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Exposição ocupacional ao ruído e hipertensãoarterial*

Occupational noise exposure and hypertension

Vilma S. Santana e João Luiz Barberino

Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia. Salvador - Brasil (V.S.S.), Departamento deMedicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia. Salvador - Brasil (J.L.B.)

A hipótese de que a exposição ao ruído ocupacional estava positivamente associada à hipertensão arterial foi avaliadaem um estudo transversal, realizado com um grupo de 276 pacientes, admitidos em um ambulatório de saúde dotrabalhador do Sistema Único de Saúde, atendidos nos primeiros seis meses de 1992. A exposição ao ruído teve duasmedidas: história referida de exposição ocupacional ao ruído e o diagnóstico de disacusia ocupacional. A hipertensãoarterial foi definida de acordo com os critérios da OMS, incluindo-se também a referência a tratamento anti-hipertensivo.Dados obtidos através da análise estratificada e da modelagem logística não-condicional revelam que a hipótese não foiconfirmada: não se encontrou diferenças entre a pressão sistólica ou diastólica ou entre as proporções de hipertensãoentre indivíduos expostos ou não expostos. Todavia, verificou-se aumento estatisticamente significante (alfa=0,05) damedida de efeito quando o nível de educação era baixo (até o primeiro grau completo), o que parece indicar maiorintensidade ou duração da exposição entre os trabalhadores desse grupo. Isto pode ser outra evidência da desigualdadesocial subjacente à distribuição da exposição entre trabalhadores no ambiente de trabalho, o que deverá ser focalizado,com mais profundidade, em estudos futuros.

Hipertensão, epidemiologia. Ruído ocupacional, efeito adverso. Perda auditiva provocada por ruído, epidemiologia.

* Trabalho apresentado no IV Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva. Recife, PE, 1994.Separatas/Reprints: Vilma S. Santana - Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia. Rua Padre Feijó, 29, 4°andar - 40110-117 - Salvador, BA - Brasil. Fax: (071) 237.5856 E-mail: [email protected] em 27.12.1994. Aprovado em 8.8.1995.

Introdução

Resultados de estudos experimentais conduzi-dos com animais apontam para uma elevação deníveis tensionais com exposição ao ruído3. Emseres humanos, são vários os estudos queavaliaram a hipótese de que trabalhadores expos-tos ao ruído nos locais de trabalho poderiamapresentar um excesso de casos de hipertensãoarterial. Takala e col.22, por exemplo, compara-ram medidas de pressão arterial em um grupo detrabalhadores com perda auditiva e outro semperda auditiva, verificando não haver diferençasentre as médias tensionais, seja sistólica oudiastólica, embora assinalassem que a média deidade do grupo com perda auditiva era 10 anosmaior do que a do grupo sem perda auditiva.Consistentemente, no estudo desenvolvido porMalchaire e Mullier16, concluiram-se que não

havia indícios de uma associação positiva entretrabalho em indústrias que se caracterizavam porruído excessivo (92 a 100 decibéis dBA) ehipertensão arterial, embora os dados apresenta-dos não traduzam evidências epidemiológicasque permitam essas afirmações.

Em uma direção oposta, situam-se os dados dapesquisa desenvolvida por Jonsson e Hanson9 queencontraram níveis tensionais sistólico e diastólicomais elevados entre trabalhadores industriais comdisacusia ocupacional, quando comparados com asmedidas obtidas entre outros da mesma idade quenão apresentavam disfunção auditiva.Similarmente, Verbeeck e col.23 estudaram apressão arterial sistólica e diastólica de 297 trabal-hadores de indústrias que apresentavam níveis deruído no ambiente de trabalho acima de 80 dBA,encontrando uma tendência de elevação de ambosos dados com o aumento da duração da exposição

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(Coeficiente de Correlação de Pearson de 0,29 e0,31, respectivamente, ambos estatisticamente sig-nificantes para um alfa=0,05) que se mantinhamesmo após o ajuste por idade.

