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LFG - Intensivo I – Direito Civil – Pablo Stolze Aula 01 – 02/08/12
AULA 01
Curso: Intensivo I
Disciplina: Direito Civil
Professor: Pablo Stolze
Personalidade Jurídica
A personalidade jurídica é a aptidão
genérica para se titularizar direitos e
contrair obrigações na órbita jurídica. Tanto
a pessoa física como a jurídica são
dotadas desta qualidade.
1. Pessoa física ou natural
Vale lembrar que o grande Teixeira de
Freitas denominava a pessoa física ou
natural de “ente de existência visível”.
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Em que momento a pessoa física
ou natural adquire personalidade
jurídica?
Aparentemente, a resposta encontra-se
na primeira parte do art. 2º do Código Civil
Brasileiro, segundo a qual a personalidade
da pessoa começa do NASCIMENTO
COM VIDA.
Art. 2º, CC/02. A personalidade
civil da pessoa começa do
nascimento com vida; mas a lei
põe a salvo, desde a
concepção, os direitos do
nascituro.
Por “nascimento com vida” entenda-se
o funcionamento do aparelho
cardiorrespiratório. Vale dizer, nessa linha,
ainda que respire por um único instante, o
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recém-nascido, mesmo falecendo em
seguida, adquiriria personalidade jurídica.
Obs.: vale lembrar que o Código Civil
da Espanha, em seu art. 30, até a entrada
em vigor da recente Lei nº 20 de 2011
exigia, para efeito de aquisição de
personalidade, forma humana e uma
sobrevivência mínima de pelo menos 24
horas. Tal posicionamento, no Brasil, já
não seria possível à luz do princípio da
dignidade da pessoa humana e segundo a
doutrina da eficácia horizontal dos direitos
fundamentais.
Entretanto, a segunda parte do art. 2º
do CC, estabelece que o nascituro teria
direitos desde a concepção. Afinal, o
nascituro também seria uma pessoa?
O Nascituro
Conceito: segundo Limongi França, o
nascituro é o ente concebido, de vida
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intrauterina, mas ainda não nascido (no
laboratório é embrião).
Obs.: o que é concepturo? O
concepturo é aquele que nem concebido
ainda foi também chamado de prole
eventual.
O que seria natimorto? Trata-se
daquele ente nascido morto, em relação ao
qual o enunciado nº 1 da I JDC reconhece
a tutela de determinados direitos da
personalidade, na perspectiva da
dignidade humana, a exemplo do
resguardo à imagem e à sepultura.
Enunciado nº 1 – Art. 2º: a
proteção que o Código defere
ao nascituro alcança o
natimorto no que concerne aos
direitos da personalidade, tais
como nome, imagem e
sepultura.
Para se compreender a verdadeira
natureza jurídica do nascituro, é
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indispensável à análise das suas três
principais teorias (teorias explicativas do
nascituro).
A) Teoria natalista (Vicente Ráo, Silvio
Rodrigues, Eduardo Espinola): para
esta primeira teoria, a personalidade
jurídica somente seria adquirida a
partir do nascimento com vida, de
maneira que o nascituro não deve
tecnicamente ser considerado
pessoa, sendo mero titular de uma
expectativa de direito.
B) Teoria da personalidade condicional
(Serpa Lopes): para esta segunda
teoria, o nascituro seria considerado
pessoa no que tange a certos direitos
personalíssimos (como o direito à
vida), mas, direitos e efeitos de cunho
econômico ou patrimonial só seriam
adquiridos sob a condição de nascer
com vida. Ou seja, não seria ainda
pessoa senão quando implementada
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a condição do nascimento, no que se
refere a efeitos patrimoniais.
C) Teoria concepcionista (Clóvis
Beviláqua, Silmara Chinelato): o
nascituro deve ser considerado
pessoa desde a concepção, inclusive
para efeitos econômicos ou
patrimoniais (o nascimento apenas
consolidaria a personalidade
existente).
A teoria concepcionista vem
ganhando força, mas não chegou ao
ponto de justificar para a
jurisprudência a transmissibilidade de
uma herança para a sua mãe.
