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Electra � As termelétricas deMato Grosso do Sul em publica-ção especial é um projeto expe-rimental desenvolvido para ob-tenção do título de bacharel emComunicação Social/Jornalismoda Universidade Federal de MatoGrosso do Sul, realizado pelasacadêmicas Daniela RochaRodrigues, Keila Mesquita da Fon-seca e Vivian de Castro Alves, soborientação do professor DoutorMauro César Silveira e co-orien-tação do professor José MárcioLicerre.

Produção, reportagem, edição ediagramação:

Daniela Rocha Keila Mesquita Vivian de Castro Alves

Foto capa: Vivian de Castro Alves

Colaboradores:Projeto gráfico e capa - GesielRochaDiagramação - Fábio Ferreira

Correspondência: ElectraDepartamento de ComunicaçãoSocial/Jornalismo (DJO/CCHS) �Cidade Universitária, s/n CEP79070 - 900Campo Grande - MSFone: (067) 345-7600

Contato:[email protected]

As matérias aqui veicu-ladas não representam

necessariamente a opiniãoda UFMS e seus dirigentes

Alternativaspromissoras

Como o governo federal criou um programa que salvou asmultinaciuonais de termelétricas e penalizou o cidadão brasileiro

O lado escuro da crise

A queima de gás natural libera mercúrio, a substância mais tóxica parao homem, além de gases que causam câncer e impotência sexual

Perigo invisível

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Pioneira nas controvérsias 12

Entre o lago e as árvores 17

Na expectativa 20

Destino incerto 21

Chuva ácida e aquecimento global são algumas das conseqüências dogrande volume de poluentes lançados pelas termelétricas

Toneladas tóxicas 24

28

Fora da lei 34

Jornalismo engajado 38

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Artigo - Falta de caráter 46

Fontes renováveis garantem o abastecimento de energia com menoríndice de poluição

Sumário

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Desinformação e controvérsias. Foram esses os motivos que levaram àprodução da Electra, uma revista de edição única que aborda a opçãoenergética do governo de Mato Grosso do Sul, baseada na instalação determelétricas a gás natural boliviano.

Pior que a falta de informação, da qual é vítima o sul-mato-grossense,é a informação manipulada pelas autoridades locais a favor de uma polí-tica de concessões, que beneficia grandes grupos econômicos e rendeaumento na arrecadação tributária do estado. Este foi o contexto dos pro-jetos de implantação dessas usinas, sem qualquer discussão com a socie-dade sobre as conseqüências negativas desse modelo. Pelo contrário. Ogoverno apenas promoveu propagandas institucionais, difundindo a idéiade que esses investimentos tornariam o estado exportador de �energialimpa�, além de atrair indústrias para a região.

Antes de chegar ao âmbito estadual, a questão passa pela crise no sis-tema energético brasileiro, que tem se tornado mais evidente a cada dia.Essa situação é uma conseqüência da falta de planejamento no setor, oumelhor, de um plano elaborado às pressas, que quase levou o país a umcolapso energético e penalizou os consumidores, os quais têm arcado comaumentos obscenos nas tarifas de energia.

Diante dessa conjuntura, a construção de usinas termelétricas no esta-do, que exigem um alto investimento, emitem toneladas de poluentes e

geram energia mais cara que a produzida porhidrelétricas, não convenceu como a solução quetraria desenvolvimento para a região.

Apesar da relevância do assunto, o governa-dor José Orcírio Miranda dos Santos não conce-deu entrevista à equipe de Electra. A solicitaçãofoi protocolada três meses antes do fechamentoda revista, na governadoria e, mesmo com insis-tentes tentativas posteriores, a assessoria de im-prensa sequer respondeu aos apelos. Um silêncioverdadeiramente comprometedor.

Editorial

Às custas do povo

Fábi

o Fe

rreira

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O lado escuro

O Programa Prioritário de Termele-tricidade encobriu detalhes fundamentaispara a compreensão dos motivos que leva-ram à sua efetivação. Com a crise do siste-ma elétrico ocorrido em 2001, o governofederal estabeleceu uma política de emer-gência para suprir a demanda de energia.As medidas estabelecidas, dentre elas, o ra-cionamento e multas, caso o consumo má-ximo fosse ultrapassado, não eram simples-mente para evitar que o país entrasse emum colapso do sistema elétrico, ou melhor,o �black out�.

Apesar do discurso do poder público, re-metendo a culpa da crise à população, queteria gastado muita energia, essas medidaspretendiam corrigir a omissão dos empre-

sários que compraram as estatais na épocadas privatizações. Na verdade, os contratosestabeleciam que, para elevar o aproveita-mento do potencial das usinas hidrelétricas,responsáveis por cerca de 90% da geraçãode energia no Brasil, havia a urgência deinvestimentos no setor elétrico, que não fo-ram feitos. �A falta de planejamento do go-verno é demonstrada pelo fato de não saberque a população fosse se adequar à campa-nha e baixar 25% do consumo, valor muitoalém do esperado�, explica o professor deGeociências do Campus de Aquidauana daUFMS (Universidade Federal de Mato Gros-so do Sul), Paulino Eduardo Coelho. �Por issoque, logo depois, houve um tarifaço, um in-cremento da tarifa de energia para compen-

da criseVivian de C

astro Alves

O PPT tem como objetivo atender às necessidades do Brasil, tendo em vista que umatermelétrica a gás natural pode ser construída e colocada em operação rapidamente

Programa do governo federal elaborado para corrigir erros demultinacionais é pago pelo consumidor

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sar as perdas havidas pelas empresas que ad-quiriram as estatais energéticas�.

Com os reservatórios das antigas hidrelé-tricas vazios, situação que poderia ser evita-da se houvesse incremento no setor, somadoao período de grande estiagem no país, algode imediato precisava ser feito. Nessa épo-ca, a Petrobras (Petróleo Brasileiro S/A), umadas maiores estatais brasileiras e uma dasmais importantes empresas no mercado dopetróleo do mundo, pretendia expandir suaárea de abrangência à geração de energiaelétrica. �A Petrobras passou por uma re-estruturação grande, foi criada uma direto-ria de Gás e Energia exatamente pelo o querepresenta ou o que vai representar o gásnatural na matriz energética do Brasil�,afirma o senador Delcídio do Amaral (PT),que ocupou essa diretoria no período entre1999 a 2001.

Fadado ao fracassoO senador lembra que a Petrobras já

tinha um programa modesto de terme-letricidade usando gás natural basicamentepara atender o consumo próprio da empre-sa, que é de 700 MW/h, mais que o consu-mo em horários de pico de Mato Grosso doSul. A estatal já havia construído o GasodutoBolívia-Brasil e, portanto, pretendia expan-dir o mercado de gás no Brasil. Essa conjun-tura, aliada aos problemas com o abasteci-mento de energia que o país enfrentou, crioua condição ideal para a implantação do Pro-grama Prioritário de Termeletricidade (PPT).

�Já existia um interesse em terminar o pro-jeto de gás natural e coincidiu também coma falta de energia no país�, declara o sena-dor. �O programa era para atender às ne-cessidades do Brasil, tendo em vista que umatermelétrica a gás natural pode ser rapida-mente construída e colocada em operação�.Assim, o PPT nasceu com uma previsão dedez termelétricas movidas a gás natural aserem instaladas pela Petrobras e por par-ceiros privados. Mais tarde, esse número au-mentou quase cinco vezes, totalizando 49usinas.

�Quem iria investir na geração de ener-gia elétrica, a partir do gás externo, eramempresas brasileiras consumidoras da ener-gia produzida�, afirma o engenheiro e ex-professor das Universidades de Brasília, deCampinas e Federal da Bahia, José WalterBautista Vidal. De acordo com o professor eex-secretário de Tecnologia Industrial doMinistério da Industria e do Comércio, essasempresas afastaram-se do negócio pelos pre-ços ascendentes do gás em dólares e a vari-ação das taxas de câmbio. �O negócio fra-cassou como tinha sido pensado�, sentenciaBautista Vidal. �O que se fez depois foramesquemas malucos em que envolveram aPetrobras, que teve elevados prejuízos comisso, cerca de 400 milhões de dólares no anopassado, segundo informação dos jornais�.

Nem MS escapouMato Grosso do Sul exerceu um impor-

tante papel na concretização não só do Gaso-

Revista Época

O Gasoduto Bolívia-Brasil foi apresenta-do à população brasileira, em 1998,como um dos maiores avanços econômi-cos e tecnológicos dos últimos tempos.Mas a história mostra que até agora elenão passou de um grande desastre deplanejamento

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O PPT prevê a implantação de 49termelétricas, mas foi paralisado com

menos de 10% do total de projetosconcluídos

Fonte: OperadorNacional de Sistema( O N S )

duto, já que faz fronteira com a Bolívia. Oestado entrou compulsoriamente no Progra-ma, devido à arbitrariedade do governo fe-deral. O PPT estabelece a instalação de trêsusinas em Mato Grosso do Sul: uma em Cam-po Grande, que já foi construída, outra emTrês Lagoas, já em fase de testes, e uma emCorumbá, cuja empresa que iria construirdesistiu do projeto. �As outras duas que nósestamos estudando, junto com parceiros e in-vestidores privados e a Petrobras, são um meiopara ancorar o gasoduto lá para Brasília�,prevê o senador, que foi secretário de infra-estrutura e obras do estado, antes de se lan-

çar candidato ao senado em 2002.Para propiciar a implantação do gasoduto

até o Distrito Federal, seria necessária a ins-talação de uma térmelétrica na região entreos municípios de Coxim e Rio Verde. A outrausina deve ser construída em Dourados, afim de ancorar o ramal que sairá de CampoGrande em direção ao Paraná, para encon-trar o Bolívia-Brasil no litoral deste estado.

Com muita luz no fim do túnelA desestatização promovida pelo gover-

no de Fernando Henrique Cardoso, enfra-queceu o sistema elétrico brasileiro. A Pe-trobras pagou um alto preço por esse pro-

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cesso e para viabilizar o mercado de gás dasempresas estrangeiras que possuíam as re-servas na Bolívia, Argentina e Peru e não ti-nham para quem vender o produto. �Há lon-ga data que as irmãs, grandes corporaçõesde petróleo, como a Shell, a British Pe-troleum, a Exxon, Repsol, Texaco, Chevron,Total e seus agentes internos brasileiros pre-tendem impor esse absurdo ao Brasil�, opi-na Bautista Vidal. �Com o governo entreguistade FHC as condições foram criadas, mas paraisso precisavam destruir o sistema hidrelé-trico brasileiro, dos mais eficientes do mun-do, o que quase conseguiram, não fosse odesastre do �apagão� de 2001�. A assessoriade imprensa da Petrobrás informou que essemomento é muito complicado para dar de-clarações oficiais, já que a empresa está emum processo de transição e não cedeu in-formações sobre o assunto.

O projeto está paralisado, já que os re-servatórios das hidrelétricas estão cheios no-vamente. Por enquanto, as termelétricas quejá foram instaladas estão operando bemabaixo da capacidade máxima e apenaspara complementar a oferta de energia noshorários de maior consumo. Fora isso, a des-valorização do real e a iminência de estou-rar uma guerra dos Estados Unidos (EUA)contra o Iraque, sob o falso pretexto doperigo das armas químicas, inviabiliza o in-vestimento nessas usinas, já que o gás écomprado em dólar e a energia é vendidaem reais. Além desses fatores, o setor de gáse energia nos EUA, país origem de grande

parte das empresas investidoras, está emcrise. O total de endividamento das com-panhias atingiu US$ 477,6 bilhões em 2002,segundo matéria publicada na Folha de SãoPaulo em 18/02/03. As distribuidoras sãoresponsáveis por grande parte dessa dívi-da. Apenas as nove principais distribuido-ras elétricas americanas, como a El Paso, quepretende instalar uma usina em Mato Gros-so do Sul, e a Duke Energy, que desistiu deum empreendimento em Corumbá, acu-mulam um débito de US$ 116,5 bilhões.

A ministra Dilma Rousseff (PT) conside-ra que o projeto de construção de 49 ter-melétricas no país só poderá ser retomadodepois que esse sistema elétrico for intei-ramente remodelado. A posição da titularda pasta de Minas e Energia foi exposta, deforma clara, à jornalista Miriam Leitão, noprograma Espaço Aberto, exibido pelo ca-nal de tv a cabo Globo News, no dia 6 defevereiro de 2003: �O projeto em si não éruim�, releva a ministra. �A forma como sesupôs, a partir da idéia de mais compe-titividade, é que sim. Até que provem o con-trário, mais competitividade significa ener-gia mais barata. E a termelétrica não é amais barata. Mesmo depois que foi resol-vido o problema do pagamento do gás emdólares, num valor razoável acordado en-tre as partes, o projeto não deslanchou. Afi-nal, a suposição de introduzir uma fontetecnologicamente menos eficiente e maiscara (termelétricas) vai contra toda a ló-gica do sistema elétrico nacional�.

Para definir quais unidades gerarão energia, criou-se o Ope-rador Nacional de Sistema (ONS). O órgão tem como base o me-lhor aproveitamento do sistema elétrico, visando o menor custo acurto e médio prazo. Quando há bastante água nos reservatórios,por exemplo, o Operador prioriza a geração nas hidrelétricas,mas quando há seca, para não faltar energia, o sistema opta pelageração das termelétricas.

O operador avalia, também, as possibilidades e restrições darede de transmissão local. Alguns lugares têm tamanha limitação

de transmissão que não suporta trazer o volume de energia necessário para a região. É o caso de Mato Grossodo Sul, que também tem pouca produção de energia.

Para reverter esse quadro, a Empresa Transmissora de Energia Elétrica do Sul do Brasil (Eletrosul), subsi-diária do sistema Eletrobrás (Centrais Elétricas Brasileiras S/A), pretende investir R$ 250 milhões na implan-tação de mais duas linhas de transmissão no estado com capacidade total de 500 MW. Agora resta a aprova-ção da Aneel para o início das obras. Apenas com a expansão da rede de transmissão local, desconsiderandoa geração termelétrica, Mato Grosso do Sul poderá dobrar o consumo atual de energia.

Poder de decisão

Rede de transmissão da Enersul (empresaresponsável pela comercialização de energiano estado), que distribui a energia geradapela usina William Arjona, em Campo Grande

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A implantação de termelétricas no es-tado foi usada como plataforma de campa-nha política de Delcídio do Amaral e do go-vernador do estado José Orcírio Miranda dosSantos, Zeca do PT, que se reelegeu no plei-to de 2002. A promessa é de que uma maioroferta de energia, chamada nas propagan-das institucionais do governo de energia lim-pa, trará industrialização, desenvolvimentoe, conseqüentemente, a geração de novosempregos. Outra razão para esses investi-mentos é o aumento na arrecadação do Im-posto sobre Circulação de Mercadorias eServiços (ICMS), que seria cobrado, também,sobre a geração de energia.

O senador Delcídio do Amaral lembraque Mato Grosso do Sul é um estado impor-tador de energia, sem a qual as indústriasnão podem se instalar, mas acrescenta quesomente isso não trará o progresso espera-do. �Na verdade, existe um conjunto de me-didas que tem que ser tomadas�, admite ele.�É preciso ter geração local de energia e terum gás natural barato pra estimular o pro-cesso industrial. Esse estudo já está pronto etambém existe uma política fiscal montadapara alavancar esses empreendimentos�.

A disparidade entre as moedas america-na e brasileira, porém, pode tornar os in-vestimentos em termelétricas inviáveis, senão houver grandes incentivos governamen-

tais. Isso paralisou o Programa Prioritário deTermeletricidade. �Os interessados resolve-ram dar um tempo porque as regras erampouco claras e, conseqüentemente, esse pes-soal não vai botar dinheiro numa coisa quenão tem retorno financeiro�, ressalta Del-cídio do Amaral.