Parvizpoor19 comparou a freqüência dehipertensão arterial de um grupo de 821 tecelõesempregados em fábricas com níveis de exposiçãoao ruído em torno de 96 dBA, com os valores ten-sionais de 412 trabalhadores de condições socioe-conômicas semelhantes, que trabalhavam emindústrias que não se caracterizavam por ruídoelevado. Estimou-se uma razão de prevalência dehipertensão de 3,5:1 (expostos versus não expo-tos) e para casos "borderline" 2,7:1, enquanto quea idade de início do efeito entre os expostos foi,em média, 10 anos mais baixa do que entre os nãoexpostos. Mais recentemente, Zhao e col.24, uti-lizando análise logística não condicional, veri-ficaram um incremento da razão dos produtoscruzados ("odds ratio") de 100% para uma vari-ação de 30 dBA no nível de exposição, indepen-dentemente de fatores considerados "con-fundíveis" como a história familiar de hiperten-são, ingesta de sal e idade. Observou-se, ainda,que a associação entre a prevalência de hiperten-são arterial e exposição ao ruído evidenciavatendência dose-resposta para as medidas brutas, oque persistia mesmo após o ajuste pelas variáveisconfundidoras.

O substrato fisiopatológico da hipótese de quea exposição ao ruído excessivo determinahipertensão arterial é de que reações do sistemacirculatório ao estresse, como o aumento das cate-colaminas na corrente sangüínea, a vasoconstriçãoperiférica e a elevação da freqüência cardiácaestão associados com o aumento da pressão arteri-al temporária2. Esta elevação temporária poderiaser um marcador de indíviduos susceptíveis aodesenvolvimento de hipertensão arterial. Ressalta-se, portanto, que a trilha de causalidade ("causalpathway") plausível para a hipótese em conside-ração seja a bioquímica relacionada com osmecanismos do estresse.

A hipertensão arterial é enfermidade de altaprevalência no Brasil12,13,14 e a exposição ao ruídoexcessivo em ambientes ocupacionais tem sidocitada como o fator de risco industrial maiscomum. A disacusia ocupacional, por sua vez, pre-domina na demanda atendida em serviços espe-cializados em medicina do trabalho, no Brasil20.Todavia, é bastante limitado, o conhecimento dopapel da exposição ao ruído excessivo na pro-dução de hipertensão arterial. Muitos dos estudossão de natureza exploratória, freqüentemente con-

duzidos com dados secundários, numa perspectivadescritiva, apresentando apenas comparações defreqüências entre grupos expostos e não expostos.Não há menção a investigação e tratamentoanalítico apropriados de modificadores de efeitoou confundidores que permitiriam um conheci-mento mais conclusivo sobre essa questão.

O Centro de Estudos em Saúde doTrabalhador, do Sistema Único de Saúde (SUS) daBahia, através da sua Unidade Ambulatorial,atende trabalhadores encaminhados para avaliaçãoclínica ocupacional. Um dos objetivos dessaunidade é a construção de uma base de dados paraa realização de estudos epidemiológicos, mediantea documentação detalhada de informações sobrehistória de exposições ocupacionais e demaisdados de interesse clínico. No presente estudo pre-tende-se verificar a direção e magnitude da associ-ação entre a exposição ao ruído no ambiente dotrabalho e a hipertensão arterial. A existência deinformações sobre algumas características dosindivíduos permitirá, ainda que exploratoriamente,avaliar o papel de variáveis de confundimento oumodificadoras de efeito, aspectos não contempla-dos em outros estudos sobre este tema.

Metodologia

Conduziu-se um estudo de corte transversal comdados existentes em 507 prontuários médicos daUnidade Ambulatorial do Centro de Saúde doTrabalhador, SUS/Bahia, com toda a clientelaadmitida entre l de janeiro a 31 de dezembro de1992. Descartaram-se 15 prontuários (0,9%) quenão apresentavam informações. Dos 492, 216 nãoapresentaram informações sobre as variáveis rela-cionadas com a hipótese principal, história deexposição ocupacional ao ruído e hipertensão arte-rial, o que implicou sua exclusão da análise. Osrestantes 276 ficaram distribuídos em dois gruposde análise: os que dispunham de dados para o estu-do da história de exposição ao ruído ocupacional ehipertensão (276) e os com informações para a va-riável disacusia ocupacional e hipertensão (231).

Para a coleta de dados foram treinados 50alunos do curso de medicina da UniversidadeFederal da Bahia. Foram selecionadas as infor-mações a serem analisadas, que eram classifi-cadas, codificadas e registradas em um formuláriopróprio. Concluída a coleta, os dados eram digita-dos e submetidos a avaliação de concordância comos dados dos formulários. Após as correçõesnecessárias, os dados eram analisados utilizando-

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se "Statistical Package for Statisticians/SAS", ver-são 6.0421.

