade da produo seja

    equacionado, existe ainda a exigncia por parte do financiador de contratos de venda de

    energia de longo prazo, no mnimo pelo prazo de pagamento da dvida, para garantir a

    financiabilidade do projeto, problema esse que afeta todas as fontes. No caso do BNDES

    (financiador majoritrio), esses contratos devem ser de pelo menos 12 anos. Na prtica,

    consumidores livres no assinam contratos de muito longo prazo, devido basicamente

    preocupao com a incerteza no consumo e com o risco da indexao. A falta de contratos

    de longo prazo introduz incerteza ao financiamento, que afeta todas as fontes.

    O financiador utiliza hipteses muito conservadoras para valorar o incerto fluxo de caixa

    futuro do projeto, penalizando-o. Esta exatamente a situao do BNDES no Brasil: receitas

    de anos sem contratos so valoradas a um quantil muito conservador do Preo de

    Liquidao das Diferenas - PLD. Assim, as opes para os investidores no ACL tm sido: (i)

    utilizar a estrutura integrada empresarial para viabilizar projetos; (ii) desenvolver projetos com

    20

    Apesar das vantagens do mtodo, ressalta-se que a correta quantificao das contribuies aportadas pelos geradores ao MRE est intimamente conectada com a utilizao de cenrios de gerao confiveis e aderentes com a operao das usinas. Este tema de particular importncia para a energia elica, cujos histricos de produo so curtos e com forte componente de incerteza.

  • 42

    dinheiro prprio (100% equity); (iii) formar um portflio com projetos nos dois ambientes, ACR

    e ACL (h o suporte dos contratos de longo prazo do ACR nos anos iniciais, mais crticos

    para o pagamento da dvida).

    A estrutura de financiabilidade para o ACL precisa ser alterada e adaptada s caractersticas

    deste mercado, incluindo um componente de confiana no seu desenvolvimento baseado em

    expectativas racionais. O fato de, no momento da solicitao do financiamento, o projeto no

    possuir contratos de longo prazo no significa que o gerador ficar de braos cruzados

    durante todo o perodo de amortizao sem firmar contratos. O gerador ter como estratgia

    racional buscar o melhor mercado para comercializar sua energia. Como a precificao de

    contratos no ACL influenciada pelo PLD, pode-se argumentar que a premissa de

    conservadorismo extremo na valorizao dos anos sem contrato no fluxo de caixa (a, por

    exemplo, PLD_min) vlida.

    No entanto, os preos dos contratos no ACL com um ano de durao para entrega para

    daqui a trs ou mais anos tendem a convergir para o valor esperado do PLD mais ou menos

    um spread no momento da negociao do contrato, mesmo que o preo spot no momento da

    negociao do financiamento esteja no piso ou no teto. Por ser um fenmeno com reverso

    mdia, o valor esperado do PLD anos adiante (trs ou mais) praticamente independente

    da situao hidrolgica do momento da solicitao do financiamento. Isso significa que os

    preos dos contratos obtidos mais frente tendem a ser superiores ao piso do PLD.

    Uma possvel objeo seria a de que utilizar uma estatstica calculada a partir da distribuio

    da projeo de preos no ACL como premissa econmica tambm no evita o risco que o

    fluxo de caixa, nos primeiros anos de operao da usina, pode ser insuficiente para garantir

    os pagamentos da dvida, e, portanto, implicaria um risco ao financiador. No entanto, este

    risco pode ser superado por uma combinao de:

    imposio de uma obrigao do gerador de sempre estar contratado x anos

    frente por n anos (esquema horizonte rolante), prazos compatveis com a realidade

    de mercado;

    esquema de garantias financeiras desenvolvido com o banco como alternativa

    obrigao anterior.

    A construo de uma proposta para este tema, possui como arcabouo principal o seguinte:

  • 43

    1. Definio de uma hiptese razovel para estimar o fluxo de caixa para os anos sem

    contrato, como por exemplo:

    Projeo dos PLDs mdios, em A, para o ano A+x, condicionados aos

    possveis nveis de armazenamento do sistema em A. Estes preos

    seriam utilizados como proxy do preo do contrato no ACL negociado no

    ano A para entrega no ano A+x.

