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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO
NAYARA QUEIROZ MOTA DE SOUSA
ORIENTADOR: SÉRGIO TORRES TEIXEIRA
CO-ORIENTADORA: SANDRA SOUZA DA SILVA CHAVES
PESQUISA FENOMENOLÓGICA NA JUSTIÇA DO TRABALHO – PROPOSTA DE UMA
CONCILIAÇÃO HUMANISTA
RECIFE
2010
NAYARA QUEIROZ MOTA DE SOUSA
PESQUISA FENOMENOLÓGICA NA JUSTIÇA DO TRABALHO – PROPOSTA DE UMA
CONCILIAÇÃO HUMANISTA
Dissertação apresentada à Universidade Católica de Pernambuco como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito, com área de concentração em Processo e Dogmática, sob a orientação de Sérgio Torres Teixeira e co-orientação de Sandra Sousa da Silva Chaves.
RECIFE 2010
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO
Dissertação apresentada por Nayara Queiroz Mota de Sousa, do Curso de
Mestrado em Direito com área de concentração em Processo e Dogmática, em novembro de
2010, tendo obtido o conceito______________________, conforme a apreciação da Banca
Examinadora constituída pelos Professores Doutores:
Professora Doutora Vírginia Colares Soares Figueiredo Alves Membro – Universidade Católica de Pernambuco
_________________________________________________________________________
Professor Doutor Marcelo Labanca Correira de Araújo Membro – Universidade Católica de Pernambuco
Professora Doutora Luciana Grassano de Gouveia Melo Membro – Universidade Federal de Pernambuco
Professora Doutora Sandra Souza da Silva Chaves Membro – Universidade Federal da Paraíba
RECIFE
2010
DEDICATÓRIA
A Deus, por toda luz, que vem que vem iluminando os meus caminhos,
por toda fé, que vem sustentando a minha vida.
Aos meus pais, pela retidão de caráter, que me foi repassada, pela ética,
pelo amor e pela vida.
Aos meus filhos Taysa, André e Raul, que diariamente me surpreendem
pelas pessoas que são, pelo amor ao próximo, pela humildade, pela
sinceridade, por terem me ensinado a amar incondicionalmente,
por terem trilhado o meu caminho, por significarem a razão do meu
viver e, acima de tudo, pela compreensão e aceitação pela pessoa que eu
sou.
Ao meu amigo, companheiro e confidente, pelo ombro, pelas escutas e
por ter aceitado cada minuto de ausência, que foi destinado à
elaboração deste trabalho, com amor, carinho e compreensão.
Aos meus irmãos pelo afeto, dedicação e pelas infindáveis conversas das
manhãs de domingo.
AGRADECIMENTOS
Os meus mais sinceros agradecimentos à Sandra de Souza da Silva
Chaves e a Sérgio Torres Teixeira pela orientação que me guiou na
elaboração deste trabalho, que exigiu tantos esforços e tantas horas
dispensadas aos meus questionamentos e incertezas, pelo que reconheço
a dedicação e atenção que me foi dispensada.
Agradeço, ainda, a todos os meus familiares, amigos e professores, que
me serviram de inspiração, e, mesmo sem saber, de aplicação da
Abordagem Centrada na Pessoa.
SUMÁRIO
RESUMO ABSTRACT INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 10 PARTE I 1 O Poder Judiciário: influência, importância e atuação na sociedade. 1.1 A influência dos juristas na formação do Estado Brasileiro.......................................... 14 1.2 A importância do Poder Judiciário na sociedade brasileira contemporânea................. 21 1.3 A atuação da magistratura na modernidade: o anquilosamento da profissão................ 26 1.4 Breve histórico sobre a evolução da Justiça do Trabalho no Brasil.............................. 34 2 Os meios alternativos de solução dos conflitos 2.1 Arbitragem, Mediação e Conciliação............................................................................ 40 2.2 A conciliação Judicial no Estado Moderno................................................................... 51 2.3 O paradoxo entre a indisponibilidade dos direitos trabalhistas e a conciliação judicial................................................................................................................................. 59 2.4 A conciliação: atuação do Poder Judiciário trabalhista na sociedade contemporânea..................................................................................................................... .66 3 A humanização na ciência: exigência da sociedade moderna 3.1 A proposta humanista: um novo olhar para as ciências sociais..................................... 72 3.2 O homem moderno: solitário e conflituoso................................................................... 75 3.3 O diálogo genuíno: a importância da fala e da escuta na contemporaneidade............. 80 3.4 A proposta de Carl Rogers para um relacionamento interpessoal transformativo: Abordagem Centrada na Pessoa......................................................................................... 87 3.4.1 Fundamentos básicos da ACP................................................................................... 89 3.4.2 Atitudes facilitadoras sugeridas pela ACP................................................................ 93 3.4.3 Campos de aplicação da ACP.................................................................................. 100 3.4.4 O profissional e sua relação com o “outro”............................................................. 105 3.5 A fenomenologia existencial com perspectiva humanista utilizada na pesquisa científica............................................................................................................................ 110 3.6 Versão de sentido: um instrumento metodológico para a pesquisa fenomenológica................................................................................................................. 115 PARTE II 1 Objetivo geral............................................................................................................... 121 2 Objetivos específicos.....................................................................................................121 3 Estratégias metodológicas 3.1 Tipo de estudo...................................................................................................... 121
3.1.1 Universo e participantes.......................................................................................... 122 3.1.2 Critérios para a seleção dos participantes............................................................... 122 3.2 Método de acesso ao fenômeno................................................................................. 122 3.3 Procedimento da Pesquisa......................................................................................... 123 3.4 Análise dos Dados..................................................................................................... 125 4 Resultado e Discussão 4.1 Pesquisa realizada na Justiça do Trabalho da Paraíba.............................................. 126 4.2 Eixos de significados dos magistrados..................................................................... 128 4.3 Eixos de significados dos jurisdicionados................................................................ 144 4.3.1 Tematizações que se comunicam nas vivências das partes................................... 144 4.3.2 Peculiaridades das vivências dos jurisdicionados.................................................. 156 4.3.2.1 Eixos de significados específicos dos reclamados.............................................. 156 4.3.2.2 Eixos de significados peculiares aos reclamantes.............................................. 160 CONCLUSÕES................................................................................................................177 REFERÊNCIAS............................................................................................................... 179 ANEXOS.......................................................................................................................... 192
PESQUISA FENOMENOLÓGICA NA JUSTIÇA DO TRABALHO: PROPOSTA DE UMA
CONCILIAÇÃO HUMANISTA
RESUMO
O Poder Judiciário exerceu uma grande influência na formação do Estado brasileiro, o que ressaltou o papel da classe jurídica dentro da sociedade. Como juristas, os magistrados tiveram uma grande influência na elaboração da estrutura e organização estatal o que lhes renderam um enorme prestígio e poder dentro do meio social. Esta característica associada à luta pela independência e profissionalização da categoria gerou um distanciamento dos juízes com os cidadãos, sendo que a formação da magistratura baseada no método cartesiano de fazer ciência, que não acompanhou as transformações sociais trazidas pela modernidade, aprofundou ainda mais este afastamento, gerando uma insatisfação com a atuação do Poder Judiciário, inclusive no ramo trabalhista. O aumento da conflituosidade provocado pelas modificações implantadas no mundo moderno exige respostas rápidas e efetivas do Poder Judiciário, como pacificador social. Neste panorama, os meios de solução de conflitos devem ser privilegiados, que além de desafogarem a máquina judiciária, resolvem a contenda no seio social. A conciliação vem sendo estimulada como melhor e mais rápida solução para as ações judiciais, portanto precisa ser aprimorada. A humanização da atuação jurisdicional se apresenta como alternativa para aproximar o Poder Judiciário do cidadão e auxiliar na missão de pacificação dos conflitos, pois promete o aperfeiçoamento da pessoa para melhor conviver em sociedade, em um momento em que o isolamento e as contradições parecem atingir o homem moderno. O presente trabalho objetivou identificar o sentido da relação estabelecida em audiência entre o magistrado e as partes, através de uma pesquisa fenomenológica existencial, utilizando como instrumento metodológico, a versão de sentido, para a coleta de dados. Os resultados e discussão demonstram que das falas dos magistrados e dos jurisdicionados emergiram eixos de significados que revelam o sentimento de cada pesquisado, inclusive com tematizações específicas dos Juízes; eixos que se comunicavam nas vivências dos reclamantes e dos reclamados e outros que são peculiares a cada parte em específico. Analisando estas unidades de significações se podem traçar conexões com a revisão da literatura que evidenciaram a necessidade de aperfeiçoar a atividade jurisdicional e promoveram uma reflexão sobre as posturas adotadas na atuação do Poder Judiciário Trabalhista da Paraíba. Conclui-se com a sugestão de uma nova perspectiva para humanizar a tentativa conciliatória, adotando os fundamentos da Abordagem Centrada na Pessoa para qualificar este ato jurisdicional e implantar dentro da Justiça do Trabalho uma conciliação humanista.
PALAVRAS-CHAVE: Conciliação Humanista. Justiça do Trabalho. Pesquisa fenomenológica.
Versão de sentido. Abordagem Centrada na Pessoa.
ABSTRACT
The Judiciary has exercised a great influence on the formation of the Brazilian state, which emphasized the role of the judicial profession in society. As jurists, the judges had a great influence in developing the structure and the state organization that earned them enormous prestige and power within the social environment. This feature associated with the struggle for independence and professionalism of the category generated a distance of judges with the public, and training for the judges based on the Cartesian method of doing science, which not accompanied the social changes brought by modernity, has enlarged this distance, generating a dissatisfaction with the performance of the Judiciary, including the labor sector. The increased conflictuality that caused by the changes implemented in the modern world requires rapid and effective responses of the judiciary, social as peacemaker. In this scenario, the means of conflict resolution should be privileged, that beyond the Judiciary of relief, resolve the dispute within society. Reconciliation has been promoted as the best and quickest solution to the lawsuits, so they need to be improved. Humanizing is an alternative approach to the judiciary of the citizen and helping in the mission of pacifying the conflict, for it promises the improvement of the person to cope better in society, in a time when the isolation and the contradictions seem to reach the modern man. This study aimed to identify the direction of the relationship between the judge and the parties, through an existential phenomenological research, using as a methodological tool, the version of meaning, to collect data. Results and discussion show that the speech of judges and parties of the axes of meanings emerged that reveal the feelings of each search, including specific thematizations Judges; axes that are communicated in the experiences of the parties and others axes which are peculiar to each part in particular. Analyzing these units of meaning they can trace connections to the literature review, highlighting the need to improve the judicial activity and promote a reflection on the postures adopted in the Judiciary of the Paraiba. This Search concluded by suggesting a new perspective to humanize the conciliatory attempt, taking the fundamentals of the Person Centered Approach to qualify and deploy the conciliation within the Judiciary proposing the conciliation a humanist. KEYWORDS: Reconciliation Humanist. Judiciary. Phenomenological Research. Version of Sense. Person Centered Approach.
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INTRODUÇÃO
A escolha do tema atende a uma necessidade pessoal de rever as posturas
adotadas no exercício da magistratura e a um desejo de se afastar dos padrões impostos pelas
instituições que engessam o “eu” e se distanciam das pessoas que se encontram por trás das
páginas físicas dos processos judiciais. Agora, mais que nunca, quando se vê o caminhar célere
da informática, que se apropriou do “modus operandi” da reclamação trabalhista, sendo o
processo eletrônico uma realidade, mais preocupa a mecanização do litígio, que inevitavelmente
provocará um distanciamento maior ainda do “humano”. As ideias propostas por Carl Rogers
foram apresentadas a esta pesquisadora em um momento em que se mostra evidente a
necessidade de humanização das atividades jurisdicionais.
As leituras sobre a proposta de Rogers modificam a percepção sobre o outro,
instigam a vontade de se juntar a uma gama de autores que pretendem propor uma visão
filosófica para resgatar a plenitude da pessoa, colocando-a no centro dos objetivos das
instituições públicas, e estimulam o desejo de fazer parte de uma “minoria “dissidente” que se
afasta da supervalorização do consumo, da burocracia, da homogeneização e da adequação do
indivíduo ao mundo como está organizado” (ROSENBERG, 2008, p. 22)
O presente trabalho foi elaborado com embasamento teórico extraído da
revisão da literatura relacionada ao tema, bem como através de uma pesquisa fenomenológica
existencial, com perspectiva humanista, quando foi utilizado o instrumento metodológico da
versão de sentido.
A decisão da divisão do texto em duas partes objetivou viabilizar a análise do
trabalho e possibilitar a compreensão do conteúdo. A Parte I é constituída de três capítulos,
constando, no primeiro, um estudo sobre o Poder Judiciário, dissertando-se sobre a sua
influência, importância e atuação na sociedade moderna, tão complexa e plural, com enfoque na
atividade prestada pela magistratura e direcionando o estudo para a Justiça do Trabalho:
histórico, evolução e importância.
No segundo capítulo há uma apreciação sobre os meios alternativos de
solução dos conflitos, onde se descrevem os institutos da arbitragem, mediação e conciliação,
contextualizando este ato judicial na modernidade e o trazendo para a reflexão tanto sobre o seu
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paradoxo com a indisponibilidade dos direitos trabalhistas, quanto sobre a sua prática nos
Tribunais Trabalhistas da sociedade contemporânea.
No terceiro capítulo faz-se referência à exigência da sociedade contemporânea
de humanização da ciência, como um novo olhar para as ciências sociais, inclusive traçando um
desenho sobre a solidão e a conflituosidade que aflige o homem moderno e que ressalta a
necessidade de encontros significativos. Na sequência destaca-se a importância da fala e da
escuta para o alcance de um diálogo genuíno, seguindo com a apresentação da proposta de Carl
Ransom Rogers, para a instalação de um relacionamento interpessoal transformativo,
sistematizada na Abordagem Centrada na Pessoa. A última parte do terceiro capítulo destina-se à
apreciação sobre a fenomenologia existencial com perspectiva humanista, dissertando-se sobre a
pesquisa fenomenológica e o instrumento metodológico de versão de sentido.
Seguindo o texto, na Parte II do trabalho, encontram-se os objetivos gerais e
específicos, bem como a descrição das estratégias metodológicas; do tipo de estudo; do universo;
dos participantes e dos seus critérios de seleção; dos método de acesso ao fenômeno e o relato
mais fiel possível do procedimento da pesquisa, seguidos da análise dos dados, do resultado e da
discussão.
Por fim, nas conclusões finais, foi revelado que a pesquisa fenomenológica
realizada junto ao Tribunal Regional do Trabalho da Décima Terceira Região demonstrou o
sentido da relação estabelecida em audiência, tal como vivenciada pelos magistrados e os
jurisdicionados, no momento do evento, e identificou como a sessão “tocou” significativamente
cada um dos referidos participantes, tendo sido extraídas das versões de sentido as tematizações,
nas quais foram enquadrados os recortes de fala que identificaram a qualidade da relação e
ofereceram uma visão mais ampla do ser humano envolvido no encontro.
Acompanhando a revisão da literatura, que indicou a necessidade de
encontros significativos na sociedade moderna, com a implantação de diálogos genuínos, em que
a fala é autêntica e a escuta se mantém ativa, a pesquisa revelou que é preciso aperfeiçoar o
relacionamento firmado entre o Poder Judiciário e os jurisdicionados, principalmente quando se
pretende a pacificação do conflito através da conciliação judicial.
Objetivando contribuir para o enquadramento do Poder Judiciário na terceira
onda de reforma em busca do Acesso à Justiça, que segue a direção da democratização e
humanização e visando ofertar um caráter inovador ao conteúdo do trabalho, foi trazida na
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conclusão do texto a sugestão da implantação de uma conciliação humanista nos Tribunais do
Trabalho, associando à atividade jurisdicional o conhecimento e a maestria da Abordagem
Centrada na Pessoa, ensinamentos da Psicologia, apresentados por Carl Rogers, que estimulam a
prática de atitudes facilitadoras, capazes de transformar os relacionamentos em todos os campos
da vida do homem, e que se propõem a ser mais um salva-vidas para resgatar o ser humano desta
avalanche promovida pela frieza e insensibilidade do Capital e pela imensa força com que avança
a Tecnologia.
Finalizando a conclusão do trabalho, foram incluídas perspectivas futuras
instigadas pela presente pesquisa, que desenhou a relação estabelecida entre o juiz e as partes na
audiência, promovendo uma reflexão sobre a atuação do Poder Judiciário Trabalhista da Paraíba;
firmando um referencial para um plano de gestão, com a reestruturação do relacionamento entre
os magistrados e jurisdicionados, através da implantação de um processo de humanização que
contribua para o engajamento da Justiça do Trabalho na luta contra a mecanização da atividade
jurisdicional, provocada pela burocratização e agravada pela automação.
A pesquisa discutiu os resultados com a literatura produzida pela comunidade
científica sem a pretensão de esgotar o assunto, mas de provocar novos questionamentos que
aperfeiçoem a atividade jurisdicional em todo país, e instigar o prosseguimento nos estudos da
pesquisadora para desenvolver projeto de pesquisa, objetivando elaborar a definição, indicação de
atitudes facilitadoras e procedimento, para a construção de uma Conciliação Humanista no Poder
Judiciário, com fundamentos da Abordagem Centrada na Pessoa.
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PARTE
I
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1 O Poder Judiciário: Influência, importância e atuação.
1.1 A influência dos juristas na formação do Estado Brasileiro.
Uma breve retrospectiva sobre a influência dos juristas para a estruturação do
Estado Democrático de Direito, tal como implantado na Constituição de 1988, faz-se necessária
para melhor compreender a grande participação dos magistrados brasileiros na organização
política e econômica do Estado.
Traçando um perfil da sociedade brasileira no período imperial é possível
verificar que havia uma divisão bem delimitada em classes sociais e como afirma Ferraz Jr
(2001) os relacionamentos eram firmados de forma linear entre pessoas da mesma posição social,
com pouca alternância de uma classe para outra, muito se assemelhando aos modelos primitivos
de sociedade, em que o poder era organizado pelo princípio do parentesco, tanto nas relações
políticas, econômicas, como nas culturais, de modo que havia uma divisão social por
sobrenomes, famílias ou grupos similares. Complementa Adorno (1988), que além dos aspectos
morais advindos do parentesco, os relacionamentos eram reforçados pelos ideais do escravismo e
em defesa dos interesses dos latifundiários.
A política como meio de gestão da sociedade e a preferência pelo Direito
como meio de regramento das relações sociais, substituindo a primazia pelo princípio do
parentesco, alterou a estrutura social, inclusive do Brasil.
No desenvolvimento do Estado surgiu um poder central que foi se instalando
progressivamente, como assegura Carvalho (2010), na medida em que os monarcas assumiam o
poder de taxação, o recrutamento militar e o controle da aplicação da justiça, que era função da
Igreja e dos senhores feudais, pois o domínio do aparato judiciário era fundamental para a
proteção do poder estatal, que era reforçado pela formação da burocracia central para
arrecadação, pela exigência do cumprimento das determinações do Estado e pela criação do
parlamento.
As sociedades políticas passaram a ser construídas em um sistema
hierarquizado, onde o prestígio era quem delimitava o lugar de cada indivíduo dentro da
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sociedade através de uma relação de status. O ocupante do topo da pirâmide utilizava-se de uma
linguagem requintada e especializada, pois o Direito passou a ser utilizado como fórmulas
prescritivas. Assim, surgiu, dentro da estrutura social, a classe dos juristas, um grupo
especializado e com papel social peculiar (FERRAZ JR, 2001).
Comenta, ainda, José Murillo de Carvalho que:
Os juristas e magistrados exerceram um papel de grande importância na política e na administração portuguesa e posteriormente na brasileira. Tratava-se de uma elite sistematicamente treinada, sobretudo graças ao ensino de direito da Universidade de Coimbra, fundada em 1290 (CARVALHO, 2010, p.31).
Assim como aconteceu em Portugal, a elite brasileira tinha sua formação
advinda da Universidade de Coimbra, onde se graduaram os magistrados, o que provocava uma
unificação ideológica na classe social. A elite no período imperial que mais influenciou a
formação do Estado brasileiro era formada por magistrados, que detinham elementos intelectuais,
ideológicos e práticos que favoreciam a construção do Poder, acompanhados pelos militares,
diplomatas e os próprios padres. No período limitado entre 1822 a 1889, os magistrados e os
advogados ocupavam a maioria dos cargos de Ministros, crescendo gradativamente entre os anos
de 1831 a 1889 em detrimento dos militares, o mesmo acontecendo com as ocupações dos cargos
de Senador e Deputado. Além do mais, os magistrados e os militares ocupavam o topo da divisão
vertical burocrática do Estado, que se dividia por importância nas funções estatais, e tiveram uma
relevante participação na política do Império. Registra-se que as normas legais que
regulamentavam a carreira, afastavam o magistrado do contato da vida local, sob o argumento de
que isso garantiria o cumprimento da missão de “servir ao rei”. Eram proibidos de casar sem
licença especial, de exercer o comércio e serem proprietários de terras dentro da sua jurisdição
(CARVALHO, 2010).
Neste momento histórico, o ordenamento jurídico brasileiro, inclusive as
regras processuais, era construído para atender aos interesses particulares de determinados grupos
sociais e os operadores do Direito, na sua maioria, contribuíam para a construção da ordem social
visando interesses pessoais. Entretanto, com uma lenta e progressiva mudança de mentalidade no
meio acadêmico, novos juristas passaram a penetrar-se no cenário político, e começaram a ser
elaborados conceitos jurídicos dissociados dos interesses particulares, gerando uma discreta
modificação nas regras de Direito.
A magistratura iniciou uma batalha para isolar a sua atividade da influência
política e lutou pela atuação impessoal e profissional, defendendo uma profissionalização
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fundada na neutralidade do conhecimento técnico, que privilegiava a jurisprudência e que era
comprometida com a problemática política e social. A função judicial passou a ser exercida sem
influência dos interesses particulares da política, com ideário baseado no conhecimento
especializado e nos valores universais. Unidos, os advogados, juízes e promotores alcançaram sua
autonomia e criaram um sistema judiciário independente com uma magistratura autocontrolada
(BONELLI, 2002). No dizer de Vianna et al.(1997), os magistrados passaram de uma elite
político-administrativa para assumir uma postura técnico-perito na avaliação da lei para amoldá-
la ao caso concreto, ou seja, de “construtor da ordem” para garantidor da “certeza jurídica”.
A obtenção da independência funcional da magistratura e dos operadores de
Direito contribuiu ainda mais para certo destaque e relevo das profissões jurídicas dentro da
sociedade, que em virtude de seus conhecimentos, ocupavam papel importante na elaboração do
ordenamento jurídico do país.
Interessante destacar que a autonomia alcançada culminou com a criação da
categoria de forma independente, quanto à forma de nomeação e atuação, porém ainda
permanecia a influência da magistratura na classe política.
Um aspecto que merece comentar cuida-se da imagem que os intelectuais do
Direito guardavam de si. Tinham na consciência o reconhecimento de que possuíam atributos que
o destacavam da sociedade, o que os condicionavam a agirem no meio social e na sua vida
particular, na expectativa deste reconhecimento pelos demais cidadãos. O bacharel ou estudante
de Direito era preferido para a ocupação de cargos públicos por representar prestígio e poder.
Esta profissionalização da política contribuiu para a unificação dos membros políticos e para a
burocratização dos serviços públicos, constituindo o “Estado de magistrados, dominado por
juízes, secundados por parlamentares e funcionários de formação profissional jurídica”, traçando
uma linha separatista entre o poder privado e o poder público (ADORNO, 1988, p.78.).
Dentro desta estrutura se foi moldando a atividade jurisdicional prestada pelo
Estado aos cidadãos, onde a burocracia era uma característica marcante e o exercício da
magistratura uma posição de destaque dentro da sociedade, não só pela técnica da atividade, mas
pelo status ocasionado pelo prestígio e pelo poder que era atribuído até mesmo pela classe
política.
Os grandes conflitos mundiais do início dos anos de 1900 resultaram numa
necessidade de reconstrução do Estado, com estruturação dos Poderes de Estado. Na composição
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do Executivo havia uma preferência nos estudos sobre burocracia, elites políticas e estrutura
governamental; no lado do Legislativo se preocupavam com a representação popular para a
implantação de uma democracia política; na construção do Terceiro Poder eram traçados
conceitos sobre Justiça, sempre na direção de defesa de novos direitos e de orientações
igualitárias, na tentativa de equalizar as relações entre Direito e Justiça, como demonstram as
teorias do neojusnaturalismo e as formalizadas na filosofia do direito, sendo marcante a
positivação dos direitos nas Constituições dos países. As ondas de neojusnaturalismo que
invadiam as esferas políticas em defesa de direitos para proteção do homem, encontraram
fertilidade na sociedade marcada pelos regimes nazifascistas implantados na Europa, nos anos
entre 1920 e 1940, e burocrático-autoritários da América Ibérica, nos anos 1960 a 1970. Novos
conceitos jurídicos se rebelavam contra o positivismo e implantavam, nas Constituições do pós-
guerra e nas Declarações, direitos fundamentais (VIANNA et al., 1997).
É importante registrar que muitos destes conceitos eram abertos e
indeterminados, dando margem às interpretações mais variadas, mas sempre na direção de
proteção da dignidade da pessoa humana, o que destacava cada vez mais a importância da figura
do magistrado na manutenção da ordem jurídica dos países.
Como comenta Vianna et al. (1997) , a incorporação do ideal de justiça trazida
pelo constitucionalismo moderno vem acompanhada de pouco texto escrito no corpo legislativo,
mas representa uma simbologia legislativa, dotada de uma força que orienta o sistema político
quanto aos valores e expectativas da sociedade e se corporifica em princípios a serem efetivados
e respeitados como formadores da ordem jurídica. A exigência da interpretação destes princípios
culminou com a desneutralização do Poder Judiciário, que passou a atuar ativamente na defesa
dos direitos fundamentais, inclusive os sociais, fugindo da simples dicotomia de certo e errado
prevista na letra da lei, para dar efetividade aos referidos direitos.
Com a análise temporal se vem percebendo a força que a magistratura vem
ganhando dentro da governabilidade do país, o que lhe sobra cada vez mais prestígio e poder
perante os jurisdicionados, que inevitavelmente repercute no seu envolvimento dentro das
relações sociais.
No período delimitado entre as décadas de 1970 e 1980, o Brasil passou por
um processo de democratização, onde as vozes significativas partiram dos juristas que formaram
um componente político de resistência organizado e bastante qualificado. A sociedade se
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construía basicamente pelas “verdades” advindas dos operadores do Direito, mais propriamente,
dos magistrados. Era notório o descaso com a sociologia e a supervalorização das ciências
jurídicas, em virtude da confiança na função repressora da máquina judiciária e nos praticantes do
Direito, que ocupavam a classe social muito ligada ao poder econômico e político (ADORNO,
1988).
No caminhar do desenvolvimento do Estado, cada vez mais eram valorizadas
as profissões ligadas às ciências jurídicas, tanto pela influência do pensamento liberal que
pregava o comando das normas jurídicas, quanto pela onda de defesa de legalização dos Direitos
Humanos que avançava no mundo. No período de industrialização do país surgiu uma grande
corrente em busca do reconhecimento dos direitos trabalhistas e neste ponto havia certo interesse
dos sociólogos em analisar a relação capital/trabalho.
O processo de democratização do país era mais direcionado para a cidadania
dos trabalhadores, havendo uma necessidade de maior proteção pela norma jurídica e pelo Direito
proferido pelos Tribunais. É importante registrar que na década de 1970 sopravam os ventos das
ideias liberais sobre o capitalismo, e a sociedade brasileira, na contramão, ainda era marcada pelo
autoritarismo, combatido pelos movimentos sociais existentes entre as novas classes sociais
rurais e urbanas que surgiam. Em meados dos anos 1980, com o referido interesse pela
democratização do país, os sociólogos uniram-se aos juristas para estudar novos caminhos que
destituíssem do poder o regime autoritário, ligando-se aos movimentos paredistas e às demais
ações promovidas pelos sindicatos. Foram desenvolvidas várias pesquisas sociológicas que
concluíram pelos aspectos positivos e produtivos das práticas discursivas e não-discursivas do
Direito. Entretanto, a resposta mais significante das referidas pesquisas foi a descoberta de que,
para melhorar a representação e participação política, era fundamental a democratização do
Judiciário e ampliação do acesso à Justiça, o que conduziu a um resgate ao interesse pelo estudo
da cidadania (ADORNO, 1988).