A variável independente, exposição ocupacionalao ruído, teve duas medidas baseadas nas infor-mações existentes nos prontuários. Uma delas foi ahistória de exposição ao ruído em local de trabalhocolhida por assistentes sociais, que compunha aficha de história de exposições ocupacionais, queera complementada por uma ficha especial para oruído, caso necessário. A outra medida da variávelindependente principal foi o diagnóstico de disacu-sia ocupacional, quando não era resultante de trau-ma sonoro súbito, definido com o laudo de nexocausai elaborado para fins jurídico-legais, por médi-cos especialistas. Os pacientes que não dispunhamdesse laudo ou que obtiveram outros diagnósticos,com ou sem nexo ocupacional, foram incluídos nacategoria de "não presença de disacusia ocupa-cional". Ambas as variáveis foram analisadas dico-tomicamente (l=exposto; 0=não exposto).

A variável de efeito, hipertensão arterial, foidefinida com base nas medidas tensionais tomadasna admissão. As medidas eram feitas pelos médi-cos da equipe, com os pacientes sentados empre-gando-se esfigmomanômetro braquial. Definiram-se duas variáveis dependentes como medidas doefeito: uma contínua, os níveis tensionais sistólicoe diastólico, individuais, e uma dicotômica, o diag-nóstico de hipertensão arterial definido segundo oscritérios propostos pela Organização Mundial daSaúde18, incluindo-se a história de tratamento atualpara a hipertensão arterial. Especificamente, foramconsiderados como hipertensos os indíviduos queobtiveram pelo menos um dos seguintes dados:nível tensional sistólico acima de 160 mm de mer-cúrio (mmHg), diastólico acima de 95 mm Hg, ereferência de tratamento atual. Não havia dadossobre história de níveis tensionais conhecidos ouhipertensão arterial referida embora houvesse re-gistro de uso de tratamento anti-hipertensivo.

A hipótese operacional do estudo foi analisadaatravés da comparação entre a freqüência dehipertensão arterial entre os indivíduos que men-cionaram história de exposição ao ruído em localde trabalho, com aquela estimada entre ospacientes que não registraram este tipo deexposição ao ruído. Complementarmente, foramtambém comparadas as freqüências de hipertensãoentre os indivíduos que obtiveram o diagnóstico dedisacusia ocupacional através do laudo de nexocausal, com as proporções obtidas para o grupo detrabalhadores com outros diagnósticos. Razões dasproporções foram estimadas para a avaliação damagnitude e direção da associação, enquanto que a

inferência estatística baseou-se em intervalos deconfiança estimados pelo método das Séries deTaylor11 e testes do Qui quadrado para um alfa de0,05. Para as comparações das médias tensionaisutilizou-se o teste t de "Student", com dis-tribuições checadas para a normalidade empregan-do-se o gráfico da distribuição estandardizada e oteste de Kolmogorov-Smirnof21.

Modificação de efeito foi avaliada para ascovariáveis ocupação, educação, idade e sexo,considerando-se afastamentos de modelos multi-plicativos. Para aquelas variáveis que eram intrin-secamente vinculadas à exposição ou a algum dosefeitos, do ponto de vista teórico-conceitual, comopor exemplo a idade, que presumivelmente indicaduração da exposição ou para aquelas nas quais seidentificou empiricamente a presença de modifi-cação de efeito, o papel de variável de confundi-mento não foi avaliado. Considerou-se variávelmodificadora de efeito aquelas que apresentavamevidência de "interação estatística" seja na análiseestratificada ou multivariada6,11. Na análise tabular,considerou-se variável confundidora todas aquelasque apresentaram associação com a hipertensãoarterial entre os não expostos ao ruído, e simul-taneamente, com a exposição ao ruído no grupo denão hipertensos4.