Assim, o governo federal decidiu sobre-taxar a energia elétrica para viabilizar a ex-pansão do mercado do gás natural no país.A energia elétrica subiu no início deste anomais de 30%. �As tarifas energéticas e deoutros insumos combustíveis vem subindo,não só por questões de câmbio e de merca-do�, revela o professor Paulino Coelho. �Étambém justamente para tentar colocar o gásem um patamar competitivo. Ou põe um sub-sídio, que é uma prática econômica não re-comendada, porque tira dinheiro de áreasprioritárias para colocar em uma outra área,ou então sobretarifa a forma mais barata degeração de energia. É o que está sendo fei-to com a hidroeletricidade para tornar aenergia do gás mais competitiva�. O pro-fessor afirma que, com esse aumento, asempresas que compraram as antigas esta-tais de energia estão lucrando ainda mais,sob a alegação de que a economia foi tãogrande que elas ficaram sem dinheiro paragerar energia e por isso teriam sido obri-gadas a reajustar o preço.

�É preciso ter geração local de energia e um gás naturalbarato para estimular o processo industrial�Delcídio do Amaral, senador

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Senador e governador do estadogarantem mandatos defendendoum projeto de termeletricidadeque já dá sinais de fracasso

Discursoeleitoreiro

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As usinas termelétricas estão muito longede ser a solução para os problemas sócio-eco-nômicos do Brasil. Isso porque foram conse-qüência de um modelo imediatista, calcadona imprudência. �A crítica não é as terme-létricas, mas à qualquer panacéia de que essasolução vai resolver os problemas do estado�,afirma o professor do departamento de Geo-ciências do Campus de Aquidauana da UFMS,Paulino Eduardo Coelho.

A economia do mundo hoje está voltadapara a área de prestação de serviços. Segun-do o professor, o setor industrial está dei-xando de ser vantajoso, pois hoje o mundoprivilegia o terceiro setor. �A maior provadisso é o sudeste, onde apenas concentrou-se riqueza e distribuiu-se miséria�, enfatizaCoelho. �O modelo industrial não tem umadistribuição mais justa, mais corresponden-te aos esforços intelectuais ou físicos das pes-soas envolvidas�.

Essa concentração de renda resulta deuma equação muito simples. Quem tem aidéia de um produto industrial e elabora oprojeto dele fica com dois terços dos recursosgerados, enquanto quem constrói fica com umterço. É justamente nessa fase de manufaturaque se utiliza maior número de mão-de-obra.

É um modelo de concentração de rendaque vai contra os ideais do PT, partido do

governador José Orcírio Miranda dos San-tos e do atual presidente da república LuísInácio Lula da Silva. A ideologia petista sem-pre apregoou a igualdade de direitos. O pro-jeto das termelétricas e das indústrias atre-ladas a elas não só aumentará as diferençassociais, como também não terá o efeito dedesenvolvimento econômico que se tem di-vulgado, já que a maior parte das divisas irápara as empresas estrangeiras.

Planejar é precisoAntes de qualquer iniciativa de se implan-

tar um sistema energético, é necessário fa-zer um estudo para definir quais as alterna-tivas de geração de energia no estado, a vo-cação social e econômica, a demanda atuale futura de eletricidade e qual a perspecti-va sócio-econômica para o futuro. Mas, emMato Grosso do Sul, nenhuma análise dessasteria sido feita, conforme denuncia o pro-fessor Coelho: �Existe, no país, uma carên-cia muito grande de planejamento a longoprazo que seja contextualizado dentro deuma situação de desenvolvimento global.Hoje, não se sabe qual é a disponibilidadede matriz energética em cada município eregião do estado. Não existe um levantamen-to do potencial de Mato Grosso do Sul�.

Além disso, o projeto do governo do esta-do de construir um pólo gás-químico em

�O modelo industrial não tem uma distribuição mais justa, mais corres-pondente aos esforços intelectuais ou físicos das pessoas envolvidas�

Paulino Coelho, professor da UFMS

Vivian de Castro Alves

Além de incoerentecom as vocações naturais

do estado, o modelo dedesenvovimento proposto

pelo governo é ultrapassado

Crítica feroz

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Campo Grande ou Corumbá, atrelado àenergia produzida pelas termelétricas, con-forme Coelho, seria prejudicial à região. Oprofessor chama a atenção para o alto preçodos incentivos fiscais que as indústrias teri-am, necessariamente, de receber: �Isso seráum grande crime se for feito, porque as in-dústrias vão ser de altíssimo consumo deinsumos (como recursos naturais), ele-vadíssima geração de resíduos e efluentes,baixíssima ocupação de mão de obra e comexcessiva carga social na comunidade, por-que tudo terá de ser dado para essas indús-trias entrarem aqui�.

Outra questão importante, além da au-sência de um planejamento bem fundamen-tado, é que o modelo industrial pretendidopelo governo está ultrapassado, sem contarque não é adequado a Mato Grosso do Sul.�O estado não tem um parque industrial, enão precisa ter, no conceito atual de desen-volvimento�, analisa o professor.

Seria outro mito dizer que a industria-lização vai gerar novos postos de traba-lho. A indústria moderna vem passandopor um processo de automação, com con-siderável diminuição da necessidade dotrabalho humano nas fábricas. �O homem,pela tecnologia, domina a energia da na-tureza, permitindo superar de longe o tra-balho muscular�, avalia o ex-secretário deTecnologia Industrial do Ministério daIndustria e do Comércio Bautista Vidal.�Por isso, nas sociedades industrializadas,o operário pode ser dispensado. Na visãoliberal, o operário passa a não ter maisrazão de existir�.

Empregos virtuaisO discurso propalado pelo governo esta-

dual, principalmente durante a campanhaeleitoral de 2002, de que as termelétricasgerarão mão-de-obra e desenvolverão o es-tado é, portanto, incoerente. A realidade dasindústrias atuais está bem longe de precisarde muita mão-de-obra para entrar em ope-ração. A produção industrial está cada vezmais dependente dos recursos da in-formática. �A geração de postos de trabalhoé outra ilusão�, critica o professor Coelho.�A indústria moderna não gera emprego. Étudo automatizado�.

A usina William Arjona, em CampoGrande, por exemplo, gerou cerca de 150postos de trabalho na etapa de construção ena fase de operação esse número foi redu-zido para 11. Além disso, 90% desses tra-

balhadores vieram da região sul, principal-mente de Santa Catarina, onde fica a sededa Tractebel Energia, proprietária da usi-na. �Se aplicarmos a regra básica de quecada emprego gera 3 indiretos, vamos ge-rar 36 empregos, o que vai injetar um gran-de nada na sociedade sul-mato-grossense�,indigna-se Coelho.

A termelétrica William Arjonaemprega apenas onze pessoas,a maioria provenientede Santa Catarina

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O investimento em geração de energiatermelétrica é um empreendimento recen-te no país e que ganhou especial destaquenos últimos quatro anos. Enquanto em paísescomo Estados Unidos, maior consumidor depetróleo do mundo, e Canadá, há uma ten-dência de reduzir o consumo de gás natu-ral, principal combustível das termelétricas,o Brasil adotou uma política de incentivo aouso do produto, apesar de possuirmos 20%da água potável do mundo.

Mato Grosso do Sul abraçou a causa epretende remodelar a matriz energética es-tadual, em função da oferta do combustívelboliviano, incentivando a produção de ener-gia termelétrica à base de gás natural, ain-

da que a política do atualgoverno federal sinalize quehidroeletricidade será o fo-co das atenções da adminis-tração. O senador Delcídiodo Amaral reconhece quenossos recursos hídricos têm

muito potencial para gerar energia, mas a-credita ser o projeto termelétrico fundamen-tal para o sistema energético atual: �O gás éo combustível do futuro�, prevê o senador.

�Para viabilizar o gás no estado e atingir ovolume contratado com a Bolívia e produzi-do na Bacia de Campos, a prioridade é ter-meletricidade mesmo. Não há dúvida�.

O estado compra, atualmente, mais de oitomilhões de metros cúbicos por dia de gásnatural boliviano. Essa quantidade é sufici-ente para abastecer mais de seis usinas decinco turbinas funcionando 24 horas por dia,a uma potência de 200 MW/h, e ainda so-braria combustível para postos de abasteci-mento e pequenas indústrias. No entanto, oconsumo atual é de, aproximadamente, 500mil m3/dia, ou melhor, menos de 10% doque é comprado da Petrobras. A MSGÁS,empresa que distribui o gás no estado, naqual a Petrobras tem participação acionáriade 49% e o governo estadual 51%, quer atin-gir o maior número possível de clientes devários segmentos para reverter este quadro.

O gerente de engenharia da empresa,Fernando Augusto dos Reis Lima não escla-rece o que é feito com o gás que é pago enão é consumido: �Existe um volume con-tratado com a Petrobras de oito milhões e100 mil metros cúbicos por dia. Mas, do quevai ser vendido, o que será feito é outra his-tória. Isso é a dinâmica do mercado. Nós es-tamos tentando atrair as empresas. Agora,tem essas crises de guerra, apagão, que dei-xa a situação indefinida�. Até o momento,apenas uma indústria estadual consome o gásnatural, a Mabel Indústria de Alimentos, emTrês Lagoas. A distribuidora de gás preten-de expandir e diversificar o mercado docombustível. Há um contrato fechado em fe-vereiro deste ano para abastecer a UFMS e oHospital Universitário e há uma previsão pa-ra que até 2004 as residências e os estabele-cimentos comerciais possam ser abastecidoscom gás natural encanado.

Entramos pelo canoContrato absurdode compra de gás naturalboliviano obriga o estado apagar dezesseis vezes amais o valor da quantidadeconsumida

�Para viabilizar o gás no estadoe atingir o volume contratadocom a Bolívia, a prioridade étermeletricidade mesmo�

Delcídio do Amaral, senador

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Pioneira nas controvérsiasA instalação datermelétrica William Arjonafoi o pontapé inicial paraas discussões sobre osproblemas causados pelasusinas no estado

Pioneira nas controvérsias

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Um outro agravante seria a tecnologiaempregada no empreendimento. �Essa tur-bina da termelétrica William Arjona era su-cata em El Salvador�, denuncia a pesquisa-dora. �Como sucata, a tecnologia de queimaé péssima e ultrapassada. Assim sendo, ela éextremamente poluidora�. A professora par-ticipou do grupo de técnicos que prestaramconsultoria à Promotoria de Justiça do MeioAmbiente da comarca de Campo Grande, quemovia o processo. Para exemplificar o querepresentam 20 mil toneladas, um caminhãogrande é capaz de carregar 70 toneladas.

Entretanto, o gerente da William Arjona,José Luiz Jansson Laydner, assegura que to-das as turbinas possuem mais de 20 anos devida útil. Das cinco turbinas, cada uma compotência de 40 MW, as duas primeiras fo-ram compradas novas, e as outras três fo-ram adquiridas já com uso de empresas deoutros países, como Chile e El Salvador. Amais antiga foi comprada em 1989, mas, seforem somadas as poucas horas de opera-ção dessas turbinas, elas ainda têm boas pos-sibilidades de uso, segundo Laydner: �Secompararmos com os 25 anos de vida útilque esse modelo tem, como as usadas têmno máximo três ou quatro anos de vida gas-ta, pode-se dizer que todas elas são unida-des novas�.

A professora Hess, no entanto, alerta quea tecnologia atrasada implica em maispoluentes perigosos lançados na atmosfera,

como o óxido nítrico(NO). Esse gás preo-cupa por causa dosefeitos sobre o orga-nismo humano, po-dendo causar cân-

cer e impotência sexual. Cada unidade emitequatro toneladas por dia de óxidos de nitro-gênio (NOx), que são o óxido nítrico mais odióxido de nitrogênio (NO

2), também

poluente. Conforme a química, se o equipa-mento de queima fosse melhor, a emissãode óxidos de nitrogênio poderia ser reduzi-da em até 80%, mas a empresa não quer in-vestir em equipamentos mais avançados.

Para Laydner, não há o que questionar.As turbinas atendem aos níveis exigidos pelalegislação brasileira, pelos órgãos de meioambiente e pelas normas de saúde no traba-lho, até com uma certa �folga�. Além disso, oConama (Conselho Nacional de Meio Ambi-ente) não prevê índices de qualidade do arpara óxido nítrico. �Podem existir usinas que

têm mais, e que têm menos, mas essa aquiestá dentro da solução�.

De acordo com o gerente da usina, a tec-nologia empregada estaria relacionada à fi-nalidade do empreendimento. A WilliamArjona foi concebida para fazer �corte deponta�, isto é, trabalhar em conjunto com asfontes energéticas existentes, principalmenteno horário de maior consumo, entre as 18:00e as 21:00 horas. É uma espécie de garan-tia para o fornecimento nos horários em queaumenta a demanda e nos períodos de seca.Em 2001, época do racionamento ener-gético, todas as unidades estavam funcio-nando. Laydner esclarece que para essa fi-nalidade, a solução tecnológica maisindicada é instalar pequenas unidades compotência menor, trabalhando em cicloaberto. O modelo de turbina a gás insta-lado na William Arjona é o mais vendidono mundo, com 920 unidades comer-cializadas. �O carro mais avançado domundo é a Ferrari do Schumacher, maseu não vou comprar um carro desses parair ao supermercado�, compara Laydner.

Atualmente, como os reservatórios de águadas hidrelétricas estão cheios, diminuindo ademanda por energia das térmicas, a WilliamArjona está com apenas duas turbinas operan-do: uma em modo contínuo e outra apenas 17horas por dia, entre as 7:00 e as 24:00 horas.

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�As turbinas atendem aos níveis exigidospela legislação brasileira e pelos órgãos demeio ambiente, até com uma certa folga�

José Laydner, gerente da William Arjona

�Essa turbina da termelétrica WilliamArjona era sucata em El Salvador�

Sônia Corina Hess, professora

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Pressões PolíticasA professora Sônia Hess

revela que apesar de todosas questões levantadas pelacomunidade científica so-bre a poluição ambiental eos possíveis problemas desaúde pública, a legislaçãobrasileira é ineficaz contraesse tipo de agente po-luidor. �É uma discussãoárdua e até agora não tive-mos sucesso em forçar aempresa a fazer algumacoisa�, lamenta. �A doutora Marigô se es-forçou muito, mas ela sofreu muitas pres-sões políticas�, refere-se à promotora de Jus-tiça do Meio Ambiente, Marigô Regina BittarBezerra. No dia 11 de dezembro de 1998,Bezerra instaurou inquérito contra a Enersul(Empresa Energética de Mato Grosso do SulS/A), que estava construindo a usina na épo-ca. Mais tarde, a Enersul vendeu o empre-

endimento ainda em fase de instalação paraa empresa Tractebel Energia.

A promotora revela que teve de arquivaresse inquérito, uma vez que nenhum técni-co se prontificou a alertá-la sobre os riscoscausados pela usina. �Somente agora, em2002, após a usina estar implantada e comvárias turbinas funcionando, vieram técnicosda Universidade Federal para me alertar�,

As usinas termelétricas produzem eletricidade a partir da queimade combustíveis. Elas podem utilizar combustíveis fósseis, como o car-vão mineral, petróleo e derivados, e também o gás natural, que entreesses é o menos poluente. A usina movida a gás natural pode operar nociclo simples, quando os gases resultantes da queima são expelidosdiretamente na atmosfera em altas temperaturas, ou no ciclo combi-nado, pelo qual a turbina a gás é acoplada a uma turbina a vapor. Ocalor necessário para a caldeira da unidade a vapor é fornecido pelosgases quentes da exaustão das turbinas a gás.