Nos anos de 1980, havia um grande movimento mundial para a ampliação do
acesso à Justiça pelas minorias e os sistemas jurídicos foram submetidos a exames e críticas. Os
estudiosos se debruçaram para responder a que objetivo este sistema buscava atender, ou seja, a
quem se destinava a beneficiar. O Brasil pretendeu adotar medidas para se atrelar a esta terceira
onda mundial de reforma do Poder Judiciário, que buscava a obtenção de resultados efetivos e
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justos, tal como preconizado pela Justiça Social almejada pela sociedade moderna
(CAPPELLETTI, 2002).
Assim, as pesquisas realizadas pelos sociólogos trouxeram ao conhecimento a
importância do Poder Judiciário para a organização do Estado e concluíram sobre a necessidade
de maior aproximação da sociedade com este Poder, em uma proposta de democratização e
acesso à Justiça. A classe trabalhadora ainda ocupava o foco das atenções neste intento de
alcançar a cidadania, em virtude do imenso desprezo das classes sociais mais abastardas.
É nesta busca de encurtar a distância entre a vida social e institucional do país,
que o Poder Judiciário se põe na vitrine e os conceitos sobre justiça, equidade, universalização de
direitos e democracia são renovados para dar novas formas de vida coletiva. Neste cenário se
apresenta o magistrado como representante da lei e ao mesmo tempo cidadão interessado nas
inovações sociais, sendo despertado o interesse da sociedade pela percepção que o juiz guarda de
si, das instituições e da inclusão social, principalmente depois da constante renovação do perfil
dos magistrados (VIANNA et al., 1997).
O Brasil avançou com o advento da Constituição Federal de 1988, conhecida
como Constituição Cidadã, que chancelou o regime político democrático do país e implantou
uma gama enorme de Direitos fundamentais, individuais e coletivos, garantindo à sociedade uma
maior atenção do poder público. O Poder Judiciário diante deste quadro, mais propriamente, vem
sendo alvo de mudanças gradativas em sua estrutura, na direção de ampliação do acesso do povo
à Justiça, e novos horizontes vêm sendo traçados para aproximar os juristas com a sociedade.
No modelo social atual, o juiz ainda é visto como a “imagem da justiça”,
embora seja difícil traçar uma linha separatista entre o juiz profissional e o homem juiz. A
sociedade moderna ainda precisa acreditar que seus juízes são capazes de restaurar o patrimônio
moral e econômico dos violentados. O grau de litigiosidade é o termômetro democrático ao
espelhar o acesso à Justiça promovido pelo Estado. A vergonha em litigar foi mitigada. Os
milhões de processos judiciais demonstram que a sociedade do consumo de massa também
invadiu o Poder Judiciário. Nesse imenso número de conflito se amplia o papel do Poder
Judiciário, que não trabalha apenas com uma parte da sociedade consciente e culta, mas com
todas as classes sociais, de modo que a magistratura é mais exigida e vista, precisando ser cada
vez mais confiável (NALINI, 2010).
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Democratizar o Judiciário significa trazê-lo mais para perto da vida social,
aparelhando-o com estrutura que permita acolher o mundo do direito e da liberdade, numa visão
de inclusão social e proteção dos interesses das minorias, removendo o seu antigo estigma de
mero árbitro dos conflitos sociais e desatando as amarras impostas pelo antigo regime político
autoritário. Neste processo de democratização, o magistrado exerce um papel significante, pois,
somente a partir de sua participação ativa é que se poderá alcançar a real reforma do Poder
Judiciário, já que cabe a ele a função de aproximação dos fatos sociais à legislação, como
responsável pela criação do direito vivo, de modo que, sem a sua adesão a qualquer proposta
inovadora, nada será modificado (VIANNA et al., 1997).
A forma de nomeação dos magistrados através de aprovação em concurso
público de provas e títulos, como exigência constitucional, trouxe um novo perfil à categoria,
pois permitiu a participação de qualquer cidadão para se candidatar para a magistratura, que
passou, assim, a ser formada por pessoas de várias condições sociais, culturais e econômicas.
A magistratura, antes formada pela elite brasileira, passou a ser ocupada por
integrantes da classe média, composta por pessoas qualificadas pela educação e pelo tipo de
ocupação, por pessoas com baixa renda e pertencentes aos setores sociais mais subalternos, o que
abriu espaço para as vozes da sociedade e provocou uma miscelânea na alta burocracia do
Estado. O perfil da magistratura atual foi modificado, em virtude da ocupação do cargo por
profissionais mais jovens, com grande participação feminina, oriundos de várias classes sociais,
com formação educacional de diversas faculdades, muitas vezes sem uma homogeneidade social,
com pluralidade de orientação e com posições críticas. Houve, ainda, uma federalização na
profissão, quando cada vez mais as pessoas assumem os cargos em lugares distantes do seu local
de nascimento e formação profissional, o que causa uma miscigenação de culturas e ideias
(VIANNA et al., 1997).
Outro aspecto que merece destaque é que esta nova forma de nomeação dos
magistrados afastou a ligação desta categoria com o poder político atuante, de modo que o cargo
passou a ser exercido com independência e autonomia, privilegiando os direitos defendidos pelo
ordenamento jurídico.
Nos dias atuais muito se fala sobre a judicialização da política, pois os
magistrados, para efetivar direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal de 1988,
21
prolatam decisões que muito interferem na atividade político-administrativa, o que significa um
poder maior à magistratura, que marca um papel relevante dentro da governabilidade do país.
A ampliação da atuação dos magistrados aumentou o interesse das classes
política, econômica e social pela sua formação para abranger conhecimentos multidisciplinares,
entretanto, precisa ser preocupação do Estado a preparação do magistrado moderno, devendo ser
objeto dos Planos de Gestão dos órgãos do Poder Judiciário e dos projetos de Lei que tramitam
no Poder Legislativo o aperfeiçoamento das carreiras jurídicas.
Após vinte anos da promulgação da Constituição de 1988, que encravou o
princípio da moralidade para a Administração Pública, é que foi elaborado o Código de Ética da
magistratura, em 06 de agosto de 2008, na 68ª Sessão Ordinária do Conselho Nacional de Justiça,
que traça as expectativas comportamentais da sociedade com relação ao juiz. A aprovação em
concurso público avalia a capacidade técnica de lidar com o Direito, mas não o caráter, a
sensibilidade, a aptidão para a atividade profissional e a consciência ética (NALINI, 2010).
Este formato da magistratura exige um novo perfil do juiz moderno que, além
de mais ativo dentro da atuação profissional, lida com uma sociedade bem mais complexa e
plural, o que põe em xeque a sua forma de nomeação, sua preparação, sua postura neutra e
distante, em um momento histórico em que se exige um Poder Judiciário com maior acesso e
mais próximo do homem contemporâneo.
1.2 A importância do Poder Judiciário na sociedade brasileira contemporânea.
A sociedade contemporânea convive com características próprias que
estabelecem uma “Era” denominada de pós-modernidade ou segunda modernidade. Estas
características geram diferentes contornos para o estilo de vida e consequentemente para o
modelo do convívio social que passou a ser mutável e instantâneo.
As estruturas sociais desta nova época vêm sendo desenhadas de forma
interligada, com os sistemas compenetrados entre si, conforme perfil definido pelas instituições
modernas, praticamente resumidas às empresas capitalistas e à máquina estatal burocrática. Deste
modo, a vida cotidiana sofre influências da exagerada racionalização cultural e social, que
22
padronizou valores e atitudes em um modelo de socialização que obriga a individualização e
provoca um desarranjo na identidade do homem, principalmente na sua vida profissional
(HABERMAS, 1993).
Os relacionamentos tornam-se mais complexos e menos duradouros, as
relações comerciais se multiplicam em virtude do consumo exagerado de mercadorias, que se
tornaram descartáveis, mudam-se de emprego, de parceiros, de estilos de vida na mesma
proporção em que se ampliam os conflitos em todas as áreas da vida social. Este modo de ser da
sociedade exige novas posturas não só dos cidadãos, mas também das instituições que a compõe
e governa. A burocracia institucionalizada já não mais convive em paz com os novos estilos
impregnados na cultura brasileira
Demonstra a estatística do Supremo Tribunal Federal (STF) a elevação da
quantidade de conflitos. O número de processos autuados naquele órgão, passou de 52.002 no
ano de 1998 para 73.321 no ano de 2008, tendo inclusive alcançado o montante de 109.261 em
2003, quando medidas legislativas foram adotadas para filtrar as ações judiciais que seriam
apreciadas por este órgão, como a súmula vinculante e a necessidade de repercussão geral nos
recursos extraordinários, inovações trazidas pela Emenda Constitucional 45/2004 (BRASIL,
2010).
Em meio a este formato social, plural e complexo, os Poderes do Estado são
reformados para dar conta de todas as modificações, e o Poder Judiciário, mais rapidamente,
precisa ser adaptado para lidar com este quadro social. O Estado se reconstrói junto com toda a
sua estrutura governamental, pois pretende orientar os seus cidadãos a lidar com os outros e suas
diferenças e a conviver em sintonia com a sociedade moderna.
O Poder Judiciário, como integrante da organização estatal, tem o seu formato
definido conforme a estrutura da ordem predominante no momento de sua criação; do mesmo
modo, sofre as transformações que são implementadas pelo momento histórico em que vive o
Estado. O modelo socioeconômico adotado no país muito influencia na formação dos Poderes
constituídos. Entretanto, os órgãos públicos precisam ser constantemente avaliados para saber se
a sua estrutura encontra-se adequada para a realidade exigida pela sociedade.
Pesquisa qualitativa realizada pela Associação Nacional dos Magistrados
(AMB), em julho de 2004 ,sobre “A imagem do Poder Judiciário”, publicada na revista da AMB,
que explorou, dentre outros aspectos, o papel e a importância do Poder Judiciário, registrou
23
diversas qualidades e defeitos desta instância de Poder, dentre os quais, um foi relacionado
diretamente à magistratura: a enorme distância entre o juiz e o público (AMB, 2004).
A referida pesquisa conclui que a imagem do Judiciário se assemelha a “uma
caixa preta, misteriosa, com pouco acesso ao cidadão comum e que possui segredos que apenas
seres especiais (os juízes) podem decodificar”. Associaram-no a uma tartaruga e a um leão, tanto
fazendo referência ao órgão quanto ao magistrado, por terem muito “poder e autoridade,
conhecimento, abstração e mistério, distanciamento das pessoas comuns, como se vivessem em
um mundo à parte, tanto da sociedade quanto dos demais órgãos públicos”. Os sentimentos
identificados são de respeito, mas também de insegurança, desconfiança e temor, intensificados
quanto menos esclarecido e/ou inexperiente fosse o entrevistado ( AMB, 2004, p.29).
Esta resposta da sociedade demonstra o descompasso da atuação do Poder
Judiciário com os princípios democráticos do Estado e que este órgão se encontra na contramão
da onda mundial de Acesso à Justiça, que busca a aproximação com o cidadão e a efetividade de
suas decisões.
A grande quantidade e complexidade dos conflitos exigem maior atuação do
Poder Judiciário, estando a eficácia do sistema jurídico intimamente relacionada à postura e
sensibilidade dos juristas. Os juízes, para atenderem às novas demandas de forma efetiva,
precisam ser, além de especializados no ramo jurídico, multidisciplinares, saindo de uma postura
lógico-formal para se expandirem em uma “praxis libertadora,” a fim de servirem como
instrumento de promoção e direção social, na busca por efetiva justiça material. No atual
momento histórico, em plena convivência com os direitos assegurados na Carta Republicana de
1988, que prevê conceitos “abertos” e “indeterminados,” muitas vezes afrontando os termos das
leis escritas, é que se aflora a ausência de juízes preparados técnica e intelectualmente para
decifrar e aplicar o direito e a nova ordem jurídica estabelecida pela Constituição conhecida
como Cidadã, o que põe em xeque a figura do juiz como simples prestador de um serviço
público, frente a suas novas responsabilidades como mediador político (FARIA, 2005).
Diante da morosidade legislativa na modificação da estrutura do aparelho
judiciário em prol da sociedade, compete aos aplicadores de direito e administradores adotarem
posturas menos ortodoxas e ousarem com reformas internas, objetivando reduzir a formalidade da
máquina judiciária para permitir uma maior participação dos jurisdicionados, fornecendo
orientações educativas, ambientes facilitadores e menos hostis. Somente assim, será resgatada a
24
dignidade política e pública da função do Poder Judiciário, mormente a Justiça do Trabalho que
tem um papel social significativo, ampliando a cidadania e aproximando-se da sociedade.
Já podem ser vistas propostas para democratização, dentro da estrutura do
Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e dos demais órgãos do Poder Judiciário, na busca pela
participação do povo brasileiro na elaboração de um Plano de Gestão do Judiciário, medidas
inovadoras.
Registra-se que os Tribunais do país estão gradativamente adotando o
planejamento estratégico para modernizar a atividade jurisdicional em busca da eficiência,
redução da morosidade e da aproximação com o cidadão. O Conselho Nacional de Justiça editou
a Resolução 70/2009 que estabelece o Planejamento Estratégico do Poder Judiciário com Metas
Nacionais de Nivelamento, dispondo sobre ações para minimizar as diferenças entre os órgãos do
Poder Judiciário em todo país.
O Poder Judiciário que pretende aprimorar o Acesso à Justiça, sendo este visto
tanto pela ideia de facilitar a procura pela tutela jurisdicional do Estado, quanto pela obtenção de
efetividade e justiça (CAPPELLETTI, 2002), deve adotar medidas que minimizem os obstáculos
de sua atuação junto ao cidadão, uma vez que a jurisdição se mostra onerosa, e os jurisdicionados
normalmente se encontram despreparados culturalmente para compreenderem o sistema jurídico,
sendo obrigados a ser representados por advogados, mesmo dentro dos Tribunais Trabalhistas
que adotam o princípio do jus postulandi.
A atividade judicial vem sendo revisitada para se permitir uma atuação
proativa do magistrado, a fim de fazer valer os valores humanos e sociais impregnados no
ordenamento jurídico e amoldar a norma positivada à riqueza da realidade fática. O sistema
jurídico pátrio, desde 1942, com a edição da Lei de Introdução ao Código Civil, já prescrevia em
seu art. 5º, que a aplicação da lei pelo magistrado deverá atender aos fins sociais a que ela dirige,
bem como às exigências do bem comum. Desse modo, essa onda de reforma vem a reboque da
crise do positivismo que se apresenta em virtude da necessária flexibilidade normativa, para
adaptar o sistema jurídico ao formato da sociedade moderna (BRASIL, 1942).
O grande desafio da sociedade contemporânea se constitui em renovação e
ampliação das atividades do Poder Judiciário, de modo a adotar metodologia que atenda às
solicitações da comunidade, porém preocupando-se com as causas estruturais dos conflitos e
25
solucionando-os de forma rápida, pragmática e eficaz, revitalizando a instituição e estreitando o
abismo já formado entre a sociedade e o Judiciário (FARIA, 2005).
Os meios alternativos de solução dos conflitos apresentam-se como
salvaguarda do Poder Judiciário no momento atual, por conseguirem responder à sociedade com
maior celeridade e eficácia, pois são medidas que alcançam o conflito em sua origem e, na grande
maioria, a resolução provém dos próprios litigantes.
Assim, parece ser urgente a necessidade de que o sistema jurídico do período
chamado de pós-social seja preparado para se adaptar e aceitar as medidas alternativas de solução
das querelas, bem como aprimorar os recursos humanos com formação multidisciplinar, para
educá-los e habilitá-los para esta medida de pacificação social.
Na atuação do Poder Judiciário dentro da sociedade contemporânea, já tão
conflituosa, a conciliação deve ser privilegiada, como medida rápida e eficiente de solução dos
litígios, porém deve ser realizada com a responsabilidade e sensibilidade inerente a cada caso em
particular.
O período definido pela segunda modernidade traz transformações de ordem
pessoal e institucional, provocadas pelas constantes adaptações exigidas pelas mudanças
tecnológicas que funcionam em “tempo real” e, em consequência, promovem uma “hipertrofia do
presente”, que desafia a distância do contato entre as pessoas, amplia os modelos contratuais e
torna os conflitos sociais mais complexos. Esta conflituosidade enseja a adoção de novas posturas
dos Poderes de Estado. Dentro deste contexto, há um estímulo considerável ao modo de solução
dos conflitos através de formas alternativas e flexíveis, tanto dentro como externo ao Poder
Judiciário (NASSIF, 2005).
Não mais se admite uma estrutura de Poder que visa obter a pacificação social
sem se preocupar com a estrutura do conflito, ou melhor, com a controvérsia de direito material
que originou a ação judicial. O aumento da conflituosidade exige que o Estado participe de forma
ativa dos litígios, buscando solucioná-los em concreto, devendo, pois, ser esse o objetivo
primordial de qualquer reforma que pretenda enquadrar o Poder Judiciário na proposta da terceira
onda reformatória de Acesso à Justiça.
Observa-se que muitas reformas já foram impressas na última década, como a
criação de juizados de pequenas causas, a adoção de ritos processuais mais céleres e criação de
alternativas para solução dos conflitos de forma extrajudiciais, que muito atingiram a atuação da
26
Justiça Comum. No entanto, pouco se tem modificado na estrutura da Justiça do Trabalho para
acolher as novas demandas que atingem uma grande massa de trabalhadores, seja na sua
legislação processual, seja na estrutura da máquina judiciária, devendo, pois, ficar a cargo dos
operadores da área inovar com atitudes e iniciativas que busquem resgatar a função social tão
importante desta Justiça Especializada.
O Poder Judiciário precisa aprimorar os seus recursos humanos e não só
dirigir suas reformas para o procedimento processual ou para a sua organização administrativa. É
preciso que a magistratura seja aprimorada para dar conta de toda a complexidade da vida
moderna e auxilie o cidadão a reerguer-se e a firmar-se como ser humano.
É preciso reconstruir os relacionamentos para auxiliar o homem a conviver em
sociedade, e o Poder Judiciário não pode seguir à margem deste processo e se preocupar tão-
somente com a reestruturação do sistema processual, pois como comenta Halpen (2004), muita
atenção tem sido fornecida para a reconstrução das infraestruturas e a criação de um Estado de
Direito, mas pouco tem sido a preocupação com a restauração de um senso de segurança
interpessoal, para reverter a destruição das redes sociais e familiares que asseguram a saúde e o
bem-estar. Assim, sugere um processo de humanização entre as pessoas como forma de
reconciliação e afirma que são as ruínas interpessoais que precisam ser levantadas para a
reconstrução da sociedade.
O projeto de democratização do Poder Judiciário objetiva aproximá-lo do
cidadão para levar ao seu conhecimento os problemas sociais. Neste processo é a figura do juiz,
que lida com o conflito diretamente, que precisa ser trabalhada para que, somente assim, este
Poder desenvelheça e ofereça um resultado efetivo e justo.
1.3 A atuação da magistratura na modernidade: o anquilosamento da profissão.
A ciência do Direito, seguindo as inovações do século XX, deparou-se com os
questionamentos atinentes à metodologia de compreensão do próprio saber científico, que reagiu
contra o formalismo exacerbado e com o cartesianismo.
27
As críticas à maneira de atuação dos magistrados iniciaram no final do século
XIX, quando o ato de decidir era compreendido como um simples silogismo, onde a premissa
maior era formada pela regra de direito, a menor pelo caso concreto e a decisão resultaria da
conclusão (COELHO, 1979).
A magistratura teve sua origem vinculada ao Poder e muitas máculas
sobraram durante o desenvolvimento desta atividade até a constituição da carreira como
profissão. A figura do juiz é mistificada como representação do Poder, o que provoca um grande
distanciamento da pessoa do juiz do povo-jurisdicionado. A imagem gravada na sociedade
impede uma aproximação do magistrado, que sob o manto da imparcialidade se afasta das
emoções sentidas pelos litigantes por ocasião dos conflitos.
O pensamento racional e sua tendência ao formalismo extremo, entendido
como propulsor das ciências humanas, desencadeou um afastamento do juiz ao mundo fático; eis
que o fato passou a ser estudado isoladamente, como se destacado fosse da realidade.
O método científico objetivado e o pensamento racional aplicados nas ciências
sociais ocasionaram um tumulto na compreensão dos conflitos sociais, eis que estes não eram
apreciados em sua totalidade, mas dissecados em parte como objeto de observação. A aplicação
do Direito, assim como o novo modo de compreender esta ciência, renova-se no século XX,
como bem resume Luís Fernando Coelho:
Lógica do razoável, lógica material, teoria da argumentação, lógica jurídica concreta, pensamento tópico-retórico, lógica jurídica concreta são algumas das denominações que têm servido para rotular as novas conquistas atinentes à construção de uma nova metodologia, tendo em vista o contingente, o movimento, o tempo, a realidade e a concreção, dados esses reunidos na compreensão do Direito como fato (COELHO, 1979, p. 3).
A construção do Direito não mais se perfaz pelo simples raciocínio lógico,
com o emprego da letra da lei ao caso concreto, sem qualquer subjetividade. O ato de julgar se
preocupa com a eficácia da lei e a efetividade de sua aplicação, relegando a segundo plano a
simples validade da norma formal.
A sentença, outrossim, não se formaliza esquematicamente com um
silogismo, onde, na posse das premissas, o juiz aplica a lógica e extrai a conclusão. Observa-se na
prática que o julgador, no ato de elaboração da decisão, inverte a ordem do silogismo e prepara
primeiro o dispositivo e, somente após, sai em busca das premissas que o justificam,
demonstrando que, ao julgar, a intuição e o sentimento se apresentam primeiro no ato do juiz. Os
28
juízes, no ato de julgar, orientam-se pela sua sensibilidade moral muito mais que pelos
virtuosismos cerebrais da dialética (CALAMANDREI, 2009).
Ainda seguindo o raciocínio acima exposto, é possível concluir que o juiz
primeiro extrai de seus valores e de seus sentimentos a noção do justo e, somente após a
formação da solução da lide em seu convencimento, é que busca fundamentar a sua decisão.
A decisão judicial prolatada por juízes, humanos que são, é influenciada pelas
emoções, pois o homem não é um ser puramente racional, uma vez que seus comportamentos e
ações não são produzidos unicamente pela razão, ao revés, no momento de escolha para elaborar
uma decisão, as emoções, os instintos, forças que habitam o inconsciente, acabam prevalecendo
(COELHO, 1979).
Deste modo, é importante ressaltar que o seu convencimento deve ser
corroborado pela ordem jurídica para ser legitimado pela sociedade e validado pela legalidade.
Não sendo o julgamento um ato arbitrário e sem qualquer controle de legalidade.
Não obstante o pouco aprofundamento no estudo sobre a subjetividade do ato
de julgar, já se conhece sobre a influência dos sentimentos do magistrado na elaboração da
sentença como reflexo do seu convencimento, no entanto, não é objeto de preocupação do
próprio Poder Judiciário a preparação do magistrado para os danos oriundos de sua atuação tanto
no ato de julgar, quanto na formalização da proposta de acordo, seja com relação aos
jurisdicionados ou ao próprio juiz.
Por outro lado, a atuação da magistratura nos dias atuais ainda guarda relação
com a sociedade do período anterior à Revolução Industrial, portanto, está preparada para atender
a uma sociedade de agricultores e comerciantes, pouco dinâmica e com baixa complexidade,
estando, pois, inadequada para a modernidade. A prática brasileira demonstra ser vantajosa a
seleção de magistrado mediante aprovação em concurso público, com a exigência dos requisitos
de honestidade e preparação técnica, porém a verificação de conhecimentos técnico-jurídicos em
alto grau é insuficiente por demonstrar tão-somente que o juiz será um eficiente burocrata. É
indispensável também a aferição de consciência de que os interesses submetidos a julgamento
envolvem seres humanos, devendo o candidato demonstrar que tem condições de julgar com
independência, equilíbrio, objetividade e com atenção aos aspectos humanos e sociais, com
consciência da necessidade de tratar com urbanidade e respeito os interessados e que procurará
com firmeza e serenidade a realização da justiça (DALLARI, 2008).
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A atividade do juiz precisa ser analisada principalmente a partir do século XX,
quando uma nova visão da ciência vem amparada na humanização. O magistrado precisa
modificar sua postura durante a sua atuação para qualificar a relação com as partes, lutando por
uma aproximação com a sociedade. Deste modo, atitudes em que as partes sejam consideradas
como “pessoas” que são, precisam nortear todos os atos processuais, principalmente, no momento
em que se pretende uma solução amigável através da conciliação judicial. As transformações
pelas quais perpassa a sociedade contemporânea exigem uma reformulação na operacionalização
das instituições do Estado e a atividade jurisdicional não poderá escapar a esta onda renovatória.
O modelo de provimento de cargos de juiz precisa ser alterado para se
apropriar de todas as mudanças sociais advindas da modernidade. A simples apuração dos
conhecimentos técnicos já se mostra insuficiente para se nomear um juiz ético, técnico e, acima
de tudo, humano.
O estudo sobre a figura do juiz na sociedade tem ocupado pouco os juristas e
governantes que buscam uma melhoria na prestação jurisdicional, ficando estes debruçados em
encontrar a melhor estrutura do Poder Judiciário para atender a uma demanda tão mais complexa
e quantitativa nesta era industrial, deixando a pessoa do magistrado em último plano de pesquisa,
o que provoca a manutenção da postura inerte e neutra do juiz diante das transformações sofridas
pela sociedade (DALLARI, 2008).
A escolha dos magistrados permanece sendo feita somente através da seleção
de seus conhecimentos técnicos. O treinamento, da mesma forma, reforça o seu intelecto, sem
aperfeiçoar a sua maneira de se relacionar com o jurisdicionado.
Além do mais, as Universidades de Direito têm demonstrado irrisória
preocupação com a formação humanística dos profissionais, limitando-se, muitas vezes, a análise
de doutrina e legislação no campo das abstrações, agredindo o corpo discente com profusão de
autores e teorias. Não há uma preparação para que o profissional de direito reflita sobre o que
representa o direito e a justiça no desenvolvimento da pessoa humana e nas relações sociais.
Pouca importância tem sido oferecida às disciplinas que estudam o comportamento humano
como a Antropologia, a Sociologia e a Psicologia, mesmo se tendo conhecimento de que, para
lidar com o conflito, é fundamental aprimorar conceitos de outros domínios do saber (DALLARI,
2008).
30
O ato de julgar exige um grande esforço do homem-juiz por ser produto de
seu pensamento e suas escolhas, o que poderá provocar transtornos no magistrado, que precisa,
portanto, ser cuidado pelo Estado, tanto para se proteger, quanto para evitar uma injustiça com os
jurisdicionados.
A imagem do juiz associada à Justiça sempre foi impressa na civilização
humana, constituindo um arquétipo com potencialidade inata de pensar, sentir ou agir, que varia
no tempo e no espaço conforme se transforme o ego do julgador. Os arquétipos possuem dois
polos, de modo que o ego do julgador, ao se enquadrar de forma consciente em um dos polos,
reprime a polaridade oposta, o que o faz distanciar-se do réu infrator por acreditar ser o ato
antijurídico estranho a sua própria conduta, tendendo a sentir-se divino e se considerar a
encarnação da Justiça, amalgamando a sua pessoa com a profissão de magistrado, não mais
conseguindo libertar-se da função, nem mesmo nas relações familiares ou sociais. Somente os
magistrados vocacionados, e não aqueles atraídos unicamente por fatores externos como salários
satisfatórios e posição social, sentem-se fascinados pelo arquétipo do justo-injusto e conseguem
conviver com a tensão dos respectivos polos sem arrogância (PRADO, 2008).
