06-o percurso metodologico
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Trata-se de um estudo em que discorreremos sobre o
desenvolvimento de material didtico- instrucional para ser utilizado
como instrumento em atividades de Educao em Sade dirigidas s
mes em berrio de prematur os com vistas alta hospitalar. O
modelo pedaggico utilizado foi o da educao conscientizadora,
fundamentada no referencial terico de Paulo Freire, tendo por base a
metodologia participativa.
A pesquisa participante surge, conceitual e metodologicamente ,
no incio da dcada de oitenta, quando a realidade de um nmero
importante de sociedades latino - americanas se caracterizava pela
presena de regimes autoritrios e modelos de desenvolvimento
manifestamente excludentes, no aspecto poltico, e concentradores, no
aspecto econmico. As tendncias democratizantes e participativas
prprias dos estilos modernizantes e integradores dos anos sessenta,
que defendiam a incorporao de amplos setores da populao vida
social e poltica, cederam lugar s exigncias impostas por uma
reestruturao autoritria que, reduzindo as margens da
heterogeneidade, substituram as fronteiras difusas do populismo em
classes de perfi l mais definido (GAJARDO, 1999).
Nesse mbito, continuam se desenvolvendo alternativas de
trabalho com os setores populares e continua tambm, o delineamento
de estratgias visando incorporar os setores populares aos processos
de produo e comunicao de conhecimentos. assim que surge uma
proposta hoje como tendncia emergente: a investigao participativa
ou pesquisa participante. Deve -se reconhecer que, como nas dcadas
passadas, a maioria das experincias tenta partir da realidade concreta
dos grupos com que trabalham e defende o estabelecimento das
relaes horizontais e antiautoritrias. Como as anteriores, estas
propostas reconhecem as implicaes polt icas e ideolgicas
subjacentes a qualquer prtica social, seja ela de pesquisa ou de
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finalidades educativas, e propugnam pela mobilizao de grupos e
organizaes para a transformao da realidade social ou para o
desenvolvimento de aes que redundem em benefcio coletivo
(GAJARDO, 1999).
O cientista, no campo das cincias sociais e humanas,
participante do que estuda e deve se envolver no pro cesso de mudana
que o grupo est vi vendo, estimulando o grupo a aprofundar a viso de
sua ao conjunta. Com seu trabalho deve recriar, de dentro para fora,
formas concretas possibili tando s pessoas, aos grupos e s classes
participarem do direito de pensarem, produzirem e dirigirem os usos
de seu saber a respeito de si prprios (BRANDO, 1981; 1999).
Decorre da os grupos serem responsveis por si mesmos, assumindo
seus problemas e buscando a soluo dos mesmos.
Portanto, muda o papel do sujeito da pesquisa: ele no s o
objeto es tudado. Muda, tambm, o papel do pesquisador: ele no
mais o nico do no da verdade, manipulando os sujei tos e ditando os
objetivos. Muda, alm disso, o papel da cincia: no s o pro gresso do
conhecimento conta, mas tambm a elaborao de possibilidade de
ao que o riente a ao comum (VALLE, 1988).
Por estas consideraes, pode -se entender porque a pesquisa
participante est revelando sua adequao s pes quisas de cunho
eminentemente poltico-social- humano. Os elementos pes quisados no
se sentem violados por um agente invasor que se apropria de seus
fatos significativos e passa a tomar conscincia dos problemas
particulares para depois se afastar e usar os dados encontrados como
bem lhe aprouver (VALLE, 1988) .
A pesquisa participante parece ser uma direo par a abrir novos
caminhos de pesquisa em enfermagem, contribuindo para o
aparecimento de uma conscincia social em pro fissionais desta rea de
conhecimento (VALLE, 1988).
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A pesquisa participante vem sendo utilizada em vrios campos
da atuao humana, como nas reas socio poltico-educacional,
adminis trativo -organizacional, na sade (VALLE, 1982).
Nesta ltima rea h preocupao em se identificar metodologias
alternativas para a ao educativa e de pesquisa. No Brasil, existiam
esforos da extinta Divis o Nacional de Educao em Sade e agora,
do Programa Educao em Sade, institudo pelo Ministrio da Sade,
que po dem ser constatados numa proposta de busca de novos mtodos,
a partir de uma viso globalizadora das situaes que rodeiam o
homem e que tem a ver com suas possibilidades de vida (BRASIL,
1981). Dentro dessa concepo, a sade das pessoas passa a depender
no somente das aes de sade que lhes so ofe recidas, mas tambm
da sua participao desde que haja conhecimento, compreenso e
motivao de sua par te para refletir sobre seus problemas, propor e
realizar mudanas (BRASIL, 1981b).
