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VIRUS INFLUENZA E O ORGANISMO HUMANO Influenza virus and the human organism Bruna Furlaneto Rodrigues 1 Fernanda Farias 1 Glaucia Takara 1 Larissa Pavin 1 Lilian Sena 1 Marina Nascimento 1 Milla Pompilio 1 Cristina Paiva de Sousa 2 RESUMO O vírus da influenza pode ser identificado com maior freqüência com relação aos demais vírus respiratórios diante de surtos de gripe, porém nem sempre há uma diferença clara entre gripe e resfriado. No Brasil, como em outros países, populações de diversas faixas etárias são susceptíveis à contaminação pelo vírus influenza, devido à grande variedade de cepas influenciada pela alta capacidade de recombinação gênica. Todos os subtipos do vírus podem sofrer mudanças antigênicas, contudo, o vírus do tipo A é o que apresenta mutações e rearranjos com maior freqüência. O subtipo A penetra no organismo através das mucosas do trato respiratório ou dos olhos e dissemina-se pela corrente sanguínea alcançando as células. Suas enzimas hemaglutinina e neuroaminidase reconhecem resíduos de ácidos siálicos nas glicoproteínas presentes na membrana da célula hospedeira e induzem a fusão destas glicoproteínas e incorporação do envelope viral. O RNA do vírus pode, então, ser liberado no interior da célula e, posteriormente, ser internalizado no núcleo celular. Assim, o vírion metaboliza o material celular e se multiplica, atacando outras células e enviando sinais e sintomas da gripe. Acredita-se que a principal medida para a prevenção da infecção por vírus influenza seja a vacinação. Quanto à sua eficácia, os estudos mostram que ao ocorrer coincidência entre as variantes da influenza em circulação na comunidade e aquelas contidas na vacina, a imunização previne a infecção em até 90% dos indivíduos. Palavras-chave: Orthomyxoviridae. Influenza Humana. Influenzavirus A. Virulência . ABSTRACT The influenza virus can be identified more frequently than other viruses in the setting of a flu epidemic, although it is not always easy to distinguish between the common cold and the flu. In Brazil, as in others countries, populations of different ages are prone to infection with influenza, due to the variety of strains, caused by its high Revista APS, v.10, n.2, p. 210-216, jul./dez. 2007

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  • VIRUS INFLUENZA E O ORGANISMO HUMANO

    Influenza virus and the human organism

    Bruna Furlaneto Rodrigues1 Fernanda Farias1

    Glaucia Takara1 Larissa Pavin1

    Lilian Sena1 Marina Nascimento1

    Milla Pompilio1 Cristina Paiva de Sousa2

    RESUMO O vrus da influenza pode ser identificado com maior freqncia com relao aos

    demais vrus respiratrios diante de surtos de gripe, porm nem sempre h uma

    diferena clara entre gripe e resfriado. No Brasil, como em outros pases, populaes de

    diversas faixas etrias so susceptveis contaminao pelo vrus influenza, devido

    grande variedade de cepas influenciada pela alta capacidade de recombinao gnica.

    Todos os subtipos do vrus podem sofrer mudanas antignicas, contudo, o vrus do tipo

    A o que apresenta mutaes e rearranjos com maior freqncia. O subtipo A penetra

    no organismo atravs das mucosas do trato respiratrio ou dos olhos e dissemina-se pela

    corrente sangunea alcanando as clulas. Suas enzimas hemaglutinina e

    neuroaminidase reconhecem resduos de cidos silicos nas glicoprotenas presentes na

    membrana da clula hospedeira e induzem a fuso destas glicoprotenas e incorporao

    do envelope viral. O RNA do vrus pode, ento, ser liberado no interior da clula e,

    posteriormente, ser internalizado no ncleo celular. Assim, o vrion metaboliza o

    material celular e se multiplica, atacando outras clulas e enviando sinais e sintomas da

    gripe. Acredita-se que a principal medida para a preveno da infeco por vrus

    influenza seja a vacinao. Quanto sua eficcia, os estudos mostram que ao ocorrer

    coincidncia entre as variantes da influenza em circulao na comunidade e aquelas

    contidas na vacina, a imunizao previne a infeco em at 90% dos indivduos.