A análise multivariada foi empregada no estudode apenas uma das variáveis de efeito, a hipertensãoe não hipertensão, utilizando-se modelo logísticonão-condicional porque o efeito era dicotômico e odesenho do estudo era não pareado. A medida con-tínua do nível tensional foi julgada como tendopequeno valor interpretativo epidemiológico nestecontexto, no qual a população se constituía depacientes de um serviço de referência onde o uso detratamento era provável, caso fossem hipertensos.Definiu-se a codificação das variáveis de modo apermitir a sua linearidade. A modelagem foi con-duzida adotando-se o procedimento chamado de"backward", tanto para a estimativa da modificaçãode efeito como para o confundimento. Assim, numaprimeira etapa, todos os termos, simples e os corres-pondentes termos-produto eram incluídos naequação. Em seguida, avaliava-se modificação deefeito sob pressupostos multiplicativos, estimando-se a razão de verossimilhança (teste da razão do -2In da verossimilhança) correspondente à cada umadas covariáveis. Considerando-se como modifi-cador de efeito, aquelas covariáveis que alteravam oajustamento do modelo em níveis estatisticamentesignificantes. A avaliação de confundimentobaseou-se na verificação de alterações nas estimati-vas dos "odds ratio" (ep) correspondentes a associ-

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ação entre exposição ao ruído e hipertensão arterial,bem como alterações da amplitude do respectivointervalo de confiança, induzido pela retirada dotermo da equação6.

O grupo de indivíduos com dados não obtidospara as variáveis correspondentes ao efeito princi-pal, exposição ao ruído e hipertensão arterial foisubmetido a uma avaliação descritiva da sua com-posição para identificação de suas características ede como estas poderiam se constituir em possíveisfontes de viezes a serem avaliadas durante a análise.

Resultados

Na Tabela l são apresentadas as distribuiçõesde idade, sexo, educação e ocupação para o grupoque tinha informações para a história de exposiçãoao ruído (no = 276) e para aquele com dados nãoobtidos (no = 216). Baseando-se nos resultados dostestes Qui quadrado, não foram encontradas dife-renças estatisticamente significantes para nenhu-ma das covariáveis (alfa=0,05) em suas dis-tribuições nesses grupos.

Para avaliar a concordância entre as medidasdas variáveis, comparou-se a história de exposiçãoao ruído ocupacional com a disacusia ocupacionaldiagnosticada, cujos resultados estão dispostos naTabela 2. Observou-se que dos 379 indivíduospara os quais havia dados para essas variáveis,apenas um indivíduo obteve o diagnóstico de di-sacusia ocupacional quando não havia o registrono prontuário de história de exposição ocupacionalao ruído. Nesse caso, considerando-se que a medi-da proveniente da avaliação clínico-epidemiológi-ca do nexo ocupacional é mais acurada do que

mero registro da exposição no prontuário,imputou-se como positiva a resposta correspondeà história de exposição ao ruído ocupacional.

Na Tabela 3 são apresentadas as distribuiçõesdas covariáveis de acordo com a história deexposição ocupacional ao ruído. Verificou-se queentre aqueles com história de exposição ao ruído

no local de trabalho existia predominância de indi-víduos do sexo masculino (X2=58,87, lgl,p<0,001) e discreta concentração de pessoas maisjovens entre os não expostos, que atinge apenasum nível "bordeline" de significância estatística(X2=5,693, 2gl, p=0,058). Não houve diferençassignificantes nas composições desses grupos paraas variáveis educação ou nível de qualificaçãoprofissional. Este mesmo procedimento foi con-duzido com a variável disacusia ocupacional(Tabela 4), evidenciando-se padrões de dis-tribuição semelhantes àqueles obtidos com ahistória de exposição ocupacional ao ruído.

As distribuições dos valores tensionais sistóli-co e diastólico foram "normais" não se encontran-do medidas tensionais extremas. Analisando-se asmédias das tensões sistólica para os grupos expos-to e não exposto, de acordo com a variável históriade exposição ocupacional ao ruído, estimou-se130,OmmHg (DP*=24,0) e 126,0 mmHg(DP=18,5), respectivamente, diferença não estatis-ticamente significante (Tabela 5). Para a variáveldisacusia ocupacional os dados correspondentessão 128,9 mmHg (DP=20,6) e 124,8mmHg(DP=21,0), cuja diferença também não é estatisti-camente significante.

Analogamente, as medidas de tensão diastólicamostraram diferenças não estatisticamente signifi-cantes para os grupos exposto e não exposto, emreferência à história de exposição ao ruído,84,3mmHg (DP=10,9) e 83,lmmHg (DP=13,2),enquanto que para aqueles com disacusia ocupa-

* Desvio -padrão.

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cional os resultados foram 84,l mmHg (DP=10,9) e83,l mmHg (DP=13,2), respectivamente (Tabela 5).