Turbinas em ciclo

A instalação da termelétrica William Arjona, aprimeira a utilizar gás natural boliviano no país, jáestava prevista em contrato há cerca de seis anos.Em setembro de 1998, o governo federal privatizoua Gerasul, uma estatal de geração de energia elé-trica que atendia a Região Sul e Mato Grosso do Sul.A Gerasul havia sido originada da cisão da estatalEletrosul, que foi dividida em uma empresa gera-dora e outra transmissora de energia. A empresaTractebel S/A ganhou o leilão da Gerasul, que pas-sou a se chamar Tractebel Energia.

O edital do leilão previa que quem adquirissea estatal teria de construir uma usina termelétricacom potência de 120 MW em Mato Grosso do Sul.A determinação para a instalação veio do PlanoDecenal de Expansão do Setor Elétrico Brasileiro,da Eletrobrás, que indicou a geração local como aalternativa de menor custo para o sistema elétrico,

a fim de evitar os cortes de energia na região emelhorar a qualidade do fornecimento.

A usina, que consumiu um investimento de R$100 milhões, está localizada a 20 quilômetros deCampo Grande, na saída para o município deSidrolândia, região Sul da cidade. O nome WilliamArjona foi uma homenagem ao funcionário daGerasul, falecido no trágico acidente com o Fokkerda companhia aérea TAM, em São Paulo, em 1997.

A Tractebel S/A é o braço de energia do GrupoSuez, que atua em 130 países e tem em torno de90 mil empregados. O interesse da multinacionalpelo Brasil se deu com a abertura do setor elétricona década passada. A empresa já ganhou prêmiosda área ambiental, como o Troféu Fritz Muller, noano passado, por um trabalho de recuperação deáreas degradadas relacionadas ao ComplexoTermelétrico Jorge Lacerda.

Arjona: construção compulsória

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Uma a menosA Enersul (Empresa Energética de

Mato Grosso do Sul S/A), responsávelpela distribuição de energia no estado,também entrou na onda do gás naturalpara gerar energia elétrica. A empresatinha interesse em gerar 240 MW pordia. O investimento, que custaria US$140 milhões, foi excluído, em novembrode 2002, do planejamento da Enersul.

Conforme ofício encaminhado à Pro-motoria de Justiça de Meio Ambiente dacomarca de Campo Grande, a diretoriade distribuição da empresa alegou�inviabilidade comercial da energia ge-rada por termelétricas a curto e médioprazos, devido a volatibilidade cambial,além da redução do consumo de eletri-cidade ocorrida depois do racionamen-to em 2001, provocando sobra de ener-gia, com a conseqüente elevação da ofer-ta a preços reduzidos�. A desistência daEnersul configura o insucesso do modelode sistema energético do estado, basea-do na geração de energia provenientedas termelétricas a gás natural.

Tubos que transportam o gás natural até as turbinas da termelétrica William Arjona

justifica-se. �O que eu podia fazer? Implodira termelétrica não poderia, então eu pro-curei minimizar os impactos causados pelausina�.

Conforme a professora Hess, a comuni-dade científica do estado não se manifestouantes porque não sabia das conseqüências daoperação de uma usina a gás, já que isso éalgo novo até no país. Embora não seja pes-quisadora dessa área, ela se envolveu nas in-vestigações sobre os efeitos da termelétrica,porque não havia alguém nas discussões comconhecimento em química. Em dezembro de2001, Hess foi a uma audiência pública paraa qual foram chamados os representantes dausina, então já de propriedade da TractebelEnergia. �Durante essa audiência, eu per-cebi que havia muitas falhas na postura daempresa, no nível de poluição que ela esta-va causando e no monitoramento da polui-ção, que era muito frágil e insuficiente�.

A investigação dos �danos causados aomeio ambiente e ao consumidor em funçãodo processo de transformação do gás emenergia elétrica� , como é citado no proces-so, foi o objetivo do segundo inquérito civilinstaurado no dia 8 de janeiro de 2002, des-ta vez com a ajuda de técnicos. O próprioMinistério Público foi o denunciante.

Embora a equipe da Electra tenha inicia-do uma entrevista marcada com antecedên-cia, e estivesse com todos os gravadores liga-dos, a promotora Marigô Bezerra, já usando omicrofone de lapela, recusou-se a falar mais

que isso sobre o processo. Ela limitou-se a in-formar que um cliente a esperava, e que nãoteria tempo, pelos próximos dois meses, paramarcar um novo encontro, apesar de ter sidocomunicada de que muitas questões aindaprecisavam de esclarecimento.

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O resultado do inquérito civil sobre atermelétrica William Arjona foi o Termo deAjustamento de Conduta (TAC), no qual aTractebel Energia se propõe a tomar uma sé-rie de medidas para controlar e amenizar osimpactos ambientais. No entanto, conforme aprofessora Hess, nenhuma medida do TAC vairealmente evitar a poluição que a usina estácausando. �Eles se propuseram a monitorarmelhor, a financiar alguns projetos comocompensação ambiental, mas em termos decontrole da poluição não estão fazendo abso-lutamente nada�, acusa, lembrando que nãopodem ser punidos, porque não existe legis-lação nesse sentido.

Dentre as medidas do TAC, estão pre-vistos os monitoramentos do clima, de pos-síveis descartes de resíduos, da qualidadedo ar e da água e também das emissões desubstâncias poluentes. A empresa tambémdeve participar da implementação de doisprojetos: o projeto Rede de Sementes doPantanal, da UFMS, e o de Planejamento eDesenvolvimento Sustentável e Ambientaldo Bairro Nova Lima, em Campo Grande.Esses dois projetos são medidas de compen-sações ambientais durante a fase de im-plantação. Já para a fase de operação, prin-cipalmente em relação aos danos causados

Termo para inglês ver

Termelétrica virtualA quinta termelétrica a gás natural pre-

vista para ser instalada no estado é de res-ponsabilidade da El Paso Energy Internationaldo Brasil, empresa norte-americana com sedeno Rio de Janeiro. A usina seria localizada nabacia do córrego Gameleira, zona rural deCampo Grande. Com um custo estimado emR$ 400 milhões, ela operaria com uma po-tência de 277 MW e ciclo combinado, con-sumindo 1.200.000 m3 de gás natural por dia.

A El Paso tem a Licença Prévia desde no-vembro de 2002. O prazo para pedido daLicença de Instalação já expirou e a em-presa, que já enfrenta um inquérito civilinstaurado desde o início do ano passadodevido a impactos ambientais, principal-mente nos lençóis freáticos, até agora nãoconstruiu a usina.

Tudo ficou mais difícil depois que o vice-presidente Comercial e de Desenvolvimen-to de Negócios da El Paso, Eduardo Karrer,divulgou que a empresa venderá sua parti-cipação no Gasoduto Bolívia-Brasil � amultinacional tem 9,6% de participação naTransportadora Brasileira do Gasoduto Bolí-via-Brasil (TBG), companhia que opera oduto. A informação foi divulgada pela Agên-cia Estado, em 21/02/03. Conforme a ma-téria, Karrer nega que a desistência noGasbol esteja ligada à paralisia do mercadobrasileiro de gás. O vice-presidente da ElPaso, a qual passa por dificuldades nos Esta-dos Unidos, ressalta que a multinacional querconcentrar seus esforços na exploração eprodução de gás natural no Brasil, um seg-mento com maior potencial.

O Termo de Ajustamento de Conduta prevê monitoramentomais eficiente da qualidade do ar e da água , mas nãoestabelece ações efetivas para o controle da poluição

Tractebel Energia

à saúde pública, não há compensaçãoestabelecida.

O termo ainda estabelece que a empresafaça um reflorestamento de apenas 100metros no entorno da usina. Mas essa medi-da serve apenas para as questões visuais ede acústica do ambiente, e não tem nenhu-ma relação com o seqüestro do gás carbônico(CO

2), emitido em grandes quantidades.

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Um labirinto verde. Assim pode ser des-crito o caminho percorrido para se chegar àUsina Termelétrica de Três Lagoas. É preci-so atravessar uma estrada de chão, costura-da por uma cortina de milhares de pés deeucaliptos, herança da compensaçãoambiental feita devido à construção da re-presa da hidrelétrica Souza Dias, antigaJupiá, na divisa com São Paulo. O caminhotem tantas voltas quanto a própria históriada termelétrica.

O gerente de projeto da usina, o enge-nheiro eletricista Joel Trindade Mariz Júnior,informa que a construção deveria começarem maio de 2001, mas a obra teve iníciosomente em fevereiro do ano passado, emrazão da demora na liberação da licença deinstalação, expedida pelo Ibama.

A Petrobras é a única proprietária doempreendimento, que está em fase de testesdas turbinas. Essa etapa deveria ter começa-do em meados de setembro, porém sofreuatraso devido à falta de odorização do gásnatural. Como o gás é inodoro, é necessáriomisturá-lo a uma substância com cheiro fortepara tornar possível a detecção de eventuaisvazamentos. Os testes tiveram início no diadez de outubro de 2002 e perduram até hoje.

�Essa fase é um grande ponto de interroga-ção, você pode ou não detectar pequenosproblemas�, adverte o engenheiro. �Se hou-ver algum problema, dependendo da com-plexidade, o teste pode se prolongar porsemanas ou meses�.

Essa interrogação teve a resposta em fe-vereiro deste ano, quando foi detectadauma falha em uma turbina, causando preo-cupação aos três-lagoenses. No entanto,Mariz garante que não há risco algum paraa população. Segundo o gerente, houve umproblema no sistema de resfriamento do óleolubrificante, que estava com a temperaturaum pouco acima do normal, mas a revisãodo sistema já foi solicitada ao fabricante, aempresa General Eletric Energia e Produto,subsidiária européia da norte-americanaGeneral Eletric Company (GE). As turbinas,cujo modelo foi lançado no mercado em1995, são novas e de última tecnologia.

Combinação dos ciclosPelo cronograma inicial, a primeira tur-

bina deveria começar a funcionar em de-zembro de 2001. Com o atraso das obras, aexpectativa é de que a usina inicie a opera-ção no ciclo simples (ver box na página 14)em junho deste ano. Para gerar energia nesse

Entre o lago e as árvoresA Usina Termelétrica de Três Lagoas, cercada pelasmarcas da exploração econômica, sofreu sucessivos

atrasos no projeto e ainda não conseguiu operar

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sistema, a térmica tem quatro turbinas jáinstaladas, com potência de 60 MW cada,que produzem energia através da queimade gás natural, proveniente do GasodutoBolívia-Brasil.

�O ciclo simples, que a gente chama deFase 1, foi uma forma que a Petrobras encon-trou para disponibilizar uma maior quantida-de de energia, de forma mais rápida, em fun-ção da carência energética que o país apre-sentava em 2000�, explica o engenheiro. �Ha-via uma pressão do governo para que aPetrobras acelerasse o processo. O modo defazer isso foi instalar o ciclo simples primeiroe, depois, o ciclo combinado�. Os equipamen-tos do ciclo combinado, que consistem em duasturbinas a vapor, cada uma com potência de80 MW, dentre outras máquinas, levam maistempo para serem instalados. Apesar do au-mento na capacidade de geração de energia,a implantação da segunda fase não implicaráem maior consumo de gás natural.

A crise no setor elétrico parece ter afeta-do os investimentos da Petrobras. O Correiodo Estado, na edição de 24 de dezembro de

2002, divulgou que a estatal pode deixar deinvestir US$ 100 milhões na usina, destina-dos à implantação dos equipamentos quecompletariam o ciclo combinado. Essa se-gunda etapa acrescentaria 110 MW à po-tência de 240 MW já instalada na etapa deciclo simples, totalizando 350 MW. Se formantido o projeto inicial com as duas eta-pas, o valor total do investimento será de US$250 milhões. Apesar das notícias, Mariz afir-ma que a Petrobras não passou nenhumaorientação sobre o corte.

Cuidados com o ambienteUm dos pontos que suscitou maiores dis-

cussões com o Ibama, foi a utilização de águado lago da usina hidrelétrica Souza Dias, aantiga Jupiá, que fica a 600 metros da tér-mica. A água será utilizada na segunda fasede operação, quando forem implantadas asusinas a vapor, devendo ser devolvida ao lagoem altas temperaturas. O Ibama questionouos impactos que esse descarte poderia cau-sar. �Qualquer empreendimento que vaiconsumir algum recurso sempre gera polê-mica�, justifica Mariz.

A usina já teve de enfrentar até uma greve. Conforme a edição do jornal Correiodo Estado, do dia seis de novembro de 2002, funcionários de uma empresa terceirizada,a empreiteira Enesa, que trabalhavam na obra, fizeram uma paralisação em novem-bro para cobrar da empreiteira o pagamento de adicional porpericulosidade, já queos riscos no local teriam aumentado com o início dos testes. O gerente, entretanto, dizdesconhecer a realização de uma greve, afirmando que houve apenas um desconten-tamento dos funcionários com a empresa subcontratada da Petrobras.

Adicional por periculosidade

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A instalação de um ramal para o gás bolivia-no de Campo Grande a Dourados, planejadapela Petrobras, é uma proposta do governadordo estado José Orcírio Miranda dos Santos (PT)que não foi cumprida no mandato anterior, masque ele pretende concretizar até 2006.

O ramal fornecerá gás à usina que será ins-talada no município, conforme os planos do go-verno estadual. Já existem estudos em curso, ealgumas áreas estão sendo selecionadas paranão atrapalhar a população. Mas há questõesque preocupam, como a localização, o acessoà usina, a infra-estrutura, principalmente com

relação às redes de alta tensão, o sistema de irri-gação da energia e a disponibilidade de águapara o ciclo combinado, que exige maior quan-tidade - cerca de 600 mil litros por dia.

Pesquisadores da Universidade Estadual deMato Grosso do Sul (UEMS), em Dourados, acre-ditam que o excedente de energia será inte-ressante para a região, mas alertam para a ne-cessidade de uma garantia de que realmenteexistirão medidas compensatórias que atendamas comunidades indígenas da área, porque fa-talmente o ramal do gás terá de passar por al-gumas delas.

Dourados na rota do gasoduto

A usina conta com mecanismos de dimi-nuição do impacto ambiental. Uma das prin-cipais tecnologias de controle da poluiçãoé o uso do sistema Dry-Low-NOx, que re-duz as emissões dos óxidos de nitrogênio(NOx). Além desse sistema, a Petrobras in-vestiu em vários programas de ge-renciamento, para controlar as emissões eo descarte de poluentes, e de moni-toramento, com o objetivo de avaliar os im-pactos da usina na fauna e no meio aquá-tico, entre outras medidas.

Um dos principais projetos é o Programade Educação Ambiental, que, de acordo comMariz, visa conscientizar os funcionários dausina e a comunidade da região da necessi-dade de se preservar o meio ambiente. O pro-grama ofereceu um curso a 40 professoresda rede pública municipal de ensino, e dis-tribuiu materiais educativos, como folders,vídeos, jogos e revistas em quadrinhos, desti-nadas principalmente às escolas públicas.

Há também o Prade � Programa de Re-cuperação de Áreas Degradadas, criado pararecuperar a vegetação que sofreu impactocom a instalação da usina. Também está sen-do restaurada a vegetação degradada pelaconstrução da hidrelétrica Souza Dias. Asáreas serão reflorestadas com espécies nati-vas da região, o que é importante para a re-cuperação do ecossistema.

�Havia uma pressão do governo paraque a Petrobras acelerasse o processo.O modo de fazer isso foi instalar o ciclosimples primeiro e, depois, o ciclocombinado�Joel Mariz, gerente da usina, referindo-se aofato de que a térmica funcionará, a princípio,sem as turbinas a vapor

Vivian de Castro Alves

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Corumbá deveria abrigar a primeira ter-melétrica à base do gás natural da Bolívia.Porém, apesar de ser a unidade mais competi-tiva do Brasil, devido à proximidade com oramal boliviano, a TermoCorumbá não saiudo papel. Há mais de quatro anos, os sócios (aPetrobras e a empresa norte-americana Du-ke Energy) ensaiam instalá-la. A termelétricachegou a obter a Licença de Instalação, mas oprojeto parou na demarcação do terreno.