A sentença judicial como ato criativo do juiz exige um comportamento com
“sentido”. O juiz atua na tomada de posição, com intuição emocional, com compreensão, sem a
qual a decisão não teria sentido. Este “sentido” se concretiza na justiça ou injustiça percebida
pelo magistrado no momento da formação do seu convencimento, quando há um
compartilhamento de algo vital entre as partes e o juiz. A criação do juiz na sentença demonstra
que ele não é um ente estranho ao direito e separado dele a ponto de observá-lo somente à
distância (HERKENHOFF, 2007).
A excessiva formalidade na atuação jurisdicional é proveniente da
metodologia de preparação do próprio operador do direito, que foi condicionado a uma
dogmática racionalista com aplicação do método lógico-dedutivo de interpretação das leis, como
já foi dito.
As Constituições dos Estados democráticos modernos prescrevem um imenso
número de direitos e garantias fundamentais, intitulados como Direitos Humanos, o que
incrementa a responsabilidade do Poder Judiciário com a proteção do homem, que, em
contraponto, não preparou os seus recursos humanos para lidar com as novas demandas que
exigem uma resposta rápida, justa e eficiente. A profissão de magistrado, por guardar
31
determinado status social e por ser agraciada com uma boa remuneração, torna-se atrativa para
todo e qualquer cidadão, não sendo questionável a inabilidade para a atividade judicial.
O exercício da magistratura pressupõe uma abnegação dos seus ideais
políticos, religiosos e filosóficos, o que denota um cerceamento ou encolhimento do próprio “eu”
do julgador que pretende decidir com justiça. Esse esforço em se afastar do homem social para se
tornar o homem-juiz causa transtornos, quiçá inclusive de ordem psicológica, no momento da
elaboração da decisão judicial. No entanto, estes aspectos que são impregnados na profissão de
juiz não são estudados para serem enfatizados, até mesmo no processo seletivo para o
preenchimento dos cargos (HERKENHOFF, 2007).
A decisão judicial, além da sua fundamentação teórica formada pela aplicação
da norma jurídica, necessita da criatividade extraída da emoção do magistrado, ou seja, deve ser
formada pela racionalidade e pela emoção, mormente numa sociedade pluralista, imbuída na
defesa dos direitos humanos.
A sociedade não mais legitima o sistema jurídico que vive à margem dos
conflitos, cujas soluções não atendem ao esperado sentimento de justiça semeado nos indivíduos.
O Poder Judiciário sobrevive de forma fragilizada perante a sociedade. A modernidade exige a
interpretação do jurídico, do econômico, do político e do social, logo, o juiz deve ser homem do
mundo, preservando o conceito de moral, com a manutenção de uma posição reta diante da vida,
mas não uma postura solene e formal que dificulte o acesso do povo em uma flagrante relação de
dominação frente à comunidade (HERKENHOFF, 2007).
O lugar do juiz no quadro institucional deve ser visado no momento atual de
“desestruturação do direito”, em que se busca a passagem da racionalidade formal para a
material. O sistema jurídico não pode mais ser visto em padrões que inspiram dominação, no
formato hierarquizado, axiomatizado e fechado, onde se acredita em uma estrutura completa,
coerente, com lógica interna e em um sistema normativo em cadeia, mas deve ser repensado em
um modelo em forma de rede ou de circularidade, amalgamando múltiplas cadeias normativas,
com variadas estruturas basilares e numerosas inter-relações jurídicas, procurando sempre superar
a burocracia, capturar a complexidade da realidade social, fazendo dominar o senso prático sobre
o teórico, e apontar a necessidade de aplicação da regra com “justiça” ao caso particular e
concreto (CAPILONGO, 2005).
32
A mudança de postura do magistrado é uma exigência da sociedade moderna
marcada pela intensa conflituosidade, que, embora necessite de respostas rápidas e eficazes, não
suporta mais conviver com a objetividade das decisões judiciais e a frieza da atividade
jurisdicional, principalmente no momento em que se pretende “conciliar” o conflito.
O juiz deverá buscar o Direito vivido pelo povo, sendo um cientista para
entender o Direito através dos dados da Economia, da Sociologia e da Política, percebendo-o não
como uma parte isolada dentro da estrutura social. Assim, a sentença judicial deve ser proferida
em plena ligação com o contexto social global, devendo ainda ser artista para conciliar o poder
criador com a sensibilidade humana, em frontal ligação com a alma do povo, para poder sentir e
traduzir as aspirações da sociedade moderna (HERKENHOFF, 2007).
A Pesquisa promovida pela AMB revelou a verdadeira face do Judiciário,
demonstrando as suas fragilidades e deficiências, expondo-o como ineficaz e despreparado para a
modernidade, levando ao conhecimento público o consequente descrédito dos jurisdicionados
(AMB, 2004).
Propostas legislativas, tal como a Emenda Constitucional 45, de dezembro de
2004, foram implementadas na tentativa de modificação da máquina judiciária, sempre no afã de
prepará-la e adaptá-la à nova sociedade complexa e plural. Ainda com o mesmo propósito,
alterações na legislação processual civil e trabalhista implantadas pela Lei 11.232/2005 e a Lei
11.187/2005 foram promovidas para reincluir a decisão judicial dentro do contexto social.
Entretanto, pouco ou quase nada se vê com o fito de modificação da formação dos magistrados
ou na transformação da mentalidade dos juízes para aceitação do novo formato da sociedade
moderna.
Na pouca literatura atinente ao tema, como as obras de João Batista
Herkenhoff (2001 e 2007) “O Direito Processual e o Resgate do Humanismo” e “ Como Aplicar
o Direito”, bem como o livro de autoria de Lídia Reis de Almeida Prado(2008) intitulado “ O
Juiz e a Emoção”, já se percebe o registro da descoberta do poder criativo do magistrado na
elaboração da sua sentença, levando em consideração a sua consciência, seus valores e sua
sensibilidade. No entanto, mesmo sem qualquer preparo, alguns magistrados humanizam as
regras frias constantes nos textos mortos das leis, dando vida e reconhecendo o conflito com
todas as suas repercussões emocionais, sociais, econômicas e políticas, tanto para as partes
33
envolvidas quanto para a própria sociedade como um todo, porém estas posturas precisam ser
perseguidas por toda a magistratura do século XXI.
O Poder Judiciário brasileiro vem sendo objeto de estudo de várias
instituições, em virtude do papel fundamental na formação do Estado Moderno, que se intitula
democrático, e por sua influência no processo produtivo. A nova onda reformatória se direciona
em busca da democratização deste poder de Estado na tentativa de participação dos
jurisdicionados no funcionamento dos órgãos e na sua aproximação com a sociedade.
A reforma do Poder Judiciário não poderá abranger tão-somente a sua
estrutura física e operacional, sendo de primordial importância a preparação do magistrado como
centro da função jurisdicional, de nada importando as modificações na legislação processual se as
posturas do juiz permanecerem inalteradas.
Os direitos humanos escritos em normas constitucionais permanecerão
previstos no ordenamento jurídico, sem qualquer valor prático e efetivo, se não houver uma
transformação na percepção do magistrado, aplicador da norma, sobre o grande valor que eles
representam no estabelecimento de uma sociedade verdadeiramente democrática.
É a figura do juiz que precisa ser trabalhada e reinventada para dar efetividade
à prestação jurisdicional, não sendo suficiente a previsão constitucional de razoável duração do
processo se, embora rápido, o seu conteúdo não corresponda à aplicação da justiça conforme
almejado pela sociedade. Nenhuma valia terá a efetividade de um processo judicial se a sua
decisão não estiver imbuída do sentimento de justiça ou se a conciliação não representar a
vontade das partes.
A reforma do Poder Judiciário trilhará por caminhos improdutivos se não
houver uma preocupação com a pessoa do magistrado, que não poderá continuar sendo
selecionado tão-somente pela quantidade dos seus conhecimentos técnicos sobre o Direito,
tampouco poderá decidir pela escolha na profissão por necessidade de manutenção financeira sua
e de sua família, sem qualquer compromisso com a solução dos conflitos sociais que agora se
multiplicam, se avolumam e atingem uma massa significativa da população.
O Conselho Nacional de Justiça já percebe a necessidade de conhecimentos
além dos jurídicos para o novo magistrado, de modo que editou a Resolução 75/2002 que
disciplina o concurso público para o ingresso na carreira da magistratura e que estabelece em seu
art.47, a inclusão, na primeira prova escrita discursiva, de questões relativas a noções gerais de
34
Direito e formação humanística atinentes às matérias de Sociologia do Direito, Psicologia
Jurídica, Ética e Estatuto Jurídico da Magistratura Nacional, Filosofia do Direito e Teoria Geral
do Direito e da Política o que se constitui um avanço na seleção para o cargo (BRASIL, 2002).
Observando-se que a norma tem pouca influência sobre o Direito criado nos
tribunais, dever-se-ia ter maior preocupação com o estudo do comportamento do magistrado, no
qual brota o cerne do verdadeiro Direito. O Direito seria, então, o reflexo da realidade social,
produto da conduta dos povos e dos homens, especialmente dos juízes (HERKENHOFF, 2007).
A mentalidade dos juízes guarda a convicção de que o Poder Judiciário não
deve reconhecer suas deficiências, tampouco deve ser sujeito a críticas, pois a magma missão de
seus integrantes os posiciona acima do povo comum e mortal. A demonstração dessa convicção
pode ser percebida nos discursos proferidos nas solenidades promovidas pelos órgãos judicantes
quando se menciona a “missão divina dos juízes”, no entanto, as fragilidades do sistema devem
ser analisadas para que a reforma do Poder Judiciário vá além da atualização técnica e dos
materiais de trabalho e alcance a transformação da mentalidade do juiz, fazendo com que este
Poder desenvelheça e se adapte às mudanças sofridas pela sociedade moderna (DALLARI,
2008).
O juiz, como ator principal do Poder Judiciário, deve ocupar o centro da
reforma judiciária, devendo ser tecnicamente preparado e psicologicamente habilitado, para lidar
com todas as inovações trazidas pela modernidade, que implantou um modelo social muito mais
complexo e plural. O magistrado do trabalho, como parte integrante do Judiciário, por lidar com
uma parcela relevante da população ativa da sociedade, também deve ser preparado para lidar
com todas as transformações advindas da sociedade pós-moderna, que ampliou o consumo,
alterou o perfil dos contratos de trabalho e aumentou consideravelmente a conflituosidade.
1.4 Breve histórico sobre a evolução da Justiça do Trabalho no Brasil.
A construção do Estado brasileiro perseguiu conceitos e modelos já existentes
no mundo, e no decorrer do tempo as instituições vêm sendo reformadas para se adaptarem à
realidade local e à necessidade do país de se inserir no mercado internacional.
35
O Brasil conviveu em sua história evolutiva com o colonialismo, a escravidão
e um capitalismo cravado pelo monopolismo, o que contribuiu para um retardamento no
desenvolvimento da industrialização. Sobre estes fundamentos foram levantados os pilares da
estrutura política, econômica e social do país (CAPPA, 2000).
As relações de trabalho representam um importante papel dentro do
desenvolvimento da sociedade, pois é parte integrante do sistema produtivo e comercial, de modo
que os seus conflitos precisam ser controlados pelo Estado.
Os primeiros órgãos competentes para solucionar as demandas trabalhistas
surgiram em 1922, através da Lei Estadual 1869, de 10 de outubro de 1922. Foi implantado, em
cada comarca das cidades de São Paulo, um Tribunal Rural para conhecer e julgar as causas
relacionadas aos contratos de locação de serviços agrícolas. Cada Tribunal era composto pelo
Juiz de Direito da Comarca onde estivesse estabelecida a propriedade agrícola e de dois outros
membros, indicados pelo locador e locatário. Quando havia consenso, o juiz homologava o
acordo; caso contrário, proferia sua decisão. A partir de 1923 foi criado o Conselho Nacional do
Trabalho ligado ao Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, que era um órgão consultivo
dos poderes públicos para questões trabalhistas e previdenciárias, mas não decidia sobre relação
de trabalho (ANAMATRA, 2010).
Na gestão presidencial de Getúlio Vargas foi criado, em 26 de novembro de
1930, o Ministério do Trabalho Indústria e Comércio, com a edição do Decreto 19.443/30, órgão
do Poder Executivo ao qual estava atrelado o Conselho Nacional do Trabalho. Em 1931, com o
Decreto Legislativo 19.671, foi criado o Departamento Nacional do Trabalho; em 1932, o
Decreto Legislativo 21.396/32 criou a Comissão Mista e Permanente de Conciliação e
Julgamento, e o Decreto 22.132/32, do mesmo ano, fundou as Juntas de Conciliação e
Julgamentos. Estes órgãos foram os germes da futura Justiça do Trabalho (CASSAR, 2008).
Estes órgãos eram meramente administrativos, competentes apenas para
realizações de conciliação e, no caso de insucesso da proposta, a questão era encaminhada ao
Ministério do Trabalho ou para a arbitragem. As decisões das comissões tinham força obrigatória,
mas não podiam ser executadas por ausência de competência legal, entretanto, a matéria poderia
ser rediscutida na Justiça Comum (ANAMATRA, 2010).
A partir da Constituição de 1934 é que foi criada a Justiça do Trabalho, órgão
administrativo que teve a competência normativa estabelecida pela Constituição de 1937. A
36
disciplina da execução dos julgados nos conflitos entre empregados e empregadores foi prevista
pelo Decreto-Lei 39/37. Em 1940, foi editado o regulamento do Conselho Nacional do Trabalho
pelo Decreto 6.597/40. Em 1º de maio de 1943, a Consolidação das Leis do Trabalho foi
compilada através do Decreto-Lei 5.452 e somente com a Constituição de 1946 é que a Justiça do
Trabalho passou a integrar o Poder Judiciário. Os julgadores passaram a se chamar de juízes e os
conciliadores de vogais e depois de classistas (CASSAR, 2008).
A Justiça do Trabalho tinha em sua composição um Tribunal Superior do
Trabalho, Tribunais Regionais do Trabalho, Juntas de Conciliação e Julgamento, compostas por
juízes togados e representantes das categorias dos empregados e empregadores e juízes de
Direitos investidos na jurisdição trabalhista.
Assim, como se pode perceber, paralelamente à política de industrialização, o
Brasil cuidou de implantar normas de organização e controle da relação Capital/Trabalho e editou
a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), com o estabelecimento de Direitos e Deveres
trabalhistas e a instalação da Justiça do Trabalho, para dirimir conflitos referentes às leis
trabalhistas.
A Consolidação das Leis do Trabalho foi elaborada em conformidade com as
circunstâncias sociais do Brasil e do mundo. O país, na tentativa de se incluir na divisão
internacional do trabalho, aprimorava sua política econômica e social. As normas inseridas na
Consolidação seguiam a orientação das Convenções Internacionais editadas pela Organização
Internacional do Trabalho e da Encíclica Rerun Novarum, além de se orientar pela legislação
local já existente como decretos-leis, Constituição de 1937, portarias e as discussões do Primeiro
Congresso Brasileiro de Direito Social realizado em São Paulo, em 1941(CAPPA, 2000).
Esta Consolidação foi editada no país após serem travadas grandes lutas
reivindicatórias entre sindicatos e empregadores, influenciados pela política internacional de
defesa dos direitos trabalhistas, no momento de grande industrialização e de dependência da mão-
de-obra operária, que, em contrassenso, por grande contingente, aglutinavam-se os trabalhadores
em um avolumado exército de desempregados.
Conforme se pode inferir da trajetória da Justiça do Trabalho no país, este
órgão especializado já surge com as raízes na conciliação, tradição que foi mantida com a sua
integração à estrutura do Poder Judiciário, inclusive pela manutenção da representação classista,
onde pessoas leigas em matéria jurídica, mas vinculadas às categorias de classes, funcionavam
37
prioritariamente na tentativa de acordo, comprovando a importância deste ato para este ramo do
Judiciário. Com o advento da Emenda Constitucional 24/99, que alterou a Constituição Federal
de 1988, foi extinta a categoria dos juízes classistas, mantendo-se tão-somente na estrutura da
primeira instância os juízes de carreira, quando foram estabelecidas as Vara do Trabalho.
A Justiça trabalhista, embora tenha previsão constitucional, tem sua formação
e funcionamento dispostos na Consolidação das Leis do Trabalho, onde também consta toda a
regulamentação do rito do processo trabalhista, que já surgiu com as características de
simplicidade, celeridade e informalidade.
Entretanto, esta Justiça Especializada, embora ainda se encontre à frente dos
demais órgãos do Poder Judiciário em termos de celeridade processual, não seguiu seu rumo com
as mesmas características de sua criação. Na condição de serviço público, burocrático, tornou-se
tardia, ineficiente em virtude do grande contingente de processos, que em muito supera a
capacidade individual de cada magistrado. Os juízes e os advogados se preocupam com a
mudança na organização judiciária para priorizar a conciliação judicial e extrajudicial, à
arbitragem, ou para adoção de medidas efetivas para responsabilizar a parte vencida (CARRION,
2005).
A complexidade da sociedade moderna e o avanço tecnológico, que
ampliaram e alteraram o perfil das relações sociais, tanto por força das novas formas de
contratação quanto pelo maior emaranhado de pessoas vinculadas umas às outras através dos
meios eletrônicos, proporcionaram um aumento considerável na conflituosidade do país. Do
mesmo modo, alteraram o formato das demandas judiciais, que atualmente envolvem um maior
número de litigantes nos polos da relação processual, o que proporciona um maior relevo no
papel do Poder Judiciário.
A Justiça do Trabalho, em um maior grau, ocupa-se de um grande volume de
reclamações dentro de um país em desenvolvimento, onde a classe-que-vive-do-trabalho é
formada por um exército de pessoas de baixo poder aquisitivo e reduzida instrução cultural. Os
milhões de desempregados angustiados e desiludidos aguardam nas pautas das Varas Trabalhistas
os últimos recursos financeiros para se manterem e garantirem o sustento de suas famílias.
O quadro atual da sociedade contemporânea revela um aumento da
conflituosidade, mormente nas relações entre o Capital e o Trabalho, como demonstra a
estatística do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que ,em 1998, recebeu 2.475.630 de ações
38
judiciais. Esse número aumentou a cada ano, registrando um volume de 2.974.020 no ano de
2009, quase o triplo do número dos processos interpostos no ato da promulgação da Constituição
Federal de 1988, quando totalizavam 1.044.469 (TST, 2008).
Diante desta conflituosidade, é imprescindível que a Justiça do Trabalho se
aparelhe com ferramentas que dê vazão a este volume considerável de processos, devendo se
focar na solução do litígio que acontece no seio social e que envolve a própria relação, para
aproximar as partes envolvidas nos conflitos e pacificar a sociedade.
A Justiça do Trabalho a cada ano se torna mais exigida, em virtude da
complexidade das causas a serem decididas e do despreparo das pessoas para o alcance da
solução amigável dos conflitos sem a interferência do Estado. A extinção da representação
classista foi um avanço na estrutura deste ramo do Judiciário, uma vez que esta não mais servia
para a realização de acordos. A conciliação, embora ainda fizesse parte da função primordial
dessa Justiça, não mais vinha sendo realizada somente pelos classistas, que não tinham
conhecimentos técnicos suficientes para lidar com os novos conflitos, mais complexos e
plúrimos.
No avanço do capital se depaupera o ser humano trabalhador. Na expansão
tecnológica o trabalho se torna cada vez mais mecânico, o que provoca um grande isolamento
entre os operários que, distantes do contato com os outros, tendem a se tornarem menos humanos.
Assim, mais importante se torna a função da Justiça do Trabalho, equalizadora da relação
Capital/Trabalho (FARIA, 2005).
Esta exigência perpassa pela necessidade de preparação e habilitação da
magistratura do trabalho para a formalização da tentativa conciliatória, em uma época em que o
volume de trabalho assoberba os fóruns trabalhistas, com processos que abrangem uma grande
massa de trabalhadores que mantém uma relação tensa e conflituosa com o Capital.
Pesquisas são realizadas para apurar a quantidade de trabalho realizada pela
Justiça do Trabalho, tal como acontece com o levantamento anual realizado pelo Conselho
Nacional de Justiça e pelo Tribunal Superior do Trabalho denominado de “Justiça em Números”.
É sabido que as instituições, com seus fundamentos extraídos de pensamentos
ditos liberais, em que os métodos de trabalho eram burocratizados e o magistrado dito como o
“boca da lei”, ainda não se dedicam à busca pela humanização dos serviços públicos, ficando
apenas alguns poucos planos de gestão destinados à qualidade, como o tão conhecido programa 5
39
S, que foi concebido por Kaoru Ishikawa em 1950, no Japão, com o objetivo de reorganizar
empresas, modificando ambientes e atitudes das pessoas para melhorar a qualidade de vida dos
empregados, reduzindo os desperdícios e os custos e ampliando a produtividade. A nomenclatura
do programa envolve cinco palavras em japonês que significam em português: descarte,
arrumação, limpeza, saúde e disciplina (INSTITUTO DE PESOS E MEDIDAS, 2010).
No entanto, a sociedade se recente dessa burocratização exagerada, que gera
atrasos no atendimento ao público e uma lentidão na tramitação dos processos, sejam
administrativos ou judiciais, o que vem ocasionando uma desconfiança em relação à “Justiça,”
conforme relata o Conselho Nacional de Justiça sobre o resultado da pesquisa realizada pela
UnB- UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA sobre a “Imagem do Judiciário” (CNJ, 2006).
A pesquisa qualitativa realizada pela AMB- ASSOCIAÇÃO DOS
MAGISTRADOS BRASILEIROS, que também buscou diagnosticar a “Imagem do Poder
Judiciário,” concluiu que a imagem geral do Judiciário foi captada como sendo uma “entidade
poderosa e distante, fechada em si mesma e “estática” (antiquada, morosa, extremamente
burocrática e de muito pouca mobilidade), sendo predominantemente negativa” (AMB, 2004
pg.14). Ainda na referida pesquisa se identificou um aspecto negativo na imagem do juiz que se
configura no distanciamento entre este e o público em geral, mas também revelou que existem
nos jurisdicionados sentimentos de respeito e admiração, bem como de medo e desconfiança. A
partir desses achados, pode-se perceber que a humanização não parece ser a atitude guia das
relações entre os jurisdicionados e os magistrados no Poder Judiciário.
O papel da Justiça do Trabalho tem sido maculado nos últimos anos,
chegando a ser questionada a sua necessidade para a sociedade. Em meados de 2002,
movimentos nacionais aconteceram para discutir sobre a reforma ou mesmo sobre a extinção
deste ramo especializado do Poder Judiciário. Este levante encontrou eco na sociedade em
virtude do descrédito que vem sofrendo a atuação do Poder Judiciário de um modo geral e, mais
propriamente, a Justiça do Trabalho, em virtude de sua influência no processo produtivo do país,
aliado às posturas de distanciamento e insensibilidade atribuídas à magistratura. Assim, as
instituições públicas precisam ser reformuladas para dar conta de todas as transformações
trazidas pela modernidade e retomarem a sua credibilidade junto à sociedade, devendo adotar
medidas que avancem com a entrega da prestação jurisdicional e que solucionem os conflitos no
seio social de forma rápida e eficiente, como os meios alternativos de solução dos conflitos.
40
2 Os meios alternativos de solução dos conflitos.
2.1 Arbitragem, Mediação e Conciliação.
Os métodos não-adversariais de solução de conflitos estão sendo
extremamente estimulados na atualidade. O excesso de processos judiciais que assoberba os
fóruns do Poder Judiciário associado a um número reduzido de magistrados resulta em um
alargamento nos prazos de julgamento das demandas, o que causa um grande descontentamento
com a atuação desse Poder.
A legislação há muito já vem tentando reduzir o tempo gasto entre a
interposição da ação e a sua solução. A própria Constituição Federal já incorporou na categoria
de Direitos Fundamentais o direito à duração razoável dos processos, no entanto, o problema
ainda persiste nos Tribunais do país. Paralelamente às técnicas legislativas para acelerar as
resoluções dos conflitos, se produzem normas jurídicas para a introdução de meios alternativos
de solução dos conflitos, na batalha contra a demora na prestação jurisdicional e em prol da
pacificação dos conflitos com justiça.
O sistema jurídico regula o convívio social e o caminhar do processo
produtivo, de modo que muito influencia o sistema econômico e social. Assim, o Poder Judiciário
possui papel importante no desenvolvimento da sociedade em todas as suas áreas, não podendo
ser desacreditado pela lentidão na entrega da prestação jurisdicional.
Diante da grande ampliação dos meios de comunicação, que permitem uma
teia de relacionamentos e desafiam as distâncias geográficas, os conflitos de interesses se
avolumam, tornam-se mais complexos e cada vez mais se transformam em ações judiciais. O
Poder Judiciário não dá conta deste imenso número de demandas e se perde dentro deste caos.
Os meios alternativos de solução dos conflitos sociais precisam ser
estimulados, tanto antes da interposição da demanda, quanto após a entrega da lide ao Poder
Judiciário para a resolução. Os profissionais, operadores do Direito, não estão habilitados a
optarem pelas soluções extrajudiciais dos conflitos, tampouco foram preparados culturalmente
para tanto.
41
No Brasil, a formação acadêmica nos moldes tradicionais não aperfeiçoa os
profissionais com material teórico-prático para técnicas de negociação, adversariais ou não, para
a composição das demandas. A arbitragem no Brasil vem, cada vez mais, tentando ocupar um
papel de destaque, mormente após a edição da Lei 9.307/96 e do reconhecimento do Supremo
Tribunal Federal da constitucionalidade dos questionados dispositivos legais (SANTOS, 2004).
O país, no momento em que almeja sua expansão financeira e a entrada em
mercados internacionais, necessita, com urgência, da adoção de medidas alternativas de conflitos,
para desafogar o Poder Judiciário, órgão de imensa importância para o desenvolvimento do
Estado. Além do mais, o Estado brasileiro precisa preocupar-se com a qualidade do convívio
social, para estimular atitudes pacificadoras que abrandem os entraves nas relações entre as
pessoas e reduzam os conflitos judiciais.
A adversidade inerente às sociedades complexas solapa, de forma irreversível,
os relacionamentos. Ao revés, as atitudes cooperativas, solidárias e não-adversariais mantêm as
relações de forma mais prolongada e pacífica, de modo que os conflitos se tornam mais
esporádicos. Na atualidade já se vislumbra um movimento em prol das medidas alternativas auto
administradas para resolver os conflitos, socorrendo-se dos insights da Psicologia, com adoção de
métodos estruturados através da mediação e da arbitragem, além de ideias criativas que ampliam
os meios de solução alternativos (GARCEZ, 2004).
O acordo realizado pela vontade das partes traz consigo uma carga
pacificadora muito mais relevante que a decisão judicial imposta pela autoridade do Estado-juiz,
de modo que os meios alternativos de solução dos conflitos precisam ser mais aplicados.
Os países ocidentais são culturalmente propensos à litigiosidade e dedicam a
confiança aos métodos tradicionais de solução dos conflitos com a interferência do Estado, em
virtude das relações comerciais se firmarem estruturalmente por documentos e no princípio da
legalidade. A cultura oriental, por outro lado, não sustenta tanta autoridade nos contratos e optam
por ajustes mútuos e negociações, pois as relações comerciais são firmadas na boa fé das partes,
além de defenderem o consenso e a harmonia social (GARCEZ, 2004).
O Brasil adota como meios alternativos de solução dos conflitos a arbitragem,
a mediação, a transação e a conciliação judicial. A arbitragem é formalizada através da vontade
das partes; os termos são normalmente elaborados mediante a negociação direta dos envolvidos,
tendo um grande índice de cumprimento espontâneo das decisões em todo o mundo. O contrato
42
no qual se firma a convenção arbitral ou cláusula compromissória pode ser elaborado de forma
abrangente e complexa. Posteriormente, seguem as partes com a eleição e contratação dos
árbitros, a escolha da lei de regência ou lei de fundo, a disposição eventual sobre a possibilidade
de julgamento pelos árbitros por equidade ou como “amiable compositeurs” e as etapas de
desenvolvimento que compõem a produção de provas, inclusive periciais, entre outros itens. É
garantida a ampla flexibilidade de negociação entre os contratantes (GARCEZ, 2004).
