1 timoteo - n. comentario

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1 TIMÓTEO Introdução Plano do livro Capítulo 1 Capítulo 3 Capítulo 5 Capítulo 2 Capítulo 4 Capítulo 6 INTRODUÇÃO I. AUTORIA Em contraste com a Epístola aos Hebreus, que não traz no texto nenhuma indicação clara do seu autor, as três epístolas (1 e 2 Timóteo, Tito) declaram abertamente terem sido escritas pelo apóstolo Paulo. Há evidência externa, primitiva e bastante forte, em apoio disto, não havendo evidência igual contra esse fato. A incerteza de hoje em dia sobre este ponto deve-se inteiramente a considerações internas e teóricas: estas considerações são de pouco proveito, visto não levarem a uma conclusão e apenas criarem hesitação e desconfiança. Embora o seu tema e, ainda mais, o seu vocabulário possam usar- se em argumento contra a possibilidade da autoria de Paulo, nenhum desses raciocínios é decisivo. Muito ainda se pode dizer sobre o outro lado da questão, e muitos eruditos de responsabilidade têm ainda aceitado a autoria paulina. Parece-nos, pois, mais prudente que façamos o mesmo, sem tentar dizer, pormenorizadamente, tudo quanto pode ser dito de ambos os lados; tal discussão não é a finalidade precípua deste comentário. As próprias epístolas não somente endossam esta atitude, como também exortam com instância que não nos demos a debates que não produzem efeitos satisfatórios, e que não somente não trazem benefícios positivos, como podem servir para minar em alguns a sua fé. (Ver 1Tm

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NOVO COMENTÁRIO DA BÍBLIA Intervarsity Press (Leicester, Inglaterra)

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1 TIMÓTEO Introdução Plano do livro Capítulo 1 Capítulo 3 Capítulo 5 Capítulo 2 Capítulo 4 Capítulo 6

INTRODUÇÃO

I. AUTORIA Em contraste com a Epístola aos Hebreus, que não traz no texto

nenhuma indicação clara do seu autor, as três epístolas (1 e 2 Timóteo, Tito) declaram abertamente terem sido escritas pelo apóstolo Paulo. Há evidência externa, primitiva e bastante forte, em apoio disto, não havendo evidência igual contra esse fato.

A incerteza de hoje em dia sobre este ponto deve-se inteiramente a considerações internas e teóricas: estas considerações são de pouco proveito, visto não levarem a uma conclusão e apenas criarem hesitação e desconfiança.

Embora o seu tema e, ainda mais, o seu vocabulário possam usar-se em argumento contra a possibilidade da autoria de Paulo, nenhum desses raciocínios é decisivo. Muito ainda se pode dizer sobre o outro lado da questão, e muitos eruditos de responsabilidade têm ainda aceitado a autoria paulina. Parece-nos, pois, mais prudente que façamos o mesmo, sem tentar dizer, pormenorizadamente, tudo quanto pode ser dito de ambos os lados; tal discussão não é a finalidade precípua deste comentário.

As próprias epístolas não somente endossam esta atitude, como também exortam com instância que não nos demos a debates que não produzem efeitos satisfatórios, e que não somente não trazem benefícios positivos, como podem servir para minar em alguns a sua fé. (Ver 1Tm

1 Timóteo (Novo Comentário da Bíblia) 2 1.4; 6.20-21; 2Tm 2.14-23; Tt 3.9). Tais epístolas apresentam de igual modo, incidentalmente, muitos traços pessoais que assentam em Paulo e se apropriam às suas circunstâncias, de modo que não podem deixar de ser genuínas.

Sobretudo, documentos que se apresentam como canônicos, mas que não o são, cedo deixarão de ser considerados como tais, como registros divinamente inspirados do ensino apostólico; e, por conseqüência, quem quer que alimente tais dúvidas sobre estas epístolas faria melhor se deixasse de fazer comentários pormenorizados em torno da permanente significação cristã das mesmas. Seria melhor que omitissem tais documentos do seu Cânon atuante das Escrituras, até que as dúvidas se lhes dissipassem e eles estivessem mais bem persuadidos do assunto. Quanto a nós, aceitamo-las como paulinas, e desejamos com o auxílio de Deus procurar entendê-las deste modo.

II. DATA Concorda-se geralmente ser impossível colocar estas epístolas nos

limites da vida de Paulo, segundo a conhecemos dos Atos dos Apóstolos. Para que tenham explicação, elas requerem a aceitação da hipótese, da qual com efeito fornecem a evidência mais decisiva, de que Paulo foi solto da prisão referida no fim dos Atos (cf. Fp 2.24; Fm 22); teria permissão de empreender, por certo tempo, viagens e intenso trabalho missionário, antes de ser outra vez preso e levado a Roma, para agora enfrentar o martírio.

A falta de mais informações torna impossível fixar com certeza, como alguns têm procurado fazer, a cronologia e a ordem dos acontecimentos desses últimos anos do apóstolo. É claro que estas epístolas foram escritas entre mais ou menos 62 A. D. e a data do martírio de Paulo, que deve ter ocorrido entre 65 e 68 A. D.

1 Timóteo (Novo Comentário da Bíblia) 3 III. OCASIÃO E PROPÓSITO Aqui podemos falar com maior certeza, à vista da plena evidência e

das inconfundíveis implicações destas mesmas epístolas. São claramente cartas pessoais, escritas pelo apóstolo Paulo aos seus íntimos cooperadores Timóteo e Tito, a respeito da responsabilidade da supervisão que eles tinham de exercer, particularmente nas igrejas de Éfeso (possivelmente da província da Ásia também) e de Creta. Estas epístolas têm muitas características em comum e, por conseguinte bem podem ser consideradas em conjunto. O primeiro interesse delas é a preservação e propagação da verdade do evangelho, e a promoção e manutenção de uma salutar conduta cristã por parte dos que o pregavam, e dos que criam.

Tanto maior interesse Paulo tem por uma atividade oportuna da parte dos seus cooperadores quanto sabe que a oportunidade dele próprio, de dar testemunho, está passando, e que o futuro da obra vai depender da nova geração. E mais se preocupa por saber das ameaças já prevalecentes nos seus dias, de falsas doutrinas e suas maléficas conseqüências morais em caracteres pervertidos e conduta depravada.

Exortações visando à autodisciplina, à fidelidade na pregação e no ensino da Palavra de Deus, à necessidade de ordem condigna no lar e na igreja, à importância de confiar o ministério e a superintendência das congregações somente a pessoas de qualidades morais provadas e firmes, é o de que tratam estas epístolas. O que importa é que o evangelho da graça salvadora seja recebido em sua plenitude, e fielmente comunicado a outros em sua integridade.

Isto só se pode dar se aqueles que foram chamados para administrá-lo forem achados fiéis e encontrarem outros a quem transmitir seu sagrado depósito. Porquanto a sucessão apostólica, que é necessário preservar, é a guardiã da mensagem a ser proclamada, e do ensino a ser transmitido. Semelhantemente, isto só se dará se aqueles que forem trazidos para o domínio do evangelho e seu ensino, corresponderem

1 Timóteo (Novo Comentário da Bíblia) 4 cordial e sinceramente ao Senhor da graça e se entregarem à prática das boas obras. Porque a fé cedo se corromperá e perderá, se não for mantida com uma boa consciência para com Deus, e a menos que ela opere por amor e boa vontade na prática para com os homens.

IV. AS FALSAS DOUTRINAS Os documentos neotestamentários revelam, em muitos lugares,

que as primeiras congregações de crentes em Jesus, como Cristo e Senhor, cedo se viram perturbadas pelo aparecimento, no seio delas, de falsos mestres. Há, igualmente, uma percepção profética (ver 1Tm 4.1; 2Tm 3.1) de que essa espécie de mal recrudescerá cada vez mais à medida que esta dispensação avançar para o seu fim. Pela linguagem pitoresca da parábola de Cristo, sabia-se que na igreja visível o joio haveria de surgir em meio ao trigo, e que ambos amadureceriam e se desenvolveriam amplamente, até ocorrer a inevitável separação, rejeição e colheita do dia do juízo.