A construção da usina não foi efetivadaporque a Duke Energy, sócia majoritária, de-sistiu deste e de outros empreendimentos noBrasil. A desistência foi marcada por boatos.Um deles dizia que ela não se responsabili-zaria pela remoção de mais de 2.000 mora-dores do bairro Nova Aliança, a menos de 400metros do local onde seria instalada a usina.Funcionários da Petrobras informaram que atermelétrica não atingiria a população local.Porém, o Ibama exigia a remoção das famíli-as para garantir segurança. A Duke alegavaser essa responsabilidade do governo estadu-al. Assim, o licenciamento ficava cada vezmais lento. Como conseqüência, o processosofreu a pressão de corumbaenses que, espe-rando por uma vaga de trabalho, realizaramuma manifestação em frente à prefeitura co-brando a liberação da Licença de Instalação.

DesconhecimentoAssim como em outros lugares, a popula-

ção de Corumbá pouco sabe sobre terme-létricas. O senhor Jorge, morador há dois anosdo Bairro Nova Aliança, lamenta o descasodos interessados e o pouco acesso às informa-ções, o que aumenta a angústia da espera. Oterreno foi recebido como pagamento de

impostos e teria de ser direcionado à indús-tria. Mas, depois do assentamento dos sem-te-tos, houve a promessa de que o local seria umlote social. Segundo os moradores, o processoparou porque houve uma briga entre o gover-no e a prefeitura. O acordo definia que meta-de do terreno seria pólo industrial e metademoradia, mas nunca foi colocado em prática.

O senador Delcídio do Amaral (PT) apon-ta outro motivo: �A Duke está com muitos pro-blemas nos Estados Unidos por causa do fe-chamento da Enron. Como foi aberta uma in-vestigação de todas as companhias de ener-gia, várias empresas resolveram parar os pro-jetos�. A empresa seria parceira no projetode outra usina, em Puerto Suarez, Bolívia, quetambém não se concretizou.

Bem-me-quer, mal-me-querA TermoCorumbá, uma das três usinas pre-

vistas pelo PPT para o estado, segundo o se-nador, é fundamental para o desenvolvimentoda região porque o sistema de transmissão emCorumbá já está esgotado, inviabilizando opólo mínero-siderúrgico previsto para o es-tado. A usina, além de maximizar o sistema,atrairia outras indústrias. Ela seria uma dasmais competitivas porque não precisaria pa-gar a tarifa de transporte cobrada noGasoduto Bolívia-Brasil, já que receberia gásde um ramal que sairia da Bolívia direto paraCorumbá.

A Petrobras ainda não encontrou outraparceira para o projeto. Conforme Amaral,existem propostas de empresas americanas eeuropéias que querem assumir a participa-ção da Duke, mas até agora nenhum acordofoi fechado.

Senhor Jorge:�Gostaria de termais informaçãosobre essatermelétrica�

Na expectativaNa expectativa

Ansiosos por um emprego,corumbaenses esperam odesfecho da �novela� daTermoCorumbá

Ansiosos por um emprego,corumbaenses esperam odesfecho da �novela� daTermoCorumbá

Vivian de Castro Alves

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Sete meses depois de inaugurado, oCentro de Análise e Monitoramento Am-biental do Gás Natural (Gaslab), localizadona Universidade Estadual de Mato Grossodo Sul (UEMS), em Dourados, no sul do es-tado, ainda não possui estrutura necessáriapara diagnosticar e monitorar os possíveisefeitos causados pelo gás natural. De acor-do com os pesquisadores do centro, nãoexistem indicadores específicos de impac-tos ambientais referentes ao gás. Por isso,ainda é difícil julgar se a instalação determelétricas é boa ou ruim.

O coordenador do projeto de AvaliaçãoAmbiental Estratégica para o Gás Natural,Mário Vito Comar, admite que não existeequipamento que disponha de toda a tecno-logia para afirmar se poluentes emitidos poruma termelétrica podem influenciar na saú-de humana. Mas ele não descarta essa pos-sibilidade e conta que está sendo montadoum sistema de laboratórios para avaliar onível de ecotoxicologia, saber quais seriamos organismos emitidos no ambiente e osefeitos que eles poderiam causar. �Na

complexidade da vida atual não dá parasaber quais elementos que estão afetando apopulação, mas sem dúvida isso é uma car-ga adicional�, afirma o coordenador, des-cartando a hipótese dos impactos seremmuito altos, caso a localização seja adequa-da e os procedimentos corretos.

A proposta do Gaslab, conforme MárioVito Comar, não é necessariamente defen-der o uso do gás e, sim, investigar e avali-ar todos os efeitos dele através de ummonitoramento não só ambiental comotambém demográfico e cultural, avalian-do o desenvolvimento de seu impacto e suadinâmica, porque cada vez que se inovaem tecnologia, que muda a matrizenergética, todo o contexto socio-econô-mico é modificado. Por isso, ele acreditaque a pesquisa para averiguar transforma-ções biológicas no ambiente ainda temmuitos anos pela frente. �Ainda não existepesquisa específica para comprovar se umimpacto é devido ao gás natural ou a umagrotóxico que já está no ambiente hámuito tempo�, exemplifica.

Destino incertoApesar dos investimentos, laboratório para estudo do gás

ainda não é capaz de medir os aspectos positivose negativos deste combustível

Keila Mesquita

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Em busca de um modelo Os pesquisadores do centro consideram

que a maior contribuição do projeto será acriação de um procedimento padrão quepermita apontar, através do Sistema de Ava-liação Ambiental Estratégica (SAAE) e de Aná-lise e Monitoramento Ambiental (Samagás), seo uso do gás natural é ou não indicado paradeterminadas regiões, apontando os prós e oscontras. Essa projeção, segundo o pesquisa-dor Afrânio José Soriano Soares, tem seus de-feitos, mas dá um direcionamento para quenão só os políticos e empresários, como tam-bém a população organizada, tomem deci-sões, possam optar. �Nós não fazemos leis, agente pode sugerir, mas a decisão é sempreda justiça�.

Soares prevê que o modelo do procedi-mento fique pronto em três meses. �Na ver-dade, ele nunca vai estar totalmente termi-nado, porque cada vez que a gente dá umdetalhamento, descobre novos dados físicos,biológicos, etc, é incorporada uma nova téc-nica e ele fica ainda melhor�, pondera.

Os pesquisadores do Centro de Análise eMonitoramento têm a pretensão de patente-ar o método e futuramente reconhecê-lo comcertificação internacional, para que o em-preendedor que venha a construir uma tér-mica em qualquer lugar do país, usando omodelo desenvolvido pelo Gaslab, tenha agarantia de que estará fazendo o melhor pro-cedimento de construção possível. �A inten-ção é que ele se torne um centro de refe-rência a nível nacional, projetando o estadodo ponto de vista cientifico, o que vai acar-

retar, sem dúvida, o desenvolvi-mento de outras áreas a partir daprojeção do Centro�, imagina opró-reitor de pesquisa e pós-gra-duação da UEMS, Fábio dos San-tos Costa.

Isenção JustificadaApesar de o projeto ter sido

concretizado através de um finan-ciamento concedido pelo Minis-tério da Ciência e Tecnologia, aestrutura atual do Gaslab só foipossível devido a parcerias com aPetrobras, MSGás e a TBG. Ainda

assim, o coordenador do projeto garante queisso não muda o direcionamento das pesqui-sas, nem mesmo pelo investimento daPetrobras, maior interessada na expansão domercado de gás natural no Brasil. �Os inte-resses dela não são necessariamente os nos-sos, mas nesse projeto estamos associadospara que o gás natural seja conhecido comoenergético e usado de forma mais apropria-da�, justifica Comar.

O coordenador garante que os trabalhosestão sendo feitos com natureza investigativapara a socialização do conhecimento. Segun-do ele, se os resultados apontarem que aempresa não está atendendo aos padrõesexigidos, o Gaslab não vai acobertar falhas.�Uma vez que exista o problema, não há duasposturas. Eles terão que providenciar medi-das corretivas urgentes para definir a situa-ção�, afirma. Mas Comar deixa escapar quea Petrobras estimulou esse trabalho porque,na verdade, iria beneficiar também seuspróprios procedimentos. O coordenador dizque a empresa não tem interesse em ocultaros resultados, pois está pesquisando justa-mente para saber como melhorar o padrãode qualidade, tendo medidas para que pos-sa intervir onde for necessário.

O pró-reitor de Pesquisa e Pós-graduaçãoda UEMS assegura que ela só aceitou essasparcerias porque acredita e confia na inten-ção do projeto. Segundo Costa, o principal ob-jetivo da instituição é dar respostas à socieda-de. Isso significa que, se por algum motivo,houver qualquer questionamento com rela-ção ao gás natural, sem dúvida, os profissio-nais da UEMS terão total liberdade para fa-lar: �Eles querem que nós trabalhemos comnossa capacidade técnica para respaldá-losem cima de qualquer dificuldade que venhaa existir, e se nós detectarmos algo errado énossa obrigação informar�.

�Os interessesda Petrobrasnão são necessa-riamente osnossos�

Keila

Mes

quita

�Uma vez que exista o problema,não há duas posturas. A Petrobrasterá que providenciar medidascorretivas urgentes para definir asituação�

Mário Vito Comar, coordenador

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A partir da instalação do gasoduto Bolí-via-Brasil, a Petrobras pediu que todos os se-tores interessados no uso desse combustívelenviassem propostas de desenvolvimentotecnológico para melhorar a produção e oconsumo do gás natural. As propostas foramencaminhadas ao Ministério da Ciência eTecnologia, através da FINEP (Financiadorade Estudos e Projetos). Foram abertos doiseditais, um para projetos destinados à infra-estrutura e outro para projetos que apresen-tassem metodologias para a avaliaçãoambiental.

Cinco propostas encaminhadas pela UEMSatenderam às exigências dos editais e foramefetivadas em dois projetos. Um é o Centro deAvaliação Ambiental Estratégica (Gaslab), queengloba os laboratórios, os procedimentos eas equipes, e o outro é o Avaliação AmbientalEstratégica (AAE), que trabalhará diretamentecom a questão sócio-ambiental, incluindo di-nâmica populacional e a influência dogasoduto e das termelétricas.

A Finep disponibilizou R$ 1 milhão parao financiamento desses projetos, dos quaisno máximo 20% poderiam ser destinados àinfra-estrutura, incluindo a construção e osequipamentos do Gaslab. Do total investidopara o desenvolvimento do AAE, 70% dovalor (mais de R$ 850 mil) vieram dafinanciadora e os outros 30%, das parceriascom a Petrobras, MSGÁS e TBG. No caso doCentro de Análise e Monitoramento, R$ 130mil foram usados na construção do prédio,equipado com R$ 80 mil pagos pela Petrobrase R$ 30 mil pela MSGÁS.

O Gaslab possui quatro laboratórios (pro-priedades físico-químicas da água, emissõesgasosas, ecologia e impactos sócio-econômi-cos) que poderão ser usados independente-

mente das pesquisas sobre o gás natural, queé a de maior interesse. Já existem outras pos-sibilidades: a prefeitura de Dourados, porexemplo, pretende desenvolver pesquisassobre a qualidade da água e o IPLAN (Insti-tuto de Planejamento), sobre padrõesambientais. Além de trabalhar na área demonitoramento e avaliação ambiental estra-tégica, cada um dos laboratórios poderáprestar outros serviços, o que deve manter oCentro funcionando, talvez até melhor equi-pado, podendo ter maior desempenho tam-bém para os alunos, para bolsas de estudo,iniciação científica, mestrado e possivelmen-te doutorado.

Afrânio Soares, um dos pesquisadores doGaslab, diz que eles se propuseram a desen-volver projetos na área de monitoramentoambiental do gás porque na UEMS a maio-ria dos professores mestres e doutores tra-balham com o meio ambiente. �De tecnolo-gia do gás, automação, parte industrial, agente disse que não entendia. A universida-de não tinha nem curso de física ou enge-nharia�, lembra. �A questão do gás podianão ser especialidade de ninguém, mas aambiental era. Por isso decidimos parar ou-tros projetos para nos dedicar a entender oprocesso e poder informar a sociedade�.

Trajetóriafugaz

Além de atender às pesquisasde análise e monitoramento

do gás natural, os laboratórios poderãoprestar outros serviços, atraindo recur-

sos para novos equipamentos

Keila Mesquita

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Toneladastóxicas

Graves problemas ambientaissão causados ou agravados por gasesexpelidos pelas termelétricas, como

o aquecimento global e a chuva ácida

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Apenas os danos causados à saúdehumana, somados a uma certainviabilidade econômica, já seriam su-ficientes para, se não invalidar a pro-posta, pelo menos fazer com que as au-toridades repensassem o projeto de ins-talação de usinas termelétricas emMato Grosso do Sul e no Brasil. Mas,além desses fatores, os pesquisadores de-nunciam que a operação das usinasaumentará brutalmente a emissão degases poluentes na atmosfera, gerandograves problemas ambientais.

Os números da emissão de gáscarbônico, por exemplo, são altos. Con-forme os cálculos do engenheiro flores-tal e doutorando em planejamento desistemas energéticos pela Universida-de de Campinas (Unicamp), CarlosRoberto de Lima, a implantação de seistermelétricas a gás natural no estado,com potência total em torno de 1400MW, como o governo anunciou, cau-saria a emissão de cerca de 3,93 mi-lhões de toneladas de gás carbônico

(CO2) por ano, principal responsávelpelo efeito estufa ou aquecimento glo-bal da Terra, que está causando mudan-ças drásticas no clima.

Uma medida que mitigaria a emissãode carbono seria o reflorestamento. Deacordo com o engenheiro, se forem leva-das em consideração apenas astermelétricas de Campo Grande (WilliamArjona), de Três Lagoas e de Corumbá,quando estiverem com todas as turbinasfuncionando, haverá uma emissão totalem torno de 1,72 milhão de toneladasdesse gás por ano. Lima explica que,para compensar tais níveis de emissões,são necessários, no mínimo, 52 mil hec-tares de reflorestamento. �É importantefrisar que para cada hectare de árvoresplantadas, existe a possibilidade de ge-rar até quatro empregos permanentes, oque resulta em um potencial de 208 milpostos de trabalho�, acrescenta. Ele lem-bra que o reflorestamento pode até anu-lar as emissões de carbono

, mas não terá

o mesmo efeito sob os demais poluentes.

Daniela R

ocha

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Há opiniões contrárias. O gerente de meioambiente da Tractebel, José Lourival Magri,por exemplo, afirma que o gás carbôniconão é um poluente. �Nós inspiramos oxigê-nio e expiramos gás carbônico�, explica.�Esse gás não tem problema nenhum para asaúde e meio ambiente�.

Além do gás carbônico, Lima cita diversasoutras substâncias que prejudicam toda a na-tureza de uma forma geral, como os com-postos orgânicos voláteis, consideradoscancerígenos e genotóxicos, já que afetam omaterial genético das células. Há também asemissões de óxidos de enxofre e monóxidode carbono, entre outras. �Tudo isto sendoemitido por uma fonte com um grande po-tencial de emissões atmosféricas, tendo umefeito maléfico sobre o meio ambiente�.

.As termelétricas que operam em cicloaberto (ver box na página 14) expelem osgases resultantes da queima diretamente naatmosfera, a temperaturas superiores a 540o

C. É o caso da William Arjona e da termelétricade Três Lagoas, quando estiver na primeira fasede operação. Segundo a engenheira químicae professora do Departamento de Hidráulicae Transporte da UFMS, Sônia Corina Hess, osgases em altas temperaturas são um risco paraos pássaros que sobrevoam as redondezas. Enão é só isso. �A emissão contínua de gasespoluentes aquecidos é uma expressiva fontede problemas ambientais, como a possível al-teração do clima da região onde a usina estáinstalada�. Outro fator refere-se ao aprovei-tamento do gás. Essa eliminação de calor jun-to aos gases no ciclo aberto também repre-

senta a perda de um terço do potencialenergético da queima do combustível.