    Palavras-chave: Orthomyxoviridae. Influenza Humana. Influenzavirus A. Virulncia . ABSTRACT

    The influenza virus can be identified more frequently than other viruses in the

    setting of a flu epidemic, although it is not always easy to distinguish between the

    common cold and the flu. In Brazil, as in others countries, populations of different ages

    are prone to infection with influenza, due to the variety of strains, caused by its high

    Revista APS, v.10, n.2, p. 210-216, jul./dez. 2007

  • capacity of genetic recombination. All the subtypes of the virus can suffer antigenic

    changes; however, type A virus presents mutations and rearrangements more frequently.

    It attacks the organism through the respiratory tract or the eyes, and spreads through the

    blood to the cells. Hemaglutinin and neuroaminidase recognize residues of acid sialic in

    glycoproteins that are present in the membrane of the host cell, inducing the fusing of

    these and incorporation of the viral envelope. The RNA of the virus can then be released

    inside the cell and, later, internalized in the nucleus. Thus it metabolizes the cellular

    material and multiplies, attacking other cells and sending signals and symptoms of flu.

    Vaccination is considered the main preventive measure. As for effectiveness,

    immunization has been shown to prevent infection in up to 90% of the individuals as

    long as there is concordance between influenza variants circulating in the community

    and those contained in the vaccine.

    . Key words: Orthomyxoviridae. Influenza, Humans. Influenzavirus A. Virulence. _______________ 1-Acadmicos de Fisioterapia, Universidade Federal de So Carlos Centro de Cincias Biolgicas e da Sade (CCBS). 2-Professora Associada I, Doutora do Departamento de Morfologia e Patologia (CCBS-UFSCAR). Endereo: Washington Lus (SP-310), km 235 So Carlos - So Paulo CEP 13565-905 E-mail: [email protected] INTRODUO Ao se considerar determinada populao parasitria invasora do organismo humano,

    interessante se observar a nidalidade (ocorrncia localizada de uma zoonose)

    (PAVLOSKII, 1966) que preenchida ao lado das necessidades metablicas e trficas.

    Para causar uma doena infecciosa, um patgeno deve possuir habilidade para: i)

    colonizar o organismo; ii) metabolizar e multiplicar-se nos seus tecidos; iii) resistir s

    defesas do hospedeiro por um perodo de tempo e iv) infectar o mesmo.

    Quando um parasita coloniza um hospedeiro e, por conseguinte, uma infeco

    estabelecida, o hospedeiro reage por meio da mobilizao de seus mecanismos de

    defesa. Desta forma o organismo humano pode lanar mo de trs sistemas adaptativos

    que permitem o convvio com os microrganismos infectantes: os sistemas imunitrio,

    nervoso e endcrino.

    Revista APS, v.10, n.2, p. 210-216, jul./dez. 2007

  • O desenvolvimento parasitrio e, conseqentemente, a impossibilidade de sobrevivncia

    do parasita fora do hospedeiro, desencadeou adaptaes evolutivas que puderam

    promover uma sobrevida prolongada no mundo exterior, como partculas virais e,

    assim, maximizar as chances de um contato bem sucedido com o hospedeiro

    (FORATTINI, 2002).

    Os vrus podem invadir muitos organismos vivos e so parasitas intracelulares

    obrigatrios por possurem parcos recursos necessrios para seu metabolismo (RNA

    mensageiro e ribossomos, por exemplo). So geralmente causadores de doenas

    infecciosas. As protenas da superfcie viral participam do reconhecimento especfico na

    resposta imune, o que faz cessar a infeco. Os genes que codificam estas protenas so

    altamente mutagnicos e devido a estas mutaes que os vrus so capazes de

    driblar o sistema imune, que passa a no mais reconhecer e atacar as protenas da

    prognie viral mutante. Um exemplo claro de vrus altamente mutante o vrus da gripe

    (influenza), que acomete indivduos fazendo com que desenvolvam a doena mais de

    uma vez durante sua vida.

    O estudo e compreenso da gripe aviria nos seus aspectos clnicos e a migrao do

    vrus influenza so os temas abordados neste artigo. So ilustradas as primeiras

    epidemias, tipos de manifestao da doena e fatores de virulncia do patgeno, a

    relao do vrus com uma clula eucarionte, sinais, sintomas, diagnstico

    microbiolgico/ laboratorial e, por fim, medidas preventivas contra a doena.

