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O Museu Nacional do Rio de Janeiro e o campo científico brasileiro durante a década de 1870. Felipe Daniel do Lago Godoi * Introdução A historiografia das ciências no Brasil, até meados da década de 1980, dera pouca atenção ao campo científico brasileiro antes da implantação das primeiras universidades. De acordo com Maria Amélia Dantes, os autores que trataram do assunto abordavam as iniciativas na área científica, anteriores ao século XX, como ações limitadas, de caráter imitativo e pouco valorizadas pelas elites econômica e social oitocentistas . Dessa forma, a ciência que se praticava no Brasil era considerada apenas como fruto da adoção de modelos estrangeiros trazidos tardiamente ao país por meio de iniciativas individuais – na sua maioria de homens vindos de fora do país – criando assim, o pensamento de que, no Brasil, as ideias estavam fora do lugar 1 . Contudo, desde as últimas duas décadas do século XX, tem aumentado o número de estudos que analisam a * Mestrando em História pela Universidade Federal de Ouro Preto. 1 O livro de Simon Schwartzman Formação da comunidade científica no Brasil, de 1979, é um exemplo de trabalho sob esta perspectiva. A autora, também cita a coleção organizada por Fernando Azevedo em 1955, As ciências no Brasil, que traz trabalhos sob esta ótica atribuindo o atraso científico nacional à predominância de uma cultura bacharelesca e retórica. Cf: DANTES, M. Amélia. “A implantação das ciências no Brasil. Um debate historiográfico”. In: ALVES, José Jerônimo de Alencar (org.). Múltiplas faces da história das ciências na Amazônia. Belém: Ed. Universidade Federal do Pará, 2005, pp. 31-48.

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O Museu Nacional do Rio de Janeiro e o campo cientfico brasileiro durante a dcada de 1870.Felipe Daniel do Lago Godoi*Introduo

A historiografia das cincias no Brasil, at meados da dcada de 1980, dera pouca ateno ao campo cientfico brasileiro antes da implantao das primeiras universidades. De acordo com Maria Amlia Dantes, os autores que trataram do assunto abordavam as iniciativas na rea cientfica, anteriores ao sculo XX, como aes limitadas, de carter imitativo e pouco valorizadas pelas elites econmica e social oitocentistas . Dessa forma, a cincia que se praticava no Brasil era considerada apenas como fruto da adoo de modelos estrangeiros trazidos tardiamente ao pas por meio de iniciativas individuais na sua maioria de homens vindos de fora do pas criando assim, o pensamento de que, no Brasil, as ideias estavam fora do lugar.Contudo, desde as ltimas duas dcadas do sculo XX, tem aumentado o nmero de estudos que analisam a implantao das cincias no Brasil e na Amrica Latina de forma geral, dentro dos contextos histrico-culturais especficos. Tais estudos tambm ressaltam a relao entre a institucionalizao cientfica, os processos de adoo de modelos institucionais estrangeiros e as estratgias de negociaes e prticas de sociabilidades que os envolvem. Alm disso, no Brasil, a institucionalizao das cincias tomada como parte integrante de projetos pessoais e governamentais gestados nos anos finais do sculo XVIII, e que perpassaram todo o oitocentos.

Foi justamente durante sculo XIX que o conhecimento cientfico passou a ser visto como um dos signos da modernidade, capaz de trazer desenvolvimento e progresso material humanidade. Assim, tanto a produo quanto a incorporao dos pressupostos enunciados pelas cincias eram uma das formas de as naes se apresentarem enquanto civilizadas. Tal aspecto tambm esteve presente no Brasil oitocentista, pois, como fora ressaltado por Ilmar Rohloff de Mattos, uma das caractersticas presentes nas polticas pblicas implementadas pelo governo imperial durante o chamado tempo saquarema era, justamente, a difuso dos valores prprios das naes tidas como civilizadas.

Dentre os diversos objetos analisados por esta j no to recente historiografia das cincias, est o estudo das instituies cientficas brasileiras criadas ao longo dos sculos XVIII e XIX. Concebendo a institucionalizao das cincias como um processo de implantao, desenvolvimento e consolidao das atividades cientficas num determinado espao-tempo histrico, estes estudos tm ressaltado que os estabelecimentos aqui institudos muitas vezes no se dissociavam dos padres de cientificidade da poca, mantendo contato com instituies cientficas de outros pases e estabelecendo intercmbios de pessoas, produtos e saberes. Alguns exemplos paradigmticos so os estudos de Margaret Lopes sobre os museus de cincias naturais no sculo XIX, Silvia Figueira sobre as cincias geolgicas no Brasil e de Heloisa Bertol Domingues sobre o Jardim Botnico do Rio de Janeiro.Seguindo os pressupostos destes estudos, tentaremos neste artigo abordar alguns aspectos relacionados institucionalizao das cincias no Brasil tendo como foco o Museu Nacional do Rio de Janeiro. Como j fora ressaltado por Margaret Lopes, os museus, aos lados dos jardins botnicos, configuraram-se enquanto locais privilegiados para a o processo de instaurao de uma produo cientfica nacional, onde atuavam naturalistas viajantes e pesquisadores no trabalho de envio e classificao dos produtos naturais articulando o saber cientfico com as idiossincrasias locais.

Criado em 1818, o Museu Nacional do Rio de Janeiro tornou-se, ao longo do sculo XIX, o principal estabelecimento produtor e divulgador do conhecimento cientfico no Brasil. Sua histria tem sido contada desde a dcada de 1870, pelos seus membros que buscaram registrar a memria desta instituio. Durante o sculo XX, o Museu Nacional tambm foi alvo de estudos que buscavam historiar as diversas reas do conhecimento cientfico, alm de ser objeto da literatura especializada em museus. No mbito da produo historiogrfica dos ltimos trinta anos sobre as cincias no Brasil, essa instituio foi estudada por diversos autores que buscaram evidenciar sua contribuio para a consolidao do campo cientfico nacional durante o sculo XIX. Em O Brasil descobre a pesquisa cientfica: Os museus e as cincias naturais no sculo XIX, Maria Margaret Lopes procura discutir a institucionalizao das cincias no Brasil atravs da anlise das relaes entre os museus de Histria Natural e a produo de conhecimento cientfico, perfazendo um histrico do Museu Nacional do Rio de Janeiro desde sua criao at a primeira dcada do sculo XX. Dentro deste mesmo recorte temporal, as historiadoras Regina Gualtieri e Adriana Keuller tambm discutiram a produo cientfica no museu carioca enfocando, respectivamente, os debates evolucionistas e a institucionalizao da Antropologia no Brasil. Por fim, cabe ressaltar o trabalho de Paulo Rogrio Sily, que analisou a divulgao cientfica feita no Museu Nacional atravs das aes educativas realizadas entre os anos de 1818 e 1930.

No presente artigo, abordaremos alguns aspectos da produo cientfica do Museu Nacional a partir do estudo do primeiro volume de seu peridico, Archivos do Museu Nacional, lanado em 1876. Nosso intuito o de vislumbrar como a produo de conhecimento no Brasil se dava em dilogo com a cincia produzida no exterior, buscando assim mapear as teorias mobilizadas e utilizadas pelos homens de cincia do Museu e sua contextualizao de acordo com a realidade local. Em um primeiro momento, apresentaremos algumas das principais teorias cientficas debatidas no mbito do Museu Nacional durante a dcada de 1870. Em seguida, ser feita uma anlise mais detalhada do primeiro nmero da Archivos do Museu Nacional.1. Os anos de 1870 e o bando de ideais novas.

O final do sculo XIX foi um momento de grande agitao poltica e intelectual no Brasil. O Pas vivia um perodo de mudanas econmicas e sociais: a regio Sudeste consolidava-se enquanto o eixo econmico do Imprio atravs da exportao do caf; a promulgao da Lei do Ventre Livre, em 1871, acirrava os debates sobre o fim da escravido; e a fundao do Partido Republicano e a publicao de seu Manifesto fortaleciam as manifestaes de oposio ao regime monrquico.