A chuva ácida é mais um problema. Aengenheira química esclarece que, quando oóxido nítrico é lançado no ambiente, transfor-ma-se em ácido nítrico, que volta da atmosfe-ra na forma de chuva ácida. As usinas, depen-dendo da tecnologia, formam toneladas deácido nítrico por mês. Uma usina como aArjona gera 1200 toneladas dessa substância.�Isso causa degradaçãoambiental, diminui a produ-tividade agrícola e causaperda na fertilidade do solo.É um problema seriíssimo�,avalia Hess. O geólogo eprofessor do Departamentode Geociências do campus de Aquidauana daUFMS, Paulino Eduardo Coelho, acrescenta quepor causa dos ventos, a chuva ácida incidirátambém sobre o Pantanal.

Maus ventos o trazemOs mesmos ventos que levam a chuva

ácida para a região do Pantanal tambémcarregam o mercúrio. Segundo o professorCoelho, dependendo do sistema de funcio-namento da usina, que pode ser ciclo abertoou ciclo combinado, o mercúrio expelido dastérmicas em altas temperaturas sofrerá umresfriamento, e se precipitará da atmosferana região para onde o vento sopra. As usinasde Campo Grande e de Três Lagoas estão si-tuadas no leste e sudeste do estado. Como osventos sopram do sudeste para o noroeste,o mercúrio será levado para o Pantanal,onde já houve muita contaminação causa-

As termelétricas emitem gases formadores da chuva ácida, quediminui a produtividade agrícola, trazendoprejuízos ambientaise econômicos

Todos os dias são emitidas tone-ladas de gás carbônico e substân-cias cancerígenas e genotóxicas,que prejudicam todo o meio

Keila

Mes

quita

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da pelo garimpo de ouro. Além disso, háuma usina que está prevista para ser ins-talada em Corumbá, que se localiza nomeio do Pantanal.

O mercúrio se acumula nos organismos detoda cadeia alimentar, principalmente no topo,posição em que estão classificados os grandes

pássaros e o homem, porexemplo. O teor de mer-cúrio no gás natural va-ria conforme o local deonde o produto é retira-do. �Mercúrio, cádmio,chumbo, todos esses ele-

mentos são péssimos e são muito persistentesno meio ambiente. Tudo isso tem no gás�, acu-sa o professor.

Grupo de RiscoCada turbina da William Arjona deve emitir

3,15 gramas de mercúrio por ano, conformeos cálculos do professor do Departamento deFísica da UFMS, Paulo Ricardo da Silva Rosa.Mas, mesmo que o índice de mercúrio emiti-do anualmente seja baixo, para Coelho, ele setorna preocupante quando se imagina que asusinas operarão cerca de vinte anos.

Um aspecto importante é o grupo de risco.É necessário conhecer qual o grupo da faunae da flora mais sensível ao poluente do lugaronde será incidida a emissão. Além disso, é ne-cessário fazer um estudo sobre a amamentação,para verificar se esse metal pesado pode estarpresente no leite materno, e pesquisar como oelemento se agregaria à cadeia alimentar hu-mana, dentre outros estudos.

O professor explica que os ecossistemas

podem ser muito sensíveis às alteraçõesambientais. Até pequenas variações de tem-peratura, de 1° C, por exemplo, são capa-zes de acabar com determinada populaçãoda fauna ou da flora, quebrando uma ca-deia dentro de um ecossistema. �Aí dizemque algumas gramas de mercúrio não sãonada. Depende do que ele vai afetar, e dequal a importância da sustância na cadeiaalimentar daquilo que ele afetar�.

Homem-ambienteAo se referir sobre a implantação das tér-

micas, Coelho argumenta que o problema nãoé simplesmente o meio ambiente, mas a pos-sibilidade dessas usinas acabarem com a qua-lidade de vida no estado. O professor defen-de que o principal elemento do meio ambi-ente é o homem, o que, segundo ele, muitosesquecem. �Se esse cidadão não come, nãotem saúde, não tem segurança, como ele con-seguirá se preocupar com o meio ambien-te?�, indaga. �Se ele é tratado como lixo, comopode distinguir que não deve jogar lixo narua?�. O meio ambiente deve ser visto, in-clusive, como uma forma de sobrevivência.Um exemplo disso seria a coleta de lixo nasfavelas, que pode gerar empregos para ospróprios moradores, ao mesmo tempo em quecontribui para a preservação da natureza.Para o professor, faltaria aos empresários eaté aos profissionais da área, a visão do meioambiente como gerador de soluções. Mas,hoje, isso já está evoluindo. �Há um tempo,existia o ambientalista xiita e o empresáriotratorista�, diz. �A tendência é chegar a umcontexto de ajuste, a sustentabilidade�.

A sexta substância mais perigosaconhecida, o mercúrio, presente nogás boliviano, será liberada naatmosfera e incidirá principalmentesobre o Pantanal

Daniela R

ocha

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A saúde da população corre sériosriscos com a instalação das usinastermelétricas no estado. O alerta, quevem da comunidade científica, justi-fica-se pelo plano do governo estadu-al de instalar seis termelétricas, quegerarão energia através da queima degás natural boliviano, outra fonte degraves preocupações.

A comprovação de existência demercúrio (Hg) no gás boliviano cau-sou angústia na classe científica, masparece não ter sensibilizado as auto-ridades políticas, sanitárias e mesmojudiciárias, que estão demorando atomar atitudes sobre o assunto. �Osteores presentes no gás são baixos, masnão deixam de ser preocupantes, umavez que este metal é extremamentetóxico, e se acumula no organismo�,

Perigo invisívelOs gases emitidos por uma termelétrica são incolores.Mas, se houvesse uma cor ideal com que se pudesse

tingí-los, seria o vermelho, para indicar alerta

declara a professora da UFMS eengenheira química, Sônia CorinaHess, pós-doutorada em química or-gânica. �É mais um risco que temosque enfrentar para não adoecermos�.Uma vez exposto ao mercúrio, assimcomo a outros metais pesados, o orga-nismo dos seres vivos não é mais ca-paz de eliminá-lo.

Alguns dos problemas que esse ele-mento desencadeia são descritos pelomédico otorrinolaringologista MiltonNakao. �Ele pode causar problemasneurológicos como paralisia, e atémorte, no caso de exposição à gran-des quantidades�. Quando se trata demercúrio, uma �grande quantidade�corresponde a volumes mínimos: ape-nas 0,3 a 0,4 grama de dicloreto demercúrio é o suficiente para matar um

Vivi

an C

astro

Alv

es

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Os índices nos quais o mercúrio tem efeitos prejudiciais aoorganismo são pequenos, podendo ser medidos até em µg(micrograma), que equivale ao grama elevado a 10-6. No san-gue, o nível de mercúrio associado a distúrbios é de 20-60 µg/100mL; no cabelo, o nível é de 50 mg/g; nos eritrócitos, de 0,4mg/g. A menor concentração tóxica de mercúrio, por inala-ção, capaz de determinar efeitos neurológicos, é de 169 µg/m³.A dose letal para um homem adulto é de apenas 0,3 a 0,4 gra-ma de dicloreto de mercúrio. De todas as substâncias conhecidas,o mercúrio é a sexta mais perigosa.

Perigo em pequenas doses

homem adulto.O mercúrio tem

dois tipos principaisde ação nociva ao or-ganismo humano. E-xistem os efeitos ne-frotóxicos, que atin-gem os rins, e os efei-tos neurotóxicos, queafetam o sistema ner-voso central. Alémdesses danos, o mer-cúrio provoca efeitosmutagênicos (alte-rações no DNA), per-da de memória, defi-ciências nos órgãos sensoriais e alteraçõesno metabolismo, o que o torna a substânciamais tóxica para o homem e grandes ani-mais. Na cavidade oral, o mercúrio causagengivite, estomatite e salivação aumentada.Também causa danos ao sistema respiratório.

Tirando a provaA queima de grandes volumes de gás

natural pelas termelétricas, fornecido peloGasoduto Bolívia-Brasil, foi um dos fatoresque chamou a atenção dos pesquisadores.Somente na termelétrica de Três Lagoas, cadauma das quatro turbinas queimará 19.056m³ de gás por hora quando estiver operan-do. Como existia a suspeita da existência de

mercúrio, quando a Promotoria de Justiça doMeio Ambiente abriu, em janeiro de 2002,um inquérito para investigar os impactoscausados pela usina William Arjona, emCampo Grande, os pesquisadores solicitaramao Ministério Público que pedisse a análisedo gás para a empresa responsável pelatermelétrica, a Tractebel Energia.

A análise examinou a presença de me-tais pesados, como o cádmio, chumbo, cro-mo, manganês e mercúrio, único elementoque a metodologia empregada foi capaz dedetectar. A quantidade mínima acusada foide 0,036 µg/Nm³ (unidade que equivale aum micrograma por cada metro cúbico nas

�Os teores de mercúriopresentes no gás são baixos,

mas não deixam de serpreocupantes, uma vez que

esse metal é extremamentetóxico e se acumula

no organismo�

Sônia Corina Hess,engenheira química

Vivian da Castro alves

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Há pouco tempo foi constatado que o óxidonítrico funciona como uma molécula de comu-nicação entre as células. Em 1998, os pesquisa-dores L. J. Ignarro, F. Murad e R. F. Furchgott fo-ram premiados com o Nobel de Fisiologia e Me-dicina, como uma forma de reconhecimento pelaqualidade do seu trabalho tratando do papel doóxido nítrico como molécula de sinalização nosistema cardiovascular.

Óxido nítrico já rendeu Nobelcondições normais de temperaturae pressão). �O gás boliviano está, re-almente, contaminado com mercú-rio em índices preocupantes, queestão acima dos limites de detecçãodos aparelhos existentes para a aná-lise�, ressalta um ofício de novem-bro de 2002, informando sobre osimpactos das termelétricas, que foientregue ao procurador Geral deJustiça do Ministério Público, SérgioLuiz Morelli, e assinado pela pro-fessora Hess, pelo presidente do Cen-tro de Tecnologia de Energia Limpa(Cetel), Bruno Mangiapelo, e pelo jornalistaAllison Ishy, da organização não-governa-mental Ecologia e Ação (Ecoa).

Será que ele é?A análise do mercúrio levanta muitas sus-

peitas. �Estes laudos não esclarecem se o gásnatural analisado é, ou não, boliviano, poisnão fazem referências aos locais onde asamostras foram coletadas�, acusa o profes-sor da Universidade Federal da Paraíba, Car-los Roberto de Lima, engenheiro florestal edoutorando em Planejamento de SistemasEnergéticos pela Universidade de Campinas(Unicamp).

A influência da Petrobras também tor-naria o laudo um documento suspeito, comoaponta o professor. A análise foi feita pelaCTQ Química, um laboratório de SantoAndré, São Paulo, a pedido do Centro deTecnologia do Gás (CTGÁS) de Natal, no RioGrande do Norte. O CTGÁS seria ligado àPetrobras, a importadora e comercializadorado gás boliviano, o que comprometeria aimparcialidade do documento. �As amostrasanalisadas poderiam ter sido coletadas empoços ou gasodutos do próprio Rio Grandedo Norte, cujas reservas devem ser diferen-tes do gás boliviano�, especula Lima.

A professora Sônia Hess também tem dú-vidas, e acredita que deveria ser realizadauma contra-prova em um laboratório nãovinculado à estatal. Ela conta que uma dasrazões para a hipótese de presença de mer-cúrio no gás boliviano teria sido o relato deum técnico da Petrobras, do Rio Grande doNorte, cujo nome foi protegido, o qual as-segurou que há bastante mercúrio no gásda Bolívia.

Outra questão levantada pelo professorLima é quanto à metodologia empregada.Como as amostras foram coletadas dentrode um curto espaço de tempo, há uma me-

nor variação entre elas. O correto seriacoletá-las ao longo de três a seis meses, sen-do metade coletada em horários fixos e me-tade em horários aleatórios. Além disso, asconcentrações variam ao longo da vida útildos poços de gás. Portanto, a análise parametais pesados deve ser feita periodicamen-te, pois com a diminuição do volume de gásnos poços, pode ocorrer uma concentraçãodesses elementos químicos.

A ligação entre a análise e a Petrobrás érevelada no próprio laudo, cujo ofício que oencaminha à Promotoria de Justiça do MeioAmbiente, datado de 14 de novembro do anopassado, é assinado por Luiz Rodolfo LandimMachado, na época diretor gerente do GásNatural da Petrobras. O documento foi en-viado pela promotoria para avaliação ao Ins-tituto de Meio Ambiente Pantanal (Imap), oórgão estadual responsável pelo meio ambi-ente. Até meados de fevereiro deste ano, oinstituto ainda não tinha analisado o laudo.

Óxidos tóxicosUma substância cuja ação no organismo

humano ainda não é totalmente conhecidapela ciência, mas que estudos já indicam queprejudica a saúde, é o óxido nítrico (NO).Os efeitos dessa molécula, com açãocancerígena, têm preocupado a populaçãoe provocado muitas discussões entre empre-sas e comunidade científica.

Apenas uma turbina, dependendo domodelo, pode ser capaz de emitir quatro to-neladas por dia de óxidos de nitrogênio(NOx), que são o óxido nítrico mais o dióxidode nitrogênio (NO

2). �Esses dados tornam-

se relevantes ao associá-los a estudos das áre-as de medicina, toxicologia e farmacologia�,alega a professora Hess. �Esses estudos têmrevelado que o óxido nítrico, um radical li-vre, está envolvido em diversas condiçõespatológicas�.

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Hess fez um grande levantamentona literatura médica, na qual cons-tam mais de dois mil artigos científi-cos tratando do óxido nítrico, publi-cados nos últimos quatro anos. Den-tre os efeitos prejudiciais desse gás, aprofessora cita a impotência sexualmasculina e o câncer no colo de úte-ro. Ela afirma que um homem expos-to à concentração desse gás, depen-dendo das condições de saúde e devários outros fatores, realmente correo risco de ficar impotente.

Além disso, segundo a pro-fessora, a exposição ao óxido nítricocausa diarréias em crianças e, a longoprazo, diminui a resistência a enfer-midades, tornando o indivíduo indefesocontra doenças infecciosas como tuber-culose e hanseníase. “O óxido nítrico é umagente que destrói a saúde de um modo sub-versivo e, como regra, quando os problemassão detectados, já ocasionaram danos graves”,alerta Hess.

Guerra científicaDesde as audiências públicas sobre a

implantação da William Arjona que os re-presentantes da empresa e os pesquisadoresestão em conflito. O gerente da área de meioambiente da usina, o químico industrial JoséLourival Magri, ressalta que o óxido nítriconão é considerado gás tóxico em nenhumaparte do mundo. Nem as normas da Orga-nização Mundial de Saúde prevêem padrãode qualidade do ar para o gás. Pela legisla-ção brasileira, ele é considerado um produ-to com toxidez para ambientes fechados.

As normas existentes relativas ao óxidonítrico, de acordo comMagri, são de saúde e se-gurança no trabalho,que estabelecem umaconcentração máximapara o gás no ambienteda empresa. Mas, segun-do a professora Hess,pesquisas indicam queem fábricas de ácidonítrico, por exemplo, u-sado na fabricação deadubo, onde há óxidos denitrogênio na atmosfera,o nível de doenças entreos empregados é quase28% maior do que emoutras indústrias.