Em vários pontos do nosso sistema, é
nítida a influência concepcionista, a
exemplo do direito aos alimentos
(alimentos gravídicos – Lei
11.804/08), bem como o direito de
receber doação (art. 542, CC).
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Art. 542, CC/02. A doação feita
ao nascituro valerá, sendo
aceita pelo seu representante
legal.
Além disso, reforçando a corrente
concepcionista, o STJ admite dano moral
ao nascituro (REsp 931.556/RS, REsp
399.028/SP).
REsp 931.556/RS (05/08/08)
RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE
DO TRABALHO. MORTE. INDENIZAÇÃO
POR DANO MORAL. FILHO NASCITURO.
FIXAÇÃO DO QUANTUM
INDENIZATÓRIO. DIES A QUO.
CORREÇÃO MONETÁRIA. DATA DA
FIXAÇÃO PELO JUIZ. JUROS DE MORA.
DATA DO EVENTO DANOSO.
PROCESSO CIVIL. JUNTADA DE
DOCUMENTO NA FASE RECURSAL.
POSSIBILIDADE, DESDE QUE NÃO
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CONFIGURDA A MÁ-FÉ DA PARTE E
OPORTUNIZADO O CONTRADITÓRIO.
ANULAÇÃO DO PROCESSO.
INEXISTÊNCIA DE DANO.
DESNECESSIDADE.
- Impossível admitir-se a redução do valor
fixado a título de compensação por danos
morais em relação ao nascituro, em
comparação com outros filhos do de cujus,
já nascidos na ocasião do evento morte,
porquanto o fundamento da compensação
é a existência de um sofrimento impossível
de ser quantificado com precisão.
- Embora sejam muitos os fatores a
considerar para a fixação da satisfação
compensatória por danos morais, é
principalmente com base na gravidade da
lesão que o juiz fixa o valor da reparação.
- É devida correção monetária sobre o
valor da indenização por dano moral fixado
a partir da data do arbitramento.
Precedentes.
- Os juros moratórios, em se tratando de
acidente de trabalho, estão sujeitos ao
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regime da responsabilidade
extracontratual, aplicando-se, portanto, a
Súmula nº 54 da Corte, contabilizando-os a
partir da data do evento danoso.
Precedentes - É possível a apresentação
de provas documentais na apelação,
desde que não fique configurada a má-fé
da parte e seja observado o contraditório.
Precedentes.
- A sistemática do processo civil é regida
pelo princípio da instrumentalidade das
formas, devendo ser reputados válidos os
atos que cumpram a sua finalidade
essencial, sem que acarretem prejuízos
aos litigantes. Recurso especial dos
autores parcialmente conhecido e, nesta
parte, provido. Recurso especial da ré não
conhecido.
REsp 399.028/SP (25/02/02)
DIREITO CIVIL. DANOS MORAIS.
MORTE. ATROPELAMENTO.
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COMPOSIÇÃO FÉRREA. AÇÃO
AJUIZADA 23 ANOS APÓS O EVENTO.
PRESCRIÇÃO INEXISTENTE.
INFLUÊNCIA NA QUANTIFICAÇÃO DO
QUANTUM. PRECEDENTES DA TURMA.
NASCITURO. DIREITO AOS DANOS
MORAIS. DOUTRINA. ATENUAÇÃO.
FIXAÇÃO NESTA INSTÂNCIA.
POSSIBILIDADE. RECURSO
PARCIALMENTE PROVIDO.
I - Nos termos da orientação da Turma, o
direito à indenização por dano moral não
desaparece com o decurso de tempo
(desde que não transcorrido o lapso
prescricional), mas é fato a ser
considerado na fixação do quantum.
II - O nascituro também tem direito aos
danos morais pela morte do pai, mas a
circunstância de não tê-lo conhecido em
vida tem influência na fixação do quantum.
III - Recomenda-se que o valor do dano
moral seja fixado desde logo, inclusive
nesta instância, buscando dar solução
definitiva ao caso e evitando
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inconvenientes e retardamento da solução
jurisdicional.