Estas epístolas particulares deixam claro que esse mal irromperá de dentro da igreja professa, quando os homens cessarem de prestar à verdade uma lealdade cordial, obediência submissa e consciente, voltando-se eles a inquirições que só geram presunção e desassossego espiritual, antes que fé e firmeza na piedade. Tais questões são em si mesmas tolas e sem proveito; e enredam aqueles que as procuram com viva irreverência. As lucubrações deles conduzem alguns à pretensão arrogante de uma falsa ciência, no fundamento da qual se opõem à verdade e abandonam a atitude simples de fé na mesma. E assim se tornam de mente corrompida, faltos de entendimento, morbidamente absorvidos numa espécie de investigação e controvérsia que só produz contenda. Ver 1Tm 1.4-7,19; 3.9; 6.3,5,20-21; 2Tm 1.13; 2.16,18,23; 3.8; Tt 1.10-11,14,16; 3.9-11.

É característico de tais homens substituírem a Palavra e o propósito revelado de Deus pelas fantasias e mandamentos de homens. Por exemplo, requerem a renúncia do casamento e a abstinência de

1 Timóteo (Novo Comentário da Bíblia) 5 certos alimentos, quando Deus, que criou todas as coisas, criou também tais alimentos para serem usados no espírito de oração agradecida (1Tm 4.3-5). Ora, por pensarem que o corpo humano é por demais material e, pois, bastante mau para ter um destino eterno na ressurreição, asseveram que esta ressurreição de que trata a fé cristã é um avivamento espiritual que já ocorreu (2Tm 2.18). Pior ainda, tais pessoas não só se tornam insensíveis à verdade, como no fim se tornarão vítimas de espíritos enganadores e suas doutrinas perversas (1Tm 4.1-2). Semelhante mal propaga-se danosamente como moléstia maligna, e requer nada menos do que completo afastamento dele (2Tm 2.16-17).

Esses que resistem à verdade estão além do alcance da redenção (Tt 1.15-16). No interesse do bem-estar espiritual dos verdadeiros crentes, os tais devem ser veementemente repreendidos e, se recusam ouvir, devem ser rejeitados de todo (Tt 3.10-11). Por outro lado, os que foram desencaminhados por eles e se deixaram prender pelas astúcias do diabo, necessitam de ser tratados com simpatia e paciência, a fim de serem recuperados para o verdadeiro serviço do Senhor (2Tm 2.24-26). Num e noutro caso não adiantam discussões cara a cara. A melhor resposta e antídoto para tal situação é uma exposição positiva da verdade.

V. DESENVOLVIMENTO DE FORMAS DE DOUTRINA

CRISTÃ E DE ORDEM ECLESIÁSTICA Nestas epístolas há sinais significativos de um processo de

desenvolvimento. O conteúdo da fé condensa-se claramente em breves sumários confessionais, muitas vezes de tal modo compostos que apresentam um desafio moral. Assim é que encontramos numerosas «declarações fiéis» (1Tm 1.15-4.9; 2Tm 2.11; Tt 3.8), que, diz o apóstolo, são dignas de serem apropriadas com vigor e correspondidas com fé. Encontramos princípios essenciais expostos e aplicados a problemas práticos particulares de uma forma que não somente podem

1 Timóteo (Novo Comentário da Bíblia) 6 ser claramente ensinados, mas que também se destinam a ser inculcados aos fiéis com exortação de agirem em conformidade com eles.

Alguns pontos da teologia cristã fundamental são explicitamente enfatizados de uma nova maneira, a fim de rebaterem as falsas doutrinas predominantes. Há, por exemplo, a ênfase assinalada sobre a natureza essencial, atributos e unidade de Deus como o soberano Criador e Salvador de todos (ver 1Tm 1.1-17; 2.3-5; 4.4-10; 6.13,15,16; 2Tm 2.13; Tt 1.2-3); sobre Cristo como o único Mediador entre Deus e os homens; sobre Sua Pessoa e obra; sobre Sua humanidade e Sua morte, como preço de resgate, único e todo-suficiente meio de redenção, renovação espiritual e consagração a Deus e a Seu serviço (ver 1Tm 1.1; 2.5-6; 3.16; 2Tm 1.10; Tt 2.13-14; 3.5-6).

Há evidências de culto congregacional com ordem e mais bem regulamentado, o que se nota nas referências ao lugar necessário da leitura da Palavra de Deus, da exortação e do ensino (1Tm 4.13), das súplicas, orações, intercessões, ações de graças (1Tm 2.1). Há indícios de hinos, de fragmentos de credo e de liturgia, de doxologias (ver 1Tm 3.16; 6.13-16; 2Tm 1.9-10; 2.8,11,13; 4.1; Tt 2.11-14; 3.4-7). Dá-se orientação para a designação adequada de pessoas que sirvam na superintendência e no ministério, no cuidado pastoral e na exposição da Palavra; faz-se um aviso claro e circunstanciado do perigo que existe nas nomeações apressadas e imprudentes.

Cada congregação local ou igreja é reconhecida como família de Deus, destinada por Deus para ser guardiã e testemunha da verdade. Tais congregações ficarão firmes e fiéis em face de perigos de dentro e de fora se somente prestarem diligente atenção a esse procedimento adequado (1Tm 3.15). Todavia, sublinhando toda essa orientação detalhada e expressa predominantemente na mesma, está a percepção de que o que mais importa, sobretudo, não é o sistema, e sim o homem; a ênfase principal não é feita ao oficio ou às formas, mas ao genuíno caráter cristão e à conduta coerente.

1 Timóteo (Novo Comentário da Bíblia) 7 PLANO DO LIVRO

I. SAUDAÇÃO PESSOAL - 1.1-2. II. UMA INCUMBÊNCIA RENOVADA - 1.3-20. III. EXORTAÇÃO À ORAÇÃO - 2.1-7 IV. ORIENTAÇÃO SOBRE ORAÇÃO E ENSINO NA

CONGREGAÇÃO - 2.8-15. V. QUALIFICAÇÕES PARA O MINISTÉRIO CRISTÃO -

3.1-16. VI. SOLENE ADVERTÊNCIA ACERCA DE FALSAS

DOUTRINAS - 4.1-5. VII. ENSINO E CONDUTA PESSOAL DE TIMÓTEO - 4.6-16. VIII. GRUPOS ESPECIAIS NO SEIO DA IGREJA - 5.1-6.2. IX. OUTRAS ADVERTÊNCIAS - 6.3-10. X. SOLENE EXORTAÇÃO PESSOAL - 6.11-16. XI. USO CORRETO DAS COISAS MATERIAIS - 6.17-19. XII. EXORTAÇÃO FINAL - 6.20-21.

1 Timóteo (Novo Comentário da Bíblia) 8 COMENTÁRIO

1 Timóteo 1 I. SAUDAÇÃO PESSOAL - 1.1-2 Paulo escreve na qualidade de apóstolo (1), como alguém

consciente de uma missão que lhe foi dada por determinação divina. Escreve como servo de Jesus, reconhecido este como Messias ou o Senhor ungido; podia-se quase dizer que ele escreve como embaixador do “Rei Jesus”. A fórmula “Cristo Jesus” é característica desta epístola veja-se a ARA aqui e confira-se com 1.12,14,15.

Esta comissão de Paulo expressa a atividade divina na salvação dos homens, e tem a finalidade de ajudá-los a alcançar esperança certa desta salvação em Cristo. Tal linguagem indica logo que esta carta é mais do que uma epístola particular e pessoal. É escrita a Timóteo como a um genuíno cristão da segunda geração, um dos verdadeiros filhos na fé em Cristo, de quem Paulo pode esperar que prossiga na obra e no testemunho do evangelho. A carta diz respeito à atividade de Timóteo como ministro na igreja, casa ou família de Deus; ver 3.14-15. O modo espontâneo como Cristo é duas vezes mencionado em união com Deus, nestes versículos, implica um significativo reconhecimento de Seu lugar na Divindade.

II. UMA INCUMBÊNCIA RENOVADA - 1.3-20 a) Apelo para combate a falsas doutrinas (1.3-11) Paulo lembra a Timóteo uma tarefa particular que lhe fora

confiada, quando instou com ele que permanecesse em Éfeso; devia admoestar os que iam-se desviando para doutrinas falsas e sem proveito, e fazê-los voltar à vida cristã sincera e devotada. É digno de nota como as igrejas tão depressa foram perturbadas, em seu próprio selo, por falsos

1 Timóteo (Novo Comentário da Bíblia) 9 mestres, e como Paulo encarava a estes com soleníssima gravidade, tomando precaução, deliberada e constantemente, contra a influência deles, por ser potencialmente fatal. Cf. 6.3-5; At 20.28-30; Gl 1.6-9.