O gerente afirma que o óxido nítricofaria mal em grandes quantidades. E com-para: �Se eu comer um boi durante umano, vai fazer bem para a saúde, mas seeu comer um boi em um dia, eu vou mor-rer�. Para ele, ainda não se pode afirmarcom segurança que o gás faz mal a saúde.�Se disserem que em �tais� concentraçõeso óxido nítrico causa impotência, câncer,danos à saúde e ao meio ambiente, aí, sim,é correto afirmar�. Magri lembra que ogás está presente, inclusive, na composi-ção do Viagra.

A ciência ainda não estabeleceu a con-centração mínima do óxido nítrico que

�O óxido nítrico não é considerado gástóxico em nehuma parte do mundo�

José Magri, gerente de meio ambiente da Arjona

Em novembro do ano passado, foi entregue à Procu-radoria Geral de Justiça de Mato Grosso Sul um abaixo-assinado, solicitando às autoridades competentes provi-dências para que sejam minimizados os impactos negati-vos ao meio ambiente e à saúde humana, causados pelainstalação da usina William Arjona, em Campo Grande.O documento, com 2.270 assinaturas organizado pelosprofessores da UFMS Bruno Mangiapelo e Sônia Hess epelo jornalista Allison Ishy, exige, entre outras medidas,o banimento do gás natural como combustível para usoem edifícios onde haja circulação de pessoas.

Abaixo à poluição

Vivian da Castro alves

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Apesar da periculosidade dos metaispesados, a legislação brasileira não prevêíndices de emissões atmosféricas para es-ses elementos, incluindo o mercúrio, eminstalações de geração de energia a partirda queima de gás natural. Para esse metalespecífico, há apenas índices para quali-dade da água.

causa prejuízos à saúde, porque a ação dogás no organismo foi descoberta recente-mente, e as pesquisas ainda não termina-ram. As empresas asseguram que a con-centração emitida pelas turbinas é peque-na, já que o gás é disperso na atmosfera.Hess lembra que no inverno, a concentra-ção aumenta, e que o índice que causaefeito no organismo é muito baixo. �Parase ter uma idéia, na concentração de 1ppm, o que equivale a um miligrama portonelada, o óxido nítrico é medicamentopara problema cardíaco�.

Há pesquisas que, por outro lado, pro-curam mostrar que o óxido nítrico faz bemà saúde, sob as quais muitas empresas sepautam, para contra-argumentar os cien-tistas que consideram a substância peri-gosa. Documentos assinados pela Univer-sidade da Califórnia e pelo médico norte-americano Peter Dadano relatam que oóxido nítrico é usado em medicamentospara combater o câncer, diabetes, anorexiae impotência sexual.

Como não se pode ainda estabelecer um

índice mínimo para garantir a saúde daspessoas expostas ao óxido nítrico, a pro-fessora defende a criação de uma lei mui-to simples: somente será permitida a ins-talação de uma usina, se for empregada amelhor tecnologia do mundo, a fim de evi-tar a poluição. Atualmente, existem siste-mas de controle de emissão de óxidos denitrogênio, como o Dry Low Nox, que re-duz de 30% a 40% o volume de óxidos denitrogênio expelido pelas térmelétricas,mas nem todas as usinas possuem esse tipode dispositivo.

Livre no ar

O número de casos de câncer de pulmãoaumentou 25% entre 2000 e 2001, confor-me revelou um levantamento da SecretariaEstadual de Saúde sobre a evolução do cân-cer em Mato Grosso do Sul. Os casos demorte por câncer de colo de útero tambémtiveram um aumento considerável nos últi-mos anos. A doença causou a morte de trêsmulheres em 1998, e de nove no ano se-guinte. Mas, em 2000, foram registradas53 mortes e no ano de 2001, esse númerosaltou para 128.

O engenheiro florestal Carlos Roberto deLima alertou para o crescente número decasos, segundo a professora Sônia Hess. Essaexplosão das estatísticas coincide com o iní-cio da operação da usina termelétricaWilliam Arjona em Campo Grande, em1999, a qual emite grande quantidade deóxido nítrico, um gás cancerígeno. �É claroque qualquer pesquisador sério não vai di-zer que a usina está causando câncer�, pon-dera a professora. �Para afirmar isso, serianecessário um estudo epidemiológico�.

A Secretaria de Saúde alega que os casos

Disparada do câncer

não aumentaram e, sim, que houve maisprecisão nas estatísticas, devido ao melhorempenho no trabalho de notificação. Porém,segundo Hess, a equipe responsável pelo le-vantamento confirmou a melhora nametodologia, mas admitiu que de fato au-mentou muito o número de casos de câncerde colo e pulmão.

Para descobrir qual a verdadeira razãopara o aumento dos casos, bem como se eleestaria relacionado aos gases da usina, re-presentantes da comunidade científica pe-diram ao Conselho Estadual de Saúde, emuma reunião no dia 13 de dezembro do anopassado, que fosse feito um estudo completosobre os óbitos por câncer na capital. Esseestudo epidemiológico será feito com a po-pulação que vive em torno da usina, paraverificar se estão ocorrendo danos à saúde.O levantamento será financiado pelaTractebel Energia, proprietária da usina.Também ficou deliberado na reunião queseja convocada uma audiência pública paradebater a política do gás natural, junto à As-sembléia Legislativa.

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Multiplicação dos venenosAs termelétricas a gás natural também

aumentarão a emissão de outros poluentesprejudiciais à saúde, além dos óxidos denitrogênio, como hidrocarbonetos poli-cíclicos e aromáticos (HPA�s), conforme oengenheiro florestal e professor daUniversidade Federal da Paraíba, CarlosRoberto de Lima.

Alguns desses hidrocarbonetos sãocancerígenos e genotóxicos, provocando al-terações no DNA. �Tais substâncias não estãorelacionadas na legislação brasileira, masapenas a sua presença entre as emissões, in-dependentemente dos seus níveis de emissõesou concentrações no ar atmosférico, é sufici-ente para provocar danos à saúde daspessoas�, declara o professor. Outros hidro-carbonetos causam irritação nos olhos, narize pele. Essas substâncias e os óxidos de nitro-gênio reagem na atmosfera formando umconjunto de gases agressivos, dentre eles oozônio troposférico (O

3), que, entre outros

problemas, causa lesão nos tecidos do corpohumano.

O professor afirma ainda que os efeitosmaléficos dos poluentes são multiplicadosvárias vezes devido à localização inadequa-da dos empreendimentos, relacionada a ve-locidade e direção dos ventos. Um exemploé a usina de Três Lagoas, que má localizadaem relação à malha urbana, exporá os cer-ca de 80 mil habitantes do município aosdanos causados pelas suas emissões atmos-féricas. �Tudo indica que este fato tenha serepetido em outras usinas termelétricas, de-vido à falta de infraestrutura material e hu-mana nos órgãos de licenciamentoambiental�.

As questões relativas aos problemas desaúde pública, causados pelas emissões at-mosféricas poluidoras das termelétricas, fo-ram omitidas nos estudos de impactosambientais e, por conseqüência, das au-diências públicas, conforme denuncia oprofessor Carlos Lima. �Devemos provo-car essas discussões. Pessoas terão menorexpectativas de vida, e o estado gastarámais com saúde pública. Quem pagaráestas contas?�.

A má localização de fontes poluidoras, como usinas termelétricas, faz com que os ventoslevem os poluentes diretamente à população das cidades próximas. É o caso de Três Lagoas

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Fora da lei

Apesar de o Brasil ter uma das legisla-ções mais avançadas e rigorosas do mundo,ainda carece de lei específica para o gás na-tural, principal combustível das ter-melétricas. Com a oferta do produto bolivi-ano nos últimos quatro anos, a ANEEL (Agên-cia Nacional de Energia Elétrica) remode-lou o processo de autorização para esses em-preendimentos. �Houve uma ampla re-estruturação, que vislumbrou a adoção decritérios mais simplificados e a agilização daemissão do ato�, conforme a ResoluçãoANEEL nº 112, de 18 de maio de 1999.

Anunciou-se grandes incentivos a essesinvestimentos, mas não concluiu-se a legis-lação. Ficaram grandes lacunas tanto no âm-bito da regulamentação das obras, dos ser-viços, quanto da conseqüência da instalação,principalmente no aspecto de qualidadeambiental. Isso criou um clima desfavorá-vel e incerto tanto para os investidores quantopara a população brasileira.

O gerente de projeto da Usina Ter-melétrica da Petrobras, em Três Lagoas, JoelTrindade, assim como outros empreendedo-res, reclama da falta de legislação específi-ca para a utilização do gás natural e o con-trole das conseqüentes emissões de gasespoluentes. Ele acredita que isso atrapalha ainstalação do empreendimento. �Qualquerhomem que faça um empreendimento in-dustrial de grande porte vai fazer impac-to�, aponta. �O que nós temos que ter sãoleis adequadas e critérios razoáveis que pe-nalizem de uma maneira coerente oempreendedor.

No Brasil, as leis relacionadas ao meio

ambiente são elaboradas pelo CONAMA(Conselho Nacional de Meio Ambiente), queé vinculado ao Ministério de Meio Ambiente.O CONAMA fixa, entre outras medidas, aobrigatoriedade do licenciamento ambientalpara atividades modificadoras do meio am-biente, como as destinadas à oferta de ener-gia elétrica.

Além disso, o Conselho estabelece que osestados devem formular sua própria legisla-ção, mas a Secretaria de Meio Ambiente deMato Grosso do Sul nãofez isso. Paulo Roberto A-quino, gestor ambientaldo Instituto de Meio Am-biente Pantanal (IMAP),reconhece que a falta dalei específica para o es-tado dificulta o trabalho. Ele diz que paracompensar essa ausência, faz consultas naOrganização Mundial de Saúde (OMS),nas resoluções do CONAMA e nos padrõesdo Banco Mundial, que define os parâ-metros aceitáveis para emissões depoluentes.

Muitos cientistas questionam esse recur-so porque os padrões do Banco Mundialdesconsideram o contexto brasileiro. �A leinão impõe nenhuma dificuldade. Ela é frou-xa e nossos critérios são muito pequenos. As-sim, é simples para os empreendedores seenquadrarem nela. E mesmo que a lei sejaboa, no Brasil tudo é interpretação. Então,nunca se estuda o mérito�, avalia o enge-nheiro eletricista e professor da Uni-versidade Federal de Mato Grosso do Sul,Bruno Mangiapelo.

A termeletricidade à base de gás natural é impulsionada pelo governo,mas não é prevista na legislação. Isso permite que os empreendedores

atuem à vontade, livres da fiscalização

�A lei não impõe nenhuma dificul-dade aos empreendedores, já quenossos critérios não são rigorosos�

Bruno Mangiapelo, professor da UFMS

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Auto-fiscalizaçãoHoje, praticamente qualquer

empreendimento precisa de licen-ciamento ambiental. Porém, apesardo caminho burocrático, o proces-so tem brechas, permitindo, porexemplo, que o diagnóstico dos im-pactos que a termelétrica provoca-rá e o monitoramento da operaçãodas usinas sejam feitos pelo próprioempreendedor.

A fiscalização, fundamental emcasos tão peculiares como esses queenvolvem a qualidade ambiental ea saúde da população, restringe-seà análise de dados coletados por

que realmente entendem�. Apesar de havera previsão de seis termelétricas para o esta-do, o Ibama/MS não tem engenheiros quí-micos, reflexo da precariedade das institui-ções públicas brasileiras. Os únicos profissi-onais dessa área estão em Brasília e são ape-nas dois.

Modelo de Estudo FuradoO Estudo de Impacto Ambiental (EIA/

RIMA) - que detalha, entre outras exigênci-as, as conseqüências ao meio ambiente e àsaúde humana com a instalação do empre-endimento e as medidas compensatórias - éelaborado por empresas de consultoriaambiental, também contratadas pelo empre-endedor. Arndt reconhece que apesar do Es-tudo ter o dever de ser isento, muitas vezesele tenta mascarar um pouco ou não dá adevida importância ao impacto maior parafacilitar a instalação.

uma equipe técnica contratada pelo empre-endedor, o que facilita a manipulação de in-formações. �Tudo no processo de li-cenciamento é por conta do empreendedor�,explica a coordenadora de licenciamento doIbama/MS, Elisabeth Arndt. �A fiscalizaçãosó entra, nesses casos, quando o empreende-dor não cumpre o estabelecido nas licenças.Aí entra multa�. Na opinião da gerente decontrole ambiental do IMAP, Giselle Marquesde Carvalho, �a empresa tem mesmo que seautomonitorar e o governo só fiscalizar�.

A coordenadora do Ibama revela que nãohá na unidade de Campo Grande uma equi-pe de licenciamento ambiental formada.�Como as termelétricas começaram há bempouco tempo no Brasil, a gente tem que cor-rer atrás, ir buscar conhecimento ou procu-rar outros profissionais porque a gente, comoórgão ambiental, tem prática do que podeocorrer sobre o solo, sobre a água, só quetem especificidades de projeto, como pro-dutos químicos, lançamentos de poluentes noar, que exigem conhecimento mais especí-fico. Então, os engenheiros químicos são os

Giselle Marques, gerente do IMAP

�A empresa tem mesmo que seautomonitorar e o governo só fiscalizar�

Como as termelétricas são empreendimentos de grande porte, o licenciamento compete ao Ibama. Porém,quando a usina não abrange um ou mais estados ou fronteira de países, o Instituto pode delegar a competênciade licenciamento para o órgão estadual, assumindo uma co-responsabilidade. Em Mato Grosso do Sul, estafunção cabe ao IMAP (Instituto de Meio Ambiente Pantanal), braço executivo da Secretaria de Estado de MeioAmbiente e Turismo (SEMACT). Além disso, todos os empreendimentos precisam ter a anuência do municípioonde será instalado, garantindo que a atividade está de acordo com as leis e usos dos solos do local.

Quem licencia

Vivian de Castro Alves

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A licença ambiental é expedida por fases eem todas elas há discussão e negociação dasdiretrizes do processo. Primeiramente, a em-presa entrega ao Ibama um documento no qualconsta as características do empreendimento� tamanho, tipo, quantidade de resíduos �,para subsidiar o Termo de Referência, quenorteará o Estudo de Impacto Ambiental � EIA.O Estudo vem acompanhado do RIMA � Re-latório de Impacto Ambiental, que fica dis-ponível ao público.

A partir daí, a empresa tem 45 dias pararealizar uma audiência pública para deba-ter o resultado do estudo com pesquisadorese medir a receptividade da população. �Emgeral, o público quer (o empreendimento)porque a empresa faz um trabalho de con-vencimento, diz que o projeto é a melhor coisapara aquele lugar, apontando a geração demais empregos�, explica Arndt. O EIA deveconter três alternativas locacionais. Das três,deve ser escolhida a que afeta menos áreasnaturais.

O EIA/RIMA é submetido à análise doIbama e a aprovação é fundamental para aobtenção da Licença Prévia (LP), que autori-za o local onde será instalado o empreendi-mento. Todas as análises de impacto são fei-tas nesse estágio. A partir da LP, o empreen-dedor passa a apresentar os projetos do in-vestimento, os programas ambientais e é de-finida a compensação ambiental. �Todo em-preendimento que causa impacto no meioambiente tem que destinar no mínimo 0,05% do valor da obra para compensação

O geólogo e professor da UFMS, PaulinoCoelho, que já trabalhou tanto para empre-sas privadas quanto para órgãos públicos,diz que os estudos são limitados: �Você fazum projetinho de um ano e meio, no máxi-mo, para dar um aval. O modelo de estudode impacto ambiental é totalmente furado.O empresário não quer saber se vai ter umEIA/RIMA que vai retratar fielmente os pro-blemas que determinada região tem e comoresolvê-los. Ele quer saber se o projeto seráaprovado�. Coelho ressalta a importânciada pesquisa pura para definir os impactosambientais e afirma que é impossível terresultados confiá-veis e imediatos.