Vale acrescentar ainda que o noticiário
STJ de 15 de maio de 2011, que em nosso
sentir, tem influência concepcionista,
admitiu que um casal obtivesse
indenização pelo seguro DPVAT pela
morte de um nascituro de 35 semanas.
Qual das teorias foi adotada pelo
direito civil brasileiro?
Trata-se de uma matéria ainda
acentuadamente polêmica.
Em nosso sentir, mesmo com o
julgamento da ADI 3510, em que fora
questionada a Lei de Biossegurança, a
temática ainda comportaria discussão (a
despeito de a ementa do julgado fazer
expressa referência a corrente natalista).
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Clóvis Beviláqua, por sua vez, em
doutrina, ainda atual, em sua clássica obra
“Comentários ao Código Civil dos Estados
Unidos do Brasil”, Editora Rio, 1975, p.
178, afirma que a melhor teoria é a
concepcionista, embora o Código Civil haja
adotado a natalista “por ser mais prática”.
Para Pablo, o codificador quis adotar a
teoria natalista, embora em muitos pontos
sofra a influência da teoria concepcionista.
ADI 3510/DF (29/05/08)
CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. LEI DE
BIOSSEGURANCA. IMPUGNAÇÃO EM
BLOCO DO ART. 5º DA LEI Nº 11.105, DE
24 DE MARÇO DE 2005 (LEI DE
BIOSSEGURANCA). PESQUISAS COM
CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS.
INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO
DIREITO À VIDA.
CONSITUCIONALIDADE DO USO DE
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CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS EM
PESQUISAS CIENTÍFICAS PARA FINS
TERAPÊUTICOS.
DESCARACTERIZAÇÃO DO ABORTO.
NORMAS CONSTITUCIONAIS
CONFORMADORAS DO DIREITO
FUNDAMENTAL A UMA VIDA DIGNA,
QUE PASSA PELO DIREITO À SAÚDE E
AO PLANEJAMENTO FAMILIAR.
DESCABIMENTO DE UTILIZAÇÃO DA
TÉCNICA DE INTERPRETAÇÃO
CONFORME PARA ADITAR À LEI DE
BIOSSEGURANCA CONTROLES
DESNECESSÁRIOS QUE IMPLICAM
RESTRIÇÕES ÀS PESQUISAS E
TERAPIAS POR ELA VISADAS.
IMPROCEDÊNCIA TOTAL DA AÇÃO.
I - O CONHECIMENTO CIENTÍFICO, A
CONCEITUAÇÃO JURÍDICA DE
CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS E
SEUS REFLEXOS NO CONTROLE DE
CONSTITUCIONALIDADE DA LEI DE
BIOSSEGURANCA. As "células-tronco
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embrionárias" são células contidas num
agrupamento de outras, encontradiças em
cada embrião humano de até 14 dias
(outros cientistas reduzem esse tempo
para a fase de blastocisto, ocorrente em
torno de 5 dias depois da fecundação de
um óvulo feminino por um espermatozóide
masculino). Embriões a que se chega por
efeito de manipulação humana em
ambiente extracorpóreo, porquanto
produzidos laboratorialmente ou "in vitro",
e não espontaneamente ou "in vida". Não
cabe ao Supremo Tribunal Federal decidir
sobre qual das duas formas de pesquisa
básica é a mais promissora: a pesquisa
com células-tronco adultas e aquela
incidente sobre células-tronco
embrionárias. A certeza científico-
tecnológica está em que um tipo de
pesquisa não invalida o outro, pois ambos
são mutuamente complementares.