    A abordagem foi baseada na literatura atualizada demonstrando caractersticas gerais e

    as relaes desenvolvidas entre o vrus e o organismo humano.

    HISTRICO

    No ano 492 a.C., epidemias de doenas com sintomas semelhantes influenza foram

    descritas por Hipcrates as quais se repetiram tambm durante a Idade Mdia. Na

    Amrica, a primeira descrio dos sintomas caractersticos da influenza ocorreu em

    1552 (GARCIA-GARCIA; RAMOS, 2006). Com a evoluo das viagens comerciais,

    ocorreu a primeira pandemia de influenza na sia em 1580, disseminando-se ento pela

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  • Europa e em seguida pelas Amricas. Entre as 22 endemias registradas desde o sc.

    XVIII, a gripe espanhola ocorrida entre 1918-1919 foi a que teve maior impacto

    matando mais de 20 milhes de pessoas.

    A etiologia viral da influenza foi comprovada em 1933, e os trs sorotipos que

    infectavam seres humanos foram identificados apenas no ano de 1950. Neste mesmo

    ano, evidenciou-se que a cepa responsvel pelo episdio de 1918-1919 pertencia

    variedade antignica particular do subtipo A (H1N1). Em 1957, com o surgimento do

    subtipo A (H2N2), a influenza atingiu a China e, em 1968, em Hong Kong, apareceu o

    subtipo A (H3N2), provocando uma pandemia moderadamente grave. Tambm foi

    relatado um evento de influenza de menores propores na Rssia, no ano de 1977, no

    considerado uma pandemia verdadeira (CARREIRO, 2001).

    O vrus da influenza A o primeiro vrus para o qual foi desenvolvida uma

    quimioterapia sistmica antiviral. Em 1960, constatou-se que a amantadina (usada para

    o tratamento do Mal de Parkinson), diminua eficazmente a gravidade e durao da

    infeco por influenza tipo A.

    Segundo FORLEO NETO et al (2003), as pandemias ocorrem de forma irregular,

    geralmente com 30 a 40 anos de intervalo. Desde o sc.XVI descreveram-se ao menos

    30 episdios pandmicos.

    EPIDEMIOLOGIA

    No Brasil, como no resto do mundo, devido grande variedade de cepas do vrus

    influenza ocasionada pela sua alta capacidade de recombinao gentica, populaes de

    diversas faixas etrias esto susceptveis ao seu contgio. Suas conseqncias so, no

    entanto, mais graves nos grupos de risco, como subnutridos, crianas (mais evidente em

    menores de 2 anos), idosos (principalmente maiores de 65 anos), pacientes com

    enfermidades crnicas, com destaque (no) para o sistema crdio-respiratrio, e mulheres

    grvidas. Uma das caractersticas da infeco respiratria pelo vrus influenza a sua

    prevalncia em determinados meses do ano, mais especificamente nos meses mais frios

    (OLIVEIRA, 2004). De acordo com Forleo Neto et al (2003), somente nos pases da

    Europa, somados ao Japo e Estados Unidos, mais de cem milhes de pessoas so

    atingidas pelo vrus nesta estao do ano. Esta caracterstica sazonal da infeco por

    Revista APS, v.10, n.2, p. 210-216, jul./dez. 2007

  • influenza tem uma implicao muito importante na profilaxia da gripe por meio de

    vacinas. Mais que isso, as vacinas devem ser compostas a tempo de serem produzidas,

    passarem por um controle, serem testadas e s ento distribudas de forma segura antes

    do inverno. Esta medida visa prevenir possveis casos e surtos da doena justamente no

    perodo em que apresenta maior incidncia.

    A determinao da variedade a qual uma populao mais sensvel importante para o

    monitoramento da extenso epidemiolgica e para a seleo de imungenos mais

    adequados para estes indivduos. A Organizao Mundial de Sade recomenda as cepas

    que devem compor a vacina contra a gripe, porm ressalta a importncia da avaliao

    dos subtipos incidentes em determinada populao para obter maior eficcia.

    Em estudo realizado com 200 estudantes de faixa etria entre 19 e 25 anos da

    Universidade de So Paulo para levantamento sorolgico de diferentes cepas de

    influenza tipos A e B concluiu-se que ambos os tipos deste vrus apresentam alta

    imunogenicidade, indicando considervel prevalncia sorolgica do vrus da influenza

    na cidade de So Paulo (MANCINI; ESPINDOLA,1991).