Foi nesta poca que surgiu um movimento intelectual conhecido como a gerao de 1870, composto por pensadores que voltaram seu olhar para os problemas do Brasil, procurando investig-los de acordo com um repertrio de anlise social produzido fora do pas. Assim, autores como Auguste Comte, Hebert Spencer e Charles Darwin, passaram a fazer parte do rol de referenciais adotados pelos membros desta gerao, na busca por solues para os dilemas que o Brasil vivia naquele tempo.A percepo de que a dcada de 1870 representou um perodo de efervescncia intelectual ficou marcada na expresso de Slvio Romero, que caracterizou as novidades surgidas como um bando de ideias novas. Estas ideias que esvoaavam sobre os homens eram embebidas em diversas matrizes de pensamento, como o positivismo, spencerianismo, darwinismo social, liberalismo e cientificismo. Assim, a despeito da unidade geracional dos seus integrantes, o movimento da gerao de 1870 era plural, tanto em seus membros quanto nos referenciais tericos que adotavam.

De acordo com Angela Alonso, havia, entretanto, algo em comum nesta diversidade de personagens e ideias: uma experincia compartilhada de alijamento poltico no cenrio nacional. Desse modo, tal movimento se caracterizara, antes de tudo, por seu carter reformista, visando formas de interveno poltica pela mobilizao de modos de pensar estrangeiro, de uma ressignificao da prpria tradio imperial, e da crtica ao status quo. O intuito era realizar uma reforma poltica por meio de uma mudana controlada das instituies, objetivando a manuteno da hierarquia social. Contudo, no caso do Museu Nacional do Rio de Janeiro, esta no parece ter sido a tnica da atuao de seus membros. Segundo Lopes, uma das chaves para a manuteno e desenvolvimento do Museu, foi o fato do seu diretor, Ladislau Netto, ter conseguido se articular com as esferas do poder tanto no Imprio quanto na Repblica, o que possibilitou sua reforma em 1876 e a conquista de novas instalaes em 1892. Desta forma, o que nos faz incluir o Museu dentro deste momento de alvoroo intelectual uma outra caracterstica marcante do pensamento desta gerao, a crena na cincia enquanto via acesso ao progresso e chave explicativa para entender e solucionar os dilemas enfrentados pelo pas.

De fato, foi durante a dcada de 1870 que o pensamento cientificista, marcado pelos paradigmas das cincias naturais, se difunde no Brasil, por meio da criao de novas instituies como o Museu Paraense (1871) e a Escola de Minas de Ouro Preto (1875). Houve tambm, o fortalecimento de espaos j existentes, como as Faculdades de Medicina da Bahia e do Rio de Janeiro, e o Museu Nacional. Assim, como bem ressalta Margaret Lopes, esse perodo foi marcado no pelo incio das atividades cientficas brasileiras, mas por

um adensamento de renovaes e atividades em termos da cultura cientfica brasileira, j marcada pelas profundas mudanas de paradigmas nas cincias naturais, em que as prticas cientficas foram revigoradas pelas novas exigncias dos parmetros do eletromagnetismo, das teorias evolucionistas, das teorias estatsticas.

Os modelos interpretativos vindos das cincias naturais foram adotados nos mais diversos campos, literatura, artes, poltica, anlise social. Em todos eles a cincia parecia ter algo a dizer, era nela que se fiavam as crenas e de onde se tiravam medidas para colocar o Brasil em igualdade aos pases europeus. Uma situao que fazia parte de um movimento maior de mundializao das cincias, em que os modelos cientficos europeus passaram a circular fora do eixo Atlntico Norte sendo apropriados e ressignificados por meio do dilogo com os contextos histricos e disciplinares dos locais onde eram adotados.No campo literrio, tanto a produo quanto a crtica, incorporaram noes como as de evoluo, raa e natureza. Romances como O Dr. Benignus, de Augusto Emlio Zaluar, escrito em 1875; O Mulato, de Alusio de Azevedo, publicado em 1881; e O Chromo: um estudo de temperametos, escrito por Horcio de Carvalho em 1888, so alguns exemplos de obras que adotaram referenciais vindos do mundo cientfico. Alm disto, as noes de raa e natureza marcaram as anlises da crtica literria, at o incio do sculo XX .Na anlise social, estes referenciais tambm estiveram presentes na produo intelectual das escolas de Medicina e Direito, onde os seus membros, no esforo de compreender e solucionar os problemas nacionais, adotavam diversas teorias dspares, combinando-as e selecionando elementos de cada uma, segundo a interpretao que davam da realidade nacional.Quanto aos museus, j mencionamos que estes se configuraram enquanto locais privilegiados para a articulao do olhar dos naturalistas, onde atuavam como pesquisadores. Essas instituies, nos dizeres de Margaret Lopes, tambm se apresentavam como ideais em funcionamento, que iam redefinindo suas prticas de acordo com as transformaes do conhecimento cientfico. Assim, a prtica cientfica no Museu Nacional no esteve imune s mudanas ocorridas nas cincias naturais na segunda metade do sculo XIX. Porm, para visualizarmos em que medida tais mudanas foram incorporadas no Museu dois movimentos so necessrios: primeiro uma breve descrio destes modelos cientficos que orientavam os homens de cincia naquele perodo e, em seguida, uma anlise mais detalhada do primeiro nmero da publicao Archivos do Museu Nacional.

2. O campo cientfico do sculo XIX: Os referenciais que guiavam o Museu Nacional.

Durante os anos de 1800 os campos do conhecimento encontravam-se em constante redefinio, realizando seus cortes epistemolgicos e modificando seus paradigmas de anlise. Mapear todas as mudanas ocorridas no pensamento cientfico durante esse perodo um esforo que vai muito alm dos propsitos deste trabalho. Contudo, possvel ressaltar algumas teorias cientficas que influenciaram as investigaes feitas pelos membros do Museu Nacional, em suas analises sobre a natureza e a sociedade brasileira e que foram publicadas em Arquivos do Museu Nacional.

2.1. As teorias evolucionistas

O impacto das teorias evolucionistas no campo das cincias, principalmente aps a publicao do livro de Charles Darwin (1809-1882), A Origem das Espcies, em 1859, foi de tal modo que, a partir de ento, algumas ideias acerca do universo passaram a ser contestadas e problematizadas, dentre elas, a crena em um mundo criado e imutvel; a ideia de uma posio privilegiada do homem nesta criao; e a concepo de um passado cuja profundidade era de alguns milhares de anos, conforme indicavam as narrativas bblicas. Assim, a Terra passou a ser concebida como um ambiente em constante transformao, engendrando novas questes relacionadas gnese e o desenvolvimento dos seres e da sociedade.Todavia, o iderio evolucionista j vinha sendo gestado antes mesmo da teoria darwinista. No incio do sculo XIX, o naturalista Jean-Baptiste Pierre Antoine de Monet (1744-1829), o Cavaleiro de Lamarck, afirmava que os seres vivos se modificavam ao longo do tempo, transmitindo estas mudanas aos seus descendentes. Lamarck buscava responder s teorias fixistas que afirmavam a imutabilidade da natureza acreditando serem a diversidade de espcies existentes e a diferena destas com relao aos registros fsseis, fruto da ocorrncia de diversas catstrofes naturais provocadoras da extino de algumas espcies. Segundo Lamarck, esta seria uma explicao demasiado simples para a diversidade animal. Para este naturalista, no havia extines, mas modificaes na fauna que se adaptava s mudanas do ambiente, tambm em transformao. Esta mudana nos animais poderia ser to radical ao longo do tempo que um indivduo se tornaria ento uma espcie distinta dos seus ancestrais.