Os vários erros são todos compreendidos sob a designação de outra («diferente») doutrina (3). Note-se que isto implica uma reconhecida “forma de doutrina”, ou “modelo de ensino” (Rm 6.17), já aceito geralmente. O perigo aqui é dar indevida atenção a fábulas e genealogias (provavelmente judaicas) (4), possivelmente acréscimos fantasiosos ao Velho Testamento, e excêntricas interpretações dele. Procurar achar esperança em descendência humana é coisa que nunca termina e não satisfaz, isto é, não tem fim (4). Tais inquirições só servem para dar lugar a disputa; não aproveitam para firmar confiança.

Serviço de Deus (4). O sentido ou é que não promovem a dispensação de Deus no evangelho que oferece aos homens salvação pela fé, ou não incentivam aquele desempenho eficaz da mordomia da vida, a que como crentes somos chamados.

Em contraste com essas atividades errôneas de alguns, o ensino prático do evangelho requer uma correspondência que se expressa em íntima sinceridade e ativa boa vontade. As quatro características do v. 5 se adquirem pela ordem inversa. Fé, que não é mera simulação, é o fundamento. Dela procede o íntimo contentamento de um coração puro, e o interesse por conservar uma consciência boa, e a prática exterior do amor (caridade) para com Deus e os homens. Tal amor é o fim em vista, o alvo ou consumação da fé salvadora. Cf. At 15.9-24.16; Gl 5.6.

As «certas pessoas», antes referidas, não só falhavam em perseguir e atingir esse fim, como também se voltavam a vãs altercações, em lugar de se entregarem à ação, e se davam a uma atividade destituída de valor, ao invés de ser frutífera (6). São pessoas dominadas pelo desejo de serem autoridades ou mestres da lei (7), como os rabinos judeus. De fato, não têm compreensão exata daquilo a respeito do que não somente falam, mas até fazem asseverações autoconfiantes. São, pois, um perigo

1 Timóteo (Novo Comentário da Bíblia) 10 sério para a comunidade cristã, capazes de enganar e desencaminhar a muitos.

Para que não se compreenda mal sua referência depreciativa aos pretensos mestres da lei, Paulo introduz uma declaração (vv. 8-11) de que a lei é boa, que apóia e suplementa o evangelho por proibir tudo quanto se opõe ao seu salutar ensino. A falta está do lado dos falsos mestres, que não usam a lei como Deus quis que fosse usada, isto é, para reprimir e condenar os malfeitores. Não foi destinada para ser objeto de interpretações fantasiosas e especulações inúteis da parte dos justos ou justificados. Os malfeitores são aqui apresentados como falhos de padrões morais, sem reverência a Deus, destituídos do senso do que é santo, sem consideração a relações de família, à vida humana, à pureza sexual e à boa fé na vida social. Em conseqüência disto eles são desregrados, pecadores, profanos, sem misericórdia. Nos vv. 9 e 10 Paulo obviamente segue a ordem dos Dez Mandamentos e de súbito especifica violações deles em sua forma mais grosseira.

A sã doutrina (10), ou ensino sadio é uma frase característica e peculiar das Epístolas Pastorais. Contrariamente, a falsa doutrina é qual câncer (2Tm 2.17); e devotamento a ela é sinal de doença espiritual (1Tm 6.3-4).

O evangelho da glória (11). A glória de Deus revela-se aos homens no evangelho que lhes fala de Cristo; “glória”, aí, refere-se virtualmente ao próprio Cristo. Cf. Jo 1.14-18; 2Co 4.4-6.

b) A experiência que Paulo tem da salvação (1.12-17) Prossegue o apóstolo indiretamente a encorajar Timóteo a uma

apreciação elevada, todavia humilde, de sua vocação, e a devotar-se ininterruptamente a ela. Isto ele faz por meio de uma doxologia típica e parentética, a Cristo e a Deus, pela maravilhosa experiência que ele próprio tem da misericórdia divina, e por haver sido designado por Cristo para a mordomia desse evangelho (note-se também o verso 11), a

1 Timóteo (Novo Comentário da Bíblia) 11 que ele primeiro devia sua salvação. Por experiência sabem os crentes que à confiança em Cristo e ao serem por Ele intimamente fortalecidos se segue, como complemento, serem eles alvo da confiança do Senhor que lhes dá para realizar um determinado ministério (12).

A palavra ministério (gr. diakonia, sem o artigo definido) é potencialmente de sentido muito geral, embora Paulo muitas vezes empregue o termo (e «ministro», gr. diakonos) como nenhum escritor do segundo século o teria feito, para referir o seu ofício de apóstolo (cf. Rm 11.13; 2Co 3.6; 5.18; 6.3).

Insolente (13), gr. hybristes, descreve um praticador de ultrajes, pessoa dada a violências. Quando Paulo se mostrara outrora sem misericórdia, firme na convicção de saber o que era certo, foi tratado misericordiosamente, como pessoa cuja incredulidade ativa impedia-a de compreender a verdade. É assim a superabundante graça divina (cf. Rm. 5.8,10,20), com que em Cristo Jesus somos tratados, a qual nos move a viver a vida de fé e amor característica do cristão (14), ao invés da vida pecaminosa, típica, da incredulidade e inimizade (tão violentamente demonstrada em Saulo, antes de se converter). E foi assim, por uma experiência profunda e pessoal do benefício do evangelho que Paulo aprendeu e exemplificou o caráter e a fidedignidade desse mesmo evangelho em que, por desígnio de Deus, ele rogava aos homens que cressem (como fiel) e recebessem (como digno) (15). Porque ele ainda (note-se o tempo presente do verbo, eu sou) se reconhecia como o principal dos pecadores (15). Sabia que o propósito da encarnação do Filho de Deus como Messias Jesus foi salvar pecadores como ele. Sabia que o propósito de Deus, em mostrar a tal principal pecador, como ele, tamanha misericórdia, de todo imerecida, foi fazer de sua vida uma amostra de quanto podia realizar a longanimidade de Cristo (Isto é, para com um opositor tão violento). Tal exibição de misericórdia encorajaria outros, de futuro, a depositar sua confiança no mesmo Salvador, e assim entrar no gozo da vida eterna.

1 Timóteo (Novo Comentário da Bíblia) 12 O verso 17 inclui alguns atributos infinitos e absolutos de Deus, que

são dignos de nota. Rei eterno. Ele é o soberano de tudo. c) Um lembrete e uma advertência (1.18-20) Paulo apela às palavras inspiradas, que no princípio do ministério

de Timóteo indicaram a obra e o combate espiritual a que ele fora chamado (cf. 4.14). Adverte-o então sobre a causa oculta do desastre espiritual a que alguns já haviam chegado.

As profecias (18) podiam ter assinalado Timóteo como escolhido de Deus para um serviço especial. Cumpria-lhe, nelas firmado, encontrar inspiração ou fortalecimento para empreender boa campanha (gr. strateia) para Deus (18).

Uma comparação dos vv. 18 e 19 com o v. 5 sugere que Paulo está repetindo uma recomendação anteriormente feita a Timóteo acerca da importância da sinceridade moral. Porque alguns têm falhado exatamente nisto, afastando de si, deliberadamente, a boa consciência a que se deviam firmar, é que naufragaram quanto à fé cristã e se tornaram heréticos na doutrina. (Desejando-se mais pormenores a respeito de Himeneu (20), veja-se 2Tm 2.16-18). O erro deles é tão blasfemo que para o seu próprio bem tiveram de ser severamente disciplinados.

Entreguei a Satanás (20); cf. Jó 2.6; 1Co 5.5. Parece tratar-se de excomunhão. Colocando se tais pessoas fora da esfera do reino ou proteção de Cristo ficavam elas expostas ao domínio de Satanás e particularmente sujeitas ao poder que ele tem de infligir doenças físicas.