    Embora algumas linhagens, como a H5N1, possam ser transmitidas de animais para

    humanos, o vrus ainda no conseguiu se propagar de pessoa para pessoa. Mesmo

    assim, as conseqncias so catastrficas pelo alto ndice de morbidade e mortalidade.

    At 20 de fevereiro de 2006 foram registrados 170 casos de infeco nos pases

    asiticos com 92 mortes. Outras cepas, como H5, H7 e H9, ocasionam infeces de

    menor impacto em humanos (GARCIA-GARCIA; RAMOS, 2006).

    Os reservatrios naturais so as aves migratrias, principalmente as espcies

    Anseriforme (patos, por exemplo), Passeriformes (gansos) e da ordem Charadriforme

    (gaivotas). Para a maioria delas o vrus no causa transtornos clnicos.

    Em anlise filogentica do mesmo subtipo de vrus encontrado em aves migratrias que

    circulam entre os continentes europeu, asitico e americano demonstrou-se que as

    migraes longitudinais so mais importantes que as migraes intercontinentais na

    difuso global do vrus. Nos patos silvestres, os vrus se replicam primeiramente nas

    clulas do trato gastrintestinal, sendo excretados em grande nmero via fezes.

    Revista APS, v.10, n.2, p. 210-216, jul./dez. 2007

  • Conseqentemente, h contaminao de solo e gua de lagos. Aves domsticas que

    fazem uso dessa gua e esto diretamente em contato com este solo por busca de

    alimento so infectadas, constituindo assim uma eficiente rota de transmisso

    (GARCIA-GARCIA; RAMOS, 2006).

    VIRULNCIA

    O vrus da influenza, pertencente famlia Orthomyxoviridae, do tipo envelopado e

    apresenta oito fragmentos diferentes de RNA em sua composio (CARREIRO, 2001).

    De acordo com a capacidade de reao sorolgica de suas glicoprotenas de superfcie

    possvel distingui-lo em trs tipos: A, B e C (JOFR et al, 2005). Os tipos A e B

    apresentam tanto hemaglutinina (HA) como neuroaminidase (NA) em seu envelope. J

    o tipo C possui apenas a hemaglutinina-esterase de fuso (BARBOSA et al, 1997). A

    literatura descreve 15 subtipos de HA e nove subtipos de NA para o vrus da influenza

    A presentes em aves silvestres, reservatrios naturais destes antgenos. Destes, sabe-se

    que H1, H2, H3, N1 e N2 tm habilidade para infectar o homem (JOFR et al., 2005).

    O reconhecimento e ataque s clulas do corpo humano, bem como a aglutinao de

    eritrcitos, so realizados atravs das hemaglutininas (CARREIRO, 2001). Em

    contrapartida, a liberao das novas partculas virais formadas ocorre pela lise das

    clulas infectadas por ao das neuroaminidases (JOFR et al., 2005).

    Todos os tipos de vrus da influenza podem sofrer mudanas antignicas, contudo o

    vrus do tipo A o que sofre mutaes e rearranjos com maior freqncia. Tais eventos

    podem ser pontuais ou menores e acarretar diminuio da resposta imune celular. No

    entanto, as principais alteraes e mutaes maiores ocorrem nas glicoprotenas de

    superfcie, a HA e a NA, possibilitando o surgimento de novas cepas para as quais a

    populao ainda no desenvolveu imunidade devido recombinao gnica e

    reordenamento do genoma (FORLEO NETO et al., 2003; JOFR et al., 2005). Os vrus

    de influenza A e B so responsveis por epidemias de doenas respiratrias recorrentes

    em quase todos os invernos, enquanto o vrus do tipo C mais brando e sem sintomas

    sistmicos associados (OLIVEIRA, 2004).

    Revista APS, v.10, n.2, p. 210-216, jul./dez. 2007

  • A ativao proteoltica dos receptores de membrana virais indispensvel para o

    espalhamento efetivo do vrus no hospedeiro infectado e um importante determinante

    da patogenicidade. O inibidor de protease do muco e o surfactante presentes nas vias

    areas inibem a ativao proteoltica do vrus influenza, alm de suprimir algumas fases

    da replicao viral in vitro (KIDO et al., 1996).