    Utilizao de um percentil (10%, por exemplo) da distribuio dos preos

    de contratos no ACL projetados A+x.

    2. Condicionar a aceitao de (1) na concesso do financiamento ao projeto sempre

    estar contratado x anos frente por n anos (esquema horizonte rolante). Por

    exemplo, x=1 e n=2.

    3. Definio de esquemas para garantir, por meio dos melhores esforos da parte

    vendedora, o cumprimento das estimativas anteriores. Esta atividade permite a

    participao das comercializadoras, que atuariam na comercializao desta energia.

    4. Definio de um esquema de garantias executadas caso (2) no se verifiquem.

    Este esquema resumido na figura abaixo.

    FIGURA 3 ESQUEMA DE PROJEO PARA ACL

    Fonte: PSR.

  • 44

    Esta proposta possui as seguintes vantagens:

    adequada s necessidades do ACL, que possui um lquido mercado de contrato de

    curto e mdio prazo e um ilquido mercado de contrato de longo prazo;

    compatvel com as melhores prticas internacionais, onde bancos trabalham com

    projees de receitas mediante desenho de esquemas de garantias e outras

    exigncias comerciais (ICSD, garantia financeira no vinculante etc.);

    induz a uma expanso que atende integralmente o crescimento da demanda de

    energia eltrica (ACR e ACL);

    permite que a demanda de consumidores livres clssicos respalde a expanso da

    oferta de gerao;

    comercializador como catalisador: portflios, gesto de riscos, capilaridade no

    mercado;

    permite que o banco financie o montante adequado ao verdadeiro risco do projeto.

    No entanto, a premissa essencial desta proposta a estabilidade de regras do setor, que

    precisa ser crvel para que expectativas racionais possam ser montadas. Instabilidade e

    interferncias regulatrias reduzem credibilidade e transformam o contrato de longussimo

    prazo com transferncia de todos os riscos ao consumidor como nico instrumento de

    segurana comercial para financiadores (pois blinda o projeto de interferncias regulatrias

    em preos), o que compromete a eficincia global do setor eltrico.

    2.3 Implementar alternativas viveis de gerao distribuda e "Smart Grid"

    A gerao distribuda (pequenas usinas, cogerao, miniusinas e microusinas) pode ser um

    vetor fundamental de reduo de custos para todos os agentes envolvidos. No entanto, a

  • 45

    forma com que ela ser (ou no) introduzida no setor eltrico brasileiro e a maneira como

    seus custos sero alocados entre os agentes poder acabar resultando em conflitos que

    retardaro o seu desenvolvimento e/ou resultando em investimentos ociosos (stranded

    costs).

    Em particular, o desenvolvimento de gerao distribuda no mbito das redes de distribuio

    tem o potencial tanto de resolver problemas inerentes a essas redes (pela introduo de

    gerao em pontos congestionados onde a expanso seria muito custosa) quanto de

    prejudicar o prprio servio de distribuio (se a gerao for introduzida em locais j com

    excesso de gerao ou deixar ociosos investimentos recentes em expanso da rede de

    distribuio). As regras atuais tendem a deixar em posies antagnicas os distribuidores e

    grande parte da gerao distribuda, criando conflitos desnecessrios e potenciais impasses

    no desenvolvimento e penetrao dessas novas tecnologias no Brasil.

    A questo j sentida em vrios sistemas, especialmente nos EUA e na Europa, e tem

    causado discusses profundas sobre os estmulos e benefcios da gerao distribuda. A

    rpida evoluo tecnolgica acentua os riscos e oportunidades subjacentes, com novas

    tecnologias e modelos de gerao e distribuio suplantando os incumbentes em uma

    velocidade at agora desconhecida do setor eltrico.

    necessrio mudar as regras atuais para viabilizar e incentivar parcerias entre gerao

    distribuda e distribuidoras (parcerias GDD), com alocao adequada de custos e benefcios

    entre geradores, distribuidores e consumidores, em vez de coloc-los em posies

    adversrias.