A participao da comunidade em busca de melhor condio de
sade envolve uma metodologia de trabalho denominada ao
participativa que nada mais que um a forma de pesquisa participante.
O trabalho desenvolvido deve permitir uma aprendizagem par tilhada
pela populao e equipe de sade, na qual haja troca de informao,
capacitando o grupo a analisar criticamente uma situao, identificar e
prio rizar problemas, indicando solues e se organizando para
promover as solues (VALLE, 1988).
Dessa maneira, a Educao em Sade deixa de ser um processo
de persuaso organizado por equipes de sade, passando a ser um meio
de se desenvolver uma viso crtica dos problemas pertinentes rea,
refletindo sobre eles e discutindo -os (VALLE, 1988). A abordagem,
portanto, deixa de ser autoritria para se tor nar mais cooperativa.
Esse mtodo de ao participativa apresenta algumas etapas,
conforme os relatrios j citados do Encontro de Experincia de
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Educao e Sade, a saber: identificao da situao de sade, com a
participao da populao; dis cusso da situao de sade
identificada; anlise das causas dos problemas; planejamento da ao;
realizao da ao e avaliao da ao (BRASIL, 1981 b).
Em todos esses passos mantido um dilogo entre a equipe de
sade e a po pulao que considerada a adminis tradora do seu prprio
projeto, definindo os mecanismos de controle que ela prpria exercer.
Desta forma, o envol vimento da populao nos problemas que enfrenta
pode se manifestar atravs da busca de conhecimentos de seus pontos
fracos. Como se nota, na rea da sade, a pesquisa participante
ressaltada em termos de ajudar e educar as populaes, mormente as
carentes. No se de ve deixar de frisar que h um pano de fundo
formado pelos aspectos socio poltico-culturais em que so inseridos os
aspectos desta rea (VALLE, 1988).
Ainda, em sade, como se poderia transpor tal metodo logia de
trabalho para um ambiente mais restrito, como por exemplo, o hos-
pital? No mbito do hospital a investigao cientfica obriga a
incursionar previamente por diferentes nveis de pensamento e ao.
Isso implica optar por uma metodologia de trabalho que sirva melhor
invest igao de proble mas prprios do hospital .
NOWINSKI & RIPA (1980) sugerem que no suficiente a
tomada de conscincia dos problemas que surgem no hos pital;
necessrio aprender abord- los convenientemente. Para isso,
necessi ta-se de que se desenvolva uma metodo logia de pesquisa que
possibilite indi vduos e grupos analisarem uma deter minada situao,
identificar e priorizar problemas.
Pensa-se que a pesquisa participante seja uma metodologia capaz
de satisfazer alguns pontos at agora levan tados , em se tratando de
ambiente hos pitalar, pois permite a motivao das pessoas envolvidas
para compreende rem e participarem das aes destinadas s
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transformaes para melhorar a qualidade de atendimento dos
pacientes (VALLE, 1988).
A pesquisa participante uma al ternativa sociolgica. IDAC
(1978) afirma que uma possvel linha de pesqui sa eficaz est em o
estudioso se colocar no interior do grupo a ser estudado e, junto com
os elementos, tentar buscar uma alternativa para superar a situao.
No existe um nico modelo de pesquisa participante, pois trata-
se de adaptar, em cada caso, o processo s condies particulares de
cada situao concreta (os recursos, as limitaes, o contexto
sociopoltico, os objetivos perseguidos, etc). O mtodo deve ser
adaptado a cada projeto especfico, como a elaborao de tecnologias
apropriadas em resposta a problemas especficos (LE BOTERF, 1999).
O modelo de pesquisa participante que optamos para o presente
estudo o de LE BOTERF (1999), que enfatiza a produo e
comunicao de conhecimentos, propondo -se a: promover a produo
coletiva de conhecimento, rompendo o monoplio do saber e da
informao e permitindo que ambos se transformem em patrimnio dos
grupos; promover a anlise coletiva do ordenamento da informao e
da utilizao que dela se pode fazer; promover a anlise crtica,
utilizando a informao ordenada e classificada a fim de determinar as
razes e as causas dos problemas e as possibilidades de soluo;
estabelecer relaes entre os problemas individuais e coletivos,
funcionais e estruturais, como parte da busca de solues coletivas aos
problemas enfrentados (LE BOTERF, 1999).