No Brasil ainda é incipiente o uso da arbitragem como método de solução dos
conflitos na seara trabalhista por simples questão cultural, porém o mesmo método é amplamente
usado em demandas comerciais. O desconhecimento da matéria também dificulta a aplicação
deste meio, de modo que precisa ser mais esclarecida sua prática na sociedade. A mediação, do
mesmo modo, como medida extrajudicial, também não é muito utilizada, mormente em contratos
cíveis, assim, precisa ser mais propagada.
A arbitragem é caracterizada por serem os árbitros livremente escolhidos entre
os contratantes, entre pessoas que têm conhecimento do objeto da contenda, por ter o resultado ou
sentença arbitral força obrigatória, sendo, inclusive, considerado título executivo judicial,
somente cabendo ao Judiciário analisar sobre a existência de vício de consentimento.
Nos conflitos que envolvem a relação de trabalho lentamente vem sendo
utilizado o instituto da arbitragem. Indica um estudo realizado por José Pastore que, no ano de
2001, o Brasil possuía 95 instituições privadas de arbitragem, sendo que somente 20 atuavam em
matéria trabalhista. No período que se limita de 1998 a 2001, foram recebidas pelas aludidas
instituições quatorze mil questões envolvendo empregados e empregadores, tendo sido resolvidas
onze mil em apenas alguns dias, cerca, pois, de 78,6% (PASTORE, 2010).
Após o advento da Lei 11.232/2005, a sentença arbitral passou a fazer parte
do rol dos títulos executivos judiciais, sugerindo que a natureza jurídica da arbitragem passaria a
ser mista, sendo privada quanto à liberdade das partes na escolha dos árbitros e na elaboração do
ajuste, e pública a partir do descumprimento do trato e da permissão para a atuação do Estado-
juiz em processo executório contencioso. É um meio que não tem custas e encargos judiciais e,
por advir do próprio consenso, é mais rápido e eficiente no alcance da pacificação(GARCEZ,
2004).
A arbitragem se limita entre a voluntariedade das partes e a atuação estatal,
pois ao mesmo tempo em que necessita de lei para regulamentar o seu procedimento, é formada
43
através do ato de vontade das partes. Entretanto, somente pode envolver direitos disponíveis, não
sendo permitido o ajuste quando envolvem menores, direitos de família, ações de estado e
falência, entre outros. A cada dia estimula-se mais no Brasil o uso da arbitragem, porém, não
obstante passados mais de treze anos da vigência da Lei 9.307/96, que regulamenta o seu
procedimento, muito ainda precisa ser trabalhado para os indivíduos a adotarem como meio de
resolução dos seus litígios, devendo, se assim optarem, inscrever no contrato a convenção de
arbitragem ou nos próprios autos de uma ação judicial (GARCEZ, 2004).
Prevê a Lei 9.307/96 que a arbitragem no país poderá ser de direito ou de
equidade, cabendo às partes escolherem livremente as regras de Direito que serão aplicadas ou se
serão utilizados os princípios gerais de Direito, os usos e costumes ou as normas internacionais
de comércio, respeitando os bons costumes e a ordem pública. Estabelece a lei, inclusive, que
havendo no contrato firmado entre as partes a convenção de arbitragem, qualquer delas poderá
provocar o Poder Judiciário para, em ação judicial, obrigar a outra a firmar este meio de solução
da demanda (BRASIL, 1996).
Interessante comentar que o custo da arbitragem é apontado como um grande
entrave à expansão de sua utilização, pois embora não existam custas e encargos judiciais, a
contratação de um árbitro é onerosa e entra em desvantagem com a ação judicial do trabalho no
Brasil, que sequer cobra custas antecipadas e grande parte dos trabalhadores são agraciados pelo
instituto da Justiça Gratuita. Ressalte-se que, havendo a nomeação de autoridade administrativa,
seja do Ministério do Trabalho e Emprego, seja do Ministério Público do Trabalho, não há que se
falar em onerosidade.
Nos conflitos trabalhistas, a Constituição Federal estabelece em seu art.114
que, nos dissídios coletivos, poderão as partes eleger árbitros para solucioná-los e somente não
optando por este meio é que será interposta a ação judicial. O uso da arbitragem no âmbito
trabalhista ainda é embrionário, sendo necessários mais esclarecimentos e divulgação para
ampliar a confiabilidade das partes, principalmente dos trabalhadores em entregar a um terceiro,
que não o Poder Judiciário, a solução dos conflitos (BRASIL, 1988).
Existem outros dispositivos legais que mencionam a arbitragem como opção
das partes na relação de trabalho, como a Lei 7783/89, que trata sobre greve; a Lei 10101/2000,
que diz respeito à participação nos lucros e a Lei 8630/1993, que trata sobre o trabalho portuário
(SOUSA, 2004).
44
Não obstante os dispositivos legais acima apontados, a grande celeuma se
trava na possibilidade de arbitragem nos dissídios trabalhistas sob o argumento da condição de
indisponibilidade e irrenunciabilidade dos direitos, decorrente da inderrogabilidade das normas
trabalhistas. É importante frisar que o fundamento central da premissa de indisponibilidade dos
direitos trabalhistas pelo trabalhador assenta-se na função social destes direitos, eis que o bem
contratado pelo empregador se constitui na força física dissipada pelo empregado, única fonte de
recursos financeiros para manutenção de sua dignidade pessoal, o que o posiciona em uma
situação de dependência e fragilidade com relação ao empregador.
Na análise da conciliação judicial no processo trabalhista, que em virtude da
ligação do tema com o teor do presente trabalho será apreciada em subtítulo específico, o
problema da indisponibilidade dos direitos trabalhistas, mais uma vez, vem à tona, momento em
que melhor será comentado sobre este assunto, não, portanto, almejando o esgotamento do tema
ainda tão polemizado pelos doutrinadores, mas tão-somente com o objetivo de aclarar o paradoxo
com a formalização do acordo judicial firmado nos fóruns trabalhistas.
Os outros métodos, a mediação e a conciliação, são construídos em sua
essência por táticas psicológicas que objetivam consertar as percepções equivocadas e unilaterais
que na grande maioria são desproporcionais ao próprio litígio. Estas técnicas são realizadas por
um terceiro neutro que vai atuar como facilitador e vai minimizar os medos, as ansiedades e
ampliar a comunicação entre os litigantes, viabilizando as discussões de modo pacífico para que,
assim, atinjam o consenso. Interessante registrar que já é possível utilizar-se da internet para
obter avaliações preliminares do litígio através da via E-resolution que formaliza a arbitragem e a
mediação on line. Os países desenvolvidos cada vez mais atentam para a importância dos
métodos negociais de solução dos conflitos como meios mais construtivos e duradouros, pois
adquiriram a consciência da importância do consenso entre os contendores (GARCEZ, 2004).
No Brasil, desde o início do século XXI, movimentos que visam expandir o
uso da mediação em várias áreas vêm sendo ampliados. No ano de 2009, a Ordem dos
Advogados do Brasil promoveu curso de formação para a técnica da mediação para os advogados
(BATTAGLIA, 2009).
A mediação é um método extrajudicial de solução dos conflitos, em que o
mediador é espontaneamente escolhido pelas partes, entre terceiros desinteressados, que por
serem próximos aos envolvidos, melhor alcançam a negociação direta pelas próprias partes.
45
Define Barsky apud Brito (2010), que existem quatro modelos de mediação,
quais sejam: a) estrutural, que procura focar-se nos direitos das partes, sendo dirigida para que as
partes observem as normas legais específicas ou as cláusulas contratuais na construção do ajuste;
b) a que se direciona para os interesses, objetivos e necessidades das partes. Nesta, o mediador
procura demonstrar os ganhos e perdas de cada contratante com o acerto, também conhecida
como mediação facilitadora; c) a terapêutica, que se preocupa em dar conta dos aspectos
psicológicos e sociais que conduziram às divergências. Busca a recomposição do relacionamento,
permitindo a comunicação entre os envolvidos e o controle do emocional; c) a transformativa,
que proporciona o fortalecimento e o reconhecimento dos próprios conflitantes, procurando
mediar o entendimento recíproco, de modo a ressaltar os valores sociais e o humanismo.
Considerando os tipos básicos acima descritos, é possível identificar que a
mediação transformativa melhor contribui para uma convivência harmoniosa e para a pacificação
de toda comunidade, pois não só favorece o relacionamento entre as partes conflitantes, como
transcende a elas e transborda para o convívio social, uma vez que trabalha a própria pessoa,
buscando o seu fortalecimento e o seu reconhecimento, como informa o autor. É o modelo que
deve ser melhor analisado e estudado para aplicação dentro do novo paradigma da sociedade
moderna.
É indubitável que o mediador precisa de habilidades para viabilizar o
consenso entre os litigantes, e a doutrina atinente à matéria não deixa de mencionar a importância
do conhecimento de orientações da Psicologia para melhor alcançar a contento o acordo, uma vez
que as partes, em virtude do estado emocional, perdem a percepção do que de fato contribuiu
para o conflito, a questão real que se encontra por trás da contenda que aniquila o bom senso dos
envolvidos.
Entre os meios de solução dos conflitos, a mediação é o mais privilegiado em
termos de tempo, onerosidade e desgaste emocional e é resultado de uma fusão das teorias e das
práticas da Psicologia, Assessoria, Direito e outras matérias atinentes a relações humanas. Os
ensinamentos de Freud e de Berne sobre motivação e personalidade são de grande valia, mas são
conceitos muito elaborados, que exigem extensos estudos e experiência, o que dificulta a
apropriação destes conhecimentos para a mediação. Os litigantes se apresentam perante os
mediadores em situações ameaçadoras, acometidos de temores e ansiedades o que ocasionam um
bloqueio para a negociação, por se encontrarem imbuídos dos sentimentos de rejeição e
46
indignação, o que dificulta a dissolução do conflito. As técnicas de mediação objetivam aliviar as
tensões e dissipar o sentimento de aflição e perda que provoca uma visão do problema em uma
dimensão irreal (GARCEZ, 2004).
Registra a literatura que algumas características especiais são exigidas para
um mediador de êxito, tendo em vista a importante função que assume dentro de um conflito. O
mediador precisa ser ético, sensível, com boa desenvoltura para a comunicação e boa
argumentação, ser da confiança das partes, conhecer o processo de mediação, saber escutar,
conduzir as propostas das partes, controlar as emoções dos envolvidos, ter um potencial para
equilibrar os poderes e conhecer o direito material, objeto do litígio (SOUSA, 2004).
O mediador necessita de uma preparação para realizar a negociação, tendo em
vista o estado emocional em que se encontram as partes diante do litígio. Dificilmente uma
pessoa comum, sem qualquer conhecimento adquirido, somente por suas habilidades naturais,
terá condição satisfatória para realizar uma mediação, mormente quando o conflito envolver
matérias complexas.
A mediação, se instalada antes de qualquer processo judicial, é um meio
vantajoso, pois além da privacidade, da economia de tempo e de custos, e da informalidade,
contribui para a reaproximação das partes, por ter sido a solução produto da vontade destas, e não
da imposição do mediador. Enquanto que, na ação judicial, tal como acontece nos dias atuais, a
tendência é aguçar o conflito social, principalmente pelo desgaste ocorrido durante o trâmite
processual. O terceiro intermediário auxilia na comunicação entre as partes quando ameniza as
tensões e neutraliza as emoções. A mediação soluciona os conflitos de forma oposta às regras
gerais executadas pelo Poder Judiciário para compor a lide (SOUZA, 2004).
Não obstante sugira Brito (2010) que nos conflitos trabalhistas seja
necessário considerar o tipo do conflito, se coletivo ou individual, se estabelecido após o
encerramento do contrato de trabalho ou se instalado ainda na vigência do pacto laboral, e afirme
que somente na permanência da relação entre os litigantes se deva preferir o tipo transformativo,
que repercute no comportamento futuro dos conflitantes. Sustenta-se que, considerando a valiosa
contribuição da modalidade transformativa para o aperfeiçoamento da pessoa que está envolvida
na contenda, este modelo deve ser preferido em qualquer que seja o tipo de conflito, para que a
mediação trabalhe e aprimore a pessoa para os relacionamentos da vida social visto que, além dos
47
aspectos psicológicos, ocorre a preocupação em melhorar os conflitantes como pessoa na sua
condição de ser humano.
A mediação dos conflitos trabalhistas no Brasil é culturalmente executada
pelo Ministério do Trabalho e Emprego, sendo mais usualmente praticada nos conflitos coletivos,
na esfera administrativa, no exercício da competência da Seção de Relação de Trabalho, quando
se instalam as “mesas redondas” para a formalização de negociação entre sindicados dos
empregados e empregadores, conforme regulamentado pela Lei 10.192/01 e Decreto 1.572/95.
Embora marcada pela obrigatoriedade como pressuposto para a instauração do Dissídio Coletivo,
não perde a característica de mediação. É também utilizada a mediação em demandas individuais
relacionadas a infrações que envolvem os registros em carteira profissional. Este meio alternativo
de solução de conflito muito se assemelha às “mesas de entendimento” previstas na Instrução
Normativa n º.23/01, quando a autoridade administrativa orienta, previne e saneia através de
tomada de termo de compromisso de empregadores. Há, inclusive, o lançamento de um Manual
de Orientação ao Mediador e o Manual do Mediador para orientar o profissional responsável por
este meio de solução dos conflitos, seja individual ou coletivo (BRITO, 2010).
A atual Constituição, vigente desde 05 de outubro de 1988, estabelece em seus
art.127 e 129, bem como a Lei Complementar n.75/93, as competências do Ministério Público do
Trabalho, dentre as quais está a defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais
homogêneos ou indisponíveis trabalhistas (BRASIL, 1988).
A previsão legislativa para que o Ministério Público do Trabalho atue como
árbitro nos conflitos trabalhistas confere, analogicamente, a permissibilidade para a sua atividade
como mediador, posto que a mediação é um meio natural de autocomposição que poderá
perfeitamente anteceder a arbitragem ou mesmo a jurisdição. Além do mais, corrobora a sua
função primordial de pacificação das contendas decorrentes da relação de trabalho. Registra o
sítio da Procuradoria Geral do Trabalho a mediação noticiada em 04.04.2006 pelo Procurador
Rildo Albuquerque Mousinho de Brito no conflito que envolvia a categoria dos vigilantes e outro
formalizado em 17.06.2008 pelo Procurador Ramon Bezerra dos Santos realizada no processo
eletivo do Sindicato dos Trabalhadores nas Empresas Prestadoras de Serviços Gerais da Paraíba,
tendo inclusive sido constituído um regimento para disciplinar as referidas eleições e o
procurador ter sido figurado como presidente da comissão eleitoral (BRITO, 2010).
48
Assim, além do Ministério do Trabalho e Emprego no Brasil poderá, ainda, a
mediação nos conflitos trabalhistas ser praticada pelo Ministério Público do Trabalho, órgão
aprimorado e preparado para lidar com todas as contradições advindas da delicada relação
formada entre o Capital e o Trabalho.
Comenta Souza (2004) que a mediação se diferencia da atuação do Poder
Judiciário, tal como hoje ocorre, porque o mediador tenta extrair das próprias partes a solução,
persuadindo-as a se conformarem com as regras da lei, sendo mais ativo, dinâmico e passivo em
relação à questão de mérito, sem oferecer qualquer decisão, enquanto que o Estado-juiz age em
conformidade com o direito legislado e assume a condição de conciliador por imposição da lei e
não por vontade. É importante ressaltar que uma diferença marcante entre a mediação e a
conciliação judicial se firma no “poder” existente na relação firmada entre o magistrado e os
jurisdicionados.
É necessário tecer alguns comentários sobre o conflito que envolve a relação
de empregado e empregador, posto que a legislação pouco permite o que se tem a negociar
livremente pelos contratantes, frente à desigualdade no potencial de transacionar existente entre
as partes e o caráter social da legislação, o que gera uma grande insegurança no trabalhador, que
pode se apresentar em juízo sem a assistência do advogado, depositando a sua confiança somente
no Poder Judiciário, de modo que a mediação é pouco aplicada na área trabalhista quando
existentes conflitos individuais.
Em contraponto, há dispositivo legal que permite que qualquer pessoa possa
atuar na condição de mediador de contendas trabalhistas, bastando ter conhecimentos técnicos
relacionado à matéria e que mantenha um cadastro junto ao Ministério do Trabalho, conforme
definem o Decreto 1.572/95 e a Portaria n.818/95. Inúmeras empresas vêm sendo fundadas para a
realização de mediação e arbitragem na área trabalhista, tais como a Associação Brasileira de
Árbitros e Mediadores e a Câmara Brasileira de Mediação e Arbitragem Empresarial, que são
congregadas ao Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem, sendo ainda
incipiente a atuação destas instituições por não haver no Brasil um terreno fértil, dentro da cultura
local, que estimule essa prática e esclareça todos os benefícios destes institutos alternativos de
solução dos conflitos trabalhistas (BRITO, 2010).
A mediação se diferencia da conciliação judicial em vários aspectos, além
daquele já reconhecido de que o juiz não é eleito e a atividade lhe é imposta pela lei e não por
49
vocação ou escolha dos conflitantes. O juiz tem seus poderes de negociação limitados pela norma
jurídica e fica no limbo entre o oferecimento dos termos do acordo e a proibição legal de um pré-
julgamento, o que dificulta, ainda mais, a possibilidade de negociação.
O magistrado, ainda, não possui nenhuma preparação para a prática da
negociação. Como já comentado, são necessárias táticas psicológicas para um bom facilitador,
sendo indiscutível a necessidade de treinamento de um mediador. Deste modo, o juiz fica, mais
uma vez, em total desvantagem. Além do mais, quando as partes procuram um mediador, já se
apresentam com disponibilidade de conciliar, enquanto que em uma ação judicial as partes estão
em total desavença, com maior tensão e contrariados. Assim, com maior razão, faz-se necessário
um aperfeiçoamento do magistrado para lidar com estes sentimentos e atingir o consenso.
A qualidade de um bom mediador não é extraída da genética do facilitador,
mas são habilidades que poderão ser perfeitamente assimiladas por qualquer pessoa. A Psicologia
traz abordagens que trabalham o indivíduo como pessoa e que podem, em muito, contribuir para
preparar um mediador ou um conciliador.
A mediação, como dito, já se apropriou de conhecimentos da Psicologia para
melhor lidar com a adversidade entre os conflitantes. A conciliação judicial, por sua vez, precisa
avançar e procurar em outros ramos do saber, como a Psicologia, a melhor forma de ser
executada. A solução dos conflitos por escolha espontânea das partes envolvidas é a melhor
maneira de pacificação, por ser respeitada a autonomia da vontade e a resolução atingir a relação
estabelecida no convívio social, porém a cultura brasileira implementou a procura do Poder
Judiciário como meio confiável para a resolução das contendas.
É importante registrar que a mediação transformativa acima citada muito se
assemelha à proposta de mediação apresentada pela Psicóloga Maria do Céu Lamarão Battaglia
(2009), baseada nos ensinamentos de Carl Rogers, que pregam a importância da empatia,
consideração positiva incondicional e congruência, reveladas nas posturas de escuta ativa,
ausência de julgamento, respeito, consideração, compreensão, forma não diretiva de conduzir os
entendimentos, confiança, interesse genuíno e valoração dos envolvidos.
É imperioso destacar que a referida psicóloga menciona que a mediação
somente poderá acontecer quando houver vontade para o acordo entre os litigantes, pois é
necessário um esforço e uma disponibilidade sem imposição de um terceiro, afirmando que, sem
a cooperação e a vontade de solucionar as questões de modo compositivo e sem a disponibilidade
50
da honestidade, o melhor é direcionar a solução para outro método, tal como a conciliação, a
arbitragem ou mesmo o Judiciário, inclusive sugerindo que a mediação propõe uma
transformação na cultura e na forma de convivência que nenhum outro método fornece.
Entretanto, pode-se verificar que, utilizando-se as ferramentas oferecidas por Carl Rogers e os
argumentos da própria psicóloga, é possível qualificar a proposta conciliatória realizada pelo
Judiciário para atingir, também, a maneira de ser das próprias partes e transcender a pacificação
do conflito para o convívio dos contendores em todas as esferas da vida social.
A Abordagem Centrada na Pessoa, do psicólogo e pesquisador Carl Rogers, é
um exemplo de conceitos advindos da Psicologia que poderão ser apreendidos por outros ramos
do conhecimento científico para aprimorar os profissionais, mormente quando estes são
responsáveis pela resolução de conflitos interpessoais, tarefa, inclusive, já executada pelo próprio
psicólogo ao longo da sua experiência, conforme demonstram as obras do autor “Um Jeito de Ser
(1983)”, “A Pessoa como Centro (2008)” e “ Grupo de Encontro (2009)”, entre outras. Além do
mais, a proposta desta Abordagem poderá preparar o magistrado para aprimorar a prática de uma
conciliação trabalhista, no estilo da mediação transformativa, tipo que aperfeiçoa o contendor
como pessoa, produzindo efeito em todo e qualquer relacionamento interpessoal em que se
envolva o conflitante, transcendendo para além daquela relação conflituosa.
A proposta da utilização de atitudes facilitadoras para o alcance da
conciliação, que promove uma transformação nas pessoas envolvidas no conflito, com
repercussão em todo o relacionamento interpessoal ao qual se submetem os conflitantes, muito se
identifica com a mencionada mediação transformativa. No entanto, não existe uma sistematização
da utilização da proposta de Carl Roger na conciliação dos conflitos trabalhistas, com todas as
suas peculiaridades de desigualdade entre os contendores.
Em remate, não sendo a mediação um método de solução dos conflitos muito
utilizado na seara trabalhista, mormente quando envolve demandas individuais, e sendo a cultura
brasileira mais propensa à ação judicial, a conciliação deve ser mais estimulada e estudada como
medida de pacificação da relação de trabalho. De modo que, apontadas as desvantagens deste
método frente à mediação, o magistrado precisa ser aperfeiçoado para qualificar a tentativa
conciliatória, a fim de minimizar os aspectos desfavoráveis da atividade pacificadora do Poder
Judiciário Trabalhista.
51
2.2 A Conciliação Judicial no Estado Moderno.
Os conflitos sociais estão presentes desde o início da formação da sociedade.
Na medida em que eram organizadas as cidades, as relações interpessoais se ampliavam e os
interesses contrapostos geravam conflitos que cada vez mais dificultavam o convívio em
comunidade.
Nas primeiras fases da civilização não havia a formação de um Estado forte
para dirimir os conflitos através da imposição do Direito sobre as vontades dos particulares. Não
havia legislação, de modo que a pretensão de um diante da resistência de outro conduziria ao uso
da própria força.
Ainda na fase primitiva da sociedade, quando não havia um Estado
organizado, a autocomposição era utilizada como medida de solução dos conflitos; as partes
mutuamente chegavam a um consenso, seja através da desistência de uma das partes, da
submissão à vontade do outro ou através da transação, quando aconteciam concessões recíprocas.
Na busca de organização estatal, os próprios indivíduos procuraram a intervenção de um terceiro
para a solução das contendas, na tentativa de um fim mais amigável e imparcial, e começaram a
eleger árbitros entre pessoas de confiança dos conflitantes. Inicialmente, esta função era
destinada aos sacerdotes que, por estarem ligados à divindade, repassavam a ideia de que eram
capazes de encontrar soluções mais certas por orientação dos deuses; ou eram confiados aos
anciãos, pela sabedoria dos costumes populares. As decisões dos árbitros eram fundamentadas
nos costumes do povo (DINAMARCO, 2009).
O terceiro que intervinha nos conflitos de interesse era escolhido pelos
litigantes entre pessoas comuns do grupo social e não se tratavam de representantes do poder
organizacional da comunidade. Deste modo, as decisões não poderiam ser executadas e eram
cumpridas pela boa-fé dos contendores.
As pessoas que procuravam o interventor estavam dispostas a entrar em
consenso e a submeter-se às soluções ajustadas, porém com o desenvolvimento das cidades e a
consequente multiplicação dos conflitos, este modelo tornou-se inviável. Por outro lado, a
organização estatal passou a ser responsável pela missão de pacificação social, e surgiram as
figuras dos pretores e árbitros.
52
O Estado assumiu o poder de jus punitionis, quando somente ele poderia
exercer a punição sobre os indivíduos conforme suas próprias decisões. Registra-se através das
Leis das XII Tábuas até o século II a.C., que o Estado já decidia qual o preceito a ser aplicado ao
caso concreto diante de um conflito. Os cidadãos contendores se apresentavam ao pretor e se
comprometiam a aceitar a decisão, sendo posteriormente escolhido o árbitro da confiança das
partes, que recebia do pretor o encargo de proferir a decisão. Assim, o processo civil romano se
formava em duas fases: perante o magistrado ou pretor e perante o árbitro. Este sistema existiu na
sociedade romana do século II a.C. até o século II d.C., embora tenha havido um crescente
fortalecimento da figura do Estado que gradativamente passou a escolher o árbitro e passou a ser
instituída a arbitragem de forma obrigatória. Progressivamente o Estado passou a delegar ao
pretor a solução dos conflitos através da prolação de sentença de mérito, fase iniciada no século
III d.C., completando o ciclo histórico da passagem da justiça privada para a justiça pública,
exercida através do Estado por força da chamada jurisdição. A partir de então os magistrados
passaram a substituir as partes que não mais poderiam exercer a justiça pelas próprias forças. Foi
vedada a autodefesa, restando apenas a vontade da parte de provocar a atividade do Estado
(DINAMARCO, 2009).
Já no período romano, como se pode perceber, havia a necessidade do povo de
solucionar os conflitos de interesse com a intervenção de um terceiro que pudesse oferecer
confiança aos conflitantes, mesmo que com a mínima participação do Estado através dos
pretores, que apenas confiavam o encargo aos árbitros escolhidos pelas partes.
Surge posteriormente a figura do juiz como habilitado para dirimir os
conflitos da sociedade através da imposição de suas decisões como representante do Estado, já
dotado de força para impor a solução apresentada como medida de pacificação social. A atuação
do Estado, sua função/poder de dirimir os conflitos de interesse com a materialização do Direito
foi denominada de Jurisdição e passou a ser exercida através do processo judicial.
O Estado, ao avocar a decisão dos litígios, a função da justiça, concedeu a
todos a pretensão à tutela jurídica através do processo, ao aplicar a norma jurídica ao caso
concreto, de modo que a função imediata do processo ficou sendo a aplicação do Direito objetivo,
sendo mediata a composição das partes. A sentença realiza o Direito, pacifica e não se confunde
com a “vontade concreta da lei” (MIRANDA, 1995, XVII).
53
Essa função social do Estado de pacificação deve ser amplamente reforçada
pelos seus representantes, mormente para justificar a legitimação da própria jurisdição como
poder de solução dos conflitos de interesse. A modernidade trouxe grandes mudanças aos fins a
que se destina o processo, alterando o conceito de instrumento formal, com um fim em si mesmo.
O Estado Moderno assegura um processo que deve estar a serviço do direito
material, proporcionando, além do acesso à jurisdição, o direito a uma ordem justa, com objetivos
sociais, de pacificação dos conflitos com segurança e justiça; políticos, com a maior participação
dos cidadãos na gerência do poder; e jurídicos, que consiste em realizar o Direito com toda a sua
carga valorativa e reconhecendo os direitos fundamentais (LEITE, 2007). Os direitos
fundamentais estão previstos na Constituição Federal, que tem suas bases na dignidade da pessoa
humana, e a sua concretização através do processo judicial é preocupação do Estado
contemporâneo.