  • 46

    3 A QUESTO HIDRELTRICA

    O Brasil possui uma das matrizes energticas mais limpas do mundo; cerca de 50% de

    nossa energia provm de fontes renovveis, em contraste com 16% da mdia mundial. No

    setor eltrico, esta proporo de energia limpa sobe para 80%. Quase toda esta eletricidade

    verde ou, melhor, azul produzida pelas usinas hidroeltricas do pas. Alm de ser a

    mais importante, a hidroeletricidade tambm nossa fonte mais antiga. A primeira usina

    hidroeltrica do pas entrou em operao em 1883, em Diamantina. No mesmo ano, Dom

    Pedro II inaugurou o primeiro servio pblico municipal de iluminao eltrica da Amrica do

    Sul, em Campos (RJ). Em 1908, a Light construiu a usina Fontes, em Pira (RJ). Sua

    potncia, de 24 MW, era muitas vezes maior que toda a demanda do Rio de Janeiro de

    ento. Hoje, a capacidade instalada de gerao do Brasil 120.000 MW, dos quais 75%

    provm de gerao hidroeltrica21

    .

    21

    Em termos de energia produzida, a gerao hidroeltrica tem uma participao ainda maior, cobrindo cerca 85% do consumo nacional.

  • 47

    O atendimento ao crescimento da demanda nas prximas dcadas tambm dever se

    basear em fontes renovveis. Alm da hidroeletricidade, cujo potencial econmico ainda a

    desenvolver de cerca de 120.000 MW, duas novas fontes renovveis se tornaram

    competitivas nos ltimos anos. A partir de 2005, a cogerao com biomassa de cana-de-

    acar, tambm conhecida como bioeletricidade, passou a contribuir de maneira significativa

    para a produo de eletricidade, com quase 5.000 MW instalados. E a partir de 2009, a

    energia elica teve um crescimento exponencial no pas, com mais de 9.000 MW contratados

    (e atualmente em construo) em leiles de energia.

    Ambas as fontes tm um grande potencial de produo de energia e so muito competitivas.

    A bioeletricidade poderia contribuir com 20 mil MW nos prximos anos, enquanto o potencial

    da gerao elica pode chegar a 300 mil MW, excedendo at nosso potencial hidreltrico. No

    que se refere competitividade, ambas tm preos inferiores s demais alternativas no

    hidroeltricas, por exemplo, a gerao termeltrica a gs natural. Em particular, o preo da

    energia elica vem caindo muito rapidamente a cada ano, estando hoje em torno de

    R$100/MWh, j competitivo com a hidroeletricidade.

    A competitividade dessas fontes renovveis no Brasil levanta uma primeira questo

    interessante, pois no resto do mundo elas ainda dependem fortemente de incentivos e

    subsdios. No caso da bioeletricidade, poderia ser argumentado que esta competitividade

    est alavancada no setor sucroalcooleiro, no qual o Brasil tem vantagens quase nicas. No

    entanto, o sucesso da energia elica mais intrigante, pois embora os padres de vento na

    regio Nordeste sejam muito bons, h outros pases com padres semelhantes, porm com

    custos elicos bem mais elevados.

    3.1 Obstculos insero de renovveis no exterior

    Um dos maiores obstculos para a insero econmica destas fontes nos demais pases

    seu carter intermitente, isto , a produo de energia pode variar bastante de um minuto

    para o outro (caso da elica) ou sazonalmente (caso da biomassa, cuja produo se

    concentra no perodo de safra da cana-de-acar, de maio a novembro). Da mesma maneira

    que o dono de um posto de gasolina teria muita dificuldade para abastecer seus clientes se

    os caminhes de combustvel chegassem aleatoriamente algumas vezes sem aparecer por

  • 48

    dias a fio, outras vezes com 20 caminhes chegando ao mesmo tempo muito difcil suprir

    a demanda de energia de maneira adequada a partir de fontes de produo que variam de

    maneira significativa. Por exemplo, a Alemanha, que o pas com mais capacidade elica

    instalada, cerca de 22 mil MW, recentemente passou 5 dias sem nenhum vento. Em termos

    de Brasil, como se toda a usina de Itaipu, com 18 mil MW, parasse de funcionar.