Na seqncia metodolgica proposta por LE BOTERF (1999) h
quatro fases: 1) montagem institucional e metodolgica da pesquisa
participante; 2) estudo preliminar e provisrio da zona e da populao
em estudo; 3) anlise crtica dos problemas considerados prioritrios e
que os pesquisadores desejam estudar e 4) a programao e execuo
de um plano de ao (incluindo aes educativas) para contribuir no
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enfrentamento dos problemas colocados.
Com base na abordagem terico- metodolgica escolhida para o
desenvolvimento do presente estudo, descrevemos a seguir as fases
operacionais percorridas para construo do material didtico-
instrucional a ser utilizado na orientao de mes para a alta do filho
prematuro.
4.1 Montagem institucional e metodolgica
Na primeira fase da pesquisa participante, LE BOTERF (1999)
recomenda que se realizem discusses do projeto, definio do
objetivo, hipteses, mtodos e delimitao da regio a ser estudada.
Devem ser selecionados pesquisadores e elaborar o cronograma de
atividades a serem realizadas.
Segundo o autor, essas diferentes tarefas supem o
estabelecimento de uma estrutura de orientao do proje to que
assegure o objetivo proposto e que seja representativa das suas
diferentes partes.
4.2 Estudo preliminar e provisrio da zona e da
populao em estudo
Esta segunda fase da pesquisa participante consiste de um
diagnstico preliminar e provisrio da populao investigada. Num
primeiro momento, importante compreender, numa perspectiva
interna, qual o ponto de vista dos indivduos ou grupos sociais
acerca das situaes que vivem. Qual a percepo destes sobre tais
situaes? Como eles as interpretam? Quais os seus problemas?
necessrio apreender qual a lgica dos pesquisados, mesmo que,
primeira vista, as suas inferncias e raciocnios possam parecer
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irracionais. Uma das principais caractersticas da pesquisa participante
que ela parte dos problemas colocados pelos pesquisados, problemas
que eles esto dispostos a estudar. Ela parte do mundo cotidiano do
pesquisado e escuta sua voz ( LE BOTERF, 1999).
Assim, procuramos, num primeiro momento, verificar se havia
interesse e disponibilidade dos sujeitos envolvidos no processo
ensino - aprendizagem visando ao treinamento materno para a alta do
filho prematuro, atravs da aderncia de educadores e educandos ao
projeto.
Participaram do estudo duas enfermeiras (e1 e e2), sendo que
uma delas exerce a funo de enfermeira-chefe (53 anos de idade e 26
anos de enfermagem, 9 deles no campo do estudo) e a outra tem 30
anos e com vnculo empregatcio h 3 anos no campo do estudo; duas
auxiliares de enfermagem (a1 e a2), uma tem 53 anos de idade e 16
anos na enfermagem e a outra, 38 anos de idade e 6 anos de
experincia na rea; e quatro mes de bebs prematuros (m1, m2, m3 e
m4) internados no berrio de prematuros situado no 8 andar do
prdio da Unidade do Campus do Hospital das Clnicas da Faculdade
de Medicina de Ribeiro Preto da Universidade de So Paulo
(HCFMRP -USP), hospital - escola pblico, de grande porte e de
referncia terciria para atendimento perinatal da regional de sade de
Ribeiro Preto SP. A m1 tem 35 anos de idade e o ensino
fundamental incompleto, multigesta com 3 abortos anteriores; sua
filha nasceu de 34 semanas e 3 dias (Ballard) e apresentou desconforto
respiratrio precoce. A m2 tem 26 anos de idade e o ensino
fundamental completo, primigesta; seu filho nasceu com 32 semanas
e 3 dias e apresentou desconforto respiratrio. A m3 tem 23 anos e
ensino fundamental incompleto; tem dois filhos, sendo o primeiro
tambm prematuro, agora com 12 anos, e a filha atual nasceu com 35
semanas e 1 dia e apresentou aspirao meconial. A m4 tem 25 anos,
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primigesta e pedagoga; seus gemelares nasceram de 31 semanas e 5
dias, um deles apresentou desconforto respiratrio precoce.