1 Timóteo 2 III. EXORTAÇÃO À ORAÇÃO - 2.1-7 Começa Paulo indicando aqui os itens particulares de sua exortação

geral. Refere como de precípua importância à prática ampla da oração por todos os homens (1). Parece provável que uma doutrina herética,

1 Timóteo (Novo Comentário da Bíblia) 13 judaica ou gnóstica, sugeria que a salvação se restringia a uma raça particular, ou a certas classes de pessoas. Paulo por conseguinte justifica sua exortação universal como uma asserção sêxtupla. Aponta para o caráter e a vontade de Deus, como sendo Salvador de todos, para a Sua unidade como único Deus de todos os homens, para a Sua provisão em dar o homem Cristo Jesus como único Mediador entre Ele e toda a raça humana; para o escopo universal do ato redentor de Cristo, que foi por todos (6), para o conseqüente testemunho dessa redenção realizada, que se está dando agora, de que o tempo oportuno para ela chegou; por fim, aponta para sua própria designação, feita por Deus, a fim de participar da proclamação dessa redenção, na qualidade de simples mestre dos gentios (7), isto é, chamado a evangelizar os homens de todas as nações indiscriminadamente.

As quatro palavras que emprega para significar oração (1) podem ser progressivas, tanto quanto compreensivas, e indicam a súplica de alguém em necessidade, orações de um modo geral, dirigidas unicamente a Deus, a ousadia confiante de acesso à presença do Senhor, para Lhe fazermos conhecidos nossos pedidos, acompanhados de ações de graças pelas misericórdias de que gozamos e pelas orações respondidas. A palavra intercessões (gr. enteuxeis) não se refere necessariamente a pedidos em favor de outras pessoas; sua principal idéia é de acesso a um superior para lhe fazer rogativas. Tais orações devem ser primeiro pela salvação de todos; segue-se um dever complementar, se os crentes querem gozar de liberdade neste mundo, para viver como lhes cumpre: orar pelos governantes e por todos quantos se acham em eminência, de modo que, governando, preservem a paz e a ordem.

Com toda piedade e respeito (2) significa a reverência devida a Deus e um senso adequado da seriedade da vida. Isto (a saber, tais orações) é intrinsecamente bom e agradável a Deus, porque está em harmonia com a Sua vontade para com os homens (3).

O verso 4 não diz que Deus determinou salvar a todos; diz simplesmente que Seu desejo, de modo geral, para com a humanidade é

1 Timóteo (Novo Comentário da Bíblia) 14 que todos por igual gozem a salvação (cf. Ap 7.9-10). Esta universalidade procede primeiro da unicidade de Deus. Visto que Ele é o único Deus, trata diretamente e do mesmo modo com todos (veja-se Rm 3.30; 10.12).

Homem (5); gr. anthropos, “ser humano”, sem o artigo definido. A própria humanidade de Cristo e Sua designação para ser o único mediador entre Deus e os homens, reforça a indicação de que a salvação nEle providenciada é para todos, sem discriminação.

Resgate (6), gr. antilytron, indica um preço pago para livramento, ou alforria. A preposição anti «ao invés de» sugere substituição; cf. Mc 8.37; 10.45 (grego). Note-se que o que desse modo Cristo deu foi Sua própria pessoa (6).

Na fé e na verdade (7) pode indicar a sinceridade de Paulo ou mais provavelmente o assunto de seu ensino; cf. o verso 4.

IV. ORIENTAÇÃO SOBRE ORAÇÃO E ENSINO NA

CONGREGAÇÃO - 2.8-15 Em todas as congregações são os homens que devem geralmente

dirigir orações e os que o fazem devem ter o cuidado de fazê-lo dignamente. Semelhantemente nas congregações as mulheres devem abster-se de adornos excessivos e procurar recomendar-se por suas boas obras. Precisam apresentar-se com modéstia e discrição estando prontas com calma e submissão para aprender e não com desejo agressivo de ensinar. O lugar próprio da mulher com relação ao homem está indicado pela ordem original da criação; e sua incapacidade para atuar como guia do homem demonstra-se pelo modo como Eva foi enganada e como transgrediu o mandamento de Deus. A vocação especial da mulher é a maternidade; e embora atualmente dê à luz filhos com sofrimento e em perigo de vida (ver Gn 3.16), aquelas que correspondem plenamente às exigências do evangelho passarão indenes por essa experiência.

1 Timóteo (Novo Comentário da Bíblia) 15 No verso 8 Paulo faz uma recomendação com autoridade, que se

aplica a todo lugar onde crentes se reúnam para o condições de oração eficaz são pureza culto. «Levantar as mãos» era uma atitude externa, reconhecida, de oração (ver Êx 17.11-12; 1Rs 8.22; Sl 28.2). As (com relação à pessoa que ora), paz (com relação ao próximo) e fé (com relação a Deus) (8). As mulheres devem dar um testemunho silencioso por seu traje conveniente e maneiras modestas, por suas vidas de atividade em boas obras (9-10). Cf. 1Pe 3.1-6.

Timidez, gr. Aidos, significa um sentimento de acanhamento que preserva de conduta inconveniente; sobriedade, gr. sophrosyne, descreve uma circunspeção equilibrada. Nos cultos públicos convêm à mulher estar silenciosa e submissa - isto faz parte de sua verdadeira dignidade - e não procurar arrebatar as rédeas do controle e dirigir o homem (11-12). Paulo não tolera, ou não permite isto; fazê-lo seria incentivar algo mau para ambos os sexos e violar a ordem da criação. Este apelo à mente e propósito do Criador mostra claro que Paulo não baseia o que diz simplesmente na posição atribuída à mulher na sociedade dos seus dias. Antes apela a um princípio, cuja orientação é de aplicação universal e permanente (ver 1Co 11.2-16). Demais disto, a tragédia da queda estabelece a verdade geral de que a mulher se deixa mais facilmente enganar do que o homem; desta sorte não lhe compete assumir a liderança em decidir qual doutrina ou qual prática convém à comunidade cristã. (Note-se entretanto que é privilégio da mulher ensinar crianças e mulheres mais jovens; ver 2Tm 1.5; 3.14-15; Tt 2.3-4).

No verso 15 a mudança para o plural - elas - segue a referência a «mulher» nos vv. 11-14, que ali se emprega em sentido genérico e coletivo. A sentença final indica o que toda mulher em particular deve fazer ativamente para experimentar as bênçãos da salvação, no que concerne ao desempenho de sua função materna. Cf. 1.5, as palavras em fé, etc. indicam o caminho da obediência cristã.

1 Timóteo (Novo Comentário da Bíblia) 16 1 Timóteo 3 V. QUALIFICAÇÕES PARA O MINISTÉRIO CRISTÃO - 3.1-16 A função de supervisionar a igreja de Deus ou de cuidar dela (ver o

verso 5), é uma tarefa digna que deve ser realizada com esmero. Requer pessoa de caráter inculpável, puro, disciplinado e generoso, que dirija bem sua própria casa; e particularmente não neófita, mas alguém cuja boa conduta, já firmada, como cristão, tenha boa reputação, de sorte a não dar ocasião ao diabo de acusá-lo ou enredá-lo, seja por seu próprio orgulho, seja pelas censuras dos de fora da igreja. Semelhantemente, os que vão servir como diáconos devem primeiro ter sido aprovados por seu comportamento cristão coerente e consciencioso, particularmente em questões que envolvam autodisciplina e direção do próprio lar. Porque, de igual modo, este é um ministério que deve ser cumprido corretamente, e os que dele se desincumbem com dignidade asseguram por este modo sua posição de cristãos e aumentam grandemente a confiança franca com a qual podem recomendar a fé cristã.

a) O ofício de bispo (3.1-7) O primeiro cuidado de Paulo aqui é estimular uma consideração

adequada à tarefa de supervisão ou episcopado (gr. episkope), e o reconhecimento correspondente de que os que vão desempenhá-la devem ser homens de conduta ilibada. Bispo (gr. episkopos) e “ancião” (gr. presbyteros) eram, nos tempos do Novo Testamento, termos sinônimos de um só oficio (ver Tt 1.5-7; At 20.17-28); o primeiro indica função ou dever; o segundo dignidade ou condição.

Esposo de uma só mulher (2); esta frase interpreta-se de vários modos. A frase paralela de 5.9, esposa de um só marido, sugere que o seu significado é “casado só uma vez”. Quer dizer, sem dúvida, homem desimpedido (o que não era o caso de muitos convertidos à fé), livre de complicações sexuais.