    3.2 Como estes obstculos foram contornados no Brasil?

    Inicialmente, deve-se lembrar de que a questo da variabilidade j existia no setor eltrico

    antes do desenvolvimento da gerao elica e da bioeletricidade. A figura a seguir mostra as

    vazes mdias mensais usina de Furnas, calculadas para o registro histrico dos ltimos

    80 anos.

    GRFICO 8 MDIA DAS AFLUNCIAS MENSAIS USINA DE FURNAS, NA REGIO

    SUDESTE

    Fonte: PSR.

    Observa-se que h uma forte sazonalidade nas afluncias: as vazes do perodo mido

    (novembro a maro) so bem maiores do que as do perodo seco. Adicionalmente, as vazes

    0

    200

    400

    600

    800

    1000

    1200

    1400

    1600

    1800

    2000

    Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez

    m3/

    s

    A vazo no ms mais "molhado" (fevereiro) 4 vezes maior do que a do ms mais seco (agosto)

  • 49

    em cada ms variam de maneira imprevisvel. Isso ilustrado na figura a seguir, que mostra

    as 80 sries histricas mensais22

    .

    GRFICO 9 AFLUNCIAS MENSAIS USINA DE FURNAS SUDESTE

    Fonte: PSR.

    Finalmente, a figura a seguir mostra que o volume total afluente ao longo do ano tambm

    varia bastante. A figura mostra as 80 vazes mdias anuais colocadas em ordem crescente.

    Pode-se observar que a vazo do ano mais molhado 4,5 vezes maior do que a do ano

    mais seco.

    22

    A figura 1 mostra a mdia mensal das 80 sries da figura 2.

    0

    500

    1000

    1500

    2000

    2500

    3000

    3500

    4000

    Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez

    m3

    /s

  • 50

    GRFICO 10 VAZES ANUAIS DE FURNAS (ORDEM CRESCENTE)

    Fonte: PSR.

    Essas caractersticas das vazes levam a uma primeira pergunta: como as hidroeltricas

    conseguem suprir de maneira confivel a demanda de energia, se a disponibilidade de seu

    combustvel oscila tanto?

    A resposta tem dois componentes: (i) diversidade no padro de chuvas em diferentes regies

    do Brasil; e (ii) capacidade de armazenamento dos reservatrios das usinas hidroeltricas.

    3.2.1 PRIMEIRO COMPONENTE: DIVERSIDADE HIDROLGICA

    Devido ao tamanho do pas, que abrange vrias latitudes, temos regimes climticos bastante

    diferentes em cada regio. Por exemplo, o conhecido fenmeno climtico El Nio causa

    secas generalizadas em pases de menor extenso territorial, como o Peru e a Colmbia. No

    Brasil, entretanto, o El Nio causa secas na regio Nordeste, porm um aumento das chuvas

    0

    500

    1000

    1500

    2000

    2500

    0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100%

    m3

    /s

  • 51

    na regio Sul23

    .

    Esta diversidade nas afluncias significa que a produo total de energia das hidroeltricas

    menos varivel do que a produo individual de cada usina. A situao inteiramente

    anloga de um portflio diversificado de aes. Obviamente, o aproveitamento desta

    diversidade requer a construo de usinas em vrias regies. De fato, como mostra a figura

    a seguir, nossa produo hidroeltrica est distribuda em doze bacias principais em todo o

    pas.

    FIGURA 4 PRINCIPAIS BACIAS COM GERAO HIDROELTRICA (CNRH, 2003)

    Fonte: PSR.

    De maneira muito simplificada, o Operador Nacional do Sistema (ONS) procura otimizar o

    uso dos recursos hidreltricos do pas transferindo energia de regies com bacias midas

    (com afluncias favorveis na ocasio) para regies com bacias secas (afluncias

    desfavorveis). Os montantes de energia transferidos so bastante significativos, da ordem

    23

    O impacto do El Nio na regies Sudeste/Centro Oeste mais complexo, em alguns anos com menores precipitaes, e em outros com hidrologia normal ou at mida.