Cabe assinalar ainda que estas enfermeiras e auxiliares de
enfermagem foram escolhidas por atuarem na unidade neonatal de
cuidados intermedirios h mais de trs anos e apresentarem ampla
experincia na orientao e preparo de mes de bebs pr-termo para a
alta hospitalar de seus filhos. Em nosso estudo, h somente a
participao das mes, pois estas fazem visitas dirias e esto mais
freqentemente envolvidas no cuidado do filho.
O berrio dividido em duas reas fsicas: uma enfermaria
com 6 leitos e outra maior subdividida em trs reas com 6 leitos cada,
totalizando 24 leitos neonatais.
O HCFMRP - USP campo de estgio de alunos de graduao em
enfermagem e constitui local onde os docentes da Escola de
Enfermagem de Ribeiro Preto da Universidade de So Paulo (EERP -
USP) desenvolvem atividades de pesquisa e extenso de servios
comunidade.
A segunda fase da pesquisa participante exige do pesquisador
uma postura muita aberta em relao pesquisa, uma grande
capacidade de se descentrar para se colocar no lugar do outro.
Isso implica viver junto com a coletividade estudada, partilhar o seu
cotidiano, a sua utiliza o do tempo e do espao: ouvir, em vez de
tomar notas ou fazer registros; ver e observar, em vez de filmar;
sentir, tocar em vez de estudar; viver junto em vez de visitar. em
geral prefervel deixar de lado os cadernos de notas, os gravadores e
os questionrios. A pesquisa nesse ponto no estruturada; o
pesquisador se colocar como um diapaso dos pesquisados. O
percurso nesse ponto pode ser em ritmo muito lento. Freqentemente,
necessrio longo tempo para que se adquira confiana (LE BOTERF,
1999).
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No estudo esta fase foi iniciada h pouco mais de um ano,
atravs da nossa participao no Grupo de Estudos e Pesquisa em
Enfermagem Neonatal (GEPEN), que parte de um ncleo envolvendo
docentes, alunos de graduao e ps- graduao da EERP - USP e
enfer meiros assistenciais, em especial das unidades neonatais do
HCFMRP - USP.
A nossa insero na rea de Enfermagem Neonatal se deu atravs
da participao nas atividades terico- prticas dos alunos do 7
semestre do curso de graduao em enfermagem da EERP - USP, no
perodo de maro a junho de 2000, e do desenvolvimento de estgio
voluntrio de dezembro de 1999 a agosto de 2000. Ambas, as
atividades, realizadas no campo do presente estudo.
Uma das atividades de extenso de servios comunidade,
desenvolvidas pelo GEPEN, refere -se ao programa de atividades
ldico- pedaggicas dirigidas s mes de bebs internados nas unidades
de cuidados intensivos e intermedirios neonatal deste hospital.
Atravs da insero neste programa, nos aproximamos melhor das
necessidade s e expectativas das mes dos bebs prematuros. As
intervenes so semanais, por um perodo de uma a duas horas, em
que um grupo de graduandas de enfermagem, bolsistas e voluntrias,
realizam atividades de lazer e bordado, croch e tric, bem como
discusso de temas bsicos como higiene pessoal e do ambiente
domiciliar.
O fato de termos estabelecido com as participantes do estudo
uma relao cordial e de troca facilitou nossa aceitao como
elemento inserido no grupo, fator este necessrio para a reali zao da
pesquisa participante.
Nesta fase, o pesquisador se aproxima do grupo para tentar
detectar como o mes mo se comporta, quais so os proble mas
emergentes e sondar a maneira mais favorvel para nele se inserir .
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Esta tarefa no to simples como parece, pois uma presena estranha
pode ge rar desconfiana nos elementos. O pes quisador deve assumir
seu papel com honestidade, discutindo com o grupo, uma vez que seu
objetivo questionar e esclarecer a prtica do grupo e deve guardar
certa distncia cr tica da reali dade das aes do grupo. Tal posio
corresponde atitude independente, descrita por DUMAZEDIER
(1980), a qual possibilita ao investigador uma atuao cientfica. Por-
tanto, deve -se manter uma sntese entre os papis de militante e de
cient is ta.
Muitas vezes no possvel, nem mesmo desejvel, efetuar um
diagnstico muito elaborado e completo durante esta fase. Os recursos
disponveis (tempo, pessoal, meios financeiros, etc) no o permitem.