Diferentemente da teoria darwinista, o evolucionismo de Lamarck possua um fim teleolgico, o aperfeioamento contnuo e linear das espcies, que se modificavam sempre dos organismos mais simples para os mais complexos. Alm disso, o evolucionismo lamarckista tinha no meio ambiente o elemento determinante para que ocorressem as transformaes, atravs do acionamento de uma fora intrnseca, cuja origem era obra divina. Assim, temos que em Lamarck a mo do Criador ainda atua sobre os seres, mesmo dando certa autonomia para que ocorram as mudanas.

A teoria lamarckista foi de suma importncia para o desenvolvimento posterior dos trabalhos de Charles Darwin. Contudo, como dissemos, o pensamento darwinista marcou um ponto de inflexo no iderio evolucionista. Assim como Lamarck, Darwin tambm considerava que as mudanas nas espcies ocorriam de forma gradual; porm, para este, o meio ambiente, apesar de atuante, no era o fator exclusivo causador das transformaes. De acordo com a teoria da seleo natural, o meio no modificava, apenas selecionava as espcies mais adaptadas. Com isso, Darwin eliminava o sentido teleolgico que a evoluo tinha em Lamarck, pois no haveria uma tendncia interna adaptativa que levaria os seres a uma modificao interior. A evoluo das espcies na teoria darwinista dar-se-ia por fatores desconhecidos, mas no possuam uma direo e sentidos nicos, o que determinava o seu sucesso era o fato dos seres se adaptarem ou no ao ambiente.

Apesar de impactante, o evolucionismo darwinista no foi totalmente aceito no momento imediato aps a publicao do livro A Origem das Espcies. A principal dificuldade era a aceitao da seleo natural e sua pressuposio de que no havia a interferncia de um Criador no processo evolutivo das espcies, sendo uma explicao materialista que prescindia da ideia de Deus. Contudo, isto no impediu que diversos cientistas acatassem os outros aspectos da teoria de Darwin e se declarassem como darwinistas ou darwinianos. Como bem ressalta Regina Gualtieri, nas duas primeiras dcadas ps-Origem o seu significado nem sempre inclua todas as concepes do naturalista ingls. Assim, a autora destaca que ser evolucionista, darwinista ou anti-darwinista nos anos de 1870 no era o mesmo que assumir tal postura nos anos de 1890.Outros importantes autores evolucionistas que desenvolveram suas teorias na segunda metade do sculo XIX foram Ernst Haeckel (1834-1919) e Hebert Spencer (1820-1903). Haeckel foi o principal divulgador das ideias darwinistas na Alemanha. Em sua teoria evolucionista, conhecida como recapitulacionismo, este autor postulava que o indivduo, durante seu desenvolvimento biolgico, recapitulava a histria evolutiva do seu grupo. Dessa forma, por meio do estudo embrionrio de reconhecimento dos caracteres incorporados durante o desenvolvimento do embrio era possvel verificar o passado das espcies e as transformaes ocorridas nestas. Esta postura fora adotada no campo da anlise social levando ideia de que do mesmo modo que um indivduo, durante seu desenvolvimento biolgico, recapitulava a histria evolutiva do grupo ao qual pertencia, o processo civilizatrio de um povo recapitulava a histria de povos civilizados.

J Spencer, estendendo as teorias evolucionistas anlise social acreditava que, assim como os seres vivos evoluam dos simples para os complexos, as sociedades tambm o faziam, das mais simples para as mais complexas. Tanto Haeckel como Spencer foram considerados autores neolamarckistas, vertente evolucionista que tencionava restabelecer a teologia no processo evolutivo em resposta causalidade da seleo natural.Dessa forma, vemos que a unanimidade entre os adeptos do darwinismo ao longo do sculo XIX se dava apenas com relao inconstncia das espcies e a descendncia com modificao, porm, o processo que levava a tal transformao e a ideia de mudana gradual no possuam aceitao consensual.

2.2. As doutrinas raciais: monogenismo e poligenismo

O pensamento racial no sculo XIX herdara do sculo anterior algumas das discusses realizados acerca das diferenas entre os homens, elaboradas, sobretudo, a partir do contraste entre o Velho e o Novo Mundo. Naturalistas e filsofos dos setecentos legaram ideias sobre o continente americano que persistiram no imaginrio cientfico dos oitocentos sendo reatualizadas de acordo com os parmetros vigentes.

Tanto a imagem do bom selvagem de Rousseau, em que estes so entendidos enquanto povos ainda no corrompidos pela civilizao, quanto as teorias acerca da inferioridade do continente americano, elaboradas pelo conde de Buffon e o abade Cornelius de Pauw, transmitiram uma pluralidade de concepes sobre as diferenas entre os homens que, posto em um ambiente especfico a Amrica apresentavam duas perspectivas distintas, ambas calcadas na negao: uma imagem positiva de povos sem leis, vcios e propriedades, o bom selvagem; e a imagem negativa de povos sem histria, religio, imersos na ignorncia e idolatria.Ao longo do sculo XIX, estes pressupostos foram novamente evocados, porm a partir de outros referenciais os estudos antropolgicos, arqueolgicos e etnogrficos que embasavam as teorias raciais vigentes. Dessa forma, naturalizavam-se as diferenas entre os povos pelo estabelecimento de hierarquias em que o topo mais alto era conferido ao homem branco europeu, modelo de aperfeioamento humano a ser seguido, enquanto os lugares inferiores eram relegados aos negros, asiticos e povos ditos selvagens. Esta naturalizao serviu como justificativa para a dominao das raas superiores sobre as inferiores, fundamentando os movimentos colonialistas durante todo o oitocentos.

No cerne da discusso sobre as diferenas raciais estava o debate sobre a origem da humanidade, uma problemtica que fazia parte de uma questo maior, norteadora de grande parte do debate cientfico durante o sculo XIX a saber, a origem dos homens e das coisas. Tal questionamento j suscitava discusses desde meados do sculo XVII, perodo em que as Cincias da Terra tornaram-se saberes emergentes, engendrando teorias geolgicas para explicar a histria do planeta, forjando assim a conscincia de uma relao nova entre histria natural e histria humana.

Segundo Lila Schwarcz, a ideia de raa fora colocada pela primeira vez na literatura especializada no incio do sculo XIX pelo naturalista francs Georges Cuvier. Ao contrrio de Lamarck, Cuvier no acreditava na evoluo das espcies, pois estas possuam formas fixas que eram legadas aos seus descendentes. Foi com base nesta fixidez biolgica que ele desenvolvera seus estudos em anatomia comparada. Isso permitiu, por meio da analogia das formas, a classificao das espcies animais tanto vivas quanto as extintas. A anatomia comparada foi uma das bases para os estudos em Antropologia Biolgica desenvolvidos tanto em instituies europeias quanto no Museu Nacional durante o sculo XIX. A partir de ento, no bastava apenas descrever as diferenas entre os povos, era preciso estud-las, classific-las e, sobretudo, hierarquiz-las.Com relao origem do homem, o debate racial se nutria de diferentes verses agrupadas em dois pressupostos tericos: o monogenismo e o poligenismo. No primeiro caso, postulava-se que, a despeito das diferenas entre os homens, todos tinham uma origem nica, descendendo de um mesmo ancestral, porm variando em sua evoluo. Esta variao poderia ter diversas causas, desde justificativas calcadas nas escrituras bblicas, como a disperso dos filhos de No, at justificativas baseadas na diferena entre os climas dos continentes, uns mais propcios para o aperfeioamento dos homens, outros menos. De qualquer forma, todas elas possibilitavam a hierarquizao dos povos entre os mais e menos desenvolvidos. Tal viso foi predominante no sculo XIX, sendo a base para as teorias de autores importantes no campo da antropologia e arqueologia como Quatrefagues de Bru (1810-1892).