Na década de 1970, o Brasil passou a ser identificado como uma sociedade
industrializada e essencialmente urbana com nível mínimo de organização das classes média e
trabalhadora, o que provocou uma maior mobilização na defesa dos direitos e interesses,
tornando-se uma sociedade tensa e explosiva, estigmatizada por cruéis indicadores
socioeconômicos, reveladores das crises estruturais de hegemonia dos setores dominantes, que já
não comandam a política nem o pensamento ideológico e que dirigem a sociedade através de um
regime representativo. No campo político e no plano jurídico-institucional, os países sofrem uma
crise na matriz organizacional do Estado (FARIA, 2005).
Nesta realidade começaram a surgir grandes movimentos populares na busca
pelo efetivo cumprimento dos direitos sociais assegurados na Constituição Federal, que
protegiam os excluídos e marginalizados, ocupantes de um imenso exército de desempregados, o
que tornou a sociedade mais conflituosa.
Essa multiplicidade de conflitos aprofundou o fosso existente entre o sistema
jurídico, formado dentro de uma estrutura formalista e dogmática, e os interesses conflitantes, o
que provocou uma desconfiança generalizada na objetividade da lei no que diz respeito ao
critério de justiça, na efetividade desta como instrumento de regulação e direção das regras
socioeconômicas. Diante disso, a atividade jurisdicional, ao interpretar um sistema legal ineficaz
e com o poder criativo limitado, convivia com a imagem de “anomia” perante a maioria dos
jurisdicionados. Buscando reduzir a distância existente entre a realidade fática dos conflitos de
54
interesse e o papel ineficiente do Poder Judiciário, movimentos corporativos vêm tentando extrair
novos direitos a partir de fatos políticos à margem da rigidez lógico-formal do aparelho
judiciário, exigindo do Estado posturas rápidas e pragmáticas na solução dos litígios (FARIA,
2005).
O Estado Moderno se apresenta como responsável pela promoção da plena
realização dos valores humanos, devendo ser realçada a função jurisdicional pacificadora dos
conflitos, como medida minimizadora das angústias que atingem a sociedade e como meio de ver
o processo como instrumento efetivo para se atingir a justiça. Entendendo o objetivo do Estado
contemporâneo como alcançar o bem-comum, a jurisdição deve ser vista como medida de
pacificação com justiça (DINAMARCO, 2009).
Os meios alternativos se resolução das contendas mais eleitos ainda passam
pelo crivo do Poder Judiciário, uma vez que a transação espontânea das partes não é prática
comum na sociedade contemporânea. Informa o Conselho Nacional de Justiça que a pesquisa
realizada pela UnB- UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA, que identificou a “Imagem do
Judiciário”, embora tenha revelado a desconfiança no Poder Judiciário, identificou que 75,2% das
pessoas entrevistadas reconheceram que compensava procurar a Justiça para a solução dos
conflitos, embora afirmassem que a lentidão e a complexidade dos processos contribuíam para
abalar a confiança da sociedade no Poder Judiciário (CNJ, 2006). Essa mentalidade favorece o
grande número de processos judiciais que tramitam nos fóruns, e medidas alternativas precisam
ser estimuladas dentro da sociedade já tão conflituosa.
No Brasil, a necessidade de tentativa de conciliação já era prevista desde a
Constituição Imperial, como exigência para a realização e julgamento da demanda. As demais
Constituições, tais como a de 1946 em seu art.123; de 1967, art.134; de 1969, art.142 e Emenda
Constitucional de 01/69, além da redação primeira do art.114 da Constituição de 1988,
estabeleciam a competência da Justiça do Trabalho para conciliar e julgar os conflitos individuais
e coletivos relacionados ao contrato de trabalho. Entretanto, não obstante a redação nova do
art.114 da Constituição Federal de 1988, promovida pela Emenda Constitucional 45/2004, ter
extraído o termo “conciliar,” permanece no corpo da Consolidação das Leis Trabalhistas a ênfase
na imperiosa tentativa conciliatória (LEITE, 2007).
A conciliação judicial prevista na legislação trabalhista encontra seus
momentos estabelecidos nos artigos 847 e 850 da CLT. Entretanto, inexiste um procedimento
55
específico que conduza o magistrado à concretização da proposta de acordo, assim, são utilizados
seus próprios conhecimentos e habilidades para a realização da conciliação (BRASIL, 1943).
A jurisdição exercida pelo Estado-juiz através do processo judicial deve
primordialmente buscar a composição das partes, pois a resposta encontrada espontaneamente
pelos contendores minimiza os desgastes proporcionados pela contenda e melhor representa a
Justiça, por ser mais rápido e menos frustrante o caminhar da solução dos conflitos.
O procedimento de investigação dos fatos realizado através do processo,
inevitavelmente, provoca o acirramento dos ânimos, por promover um reviver dos fatos que
ocasionaram o conflito. A ouvida dos depoimentos, tanto das partes como das testemunhas, traz
outros dissabores e desgastes, dificultando cada vez mais o desempenho do papel do Estado de
pacificação. As sessões de audiência são momentos frustrantes, em virtude dos rituais formais
que muito confundem os cidadãos desabituados com estas práticas. A linguagem especializada,
as regras coloquiais e a formalidade provocam constrangimento a todos os envolvidos no
processo judicial, das partes às testemunhas, que sequer conseguem entender o que se passa
naquele evento (MACEDO JÚNIOR, 1999).
O Estado representado pelo magistrado deverá buscar a solução do conflito da
forma mais favorável aos litigantes, de modo que a conciliação dentro de um processo judicial
deve ser privilegiada, a fim de evitar os transtornos provenientes dos atos processuais que seguem
da petição inicial até a prolação da decisão imposta pela sentença, que além de aguçar os
dissabores das partes, prolonga o litígio na esfera social.
Conforme afirma SOUZA (2004), enquanto se questiona sobre a eficiência do
Judiciário, estimula-se a prática de meios alternativos de solução dos conflitos, por serem
considerados menos onerosos e por proporcionarem resultados mais justos e adequados aos
interesses conflitantes das partes que a decisão imposta por um juiz técnico que trabalha,
preponderantemente, na interpretação da lei.
Entretanto, a proposta de acordo formalizada dentro na sessão de audiência,
diante da hostilidade do ambiente, provocada pelos desconfortos emocionais suportados pelas
partes e provenientes do conflito; sem qualquer preparo do magistrado para atuar na condição de
facilitador e instalar o diálogo indispensável para uma conciliação, torna-se mais difícil de ser
aceita de forma satisfatória.
56
Resta, pois, refletir se a proposta conciliatória realizada nos moldes em que
vem sendo praticada nos fóruns trabalhistas atende a este resultado mais justo e adequado aos
interesses dos contendores. Questiona-se se a preparação técnica para a prática do Direito é
suficiente para o magistrado proporcionar um ambiente favorável à realização da proposta de
acordo, onde as partes consigam refletir sem a tensão proveniente do conflito. Será que o
magistrado não precisa de técnicas advindas da Psicologia para compreender a subjetividade das
partes e favorecer o ato conciliatório, tal como acontece com a mediação? Não seria importante
que o juiz tivesse conhecimento de quais atitudes seriam indispensáveis para o sucesso de uma
proposta de acordo?
É insofismável que a atuação do magistrado tem um papel preponderante na
aceitação ou rejeição da proposta de acordo, devendo, pois, o juiz participar de forma ativa na
busca pela solução amigável do litígio, sendo os termos, preferencialmente, elaborados por
iniciativa das próprias partes.
Assim, o interesse do magistrado na solução dos conflitos é de fundamental
importância para a qualidade do acordo e faz parte da proposta global de humanitarismo. O juiz
posicionado fora da contenda, poderá agir com maior serenidade; identificar o problema que se
encontra por trás do conflito e ajudar na resolução. Ao se colocar em uma posição equânime, o
magistrado consegue perceber os ânimos emocionais dos conflitantes, que tanto ofuscam a
percepção ( MACEDO JÚNIOR, 1999).
A Psicologia já oferece conhecimentos que poderão ser aproveitados quando
se pretende facilitar a conciliação em contendas que envolvam o relacionamento interpessoal.
Conforme comenta Macedo Júnior (1999), o ambiente onde se realiza a proposta de acordo
associado a atitudes facilitadoras poderão ter um papel significativo na busca de solução de
conflitos. As posturas verbais e não-verbais, como o timbre da voz, o olhar e os gestos,
promovem o relaxamento ou a tensão das partes, que já adentram na sala de audiência em
conflito. O magistrado poderá influenciar no comportamento das partes, que também sofrem a
influência do ambiente. Havendo posturas calmas e tranquilas na sala de audiência, as partes
tendem a se sintonizarem no mesmo estado mental e reduzirem suas ansiedades, o que facilitará o
diálogo. Em muitas oportunidades, as partes precisam de um ambiente calmo e respeitoso, para
que expressem suas situações dolorosas ou vergonhosas, sem que se sintam condenados ou
57
precisem agredir o outro. O magistrado precisa de autoconscientização para preparar o seu estado
mental e harmonizá-lo com o momento de conciliação.
A burocratização da atividade estatal atingiu a tentativa conciliatória, que não
escapou da mecanização da realização dos atos processuais, sendo muitas vezes resumida a uma
simples pergunta do magistrado (se há possibilidade de acordo entre as partes), não restando
muito tempo para a formalização da proposta com instalação de um diálogo.
A Justiça do Trabalho da Paraíba lançou originalmente, em 2005, na gestão do
então Presidente Dr. Afrânio Melo, o projeto “Conciliar”, no qual todas as Varas do Trabalho
dedicavam pautas somente com tentativas conciliatórias, atitude pioneira e de muita repercussão
nacional, pois processos em arquivos provisórios ou que não se movimentavam na fase
executória puderam ser resolvidos por via conciliatória. Uma louvável e inovadora atitude
proativa do Poder Judiciário trabalhista da Paraíba.
O referido projeto era realizado nas salas de audiência, onde eram pautados,
em média, 200 processos para a tentativa conciliatória, independente da fase processual em que
se encontravam. Nesses dias, o magistrado se dedicava unicamente à proposta conciliatória e
reavivava o contato entre os litigantes em audiências extraordinárias, marcadas somente para tal
fim.
Interessante era verificar, durante a audiência extraordinária, a necessidade
que as partes exprimiam de falar ao outro, pois muitas vezes não mantinham contato há anos.
Alguns acordos tiveram êxito somente com a oportunidade do diálogo entre os litigantes.
Posteriormente, o Tribunal do Trabalho da Paraíba manteve o projeto
Conciliar anualmente, durante um dia da semana, sendo que, nos demais dias, a proposta
conciliatória era realizada durante o desenvolvimento normal da reclamação trabalhista, de modo
que as tentativas de acordo eram formuladas em um tempo mínimo. As pautas eram preparadas
com o maior número possível de processos para o atendimento diário e pouco tempo se poderia
dispensar para a conciliação, o que, muitas vezes, impedia que as partes, espontaneamente,
elaborassem suas propostas ou tomassem suas decisões sem a interferência direta do magistrado,
que se encontrava dividido entre uma audiência e outra.
O Conselho Nacional de Justiça, em 2006, lançou o projeto “Conciliar é
Legal” como proposta para a melhoria de atuação do Judiciário e criação de uma Justiça de
Conciliação através de posturas participativas, cooperativas e consensuais, alicerçadas no diálogo
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e na cooperação entre os membros do Poder Judiciário, dos demais operadores jurídicos e da
sociedade (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2006)
Não obstante o glorioso trabalho do Conselho Nacional de Justiça para o
estabelecimento de um dia destinado à conciliação judicial, tal como estabelecido em todo dia 08
de dezembro de cada ano, a preparação do magistrado se resumiu ao estabelecimento de pautas
para a conciliação, entretanto, muito mais poderá ser feito para caminhar na direção que
privilegia o acordo como meio alternativo de solução de conflito.
É importante registrar que a necessidade de estimular os meios alternativos de
solução dos conflitos ainda ocupa os projetos do Poder Judiciário brasileiro. O Ministro do
Supremo Tribunal Federal, Cézar Peluso, que preside atualmente a instituição, declarou em
entrevista concedida em um evento promovido pela Associação de Advogados de São Paulo, que
os referidos métodos alternativos de solução de conflitos poderão ser muito mais que um simples
redutor nos números de processos judiciais, pois a solução oriunda do diálogo entre os litigantes é
frutífera e mais pacificadora. Inclusive sugere que o próprio Judiciário utilize-se
preferencialmente desses meios ao invés de proferir sentenças definitivas, mas alerta que, para
tanto, é fundamental a mudança de mentalidade da sociedade. O referido Ministro afirma ainda,
na mesma entrevista, que os meios alternativos de solução de conflito irão reduzir o custo e o
tempo de resposta do Estado para a pacificação da contenda, bem como minimizarão os danos
psicológicos advindos dos processos judiciais (PELUSO, 2010).
Por outro lado, avança o Direito Processual Civil com a proposta do novo
código que estimula a prática da conciliação judicial, elaborada pela Comissão de Jurista
presidida por Luiz Fux, instituída pelo Ato nº 379 de 2009, do Presidente do Senado, de 30 de
setembro de 2009, estabelecendo a necessidade da tentativa conciliatória como primeiro ato
processual a que será submetido o réu, sob o argumento de que, após a instrução processual, o
acirramento dos ânimos dificulta a formalização do acordo, além de esclarecer que a conciliação
possibilita a restauração da relação firmada entre os litigantes na sua convivência fora da
contenda (FUX, 2010).
Na seara trabalhista, a conciliação sempre ocupou papel de destaque dentro do
processo, muito embora os direitos trabalhistas sejam marcados pela inderrogabiliadade das
normas jurídicas, o que impede a renúncia dos direitos pelo trabalhador e inviabiliza a transação
voluntária pelas partes.
59
2.3 O paradoxo entre a indisponibilidade dos direitos trabalhistas e a conciliação judicial.
Os direitos trabalhistas previstos na Constituição Federal de 1998 estão
inscritos no art.7º, integrante do Capítulo II, Dos Direitos Sociais, do Título II, Dos Direitos e
Garantias Fundamentais.
Os direitos sociais são categorizados como de segunda geração e se
fortaleceram durante o século XX. Foram introduzidos nas diferentes formas de Estado social que
se opuseram aos antigos ideais liberais e gerados geminados ao princípio da igualdade, nos quais
se amparam. Foram, primeiramente, proclamados nas Constituições marxistas na
socialdemocracia, passando, inicialmente, pelo ciclo da baixa normatividade ou eficácia
duvidosa, por se vincularem ao necessário recurso financeiro para a concretização pelo Estado e
foram alçados aos chamados efeitos “programáticos”, por não se valerem das mesmas garantias
de concretização dos direitos fundamentais de primeira geração, até serem consagrados pelo
preceito constitucional da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais (BONAVIDES,
2008).
Os direitos prestacionais, considerados como positivos por representarem um
direito a uma atuação do Estado, foram implantados para minimizar as desigualdades sociais e
são assegurados pelo ordenamento jurídico brasileiro, por ser o país um Estado Social, ancorado
na Democracia e na proteção das liberdades dos cidadãos.
O Direito do Trabalho se tornou um ramo autônomo do Direito Civil, sendo,
inclusive, institucionalizada uma Justiça do Trabalho para promover a tutela especial ao contrato
de trabalho. Existem direitos expressamente enumerados na Constituição de 1988 e outros
previstos, de modo que os primeiros são imediatamente aplicáveis, entretanto, os segundos, de
efeitos “programáticos”, é obrigação do Estado assegurá-los (SILVA, 2008).
A princípio, era o Estado que ameaçava as liberdades e a propriedade,
enquanto que na atualidade a ameaça vem da própria sociedade e de suas injustas estruturas e,
neste momento, o Estado se apresenta como protetor do estuário social da desigualdade iniciada
pela Revolução Industrial, e a Constituição surge como um pacto de garantia social que permite a
administração da sociedade pelo Estado. O descumprimento dos direitos sociais enseja a
desestabilização das Constituições, uma vez que estes direitos se posicionam como colaboradores
60
no desenvolvimento da ordem social, por ser resultado de lutas corporativas, controvérsias entre
classes, mobilidade dentro da estrutura social que desordena o sistema, o governo e o regime.
Previstos no corpo da Constituição, os direitos sociais a tornam flexível, o que por outro lado
provoca crises de instabilidade, uma Constituição do conflito, dos conteúdos dinâmicos, do
pluralismo, do tensionamento entre a igualdade e a liberdade (BONAVIDES, 2008).
Assim, os direitos sociais básicos se sustentam no princípio da igualdade e
ancoram toda a estrutura do Estado Social e da democracia, sendo os pilares que sustentam a
estabilização do Estado, tendo em vista que seu descumprimento implica em movimentos sociais
e lutas entre as classes, mormente em um país com tantas desigualdades como o Brasil.
Portanto, o país, para garantir a estabilidade social, protegeu os direitos
trabalhistas por normas inderrogáveis, ou seja, que não podem ser descumpridas por simples
avença entre os contratantes. O Direito do Trabalho, não obstante se preste a normatizar uma
relação privada, reveste-se de um caráter público na medida e no interesse geral da sociedade. O
Estado interfere na relação privada entre os contratantes na sua qualidade de poder soberano,
objetivando equilibrar a relação e impondo regramento que obriga as partes a se subordinarem. O
Estado estabelece o mínimo a ser executado de forma coercitiva, através de normas
inderrogáveis, de modo que não estão os pactuantes livres para ajustarem o contrato, ficando
submetidos à força imperativa da ordem pública estabelecida (REALE, 1999).
A sociedade brasileira moderna é marcada pelas desigualdades; os fenômenos
econômicos invadiram todas as demais esferas sociais. Entretanto, a Constituição vigente, que
estabelece um Estado Social, assegura valores igualitários e humanistas ao garantir direitos
sociais básicos, inclusive direitos constitucionais trabalhistas no seu corpo. A inderrogabilidade
do Direito do Trabalho tem sua razão de ser na função social que exerce dentro da sociedade,
sendo delegado ao Estado o controle e o equilíbrio da tão tensionada relação Capital/Trabalho
(BONAVIDES, 2008).
O Estado se posiciona diante dos direitos trabalhistas assegurados no
ordenamento jurídico, muito mais do que um simples protetor do trabalhador, mas como
garantidor da estabilidade social, de modo que a proteção transcende para toda a sociedade e se
posiciona como equalizadora da delicada relação Capital/Trabalho.
O desequilíbrio entre o capital e o trabalho gera efeitos nefastos para a vida
social, pois a valorização do trabalho contribui para a formação do mercado consumidor e evita a
61
concorrência desleal entre as empresas, onde o valor da mão-de-obra é ponto marcante. Sua
ausência gera o desemprego, que fomenta a violência, compromete a segurança pública e
interfere na vida das crianças e dos adolescentes, bem como no próprio funcionamento do Estado,
que precisa dispor de maior orçamento para suprir as deficiências geradas pelo desemprego ou
pela exploração de mão-de-obra, em virtude dos direitos prestacionais garantidos pelo art.6º da
Constituição Federal, quais sejam: educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança,
previdência social, proteção à maternidade, à infância e mormente a assistência aos
desamparados. Assim, é interesse do Estado, acima de tudo, o controle do cumprimento dos
direitos sociais trabalhistas, de modo que, quanto mais violados estes direitos, maior a
necessidade de políticas públicas e maior o gasto público.
A afirmação de que a proteção aos direitos trabalhistas tem razão social, por
visar não só à tutela dos trabalhadores, mas de toda a sociedade, é corroborada por Elaine Nassif
(2005), quando afirma que o Estado não permite a convenção entre as partes sobre direitos
trabalhistas previstos em lei, tanto para proteger o trabalhador da exploração pelo empregador,
quanto para limitar o poder econômico na distribuição de renda ou na competitividade de mão-
de-obra de baixo custo. Assim, a inderrogabilidade das normas trabalhistas se sujeita à
permanente fiscalização do Estado, não podendo as partes livremente disporem.
Esse entendimento pode, ainda, ser corroborado pela doutrina mais respeitada
sobre Direito do Trabalho, quando sustenta a jurista Alice Monteiro de Barros (2008) que poderá
haver revisão pelo Estado-Juiz de cláusula de natureza econômica constante em norma coletiva,
quando presente motivação econômica e social de interesse geral da sociedade, como ocorre
quando editada lei de alteração da política salarial. Afirma a autora que poderá o Estado alterar
direitos, mesmo havendo na norma coletiva condições mais favoráveis ao trabalhador, firmada
sob realidade histórica específica, em virtude da aplicação da cláusula rebus sic stantibus,
implícita na norma coletiva, traduzindo-se em uma verdadeira renúncia.
Do princípio da inderrogabilidade das normas trabalhistas decorrem a
indisponibilidade e a irrenunciabilidade dos direitos, não podendo os mesmos serem negociados
livremente pelas partes ou renunciados pelo trabalhador de forma, pois, unilateral.
Consta no art.9º da Consolidação das Leis do Trabalho que serão nulos de
pleno direito qualquer ato que tenha o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos
preceitos contidos na referida consolidação, sendo inclusive, defeso o ajuste entre os contratantes
62
que importe em alteração prejudicial ao trabalhador, bem como termos que violem a sua
proteção.
A grande celeuma se firma em definir sobre a possibilidade de renúncia ou de
transação dos direitos trabalhistas, frente à inderrogabilidade das normas. Autor do talante de
Maurício Goudinho Delgado (2004) sustenta que existem direitos trabalhistas com
indisponibilidade absoluta e outros com indisponibilidade relativa, podendo estes últimos serem
objeto de transação, mas não de renúncia. Alice Monteiro de Barros (2008), renomado e
reconhecido nome dentre os doutrinadores de Direito do Trabalho, sustenta a posição de que
tanto a renúncia como a transação no Direito do Trabalho têm um campo de aplicação reduzido,
esclarecendo que no início do contrato não se admite a renúncia, no curso do contrato somente
quanto existe previsão legal e, quando findo o pacto, deve ser vista com muita desconfiança.
Ainda, Vólia Bomfim Cassar (2008) não corrobora com a tese da indisponibilidade absoluta e
relativa, sob o fundamento de que a norma que assegura direitos indisponíveis é sempre absoluta,
de modo que somente a lei poderá criar exceções e com interpretação restritiva, contemplando o
princípio da norma mais favorável.
Os Tribunais do Trabalho possuem decisões conflitantes, ora aceitando a
disponibilidade relativa de alguns direitos, ora negando a permissibilidade de renúncia ou
transação, ainda que por norma coletiva, enquanto há posicionamentos que aceitam toda e
qualquer disponibilidade dos direitos trabalhistas quando negociados coletivamente.
A maior batalha entre os doutrinadores é travada sobre a possibilidade de
conciliação judicial dos direitos trabalhistas, que não só é permitida pelo ordenamento jurídico
como estimulada pelos operadores de direito. Discutem os juristas se na conciliação há ou não
renúncia de direitos, bem como sobre a fundamentação que sustenta este ato.
Afirma Elaine Nassif (2005) que os acordos judiciais trabalhistas se
apresentam como um paradoxo ao princípio da inderrogabilidade das normas, que a dogmática
trabalhista tenta desconstituir ao sugerir pontos de equilíbrio entre estas realidades. Discorda da
tese da res dubia, sob a alegação de que o direito patrimonial se corporifica no valor quantitativo,
posto que não é válida a assertiva de que renunciar ao quantitativo não se traduz em renunciar ao
direito e que, somente com a sentença, se perfaz a certeza do direito; antes disso, tudo é coisa
duvidosa. Outro ponto ao qual não adere a autora é a afirmação de que a inderrogabilidade
impede a renúncia, ato jurídico unilateral, e não a transação, ato jurídico bilateral de concessões
63
mútuas. Firma a sua discordância na alegação de que na ação trabalhista, na maioria dos casos, o
empregado é credor, de modo que o empregador somente cede no não exercício do seu direito de
ação para levar a demanda até a condenação, enquanto que o empregado consente em receber
menos. Afirmando, ainda, que a presença do juiz, por si só, não é suficiente para equilibrar a
relação de desiguais e permitir a avença.
O processo do trabalho é informado pelo princípio da conciliação, como se vê
expresso nos artigos 764, 831, 846, 847, 850, 852-E, 862 e 863 da CLT, sendo previstas duas
oportunidades para a tentativa conciliatória pelo magistrado, uma primeira antes da entrega da
defesa e uma segunda após as razões finais das partes, sendo cristalizada na jurisprudência a
nulidade processual pela ausência de no mínimo duas propostas de acordo. É interessante
comentar que o magistrado não está obrigado a homologar os termos ajustados diretamente pelas
partes conforme dispõe a Súmula 418 do TST (LEITE, 2007).
A colocação que se faz é que o Estado, representado pelo juiz, possui
legitimidade para averiguar cada situação no caso concreto e avaliar sobre a negociação das
partes em direitos trabalhistas, principalmente quando são estes objetos de uma reclamação
judicial, sendo certo que o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho da não
obrigatoriedade da homologação judicial de acordos, pela simples vontade das partes, preserva o
princípio da inderrogabilidade das normas trabalhistas.
Destaque-se que não é a simples presença física do homem-juiz, mas a
representatividade que este faz na condição de Estado-juiz, é o próprio Estado preservando e
controlando a relação Capital/Trabalho, em perfeita fiscalização da razão social, que reveste o
direito do trabalho da inderrogabilidade.
Ora, o Estado é o verdadeiro legitimado para apreciar cada caso em concreto e
verificar se os termos de acordo serão prejudiciais à sociedade como um todo, ou se somente
reflete a renúncia unilateral de direitos trabalhistas pelo empregado, ato não permitido pelo
ordenamento jurídico. O juiz, em uma atuação proativa, poderá verificar a situação posta em
juízo e analisar a possibilidade de renúncia ou transação de direitos trabalhistas em uma
conciliação judicial, motivando a homologação do acordo com a proteção da função social.
Os esclarecimentos propostos pela Súmula citada anteriormente se harmoniza
com todo o suporte teórico que já foi aqui registrado. A norma trabalhista sendo cogente, por ser
função estatal a proteção do bem coletivo em preferência ao interesse individual dos contratantes,
64
outorga ao magistrado, na condição de Estado-juiz, o dever de fiscalizar os termos do ajuste
proposto pelas partes, sob pena de violação ao princípio da inderrogabilidade das normas
trabalhistas ao se permitir a livre transação e renúncia dos direitos. A atuação jurisdicional
garante a função social de proteção à coletividade, fundamentadora do referido princípio de
inderrogabilidade das normas de Direito do Trabalho, de modo que não se trata da presença
material do juiz, mas da sua representatividade como Estado no exercício da magistratura.
É incomparável com a conciliação trabalhista a situação onde se prevê ação
judicial sobre direitos indisponíveis de natureza civil, como propõe Elaine Nassif. O direito
permanece indisponível quando na presença do Estado-juiz, não sendo assim descaracterizada a
inderrogabilidade das normas, visto que esta característica imposta aos direitos civis
indisponíveis possui outra fundamentação, pois decorre da própria natureza do direito, que não
compete ao Estado controlá-la, e não de razões sociais como os direitos trabalhistas.
Não se trata, pois, de chancelar uma simples renúncia de direitos trabalhistas,
mas uma atuação do Estado na proteção da função social da norma, que justifica a
indisponibilidade dos direitos, ao ponderar sobre o bem da coletividade no ajuste, considerando
cada situação concreta na negociação.
É interessante ressaltar que outro fator que demonstra a especificidade do
Direito do Trabalho quanto à indisponibilidade dos direitos se refere à prescrição. Na seara do
Direito Civil os direitos indisponíveis são imprescritíveis, enquanto que no âmbito trabalhista a
própria Constituição Federal prevê, expressamente, os prazos de prescrição dos direitos
trabalhistas, corroborando, mais uma vez, que a inderrogabilidade das normas trabalhistas
decorre do caráter social e não da natureza do direito.
Na conciliação trabalhista, ato promovido dentro da Jurisdição contenciosa, o
magistrado atua ativamente, homologando o fim de um litígio com a participação das partes, no
exercício de sua função jurisdicional e dentro de um processo, interferindo em todos os atos
posteriores, que deixam de seguir o seu rito próprio.