Os passos para a termelétrica

ambiental que é destinada ao Sistema Nacio-nal de Unidade de Conservação�, esclareceArndt.

As usinas termelétricas são caracterizadassempre como atividades de grande ou ex-cepcional porte e de alto potencial poluidor.Os custos das licenças também são semprealtos. O IMAP, por exemplo, classifica comoatividade de porte grande, os investimentosentre 30 mil e 5 milhões UFERMS e excepci-onal aqueles acima de 5 milhões, o que cor-responde a R$ 2.700 e R$ 45 milhões respec-tivamente. O valor da licença está diretamenteligado ao alto potencial de poluição dessasusinas. De acordo com a tabela classificatóriado IMAP, as licenças variam entre R$ 2.430 eR$ 5.472, respectivamente.

Cumprida as exigências da LP, a empre-sa recebe a Licença de Instalação e pode co-meçar a ser construída. Nessa fase, o em-preendedor detalha e executa os projetos,programas ambientais e as medidas compen-satórias. Após concluir a montagem datermelétrica, inicia-se uma fase de testes de720 horas diretas para cada turbina da usi-na. Depois de aprovados os testes, é emitidaa Licença de Operação (LO) que permite acomercialização da energia gerada. Mas oprocesso continua: �O licenciamento nãoacaba com a LO. Depois dela, o empreen-dedor tem, às vezes, prazo de cinco anos demonitoramento. Eles continuam a coleta dedados � nesse caso, medindo a emissão depoluentes � que começou antes da opera-ção, para ter os parâmetros�.

�O empresário não quer saber se vai ter um EIA/RIMAque vai retratar fielmente os problemas que determinadaregião tem e como resolvê-los. Ele quer saber se o projetoserá aprovado� Paulino Coelho, geólogo

Vivian de Castro Alves

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Uma das maiores queixas que os em-preendedores têm do órgão licenciador sãoos prazos. O processo de licenciamento levapelo menos um ano para ser concluído. �Agente está tentando estabelecer prazos míni-mos e prazos máximos para fazer essa análi-se, porque quando o empreendedor chega noórgão ambiental, ele quer a licença pra on-tem, mas as avaliações são demoradas�, afir-ma Elisabeth Arndt. Ela atribui o atraso demuitas licenças ao não cumprimento, por par-te do empreendedor, de algumas exigênciasdo órgão. Já os empreendedores culpam o ór-

gão licenciador. O gerentede projeto da Usina Ter-melétrica de Três Lagoas, porexemplo, acredita que a mai-or dificuldade em conseguiras licenças está na falta de ex-periência do Ibama com

termelétricas a gás.Com a crise do sistema elétrico, foi feita

uma medida provisória para diminuir os pra-zos do licenciamento e, ainda, simplificar osEstudos de Impacto Ambiental. Arndt apontaas mudanças em curso: �Agora estão fazendouma portaria que vai fixar melhor os prazos,

Controvérsia dos prazosmas em geral eles não são muito definidos, jáque há muita complementação. Mas a coor-denadora de licenciamento ressalta o com-portamento do empresário: �O empreende-dor também precisa cumprir o prazo dele,não depende só do Ibama. Se eles entrega-rem tudo redondinho, o procedimento é maisrápido, mas a coisa demora muito porquesempre tem negociação. Eles acham que nãoprecisa fazer determinado reparo para me-lhorar a qualidade do ambiente ou acha quedeterminado filtro é mais caro que outro enão quer colocar. Há uma resistência àmelhoria porque eles querem fazer tudo como menor custo. O empreendedor, ainda hoje,na maioria das vezes, não está muito preocu-pado com a qualidade ambiental�.

Joel Trindade justifica que �é impossívelfazer qualquer desenvolvimento que use re-curso natural sem impacto�. Para ele, o em-preendimento tem que ser feito com o menorimpacto possível. �O ideal é economicamenteinviável. O processo vai ficar tão caro que nãocompensa fazer nada. Você não vai ter um custocompetitivo seja com o produto biscoito, sejaroupa, seja energia elétrica�, contesta.

Em 1998, o Brasil e vários outros países do mundo que participaram, no ano anterior, da reunião da Confe-rência das Partes, no Japão, firmaram o Protocolo de Kyoto, que estabelece a redução da emissão de gases queprovocam o efeito estufa, em no mínimo 5% em relação aos níveis de 1990. A redução deve ocorrer em váriossegmentos e de várias formas, dentre elas, reformando os setores de energia e transportes e promovendo o usode fontes energéticas renováveis. O Protocolo só entra em vigor depois que, pelo menos, 55 países da Conven-ção ratificarem o acordo, incluindo os desenvolvidos, que contabilizaram 55% das emissões totais de dióxido decarbono naquele ano. Até agora, dos 84 países que participaram, apenas 34 confirmaram o comprometimen-to. O Brasil foi um deles. No entanto, o Programa Prioritário de Termeletricidade (PPT), que prevê a instalaçãode 49 usinas termelétricas no país, coloca o país na contramão do Protocolo de Kyoto, tendo em vista a grandequantidade de poluentes que elas lançarão na atmosfera.

Na contramão do Protocolo de Kyoto

Controvérsia dos prazos

�O empreendedor, ainda hoje,na maioria das vezes, não estámuito preocupado com aqualidade ambiental�

Elisabeth Arndt, coordenadora do Ibama

Vivian de Castro Alves

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Desde que se começou a falar emtermelétricas em Mato Grosso do Sul, o que seviu, e infelizmente ainda se vê, é a desin-formação da população sobre o assunto. Aimprensa, que poderia esclarecer as dúvidasda comunidade, não conseguiu cumprir o seupapel em vários momentos. E mais: muitas ve-zes acobertou acordos feitos entre empresas epolíticos, ludibriando a população.

O jornalista Hudson Corrêa, então edi-tor de Cidades da Folha do Povo (hoje cor-respondente da Folha de São Paulo), re-vela que por um tempo a própria Pe-trobras patrocinou os principais jornaisdo estado. �No começo o investimento eraalto. Se eles patrocinavam, quem falariamal das termelétricas?�.

Todos os veículos de comunicação dei-xaram a desejar em relação ao assunto.Alguns até apresentavam o gás como umanova opção de energia, divugavam os es-tudos da pesquisadora Sônia Hess sobreos possíveis impactos causados pelas usi-nas e as licenças ambientais. Mas poucofoi dito sobre a real necessidade da insta-lação das térmicas no estado, a composiçãodo gás boliviano e a forma como todo o pro-cesso se efetivou.

A cobertura da mídia impressa da capi-tal, por exemplo, ocorreu basicamente emdois momentos distintos. Primeiro, na épocado apagão, quando de uma hora para outra,as térmicas foram apresentadas para todo opaís como a solução para a falta de energiaelétrica. Depois, quando teve início a cam-panha eleitoral de 2002 e os dois principaisjornais impressos do estado partiram para adisputa política, em lados opostos.

Hudson Corrêa admite que a mídia nãotratou a questão como deveria. �No come-ço, quando o assunto ainda estava �pipocan-do�, todo mundo quis falar de termelétricas,mas faltava um pouco de informação paraos jornalistas conseguirem explicar às pes-soas o que era a térmica movida a gás, porexemplo�, lembra. Como o assunto era mui-to recente, na época, nem os pesquisadorestinham informações precisas sobre as usi-

Jornalismo engajadoAcordos com a Petrobras, despreparo e campanha eleitoral

são os fatores que levaram a imprensa a não abordar astermelétricas com devido cuidado

De uma hora para outra, astérmicas foram apresentadas

para todo o país como a soluçãopara a falta de energia elétrica

nas. Por outro lado, ainda hoje, muitos ór-gãos e empresas criticam a postura da im-prensa por não terem sido procurados parafalar sobre o assunto.

O segundo momento foi quando começoua campanha eleitoral no estado. Dois dos trêsmais fortes candidatos ao senado tinham comosuplentes os donos dos dois principais jornaisde Mato Grosso do Sul. Antonio João, dono doCorreio do Estado, era suplente do candidatopetista Delcídio doAmaral, e Gilmar Li-ma, na época donodo jornal Folha doPovo, do candidato doPST, Pedro Pedro-ssian.

As pesquisas indicavam que uma dasduas vagas já estava garantida pelo entãosenador Ramez Tebet, deixando a disputaainda mais acirrada para os demais. Paraagravar a situação, o candidato Delcídio doAmaral, que se afastou do cargo de secretá-rio de infra-estrutura do estado para concor-rer à vaga, começou a alcançar PedroPedrossian, o segundo favorito nas pesquisas.

Tentando enfraquecer a candidatura deDelcídio do Amaral, a Folha do Povo passoua publicar reportagens questionando os re-sultados do projeto das termelétricas, queele encabeçava. No dia 22 de setembro de

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Os nós da imprensa

2002, o jornal estampou a matéria intitulada�Projetos para o gás não saem do papel�, co-locando em dúvida a execução das obrasprevistas para Mato Grosso do Sul: �O dire-tor da Petrobras, Delcídio do Amaral, anun-ciou um suposto plano da empresa de cons-trução da usina termelétrica no norte do es-tado. O complexo deveria girar em tornode 250 MW a partir de processamento degás natural boliviano. (...) O projeto não pros-perou, nem foi incluído no PPT (ProgramaPrioritário de Termeletricidade)�.

Em contrapartida, o jornal Correio doEstado publicava matérias que exaltavama figura do ex-secretário. Conforme HudsonCorrêa, o jornal referia-se ao candidatocomo o �grande pai das termelétricas�, quevão gerar empregos e desenvolver o estado, omesmo discurso que o governador assumiu du-rante toda a campanha. Sendo que essas obrase recursos, na verdade, nem são estaduais. Parteé da Petrobras e parte da iniciativa privada.

A culpa pelas matérias tendenciosaspublicadas na Folha durante a campanha,segundo Corrêa, não era do repórter porqueas pautas, nas editorias de economia e políti-ca, já vinham com direcionamento �de cima�.

Já Adilson Trindade, editor de Política doCorreio, sustenta que o jornal não favoreceua candidatura de Delcídio e também nãoatacou Pedrossian. Mas Trindade admite queo veículo preferia um deles: �Todo jornaltem uma bandeira. A do Correio era a doDelcídio, a do governador, porque a pro-posta deles é trazer coisas para o estado quenós concordamos que são boas�.

O editorial do Correio do Estado de 20de setembro de 2002 mostra a posição favo-rável do jornal à mudança do perfilenergético brasileiro: �De pouco adianta

fazer apontamentos críticos sobre as di-ficuldades atuais em se implementarinfraestrutura para dar vazão ao volu-me de gás contratado. (...) Abre-se es-paço para colocar novamente em dis-cussão a questão da diversificação damatriz energética brasileira, na qualo gasoduto Bolívia-Brasil surge comoopção viável, dependendo apenas deajustes que serão corrigidos com otempo. Mas não há dúvida de que oproduto será estrategicamente deci-

sivo para o crescimento do estado�.

Em muitos veículos de comunicação, é freqüenteque os proprietários exijam a divulgação de deter-minadas matérias, com o objetivo de beneficiá-los,em detrimento do interesse público.

O jornalista Hudson Corrêa conta que, eventual-mente, quando isso acontece em sua editoria a ma-téria é feita de forma �burocrática�. �Se a gente forpedir demissão toda vez que receber uma ordemsuperior, não vai trabalhar em lugar nenhum. Masnão precisa abraçar a causa. Agora se a iniciativa énossa, tem que fazer da melhor maneira�, afirma.

Ele lembra que esperou passar o primeiro turnoda eleição para divulgar reportagens sobre astermelétricas que não tinham direcionamento com-prometido, mas que, se fossem divulgadas durante acampanha, poderiam parecer que sim.

Para Corrêa, o grande problema é que parte daimprensa está �amarrada� ao governo do estado, epor isso não questiona determinados assuntos. Aparcela que não está, muitas vezes, deixa de le-vantar questões polêmicas para ficar em uma po-sição intermediária. Isto seria a autocensura de jor-nalistas que querem ficar bem com todo mundo.

Outra falha da imprensa é que certos assun-tos não são totalmente esclarecidos e a mídia nãovolta a abordá-los, dando a impressão de que asmatérias são feitas apenas quando há algum in-teresse. �A gente acaba se viciando com essa coisade �gancho�, isso é perigoso. Por que não resga-tar questões mal resolvidas?�. Isso sem contar asvezes em que a imprensa não acompanha o des-dobramento dos fatos.

�Todo jornal tem uma bandeira. A doCorreio era a do Delcídio�

Adilson Trindade, jornalista

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Se por um lado poucos jornais abordarama questão da instalação das termelétricas emMato Grosso do Sul, alguns veículosespecializados tentaram levar ao maior númerode pessoas informações pertinentes sobre oassunto. O Ecologia em Notícias, boletim se-manal com informações sócio-ambientais, dis-tribuído por fax ou e-mail para a mídia local,nacional e internacional, foi um deles. Ele édesenvolvido por uma equipe de jornalistas daEcologia e Ação (ECOA) - uma organização nãogovernamental ligada a questões ambientais.Segundo a editora da publicação, YaraMedeiros, o boletim sempre procurou abor-dar o assunto, mas isso era feito de forma ge-neralizada. Além disso, não se falava especifi-camente do estado ou da capital. Ela lembraque eles começaram a abordar de forma maisincisiva a problemática as termelétricas, de-pois que a engenheira química Sônia Hess en-viou uma carta para a ONG, dizendo que ausina William Arjona iria trazer muita polui-ção à região de Campo Grande.

ProtestoReconhecendo a gravidade do problema,

Para não dizer que ninguém avisou

o Ecologia em Notícias estimulou manifesta-ções contra a instalação das termelétricas noestado, chegando a lançar, em março do anopassado, uma publicação exclusiva sobre o as-sunto denominada �edição especial de luto�.Mas, conforme Medeiros, nem na época nemdepois os jornais demonstraram muito interessepelo assunto. �A gente sempre encaminhouas matérias e os artigos sobre a poluiçãodas termelétricas para todos os veículos decomunicação com a inten-ção de pautá-los, mas nãovimos retorno� lamenta.�Se não divulgavam, de-viam achar que a questãonão tinha relevância�.

Na opinião da editora, aimprensa de Campo Grande, e até a nacio-nal, é falha em relação à questão ambiental.�Você quase não vê editorias de meio am-biente nos jornais. Normalmente eles colo-cam as matérias na editoria de Cidades,porque a maioria só aborda o assunto quan-do acontece algum desastre ou sai uma li-cença�.

�Se não divulgavam matériassobre os impactos causados pelastermelétricas, deviam achar quea questão não tinha relevância�

Yara Medeiros, jornalista

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Provavelmente, o século XXI nãodeve ter apenas uma única fonte deenergia predominante, como ocorreu no sé-culo XIX com o carvão, e no XX com o pe-tróleo. Isso porque em virtude do risco doesgotamento das fontes exploradas atualmen-te, como os combustíveis derivados do pe-tróleo, há uma necessidade e uma tendên-cia de se buscar fontes renováveis, poucopoluidoras e que sejam produzidas localmente.

Além das termelétricas, que têm custo alto erepresentamriscos à saúde eao meio ambi-ente, e das hi-drelétricas quesão responsá-veis por cerca

de 90% da energia gerada no país, existem di-versas fontes alternativas de energia disponí-veis, mas que têm a necessidade de um maiordesenvolvimento tecnológico para que possamser economicamente rentáveis e, conseqüente-mente, utilizadas em maior escala.

Vislumbrando o futuro esgotamento dos combustíveis fósseis, a tecnolo-gia busca outras fontes de energia, baseadas nos recursos renováveis

O senador Delcídio do Amaral (PT),acredita que as fontes alternativas terão espa-ço, mas hoje isto é difícil. �É um negócio boni-to, bacana de falar, mas que ainda não temescala para gerar energia num custo competitivo�. No Brasil, existem empresas inves-tindo nas fontes alternativas, mas ainda não foicriada uma tarifa adequada para que os in-vestidores instalem projetos desse tipo. Na opi-nião do senador, conforme aumentar a escala,aumentam os investimentos, a tecnologia e, as-sim, os caminhos se abrirão para aimplementação de projetos no país e no mundo.