A proporção de hipertensão arterial entre osindivíduos com história de exposição ao ruídoocupacional foi menor (20,3%) do que entre aque-les com história negativa (23,4%), conforme osdados apresentados na Tabela 6. Correspon-dentemente, a hipertensão arterial foi verificadaem 20,7% dos indivíduos que não obtiveram diag-

nóstico de disacusia ocupacional, semelhante àproporção estimada (20,9%) para os que se classi-ficaram como portadores deste diagnóstico. Aindana Tabela 6 pode ser visto que não houve evidên-cias, nesse estudo, de associação entre hipertensãoarterial e história de exposição ao ruído ocupa-cional (RP=0,87, 95% IC :0,83, 1,11) ou disacusiaocupacional (RP=1,01, 95% IC:0,60, 1,64).

Considerando-se a história de exposição aoruído ocupacional, os resultados da análiseestratificada, apresentados na Tabela 7, mostramque este é um achado relativamente estávelatravés das diferentes categorias das covariáveis.Vale notar o achado sugestivo de modificação deefeito observado com a variável educação, queocorreu em nível limítrofe para um alfa=0,05.Ou seja, verificou-se que há um aumento damagnitude da medida de associação entrehistória de exposição ao ruído e hipertensão arte-rial quando os indivíduos têm no máximo oprimeiro grau completo. Quando a variável de

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exposição é a disacusia ocupacional, esta modi-ficação da magnitude da medida de associaçãoentre hipertensão arterial e exposição ao ruído,de acordo com a educação, torna-se estatistica-mente significante (Tabela 8). Especificamente,a razão de proporções correspondente aos indiví-duos de menor nível educacional é 2,3 (95% IC:0,8, 6,8), diferente da estimativa de 0,7 (95% IC:0,4, 1,3) encontrada entre aqueles que referiramnível de educação igual ou acima do primeirograu, desde que estes valores de RP não seencontram incluídos na faixa de valores com-preendidos nos intervalos de confiança das cate-gorias que lhes são opostas. Os demais achadosde distribuição da exposição ao ruído, conformepode ser avaliado pela disacusia ocupacional,assemelham-se àqueles identificados na análiseda história referida de exposição ocupacional aoruído. Nota-se aumento da força da associaçãoentre as pessoas do sexo feminino (RP=2,1 95%IC: 0,7, 7,0) quando comparada àquela observa-da entre os homens (RP=1,0 95% IC: 0,6, 1,7),apesar dessa diferença não atingir níveis de sig-nificância estatística.

A análise logística não-condicional foi con-duzida, separadamente, para ambas as variáveisde exposição: história de exposição ao ruídoocupacional referida pelo trabalhador e diagnós-tico de nexo causal para disacusia ocupacional.Dados relativos à avaliação da presença de va-

riáveis modificadoras de efeito, sob pressupos-tos multiplicativos, são mostrados na Tabela 9 e10. Consistentemente com o observado naanálise tabular, verificou-se que o nível educa-cional causava modificação de efeito da medidade associação mostrados na Tabela 9 e 10 quan-do a variável de exposição era a disacusia ocu-pacional: razão de verossimilhança de 10,16

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( lgl) , estatisticamente significante (p<0,05).Quanto à avaliação de confundimento, apenas avariável sexo foi examinada, posto que idade equalificação profissional eram ambas rela-cionadas conceitualmente com a exposição, oumais especificamente, com o nível de duraçãoda exposição. Verificou-se que o ajustamentopor sexo modificava substancialmente a associ-ação entre história da exposição ao ruído ocupa-cional e hipertensão arterial, que passou deOR*=1,09 (95% IC: 0,52, 2,20) para 1,31 (95%IC: 0,56, 3,06). Todavia, foi possível notar oconcomitante incremento da imprecisão da esti-mativa quando ajustada, tal qual pode ser verifi-cada no aumento da amplitude do intervalo deconfiança para a medida ajustada por este fator.

Discussão

A hipótese de que exposição ao ruído ocupa-cional encontra-se positivamente associada com ahipertensão arterial não foi confirmada no presenteestudo. Este resultado ocorreu consistentementepara ambas as variáveis indicativas de exposição aoruído ocupacional, a história referida, como tam-

* OR - "odds ratio" ou razão de produtos cruzados.

bém com o diagnóstico de disacusia ocupacional,ou ainda com as médias tensionais, seja sistólica oudiastólica. Em reforço a esse achado, pode-se citarque não se observou nenhuma indicação de confir-mação da hipótese em estudo, para nenhum dosestratos das covariáveis analisadas, apontando parauma relativa estabilidade dessa não associação,para ambas as medidas de exposição.