A jurisdição contenciosa ocorre quando, diante de uma controvérsia entre
pessoas, o Estado exerce sua função de pacificação ou composição dos litígios, de modo que há
uma atuação ativa do juiz. Entretanto, quando o magistrado apenas executa gestão pública sobre
interesses privados, sem lide, onde se faz necessária a intervenção pública através da atuação do
65
juiz para a validade do negócio jurídico, ocorre a jurisdição voluntária (THEODORO JÚNIOR,
1995).
Aspecto marcante que posiciona a conciliação trabalhista no âmbito da
Jurisdição Contenciosa é a força impressa ao ato pelo art.831, parágrafo único da CLT, que
assegura o caráter irrecorrível do termo de acordo, exceto para a Previdência Social, que poderá
recorrer mediante Recurso Ordinário ao TRT. Dispõe, ainda, a Súmula 259 do TST, afirmando
que somente por ação rescisória poderá ser impugnada a conciliação, fornecendo ao termo a força
de decisão transitada em julgado para as partes (BRASIL, 2010).
Entretanto, a processualística do trabalho já deveria ter avançado diante do
momento histórico atual, com um alto grau de conflituosidade e tensão na relação
Capital/Trabalho, para a atuação do magistrado em sede de Jurisdição Voluntária, na condição de
Juiz-conciliador, para homologação de conciliação extrajudicial, fora da contenda, quando muito
facilitaria o acesso à justiça do trabalhador e de pequenos empresários, que não precisariam
onerar seus custos com a contratação de advogados somente para este fim, inclusive o trabalhador
não arcaria com o pagamento dos honorários advocatícios com suas verbas trabalhistas
negociadas, principalmente em um momento em que se pretende a ampliação da competência da
Justiça do Trabalho para abarcar todas as relações de trabalho, além das subordinadas.
O Código de Processo Civil alterado pela Lei 11.232/2005 acrescentou o
art.475-N para incluir no rol dos títulos executivos judiciais o acordo extrajudicial homologado
judicialmente, conduzindo ao entendimento que no âmbito da Justiça Comum poder-se-á o
magistrado homologar conciliações extrajudiciais, mais um aspecto que posiciona a
processualística civil à frente do processo do trabalho (BRASIL, 2005).
O Estado, pois, representado pelo magistrado possui competência para análise
e verificação do objeto do acordo, sendo de sua inteira responsabilidade a garantia da proteção à
coletividade na homologação daquele ato judicial, não podendo ser desvalorizada a conciliação
por desconfiança da atuação do Estado-juiz, que por atos administrativos deve ser fiscalizada.
A responsabilidade do magistrado opera desde o recebimento da petição
inicial até a prolação da sentença, não podendo ser menosprezada a conciliação trabalhista sob o
argumento de que existem razões pessoais para a homologação, como o interesse na
produtividade do magistrado, pois, do mesmo mal falecem as sentenças.
66
Considerável deve ser o cuidado para que as conciliações judiciais não se
transformem em meios fraudulentos, eis que podem servir para os empregadores se eximirem de
pagar no prazo determinado pela lei os direitos trabalhistas que se mantêm no padrão civilizatório
mínimo, que se constituem nos direitos que garantem a dignidade do trabalhador e a sua
sobrevivência, não podendo ser objeto de negociação, ou aqueles que são incontroversos, de
forma integral, para arriscar um parcelamento de valores inferiores ao devido, sendo, pois,
vantajoso. Por tudo isto, deverá o magistrado cercar-se de todos os cuidados para não servir de
ponte para a violação dos direitos trabalhistas consagrados na CLT e na Constituição Federal de
1988.
Mais uma vez, ressalta-se a missão do magistrado quando representante do
Estado, que precisa, durante o desempenho de suas atividades, revestir-se de todos os cuidados
para proteger a função social que o legitima, seja na sentença, seja na conciliação judicial. Por
outro lado, o que se propõe é a transformação da atitude do magistrado durante a negociação para
a formalização da conciliação, atuando de forma mais ativa, permitindo o diálogo com as partes
para extrair a função social do ajuste. Quiçá a crítica para a conciliação judicial recaia exatamente
na maneira mecanizada como vem sendo praticada nas salas de audiência que, muito mais que
qualidade, almeja alcançar quantidade para reduzir o número assustador de reclamações
trabalhistas?
2.4 A conciliação: atuação do Poder Judiciário trabalhista na sociedade contemporânea.
A conciliação como medida de solução dos conflitos sempre foi prestigiada
nos dissídios que envolviam a relação de trabalho, tanto que a primeira intervenção estatal nesta
relação ocorreu através de órgãos administrativos responsáveis pela homologação da proposta de
acordo.
As Comissões Mistas de Conciliação e as Juntas de Conciliação e Julgamento,
órgãos vinculados ao Ministério do Trabalho, possuíam, em sua estrutura, membros indicados
pelos Sindicatos que representavam tanto os empregados quanto os empresários.
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Os representantes classistas incumbiam-se da tentativa conciliatória e eram
legitimados para tanto, em virtude da sua aproximação com o conflito, seja por conhecimento da
matéria em litígio, seja pelo contato mantido com as categorias. Essa estrutura facilitava a
aceitação pelas partes dos termos propostos.
Após a incorporação da Justiça do Trabalho ao Poder Judiciário a figura do
magistrado foi acrescida à estrutura das Juntas de Conciliação e Julgamento, muito embora até a
Emenda Constitucional 24/99 permanecessem os representantes classistas, considerados juízes
leigos. A proposta conciliatória passou a ser realizada pelo juiz togado, com a participação dos
classistas, que assinavam o termo de acordo.
Com o advento da Emenda Constitucional 24/99, foi extinta a categoria dos
juízes classistas e somente o juiz togado passou a propor a conciliação judicial. Não obstante
tenha permanecido a competência para a propositura dos termos do acordo, o magistrado não foi
especialmente habilitado para a proposição da conciliação. O juiz togado não tinha a
aproximação com as partes, tampouco conhecia com profundidade os problemas afetos a todas as
categorias profissionais, o que, por si só, já dificultava a tentativa conciliatória.
A processualística do trabalho é marcada pelos princípios da oralidade,
informalidade, celeridade e economia processual, tudo que favorece a proposta conciliatória, pois
a oportunização da fala proporciona o diálogo para a compreensão dos termos do acordo; quanto
mais informal o momento e as atitudes dos facilitadores, maior será a possibilidade de sucesso na
conciliação, medida que acelera a solução do conflito e do modo menos oneroso para as partes e
para o Estado.
Na tentativa de reduzir o grande volume de processos que tramita na Justiça
do Trabalho, foi editada a Lei 9.958/00 que incluiu os artigos 625-A a 625-H na CLT, para
instituir as comissões de conciliação prévia, com composição paritária, com representação dos
empregados e empresários, estabelecendo a obrigatoriedade de submeter o conflito à tentativa
conciliatória extrajudicial, perante as referidas comissões, como condição para propositura da
reclamação trabalhista (BRASIL, 2000).
Entretanto, passados dez anos da edição da referida legislação, não se verifica
a sua aplicabilidade, em virtude dos inúmeros problemas encontrados na estrutura e atividades
desenvolvidas pelas comissões prévias. Estas passaram a instituir valores para cada proposta
conciliatória, onerando a obtenção da solução, bem como não conseguiriam desenvolver a
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contento o seu propósito. Além do mais, alguns acordos realizados perante as comissões de
conciliação prévia se prestavam tão-somente a fulminar os direitos trabalhistas dos empregados
que, fragilizados diante do poder do capital, firmavam acordos que culminavam com a renúncia
dos seus direitos básicos, em uma flagrante fraude à legislação trabalhista.
Merece destaque a inovação na processualística do trabalho proposta pela
Emenda Constitucional 45/2004, que em seu artigo 3º estabelece a possibilidade de criação, por
lei, de um Fundo de Garantia das Execuções Trabalhistas com a receita proveniente inclusive das
multas aplicadas nas condenações trabalhistas e administrativas decorrentes da fiscalização do
trabalho. Entretanto, até a presente data não se tem notícia da edição da referida norma jurídica.
É sabido que um dos grandes obstáculos na efetividade dos processos judiciais
é a execução das decisões e dos acordos não cumpridos, pela impossibilidade de alcançar os bens
alienáveis dos devedores. Assim, a edição da lei, conforme estabelecida na Emenda
Constitucional 45/2004, em muito facilitaria a atuação do magistrado, tanto no cumprimento de
suas decisões, quanto na tentativa de conciliação, pois a certeza no recebimento das quantias
ajustadas possibilitaria uma melhor negociação entre os litigantes.
O acordo judicial muitas vezes reduz o valor postulado pela parte autora,
sendo ainda inseguro o recebimento da quantia ajustada. A certeza da quitação do acordo ajudaria
na formalização da conciliação, porém ainda não se obteve a vontade legislativa para a
elaboração e aprovação da referida lei.
É indubitável que a sociedade civil, inclusive os próprios membros do Poder
Judiciário, prefere a tentativa conciliatória à imposição de uma decisão judicial unilateral
proferida pelo magistrado, em que se identifica um ganhador e um perdedor, porém poucas são as
preocupações com a qualidade das propostas de acordo. A conciliação precisa ser além de um
mero redutor do número de processos que tramitam nos Tribunais do Trabalho.
O Processo Civil que se encontra em constante renovação e ebulição à frente
da processualística do trabalho, em muito, evolui para prover a celeridade e efetividade na
prestação jurisdicional através da conciliação. Como já dito, a proposta ainda em andamento para
a edição de um novo Código de Processo Civil, elaborada pela Comissão de Jurista presidida por
Luiz Fux, instituída pelo Ato nº 379 de 2009 do Presidente do Senado de 30 de setembro de
2009, privilegia a conciliação, conforme consta nos resultados da primeira fase dos trabalhos,
incluindo como primeiro ato que responderá o réu convocado em juízo, sob o fundamento de que
69
neste momento processual o desgaste pessoal e patrimonial dos envolvidos é reduzido e amplia a
possibilidade de maiores concessões, o que otimiza o relacionamento social com superior
eficiência em relação à sentença (FUX, 2010)
Alguns magistrados e advogados não aderem com afinco aos meios
alternativos de composição dos litígios. A própria metodologia do ensino jurídico propicia uma
resistência em alterações no sistema já estabelecido, que costuma criar um modelo de operadores
do Direito apegados ao status quo, dificultando a implantação de novos horizontes e a aceitação
de novas propostas de solução dos conflitos (ROMITA, 2004).
É preciso uma reformulação desde a origem da formação do operador do
Direito para uma grande transformação na obtenção dos meios de solução de conflitos. Meios
alternativos extrajudiciais, como a mediação e a arbitragem, devem ser instigados e, após a
formação da ação, a conciliação deve ser preferencialmente estimulada como resultado mais justo
e célere.
Além do mais, a própria estrutura física do Poder Judiciário precisa ser
adaptada para acolher com maior afinco a conciliação judicial. O ambiente onde acontecem as
audiências na Justiça do Trabalho precisa ser reformado para facilitação da proposta de acordo ou
mesmo devem ser designados locais apropriados exclusivamente para o acontecimento da
conciliação. O bem-estar das partes é fundamental para diminuir as tensões advindas do próprio
conflito, permitir o fluir da fala e da vontade em acordar.
As sessões de audiência onde acontece a tentativa conciliatória precisam ser
realizadas com menor formalidade, o que favorece a voluntariedade, permitindo que as partes
relatem sobre seus problemas e anseios. O ambiente influencia no momento da conciliação,
devendo ser claro, com paredes claras, para reduzir as tensões do momento e para que provoquem
relaxamento. As mesas e cadeiras devem ser projetadas para posicionar as pessoas, magistrados e
partes, no mesmo nível, melhorando a comunicação e proporcionando uma ideia de isonomia
(MACEDO JÚNIOR, 1999).
Além do mais, o próprio magistrado precisa habilitar-se para a formalização
da proposta de acordo utilizando-se de atitudes que minimizem as tensões e acalmem as emoções,
permitindo que as partes dialoguem sobre o problema que ocasionou o conflito com urbanidade.
Determinadas atitudes são fundamentais para um bom conciliador, que precisa
estimular o diálogo entre as partes, devendo se utilizar de habilidades de argumentação e de
70
persuasão, eis que sua principal função é o convencimento das partes para a solução do litígio,
em substituição à imposição da decisão pelo Estado-juiz. Ressalta-se a necessidade de
independência e imparcialidade do magistrado-conciliador, devendo, ainda, possuir o
conhecimento sobre o sistema de relação de trabalho, ter a compreensão das condições dos
trabalhadores e do marco econômico-produtivo, além da capacidade e da experiência para
valorizar as informações trazidas pelos litigantes (SOUZA, 2004).
Assim, verifica-se a necessidade de aperfeiçoamento do magistrado para
habilitá-lo à tentativa conciliatória. De nada adianta o estímulo na legislação processual para a
prática da conciliação se a mão-de-obra específica e responsável pela concretização do acordo
não for preparada para o desiderato. É preciso analisar se a conciliação judicial, nos moldes em
que vem sendo realizada nos Tribunais do Trabalho, com as pautas extensas, pouco tempo para o
diálogo entre partes, e o magistrado sem qualquer treinamento específico, satisfaz o
jurisdicionado com a promoção da pacificação do conflito através do acordo.
Noutro enfoque, é importante comentar que, sendo o processo eletrônico uma
realidade já implementada em vários Tribunais do Trabalho do país, sendo pioneiro no Tribunal
Regional do Trabalho da Décima Terceira Região, é fundamental trabalhar os recursos humanos
destes órgãos, para não se afastar do contato face-a-face com os jurisdicionados e tornar mais
dificultosa a tentativa conciliatória. A inclusão do processo judicial na era digital tem valiosa
importância para o bom desempenho das atividades jurisdicionais responsáveis pela
movimentação processual, mas não substitui as pessoas das partes nem o juiz. Os fatos ainda
precisam da narração dos litigantes nos depoimentos, da prova testemunhal e a solução do
conflito permanece pendente da avaliação da pessoa do juiz, bem como em nada colabora para a
obtenção de uma conciliação justa e eficaz, quando ainda mais se precisa da fala das partes e do
magistrado.
Será que a utilização da tecnologia para a celeridade processual, com os
procedimentos processuais realizados de modo eletrônico, não dificulta, ainda mais, a
possibilidade de diálogo entre as partes e o magistrado na propositura dos termos conciliatórios?
A proposta de acordo deve ser formalizada pelo magistrado preparado para
lidar com a subjetividade que acomete as partes e, assim, reduzir o sofrimento advindo do litígio,
aproximando cada vez mais o jurisdicionado do Poder Judiciário.
71
É preciso preocupar-se com os interesses e as angústias dos litigantes que
aguardam a decisão judicial e que, na maioria das vezes, não dispõem de condições físicas ou
financeiras para usufruir da efetividade da prestação jurisdicional, ocorrendo, inclusive, de abrir
mão dos seus direitos em virtude das circunstâncias da vida ou da morte (DALLARRI, 2008).
Muitas são as alternativas de reforma do Poder Judiciário, dentre as quais se
sugere a implantação de aparelhos judiciários conciliadores permanentes, formalizados por
ambientes diferenciados das salas de audiências, com um magistrado preparado, em cuja
formação também estejam inseridos conhecimentos da Psicologia, para atender aos
jurisdicionados com tempo e habilidade, realizando propostas de acordos judiciais e
extrajudiciais e propiciando uma solução mais econômica, mais efetiva e, acima de tudo, mais
humana.
72
3 A humanização na ciência: exigência da sociedade moderna.
3.1 A proposta humanista: um novo olhar para as ciências sociais.
A ciência moderna vem se desenvolvendo ao longo dos anos, afastando-se da
objetividade ancorada no pensamento cartesiano que via o mundo sob a lógica dos físicos
clássicos. Os cientistas, ao perceberem o distanciamento da ciência com a realidade fática e
influenciados pelos novos conhecimentos advindos da física quântica, foram traçando novo
paradigma para o meio científico.
No período da Idade Média, toda reflexão sobre a verdade era extraída da
filosofia religiosa e explicadas pela fé. No entanto, na Idade Moderna houve uma revolução no
pensamento científico que matematizou a experiência; a natureza foi atomizada, reduzida a
medidas, e as leis gerais eram obtidas por meio de dedução. Esse modo de fazer ciência se
expandiu para todos os domínios do saber, do mundo físico ao social, político e moral. No século
XIX o pensamento científico se bifurcou em ciências positivas ou da natureza e ciências do
homem. Augusto Comte, filósofo francês, fundou a escola filosófica do positivismo, momento
em que a ciência foi se distanciando da filosofia para se tornar positiva, portanto, objetiva,
gerando uma desconfiança no conhecimento do homem como ciência. A razão, como fonte do
conhecimento do mundo, retirou a autoridade do saber do “mito” e estabeleceu como critério para
a construção da ciência uma observação controlada e sistemática, onde através do silogismo se
poderia encontrar a verdade universal a ser aplicada (VASCONCELOS, 2008).
No mesmo sentido, Rocha (2008) alinha o seu pensamento ao afirmar que
esse modelo objetivo de se fazer ciência, impulsionado pela sistematização cartesiana, promove
um recorte na realidade e reduz a complexidade à simplicidade do fato, fazendo com que o
pesquisador, na sua condição de sujeito congnoscente, estabilize e simplifique o real para
identificá-lo diante da relação causa/efeito e construir uma lei “uni-versal”, extraída do fenômeno
observado, capaz de listar os efeitos decorrentes de determinadas causas.
Já neste momento é possível perceber o enorme prejuízo causado à análise dos
fenômenos que, para ser estudados, precisaram ser recortados do seu contexto e isolados como
73
partes de um todo, afastando-se completamente da realidade social que em nenhum momento, foi
estanque e estável diante do tempo.
Indica Morin (2007) que, com as orientações da física quântica, mudou-se o
paradigma de se fazer ciência, quando no início do sec. XX novos estudos sobre o átomo o
apresentaram como indecomponível e o retiraram da qualidade de unidade primeira, sendo
considerado um composto de quarks, o que contribuiu para a modificação da explicação
reducionista das ciências para uma visão mais organizacional e sistêmica.
Seguindo o mesmo entendimento, o físico Prigogine (1996) assegura que
houve uma reconstrução das leis físicas fundamentais clássicas e quânticas, para considerar a
flecha do tempo como irreversível e fator modificador que provoca alterações mais delicadas e
complexas na natureza. Esse novo conhecimento trouxe a descoberta de que a vida somente é
possível longe do equilíbrio e que os processos irreversíveis atuam de forma construtiva na
natureza. Os estudos modernos da física demonstraram que sistemas instáveis e caóticos
explicavam a teoria evolucionista associada à entropia, pois embora os sistemas caóticos fossem
deterministas, geravam comportamentos aleatórios.
Nestas mesmas direções, que caminhavam para o estudo dos sistemas
instáveis e para a descoberta de que a desordem contribuía de forma construtiva no universo, os
demais domínios científicos passaram a reavaliar os seus fundamentos, para, mais uma vez,
amoldar-se aos novos parâmetros da física.
O homem como organismo vivo, sistema instável, também passou a ser
compreendido a partir da consideração da influência de fatores externos no processo de
desorganização do ser e a tendência construtiva para a sua evolução. O ser vivo deixou de ser
apreciado através de uma análise linear de causa e efeito determinado, para ser visto como um
imbricamento de causas e vários efeitos.
Deste modo, a ciência desperta para estudar o homem sob a assertiva de que
ele é inteiramente atingido pelo meio em que vive, porém não é condicionado, mas sofre as
influências internamente, recompondo-se na direção do crescimento, exceto se estes mesmos
fatores externos bloquearem o seu potencial natural organísmico.
As leis da natureza não se amparam mais na certeza moral de outrora, mas em
possibilidades que asseguram a existência de um devir e não somente de um ser, que revelam um
mundo em movimento irregular e caótico. A desordem é a representação mais fiel dos sistemas
74
evolutivos como modelos de crescimento da entropia, e o universo constitui-se um sistema
termodinâmico gigante, com instabilidades e bifurcações (PRIGOGINE, 1996).
O conhecimento científico clamava por desvendar os mistérios escondidos
pela complexidade da vida real, uma vez que a maneira simplista e especializada da ciência
moderna já não satisfazia à compreensão de mundo.
A sociedade moderna se encontra no caos e no devir e convida a todos para
questionar e refletir. Será preciso que as vigas conceituais mestras desmoronem em ruínas e
virem cinzas, será necessário que a própria ciência seja revolucionada para que o mundo se
desancilose e se coloque em movimento? (MORIN, 2007).
Neste caminhar da ciência se apresenta o pensamento humanista para
realinhar as ciências humanas e sociais a novas descobertas apresentadas pelos conhecimentos
sobre o homem e seu processo evolutivo como ser-no-mundo.
O mundo não era visto como um sistema de interconexões e não se valorizava
a intersubjetividade das atitudes humanas. O pensamento humanista propõe a ênfase nos valores
do homem, já tão esquecidos, e na sua reconstrução enquanto ser concreto, singular, com valor e
potencialidade. O indivíduo começa a olhar para si e para a sua existência, na qual as vivências
são vistas com um sentido e um significado único, passando a se reconhecer como um ser em
construção, em processo de constante mudança, para o crescimento e a atualização. Neste
contexto de valorização do ser humano, considera-se a relação interpessoal, enfatizando o
compartilhamento. Dentre os maiores pensadores humanistas se podem indicar os psicólogos
Carl Rogers e Abraham Maslow, que acreditavam na capacidade do homem e na tendência
orgânica para o crescimento e para a atualização, seguindo as mesmas orientações que
fundamentavam o novo pensamento científico (LIMA, 2008).
Muitos teóricos, como o psicólogo Mauro Amatuzzi (2008) e o jurista João
Batista Herkenhoff (2001), defendem o valor da proposta humanista para aperfeiçoar o homem e
as suas relações com os outros e com o mundo. Carl Rogers (1983) no seu pensamento humanista
acreditava que o homem não podia mais ser tratado como uma máquina ou um computador, de
estímulo e resposta, mas deveria ser considerado como pessoa que está a cada dia se
transformando no seu processo de transcendência.
O homem precisa ser considerado com toda a sua complexidade dotada de
valores e intencionalidade. Sustenta Boainain Jr. (1999) que os humanistas não reduzem a
75
estrutura do homem em mera dicotomia de estímulo/resposta que possa ser explicada em
laboratórios, mas acreditam que a pessoa humana é um organismo complexo, movida pela
liberdade e intencionalidade, e se preocupam com a dimensão subjetiva dos sentimentos, das
emoções e das inter-relações para que a pessoa seja ela mesma, em uma existência autêntica, sem
máscaras ou jogo.
Diante do novo paradigma científico que produziu outro conceito sobre o
homem, considerando-o como ser dotado de subjetividade, o modo de se fazer ciência modifica-
se para aceitar que o pesquisador, ao analisar o homem como objeto de estudo, não atue como
mero observador sem subjetivismo, por acreditar que o cientista, na sua condição de humano, não
consiga se separar do seu espírito.
O espírito conhecedor moderno participa da formação do conhecimento com o
cérebro humano, explica Morin (2007), construindo o saber a partir do suporte lógico, linguístico
e informacional, com toda a bagagem cultural da sociedade contemporânea do aqui-e-agora e
que, afirma o autor, a neutralidade da ciência clássica tratava o cientista como se fosse um
fotógrafo, que apenas focava o objeto e se posicionava fora do campo de observação, abstraindo
os limites do espírito humano e apresentando as observações como reflexo do real nos seus
experimentos.
A ciência humana, que estuda o homem como objeto, reformula-se para saltar
da objetividade e considerar a totalidade da vivência na compreensão dos fenômenos sociais. O
enriquecimento das ciências sociais depende desse olhar humanista, que valoriza o indivíduo na
expressão plena de sua humanidade; aprecia-o sem a mutilação do seu entorno e com toda a sua
subjetividade, para compreendê-lo na sua plenitude, como homem feliz, angustiado, perplexo,
solitário, sereno e conflituoso.
3.2 O homem moderno: solitário e conflituoso.
A sociedade sofre constantes transformações trazidas pela modernidade. O
grande avanço dos meios de comunicação, embora conecte o homem com várias realidades e
culturas do globo, ampliando os seus conhecimentos e suas informações, aumenta suas opções e
76
provoca insegurança e impermanência nos conceitos e valores, podendo gerar instabilidade no
estilo de vida e na maneira de pensar.
A velocidade com que acontecem as mudanças na sociedade gera
consequências na vida psíquica, pessoal e social das pessoas, pois, se as modificações não forem
rapidamente assimiladas, podem causar um colapso de adaptação a que se chama de “choque do
futuro”. O homem é estimulado a mudar, mas não lhe é ensinado a como lidar com os efeitos
destas mudanças, o que o desorienta (TOFFLER, 1994). A atualidade trouxe a morte das
ideologias, o domínio tecnológico, o desprezo ao contato com o outro, o abandono das tradições,
o empobrecimento do homem como ser e a supervalorização do ter (CARNEIRO e ABRITTA,
2008).
A globalização também tem seu papel significativo, pois interliga mundos,
alargando os horizontes e ampliando os desejos do homem. Não só são inúmeras as
possibilidades, como são variáveis, mas é preciso de tempo para apreciar os projetos criados e
aperfeiçoá-los. Porém, muitas vezes, novas criações são rapidamente solicitadas, impulsionando a
“cultura do nadismo”, o que cava ainda mais profundo o vazio existencial e contribui para o
aparecimento de comorbidades, como a depressão, estresse, transtorno do pânico, fobias, além de
intensificar outras já existentes. Assim, a necessidade de se preencher este vazio passa a ser
entendida como ontológica do ser humano, para ser compreendida como carência de objetos,
ideia alimentada a cada dia pela praxis capitalista através da mídia, da moda, do estímulo ao
consumo. O valor agregado aos produtos, ao intelectualismo, a posição social são atribuídos pelo
sistema como pontos de referências externos para o homem, visando garantir a expansão do
Capital e modificando os projetos de vida (FREITAS, 2009).
Em meio a este novo estilo de vida, o homem não se vê inteiro e completo e
busca desafiar-se com novas ideias, novos relacionamentos e aquisições de bens de consumo,
perdendo o “chão” em que costumava caminhar, seguindo em direção ao desconhecido, onde
muitas vezes se perde e se frustra.
A instabilidade refuta os valores tradicionais e fragiliza o homem diante das
inovações, tanto no ambiente em que ele convive, quanto em suas relações com os outros, que se
multiplicam e se tornam mais temporárias. Interessante é que, mesmo diante desta estrutura social
mutante, afirma Rogers (2008) que os indivíduos agem de forma mais padronizada, e que isto
acontece ou pela apelação da mídia ou pela luta das instituições em manter suas matrizes
77
conservadoras, o que causa perturbações e questionamentos nas pessoas diante da vida.
Exemplifica, ainda, com a situação da mulher moderna, que é estimulada para se apropriar da sua
liberdade no mesmo instante em que sofre a reprovação das tradições.
Na mesma linha segue Rogers (2008), em outro momento, ao advertir que o
homem ocidental convive com uma grande liberdade de decidir os seus destinos, seja no campo
da profissão ou do seu próprio estilo de vida. No entanto, se vê compelido pelas pressões da força
conservadora da família, pela repressão dos vínculos empregatícios e pela imposição de parte da
sociedade que vive a tradição, para se enquadrar em padrões conservadores, o que o obriga a
viver em estruturas incompatíveis com a sua própria avaliação. Completa o autor que a pessoa, ao
enfrentar as tradições impostas, depara-se com uma desconfiança na família, na pátria, na escola,
no amor, na segurança, no comportamento dito como “bom” e na solidariedade, o que provoca
um imenso vazio interior, angústia, medo e uma culpa inexplicável.
Além do mais, as várias opções dificultam a construção do projeto para o
futuro, pois tentar acertar, dentre as propostas, a melhor e mais segura, mas na incerteza de que
será a mais adequada, poderá gerar vivências de desproteção, desamparo, solidão, aniquilamento
com o projeto de ser, e a vida pode tornar-se sem sentido (FREITAS, 2009).