Alm disso, as populaes pesquisadas esto, muitas vezes, cansadas
de diagnsticos sem conseqncias, de estudos diversos aps os quais
no surgem resultados e nem aes conseqentes. Por essas diferentes
razes, prefervel realizar um diagnstico provisrio, limitado, nesta
fase. Por conseguinte, ao longo de todo o processo da pesquisa
participante que ser possvel completar o diagnstico (LE BOTERF,
1999).
Ao final desta segunda fase, os resultados obtidos so difundidos
junto populao envolvida, que ter assim ocasio de discut-los ,
aprov-los, question- los ou complet- los (LE BOTERF, 1999).
O objetivo principal dessa atividade de feedback promover
entre os participantes da pesquisa um conhecimento mais objetivo de
sua si tuao (LE BOTERF, 1999).
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4.3 Anlise crtica dos problemas considerados prioritrios
Esta terceira fase consagrada a um primeiro trabalho de anlise
crtica dos problemas considerados prioritrios na fase precedente,
para isso so formados grupos de estudo (LE BOTERF, 1999). Os crculos de discusso, como descreve SANTOS (1996),
representam a discusso de grupo, tcnica de abordagem qualitativa
valorizada por conseguir trazer tona as opinies, relevncias e
valores dos sujeitos da pesquisa em relao a um determinado tema.
Primeiro foram instalados dois pequenos crculos de discusso,
sendo um constitudo por quatro participantes: duas enfermeiras (e1 e
e2) e dois auxiliares de enfermagem (a1 e a2), e outro pelas quatro
mes de prematuros (m1, m2, m3 e m4), conforme citado
anteriormente.
Nesses dois grupos apresentamos a proposta de desenvolver
material didtico-instrucional que auxilie o preparo das mes para a
alta hospitalar do filho prematuro e solicitamos que expressassem as
suas expectativas frente a proposta.
Estimulamos o levantamento e anlise dos problemas
vivenciados na orientao para a alta hospitalar; para as enfermeiras e
auxiliares, os temas relevantes ao preparar a me para a alta hospitalar
do beb prematuro e para as mes, que temas gostariam e precisariam
saber para levar o seu f i lho para casa.
A dinmica que se estabeleceu no desenrolar das discusses, nos
crculos pequenos foi a crtica que se fez acerca dos seguintes
aspectos:
1 . Quanto proposta enunciada os participantes foram
incentivados a analisar a importncia de um mat er ia l
educativo nas atividades de educao em sade com vistas
alta hospitalar;
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2. Quanto aos temas geradores e ao contedo abordado os
participantes discutiram e analisaram os tpicos (unidades
de trabalho) que o material educativo deveria abordar;
3. Quanto tecnologia utilizada aps discusso, o grupo
decidiu sobre o t ipo de material a ser confeccionado.
As informaes recolhidas foram devidamente organizadas e
sistematizadas. Entretanto, enfatiza-se o aspecto de a pesquisa no se
deter no recolhiment o do que existe: o grupo deve participar dos dados
encontrados, para, atravs de uma conscientizao, tentar a superao
de problemas (VALLE, 1988).
importante relatar que, nesse pro cesso da pesquisa
participante, a organizao dos dados no significa a composio de
um retrato definitivo do grupo. A compreenso da situao no vista
como um produto final do trabalho realizado. Os dados organizados
devem se constituir num material de trabalho, atravs do qual se
consiga preencher o espao entre a realidade e a sua percepo
(VALLE, 1988).
As atividades nos pequenos crculos de discusso foram
organizadas tendo como foco os seguintes questionamentos:
1. Qual a relevncia do material educativo nas atividades
de educao em sade para a alta hospitalar?
2. Quais temas e seus contedos deveriam ser trabalhados
no material educativo?
3. Que tipo de material de ensino deveria ser uti l izado?
Para a anlise dos problemas considerados prioritrios,
utilizamos nestes grupos, o desenho metodolgico de MARTINIC &
SAINZ (1987) nas seguintes etapas: o intercmbio de experincias que
tem o objetivo de determinar um conjunto de perguntas bsicas e
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significativas para os participantes em torno do problema em questo;
a objetivao e problematizao, que o processo no qual o gr upo
procura estabelecer uma srie de problemas chaves e simultaneamente
a objetivao do problema se desenvolve uma problematizao deste; e
a anlise da informao obtida e definio de linhas de ao, em que o
grupo, neste momento analisa a informao obtida e comprova se a
realidade respondeu as perguntas, se coincide com as colocao que
fizeram num primeiro momento.