O presente estudo, de caráter exploratório,realizado com dados secundários provenientes deum serviço público de saúde ocupacional, as con-clusões devem ser tomadas com precaução. Veja-se, por exemplo, o elevado número de prontuáriosque não apresentaram dados referentes às va-riáveis principais, o que pode ter comprometido adistribuição de co-ocorrência da exposição e doefeito, que não pôde ser avaliado no presente estu-do. Embora a análise da distribuição das infor-mações perdidas não tenha evidenciado tendênciasexpressivas, este é um achado apenas sugestivo danão existência de viezes, porquanto a presença,magnitude e direção de tendenciosidades por per-das na população do estudo podem apenas serdefinidas através da análise do padrão de ocorrên-cia dessas perdas em relação à co-ocorrência daexposição e efeito avaliadas simultaneamente11.Todavia, a redução do tamanho da amostra resul-tou em queda do poder do estudo: para uma dife-

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rença de proporções de 0,05, assumindo-se umalfa de 0,05 (unicaudal) e um Beta de 0,20, serianecessário estudar, aproximadamente 342 indiví-duos em cada um dos grupos de expostos e nãoexpostos. Os tamanhos das amostras finais, com276 e 231 indivíduos para a história de exposiçãoao ruído e disacusia ocupacional, respectivamente,não atingem, portanto, o número mínimo sufi-ciente para o teste da hipótese. Conseqüentemente,este estudo deve ser tomado apenas na perspectivade uma análise exploratória. Outros fatores deseleção da população do estudo, como aqueles quedeterminam o fluxo de encaminhamentos e refe-rência da demanda, que definem uma diferençaentre a população de base e do universo do estudo,são também possíveis fatores de distorção doefeito observado. Além desses problemas, não foipossível identificar ou quantificar possíveis viezesdecorrentes da qualidade de informação dos pron-tuários, cujo preenchimento sem padronizaçãopode ter trazido alterações nas co-variáveis. É co-nhecida a limitação do uso dessa fonte de dadosem nosso meio, particularmente quando prove-nientes de serviços públicos de saúde15. No pre-sente estudo, o dado referente ao tratamento anti-hipertensivo é crucial desde que os níveis tensio-nais se apresentassem "normalizados" na mensu-ração de indivíduos em tratamento. É possível quea ocorrência de tratamento não tenha sido registra-da nos prontuários com o devido rigor.

Além de problemas devido à qualidade, nãofoi possível a obtenção de dados relativos afatores de risco conhecidos para a hipertensãoarterial, que população de estudo poderiam terum efeito confundidor potencial, tais como aobesidade ou o sobrepeso, o hábito de fumar, oconsumo excessivo de bebidas alcoólicas ou osedentarismo2,7,13. Entre outras variáveis poten-cialmente confundíveis, que por definição seriamestranhas ao modelo teórico construído para essainvestigação, estariam outros fatores de riscopara a hipertensão arterial, de natureza ocupa-cional7,8,10,17, que também não puderam ser con-templados na análise. Exemplo disso é a conta-minação pelo chumbo5 que foi notada entre traba-lhadores que compõem a demanda daquelaunidade ambulatorial. Assim, o grupo de referên-cia do presente estudo, trabalhadores com outrosproblemas de saúde, poderiam estar acometidospor enfermidades determinadas por exposiçõesocupacionais, na qual a hipertensão é freqüente-mente referida como efeito. Ou seja, se existeuma presumível elevação da freqüência dessaenfermidade entre não expostos, o denominador

da razão de proporções estará artificialmente ele-vado, reduzindo-se, em conseqüência, a magni-tude da associação, numa clara evidência de viésem torno da hipótese nula, ou seja, de não associ-ação. Estudos transversais são limitados para aidentificação de evidências causais, por não per-mitirem, em sua maioria, estimativas do risco oua determinação da antecedência temporal entreexposição e efeito. Na presente investigação, afalta de medidas apropriadas da exposição impos-sibilitou a verificação de tendências dose-respos-ta, que em estudos transversais podem ser indica-tivas de uma associação causal1.