II - LEGITIMIDADE DAS PESQUISAS
COM CÉLULAS-TRONCO
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EMBRIONÁRIAS PARA FINS
TERAPÊUTICOS E O
CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL. A
pesquisa científica com células-tronco
embrionárias, autorizada pela Lei nº
11.105/2005, objetiva o enfrentamento e
cura de patologias e traumatismos que
severamente limitam, atormentam,
infelicitam, desesperam e não raras vezes
degradam a vida de expressivo
contingente populacional (ilustrativamente,
atrofias espinhais progressivas, distrofias
musculares, a esclerose múltipla e a lateral
amiotrófica, as neuropatias e as doenças
do neurônio motor). A escolha feita pela
Lei de Biosseguranca não significou um
desprezo ou desapreço pelo embrião "in
vitro", porém u'a mais firme disposição
para encurtar caminhos que possam levar
à superação do infortúnio alheio. Isto no
âmbito de um ordenamento constitucional
que desde o seu preâmbulo qualifica "a
liberdade, a segurança, o bem-estar, o
desenvolvimento, a igualdade e a justiça"
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como valores supremos de uma sociedade
mais que tudo "fraterna". O que já significa
incorporar o advento do constitucionalismo
fraternal às relações humanas, a traduzir
verdadeira comunhão de vida ou vida
social em clima de transbordante
solidariedade em benefício da saúde e
contra eventuais tramas do acaso e até
dos golpes da própria natureza. Contexto
de solidária, compassiva ou fraternal
legalidade que, longe de traduzir desprezo
ou desrespeito aos congelados embriões
"in vitro", significa apreço e reverência a
criaturas humanas que sofrem e se
desesperam. Inexistência de ofensas ao
direito à vida e da dignidade da pessoa
humana, pois a pesquisa com células-
tronco embrionárias (inviáveis
biologicamente ou para os fins a que se
destinam) significa a celebração solidária
da vida e alento aos que se acham à
margem do exercício concreto e inalienável
dos direitos à felicidade e do viver com
dignidade (Ministro Celso de Mello).
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III - A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DO
DIREITO À VIDA E OS DIREITOS
INFRACONSTITUCIONAIS DO EMBRIÃO
PRÉ-IMPLANTO. O Magno Texto Federal
não dispõe sobre o início da vida humana
ou o preciso instante em que ela começa.
Não faz de todo e qualquer estádio da vida
humana um autonomizado bem jurídico,
mas da vida que já é própria de uma
concreta pessoa, porque nativiva (teoria
"natalista", em contraposição às teorias
"concepcionista" ou da "personalidade
condicional"). E quando se reporta a
"direitos da pessoa humana" e até dos
"direitos e garantias individuais" como
cláusula pétrea está falando de direitos e
garantias do indivíduo-pessoa, que se faz
destinatário dos direitos fundamentais "à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança
e à propriedade", entre outros direitos e
garantias igualmente distinguidos com o
timbre da fundamentalidade (como direito à
saúde e ao planejamento familiar).
Mutismo constitucional hermeneuticamente
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significante de transpasse de poder
normativo para a legislação ordinária. A
potencialidade de algo para se tornar
pessoa humana já é meritória o bastante
para acobertá-la, infraconstitucionalmente,
contra tentativas levianas ou frívolas de
obstar sua natural continuidade fisiológica.
Mas as três realidades não se confundem:
o embrião é o embrião, o feto é o feto e a
pessoa humana é a pessoa humana.
Donde não existir pessoa humana
embrionária, mas embrião de pessoa
humana. O embrião referido na Lei de
Biosseguranca ("in vitro" apenas) não é
uma vida a caminho de outra vida
virginalmente nova, porquanto lhe faltam
possibilidades de ganhar as primeiras
terminações nervosas, sem as quais o ser
humano não tem factibilidade como projeto
de vida autônoma e irrepetível. O Direito
infraconstitucional protege por modo
variado cada etapa do desenvolvimento
biológico do ser humano. Os momentos da
vida humana anteriores ao nascimento
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devem ser objeto de proteção pelo direito
comum. O embrião pré-implanto é um bem
a ser protegido, mas não uma pessoa no
sentido biográfico a que se refere a
Constituição.