Aliado a todas as mudanças se vê na modernidade, como pensa Rizvi (2002),
que os valores como justiça, tolerância, liberdade, solidariedade, respeito à alteridade são
abandonados para se ressaltar a necessidade de se ter poder e status como componentes da
identidade individual, como significado de vida e como condição para autorealização,
principalmente no ambiente do trabalho, onde a competitividade é exercida ao extremo, de modo
danoso para os colegas de trabalho e para a própria empresa, embora tudo aconteça sob o manto
de civilidade, gentileza e respeito.
Não só os homens individualmente sofrem conflitos psicológicos por não
conseguirem vivenciar a sua existência diante do turbilhão de situações inusitadas e ideias
inovadoras em que se deparam e que precisam rapidamente ser assimiladas, mas as instituições
da sociedade industrial não conseguem conviver harmoniosamente com os indivíduos neste
panorama complexo trazido pela modernidade.
Os vários papéis sociais que precisam ser ocupados pelas pessoas geram a
necessidade de se tomar decisões e fazer escolhas inesperadas, o que produz uma sensação de que
o tempo corre em uma velocidade incontrolável. Esta aceleração do tempo provoca conflitos
78
entre as gerações e tumultua os relacionamentos, seja entre as pessoas, entre os lugares, as coisas
e as ideias que compõem o tecido da experiência social. Assim, as relações, que eram
relativamente longas no passado, na atualidade tiveram uma abreviação no tempo e uma alta
rotatividade, o que gerou sentimentos de insegurança e proporcionou uma transformação no
modo de lidar com a realidade, fragilizando o senso de compromisso e a habilidade em
solucionar os problemas da vida (TOFFLER, 1996).
É indubitável que todas estas incertezas e a insegurança para resolver os seus
desencontros ocasionam no homem uma maior possibilidade de desarmonia com os outros com
os quais convive, sendo maior a propensão para a instalação de conflitos dentro da sociedade.
Associada aos problemas acima descritos, cita Rogers (1983) que a vida
contemporânea, marcada pelo grande avanço tecnológico, promoveu o pensamento no homem
ocidental de que é possível viver no isolamento e na autossuficiência. Assim, se vê uma intrigante
privacidade, no quarto, no carro, no escritório, nos telefones que são individuais. As pessoas se
vestem e se alimentam em lojas impessoais, ficando praticamente imune ao contato íntimo com
os outros. Este excesso de individualidade tem gerado uma juventude alienada, que comete
violências sem sentido; de adultos isolados pela privacidade que findam como idosos solitários.
É este ambiente privativo, no qual se resguarda o homem moderno, que a cada
dia o afasta do contato face-a-face com as pessoas, limitando-o a se relacionar, muitas vezes, por
meios virtuais, fantasiosos, que não lhe garantem a segurança e a intimidade necessárias para que
ele se revele como pessoa e não lhe permitem ser quem ele verdadeiramente é. O século XXI tem
na sua marca um homem que usa a virtualidade para substituir a relação afetiva corpo-a-corpo,
dissimulando a sua solidão e o seu sentimento de vazio existencial com os virtuosismos da
tecnologia através do celular e da internet, envolvendo-se em relações meramente virtuais. Sem
vínculos verdadeiros e sem consistência, perde a razão de ser (CARNEIRO e ABRITTA, 2008).
Esse isolamento e a ausência de um bom relacionamento impedem o homem
de dialogar, comunicar sua experiência vivida com as outras pessoas, e o conduzem a uma sofrida
solidão. Salienta Rogers (2008), que é preciso compartilhar o “eu” que triunfa dentro de cada
pessoa para evitar a insegurança e a sensação de estar-excluído de si e dos outros. A solidão
bloqueia a liberdade para a pessoa se harmonizar com o seu ser-no-mundo e permitir a abertura
para as múltiplas possibilidades de escolhas e caminhos, de modo que o fluxo do seu existir fica
79
encoberto pelo sofrimento, mesmo em situações em que poderia sentir bem-estar (FORGHIERI,
2007).
No caminhar da evolução da sociedade pergunta-se: o que se tem feito para
amenizar o sofrimento humano e melhorar a qualidade de vida? As instituições permanecem com
toda a sua tradição, seja a família, a escola ou os órgãos públicos, na contramão do processo de
desenvolvimento do homem moderno. Alguma atitude precisa ser tomada para alterar o
panorama que se mostra danoso para a sociedade. A cada dia se vê o crescimento da quantidade e
da intensidade da violência.
Na mesma direção comenta Rosemberg (2008) que a liberdade pessoal e
social vão se estreitando e o homem se questiona sobre a sua importância no mundo, para Deus e
para si próprio. Cada pessoa é cadastrada e reconhecida através de números para responder a um
mundo burocratizado. Se é o que se produz e o nível de intelectualidade é quem o representa.
As instituições sociais precisam ter o seu formato melhor desenhado para
abarcar toda a complexidade da vida moderna, quebrando suas tradições e renovando seus
conceitos para aceitar a pessoa tal como ela se apresenta, com todos os seus novos valores e
escolhas.
Neste momento se apresentam os conhecimentos trazidos pelo humanismo
para resgatar a integridade do ser humano dentro do seio social e ampará-lo no meio das
transformações trazidas pela modernidade, que impregnou novos estilos de vida e de convívio.
As propostas de humanização das instituições sociais, família, escola e órgãos
públicos vêm com o propósito de resgatar a responsabilidade do homem para com toda a
humanidade. Assim, sustenta Rosemberg (2008) que a identidade do homem atual precisa ser
reelaborada para reinclui-lo na sociedade e afastá-lo desta individualidade social, produto das
guerras mundiais e dos conflitos locais, do avanço tecnológico e de tantos outros fatores que
promovem o isolamento. Sugere a autora que a Abordagem Centrada na Pessoa é uma proposta
humanista que poderá reconstruir as formas do convívio social.
A competitividade e a necessidade de dominação também são responsáveis
pela individualidade exagerada que acomete a sociedade contemporânea. O indivíduo sofre com a
falta de amor a si e ao próximo, com a baixa autoestima e se recente da ausência de
relacionamentos saudáveis. A pessoa moderna precisa recriar sua pauta interna, pois está
80
assoberbada com reuniões, compromissos diários, mas não encontra tempo para perder-se do
mundo externo e encontrar a si mesmo (GONSALVES, 2009).
Ressaltados os pontos desfavoráveis gerados pelo intercâmbio de culturas,
conhecimentos e informações, pelos contatos ilimitados e conectados pelo avanço da tecnologia,
não há como desconhecer o enriquecimento cultural e as inúmeras vantagens de comodidade e
conforto trazidas pelas novidades do mundo moderno e que modificaram toda a estrutura da
sociedade, porém, o presente trabalho se centra o olhar no ser humano que vive e convive no
turbilhão das mudanças.
A reinclusão do homem no seio social é de fundamental importância para
auxiliá-lo a sobreviver em meio a todas as inovações que a cada dia o convidam a renovar-se; a
assimilar novas ideias e a lidar com a impermanência. Neste processo de reestruturação da pessoa
para o conhecimento de si e para o triunfar seguro e consciente no caminho da vida, a
necessidade de relacionamentos saudáveis e significativos, firmados através de diálogos
verdadeiros, em que a fala, genuína e verdadeira, chega ao outro, que escuta e participa,
apresenta-se como porto seguro para o homem que navega à deriva nesta imensa correnteza
trazida pela modernidade.
3.3 O diálogo genuíno: a importância da fala e da escuta na contemporaneidade.
A sociedade, caminhando nesta complexidade imposta pela vida moderna,
precisa traçar um novo caminho para cuidar da humanidade e içar o homem da sua solidão e dos
seus conflitos. Neste triunfar se deve recuperar o valor de um bom relacionamento inter-humano,
aperfeiçoando o encontro, para que a presença do outro na vida das pessoas vá muito mais além
de um simples contato superficial e não só contribua para o movimento natural organísmico em
direção ao crescimento, como devolva aos homens sua responsabilidade pela condição humana.
Este aprimoramento do encontro, que contribui para um relacionamento
satisfatório e construtivo, perpassa pelo aperfeiçoamento do diálogo entre as pessoas, que muito
mais do que um simples soltar de palavras deve caminhar para um falar autêntico e verdadeiro.
81
O homem, comunicando-se instantaneamente com inúmeras pessoas,
transitando temporariamente entre papéis sociais, não se dá conta da superficialidade do
encontro, como comenta Kourilsky-Belliard (1999) que a velocidade da transferência de
informações veiculadas pela informática gera a perda do sentido do “dito”, pois não se dá o
tempo necessário para a assimilação das mensagens que são imediatamente esquecidas e
renovadas, assim, fica prejudicada a comunicação interpessoal, comprometendo o respeito, a
confiança, a valorização das notícias, pela incerteza da veracidade. Sustenta, ainda, que este
processo compromete inclusive a identidade do homem, que se constrói através do seu contato
com os outros.
Em virtude desta influência do relacionamento na formação do homem como
pessoa, há longos anos se vê uma preocupação com a comunicação através do diálogo. Diversos
filósofos e cientistas já se mostravam interessados em demonstrar a importância do “outro” na
vida das pessoas e o que ele representa e é capaz de produzir no interior do indivíduo em um
encontro.
O filósofo Martin Buber se ocupou em analisar a importância da verdadeira
vida comunitária, afirmando que esta somente acontece através da relação inter-humana
“essencial”, que define como um EU-TU quando os membros formam um NÓS e não somente
um “a gente”, como acontece no tipo EU-ISSO. Nesta relação EU-TU acontece o verdadeiro
diálogo na comunicação entre as pessoas e não um simples debate (UNICAMP, 2009). Explica
Buber (2009) que a relação EU-TU se firma quando, diante do outro, responde-se ao que está
acontecendo, ouvindo ou sentindo de forma atenta, introduzindo-se ao acontecimento e
presentificando o outro na sua existência específica, sem dominação da situação em virtude de se
ter um conhecimento específico ou técnicas especiais. Neste encontro EU-TU ocorre o diálogo
autêntico onde os parceiros se focalizam na mente do outro de forma mútua, um se coloca na
presença do outro, com respeito ao modo de ser de cada um, em uma reciprocidade viva. Porém,
na relação EU-ISSO se instala um diálogo técnico, um entendimento meramente objetivo ou um
monólogo disfarçado de diálogo, quando as pessoas falam consigo mesmas.
Aclarando essas relações, comenta Giles (1989) que o EU do relacionamento
que se constitui em EU-ISSO é fundamentalmente diferente do EU encontrado no EU-TU, pois
no primeiro caso o EU se retrai, procura controlar o objeto com quem se relaciona e nunca afirma
o outro, age com distanciamento e objetividade, diferente do segundo EU, onde o parceiro é
82
ressaltado e acontece uma mutualidade explícita de compreensão e linguagem e o EU reconhece
e evidencia que o outro precisa de uma autonomia.
O diálogo autêntico do tipo EU-TU, conforme idealizado por Buber, melhora
a confiança nas pessoas, que passam a acreditar na sua existência com relação ao outro, tornam-
se mais autônomas, fortalecidas e seguras de si e, em cadeia, contribui para o aperfeiçoamento
dos relacionamentos, pois ressalta a importância do “estar-se-com-o-outro”, demovendo o
homem da ideia de viver solitário, restaurando o valor do ser humano na comunidade que, ao
considerar o outro, não tende a entrar em conflitos, reduzindo a violência.
Percebe Buber (2009) que o homem atual guarda a noção de que “voltar-se-
para-o-outro”, em uma atitude de tornar o outro presente na sua existência, é simplesmente um
sentimentalismo ou é impraticável, e que esta assertiva não se harmoniza com as necessidades da
modernidade e somente revela uma inércia diante da vida, é simplesmente a preferência por um
“dobrar-se-em-si-mesmo”, retraindo-se para evitar a aceitação do outro em sua essência e na sua
singularidade. Sustenta o autor que este pensamento somente impede a realização do verdadeiro
diálogo, que acontece em uma relação EU-TU, como dito, em que o encontro acontece sem jogo
de conceitos, esquemas ou fantasias, mas no face-a-face e na perfeita aceitação da presença.
O encontro face-a-face deve ser eleito em todos os tipos de relacionamento
proporcionados pela modernidade que, na manutenção de sua estrutura burocrática, obriga os
contatos interpessoais em virtude dos inúmeros papéis sociais em que se compromete o homem.
Segue Buber (2009) afirmando que a própria automação, embora tenha proporcionado um
contato de diversas pessoas estranhas, em um diminuto espaço de tempo, afasta a possibilidade
da vivência “com-o-outro”, do tipo EU-TU, com mutualidade, difundindo a relação EU-ISSO,
que debilita o espírito e gera contradições; que impede a liberdade de “ser” e da atualização do
ser para se integrar com a vivência e se tornar apto a tomar decisões livres em direção do
autêntico para si.
Essa integração com a experiência vivida é proporcionada pelo inter-humano
enriquecido no encontro no qual ocorre o diálogo, autêntico e genuíno, pois neste se possibilita
que cada participante veja e sinta a presença do outro, em uma conexão que permite perceber a
realidade que está ao seu alcance, tomar atitudes com consciência e responsabilidade. É neste tipo
de encontro que o homem poderá ser partícipe da vida em comunidade e facilitador do progresso
da humanidade.
83
Esta conexão promovida pelo diálogo chamado de genuíno, afirma Freire
(1987), acontece quando a ação da fala e a reflexão pela escuta se solidarizam, sem dominação,
arrogância ou opressão de um sobre o parceiro, mas com humildade dos interlocutores que se
veem na presença do outro; quando se pretende ser dialógico, confiando na pessoa com quem se
relaciona, aproximando-se e permitindo sua fala, transformando o mundo através da colaboração
e não se tem a pretensão de modificar o companheiro, dominado e conquistado. O parceiro
dialógico se mostra atento e verdadeiro no ato de escutar e se posiciona de forma igualitária na
relação, sem superioridade, de modo que o falar do outro não se confunde com um simples soltar
a voz através da fala, mas é significante por revelar o sentimento do falante.
Contribui Amatuzzi (1989) ao defender que, para se alcançar o “ser” daquele
que fala, com todo o seu sentimento, é preciso permitir o fluir da voz para que se diga tudo o que
se pretende comunicar através do que chama “fala autêntica”, única e imprevisível, que transmite
as percepções, intuições e opções de vida nos significados das palavras e informa a totalidade e
concretude da pessoa, o centro dinâmico, propiciando uma abertura, para que ela aja com suas
próprias forças, enquanto que na situação de dominação se diz o que se preparou para ser dito, a
fala secundária, e se apresenta como uma ficção do dominante, que só existe para escutá-lo e ser
dominado. Esse propiciar abertura, esclarece o autor, significa servir de “auxiliar das forças de
atualização” para permitir que o falante responda por si mesmo em suas escolhas e decisões.
A pessoa que se dispõe a escutar se posiciona na condição deste “auxiliar das
forças de atualização” a que menciona Amatuzzi, qualifica a relação e permite que a pessoa
falante seja ela mesma e vivencie a sua experiência no momento do encontro, fazendo escolhas
conscientes e responsáveis, que se compatibilizam com a sua vontade e não com a do outro com
quem se relaciona.
Mais uma vez Buber (2009) comenta sobre a valorização de um contato inter-
humano através de um diálogo verdadeiro a que prefere chamar de conversação genuína, que
acontece quando os homens falam a palavra um-ao-outro, com toda seriedade; vêem e aceitam o
parceiro como ele verdadeiramente se constitui, de maneira única e determinada, e não se dirigem
“para” o outro formando apenas um palavreado. Neste tipo de conversação há uma confiança
mútua entre os interlocutores, que permitem a oposição como convicção do falante e respondem
de forma autêntica no debate, com reciprocidade, que se reflete na linguagem. Porém, o homem
84
moderno, acostumado ao olhar analítico, redutor e dedutivo para com o outro, precisa reeducar-se
para instalar o inter-humano presente na conversação genuína.
Este falar “ao” outro ocorre quando se coloca na posição do parceiro para
compreender o que está sendo dito dentro do contexto experenciado pelo falante, tal como por ele
vivenciado e percebido, pois, como sustenta Ricoeur (1977), a polissemia das palavras se
restringe ao contexto em que o locutor as pronunciou para um ouvinte, e a interpretação segue em
busca do significado da fala, é dependente do discernimento do interlocutor para reconhecer a
mensagem unívoca do outro, que se encontra construída no sentido do léxico comum aos
dialogantes, pois, a palavra falada constitui a existência, e a escuta firma a relação fundamental
da fala com o mundo e com o outro. Em outras palavras, somente se posicionando no mundo do
outro, social, cultural e pessoal, de forma interessada na fala, é possível que o ouvinte consiga
captar a palavra dita, o significado que pretendeu dar o falante para, só assim, instalar-se o
diálogo verdadeiro e transformador pela autenticidade do dizer.
O grande desafio é relacionar o significado com o que foi dito, dando sentido
ao ato do discurso, pois os simples fonemas são capazes de localizar o outro no mundo a que ele
pertence e percebe. Conforme sustenta Merleau-Ponty:
A palavra que pronuncio ou escuto é pregnante de uma significação legível na própria textura do gesto linguístico, a ponto de uma hesitação, uma alteração de voz, a escolha de uma certa sintaxe, ser suficiente para modificá-la, sem, no entanto, nunca estar contida nele. Toda expressão sempre me aparece como vestígio, nenhuma ideia me é dada na transparência e todo esforço para fechar nossa mão sobre o pensamento que habita a palavra deixa apenas um punhado de material verbal entre nossos dedos (MERLEAU-PONTY, 1984, p.133).
O significado do que foi dito é fundamental para localizar o falante,
compreendê-lo e aceitá-lo em sua concretude, permitindo o fluir de sua fala verdadeira e
congruente consigo mesmo e aperfeiçoar o encontro.
Na fala autêntica, o falante integra totalmente a sua experiência com a
comunicação e a consciência, isso o faz agir com responsabilidade e em resposta aos feed-backs
que a relação proporciona, de modo que a ação corresponde à vontade refletida pela atualização
do “eu”, construído pela história individual e pelos relacionamentos. Interessante ressaltar que
essa atualização, no qual se integram sentimento-pensamento-ação, poderá ser bloqueada por
questões de segurança, afeto ou por simples consideração ao outro, que ocupa posição antagônica
dentro da estratificação social, e as decisões serão tomadas no plano secundário, sem consciência
e longe da vontade do agente (AMATUZZI, 1989).
85
Neste contexto, é importante que a sociedade proporcione contatos que
favoreçam o homem, seja na sua vida pessoal ou profissional, para que as decisões sejam
conscientes e coerentes com a vontade daquele que decidiu, pois somente assim será possível
responsabilizá-lo e reeducá-lo para viver harmoniosamente com os outros em comunidade.
O homem moderno, absorvido pelo dever e pela rotina, tedioso, reprimido,
fadigado, precisa transformar os encontros no seu cotidiano para se relacionar de forma
congruente com a “realidade” a que o dever e o serviço o prendem, observando cada sinal e
palavra que lhe são dirigidos e devolvendo-os em mutualidade, para se tornar atuante no seu dia-
a-dia e encontrar o sentido das coisas no “entre” presente no encontro, mesmo na atuação
profissional, e, assim, se aproximar do mistério da “criação”, encantar-se com a espontaneidade e
com a liberdade de “ser”. Caso contrário, contaminar-se-á com um sentimento de insatisfação e
um vazio inexplicável, mas que provém da genuína necessidade de estar em reciprocidade com o
mundo. É preciso afastar-se da ideia de que, no momento da atuação profissional, se deva
condenar todo o romantismo, cerrar os dentes e somente reconhecer o que é necessário (BUBER,
2009).
O relacionamento firmado em virtude da dinâmica social, entre profissional e
cliente, não precisa ser distante e desconectado com a realidade de cada parceiro. Poder-se-á ser
autêntico e mútuo, sendo bastante que se aceite a instalação de um diálogo genuíno. É preciso
que o profissional abdique de seu poder hierárquico e se permita estar com o outro em um
encontro de qualidade. É o interesse do profissional que vai determinar a sua relação com o
atendido, ao retirar a “máscara” e apresentar-se como pessoa diante do outro, com uma escuta
ativa e possibilitando que ele, sendo quem verdadeiramente é na sua concretude, fale o que tem
para dizer.
Quando o profissional se posicionar dentro da relação com o outro de forma
equânime, sem distinção de papéis sociais, status ou prestígio, permitindo o diálogo genuíno,
servirá como auxiliar da força de atualização ao fazer parte de uma relação plena, dentro dos
limites estreitados pela sua atuação, pois o encontro transcende a individualidade; o que não
acontece quando o profissional se isola em sua posição inabalável, ocupa-se de interpretar a fala
do outro, esconde-se sob um argumento de neutralidade, fala como profissional e não como ser
humano e, por fim, impede o “falar-com”, que consequentemente implica em um “ouvir-
participar”. A neutralidade aceitável restringe-se a uma linha de respeito, mas não na omissão da
86
presença, para se tornar um “falar-para” ou “falar-sobre”, que não permite o resgate da fala
própria. É no diálogo promovido com uma fala autêntica e uma escuta ativa, em que o
significado, sentido e sinalizado estão integrados, que acontece o resgate da presença
(AMATUZZI, 1989).
O profissional precisa buscar este desmascarar-se para se apresentar pleno no
encontro e propiciar este “falar-com”, para que sejam revelados os sentimentos mais autênticos e
verdadeiros, e as pessoas envolvidas entrem em contato com o centro dinâmico do outro e se
conheçam.
A solidão e a conflituosidade que marcam a vida do homem atual poderão ser
combatidas através do aperfeiçoamento dos relacionamentos impostos ou definidos pela
modernidade. É preciso qualificar o encontro que agora, mais que nunca, firma-se no
distanciamento do face-a-face, pois se vive um momento em que se permite falar para muitas
pessoas, porém sem “estar-com”, através da tecnologia. Os profissionais, mais e mais, afastam-se
do humano para se tornarem técnicos e intelectuais. Exige-se do homem uma produtividade sem
limite, ao mesmo tempo em que suas relações sociais lhe pressionam por mais atenção, mais
afeto e mais dedicação.
Assim, a comunicação entre os homens precisa ser aperfeiçoada, para que as
pessoas consigam localizar o outro em seu mundo, compreendendo-o e aceitando-o em sua
concretude, aperfeiçoando os encontros e colaborando para a melhoria da convivência na
sociedade contemporânea, plural e complexa.
Em uma reflexão, indaga-se se o magistrado, como profissional, permite-se
“estar-com” as partes em uma sessão de audiência ou afasta-se da condição de humano para ser
um técnico e intelectual. O magistrado colabora para a melhoria da convivência do homem
moderno durante o exercício de suas atividades profissionais?
Em remate, é o relacionamento interpessoal que precisa ser melhorado para
que os encontros entre os homens possam emergir da superficialidade para se tornarem
importantes, onde o falar não se resuma a um simples soltar a voz ou palavreado, mas revele o
que de mais autêntico se sente e acredita; onde o ouvir se aprofunde e queira conhecer o outro na
sua completude, sem pretender julgar ou modificar o falante. Nesse caminhar em busca do
aprimoramento da relação interpessoal, mais uma vez, ressalta-se a importância das propostas de
humanização das instituições sociais, família, escola e órgãos públicos.
87
É na busca do aprimoramento do encontro, em que o “entre” possa ser
transformador na vida dos participantes, que os conhecimentos de Carl Rogers se apresentam
sistematizados na Abordagem Centrada na Pessoa, como guia para criar um relacionamento
interpessoal significativo, como sugere Rosemberg (2008), que esta proposta humanista poderá
reconstruir as formas do convívio social.
3.4 A proposta de Carl Rogers para um relacionamento interpessoal transformativo:
Abordagem Centrada na Pessoa ( ACP).
Os conhecimentos de Carl Rogers enfatizam a importância do encontro entre
as pessoas, como impulso no processo organísmico existente internamente no homem, que o
direciona para um funcionamento pleno. Comenta Holanda (1994) que a Abordagem Centrada na
Pessoa é um misto de linha terapêutica, filosofia de relações humanas, um esboço metodológico
de terapia e uma teoria da personalidade, assim, se revela em uma filosofia de atitude ou de um
agir e termina como uma filosofia de vida e, mesmo assim, afirma o autor, que não consegue dar
conta da importância histórica e metodológica do pensamento de Rogers, que acreditava em um
recurso direcional em cada organismo vivo que segue a um fluxo ininterrupto e subjacente no
sentido da realização de suas próprias potencialidades, objetivando atingir a “excelência”, ou
seja, o melhor de si coerente com a vivência.
Do conceito desta Abordagem já se pode verificar a amplitude e a riqueza de
seus ensinamentos que vão muito além da psicoterapia, para se estender a vários campos da vida
cotidiana, pois não se resume a um processo terapêutico e pode ser indicado a todo e qualquer
tipo de relacionamento interpessoal.
A divisão das ideias rogerianas em fases é possível ser encontrada na
literatura. Delimita Nolan (2008) que, em uma visão macro, este caminhar pode ser visto a partir
da compreensão de Rogers no processo de tratamento, então primeiro surgiu o aconselhamento
não-diretivo, onde dá ênfase ao papel do cliente na terapia e não do profissional, com a sugestão
do “insight”
88
Holanda (1994) esclarece que estes “insigth” são considerados por Rogers
mais no nível intelectual do que vivencial, pois nesta primeira fase (1940-1950), identificada
como não-diretiva, o terapeuta ainda é muito técnico, neutro e permissivo, uma vez que não há
intervenção, mas aceitação e aclaramento da postura e comportamento do cliente. Rogers, neste
momento, preocupa-se mais na desarticulação da autoridade vinda do terapeuta, que deverá atuar
mais para ajudar no crescimento do cliente. A fase reflexiva, segunda na divisão temporal (1950-
1957), é focada no “cliente”, quando o terapeuta deve protegê-lo de ameaças e possibilitar a
congruência do seu “eu” com a sua vivência. Neste período ainda se utiliza dos reflexos dos
sentimentos que se espera do terapeuta, valorizando-se sua participação. Surgem as condições
facilitadoras de empatia, autenticidade e consideração positiva incondicional, consideradas
necessárias e suficientes, na visão de Rogers, para o crescimento e a mudança já visualizados
como tendência atualizante. Na terceira fase (1957-1970) a que se chamou de Experencial, a
terapia se direciona para ajudar o cliente a vivenciar plenamente a sua experiência, na medida em
que se promove uma congruência do “eu” com o acontecimento vivido na relação. A importância
é dada à vida inter e intrapessoal do cliente para a obtenção de uma totalidade e existência. Nesta,
o terapeuta atua de modo mais ativo; privilegia-se a expressão da experiência do profissional, em
uma demonstração de congruência, um abandono da técnica e uma valorização do encontro. Uma
quarta fase se mostra (1970-1987), quando Rogers desenvolve as atividades de grupo de encontro
e se dedica aos problemas referentes ao relacionamento humano na coletividade, a que se chamou
de inter-humana. Há uma transcendência de valores e ideias e uma preocupação com o futuro do
homem e do mundo. É uma fase mística e holística.
Analisando a divisão do caminhar dos ensinamentos de Carl Rogers se pode
verificar que não há partes estanques, mas que significam uma progressão do pensamento, sendo
cada fase relacionada com a outra, indicando um processo de maturação dos conhecimentos em
direção a amplitude do campo de aplicação da Abordagem Centrada na Pessoa.
O trabalho de Carl Rogers enveredou pelas pesquisas qualitativas que
analisavam o subjetivismo do pesquisado, o que lhe rendeu uma teoria fenomenológica da
personalidade. As suas ideias trouxeram um impacto revolucionário para a maneira de se fazer
Psicoterapia, pois o terapeuta precisava se esforçar em se relacionar/estar, e não com o emprego
de técnicas; foi verificado que o processo de mudança acontecia quando o cliente era aceito tal
como ele era, de modo incondicional; a atitude empática era eficaz para a Psicoterapia, muito
89
mais do que diagnosticar o cliente. Findando o autor a afirmar que estas condições eram
suficientes e necessárias ao longo do desenvolvimento da terapia (ELLIOTT & FREIRE, 2007).