    CICLO DE VIDA VRUS INFLUENZA

    O vrus da influenza penetra no organismo atravs das mucosas do trato respiratrio ou

    dos olhos e dissemina-se para a corrente sangunea atacando as clulas a partir da.

    As enzimas hemaglutinina e neuroaminidase do vrus influenza reconhecem resduos de

    cidos silicos nas glicoprotenas presentes na membrana das clulas do hospedeiro e

    induzem a fuso destas e incorporao do envelope viral. O RNA pode, ento, ser

    liberado no interior da clula e, posteriormente, ser internalizado no ncleo celular.

    Novas molculas de protenas e RNA virais comeam a ser produzidas com o auxlio da

    maquinaria celular, a fim de formar novos vrus. Estas cpias do vrus saem da clula

    hospedeira para infectar outras clulas (FTIMA, 2005).

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  • Figura 1. Relao do vrus influenza com a clula humana.

    Modificado de Lawer W. G. et al, 1999.

    SINTOMATOLOGIA

    As caractersticas clnicas de infeces respiratrias podem ser confundidas com as

    provocadas pelo vrus da influenza, principalmente em crianas, sendo necessrio um

    exame laboratorial para a confirmao do diagnstico a partir de informaes sobre a

    circulao desse vrus (COX; SUBBARAO, 1999).

    Indicaes recentes reportam formas atpicas de infeces ocorrendo na Tailndia e

    Vietn com o H5N1. Qin et al. (2007) comentam o papel do trato gastrintestinal na

    doena. interessante comentar que, embora a apresentao clnica inicial da infeco

    pelo H5N1 (febre e sndrome dos tratos respiratrio superior e inferior) seja similar a

    dos subtipos H1N1 e H3N2, a presena de sintomas gastrintestinais pode ser utilizada

    como uma maneira de se diferenciar o H5N1 de outras infeces virais por influenza.

    Observaram-se sintomas de vmito, diarria e dor abdominal. 40 % e 100% dos

    pacientes, durante a epidemia de 2004 na Tailndia e Vietn, respectivamente,

    Revista APS, v.10, n.2, p. 210-216, jul./dez. 2007

  • apresentaram diarria (WORLD HEALTH ORGANIZATION-WHO, 2005). Esta uma

    observao que a clnica mdica deve considerar quando se investiga a possibilidade da

    infeco por H5N1 ocorrendo em pacientes adultos que apresentarem sintomas de

    influenza concomitante com sintomas gastrintestinais.

    O vrus influenza pode ser identificado com maior freqncia com relao aos demais

    vrus respiratrios diante de surtos de gripe; porm, nem sempre h uma diferena clara

    entre gripe e resfriado (FARIA; GIANISELLA FILHO, 2004). Sabe-se que a gripe pode

    provocar manifestaes respiratrias consideradas mais intensas como, por exemplo,

    dor de garganta, obstruo nasal, tosse persistente e catarro, podendo estar

    acompanhada por sintomas como dores musculares e mal-estar (FARIA; GIANISELLA

    FILHO, 2004). Alm disso, possui incio repentino, febre que pode se estender de trs a

    quatro dias, dor de cabea, cansao persistente por at duas a trs semanas, fraqueza,

    desconforto torcico e espirros espordicos (CARREIRO, 2001).

    Os resfriados podem ser causados por diversos vrus como parainfluenza, adenovrus e

    rinovrus (FARIA; GIANISELLA FILHO, 2004). Tem incio gradual, apresentando

    tosse seca, leve dor no corpo, pouco cansao, desconforto torcico de leve a moderado,

    sendo rara a ocorrncia de febre e de dor de cabea (CARREIRO, 2001). A influenza A

    causa maiores complicaes necessitando de internao e apresenta sintomas de febre

    entre 38 a 40 graus Celsius (com pico nas primeiras 24 horas e durao de 1 a 3 dias),

    fadiga, cefalia, dores abdominais, calafrios, dor de garganta, tosse seca, coriza,

    mialgia, anorexia, nuseas e fotofobia (COX; FUKUDA, 1998). Diarria, vmitos,

    dores abdominal e pleural e epistaxe so manifestaes comuns que ocorrem no incio

    da enfermidade afirmam Yuen et al.(1998) e Wong e Yuen (2005). J a infeco renal e

    cardaca, pneumonia, hemorragia pulmonar, pneumotrax e sndrome sptica compem

    o quadro clnico na fase final, de acordo com a Organizao Mundial de Sade (2005).