IV - AS PESQUISAS COM CÉLULAS-
TRONCO NÃO CARACTERIZAM
ABORTO. MATÉRIA ESTRANHA À
PRESENTE AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. É
constitucional a proposição de que toda
gestação humana principia com um
embrião igualmente humano, claro, mas
nem todo embrião humano desencadeia
uma gestação igualmente humana, em se
tratando de experimento "in vitro". Situação
em que deixam de coincidir concepção e
nascituro, pelo menos enquanto o ovócito
(óvulo já fecundado) não for introduzido no
colo do útero feminino. O modo de
irromper em laboratório e permanecer
confinado "in vitro" é, para o embrião,
insuscetível de progressão reprodutiva.
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Isto sem prejuízo do reconhecimento de
que o zigoto assim extra-corporalmente
produzido e também extra-corporalmente
cultivado e armazenado é entidade
embrionária do ser humano. Não, porém,
ser humano em estado de embrião. A Lei
de Biosseguranca não veicula autorização
para extirpar do corpo feminino esse ou
aquele embrião. Eliminar ou desentranhar
esse ou aquele zigoto a caminho do
endométrio, ou nele já fixado. Não se cuida
de interromper gravidez humana, pois dela
aqui não se pode cogitar. A "controvérsia
constitucional em exame não guarda
qualquer vinculação com o problema do
aborto." (Ministro Celso de Mello).
V - OS DIREITOS FUNDAMENTAIS À
AUTONOMIA DA VONTADE, AO
PLANEJAMENTO FAMILIAR E À
MATERNIDADE. A decisão por uma
descendência ou filiação exprime um tipo
de autonomia de vontade individual que a
própria Constituição rotula como "direito ao
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planejamento familiar", fundamentado este
nos princípios igualmente constitucionais
da "dignidade da pessoa humana" e da
"paternidade responsável". A conjugação
constitucional da laicidade do Estado e do
primado da autonomia da vontade privada,
nas palavras do Ministro Joaquim Barbosa.
A opção do casal por um processo "in
vitro" de fecundação artificial de óvulos é
implícito direito de idêntica matriz
constitucional, sem acarretar para esse
casal o dever jurídico do aproveitamento
reprodutivo de todos os embriões
eventualmente formados e que se revelem
geneticamente viáveis. O princípio
fundamental da dignidade da pessoa
humana opera por modo binário, o que
propicia a base constitucional para um
casal de adultos recorrer a técnicas de
reprodução assistida que incluam a
fertilização artificial ou "in vitro". De uma
parte, para aquinhoar o casal com o direito
público subjetivo à "liberdade" (preâmbulo
da Constituição e seu art. 5º), aqui
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entendida como autonomia de vontade. De
outra banda, para contemplar os
porvindouros componentes da unidade
familiar, se por eles optar o casal, com
planejadas condições de bem-estar e
assistência físico-afetiva (art. 226 da CF).
Mais exatamente, planejamento familiar
que, "fruto da livre decisão do casal", é
"fundado nos princípios da dignidade da
pessoa humana e da paternidade
responsável" (§ 7º desse emblemático
artigo constitucional de nº 226). O recurso
a processos de fertilização artificial não
implica o dever da tentativa de nidação no
corpo da mulher de todos os óvulos afinal
fecundados. Não existe tal dever (inciso II
do art. 5º da CF), porque incompatível com
o próprio instituto do "planejamento
familiar" na citada perspectiva da
"paternidade responsável". Imposição,
além do mais, que implicaria tratar o
gênero feminino por modo desumano ou
degradante, em contrapasso ao direito
fundamental que se lê no inciso II do art. 5º
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da Constituição. Para que ao embrião "in
vitro" fosse reconhecido o pleno direito à
vida, necessário seria reconhecer a ele o
direito a um útero. Proposição não
autorizada pela Constituição.