A viso poligenista postulava que a diferena entre os homens era resultado de origens distintas destes; negros, brancos, asiticos e aborgenes eram desiguais, pois vinham de diversos centros de criao. Esta ideia era o pensamento predominante na Amrica e fora reforada com o desenvolvimento da Antropologia Biolgica. As anlises antropomtricas conferiam um status de maior cientificidade e preciso na classificao das diferenas. Grande ateno era dada s medidas craniomtricas que levavam os cientistas a medirem o grau intelectual das raas. Autores como Paul Broca (1824-1880), criador da Sociedade Antropolgica de Paris, e Louis Agassiz (1807-1873) e seu discpulo Samuel G. Morton (1799-1851) foram os principais referenciais para este modelo.O debate entre monogenistas e poligenistas no ficara imune ao advento do evolucionismo darwinista na segunda metade do sculo XIX. A partir de ento, a ideia de uma ancestralidade comum passou a predominar, o que no significava a vitria do monogenismo sobre o poligenismo. A eliminao da base criacionista que sustentava ambas as posies trouxe novos argumentos para a hierarquizao das raas. Em substituio ao discurso da diversidade dos centros de criao, os defensores do poligenismo passaram a argumentar que, de fato, a humanidade possua uma ancestralidade comum, contudo, a diferenciao produzida entre os homens ao longo do tempo seria to profunda que era possvel falar em raas distintas. Para os monogenistas, a humanidade no deixava de ser desigual havendo uma hierarquia linear entre as raas.Veremos que no Museu Nacional, ambos os modelos se encontram e so referncias nas as anlises feitas acerca da origem do homem e, em particular, dos indgenas. Assim, os indgenas so retratados ora como selvagens, ora como povos na infncia da civilizao, demonstrando a pluralidade de opinies dentro desta instituio.***

Tanto as teorias raciais quanto os evolucionismos em suas diferentes acepes estiveram presentes nos trabalhos dos membros do Museu Nacional, que se apropriavam desses pressupostos nas suas anlises sobre a natureza e a sociedade. Dessa forma, o Museu buscava se inserir no debate cientfico internacional demonstrando a face moderna e civilizada do Imprio do Brasil que, assim como os demais pases europeus, tambm produziam conhecimento cientfico.

Cabe ressaltar que a adoo de tais teorias no se dava sem uma prvia seleo, ajustando-as aos debates realizados fora do campo cientfico que, como bem demonstrado pelos tericos da cincia, no deixavam de influenciar a produo do conhecimento. Assim, era relevante discutir as doutrinas raciais no Brasil num momento em que o pas vivia o acirramento dos debates sobre o fim da escravido. Tambm era importante pensar nas teorias evolucionistas e sua implicao com relao origem do homem, para buscar uma legitimao, tanto no tempo quanto no espao, ocupao de territrios ainda pouco conhecidos, dentro de um movimento de expanso das fronteiras do Imprio.

A seguir veremos mais de perto como os membros do Museu Nacional adotavam a diversidade de ideias presente no campo cientfico do sculo XIX.3. Os artigos publicados na Archivos do Museu NacionalA Archivos do Museu Nacional estreia seu primeiro nmero com oito artigos perfazendo um total de cerca de 150 pginas. O objetivo de tal publicao era o de divulgar as pesquisas realizadas dentro do Museu, tanto para um pblico nacional quanto estrangeiro, uma vez que ela era utilizada em permutas com instituies cientficas de diversos pases. Dessa forma, esse peridico tambm contribua para formao de uma imagem civilizada do Imprio do Brasil.Com relao aos artigos publicados, a presena de um vocabulrio especializado nos leva supor que o pblico-alvo eram homens instrudos no conhecimento cientfico e no amadores. Por isso, podemos consider-lo um peridico de divulgao e no de vulgarizao do conhecimento. Os temas publicados seguem a organizao das sees do Museu, com matrias sobre Botnica, Zoologia, Antropologia e Arqueologia. Passamos agora a uma anlise destas.3.1. Botnica

Em seus Estudos sobre a evoluo morfolgica dos tecidos nos caules sarmentosos, Ladislau Netto, diretor do Museu entre os anos de 1876 e 1893, procura analisar como se d o desenvolvimento do caule das plantas trepadeiras, ou seja, quais os mecanismos que possibilitam seu crescimento. Tal estudo j fora realizado por Charles Darwin, cujo trabalho o diretor do Museu cita e procura estabelecer um dilogo. Ladislau Netto concorda com a teoria da evoluo das espcies com uma permanente transformao da natureza; contudo, as observaes empricas que fizera levaram-no a contestar as teorias de Darwin em alguns pontos. A discrdia se dava no motivo pelo qual certas plantas apresentavam voltas completas sobre o suporte em que se apoiavam, enquanto outras no. Segundo o naturalista ingls, as plantas que no faziam esse movimento completo eram exemplares que apresentavam uma modificao do tipo original, capaz de tal realizao. J Netto acreditava no contrrio, a circunvoluo total realizada pelas plantas trepadeiras seria uma adaptao destas ao meio a que estavam circundadas.

Discorrendo sobre a formao das florestas, Netto credita ao meio o fator de transformao dos arbustos, que se teriam modificado, desenvolvendo assim os mecanismos propcios para se apoiarem em outras vegetais em busca de luz. Dessa forma, vemos que apesar de utilizar termos comuns teoria darwinista como evoluo e luta pela vida, Netto aproxima-se mais do evolucionismo lamarckista, pois confere ao meio ambiente o motor da transformao das espcies. Esta aproximao maior com as teorias de Lamarck se alicera tambm no fato de Netto no negar a ao de um Criador na constituio dos seres considerao presente em outros trabalhos de sua autoria publicados na Archivos do Museu Nacional.

Apesar de o diretor do Museu colocar seus trabalhos no campo das hipteses, interessante notar que sua aparente adeso ao darwinismo confirma a ideia ressaltada por Regina Gualtieri, ser darwinista naquele momento no implicava a aceitao de todos os pressupostos do naturalista ingls; tambm podemos confirmar a opinio j bastante ressaltada pela historiografia das cincias, quanto adoo das teorias estrangeiras no Brasil no ser apenas uma mimese, havendo uma reapropriao e reelaborao destas de acordo com a realidade nacional. Neste caso, a natureza brasileira servia como campo de provas s ideais estrangeiras.

3.2. Os Estudos Zoolgicos

Trata-se de uma nota publicada pelo Dr. Joaquim Pizarro, mdico e diretor da seo de Zoologia do Museu entre 1871 e 1883. Considerado um transformista radical por estender a ideia de modificao das espcies a todas, inclusive ao homem o Dr. Pizarro em suas conferncias ministradas no Museu Nacional escandalizou, mais de uma vez, o auditrio feminino, frisando as linhas e os pontos de contato que existem entre o homem e o macaco .O artigo publicado em 1876 na Archivos intitula-se Nota descritiva de um pequeno animal extremamente curioso denominado Batrachychthis. Trata-se da descrio de uma espcie de anfbio que, segundo o mdico e zologo, seria uma forma transitria entre um peixe e um rptil. As referncias evolucionistas aparecem logo no incio de seu texto, quando o autor faz meno aos trabalhos de Charles Darwin e sua contribuio s cincia naturais, no se esquecendo de mencionar o apoio do Imperador D. Pedro II ao campo cientfico nacional:

O bom caminho e o progressivo desenvolvimento que comea a ter no Brasil o estudo das cincias naturais, graas paternal solicitude de seu Imperante, pode-se dizer que boa parte devido ao impulso grandioso que ao movimento cientfico deste pas deu o gnio de Darwin com a publicao do seu trabalho sobre a Origem das espcies. Verdadeiro monumento de pacincia e de gnio veio este livro despertar a ateno dos povos do continente sul-americano cujos filhos pareciam dormir o sono da indiferena sobre o mundo de preciosidades que entesouram as suas terras.