A ao, no caso do nosso estudo, se expressa na produo de
material educativo especfico.
O produto concreto do processo que vai des de o intercmbio de
experincias ao de objetivao, se deve expressar no que MARTINIC
& SAINZ (1987) chamam de temas geradores, os quais referem-se a
contedos especficos e que tm a capacidade de sintetizar o
analisado.
Os temas geradores so o conjunt o de opinies que surgem com
mais relevncia e significado, em torno do problema apresentado. O
contedo de cada tema gerador especificado, determinando as
unidades de trabalho (MARTINIC & SAINZ, 1987).
A figura que se segue a do desenho metodolgico proposto por
estes autores.
Fonte: Figura 2 MARTINIC, S . ; SAINZ, H. I . Invest igacin part ic ipat iva y cu l tura popular : una exper i enc ia en cu r so . 1987 . p .15 - 31 . (Cadernos do CEDES,
n .12) .
Intercmbio de experincias Objetivao
Explicao Anlise da situao
Temas geradores Unidades de
trabalho Ao
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Aps a realizao dos dois crculos de discusso, houve um
crculo de discusso maior, incluindo todas as participantes (e1, e2,
a1,a2, m1, m2, m3 e m4). Os aspectos enfocados e identificados foram
levantados para que elas se reapropriassem de suas expresses e
sugestes, para, em discusso conjunta, interpretarem se a anlise
realizada correspondeu aos anseios da crtica que realizaram. Nesta
reunio conjunta, discutiu- se acerca dos seguintes aspectos:
1. Como seria a apresentao, a forma do material
educativo?
Essa construo coletiva embasou-se na crt ica e nas sugestes
surgidas nos crculos de discusso.
A finalidade desta comunicao a de pr em evidncia as
relaes existentes entre os problemas estudados e a de aprimorar o
conhecimento que o conjunto da populao dispe da situao (LE
BOTERF, 1999) .
O carter participativo na construo conjunta do saber traz
tona a relao entre pesquisador/pesquisado como uma relao entre
sujeitos, e no uma relao entre sujeitos e objeto (EGRY et al. ,
1991).
Do ponto de vista operacional, a discusso do grupo se faz em
reunio com pequeno nmero de informantes (seis a doze) e,
geralmente, tem a presena de um animador que intervm, tentando
focalizar e aprofundar a discusso, sem no entanto, induzir
conscientemente o grupo atravs de suas prprias relevncias. O
desenrolar das discusses, implica tambm nas seguintes funes do
animador: introduzir a discusso e mant -la acesa; enfatizar para o
grupo que no h respostas certas ou erradas; observar os
participantes, encorajando a palavra de cada um ; buscar as deixas de
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continuidade da prpria discusso e fala das participantes;
construir relaes com os informantes para aprofundar,
individualmente, respostas e comentrios considerados relevantes pelo
grupo ou pelo pesquisador; observar as comunica es no - verbais e o
ritmo prprio dos participantes, dentro do tempo para o debate, que
no deve ultrapassar de 1:00 a 1:30 hora (MINAYO, 1994).
O animador, chamado por LE BOTERF (1999), de orientador
do grupo de estudo, que intervm para auxiliar na realizao do
trabalho de anlise dos problemas. No presente estudo este papel foi
realizado pela pesquisadora.
O ponto fundamental da pesquisa participante consiste em se
detec tarem as possibilidades naturais de mudana no seio do prprio
grupo e ativar esse potencial na direo do que deve ser. Dessa forma,
os elementos tm oportunidade de se conscientizarem de como vivem e
podem se abrir para uma ao criativa (VALLE, 1988) .
O grupo, ento, passa a ser sujeito e objeto do processo.
sujeito, enquanto di scute e analisa a discusso. obje to, porque a
prpria realidade exposta para a discusso (VALLE, 1988).
A tarefa do pesquisador, nesse ponto, a de orientar o
exame que o grupo faz dos dados e ativ-los a ir adiante em sua
anlise. H todo um pr oces so de ao -reflexo. A cada nova ao
surge uma reflexo, num movimento permanente, que procura ser
testada e redefinida pela prtica e experincia (VALLE, 1988).