VI - DIREITO À SAÚDE COMO
COROLÁRIO DO DIREITO
FUNDAMENTAL À VIDA DIGNA. O § 4º do
art. 199 da Constituição, versante sobre
pesquisas com substâncias humanas para
fins terapêuticos, faz parte da seção
normativa dedicada à "SAÚDE" (Seção II
do Capítulo II do Título VIII). Direito à
saúde, positivado como um dos primeiros
dos direitos sociais de natureza
fundamental (art. 6º da CF) e também
como o primeiro dos direitos constitutivos
da seguridade social (cabeça do artigo
constitucional de nº 194). Saúde que é
"direito de todos e dever do Estado" (caput
do art. 196 da Constituição), garantida
mediante ações e serviços de pronto
qualificados como "de relevância pública"
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(parte inicial do art. 197). A Lei de
Biosseguranca como instrumento de
encontro do direito à saúde com a própria
Ciência. No caso, ciências médicas,
biológicas e correlatas, diretamente postas
pela Constituição a serviço desse bem
inestimável do indivíduo que é a sua
própria higidez físico-mental.
VII - O DIREITO CONSTITUCIONAL À
LIBERDADE DE EXPRESSÃO
CIENTÍFICA E A LEI DE
BIOSSEGURANCA COMO
DENSIFICAÇÃO DESSA LIBERDADE. O
termo "ciência", enquanto atividade
individual, faz parte do catálogo dos
direitos fundamentais da pessoa humana
(inciso IX do art. 5º da CF). Liberdade de
expressão que se afigura como clássico
direito constitucional-civil ou genuíno
direito de personalidade. Por isso que
exigente do máximo de proteção jurídica,
até como signo de vida coletiva civilizada.
Tão qualificadora do indivíduo e da
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sociedade é essa vocação para os
misteres da Ciência que o Magno Texto
Federal abre todo um autonomizado
capítulo para prestigiá-la por modo
superlativo (capítulo de nº IV do título VIII).
A regra de que "O Estado promoverá e
incentivará o desenvolvimento científico, a
pesquisa e a capacitação tecnológicas"
(art. 218, caput) é de logo complementada
com o preceito (§ 1º do mesmo art. 218)
que autoriza a edição de normas como a
constante do art. 5º da Lei de
Biosseguranca. A compatibilização da
liberdade de expressão científica com os
deveres estatais de propulsão das ciências
que sirvam à melhoria das condições de
vida para todos os indivíduos. Assegurada,
sempre, a dignidade da pessoa humana, a
Constituição Federal dota o bloco
normativo posto no art. 5º da Lei
11.105/2005 do necessário fundamento
para dele afastar qualquer invalidade
jurídica (Ministra Cármen Lúcia).
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VIII - SUFICIÊNCIA DAS CAUTELAS E
RESTRIÇÕES IMPOSTAS PELA LEI DE
BIOSSEGURANCA NA CONDUÇÃO DAS
PESQUISAS COM CÉLULAS-TRONCO
EMBRIONÁRIAS. A Lei de Biosseguranca
caracteriza-se como regração legal a salvo
da mácula do açodamento, da insuficiência
protetiva ou do vício da arbitrariedade em
matéria tão religiosa, filosófica e
eticamente sensível como a da
biotecnologia na área da medicina e da
genética humana. Trata-se de um conjunto
normativo que parte do pressuposto da
intrínseca dignidade de toda forma de vida
humana, ou que tenha potencialidade para
tanto. A Lei de Biosseguranca não
conceitua as categorias mentais ou
entidades biomédicas a que se refere, mas
nem por isso impede a facilitada exegese
dos seus textos, pois é de se presumir que
recepcionou tais categorias e as que lhe
são correlatas com o significado que elas
portam no âmbito das ciências médicas e
biológicas.
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IX - IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. Afasta-
se o uso da técnica de "interpretação
conforme" para a feitura de sentença de
caráter aditivo que tencione conferir à Lei
de Biosseguranca exuberância regratória,
ou restrições tendentes a inviabilizar as
pesquisas com células-tronco
embrionárias. Inexistência dos
pressupostos para a aplicação da técnica
da "interpretação conforme a Constituição",
porquanto a norma impugnada não padece
de polissemia ou de plurissignificatidade.
Ação direta de inconstitucionalidade
julgada totalmente improcedente.
2. Capacidade jurídica
Ela se desdobra em capacidade de
direito e capacidade de fato.