Em seguida, o autor afirma dedicar este trabalho aos professores Darwin, Haeckel e Charles Martins, de quem ele se diz admirador. Pizarro descreve ento o animal investigado, tanto em seus aspectos externos como internos, e lana a hiptese de que se trata de uma espcie de salamandra detentora de nadadeiras e patas, adaptada vida lacustre e terrestre. Contudo, de acordo com Regina Gualtieri, o animal investigado por Pizarro era na verdade um girino de r, cujo processo de metamorfose o autor desconhecia. Posteriormente, em 1916, Miranda Ribeiro, ento zologo do Museu Nacional, veio a criticar Netto por permitir a publicao de tal artigo, atraindo o ridculo sobre o Museu.A despeito das concluses do doutor Pizarro, o que este trabalho revela sua adeso ao modelo evolucionista e a busca por constat-lo empiricamente. A perquirio de formas transitrias dos seres vivos fazia parte dos programas de investigaes estimulados pelas ideias evolucionistas, sendo Ernst Haeckel um dos entusiastas de tal linha de pesquisa. Novamente a natureza braslica servia de campo para constatar a validade destas teorias, ainda que o desconhecimento do pesquisador pudesse lev-lo a enganos em suas concluses.

3.3. Os estudos antropolgicos

Uma das caractersticas da Antropologia na segunda metade do sculo XIX foi a sua fascinao pelos nmeros, a f em que as medies rigorosas poderiam garantir uma preciso irrefutvel e seriam capazes de marcar a transio entre a especulao subjetiva e uma verdadeira cincia, to digna quanto a fsica newtoniana. Assim, a partir do refinamento das anlises estatsticas, os cientistas estabeleciam suas teorias sobre o homem confiando na infalibilidade das medidas e clculos aferidos.Este procedimento tambm esteve presente nos estudos realizados no Museu Nacional, onde os mdicos Joo Baptista de Lacerda e Rodrigues Peixoto realizaram diversas anlises classificatrias em uma srie de exemplares de crnios contidos no acervo do Museu. Nestes trabalhos, os autores procuraram investigar, por meio das medidas dos crnios e da arcada dentria, qual seria a origem do homem americano, o estado de civilizao dos ndios botocudos brasileiros e a possibilidade de inseri-los na sociedade.

Procurando demonstrar estarem a par dos conhecimentos produzidos pela Antropologia de seu tempo, os autores inicialmente fazem uma espcie de memorial desta disciplina, citando tanto aqueles que contriburam para este campo de investigao, como aqueles que tm recentemente se dedicado a tais estudos. Destaque dado ao mdico francs Paul Broca, o qual os autores afirmam serem seguidores por considerarem o modelo classificatrio deste o mais completo. Segundo Adriana Keuller, o programa investigativo de Broca era orientado, em grande parte, pelas questes da biologia humana, com problemas que iam desde a antiguidade do homem at sua posio na hierarquia sociolgica, procurando pensar o homem dentro da natureza biolgica, social e cultural.Os crnios analisados por Lacerda e Peixoto so de indgenas da famlia dos Botocudos, considerados pelos autores como feralmente indolentes, pouco amigos do trabalho, de um carter excessivamente desconfiado e vingativos. O texto permeado com observaes sobre as medidas corporais e a comparao dos crnios com outros exemplares, demonstrando a f que tinham neste mtodo investigativo. Os modelos que serviram de comparao com os crnios indgenas que os autores buscam classificar so oriundos de dois locais diferentes: um encontrado em Lagoa Santa, o qual consideram como sendo de um exemplar da raa autctone do Brasil, e outro, que acreditavam pertencer a uma raa indgena que se encontrava em estado de civilizao mais adiantado que os Botocudos, era oriundo do Esprito Santo.

Assim, atravs da comparao dos crnios dos ndios botocudos com exemplares em estados civilizatrios distintos, os autores afirmam estarem os botocudos em um estado de desenvolvimento prximo do que possua a raa autctone, tendo, contudo, sofrido modificaes ao longo do tempo por meio do cruzamento com outras raas. Esta hiptese fora traada com base nas medies realizadas do ndice nasal dos crnios, indicando existncia de exemplares tanto mesorrinos quanto leptorrinos, caractersticas anatmicas distintas que, para Lacerda e Peixoto, indicava a mistura de raas. Contudo, esta modificao no seria para os autores um sinnimo de evoluo, pois,

pela sua pequena capacidade craniana os Botocudos devem ser colocados a par dos Neocaledonios e dos Australianos, isto , entre as raas mais notveis pelo seu grau de inferioridade intelectual. As suas aptides so, com efeito, muito limitadas e difcil faz-los entrar no caminho da civilizao.

Esta inferioridade dos Botocudos tambm fora constatada pelos mdicos ao analisarem a arcada dentria destes mesmos crnios indgenas, constatando nelas um carter de inferioridade tnica. Nesta anlise, os autores fizeram a confrontao da srie craniana dos Botocudos com outros exemplares, desta vez, tribos indgenas do continente americano, por meio da anlise de estampas feitas por Samuel G. Morton, mdico norte-americano de quem Lacerda afirma ser seguidor.Assim, vemos que os estudos antropolgicos no Museu no se diferenciavam dos demais realizados em outros locais, estando eles ligados aos debates sobre a origem da humanidade, da existncia de uma raa autctone americana e as diferenas entre as raas. Sobre esse assunto os autores afirmam que tanto as teorias monogenistas quanto as poligenistas possuem argumentos plausveis, porm, ao postularem a existncia de uma autoctonia dos ndios americanos, ambos deixam claro sua filiao s ideias poligenistas. Alm disso, os estudos antropolgicos feitos no Museu tambm discutiam a possibilidade ou no de integrao dos ndios Botocudos sociedade oitocentista, possibilidade esta descartada por Lacerda Filho e Peixoto.

3.4. Os estudos arqueolgicosDe acordo com o arquelogo canadense Bruce G. Trigger, foi durante o sculo XIX que a Arqueologia se desvencilhou de sua tradio antiquria e passou se dedicar a anlises evolucionistas da histria humana. As investigaes feitas demonstravam a existncia de indstrias mais complexas do que se imaginava para os perodos recuados no tempo, revelando tambm um aperfeioamento gradual da capacidade humana de dominar o meio ambiente.

A partir da dcada de 1860, essas investigaes assumiram na Inglaterra e na Frana os pressupostos das cincias naturais, com a convico de que a evoluo da cultura material assinalava o aperfeioamento moral e social do homem, porm um desenvolvimento que no estava relegado a todos os povos. Neste perodo, a crena nas origens evolutivas da sociedade europeia juntavam-se s teorias raciais para explicar o fracasso das sociedades que no evoluram de acordo com o modelo europeu. Tais explicaes, como j dissemos, faziam parte do repertrio de justificativas para a expanso imperialista das naes ditas civilizadas, tanto na Europa quanto na Amrica.

A referncia para esses estudos era o livro Pre-historic Times, as illustrated by Ancient Remains, and Customs of Modern and Savages, escrito pelo ingls John Lubbock (1834-1913) em 1865. Fora Lubbok um dos responsveis para a introduo do pensamento darwinista na arqueologia, acreditando que os povos tecnologicamente menos avanados eram no apenas cultural, mas tambm emocional e intelectualmente mais primitivos que os civilizados. Contudo, tanto para Lubbock quanto para a maioria dos arquelogos do perodo, a evidncia etnogrfica era o meio mais fcil de perceber como os povos da pr-histria viviam. Nesse sentido, os artefatos eram apenas uma ilustrao do passado que se tentava explicar; assim, o principal valor da arqueologia residia em confirmar que a evoluo acontecera de fato, mas em graus variados, portanto em propores variadas, em diferentes partes do mundo.No Museu Nacional do Rio de Janeiro, os estudos arqueolgicos tambm se ligavam aos etnogrficos, ambos tentando elucidar o passado dos primeiros habitantes da Amrica. As investigaes centravam-se, sobretudo, nos sambaquis, montes compostos por restos de alimentos e artefatos que se acumulavam durante o tempo, deixando um legado de ossos e instrumentos que serviam de base para as interpretaes dos investigadores.