1 Timóteo (Novo Comentário da Bíblia) 17 Paciente, não briguento (3); no grego significa “indulgente” ou

ponderado, e “não contencioso”. Se a pessoa fracassa em dirigir seus próprios filhos, mostra-se incapaz para supervisionar a igreja, e dirigir outros eficientemente.

Ensoberbecido (6); o particípio grego significa «anuviado», e, assim, um estado de confusão de espírito, devido a presunção por se haver elevado de súbito ao ofício.

Condenação do diabo (6), provavelmente é referência à condenação em que o diabo incorreu por seu orgulho insensato. Embora alguns, pelo fato de o termo grego diabolos ocorrer nestas epístolas no sentido de “caluniador” ou “acusador” (ver o verso 11), interpretem-no nos vv. 6 e 7 com este significado. Então a frase no verso 6 significaria “a condenação proferida contra ele pelo caluniador típico”; e os vv. 6-7, reforçariam no fim a primeira qualidade de um bispo, mencionada no verso 2, isto é, “irrepreensível”, gozando de boa reputação, e assim não sujeito a ataques fáceis por parte do «caluniador».

b) O ofício de diácono (3.8-13) Diáconos (8). O vocábulo grego tem o sentido muito geral de

“ministro”. Mas na comunidade cristã, obviamente, tornou-se termo especial designativo de uma classe de auxiliares subordinada aos bispos ou anciãos; cf. Fp 1.1. Como são morais as qualificações enfatizadas em toda esta seção, e como tais são as que devem caracterizar todo bom crente, o mesmo que se requer dos bispos, requer-se dos diáconos. Se, no entanto, como parece provável, os diáconos faziam visitação domiciliar e cuidavam do dinheiro da igreja, há uma propriedade especial para as qualificações sublinhadas no verso 8.

De língua dobre, significa dizer coisas diferentes a diferentes pessoas, de acordo com a ocasião; ou o termo grego dilogos pode querer dizer apenas “dado a repetição”, isto é, mexeriqueiro, leva-e-traz.

1 Timóteo (Novo Comentário da Bíblia) 18 Cobiçosos de sórdida ganância; o grego significa ávidos de lucros por meios indignos; cf. Tt 1.7-11.

Mistério (9) é algo oculto dos homens em geral, mas francamente revelado aos privilegiados, no caso vertente aqueles que têm fé (cf. 3.1). Tal fé e compreensão só podem ser mantidas salutarmente onde houver obediência ativa e conscienciosa; cf. 1.5-19; 2.15. A ninguém se deve permitir que sirva como diácono, se primeiro não tiver sido aprovado como digno à vista de todos.

No verso 11, a palavra grega «mulheres» obreiras ou diaconisas (cf. Rm 16.1). As quatro qualificações requeridas são rigorosamente paralelas às exigidas dos homens no verso 8; no mau emprego da língua as mulheres são mais propensas à maledicência (gr. diaboloi).

Um bom grau (13) tem sido interpretado como o primeiro degrau na escada da promoção; mas esta idéia não condiz com o contexto. Alguns consideram “honrosa posição e grande confiança”, como referência à relação com Deus, tendo em mira, particularmente, o dia do juízo e das recompensas; cf. 6.19; 1Jo 2.28; 3.21; 4.17. Parece, entretanto, mais apropriado interpretar as palavras em relação ao homem, porque a principal ênfase de toda esta seção está na necessidade de ser alcançada e mantida uma reputação digna aos olhos dos homens por parte de todos quantos exercem função na igreja. Quanto ao uso da palavra intrepidez, cf. 2Co 7.4.

c) O propósito destas instruções (3.14-16) Como se deve proceder (15). Paulo está interessado em orientar a

conduta de todos os membros da igreja, não somente de Timóteo, e isto por causa do caráter do meio em que vivem. Ele visa a cada congregação local; não emprega artigos definidos. Cada congregação é uma genuína casa (isto é, “templo” ou “família”) e igreja de Deus, não ocupada como os templos pagãos por ídolos inanimados, senão gozando a manifesta presença do Deus vivo (15). Aliás, sua existência como corporação, e

1 Timóteo (Novo Comentário da Bíblia) 19 suas reuniões públicas regulares, provêem para a verdade, em dada localidade, um testemunho visível, ou coluna, e baluarte duradouro - gr. hedrioma.

O verso 16 resume essa verdade dando-a como mistério revelado aos que têm o espírito de verdadeira piedade ou devida reverência. A confissão cristã comum indica a grandeza desse mistério (o grego diz que é «confessadamente» grande). E segue-se uma citação dessa confissão, abruptamente introduzida no grego por um pronome relativo masculino, obviamente referindo-se a Cristo; porque esse «mistério» é uma Pessoa (cf. Cl 1.27). As frases rítmicas e antitéticas sugerem ser isso citação de um primitivo credo em forma de hino. A preexistência de Cristo está aí implícita, e afirmada Sua encarnação. Foi pelo que aconteceu no reino do Seu espírito que Sua verdadeira identidade foi vindicada (cf. Rm 1.3). Esta manifestação de Deus na história revelou novas maravilhas até mesmo aos anjos (cf. Ef 3.10; 1Pe 1.12), e proveu um evangelho para ser pregado a todas as nações. A recompensa que a Cristo cabe, em conseqüência, é uma multidão de crentes, reunidos de toda a terra, e Sua própria exaltação a um lugar permanente de glória no céu.

1 Timóteo 4 VI. SOLENE ADVERTÊNCIA ACERCA DE FALSAS

DOUTRINAS - 4.1-5 Em surpreendente contraste com estas coisas (3.15-16), Paulo

testifica que o Espírito deu testemunho inconfundível de que no futuro haverá, da parte de alguns na igreja, abandono da verdade revelada. Fundamentalmente, será isto devido à influência de maus espíritos, e mais imediatamente aos falsos ensinos de homens hipócritas, que servirão de instrumentos desses espíritos maus, e que indebitamente insistirão na necessidade da abstenção do casamento e de certos alimentos. Tais doutrinas contradirão diretamente o propósito do

1 Timóteo (Novo Comentário da Bíblia) 20 Criador, particularmente aquele que visa os crentes plenamente instruídos. Porque tudo o que Deus fez não é só bom em si mesmo como foi destinado ao uso do homem. Nada, pois, é para ser rejeitado como absolutamente inutilizável. Antes precisamos aprender a santificar, própria e continuamente, coisas para nosso uso, num espírito de gratidão, expresso em apropriada oração a Deus, particularmente aquela aprendida da Palavra escrita de Deus.

O Espírito afirma (1); provavelmente mediante os profetas cristãos, ou possivelmente por meio de Paulo mesmo (cf. At 20.23; 21.11; ver também Mt 24.11).

Últimos tempos (1); no grego significa “mais tarde”, ou subseqüentemente à época em que Paulo escrevia; não «últimos», “posteriores”. A fé (1), com o artigo definido, indica o corpo de verdades reveladas (cf. 1.19; Jd 3).

Os ensinos (1) não dizem respeito a demônios, porém partem deles. Contrariamente ao Espírito e ao mistério da piedade levantam-se espíritos enganadores e seus falsos ensinos. Tais homens, como se diz, ou são destituídos de sensibilidade moral, ou trazem o ferrete do pecado, isto é, algo conhecido na consciência íntima dos indivíduos em questão («a própria» consciência, nota-se a ênfase), embora enganem a outros por sua hipocrisia.

As afirmações dos vv. 3-5 são significativas, quando estudadas em relação com as opiniões dos gnósticos e dualistas, de que a matéria é má e não criada por Deus. Contudo, embora Deus tenha criado tudo para uso do homem, o seu emprego correto depende da fé, pleno conhecimento e um espírito de gratidão ativamente expresso.

Palavra de Deus (5) é uma frase comumente usada para significar expressões divinamente inspiradas, especialmente como se acham nas Escrituras. Aqui sugere o uso de dar «graças», segundo a fraseologia autêntica do Velho Testamento; ou pode significar que tal consumo de alimentos é sancionado por direção divina explícita.