Capacidade de direito é uma
capacidade genérica que qualquer pessoa
tem.
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Segundo Orlando Gomes, na obra
Introdução ao Direito Civil (editora
forense), para o direito moderno não há
como diferenciar personalidade e
capacidade de direito.
Mas capacidade de fato nem todas as
pessoas têm. Capacidade de fato é a
capacidade para pessoalmente praticar
atos na vida civil.
Quando uma pessoa reúne a
capacidade de direito e a capacidade de
fato se diz que ela tem capacidade civil
plena.
Capacidade civil plena = capacidade
de direito + capacidade de fato
Obs.: em direito civil, o conceito de
capacidade não se confunde com o de
“legitimidade”. Uma pessoa pode ser
plenamente capaz, mas não ter
legitimidade para a prática de um
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determinado ato, a exemplo de dois irmãos
maiores e capazes impedidos de casarem
entre si (falta-lhes legitimidade para o ato).
A falta de capacidade de fato gera a
incapacidade civil. A incapacidade civil
pode ser absoluta, nos termos do art. 3º do
CC, ou relativa, nos termos do art. 4º do
CC. Os absolutamente incapazes são
representados, os relativamente incapazes
são assistidos.
Art. 3o. São absolutamente
incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:
I - os menores de dezesseis anos; (menores impúberes)
II - os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos;
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III - os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.¹
Art. 4o. São incapazes,
relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer:
I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; (menores púberes)
II - os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido;
III - os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo;
IV - os pródigos.
Parágrafo único. A capacidade dos índios será regulada por legislação especial.
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Obs.: mediante procedimento de interdição, a incapacidade, inclusive a absoluta, pode ser declarada, por sentença, valendo registrar que, especialmente nos casos de enfermidade e deficiência mental, o juiz de direito antes de julgar determinará uma perícia médica. Proferida a sentença de interdição, registrada e publicada, todos os atos a partir dali praticados pelo incapaz, mesmo em momento de lucidez, sem o seu curador, é considerado inválido (ver artigos 1.177 e seguintes do CPC).
Art. 1.177. A interdição pode ser promovida:
I - pelo pai, mãe ou tutor;
II - pelo cônjuge ou algum parente próximo;
III - pelo órgão do Ministério Público.
Art. 1.178. O órgão do Ministério Público só requererá a interdição:
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I - no caso de anomalia psíquica;
II - se não existir ou não promover a interdição alguma das pessoas designadas no artigo antecedente, ns. I e II;
III - se, existindo, forem menores ou incapazes.
Art. 1.179. Quando a interdição for requerida pelo órgão do Ministério Público, o juiz nomeará ao interditando curador à lide (art. 9
o).
Art. 1.180. Na petição inicial, o interessado provará a sua legitimidade, especificará os fatos que revelam a anomalia psíquica e assinalará a incapacidade do interditando para reger a sua pessoa e administrar os seus bens.
Art. 1.181. O interditando será citado para, em dia designado, comparecer perante o juiz, que
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o examinará, interrogando-o minuciosamente acerca de sua vida, negócios, bens e do mais que Ihe parecer necessário para ajuizar do seu estado mental, reduzidas a auto as perguntas e respostas.
Art. 1.182. Dentro do prazo de 5 (cinco) dias contados da audiência de interrogatório, poderá o interditando impugnar o pedido.
§ 1o Representará o
interditando nos autos do procedimento o órgão do Ministério Público ou, quando for este o requerente, o curador à lide.
§ 2o Poderá o interditando
constituir advogado para defender-se.
§ 3o Qualquer parente
sucessível poderá constituir-lhe advogado com os poderes judiciais que teria se nomeado
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pelo interditando, respondendo pelos honorários.
Art. 1.183. Decorrido o prazo a que se refere o artigo antecedente, o juiz nomeará perito para proceder ao exame do interditando. Apresentado o laudo, o juiz designará audiência de instrução e julgamento.
Parágrafo único. Decretando a interdição, o juiz nomeará curador ao interdito.