Logo no texto de abertura da revista, Carlos Wiener, naturalista viajante do Museu Nacional, explicita a importncia destes vestgios afirmando que, o humilde sambaqui tem para a cincia universal a mesma importncia que a majestosa pirmide do Egito ou do Mxico [...] o crnio de um cacique to interessante como o de um fara. Como parte das investigaes sobre esses objetos, os pesquisadores descreviam pormenorizadamente as caractersticas das regies em que os sambaquis eram encontrados, integrando a paisagem aos vestgios; tal anlise se fazia importante, pois possibilitava o estabelecimento de comparaes entre os diferentes locais onde os sambaquis se situavam. Alm disso, eram descritos os prprios sambaquis, seu tamanho, forma, quantidade e quais os objetos eram encontrados nestes, estabelecendo assim, uma geometria dos sambaquis, que buscava caracteriz-los e compar-los.

A partir da descrio dos sambaquis, os autores procuravam apreender a origem destes montes, se seriam obra da natureza, da ao humana, ou de ambas em conjunto. Para Domingos Soares Ferreira Penna, tambm naturalista viajante do Museu Nacional, os sambaquis eram produtos apenas da atividade humana. J Wiener acreditava que havia sambaquis produzidos artificialmente, havendo tambm aqueles oriundos de fatores naturais, fruto do movimento das mars.

Enquanto produtos da atividade humana, os sambaquis poderiam revelar aspectos da vida dos povos do passado. Assim, Carlos Wiener afirmava que a presena de grande quantidade de fragmentos de ossos humanos em meios s conchas, indicava que os ndios que ali viviam eram antropfagos, e, por serem mais abundantes os ossos do que qualquer outro vestgio, Wiener conclura que a carne humana era provavelmente mais apreciada do que qualquer outro alimento. Um argumento que reforava o esteretipo da indolncia e animalidade do indgena.

Outra informao retirada dos detritos referia-se possibilidade de os sambaquis terem sido utilizados como cemitrios. Neste ponto, Wiener e Ferreira Penna concordam com tal prtica, porm, as predicam de maneira diversa. Para o primeiro, este costume era mais um sinal da barbrie dos ndios, pois indicava que estes enterravam seus mortos junto aos restos e lixos, fato que atestaria a ausncia de leis sociais, uma vez que, para este autor, a existncia de cemitrios com tmulos ndice do grande passo dado pelo bpede carnvoro (antropfago) para tornar-se homem. J Domingos Soares Ferreira Penna possua uma viso mais otimista com relao aos indgenas. Segundo o autor, fora testemunhado por pessoas de conceito, a presena de esqueletos humanos encerrados em urnas, junto aos sambaquis. Este seria o indcio da prtica de rituais fnebres entre os indgenas, e, ainda que tais rituais se dessem em meio a outros detritos, esta era uma demonstrao de venerao e amizade ao falecido de quem os parentes no se queriam separar. Assim, podemos observar que, se aos olhos de Wiener o enterro dos mortos junto aos restos de alimentos seria um atestado de selvageria e barbrie, Ferreira Penna entende esta como uma prtica cultural, alm de ser uma demonstrao de sentimentos nos indgenas.

Com relao antiguidade desses objetos tanto Ferreira Penna, quanto Wiener, so cautelosos, afirmando no disporem de elementos para uma preciso da idade destes. Ferreira Penna acreditava que tais montes teriam sido formados ainda no perodo pr-colonial, correspondente ao estabelecimento ou consolidao da Monarquia dos Incas no Peru. J Wiener credita aos objetos uma antiguidade mais recente, e faz uma curiosa observao a respeito da datao cronolgica:

Julgamos no ter demasiada ousadia, declarando que muitos desses sambaquis no tem mais de dois ou trs sculos, e que nesta poca o homem aborgene do Brasil se achava na idade da pedra [...], divide-se a idade da pedra em dois perodos: o da pedra lascada e da pedra polida.[...] para a arqueologia americana essa diviso no pode ser aceita, e eis a razo: acha-se nos sambaquis um nmero considervel de pedras rolias e achatadas de um lado pelo atrito de umas contras as outras. [...] No tememos declarar que, nesses modelos, vimos os mais antigos instrumentos de pedra de que os homens se serviram. Julgamos at que na Amrica a poca da pedra polida precedeu por muito tempo a da pedra lascada.O estabelecimento de cronologias, com base na materialidade dos objetos, foi desenvolvido pela arqueologia escandinava no incio do sculo XIX a partir da comparao entre sries de objetos oriundos de uma mesma regio, segundo o material e a forma que apresentavam. Assim tambm fizera Wiener com os artefatos encontrados nos sambaquis de Santa Catarina, levando-o a propor uma inverso da datao cronolgica para o continente americano diferente da ento utilizada. Mais uma vez, a Amrica se mostra como um campo de provas para as teorias europias, possibilitando mesmo a sua contestao.

Consideraes finaisA dcada de 1870 tornou-se um ponto de inflexo na produo e divulgao das cincias no Brasil, momento em que houve no s uma maior valorizao do conhecimento cientfico, como tambm a incorporao dos mtodos das cincias naturais no estudo dos fenmenos humanos e sociais, buscando refletir e intervir naquele momento histrico da sociedade.

A produo cientfica do Museu no fugia a esta regra. Os debates realizados e divulgados na revista Archivos do Museu Nacional demonstram que, alm de inteirados das discusses e mtodos cientficos produzidos fora do pas, os membros do Museu procuravam apropriar-se de tais ideias dando certa cor local a estas. Assim, vimos que para Ladislau Netto as teorias darwinistas sobre a evoluo das plantas trepadeiras no poderiam ser aplicadas flora nacional. E que, mesmo enganado, o Dr. Pizarro pensava ter encontrado uma espcie de anfbio em uma fase transitria entre os peixes e os rpteis, conforme pregava a teoria evolucionista. Quanto aos estudos antropolgicos e arqueolgicos, estes tambm procuravam se desenvolver seguindo os preceitos destas reas do conhecimento, tanto por meio dos estudos craniomtricos, quanto pela anlise geomtrica dos objetos. Discorrendo sobre a origem do homem americano, assunto candente no debate cientfico daquele momento, intentava-se esclarecer de onde vinham os indgenas brasileiros, se eram autctones ou no, e qual seria o estado civilizacional destes, no passado e no presente.

Tais discusses no deixavam de ter uma dimenso poltica. Ao tentar se inserir no debate cientfico internacional pela divulgao do seu peridico, o Museu Nacional contribua para a divulgao de uma imagem do Brasil enquanto pas moderno e civilizado, capaz de fazer parte do concerto das naes cultas do planeta. Assim, fazia todo sentido discutir as questes cientficas internacionais e incorpor-las nas anlises sobre a natureza e a sociedade local, demarcando o espao do Brasil na produo do conhecimento cientfico. Por fim, cabe ressaltar que este olhar cientfico para dentro do pas fazia parte de um movimento de busca por compreender a natureza e sociedade local.Referncias bibliogrficasALONSO, Angela: Ideias em movimento: A gerao de 1870 na crise do Brasil Imprio. So Paulo: Paz e Terra, 2002.

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* Mestrando em Histria pela Universidade Federal de Ouro Preto.

O livro de Simon Schwartzman Formao da comunidade cientfica no Brasil, de 1979, um exemplo de trabalho sob esta perspectiva. A autora, tambm cita a coleo organizada por Fernando Azevedo em 1955, As cincias no Brasil, que traz trabalhos sob esta tica atribuindo o atraso cientfico nacional predominncia de uma cultura bacharelesca e retrica. Cf: DANTES, M. Amlia. A implantao das cincias no Brasil. Um debate historiogrfico. In: ALVES, Jos Jernimo de Alencar (org.). Mltiplas faces da histria das cincias na Amaznia. Belm: Ed. Universidade Federal do Par, 2005, pp. 31-48.