1 Timóteo (Novo Comentário da Bíblia) 21 VII. ENSINO E CONDUTA PESSOAL DE TIMÓTEO - 4.6-16 Paulo esclarece a Timóteo que sua chamada para o serviço de

Cristo demanda fiel devotamento, tanto em sua vida como em seu ministério junto a seus companheiros cristãos. Deve ser cuidadoso em pregar o que é verdadeiro e proveitoso, quanto pessoalmente em praticar e seguir isso mesmo. O ministério da Palavra deve ser diligentemente cumprido em seus vários aspectos, e os dons de Deus, para tal serviço, exercidos plenamente. Tal ministério requer completa consagração. A vida, por esta forma vivida, conduz à dupla recompensa da salvação plenamente gozada tanto pelo pregador como igualmente pelos ouvintes.

É da responsabilidade de Timóteo expor estas verdades (ver os versos. 4-5) aos cristãos, lançá-las como fundamento de conduta correta (gr. hypotithemenos). Só agindo assim é que seu adestramento na verdade e obediência a ela (cf. 2Tm 3.10) virão a consumar-se num ministério digno.

É também por um ministério assim que a pessoa se confirma como bom ministro de Jesus Cristo (6). As idéias sugeridas pelos vocábulos profanas e piedade, rejeita e exercita-te estão em oposição entre si (7). A pessoa só se pode entregar ao bem se nada tiver a ver com o mal. O ministro de Cristo deve manter-se espiritualmente idôneo por meio de alimento adequado (6) e exercício (7). Ao invés da ilusória autodisciplina do ascetismo (3), que Timóteo se entregue a adequado e vigoroso adestramento cristão (cf. 1Co 9.25-27).

Quando muito, a disciplina corporal como um fim em si mesma tem só valor limitado (8). Em sua preparação o ministro cristão deve fazer da piedade (8), ou da consagração de sua vida ao devido culto a Deus, seu alvo dominante. O benefício, ganho deste modo, é sem limite; interessa à vida verdadeiramente espiritual antes que à existência física (gr. zoe, e não bios como em 2Tm 2.4); e promove seu futuro tanto quanto seu presente bem-estar, ou gozo completo (8). Esta doutrina é digna de ser criada e recebida, isto é, tomada como base de conduta por todos os

1 Timóteo (Novo Comentário da Bíblia) 22 cristãos (9). Ela indica o «fim» que Paulo tem em mira (note-se o emprego do pronome nós no verso 10) quando persiste em enfrentar o esforço e a resistência física exigida pelos labores apostólicos. Outrossim, a esperança desse beneficio se funda, não em produzir tal resultado, mas em Deus, no Seu caráter revelado de pessoa viva (gr. zon) e Salvador (10). Estes característicos asseguram ao homem que Deus tem poder e está pronto a lhe dar verdadeira vida (gr. zoe). Enquanto Deus, por Suas graciosas providências, mostra-Se ativo com todos (cf. Mt 5.45; 6.26), a plena demonstração de tudo quanto Sua atividade salvadora pode significar é especialmente percebida na experiência dos crentes.

Esta prática cabal da vida cristã Timóteo deve prescrever e expor (11), a fim de levar seus ouvintes a ocupar-se com ela plenamente conscientes do que fazem. Sua relativa mocidade e natural timidez não devem servir de pretexto para que o desprezem (12; cf. 1Co 16.10-11). Antes, deve apresentar-se francamente diante de todos, como modelo para ser imitado (cf. Fp 3.17; 2Ts 3.9), não só no ensino, como na conduta, e no amor, na fé e na pureza subjacente, dos quais a conduta obviamente é expressão (12).

Outrossim, como pessoa chamada para um ministério especial na congregação, deve ele prestar constante atenção (13) às três principais e respectivas responsabilidades: leitura pública das Escrituras; exortação ou pregação (isto é, sermões); doutrina ou ensino (cf. Lc 4.16; At 13.15; 15.21; 17.2-3).

Não deve esquecer e deixar de exercer o dom especial que tem para tal ministério (14). Note-se que tal capacidade, recebida de Deus, requer cooperação humana para o seu perfeito exercício (cf. Fp 2.12-13; 2Tm 1.6). Timóteo tinha tido a certeza do caráter e da comunicação desse dom através do testemunho complementar de uma profecia e de uma solene ordenação (cf. At 13.1-3). Note-se a significativa referência à corporação de anciãos locais, que agiam conjuntamente (presbitério), e

1 Timóteo (Novo Comentário da Bíblia) 23 a combinação em ordem significativa da profecia e do ato simbólico dirigidos ao recipiente (isto é, “palavra” e “sacramento”).

O ministro deve entregar-se de corpo e alma a estas coisas constantemente (15). Não só deve deste modo fazer «progresso», mas deve ficar patente a todos que ele cresce assim na graça do caráter pessoal e na plenitude e qualidade do seu ensino.

Tais são os deveres a que ele deve aplicar-se incessantemente (16). Procedendo assim, o ministro assegura sua plena salvação e a de seus ouvintes por igual. Note-se como o ministro explicitamente cumpre o seu ministério por aquilo que diz (aqueles a quem serve são apresentados como ouvintes) e implicitamente o completa pelo seu modo de vida.

VIII. GRUPOS ESPECIAIS NO SEIO DA IGREJA - 5.1-6.2 1 Timóteo 5 a) Instruções gerais (5.1-2) O ministério como o de Timóteo envolvia relações com o povo,

fazendo este defrontar-se solenemente com a verdade. Deste dever Timóteo devia desincumbir-se, mas cumpria fazê-lo convenientemente, em verdadeira afeição e com prudência. Não assenta bem num ministro relativamente jovem, como Timóteo, repreender asperamente a ninguém mais idoso que ele.

A ressalva com toda a pureza (2) refere-se particularmente ao ministério de Timóteo junto às mulheres jovens. É uma de suas responsabilidades exortá-las, porém deve precaver-se de qualquer desenvoltura que tenda a interesses ou intimidades inconvenientes, ou até mesmo atitudes que sugiram isso. Em Tt 2.3-5 o genuíno adestramento de mulheres jovens é explicitamente confiado a senhoras crentes mais idosas.

1 Timóteo (Novo Comentário da Bíblia) 24 b) Instruções acerca de viúvas (5.3-16) Citando as viúvas como objeto de consideração e cuidado, devem

ser distinguidas com essa honra e auxílio aquelas que, por um lado, são desvalidas, e, por outro, são realmente dignas. Sempre que for possível, as viúvas devem ser sustentadas por seus próprios filhos, ou famílias; é este um dever cristão óbvio, não devendo a igreja ser sobrecarregada com ele desnecessariamente. Só devem ser inscritas para exercerem ministério e receberem manutenção as viúvas de sessenta ou mais anos, que se tenham casado só uma vez e não pretendam casar-se de novo, tenham boa reputação como diligentes em boas obras. Mulheres mais moças não servem para esse cargo. Podem ser tentadas a casar outra vez, ou cair na cilada de se aproveitarem de visitas domiciliares para mexericos ou conversas ociosas. É melhor então que as tais tornem a casar e assumam a responsabilidade de dar à luz filhos e de tomar conta de suas próprias casas. Por esta forma podem elas mesmas ajudar as viúvas que, de outro modo, a igreja teria de socorrer.

Honra (3). Isto pode incluir a provisão de assistência material necessária; ver o verso 17 e Mt 15.5-6. Verdadeira viúva, que precisa de tal assistência, é aquela desprovida de meios ou de parentes que a sustentem; é desamparada (5).

Netos (4). Toda viúva, que tem tais parentes, deve ser por eles sustentada. Isto significa que eles, como primeira obrigação, devem aprender (isto é, fazer disso sua prática regular) a mostrar piedade filial para com membros de sua própria família, e a recompensar deste modo seus parentes ou avós. Tal procedimento é aceitável (4) não só aos que são assim beneficiados, como também «diante de Deus».

A verdadeira viúva, além de ser desamparada, recomendar-se-á como digna de sustento pelo hábito adquirido de esperar em Deus, não nos homens, e de viver em freqüente oração (5). Em contraste com ela, o tipo de mulher que desperdiça a sua vida e tudo quanto esta representa, não deve ser havida como verdadeira viúva; porque, embora viva, à vista

1 Timóteo (Novo Comentário da Bíblia) 25 de Deus já morreu (6). A necessidade de fazer estas distinções e de manter um padrão elevado deve ser enfatizada decididamente por Timóteo, tendo em vista, não afastar do benefício algumas viúvas, mas zelar para que todas vivam irrepreensivelmente (7). Todo crente deve cuidar das necessidades dos seus parentes, e sobretudo dos membros de sua família. Se não faz isto, nega praticamente a fé que professa com a boca. E procede pior que os pagãos incrédulos, visto como estes reconhecem seu dever em tais circunstâncias (8).