Apesar das limitações da base populacional efonte de dados, identificaram-se possíveis modifi-cadores de efeito. Ou seja, observou-se excesso decasos de hipertensão arterial entre pessoasexpostas ao ruído quando estas pertenciam ao sexofeminino, o que pode ser evidência de uma maiorvulnerabilidade ao estresse das mulheres em face àeste tipo de exposição. Observou-se a ocorrênciade modificação de efeito, especificamente, umincremento da magnitude da medida de associaçãoquando os trabalhadores referiam um nível educa-cional de no máximo o primeiro grau completo.Este achado foi verificado tanto na análise tabularcomo na multivariada, para pressupostos multi-plicativos. A explicação para este resultado podeser buscada na distribuição social da exposição aoruído entre os trabalhadores. Ou seja, se estaexposição ao ruído ocorre, preferencialmente, emmaior intensidade ou duração entre os indivíduosde menor nível educacional, isto levaria a que estavariável funcionasse como uma indicação de nívelde exposição, determinando, portanto, o aumentoda associação entre hipertensão e ruído nestegrupo de educação. Como não houve a possibili-dade de exploração analítica do gradiente biológi-co, ou dose-resposta, devido ao nível de agregaçãoda variável educação nos prontuários, esta é ape-nas uma vertente interpretativa a ser avaliada emmaior profundidade. Este achado não foi relatadoem outros estudos, embora Zhao e col.24 analisas-sem os seus dados nessa perspectiva. Pode-se con-cluir que embora não houvesse evidências de umaassociação entre exposição ao ruído e hipertensãoarterial, observou-se uma modificação de efeito,em nível estatisticamente significante, (alfa=0,05)dessa associação com educação inferior ou igualao primeiro grau e em nível "bordeline" com osexo feminino que poderão ser tomadas comoobjeto de estudos posteriores.

Estudos com resultados negativos - hipótesessob investigação não confirmadas - são freqüente-

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mente descartados para publicação, seja pelos seuspróprios autores ou pelos comitês de periódicos.Pensa-se, todavia, que estes são dados também re-levantes para apresentação à comunidade científica,uma vez que compõem uma parte do conhecimentoproduzido sob certas circunstâncias metodológicas.Este estudo exemplifica as limitações encontradaspor muitos pesquisadores na condução de pesquisacom dados secundários provenientes de serviçospúblicos de saúde, e pode vir a subsidiar decisõesdirigidas à melhoria do registro de informações,ainda que sejam simples medidas de rotina, como atomada de pressão arterial. A escassez de estudosepidemiológicos, na área da saúde do trabalhadorem nosso País, traduz as dificuldades por que pas-sam aqueles que se defrontam com a fragilidade dossistemas de informação e do precário acesso às po-

pulações de trabalhadores nos seus locais de traba-lho, um problema já superado em algunas países,onde a preocupação com a identificação e o con-trole dos riscos ocupacionais é compartilhada pelasociedade como um todo.

Agradecimentos

Aos alunos das turmas TP02 e TP03 da disci-plina "Epidemiologia" do curso de Medicina daUniversidade Federal da Bahia, de 1993/primeirosemestre, e à equipe do Centro de Estudos daSaúde do Trabalhador que colaboraram na coletade dados, como também aos colegas do Institutode Saúde Coletiva e Departamento de MedicinaPreventiva da UFBA, pelas sugestões.

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Abstract

The hypothesis that occupational noise exposure is positively associated with hypertension was examined in a cross-sectional study carried out on a group of patients who were enrolled at the Occupational Health Unit of the UnifiedHealth System, situated in Salvador city, the capital of Bahia state, Brazil. Data were obtained from 276 medicalrecords, corresponding to all patients newly registered during the first six months of 1992. Data on noise exposurecome from both reported occupational exposure history and clinical diagnosis of occupational noise-induced hearingloss. Hypertension diagnosis complies with World Health Organization criteria, as well as with the history ofantihypertensive treatment. Stratified analysis and unconditional logistic regression modeling show results that do notsupport the study hypothesis: there are no differences between systolic or diastolic blood pressure or betweenproportion of hepertension for exposed and non exposed groups. However, statiscally significant (alpha = 0.05)increment of the effect measured was reported among workers who reported low educational level (below elementary).This could be another evidence of socially related inequalities underlying exposure distribution among workers at theworkplace, which should be addressed, at greater depth, in future studies.

Hypertension, epidemiology. Noise, occupational. Hearing loss, noise induced, epidemiology.