Ibidem.

MATTOS, Ilmar Rohloff de. O Tempo Saquarema. So Paulo: HUCITEC, 1987.

FIGUEIRA, Silvia F. de M. Mundializao da cincia e respostas locais: sobre a institucionalizao das cincias naturais no Brasil (fins do sculo XVIII transio ao sculo XX). Asclpio, vol, 50, n.2, 1998. p. 24.

LOPES, Maria Margaret. O Brasil descobre a pesquisa cientfica: os museus e as cincias naturais no sculo XIX. So Paulo: Hucitec, 1997; FIGUERA, Silvia F. de. A formao das cincias geolgicas no Brasil: uma histria social e institucional. So Paulo: Hucitec, 1997; DOMINGUES, Heloisa Maria Bertol. Cincia, um caso de poltica: as relaes entre as cincias naturais e agricultura no Brasil Imprio. 1995. Tese (Doutorado em Histria Social) - Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras, Universidade de So Paulo, So Paulo.

LOPES, Maria Margaret. O local musealizado em nacional aspectos da cultura das cincias naturais no sculo XIX no Brasil. In: HEIZER, Alda; VIDEIRA, Antonio Augusto Passos. Cincia, civilizao e imprio nos trpicos. Rio de Janeiro: Access, 2001. pp. 77-97.

Em 1870 o ento diretor da sesso de Botnica do Museu Nacional, Ladislau de Souza Melo Netto escreveu suas Investigaes histricas e Scientficas sobre o Museu Imperial. J na primeira dcada do sculo XX a histria do Museu foi novamente escrita pelo ento diretor Joo Baptista de Lacerda. Cf: NETTO, Ladislau de Souza Mello. Investigaes Histricas e Scientficas sobre o Museu Imperial e Nacional do Rio de Janeiro acompanhadas por uma breve notcia de suas colees publicadas por ordem do Ministro da Agricultura. Rio de Janeiro: Instituto Philomtico, 1870.

LACERDA, Joo Baptista de. Fastos do Museu Nacional do Rio de Janeiro: recordaes histricas e scientificas fundadas em documentos authenticos e informaes veridicas. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1905.

Um balano bibliogrfico extenso sobre obras que versam sobre o Museu Nacional pode ser conferido em SILY, Paulo Rogrio Marques. Casa de cincia, casa de educao: Aes educativas do Museu Nacional (1818-1835). 2012. Tese (Doutorado em Educao). Centro de Educao e Humanidades/Faculdade de Educao, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.

Lopes, 1997. Op. cit.

GUALTIERI, Regina Candido Ellero. Evolucionismo no Brasil: cincia e educao nos museus 1870-1915. So Paulo: Editora Livraria da Fsica, 2008. KEULLER, Adriana Tavares do Amaral Martins. Os estudos fsicos de Antropologia do Museu Nacional do Rio de Janeiro: Cientistas, objetos, ideias e instrumentos (1876-1939). 2008. Tese (Doutorado em Cincias). Faculdade de Filosofia Letras e Cincias Humanas, Universidade de So Paulo, So Paulo.

SILY, 2012. Op. cit.

ALONSO, Angela. Ideias em movimento: A gerao de 1870 na crise do Brasil Imprio. So Paulo: Paz e Terra, 2002.

ROMERO, Slvio apud SCHWARCZ, Lila Moritz. O espetculo das raas: cientistas, instituies e questo racial no Brasil 1870-1930. So Paulo: Cia das Letras, 1993.

Fizeram parte dessa gerao uma heterogeneidade de nomes que defendiam diferentes correntes polticas e cientficas, como por exemplo: Joaquim Nabuco, Rui Barbosa, Andr Rebouas, Quintino Bocaiva,Tobias Barreto, Slvio Romero, Jlio de Castilhos, Miguel Lemos, Silva Jardim, Alberto Sales, Miranda Azevedo, entre outros., que segundo ngela Alonso podem ser reunidos em cinco grupos: Liberais Republicanos, Novos Liberais, Positivistas Abolicionistas, Federalistas Positivistas do Rio Grande do Sul e Federalistas Cientficos de So Paulo. ALONSO, 2002. Op. cit. pp.345-346.

Ibidem.

Ibidem.

Lopes, 1997. Op. cit.

LOPES, Maria Margaret. As cincias naturais no sculo XIX: j no to novas vises historiogrficas. In: ARAUJO, Valdei L. [et al.] (org.). A dinmica do historicismo: revisitando a historiografia moderna. Belo Horizonte: Argvmentvm, 2008. pp. 203-204.

FIGUEIRA, 1998, op.cit.

Nesses romances ocorrem diversas aluses tanto aos modelos interpretativos do campo cientfico, como tambm figura dos cientistas enquanto homens do saber capazes de desvendarem os segredos da natureza contribuindo para o entendimento do homem e do mundo. Sobre a obra de Zaluar, ver VERGARA, Moema de R. Contexto e conceitos: Histria da cincia e "vulgarizao cientfica" no Brasil do sculo XIX. Intercincia. Caracas,vol. 33,n.5,mayode 2008. Disponvel em Acesso em: 3 maio 2013.

Para uma anlise do romance O Mulato dentro deste contexto ver: CARULA, Karoline. As Conferncias Populares da Glria e as discusses do darwinismo na imprensa carioca. (1873-1880). Dissertao de Mestrado. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Cincias Humanas, [s.n.], 2007.

Sobre o romance O Chromo ver: SCHWARCZ, 1993.

VENTURA, Roberto. Estilo tropical: histria, cultura e polmicas literrias no Brasil. So Paulo: Companhia das Letras, 1991.

Segundo Lila Schwarcz, os integrantes dessas instituies viam-se na qualidade de uma elite ilustrada capaz de guiar o pas rumo ao progresso. Na Faculdade de Direito de So Paulo, predominava um modelo liberal de anlise da sociedade, mas com polticas restritivas imigrao principalmente de chineses e africanos. Em Recife predominava um modelo determinista e evolucionista de anlise. Nas Faculdades de Medicina do Rio de Janeiro e da Bahia o tema racial ganhava destaque na medida em que para os baianos era o cruzamento das raas que explicaria os males da nao, enquanto para os cariocas o simples convvio entre as diferentes raas era o responsvel pelas doenas e epidemias sendo obstculo perfectibilidade biolgica. Cf. SCHWARCZ, op. cit., 1993,

LOPES, Maria Margaret, Op. cit., 1997.

BARROS, Henrique Lins de. Prefcio. In. DOMINGUES, Heloisa Maria Bertol [et al.] (org.). A Recepo do darwinismo no Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2003.

O principal expoente dessas teorias foi o naturalista francs Georges Cuvier.

De acordo com Ana Ceclia Trippichio, Lamarck entendia espcie como toda coleo de indivduos semelhantes, que a gerao perpetua no mesmo estado, enquanto as circunstncias de sua situao no mudam o bastante para fazer variar seus hbitos, seu carter e sua forma. (Lamarck apud TRIPICCHIO, 2005. p.110.)

TRIPPICHIO, Ana Ceclia. Op. cit., 2005.

Em A origem das espcies, Darwin apresentou a ideia de seleo natural como fora criativa da evoluo; estava ligada a trs princpios: a variao, a hereditariedade e a luta pela vida, ou seja, as variaes so produzidas a cada gerao e essas variaes so herdadas, pelo menos uma parte delas, por seus descendentes; os seres vivos produzem mais descendentes do que aqueles que podem sobreviver; os sobreviventes sero aqueles que apresentarem as variaes que forem teis nas suas relaes com outros seres, com as condies fsicas da vida e que tiverem bom xito em deixar descendentes. (GUALTIERI, Op. cit., 2008. p. 21).