  • 52

    de milhares de MW a cada instante. Alm disso, os padres de transferncia de energia

    entre regies variam bastante, em funo das condies hidrolgicas. Por exemplo, em

    algumas ocasies h transferncias macias de energia para a regio Nordeste. Em outras,

    o sentido da transferncia se inverte; a regio Nordeste que ajuda as demais regies. O

    mesmo ocorre entre as regies Sul e Sudeste, Norte e Nordeste, e assim por diante.

    3.2.1.1 SISTEMA DE TRANSMISSO

    A otimizao da produo hidroeltrica vista acima s vivel se houver um sistema de

    transmisso que conecte todas as regies (no jargo do setor, sistema nacional interligado

    SIN) e que seja robusto, isto , capaz de acomodar os diversos padres de transferncia de

    energia discutidos acima.

    Essas caractersticas do sistema de transmisso brasileiro fazem com que os investimentos

    no mesmo sejam relativamente mais elevados do que o de sistemas com predominncia de

    gerao termeltrica, no qual no s a distncia entre os centros de gerao e consumo so

    menores, como os padres de gerao no variam tanto.

    3.2.2 SEGUNDO COMPONENTE: RESERVATRIOS

    Embora o efeito portflio visto anteriormente reduza significativamente a variabilidade da

    produo total de energia hidroeltrica, ele insuficiente para garantir uma produo de

    energia capaz de acompanhar exatamente a variao da demanda eltrica. neste ponto

    que entra o segundo componente, que so os reservatrios das usinas hidroeltricas.

    De uma maneira simplificada, a energia produzida por uma usina hidroeltrica depende do

    produto de sua altura de queda (distncia entre o topo e a base da usina) pelo volume de

    gua que passa pelas turbinas. Isso significa que em geral mais econmico construir

    usinas hidroeltricas em lugares onde j existe uma queda natural, como uma cachoeira.

    por esta razo que a primeira grande hidroeltrica construda no mundo foi em Niagara Falls,

    e que as hidroeltricas construdas na Noruega, Europa Central ou na regio do noroeste do

    Pacfico dos Estados Unidos so localizadas em cnions, com altura de queda entre 300 e

    600 metros.

  • 53

    No Brasil, entretanto, o perfil dos rios em geral muito mais suave. Como consequncia, a

    altura de queda no resulta do aproveitamento de um cnion natural, e sim da construo de

    uma barragem, com altura de queda entre 30 e 120 metros de altura. Devido topografia da

    regio em torno dos rios, a construo desta barragem resulta na criao de um lago

    artificial, que o reservatrio da usina. Vrios destes reservatrios so bastante grandes; o

    da usina de Furnas, por exemplo, maior do que a baa de Guanabara.

    A existncia dos reservatrios permite desacoplar a produo de energia das hidroeltricas

    da variabilidade da afluncia que est chegando a cada momento. Se a necessidade de

    produo maior do que a energia que seria produzida pelo turbinamento do volume

    afluente, esvazia-se o reservatrio para turbinar um volume adicional. E vice-versa: se a

    afluncia maior do que o volume que se deseja turbinar, armazena-se o excedente. O

    mecanismo anlogo ao de uma pessoa que tem uma remunerao varivel em cada ms

    (por exemplo, um freelance). Se esta pessoa tem uma caderneta de poupana com um

    saldo equivalente a, por exemplo, trs anos de despesas (aluguel, luz etc.), no ter

    dificuldade de pag-las mesmo que enfrente vrios meses de vacas magras24

    . No caso do

    sistema eltrico, o saldo da poupana energtica tambm de trs anos, isto , possvel

    atender demanda mesmo que ocorra uma seca muito severa desta durao.

    3.3 Insero de elica e bioeletricidade

    A partir dos conceitos acima, pode-se entender como a infraestrutura de reservatrios e um

    sistema robusto de transmisso viabilizou a insero da bioeletricidade e elica. Estas fontes

    passaram a ser vistas como novas usinas (sem reservatrio) que so otimizadas em

    con