    H uma diminuio no rendimento fsico e mental e do sistema imune favorecendo a

    ocorrncia de infeces bacterianas secundrias e possvel comprometimento do sistema

    nervoso central (JOFRE et al., 2005). Lactentes de at 3 meses de idade podem

    apresentar apnia e febres associadas a convulses de acordo com Muoz (2003) e

    Chiu et al. (2001).

    Revista APS, v.10, n.2, p. 210-216, jul./dez. 2007

  • As complicaes podem ser respiratrias e extra-respiratrias. Uma complicao

    respiratria a pneumonia em que o vrus compromete diretamente o parnquima

    pulmonar causando dispnia, cianose e algumas vezes expectorao contendo sangue. A

    radiografia do trax demonstra acometimento intersticial difuso e/ou evidncias de

    sndrome respiratria aguda no adulto, de forma que o vrus altera o epitlio

    traqueobrnquico, com diminuio das clulas, perda dos clios, disfunes das clulas

    fagocticas e fornecimento de meio de cultura (exsudato alveolar) propcio ao

    crescimento bacteriano, predispondo s infeces bacterianas (Streptococcus

    pneumoniae, Staphylococcus aureus, Haemophilus influenzae e Streptococcus

    pyogenes) (RABAGLIATI et al., 2004). Essa ocorrncia mista viral e bacteriana

    observada com muita freqncia. Dentre as complicaes extra-respiratrias esto

    miosite, miocardite e sndrome de Reye, entre outras (SUBBARAO, 2003).

    Em indivduos saudveis, a doena pode durar de uma a duas semanas, porm em

    idosos, portadores de doenas cardiopulmonares e de deficincia imunolgica pode

    acarretar (em) pneumonia viral ou bacteriana, prolongando o tempo de estado e

    aumentando a gravidade da doena.

    A pneumonia a complicao mais comum da influenza e alguns fatores como

    envelhecimento, deficincia nutricional, imunossupresso e presena de DPOC podem

    comprometer ou dificultar a ao dos mecanismos de defesa do organismo contra a

    infeco viral. No idoso ocorrem alteraes imunes (locais e sistmicas) e mecnicas

    (perda de elasticidade, alterao do reflexo de tosse, etc.), as quais interferem

    diretamente na defesa contra o vrus. Os linfcitos T, por exemplo, tornam-se menos

    eficientes na sua resposta a um antgeno e diminuem a secreo de citocinas que

    recrutam outras clulas com o aumento da idade.

    Alm disso, a presena de algumas doenas crnicas pode reduzir a imunidade humoral

    e a imunidade mediada por clulas, alterando a resposta dos macrfagos e neutrfilos,

    principalmente quando associadas ao envelhecimento (GOMES, 2001).

    PREVENO

    Revista APS, v.10, n.2, p. 210-216, jul./dez. 2007

  • De acordo com estudos e revises recentes da literatura acredita-se que a principal

    medida para a preveno da infeco por vrus influenza seja a vacinao. Ela

    recomendada anualmente para todas as populaes, bem como todas as pessoas que no

    desejam contrair a gripe. Conforme a Organizao Mundial da Sade OMS os grupos

    de maior risco so crianas de 6 a 23 meses de idade, adultos maiores de 65 anos e

    indivduos a partir de 60 anos portadores de patologias crnicas (GARCA-GARCA;

    RAMOS, 2006). Outros grupos que devem ser considerados para vacinao so:

    moradores de asilos, adultos e crianas com doenas pulmonares ou cardiovasculares

    crnicas (incluindo os asmticos), adultos e crianas com doenas metablicas crnicas,

    disfuno renal, hemoglobinopatia ou imunossuprimidas (incluindo infeco pelo HIV),

    crianas (6 meses a 18 anos de idade) em tratamento prolongado com aspirina (fator de

    risco para sndrome de Reye), mulheres que estaro no segundo ou terceiro trimestre da

    gravidez durante o perodo de elevada incidncia de gripe, pessoas com doenas

    crnicas que viajam para locais onde h surtos de gripe, pessoas que trabalham em

    locais que fornecem servios comunitrios essenciais e estudantes ou outras instituies

    fechadas (FORLEO NETO et al., 2003).