O processo ativado pelo pesquisador que, num determinado
momento, se afasta. O controle da situao pas sa ento a ser exercido
pelo prprio grupo que se utiliza das tcnicas e meios empregados
durante a pesquisa e com os quais se familiarizou. Isso significa que
houve xito na experincia, pois o grupo se apropriou do
conhecimento que o pesquisador trouxe (VALLE, 1988).
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Utilizando as unidades de trabalho trazidas pelas participantes, a
pesquisadora elaborou os contedos, tendo por base a l i teratura.
A reviso destes contedos foi feita por quatro enfermeiras, uma
professora da EERP - USP, duas enfermeiras assistenciais e outra do
Banco de Leite.
A atividade de feedback no final desta fase a devoluo do
material confeccionado ao grupo. Para VALLE (1988) , precisamente,
nesta fase que reside a caracterstica deste tipo de pesquisa voltado
para a ao, no sentido de se tentar fazer alguma coisa alm da mera
constatao de problemas (VALLE, 1988).
Para a atividade de feedback , uma cpia do material piloto, de
manufatura simples e artesanal (reunia os textos dos temas
desenvolvidos e suas respectivas i lustraes), editado no Word for
Windows (editor de texto, no especfico para este trabalho), impresso
em papel sulfite 180g, na configurao econmica e colocado espiral;
foi entregue, em casa, para cada participante a fim de que pudessem
manuse -lo e ler t ranqilamente.
Enquanto os participantes validavam o material piloto, os textos
e as ilustraes foram entreguem assessoria tcnica de funcionrios
da seo de audiovisual da EERP - USP para ir sendo feita a
diagramao e arte final em programa especfico.
Enfermeiras, auxiliares de enfermagem e mes de bebs
prematuros foram instrudas sobre os tpicos para avaliar, validando o
contedo e aparncia do material didtico-instrucional .
DOAK et al. (1996) apresenta um instrumento para avaliao da
dificuldade e da convenincia de materiais educativos, denominado
Suitabili ty Assessment of Materials (SAM).
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No instrumento SAM h uma lista para checar 17 atributos
relacionados organizao, estilo de escrita, aparncia e motivao do
material educ ativo:
Organizao
1. a capa atraente? Indica o contedo do material?
2. so usados cabealhos e resumos que mostram organizao
e provem repetio de mensagem?
3. includo um resumo do que fazer?
4. os tpicos tm seqncia?
5. o tamanho do contedo nos tpicos adequado?
Esti lo da escrita
6. a escri ta est em est i lo socivel?
7. o texto vvido e interessante? Tom amigvel?
8. inexiste jargo tcnico?
9. o vocabulrio acessvel?
10. h associao da pergunta resposta?
11. o texto c laro?
Aparncia
12. pginas ou sees parecem o rganizadas?
13. i lustraes so simples preferencialmente desenhos?
14. i lustraes servem para ampliar os textos?
Motivao
15. o material apropriado para a idade, gnero e cultura?
16. o material apresenta lgica?
17. a interao convidada por perguntas, respostas, sugerem
aes, e tc?
Fizemos uma adequao desse instrumento e foi entregue para as
enfermeiras e auxiliares de enfermagem, juntamente com a cartilha,
para auxili- los a checar os tpicos do material (Anexo 1).
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Cada um dos atributos deve ser observado. Os atributos que no
forem encontrados no material indicaro deficincias em potencial
(DOAK et al . , 1996).
Foi solicitado, s mes, que destacassem, em casa, os termos
tcnicos que porventura no tenham sido entendidos.
Aps uma semana de prazo, as mes foram procuradas em casa
para se expressarem a respeito da cartilha; e as enfermeiras e
auxiliares de enfermagem foram procuradas no prprio local de
trabalho.
A avaliao um processo contnuo que nunca est completa.
Aps o trmino do desenvolvimento de um material educativo e sua
disponibilizao para o uso, o feedback dos usurios pode fornecer
idias para melhorias que poderiam ser incorporadas em edies
subseqentes.
Foram realizados, ao todo, quatro encontros, no perodo de 03/05
a 05/10 de 2001, havendo a instalao dos grupos de estudo ou
crculos de discusso, com durao mdia de uma hora, nos quais o
papel de animador foi desempenhado pela autora do presente estudo.