GUALTIERI, op. cit., 2008. p.24. Sobre o termo darwinista Gualtieri afirma que ele foi cunhado em 1864 por Thomas Huxley (1825-1895) e originalmente remetia s ideias de Darwin. Este termo foi reforado por Alfred Russel Wallace (1823-1913) ao publicar um livro intitulado Darwinismo.

Aps a dcada de 1890, ser darwinista era concordar integralmente com as teorias de Charles Darwin. Cf: GUALTIERI, op. cit., 2008.

GUALTIERI,. Op. cit. 2008. p. 13.

Idem, ibidem. p. 210

VENTURA, Roberto. Op. cit., 1991.

ROSSI, Paolo. Os sinais do tempo: Histria da Terra e Histria das Naes de Hooke a Vico. So Paulo: Companhia das Letras, 1992. p.16.

SCHWARCZ, Op. cit., 1993.

Os trabalhos de Cuvier contriburam tambm para um aprofundamento da ideia de tempo. Em seus estudos, Cuvier verificava formas anatmicas muito distintas uma das outras que no possuam modelos transitrios. A explicao para esta diversidade estava na ocorrncia de catstrofes que extinguiam algumas espcies e possibilitavam o surgimento de outras. Para que tal explicao pudesse ser fundamentada, dentro de um paradigma fixista da natureza era preciso que a Terra possusse uma antiguidade maior do que os seis mil anos que a cronologia estabelecida pelos naturalistas informava naquele momento. Como ressalta Felipe Faria, tal concepo ajustava-se perfeitamente ao programa de trabalho que Cuvier desenvolvera, que deu origem Paleontologia moderna, sendo esta, junto com os estudos em anatomia comparada o maior legado deste cientista. FARIA, Felipe. Georges Cuvier: do estudo dos fsseis paleontologia. So Paulo: Ed. 34, 2012.

A ideia dos fatores climticos como mote para as diferenas entre os homens era presente tanto em Buffon quanto em De Pauw. SCHWARCZ, op. cit., 1993. GOULD, Stephen Jay. A falsa medida do Homem. So Paulo: Martins Fontes, 1991.

GOULD, Op. cit.,1991.

Ibidem.

GOULD, Op. cit., 1991. p. 65.

A filosofia das cincias, desde a dcada de 1930, tem alertado para as influncias da rea social na produo do conhecimento cientfico que pretendia ser neutro. Tais influncias configuram-se, na verdade, como parte constituinte das teorias cientficas e no como deturpaes destas. Sobre este aspecto cf: FLECK, Ludwik. Gnese e desenvolvimento de um fato cientfico. Belo Horizonte: Fabrefactum, 2010; KUHN, Thomas. A estrutura das revolues cientficas. So Paulo: Editora Perspectiva, 1990.

Sobre esta diferena entre divulgao e vulgarizao cf: VERGARA, Moema de Resende. A revista brasileira: vulgarizao cientfica e construo da identidade nacional na passagem da Monarquia para a Repblica. 2003.Tese (Doutorado em Histria) Departamento de Histria, Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.

Netto estudara botnica em Paris, tendo frequentado aulas no Jardin des Plantes e na Sorbonne, obtendo o ttulo de Doutor em Cincias Naturais. O artigo publicado na Archivos uma continuao dos trabalhos escritos durante sua estada na Frana, porm agora com uma vantagem proclamada pelo prprio autor, a de ter disposio um maior nmero de vegetais devido riqueza da fauna brasileira. (LOPES, op. cit., 1997; GUALTIERI, op. cit., 2008).

Segundo Netto, trata-se do texto On the movements and habits of climbing plants publicado no Journal of the Linnean Society, Botany, 113, London, 1865. NETTO, Ladislau. Estudos sobre a evoluo morphologica dos tecidos nos caules sarmentosos. Archivos do Museu Nacional, Rio de Janeiro, vol. 1 n. 1, 1876, p.139.

GUALTIERI, op. cit.2008,

Ver Archivos do Museu Nacional vol. 2, 1877; vol. 3, 1878 e vol. 6, 1885.

LACERDA, 1905, op. cit. p. 60.

PIZARRO, J. J. Nota descritiva de um pequeno animal extremamente curioso denominado Batrachychthis. Archivos do Museu Nacional do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, vol. 1, n.1, p.31-37, 1876. p.32

GUALTIERI, op. cit., 2008

Ibidem.

GOULD, 1991. Op. cit. p.65.

Esta busca por critrios mais objetivos para as anlises cientficas pode ser entendida como resposta aos efeitos do processo de modernizao epistemolgica ocorrido na virada dos sculos XVIII para o XIX. Neste, o sujeito do conhecimento passa a ter conscincia de que o contedo de toda observao depende de sua posio particular, assim cada fenmeno pode produzir uma infinidade de percepes, experincias e representaes sendo que no h superioridade epistemolgica entre elas. Surge assim, a crise da representabilidade. A confiana na infalibilidade das medidas e clculos seria uma maneira de driblar esta multiplicidade de representaes possveis. Cf. GUMBRECHT. Hans Ulrich. Cascatas de Modernidade. In: Modernizao dos sentidos. So Paulo: Editora 34, 1998. pp. 9-32.

KEULLER, Op. cit., 2008.

LACERDA FILHO,; PEIXOTO, Rodrigues. Contribuies para o estudo anthropolgico das raas indgenas do Brazil. Archivos do Museu Nacional do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, vol.1. n. 1. pp.47-83, 1876. p. 49.

Este exemplar vindo de Lagoa Santa fora encontrado na dcada de 1830 pelo naturalista Peter W. Lund. Inicialmente adepto das teorias catastrofistas de Cuvier, Peter Lund veio a abandon-las a partir de descobertas arqueolgicas em que revelavam a presena de fsseis de animais extintos com espcies ainda viventes, dentre elas este crnio humano. Tal descoberta levou Lund a postular que este crnio seria o exemplar de uma raa autctone americana. LUNA FILHO, Pedro Ernesto de. Peter Wilhelm Lund: O Auge das suas investigaes cientficas e a razo para o trmino das suas pesquisas. 2007. Tese (Doutorado em Histria), Faculdade de Filosofia Letras e Cincias Humanas, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2007.

LACERDA FILHO, op. cit., 1876, p. 71.

Ibidem, p. 81.

Morton era discpulo de Agassiz e, assim como seu mestre, adepto do poligenismo. Reuniu ao longo de sua vida uma coleo de mais de 500 crnios, que serviam de modelos para a comprovao da existncia de uma hierarquia entre as raas, atravs das caractersticas fsicas, em especial da capacidade e forma dos crnios. Sua obra mais famosa foi publicada em 1839 e chama-se Craniana americana. Nesta, o autor faz um estudo sobre os diversos exemplares de crnios dos indgenas americanos e as caractersticas raciais que eles demarcam. Cf: GOULD, op. cit., 1991..

TRIGGER, Bruce. Histria do Pensamento Arqueolgico. So Paulo: Odysseus, 2004. p. 105.

Ibidem.

TRIGGER, op. cit.. 2004. p. 113.

Idem, ibidem.. p.142

WIENER, Carlos. Estudos sobre os sambaquis do sul do Brasil. Archivos do Museu Nacional do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, vol.1, n. 1. pp.1-21, 1876.

FERREIRA, Lucio Meneses de. Territrio primitivo: a institucionalizao da arqueologia no Brasil (1870-1917). 2007. Tese (Doutorado em Histria). Instituto de Filosofia e Cincias Humanas, Universidade de Campinas, Campinas, 2007.

PENNA, Domingos Soares Ferreira. Breve notcia sobre os Sambaquis do Par. Archivos do Museu Nacional do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, vol.1, n. 1, 1876. pp. 85-101.

WIENER, op. cit.,1876. p.15.

Idem, ibidem. p. 17,

PENNA, op. cit.,1876. p. 96.

Idem.

WIENER, op. cit., 1876, pp.19-20.