    H disponveis no Brasil dois tipos de vacinas inativadas contra o vrus influenza: as

    vacinas do tipo split, fragmentadas pela exposio a detergentes e purificadas de forma

    a conter os antgenos de superfcie do vrus e algumas nucleoprotenas virais, e as

    vacinas sub-unitrias, as quais contm somente as protenas de superfcie hemaglutinina

    e neuroaminidase.

    Quanto eficcia da vacinao, os estudos mostram que ao ocorrer coincidncia entre

    as variantes do influenza em circulao na comunidade e aquelas contidas na vacina, a

    imunizao previne a infeco em at 90% dos indivduos. Tambm, alm da atuao

    preventiva, a imunizao contra o vrus tem demonstrado benefcios econmicos

    quando utilizada em trabalhadores sadios, pois evita a queda da produtividade e a

    ocorrncia de absentesmo relacionada aos surtos anuais da gripe (FORLEO NETO et

    al., 2003).

    Ainda que a vacinao seja a ferramenta de maior eficincia para a preveno da gripe,

    existem no mercado medicamentos antivirais especficos como os frmacos amantadina

    e rimantidina - que, no entanto, apresentam limitaes como o espectro de ao restrito,

    Revista APS, v.10, n.2, p. 210-216, jul./dez. 2007

  • rpido desenvolvimento de resistncia viral e provocam reaes adversas no sistema

    nervoso central e no trato gastrintestinal - e os antivirais de segunda gerao oseltamivir

    e zanamivir que so de grande relevncia na preveno e controle da influenza.

    O Laboratrio Aventis Pasteur, em acordo com o Instituto Butantan no ano de 2000,

    possibilitou ao Instituto receber matria-prima e se responsabilizar pelo controle de

    qualidade e envasamento de 17 milhes de doses da vacina contra a gripe. Estas esto

    sendo distribudas pelo Programa Nacional de Imunizao (PNI) em campanhas de

    vacinao para pessoas com mais de 60 anos de idade, atendendo demanda nacional

    de 14 milhes de doses/ano. A partir de 2007, o Butantan estar atendendo a demanda

    nacional com vacinas produzidas pelo prprio Instituto (HIGASHI; GUIDOLIN, 2006).

    Outras medidas importantes a serem tomadas para prevenir e controlar a contaminao

    pelo vrus influenza so: i) monitoramento de aves migratrias e comerciais; ii)

    implementao do Programa de Sanidade Avcola; iii) controle nos portos e aeroportos;

    iv) disponibilizao de laboratrio equipado para diagnstico e monitoramento; e v)

    proteo de avirios.

    Uma portaria publicada em fevereiro de 2006 entrou em consulta pblica visando

    atualizar e regulamentar o Programa de Controle e Preveno para a Doena de

    Newcastle e de Preveno para Influenza Aviria no Brasil. A proposta criar uma

    estrutura com amparo legal que seja adequada e gil para responder as novas demandas

    da sanidade avcola brasileira e mundial (BACK, 2006). Esta medida pode ser uma

    maneira eficiente de se evitar a disseminao da doena no Brasil.

    CONCLUSES

    O potencial mutagnico do vrus influenza e a descoberta de que o trato respiratrio

    humano contm receptores especficos para este vrus habilitam este patgeno a se

    constituir em um importante agente com potencial de ocasionar doena em hospedeiros

    susceptveis. Vrios fatores podem permitir o sucesso da infeco direta do homem com

    vrus avirios, e estes vrus podem ser transmitidos entre a populao humana.

    Revista APS, v.10, n.2, p. 210-216, jul./dez. 2007

  • O vrus capaz de subverter o sistema imune do homem, que no mais reconhece e

    ataca as protenas da prognie dos vrus mutantes desabilitando o potencial

    imunognico do hospedeiro. O indivduo contaminado pode ter um agravamento dos

    sintomas da gripe levando-o a srias seqelas e at morte em casos extremos.

    A incidncia de gripe causada pelo vrus influenza grande e vem acometendo o

    homem h sculos. Hoje j h um controle e eficientes medidas de preveno contra a

    doena, embora a contaminao em alguns lugares, principalmente na poca do inverno,

    seja inevitvel.

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