Nos vv. 9 e 10 alguns encontram a mais antiga referência escriturística, significativa, a uma «ordem de viúvas» (muitas vezes mencionada em outros escritos primitivos dos cristãos). Estas parece que eram «mulheres anciãs», antes que “diaconisas” (ver 3.11) que dificilmente seriam todas de mais de sessenta anos. As responsabilidades particulares delas parece que eram cuidar de crianças, especialmente órfãs, e de mulheres mais moças. Isto envolveria visitação domiciliar. As qualificações para inscrição obviamente são rigorosas. Tais condições parecem claramente as do ministério, antes que meramente da manutenção, a menos que a referência seja a viúvas especialmente selecionadas e necessitadas, às quais se garantia sustento vitalício pela igreja local. Esposa de um só marido deve significar “casada só uma vez” e, implicitamente, comprometida a não casar outra vez.

Paulo apresenta duas razões contra a inscrição de viúvas moças. Primeiro, é imprudente fazê-las comprometer-se a não casar outra vez. Porque, querendo elas mais tarde casar-se, tal desejo, inocente em outras circunstâncias, envolverá rebelião contra o jugo de Cristo, fazendo-as condenar-se a si mesmas pelo fato de anularem seu primeiro compromisso (12). Segundo, dar-lhes-á uma oportunidade indesejável de se tornarem tagarelas, abelhudas, antes que obreiras ativas (13). Paulo parece sugerir o seguinte: as mulheres moças, ainda ativas, as quais, como esposas, estiveram ocupadas com a direção de suas casas, se de repente passam a receber sustento e possivelmente um ministério que em grande parte consiste em visitas domiciliares e em exortação, podem cair

1 Timóteo (Novo Comentário da Bíblia) 26 na tentação de ficar preguiçosas e palradoras, ocasionando complicações com a revelação de confidências. Portanto, para evitar o perigo de dar aos inimigos ocasião de censurar os cristãos, é melhor que tais mulheres casem de novo e voltem a ocupar-se de todo com as responsabilidades de família. Diriam alguns que esta passagem implica que a experiência da vida conjugal desenvolve na mulher aptidão para algumas tarefas e reduz a capacidade para outras; que as mulheres mais moças, mantidas pela igreja para servirem como diaconisas, sejam solteironas, não viúvas; ou, por outra, que as viúvas sadias, de menos de sessenta anos, devem procurar alguma coisa em que se ocupar (se não for um marido), e não serem sustentadas, mesmo na hipótese de serem obreiras da igreja.

O adversário (14) parece significar aqui o opositor humano típico, não o diabo. No verso 15 Paulo apela ao testemunho da experiência para confirmação do seu juízo. Esta espécie de extravio do caminho de Cristo (11), para seguir a Satanás, tem ocorrido em alguns casos. O advérbio já sugere que os casos ocorreram no curto espaço de tempo depois que as primeiras inscrições de viúvas moças foram feitas. É também significativo por indicar que a data provável desta referência à organização eclesiástica não é, por conseqüência, tão tardia como à primeira vista pode parecer provável.

c) O tratamento adequado, a disciplina e a designação de

presbíteros (5.17-25) Timóteo recebeu incumbência especial relativamente aos

presbíteros, que eram os líderes das igrejas locais. Alguns destes eram também pregadores e mestres ativos. Timóteo, em particular, é advertido solenemente (21) a precaver-se de preconceitos injustos contra pessoas, ou parcialidade indébita em favor delas. Primeiro, deve olhar no sentido de que o valor do serviço dos presbíteros seja reconhecido e eles sejam largamente recompensados (17). Segundo, pode ser necessário disciplinar alguns que fracassem: mas nenhuma acusação deve ser

1 Timóteo (Novo Comentário da Bíblia) 27 tomada a sério, se não for devidamente comprovada por testemunhas (19); se se verificar que alguém é culpado de atos pecaminosos, o tal deve ser repreendido publicamente (20). Terceiro, não deve fazer nomeações apressadas, para que sua própria posição não fique comprometida por acumpliciar-se com o pecado, e ele mesmo se contamine (22). Visto como nem todo o mal nem todo o bem do caráter de uma pessoa é de pronto conhecido. Há outros elementos nele pouco manifestos, mas que podem ser descobertos pelo investigador paciente e atento. Nas designações para o presbiterado, portanto, é erro receber ou rejeitar alguém muito apressadamente.

Presbíteros (17). Em contraste com o verso 1, aqui a referência é àqueles que estão à frente de uma igreja local como seus líderes. O verso seguinte esclarece que a honra que se lhes deve prestar inclui sustento material (cf. o verso 3); outrossim, deve ser honra dobrada ou «ampla». Não só lhes deve ser prestada essa honra; também devem ser reconhecidos como de fato merecedores dela.

No verso 18 Paulo cita Dt 25.4, não para dar ênfase à letra da lei, mas para apelar ao princípio moral que essa lei ilustra. Note-se a ARA – “quando pisa” – isto é, enquanto está trabalhando. Alguns têm perguntado se a frase A Escritura declara abrange a segunda citação, visto encontrar-se em Lc 10.7. Em caso afirmativo, será uma referência notável ao terceiro Evangelho como Escritura. Mais provavelmente estas palavras são um provérbio muito conhecido então, citado por nosso Senhor, e aqui usado por Paulo para indicar o sentido da primeira citação do Velho Testamento. Quanto ao verso 19, ver Dt 19.15.

Os que e todos (20) talvez se devam considerar como referindo só os presbíteros, embora a segunda expressão e alguns pensam que a primeira também, possa referir-se aos membros da igreja em geral.

Imponhas as mãos (22). Sobre esta prática cf. 4.14; 2Tm 1.6. O sentido é, “Não ordenes ninguém com precipitação desnecessária”, injunção esta que se aplica com propriedade à admoestação precedente contra a parcialidade. Timóteo só servirá bem a Deus e às igrejas se

1 Timóteo (Novo Comentário da Bíblia) 28 conservar a si mesmo puro, recusando-se a admitir os indignos na liderança da igreja.

Abrindo um parêntese para assunto pessoal (23) - sinal surpreendente da autenticidade da epístola - Paulo mostra que esta exortação de se conservar puro não impede necessariamente Timóteo, no interesse de sua saúde, de deixar de ser abstêmio total (note-se a força da expressão não continues) e beber vinho com moderação. Um pouco de vinho: contraste-se com 3.3. Observe-se como era precária a saúde de Timóteo.

São manifestos antes (24); isto é, “são notórios”. Só mais tarde são manifestos, isto é, algumas pessoas são acometidas mais adiante pelos efeitos dos seus pecados, que no devido tempo as encontram.

Quando assim não seja (25) significa “boas obras que não se manifestam imediatamente”; todavia não se ocultam de todo.

1 Timóteo 6 d) Dever dos escravos cristãos (6.1-2) Estes versos fornecem a Timóteo mais instrução para que ele a

transmita concernente à honra devida (1; cf. 5.3-17) agora da parte dos escravos para com os seus senhores. Só desonra trará ao nome de Deus e Seu evangelho, visto ser aparentemente uma subversão da ordem social existente, os cristãos sob regime de escravidão deixarem de ser bons escravos. Se acontecer que seus senhores sejam crentes também, não devem por isso deixar de respeitá-los convenientemente como seus senhores humanos. Devem antes servi-los melhor por serem cristãos aqueles que recebem seus serviços agora melhorados.

Toda honra (1) quer dizer honra sob todas as formas em que seja devida.

1 Timóteo (Novo Comentário da Bíblia) 29 IX. OUTRAS ADVERTÊNCIAS - 6.3-10 É fácil a pessoa deixar-se desencaminhar pelos atrativos mundanos

do ensino de alguns homens, e todavia tal ensino permanece sob condenação, por ser “diferente” (3) ou heterodoxo, visto como os que o propagam abandonaram claramente a lealdade espiritual fundamental, sendo indignas sua condição e conduta pessoais. Outrossim, o ensino deles causa violento conflito social, porque só serve para perverter o critério moral do homem, afastá-lo da verdade e obsedá-lo com a idéia de que o propósito da prática da piedade é lucro material (4-5). Não que não haja grande lucro na verdadeira piedade, mas somente quando se é livre de cobiça (6).