As discusses foram gravadas na ntegra e, posteriormente, transcritas
para a anlise. Alm disso, utilizamos o Dirio de Campo para
registros de manifestaes no verbais.
A seguir sintetizamos as etapas percorridas para construo do
material educativo.
Quadro 1 Fases metodolgicas da construo do material didtico-
instrucional dirigido a orientao materna para a alta hospitalar do
filho prematuro, atravs da metodologia participativa.
-
O percurso metodolgico 108
Fases Da t a Durao At iv idades desenvolv idas
Def in io do ob je t ivo e da metodolog ia .
Nov. e
Dez . /00
Discusso do p ro je to com as en fe rmei ras e banca examinadora .
Montagem ins t i tuc iona l e
metodo lg ica da pesqu i sa
Mar . /01 E laborao do c ronograma de a t iv idades .
Dez . /99 2 anos In se ro e exp lo rao no campo .
Abr . /01 Conta to com os par t i c ipan tes para ve r i f i ca r ade rnc ia ao p ro je to .
Es tudo pre l iminar e p rov i s r io da
z o n a e d a populao em
es tudo Abr . /01 Escolha dos par t ic ipantes (2 enfermeiras , 2 auxi l iares de enfermagem e 4 mes de prematuros) .
Abr . /01 Fo rmao de do i s pequenos c rcu los de d iscusso: um com as 4 mes de prematuros e out ro com as 2 enfe rmei ras e 2 aux i l i a res de enfermagem.
Mes :
03 /05 /01
45 minutos
Enfermagem:
09 /05 /01
40 minutos
Discusso nos c rculos sobre a re levncia do mater ia l educat ivo nas a t iv idades de educao em sade para a a l ta hosp i ta la r ; dos temas dever iam ser t raba lhados no mater ia l educa t ivo e que t ipo de mater ia l de ens ino dever ia se r u t i l i zada .
Mai . /01 Formao do c r cu lo de d i scusso grande ( todos os par t ic ipan tes jun tos ) .
14 / /5 /01 50 minutos Comunicao dos resu l tados dos c rculos pequenos e d iscusso no c r cu lo g rande de como se r i a a apresentao , a forma do mater ia l educa t ivo .
Jun . e
ju l . /01
E laborao , pe la pesqu i sadora do con tedo de cada t ema propos to nos pequenos c rcu los , t endo por base a l i t e ra tura .
Ago. e
se t . /01
Rev i so dos con tedos por qua t ro prof i ss iona is .
Se t . /01 Confeco do mate r i a l p i lo to .
Se t . /01 Entrega a domici l io do mater ia l , para va l idao pe l a s pa r t i c ipan te s .
An l i se c r t i ca dos problemas
cons iderados pr ior i t r ios
Out . e
nov . /01
Lei tura das va l idaes das par t ic ipantes e das suges tes dos prof i ss iona is e adequao/cor reo do mater ia l .
-
O percurso metodolgico 109
Out . e
nov . /01
Diagramao e ar te f inal do mater ia l pe lo SEDOC
Nov . /01 Reproduo de 5 cpias para a aprec iao da Pr - Banca
Nov . /01 Cor rees das suges tes da Pr - Banca
Jan . /02 Reproduo de 12 cpias para a Defesa Pblica
2002 Confeco do fo to l i to pe la g r f ica .
2002 Procura de pa t roc n io para p roduo de cp ias a se rem en t regues no campo de es tudo e poss ib i l i t a r a d i s t r ibu io em outras inst i t u i es que p res t em ass i s t nc ia aos bebs p rema tu ros .
A p rog ramao e execuo de um
p lano de ao ( inc lu indo aes educa t ivas ) pa ra
con t r ibu i r no enf ren tamento dos
problemas co locados
Es tudos
poster iores
Passamos a descrever, no prximo captulo, o vivenciar a
construo de material didtico-instrucional que norteou este estudo,
apresentando, tambm, os resultados que emergiram nesse caminhar.
4.4 Aspectos ticos: instruo geral e obteno
de anuncia dos participantes
Quanto aos aspectos ticos do estudo, inicialmente, o projeto foi
submetido apreciao pelo Comit de tica do HCFMRP - USP, sendo
aprovado (Anexo 2).
As participantes foram informadas sobre o objetivo do estudo e
manifestaram- se acerca do interesse em participar da pesquisa. Aps a
anuncia foi l ido o termo de consentimento e solicitado a assinatura
(Anexo 3).