Mesmo sem a regulamentação apropri-ada no país e um estudo do potencial dasfontes energéticas disponíveis no Estado, pes-quisadores afirmam que há outras possibi-lidades para produção de energia. �O gásnatural nos foi imposto e você pode ver quenos jornais é como se não existisse nenhu-ma alternativa�, aponta o engenheiro ele-tricista e professor da Universidade Fede-ral de Mato rosso do Sul, Bruno Mangiapelo.�Usando as nossas alternativas, tenho cer-

Gesiel R

ocha

Alternativaspromissoras

�O gás natural nos foi imposto evocê pode ver que nos jornais écomo se não existisse nenhuma

alternativa�Bruno Mangiapelo, engenheiro eletricista

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teza que não haveria impactoambiental�.

VocaçõesEm Mato Grosso do Sul, a

melhor perspectiva está nabiomassa, que é extremamen-te favorável. A biomassa flores-tal, por exemplo, além de serrenovável e não emitir gáscarbônico � desde que a ma-deira não seja queimada �, pos-sibilitaria maior oferta de e-nergia elétrica que a deman-da atual, gerando empregospermanentes em maior nú-mero e benefícios ambientais,quando comparada com asusinas termelétricas a gásnatural. O potencial de comercialização dabiomassa florestal poderia ser ampliado, sea plantação de árvores nas propriedades ru-rais superar os 20% mínimos.

O álcool, que pode ser obtido através da cana-de-açúcar, uma das principais pro-duções do estado, é outra alternativa paraotimizar o sistema elétrico do Estado. Segun-do Mangiapelo, o bagaço da cana tem umaquantidade energética imensa. Existe, ain-da, o biodiesel, que é produzido a partir dacana, da soja e do milho, podendo substituir

o óleo diesel, combustível altamentepoluidor.

Além da biomassa, a energia solar eas pequenas centrais hidrelétricas(PCH�s) são fontes renováveis de ener-gia promissoras no Estado. Mas confor-me o físico Rogério Cezar de CerqueiraLeite, apesar do sol ser uma fonte ines-gotável, há ainda a dificuldade de acu-mular a energia proveniente dele e odesenvolvimento tecnológico para umamaior eficiência energética tem custoelevado. O físico lembra que, exceto aenergia geotérmica e a nuclear, todasas outras fontes disponíveis na terra vemdo sol, daí a importância de se investirnessa opção.

As PCH�s representam uma grandeperspectiva para o desenvolvimento damatriz energética estadual porque MStem muitos recursos hídricos. O profes-sor Mangiapelo explica que as PCH�s não

Além da biomassa, a energia solare aspequenas centrais hidrelétricas sãofontes renováveis de energiapromissoras no estado

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fsc.

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O biodiesel, que pode ser produzido a partir da cana-de-açúcar, é uma opção de combustível mais limpo que oóleo diesel

A luz do sol pode ser transformadaem energia através de placasfotovoltaicas, mas ainda não exis-tem mecanismos de armazená-la

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representam tantos riscosao meio ambiente, en-quanto as grandes hi-drelétricas podem in-terromper o curso dorio, acabar com as que-das d�água e prejudicara reprodução dos pei-xes. �Só em PCH�s o es-tado tem um potencialde 2.500 MW, o quedaria para alimentar oestado seis vezes namédia de consumo que

é de 400 MW�, sugere o engenheiro.A energia eólica e a geotérmica também

são apontadas por pesquisadores como opçõespara Mato Grosso do Sul, mas ainda não exis-tem estudos que comprovem a viabilidadedesses investimentos. �No estado só tem umdado nacional, uma estimativa de alguns anosatrás que diz que há algum potencial eólicona beirinha sul e sudeste�, informa o geólogo

Com o objetivo de divulgar tecnologias para se produzir energia elétrica coerente com o meio ambiente, foicriada, em Campo Grande, uma organização não-governamental, o CETEL � Centro de Tecnologia de EnergiaLimpa. Segundo o engenheiro eletricista e presidente do Centro, Bruno Mangiapelo, hoje, o profissional que seforma em engenharia elétrica além de aprender a gerar energia, deve se preocupar com o meio ambiente,usando metodologias para que ele seja preservado.

Engenheiro ecológico

e professor da UFMS Paulino Coelho.No caso da geotérmica, Coelho diz que

há locais no estado com demanda de ener-gia muito baixa e que tem água quente. Nes-sas situações, segundo ele, haveria a possibi-lidade de aproveitar o calor vindo do interi-or da terra para gerar energia com custolocal baixo. De acordo com Mangiapelo aenergia geotérmica tem a vantagem de fun-cionar 24 horas. �A energia solar é ótima,mas não funciona à noite, a geotérmica nãoacaba nunca porque é um fogo eterno nointerior da terra que alimenta�, explica.

Os pesquisadores concordam que o ca-minho é usar os recursos disponíveis decada região e que não tenham tantos efeitosnegativos como o gás natural. A intenção nãoé suprir todo o consumo e, sim, otimizar osistema elétrico de Mato Grosso do Sul com aco-geração, equilibrando tipos diferentes degeração de energia. Os resultados nem sem-pre serão imediatos, por isso, é preciso come-çar a plantar hoje para colher em alguns anos.

Fonte: MME / 14 junho 2002

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Panorama energético do Brasil

A energia eólica é opção para Mato Grosso do Sul, mas não háestudos que comprovem a viabilidade do investimento

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Biomassa - Aproveitamento de resíduos florestais e de processos biológicos. Salvoalgumas exceções, não poluem e nem se esgotam. Pelo contrário, podem contribuir paradiminuir a poluição devido ao uso produtivo do lixo e de outros detritos.

Álcool - Usado tanto como combustível para automóveis, com a vantagem de serrenovável e menos poluidor que a gasolina, como para a produção de energia elétrica.No último caso, ainda não foi experimentado em grande escala. Pode ser extraído dacana-de-açúcar, beterraba, cevada, eucalipto, entre outros.

Biogás - Gás natural produzido a partir da decomposição de matéria orgânica comoesterco, bagaço de vegetais, palha e lixo. Pode ser usado como combustível para fogões,motores e até turbinas que produzem energia elétrica com economia e menor impactoambiental.

Lenha - Utilizada principalmente na indústria em substituição a derivados de petró-leo. Atualmente, sua importância tem diminuído nos países industrializados por provocardevastação das florestas.

Carvão vegetal - Pode ser utilizado como combustível em residências, usinas side-rúrgicas e em usinas termelétricas, porém causa grande desmatamento.

Óleos vegetais - São extraídos da mamona, babaçu, soja, amendoim, etc. Podem serusados em motores do ciclo diesel, mas, por enquanto, não são uma alternativa economi-camente viável.

Eólica - Obtida pela força dos ventos, pode ser um bom negócio no Brasil. É a únicaque pode produzir energia em pequena escala a um custo baixo e com retorno razoável,além de não poluir o meio ambiente.

Solar - Fonte energética não poluente e renovável, porém ainda não se sabe umamaneira de aproveitá-la com baixo custo, nem como armazená-la. Pode ser obtida deforma direta (fotovoltaica) e indireta (térmica).

Hidrogênio - Não é uma fonte primária de energia, já que precisa ser obtido apartir de outro composto, como a água, por exemplo. Tem custo baixo, não é poluente epode ser usado para abastecer automóveis.

Geotérmica - Calor proveniente do interior do planeta. Em alguns países é usadacomo aquecedor natural. No Brasil, não há muitas possibilidades de aproveitamento, anão ser para banhos no próprio local, como em Caldas Novas, em Goiás.

Oceânica - Pode ser aproveitada em locais com grande diferença de nível entre amaré baixa e maré alta. No Brasil é inviável, já que o país não possui essa variação.

Mineral - Carvão mineral, gás natural e xisto betuminoso são fontes de energiaproveniente das rochas, mas não são renováveis. Utilizadas geralmente para fornecercalor para os altos fornos de indústrias siderúrgicas e eletricidade através de usinastermelétricas ou ainda como combustível de automóveis.

Nuclear* - Energia obtida a partir da divisão do átomo, tendo como matéria-primaminerais altamente radioativos. As usinas nucleares possuem altos custos de instalação etem duração média de 25 anos. Apresenta malefícios, como desenvolvimento tecnológicopara construção de armas nucleares, produção de lixo atômico e riscos de acidentescomo o da usina ucraniana de Chernobyl.

Tipos de energias alternativas

*Não considerada como fonte alternativa de energia por alguns pesquisadores

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Além de aproveitar as 450 toneladas de lixo produzidas nacapital, a usina a partir de resíduos é menos poluidora que osaterros sanitários e as termelétricas a gás natural

Nem tudo o que é lixo deve ser jogado fora

Ganhar com o que seria jogado fora é anova tendência do mercado. Um exemplodisso é o projeto de implantação de umausina termelétrica em Campo Grande comgeração de energia a partir da combustãodo lixo urbano.

O projeto da Secretaria Municipal deDesenvolvimento Econômico prevê ini-cialmente a geração de 12 MW por ano,que serão destinados apenas às reparti-ções públicas municipais e deve serviabilizado ainda neste semestre. A em-presa que vencer o processo licitatório deconcorrência será instalada no terrenoonde hoje funciona o aterro sanitário.

O secretário Carlos Henrique SantosPereira afirma que a usina à base de lixoé muito viável porque, além de aprovei-tar as 450 toneladas de lixo produzidasdiariamente na capital, é menos po-luidora que os aterros sanitários e que astermelétricas a gás natural. Segundo San-tos Pereira, a usina não gasta muita água,

não gera compostos de oxigênio, nem pro-voca chuva ácida.

Em Dourados, empresários britânicostambém estão apostando no uso dabiomassa para a geração de energia. Oprojeto prevê a instalação de uma usinaenergética a partir do uso de dejetos de es-tabelecimentos agrícolas, como a �cama defrango�. Os investidores apostam na ma-téria-prima produzida nos aviários da re-gião sul do estado e no consumo de ener-gia das principais agroindústrias da Gran-de Dourados.

Outro exemplo é a iniciativa do INEE(Instituto Nacional de Eficiência Energé-tica) que, com recursos das Nações Uni-das, está desenvolvendo a utilizaçãoenergética de resíduos de madeira pro-venientes de serrarias e da indústria ma-deireira. O projeto pretende mostrar queas indústrias podem transformar os resí-duos de madeira em fonte de geração deenergia capaz de suprir a necessidade dasempresas. �Vamos apontar para o setoras possibilidades da verdadeira explora-ção florestal sustentada, do manejo sus-tentável das florestas e a oportunidadepara a produção da própria energiaconsumida�, afirma Osório de Brito, di-retor do instituto.

Os resíduos de madeira não só podemser usados para abastecer termelétricasbrasileiras, como também para substituira lenha convencional utilizada em olariase indústrias cerâmicas, além de contribuircom o meio ambiente e a saúde pública.

Derrota brasileiraApesar do esforço de muitos pesquisadores em de-

senvolver projetos de energia alternativa, a proposta bra-sileira de aumentar para 10% o total de fontes renováveisna matriz energética dos países até 2010 foi derrotadana Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentávelrealizada em Joanesburgo, África do Sul, em agosto de2002. A proposta foi reeditada, com as restrições dospaíses árabes e dos Estados Unidos de não estabelecermetas para energias renováveis, além de não definir

um período para que os países adotem fontes alternati-vas. O texto aprovado na Rio + 10 estabelece apenasque os países promovam, com urgência, um aumentosubstancial no uso de energias renováveis, reconhecen-do o papel das metas regionais e nacionais voluntáriasonde existirem. Ou seja, se o Brasil decidir adotar me-tas, o cumprimento delas poderá até ser fiscalizado pelaComissão Mundial para o Desenvolvimento Sustentá-vel, mas se não fizer não receberá punição.

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Sempre que há uma falha em um siste-ma qualquer, iniciamos a análise procuran-do determinar se a causa foi devida a umdefeito de fabricação ou erro humano.Quando, em 2001, ficou evidente a necessi-dade de um imediato racionamento de ener-gia elétrica para prevenir uma desastrosa eeminente interrupção no fornecimento deenergia, o governo federal procurou deses-peradamente esquivar-se de qualquer res-ponsabilidade, eliminando a hipótese de fa-lha humana. Restava, portanto, apenas en-contrar um segmento do sistema de equipa-mentos que pudesse ser inculpado. Eis comoacabou sendo eleito São Pedro como bodeexpiatório. �Foi a escassez de chuvas a res-ponsável�, afirmaram políticos e técnicos dogoverno, apesar de dados meteorológicosmostrarem que não se tratava de uma estia-gem maior que outras do passado.

A tese alternativa era de que a inovaçãogerencial denominada �Mercado Atacadista deEnergia�(MAE) havia fracassado. O MAE erauma espécie de Ceasa em que consumidorescomparam os preços da caixa de tomates e es-colhem os fornecedores menos careiros. E oúnico regulador é o mercado. Se funciona parao Ceasa, deve funcionar para o MAE.

De acordo com este modelo, quandohouvesse escasseamento de energia, os pre-ços subiriam e investimentos afluiriam, atéque a oferta fosse satisfatória e os preçosretrocedessem. Este mecanismo funcionabem com tomates. O que esses brilhantesplanejadores não teriam levado em conta éque no caso de escasseamento de tomates,comemos rabanetes, mas para energia elé-trica não há sucedâneo tão facilmenteencontrável.

Para as opções existentes, quanto meno-res os custos e tempo de retorno de capitais,maiores os custos da energia e mais penosoé para o consumidor. Assim, a única escolha

atraente para a iniciativa privada - atermelétrica a gás � tinha custos de produ-ção, que seriam o dobro do custo para novashidrelétricas e quatro vezes os custos da ele-tricidade vendida por Furnas e outras hidre-létricas já amortizadas. Além do mais, as re-servas brasileiras de gás natural são exíguase as bolivianas, além de limitadas, fornecemgás a preços determinados pelos do petróleono mercado internacional.

Tendo colocado suas esperanças em umasolução fracassada, o Estado também se omi-tiu, interrompendo inclusive a construção devarias hidrelétricas. Eis a melhor interpre-tação encontrada para o �apagão�, emboranão explique por que esta opção tãoesdrúxula tenha sido escolhida, em momentotão critico e de maneira tão apressada e ir-responsável.

Dentro das condicionantes, não teria sidofácil outra solução, a menos que o Brasilresolvesse desafiar o Fundo Monetário In-ternacional, que considera investimentos deempresas estatais brasileiras despesas go-vernamentais e as proíbe. Em 2001, o go-verno federal percebeu a inviabilidade doesquema para o setor elétrico e o liquidou.Houve, entretanto, um desperdício de bi-lhões de dólares, um aumento surpreenden-te das tarifas e quem saiu perdendo foi ocidadão. Lucros foram remetidos para oexterior por empresas endividadas, que fo-ram socorridas pelo governo reiteradas ve-zes com aumentos das tarifas e emprésti-mos subsidiados pelo BNDES. Enfim, tudoaquilo que compõe a razão ideológica daprivatização se transformou em lamentá-vel obscenidade. O apagão não foi conse-qüência de quebra de equipamento, nemde falha humana (técnica), mas tão somenteda falta de vontade política de uns e da es-peculação mercantilista de outros. Em re-sumo, foi conseqüência de falta de caráter.

Falta de caráter

*Físico e professor emérito da UnicampArtigo retirado do livro ‘Energia para oBrasil - um modelo de sobrevivência’

Rogério César de Cerqueira Leite*

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