Visto como não podemos acumular riquezas e levá-las conosco quando deixarmos este mundo, cumpre-nos ficar satisfeitos se temos alimento e com que nos vestir (7-8). Porquanto os que vivem preocupados em adquirir riquezas, são vítimas de engodo, caem em armadilha, ficam obsessos e inteiramente vencidos (9). Esse amor ao dinheiro é raiz que, se for deixada a crescer, só produz males de toda sorte. Os que se permitem ficar preocupados com ele, comumente se desviam da fé e se atormentam com muitas dores (10).

Nos vv. 3 e 4 estabelece-se um contraste entre a doutrina “sadia” e os mestres “enfermos”. Prova-se que um ensino é sadio (3), primeiro, se tem Cristo como autor e, segundo, pelo espírito de temor de Deus e pela conduta de quem o promove. Contrariamente, o falso mestre condena-se pelo ar de superioridade que assume, por sua falta de compreensão, e por sua mórbida obsessão pelo gênero de discussão que só produz contenda (4). No verso 5 os particípios gregos (não adjetivos) descrevem perdas permanentes que tais pessoas sofrem; sua capacidade de julgamento moral é destituída, e ficam privadas da verdade. De sorte que têm por hábito supor que a piedade é meio de auferir lucro material.

Lucro (5), no grego porismos, que significa virtualmente «bom negócio», isto é, fonte de lucro ou meio de adquirir vantagens materiais.

1 Timóteo (Novo Comentário da Bíblia) 30 A declaração feita no verso 7 confirma a atitude implícita do

apóstolo, nesta passagem, com relação a coisas materiais; a importância destas é apenas secundária e passageira; não são parte da personalidade, verdadeira e permanente, nem se transferem para a vida além-túmulo.

No verso 8 o verbo grego está no futuro do indicativo. Não é tanto uma exortação, como é afirmação dogmática de que este é o meio de se viver - contente contrariamente à atitude de meter na cabeça a idéia de adquirir riquezas.

Concupiscências insensatas e perniciosas (9), isto é, desejos violentos, duplamente condenáveis, como negativamente estúpidos e positivamente prejudiciais. A preocupação mental de se ficar rico e o conseqüente esforço exagerado para atingir esse alvo resultam em perda negativa (“desvio da fé”) e dano positivo. Comparando-se com o “bom negócio” da piedade, não compensa (10).

X. SOLENE EXORTAÇÃO PESSOAL - 6.11-16 Paulo exorta que Timóteo se mantenha fiel à sua vocação cristã, a

que se desvencilhe de ardis como seja o amor do dinheiro, a que alente e procure as virtudes cristãs (11). Mantenha ele a luta dignamente até ao fim, para alcançar o prêmio. Entregou-se a esta carreira por força de sua profissão cristã (12).

A lembrança de que Deus vê e não deixará de ajudar, de que Jesus Cristo confirmou a verdade que Timóteo tem confessado, e isto fez Ele pelo testemunho de Seus padecimentos, e que vai ser manifestado como Juiz pelo soberano Deus - que a lembrança de tudo isto dê força à exortação que Paulo lhe faz de não manchar ou expor a censura sua obediência cristã (13-16).

É possível aqui dar a algumas das frases uma interpretação particular.

1 Timóteo (Novo Comentário da Bíblia) 31 Homem de Deus (11) pode referir-se à condição de Timóteo como

obreiro: era assim que no Velho Testamento se designava um profeta (ver 1Sm 9.6).

A última parte do verso 12 pode referir-se à sua ordenação, e o verso 13 ao testemunho fiel de nosso Senhor perante Pilatos.

O verso 14, então, será uma exortação específica a Timóteo para que se desincumba de seu ministério. Entretanto, parece preferível dar a essas frases um alcance mais geral. Homem de Deus pode ser designação de qualquer cristão experimentado (ver 2Tm 3.17). O versículo 12b pode aludir ao batismo de Timóteo. “O primeiro compromisso” (note-se o artigo definido) é “a fé” ou verdade então confessada; Alude-se à “fé confessada”, não à confissão que dela Timóteo fizera.

Esta mesma boa confissão - lembra ele a Timóteo - foi atestada como verdadeira por nosso Senhor através de Sua morte e ressurreição, ocorridas “sob Pôncio Pilatos” (igualmente uma possível interpretação da frase grega, como vem no Credo Apostólico). Algo da fraseologia aí empregada bem pode ser eco das confissões de fé que, então, eram usadas no batismo. Observe-se a referência a Deus como Preservador, etc. e à paixão e segunda vinda de Cristo. Quer dizer pois que Paulo não sabe de nada melhor para exortar a Timóteo do que dirigir-lhe palavras aplicáveis não somente a ele, como obreiro especial, mas a ele (e igualmente a todos) como crente em Cristo.

No verso 12, a diferença de tempo dos verbos gregos sugere combate como atividade ininterrupta, e tomar posse como ato decisivo. A manifestação de Cristo (14; no grego epiphaneia) ocorrerá no tempo próprio por vontade e ato de Deus, e como «amostra» ou sinal de Sua mão (cf. Jo 2.18).

Os vv. 15 e 16 descrevem, de maneira significativa, a majestade inigualável de Deus. Em Sua absoluta bem-aventurança e vida infinda, Ele é completamente auto-suficiente. E tais coisas Lhe pertencem de

1 Timóteo (Novo Comentário da Bíblia) 32 todo e a Ele só. É pois Senhor exclusivo de tudo e todos. Assim, deve-se-Lhe render toda a honra e atribuir todo o poder.

XI. USO CORRETO DAS COISAS MATERIAIS - 6.17-19 Os crentes ricos precisam precaver-se do sentimento de confiança

excessiva que a posse de bens materiais possa despertar neles. Sua firme esperança deve repousar, não nas riquezas e sua incerteza característica, mas em Deus, o Doador de todos os bens (17). Precisam, outrossim, lembrar-se de que tais riquezas não são dadas para serem acumuladas, porém usufruídas (cf. 4.3-5), usadas na prática do bem (18). Destarte, repartir coisas boas, liberalmente, com os outros é a maneira de entesourar, para o futuro, algo mais duradouro do que riquezas terrenas, e assim possuir a verdadeira vida (gr. zoe), antes que simplesmente ter em abundância os meios materiais da presente vida (gr. bios). Ver 1Jo 3.17; Lc 12.15.

Observe-se o contraste entre este presente século (17) e o tempo futuro (19); cf. Mt 6.19-21.

Nem depositem a sua esperança na... Temos aí, em evidência, a força do tempo perfeito no grego; aliás a advertência torna-se mais forte por ser a idéia dar proeminência, não às «riquezas» enganosas, mas à sua instabilidade. Os que possuem riquezas terrenas são exortados a usá-las na aquisição de bens melhores e mais duráveis. Para isto, paradoxalmente, eles precisam de fato e cordialmente, estar prontos a repartir seus haveres materiais com os outros.

XII. EXORTAÇÃO FINAL - 6.20-21 Dirigindo-se a Timóteo, de modo enfático e pessoal, Paulo resume

aqui seu propósito principal, duplo, em escrever-lhe, a saber assegurar que ele preserve e passe adiante, intacto, o depósito da verdade, evitando

1 Timóteo (Novo Comentário da Bíblia) 33 as falsas doutrinas, ímpias e arrogantes, as quais já haviam fatalmente desencaminhado alguns.

Timóteo é considerado aqui como um mordomo a quem se confiou um «depósito» (20); (cf. 2Tm 1.12-14; 2.2), isto é, o que Judas (vers. 3) chama «a fé que uma vez por todas foi entregue aos santos». «Ciência» (falsamente assim chamada) sugere aí uma pretensão injustificada que, em conseqüência, atrai aderentes para a própria ruína deles, como crentes. A graça seja convosco é a maneira distintiva de Paulo apresentar a saudação cristã, com a qual encerra suas epístolas; ver 2Ts 3.17-18.

A. M. STIBBS