Art. 1.184. A sentença de interdição produz efeito desde logo, embora sujeita a apelação. Será inscrita no Registro de Pessoas Naturais e publicada pela imprensa local e pelo órgão oficial por três vezes, com intervalo de 10 (dez) dias, constando do edital os nomes do interdito e do curador, a causa da interdição e os limites da curatela.
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Art. 1.185. Obedecerá às disposições dos artigos antecedentes, no que for aplicável, a interdição do pródigo, a do surdo-mudo sem educação que o habilite a enunciar precisamente a sua vontade e a dos viciados pelo uso de substâncias entorpecentes quando acometidos de perturbações mentais.
Art. 1.186. Levantar-se-á a interdição, cessando a causa que a determinou.
§ 1o O pedido de levantamento
poderá ser feito pelo interditado e será apensado aos autos da interdição. O juiz nomeará perito para proceder ao exame de sanidade no interditado e após a apresentação do laudo designará audiência de instrução e julgamento.
§ 2o Acolhido o pedido, o juiz
decretará o levantamento da
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interdição e mandará publicar a sentença, após o transito em julgado, pela imprensa local e órgão oficial por três vezes, com intervalo de 10 (dez) dias, seguindo-se a averbação no Registro de Pessoas Naturais.
É válido o ato praticado por pessoa portadora de uma causa de incapacidade (doença mental, por exemplo) e que ainda não fora interditada?
Embora a lei civil seja omissa, a doutrina (Orlando Gomes), com inegável influência do direito italiano, tem admitido a invalidação do ato praticado pelo incapaz, mesmo ainda não interditado, se concorrerem três requisitos:
I. Incapacidade de entendimento; II. Demonstração de prejuízo ao
incapaz;
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III. A má-fé da outra parte (que pode ser aferida pelas circunstâncias do negócio).
O Projeto do Novo CPC para dar mais segurança jurídica à hipótese, em seu art. 774, III, estabelece que o juiz na sentença fixe o termo inicial da interdição (sentença do dia 02/08/12, mas interditado desde 01/01/03 quando eclodiu a doença mental).
Art. 4o. São incapazes,
relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer:
I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; (menores púberes)
II - os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido;²
III - os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo;
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IV - os pródigos.³
Parágrafo único. A capacidade dos índios será regulada por legislação especial. (Art. 8º, da Lei 6.001/73 – Estatuto do índio)
Art. 8º, Lei 6.001/73. São nulos os atos praticados entre o índio não integrado e qualquer pessoa estranha à comunidade indígena quando não tenha havido assistência do órgão tutelar competente.
Parágrafo único. Não se aplica a regra deste artigo no caso em que o índio revele consciência e conhecimento do ato praticado, desde que não lhe seja prejudicial, e da extensão dos seus efeitos.
¹O Código Civil de 1916 considerava absolutamente incapaz também o ausente
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e o surdo-mudo que não tivesse habilidade para manifestar vontade. Embora o Novo Código não seja expresso, o inciso III do art. 3º abrange o surdo-mudo que não tenha habilidade para manifestação da sua vontade. E quanto ao ausente, veremos que a ausência pode traduzir, não incapacidade, mas presunção de morte.
²Se a doença mental, a deficiência ou a toxicomania neutralizarem a capacidade de discernimento, gerará incapacidade absoluta.
³O pródigo sofre de um transtorno de personalidade em geral uma compulsão, que gera a sua incapacidade relativa, podendo também ser interditado.
Em verdade, a proteção do pródigo inspira-se na teoria do estatuto jurídico do patrimônio mínimo, desenvolvida por Luiz Edson Fachin, segundo a qual as normas civis na perspectiva da dignidade humana, devem sempre resguardar a cada pessoa um mínimo de patrimônio para que tenha vida digna.
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O curador do pródigo deve assisti-lo em atos de conteúdo patrimonial. Vale finalmente dizer que o curador do pródigo deve se manifestar quanto ao regime de bens que o incapaz pretenda adotar em seu casamento.
O que é “restitutio in integrum”?
Quais os principais efeitos da redução da maioridade civil?