Assim, defende Cain (2007) que as ideias de Carl Rogers são, ao mesmo
tempo, embrionárias, eternas e universais em virtude da relevância e do impacto em todas as
versões da Psicoterapia. Seus ensinamentos fundamentaram um tipo de terapia que serve para
trabalhar com os mais diversos clientes e alcança uma gama de problemas, que marcou os
caminhos e a maneira de cuidar do outro por alguns psicoterapeutas.
Nos dias atuais é possível identificar a permanência da ACP nas obras e
pesquisas associadas à Psicoterapia, inclusive em áreas da Enfermagem e Medicina. Nos últimos
17 anos contados do falecimento de Carl Rogers, somente no banco de dados PsycINFO, foram
escritos, de janeiro/87 a setembro/2004, 141 livros, 174 capítulos de livros e 462 artigos em
revistas e jornais, sendo que a maioria dos escritos refere-se a novas pesquisas, novas aplicações
e sobre a teoria da ACP, ressaltando que somente foram analisados os registros na literatura de
Psicologia, tendo sido desconsiderados os muitos trabalhos realizados com a ACP em diferentes
profissões e em processos de liderança de grupo. Além de existirem aproximadamente 200
organizações e centros de treinamentos em todo o mundo que pesquisam e aplicam as ideias de
Rogers. Este demonstrativo comprova a atualidade da prática da ACP em vários segmentos da
sociedade contemporânea, principalmente no continente europeu, onde esta abordagem é
preferida nos tratamentos psicoterapêuticos (KIRSCHENBAUM & JOURDAN, 2005).
3.4.1 Fundamentos básicos da ACP.
Em meio às inovações do saber científico, que analisavam o objeto de estudo
considerando o todo, os cientistas começaram a desenvolver teorias que explicavam os efeitos
desencadeados nos organismos vivos quando estes eram submetidos a influências externas, já que
não mais se sustentava a tese cartesiana de que a toda causa correspondia um efeito determinado
de forma linear. Seguindo esta linha de pensamento, o psicólogo Carl Rogers (1989) advertiu
para a existência de um potencial de autorealização presente no homem, que quando
impulsionado por fatores externos, direciona-se em busca da atualização para alcançar o
90
funcionamento pleno do ser, quando pensamento, ação e sentimento se tornam congruentes.
Afirmou o autor que estes recursos internos caminham para a autocompreensão e para alterar o
autoconceito, quando diante de bons relacionamentos.
Ratificando a assertiva, acrescentou Amatuzzi (1989) que este potencial
poderá ser bloqueado pelo contato com as outras pessoas como mecanismo de defesa que, quando
muitas vezes acionado, causa angústia, sofrimento e frustrações. Carl Rogers estudou os
relacionamentos interpessoais e sistematizou conceitos criando a Abordagem Centrada na Pessoa,
que inicialmente foi construída como Terapia Centrada no Cliente, sob o fundamento da
existência do referido potencial positivo humano e assegurando que a prática de atitudes em um
relacionamento poderá fertilizar ou impulsionar este potencial.
Assim foi se criando a crença de que era a relação com o terapeuta que
possibilitava que o cliente, no seu processo de ajuda, tomasse conhecimento de si e se aceitasse
tal como ele era, com todas as suas imperfeições e disfunções, tomando consciência da diferença
entre o seu “self” real e o ideal e se motivando para aproximá-los (CEPEDA & DAVENPORT,
2006).
A apresentação desta filosofia de Carl Rogers poderá ser verificada nas
seguintes palavras de Sousa et. al (2009).:
ACP não é construção do acaso, experimentalismo fugaz e psicodelismo inconsequente, ela é uma mediação, muito clara, para facilitar o crescimento de outro que conosco depara-se no ambiente do encontro. Um tipo particular de intercessão humana que aposta suas fichas em uma construção de vínculo e de confiança específicos, baseando-se em uma delimitação própria do que significa permitir o outro crescer e por que crescer. Além disso, é um lugar de compromisso ético com a natureza e a dignidade da qual esse outro é portador, enquanto criatura da vida. ( Sousa et. al., 2009, p.26).
Caminhando em outra direção da vivência humana, outros domínios do saber
científico trouxeram reflexões sobre teorias organísmicas, na mesma linha de análise do todo e
não somente das partes isoladas dos objetos estudados, nos quais o sistema total é considerado de
forma unificada, como fizeram o biólogo Albert Szet-Gyoergyi, o historiador Lancelot Whyte, o
físico Fritjof Capra e o químico-filósofo Ilya Prigogine, concluindo estes cientistas que todo
organismo tende à complexidade e ao crescimento, e que o universo está em constante expansão.
No turbilhão destes entendimentos científicos, Rogers elabora os conceitos de tendência
atualizante e tendência formativa, baseado na assertiva de que o homem, diante da complexidade,
ordena-se de modo crescente e se comporta influenciado pelo grau de envolvimento em suas
91
experiências organísmicas, que poderão ou não impulsionar os seus recursos internos para sua
realização plena em resposta à tendência atualizante, dependendo da qualidade do
relacionamento. Do mesmo modo, as atitudes das pessoas refletem no universo, que no mesmo
sistema de ordem e desordem, sintropia e entropia, modifica-se para se adaptar às inovações,
revelando a tendência formativa (BRANCO, 2008).
Exemplificando as contribuições dos estudos científicos, cita-se que o biólogo
Albert Szet-Gyoergyi colaborou com a afirmação de que todo organismo vivo procura a sua
própria realização, de modo que ele atua em direção a uma ordem crescente, unindo a
complexidade inter-relacionada e criando o conceito de entropia; enquanto que Magohah
Murayana sustentou que na movimentação dos referidos organismos, havia uma interação mútua
de causa e efeito, dito de outro modo, uma interligação de várias causas e vários efeitos,
afastando uma visão determinista e linear. No mesmo sentido seguiam os conhecimentos de
Lancelot White, que elaborou a teoria sobre a tendência mórfica, Fritjof Capra que chegou a
associar a física moderna ao misticismo oriental e Ilya Prigogine que construiu os conceitos
sobre sistemas dinâmicos na vida cotidiana. Assim, se lançou na modernidade a teoria de que o
universo se modifica constantemente em um processo de construção e reconstrução, criação e
deterioração, para depois se recriar novamente (HOLANDA, 1994).
Neste contexto, a tendência atualizante, portanto, é um processo que ocorre no
organismo humano e que se potencializa quando a pessoa vivencia concretamente sua
experiência ou a realidade tal como percebida por si. É uma capacidade inata de interação com o
mundo e com os outros, na qual há um significado sentido e, para atendê-la, mantém-se a
atenção neste sentido e deixa-se o comportamento ser dirigido por ele, em um processo de
experenciar. Esta experiência organísmica precisa da aceitação, do carinho e da empatia daquele
com quem se relaciona para ser preservada e desenvolvida (VANAERSCHOT, 2004). Desta
maneira, conforme seja o envolvimento nas relações interpessoais, essa tendência poderá ser
impulsionada para harmonizar a pessoa a sua experiência e torná-la consciente de suas atitudes e
escolhas.
Por outro lado, cada atitude praticada pelas pessoas reflete no universo em
virtude da “tendência formativa”. Os atos praticados geram consequências no todo que forma o
cosmo, de modo que, quanto mais pessoas harmonizadas, maior será a conscientização nas
atitudes e a responsabilidade pelo bem estar da humanidade.
92
Na visão de Feitosa (2008) a tendência formativa está presente em todo
processo vivo; é a força da criação e o movimento vital, que conduz a manifestações e mudanças;
que impõe complexidade à vida e as suas maneiras de expressão, a que também se integra a
personalidade humana, enquanto que a tendência atualizante, por sua vez, conduz à realização e
ao crescimento pessoal, reduzindo o medo, a rigidez , dando maior abertura e criatividade por
proporcionar uma harmonia entre o “ser” e o seu fluxo experencial.
Comentando um pouco mais sobre as tendências apontadas por Carl Rogers,
pode-se resumir que são tendências naturais presentes em qualquer organismo, para alcançar um
grau maior de harmonização dinâmica consigo e com o mundo, movimentando as potencialidades
adaptativas e transformativas. Neste contexto, é possível afirmar que as ideias propostas por
Rogers estão inteiramente integradas com a visão sistêmica da modernidade de cosmologia,
ecologia e organísmica, coerentes com os novos paradigmas quânticos e orgânicos apresentados
pelas ciências biológicas e físicas (BRANCO, 2008).
O bloqueio a esta tendência atualizante a que mencionam Rogers (1989) e
Amatuzzi (1989) poderá ser proveniente de relacionamentos prejudiciais, pois na tentativa de
apresentar respostas apenas que agradem ao outro ou atendam a uma determinação de um
opressor, a pessoa tende a não fazer suas escolhas compatíveis ao seu processo interno,
impedindo o fluir de seu potencial de crescimento em direção ao seu funcionamento pleno, de
modo que, em cadeia, agirá sem a consciência de seus atos com reflexo danoso para o universo
como um todo, em função da sua participação na tendência formativa.
Assim, a pessoa, para se manter saudável, precisa de confirmação, validação e
reconhecimento do outro. Essa necessidade pode entrar em conflito ou até mesmo substituir a
tendência atualizante e o processo de valorização organísmica (VANAERSCHOT, 2004).
Na mesma linha de pensamento de Carl Rogers, Wood (1983) sustenta que a
Abordagem Centrada na Pessoa sistematizou que atitudes de empatia, autenticidade e
consideração positiva incondicional qualificam o relacionamento, impulsionando as tendências
organísmicas já citadas. Assim, afirma Rogers (1983) que a presença destas atitudes implanta um
clima psicológico favorável, e as pessoas passam a ser elas mesmas, com toda sua completude,
independente de que sejam clientes, trabalhadores, estudantes ou qualquer outro papel social.
Neste aspecto já se pode verificar a amplitude dos ensinamentos de Carl
Rogers, que vão muito além da Psicoterapia para atingir os relacionamentos interpessoais
93
produzidos pela sociedade moderna, de modo que a proposta poderá produzir um impacto
incomensurável, se aplicadas as atitudes sugeridas.
Estas atitudes foram denominadas de facilitadoras e se mostram essenciais na
prática da proposta de Carl Rogers de Abordagem Centrada na Pessoa, instalam o clima
psicológico favorável para possibilitar o impulsionar do potencial de crescimento humano, sendo
necessárias para o enquadramento da pessoa na condição de auxiliar das forças de atualização do
outro, como citado por Amatuzzi (1989).
3.4.2 Atitudes facilitadoras sugeridas pela ACP.
O enriquecimento do encontro depende do interesse e da disposição das partes
de se relacionarem, assim, compete a cada um dos parceiros escolher a prática de atitudes que
permitam a criação de um clima psicológico favorável.
O encontro com o “outro” é uma necessidade interna do homem e responde ao
princípio da inclusão que permeia a condição humana. A teoria da especularidade de Jean-Louis
Vullierme se fundamenta na auto-organização pessoal promovida pela interação e é sustentada na
tese de que as pessoas se estruturam na sua relação com o outro, mesmo sem conhecê-lo
profundamente. A relação interpessoal interfere na relação consigo mesmo, de modo que na
simpatia, na amizade, no amor se pode introduzir e integrar o outro no “Eu”. A compreensão
possibilita o reconhecer o outro como pessoa, enquanto que o desprezo mutila e machuca
(MORIN, 2007).
Essa teoria se coaduna com a visão da ACP de que o homem é um ser social,
que vive a realidade, e de que se orienta e organiza suas experiências baseado na interação
sentida com o ambiente (VANAERSCHOT, 2004). Reforçando, mais uma vez, o entendimento
de Carl Rogers que atitudes praticadas por um dos interlocutores no encontro, sejam positivas ou
negativas, atingem a pessoa do outro em sua integridade, tanto impulsionando o seu caminhar
para adiante como bloqueando a sua atualização.
Assim, em um encontro em que se busque o crescimento das pessoas
relacionadas, havendo alguém em desarmonia interna, vulnerável ou ansiosa, é bastante que a
94
outra, em oposição, esteja em acordo interior, ligada ao objeto de discórdia e pratique as atitudes
facilitadoras, para que se implante um clima favorável à atualização do ser (ROSEMBERG,
2008).
A pessoa que atuar na condição de facilitador deve agir para permitir a
expressão dos sentimentos e dos pensamentos experimentados pelos participantes do encontro,
que, sentindo-se seguros, liberam suas expressões e minimizam suas defesas progressivamente,
acontecendo um movimento de feedback ou de mutualidade, no qual as pessoas apreendem a
maneira de como é vista pelo outro e o efeito de sua presença nas relações interpessoais,
melhorando os relacionamentos entre cônjuges, subordinados, colegas e até autoridades que se
permitem ser humanos. O facilitador precisa escutar cada pessoa que fala cuidadosa e
sensivelmente, para que o indivíduo seja compreendido e validado como ser humano. Neste
momento se diz o que se tem para dizer mesmo que seja pessoal, hostil ou cínico, mas é revelado
com autenticidade (ROGERS, 2009).
A primeira atitude denominada por Carl Rogers como consideração positiva
incondicional acontece quando a pessoa que se encontra congruente aceita o outro na sua
condição de “ser”, como ele se percebe, sem julgamentos, opressão ou condições. Esta aceitação
permite que o outro expresse o sentimento que está sendo experimentado naquele momento,
mesmo que seja ressentimento, raiva, amor ou medo, ou seja, será revelado o que de real
acontece naquele evento, em sintonia com a percepção de quem se expressa.
A consideração positiva incondicional se constitui uma atitude de
receptividade do outro com todo o seu entorno, aceitando cada aspecto da experiência interna
dele como se fosse integrada nele, permitindo a expressão de sentimentos negativos e positivos,
independente de sua consistência. Engloba a permissibilidade de o cliente ser ele mesmo no
momento da relação, não precisando falar ou fazer nada que não seja coerente consigo, assim, é
uma aceitação sem condições impostas, não significando, entretanto, que o profissional aprove ou
concorde com sua reação, apenas escute atentamente e a acolha como possível de ser sentida
dentro da realidade construída pelo cliente, sendo suficiente o silêncio respeitoso do facilitador
(PALMA, 2009).
Esta aceitação permite que o outro possa ser autêntico consigo mesmo e
expresse exatamente o que está sentindo naquele momento, possibilitando que ele vivencie a sua
95
experiência, tenha consciência de tudo que se passa no evento, podendo, inclusive, olhar para
dentro de si e se reconhecer como pessoa.
A confiança na pessoa com quem se relaciona precisa ser comunicada ao
outro através da atitude genuína do facilitador e por meio de uma escuta sem julgamento ou
interpretações. Essa transmissão é demonstrada pela aceitação incondicional da experiência
vivida no aqui-e-agora. Não se espera o que vai ser dito, pensado ou sentido, apenas se escuta e
se acolhe, sem condições impostas, para que se promova a segurança fundamental para o outro
“ser”, não podendo haver demonstração de poder ou de controle, assim, ocorrerá o fortalecimento
na consciência do poder pessoal e na autonomia da vontade (FREIRE, 2009).
Como afirmam Freire e Tambara (2007), diante da atitude de compreensão do
facilitador, o cliente se sente livre, afasta-se das atitudes defensivas e, talvez pela primeira vez na
vida, consiga ser autenticamente ele próprio, sem o receio de ter que proteger os seus sentimentos
da censura e da avaliação dos outros, passando a aceitá-los como parte de si mesmo, tornando-se
capaz de enfrentá-los por seu próprio potencial interior, a sua tendência atualizante.
A pessoa que pretende atuar como facilitador precisa, ainda, colocar-se no
lugar do outro, tocando em seu sentimento, demonstrando que compreende o que possa estar
acontecendo no seu interior e se posicionando de forma cálida diante dos sentimentos liberados,
agindo com empatia.
Na compreensão empática, a pessoa consegue captar os sentimentos e
significados que o outro está vivendo e compartilha com ele. Esta atitude acontece quando se
disponibiliza uma escuta ativa e sensível para o parceiro (ROGERS, 1983).
Afirmou Poland (2007) que empatia tem o significado de separação; a
compreensão de uma pessoa pela outra, ou seja, no encontro está presente esta atitude quando as
duas pessoas distintas são consideradas cada uma com seus próprios pontos de vistas.
A empatia somente pode ser válida quando fundamentada no respeito pela
alteridade do outro como toda a sua singularidade e particularidade. Na formação de suas ideias
Rogers destacou a importância do “ouvir” em um encontro, em que os interlocutores se coloquem
face-a-face para tentar alcançar, o quanto possível, a realidade vivida naquele momento.
Exemplificativamente, no instante em que o profissional consegue “intra-habitar” a pessoa, ele
sente e vê o mundo como se constitui para o outro em uma atitude empática (O’HARA, 1983).
96
Associado ao ouvir, Carl Rogers destaca a significância de ver o outro para
compreender o mundo subjetivo do cliente, mas enfatiza que muitas vezes estas atitudes são
abandonadas para se preferir identificar sintomas, enquadrar os clientes em um diagnóstico e
medicá-los, de modo que o ouvir sensivelmente e o responder empaticamente para o outro com
quem se relaciona continua sendo incompreendido e desutilizado (CAIN, 2007).
Muito bem Petrillo(2009) define a empatia, como um ato específico que pode
dar conta da experiência de um estranho; é um tipo especial de presentificação, quando um corpo
físico estranho é apreendido como manifestação de um corpo próprio.
É interessante ressaltar a visão de Halpern (2004) sobre a importância da
empatia na reconciliação entre as pessoas. Sustenta o autor que a reconciliação não é apenas
intelectual, mas também um processo emocional. A educação para atitudes que costumavam ser
conhecidas pelo antiquado cultivo do termo “do coração” tem um papel fundamental na função
pacificadora, logo, a dimensão emocional de empatia, que permite que se vejam com seus
próprios olhos as percepções de outras pessoas sobre as experiências vividas, desempenha um
importante papel nesta missão.
Ressaltando a importância de uma atitude cálida diante do outro o trabalho
apresentado por Shuster e Sexton (2008) sob o tema “O papel da emoção positiva no processo
terapêutico da Terapia de Família” aponta que um grande número de pesquisas vem sendo
desenvolvido no sentido de apoiar o significante papel das emoções positivas no desencadear de
recursos individuais para promover uma adaptação positiva da pessoa aos problemas da vida, que
provocam situações inesperadas e estressantes e que, muitas vezes, ocasionam desajustes na
saúde mental. De acordo com Fredrickson (2001) apud Shuster e Sexton (2008), a presença de
emoções positivas melhoram as habilidades de resolução de problemas através de processos de
pensamento mais flexível, criativo e eficiente.
O sentimento empático, então, é apresentado pelo profissional quando é dado
atenção ao ser do cliente, ao que ele sente e pensa, que vai revelar o seu existir naquele instante e
faz com que a pessoa se reconheça e se aceite, afirmado a sua realidade e ativando a sua
criatividade e seu processo de mudança para impulsionar sua própria vida (LIMA, B. 2008).
Outra atitude que o facilitador precisa apresentar é a demonstração com
naturalidade de seus sentimentos suportados no evento. Esta autenticidade lhe permite sentir
raiva, irritação, desconforto ou qualquer outro sentimento não tão favorável diante do encontro,
97
mas sendo genuíno, será necessário ser experenciado, o que fornecerá confiança aquele com
quem se relaciona.
No artigo em que comenta sobre a importância da Psicologia Humanista,
Diaz-Laplante (2007) declara, ao comentar sobre o livro de Carl Roger “Tornar-se Pessoa” e ao
analisar depoimentos transcritos na referida obra, que a habilidade de ser verdadeiras em
situações desconfortáveis, e a capacidade de ser honestas sobre os próprios medos e
preocupações permitem que os outros entendam, que mesmo sendo de origem cultural e classe
social diferentes, as pessoas partilham os mesmos desafios da condição de humano.
É fundamental, para que aconteça o benefício proporcionado pelo encontro,
que as atitudes do facilitador sejam verdadeiras e não apenas ensaiadas e que sejam percebidas
pelo outro para que se impulsione a tendência à atualização.
As atitudes facilitadoras são as molas mestras para qualificar o
relacionamento. É no relacionar-se que um indivíduo poderá propiciar o desabrochar do outro ou
mesmo bloqueá-lo, dependendo da qualidade do contato. O homem que pretende contribuir para
melhoria da convivência humana precisa atentar-se para os seus relacionamentos e lutar para o
seu aperfeiçoamento.
A repressão dos sentimentos, provocada pelas ameaças e imposições do “eu”,
faz com que as pessoas não sejam verdadeiras consigo mesmas, prejudicando a liberdade de “ser”
quem verdadeiramente se é; de sentir o que realmente se sente e de tomar decisões e fazer
escolhas coerentes com o que se acredita, ou seja, autênticas. Porém, ao se relacionar em um
clima psicologicamente favorável, a pessoa retoma a direção de sua plenitude, integrando
raciocínio, afeto e corpo, e realiza escolhas livres entre alternativas reais, eis que se encontra
dominada pela sua força construtiva inata. A ACP reconhece a existência de forças externas,
como os deveres e as obrigações impostas pela cultura, que podem prejudicar ou mesmo fulminar
as tendências do crescimento humano, como opressão ou temor reverencial (ROSEMBERG,
2008).
Ao atualizar-se ou autorealizar-se, o homem passa a se guiar de modo livre e
na direção de seu crescimento, sentindo bem-estar na medida em que proporciona encontros
saudáveis e satisfatórios. A pessoa se torna menos preocupada com a sua imagem pública e muito
mais interessada em compreender como ela é e em se tornar o seu verdadeiro eu, ou seja, o
processo de mudança acontece por motivação da própria pessoa e não por ter sido “empurrado”
98
pelo profissional (CEPEDA & DAVENPORT, 2006). Em cada oportunidade em que se pode ser
o que realmente se é, o indivíduo se encontra e vivencia sua experiência com consciência e
responsabilidade pelo que diz e faz.
Afirma Rosenberg (2008) que o uso das orientações da ACP na Psicoterapia e,
de modo incipiente, na relação professor-aluno tem comprovado, que ao liberar seus verdadeiros
sentimentos, as pessoas se aliviam, conseguem conviver harmoniosamente com eles; livram-se
das “máscaras” defensivas e firmam uma comunicação concreta com os outros, na qual a fala
exprime o real “dizer” diante da escuta-participativa. Neste quadro, as atitudes passam a ser
autênticas e congruentes, mais encorajadas e espontâneas, sem se deixar subjugar pelas
expectativas padronizadas e institucionalizadas. Alerta a autora que a proposta de Rogers não se
resume a seguir um roteiro com instruções técnicas para a implantação de um clima psicológico
favorável, tampouco afirma que o cumprimento fiel de forma mecanizada das orientações
conduzirá ao crescimento do outro, mas pela sua simplicidade poderá ser aplicada em vários
relacionamentos da dinâmica social e em diferentes campos, de modo que a expansão na
aplicação das atitudes facilitadoras poderá ser revolucionária.
O objetivo da ACP é auxiliar as pessoas a crescerem, para que possam
enfrentar os seus problemas atuais e futuros de forma mais integrada e mais responsável, de
modo que a proposta desta Abordagem convida os indivíduos a aceitarem o outro tal como ele se
apresenta, com toda a sua carga de valores e ideologia, seja no convívio da vida pública ou
privada. O facilitador aprende a lidar com as diferenças e a desenvolver uma empatia
incondicional com o outro, permitindo que ele seja quem verdadeiramente é, de modo que todas
as pessoas envolvidas no relacionamento são beneficiadas pela ACP.
A importância das emoções da pessoa, a ênfase no “self”, a escolha de um
relacionamento com profundidade, focando o autoconceito, são atitudes defendidas por
terapeutas humanistas como significantes para auxiliar o outro nas suas escolhas e
responsabilidades, além de favorecer o facilitador, que passa a ser visto como digno de confiança
e otimista sobre a capacidade de escolhas do outro (CAIN, 2007).
É importante que o facilitador implante o clima psicológico favorável,
confiando no outro e o aceitando tal como ele é, com todas as suas fragilidades e conflitos,
procurando se colocar no lugar dele e o compreenda, sendo, ainda, congruente e autêntico com a
99
vivência, para que a pessoa com quem está em contato sinta-se segura e possa expressar os seus
sentimentos sem o temor de avaliação ou interpretação.
Diante da segurança estabelecida no encontro, todas as respostas oferecidas
pelos indivíduos serão resultados de suas escolhas conscientes e não produtos de imposição,
reflexos do medo ou da dominação, o que fortalece as relações interpessoais.
As habilidades para um facilitador são apreendidas na própria maneira de ser
do indivíduo e, que depois de assimiladas, não mais se apartarão do seu ser e serão transportadas
para todo e qualquer relacionamento, uma vez que há também o crescimento e a mudança
naquele que atua como mobilizador do outro. Assim, qualquer pessoa, independente de sua
condição econômica ou sua ocupação dentro da estratificação social, poderá atuar como
facilitador, bastando que se entregue ao encontro como pessoa.
Adotar as atitudes facilitadoras sugeridas pela Abordagem Centrada na Pessoa
implica na eleição voluntária de um jeito de ser que indica uma escolha livre nas relações
pessoais e profissionais em que se envolve, optando por se atualizar e por contribuir no processo
de atualização do outro, independente do lugar ou de com quem se esteja encontrando, é uma
proposta de vida. A pessoa se propõe a contribuir para a formação de relações dialógicas, em que
acontecem as escutas ativas para a compreensão da realidade do outro (BACELLAR, 2009). O
facilitador não precisa ser um perito em assuntos comportamentais, ou necessariamente um
psicólogo, precisa ser “humano” para poder interagir com os outros de forma verdadeira,
permitindo-se ser pessoa e possibilitando o outro, do mesmo modo, tornar-se pessoa.
Resume Palma (2009) que, para o profissional trabalhar centrado no cliente, é
preciso se dedicar nas três dimensões da abordagem. A dimensão teórico-técnica, que se constitui
no conhecimento das atitudes facilitadoras e dos seus efeitos benéficos; a segunda se refere ao
autoconhecimento: é preciso que o facilitador conheça a si mesmo, suas possibilidades e limites;
a importância dos outros em sua vida, reconhecendo as diferenças; confie em suas experiências e
em sua capacidade de autodeterminação; esteja disponível ao processo de mudança para
possibilitar um ampliar de horizontes, expansão de consciências; afaste-se do julgamento do
outro e da certeza de sua sapiência para determinar o que será melhor para o outro; distancie-se
da postura de dominação, abrindo mão do poder sobre o cliente; seja autêntico consigo mesmo e
acolha o outro na sua integridade, aceitando-o com toda complexidade e dentro da própria
realidade sem intepretações, julgamentos ou retaliações. Por último, a dimensão relacional, que
100
engloba a consideração positiva incondicional, uma vez que a pessoa deve agir com autenticidade
e transparência incondicional, pois é na própria relação pessoal, no ato de se encontrar, no mesmo
tempo e espaço, que acontece o clima psicológico favorável à mudança. Esta última dimensão
precisa ser percebida pelo cliente, de modo que o facilitador precisa se esforçar para olhar o
mundo fenomenal do outro, o mais próximo possível da visão dele.
As atitudes defendidas pela proposta da Abordagem Centrada na Pessoa são
simples e apenas precisam ser conhecidos os seus efeitos para que cada “homem” possa
contribuir para o processo de humanização do século XXI.
Nesta linha, segue-se afirmando que os efeitos positivos promovidos pela
Abordagem diante das relações terapêuticas e educacionais, conforme demonstram os estudos de
Carl Rogers (1983, 1989, 2008), John Wood (1983), Raquel Rosemberg (2008), entre outros,
instigam a utilização da filosofia nos diversos tipos de relacionamento interpessoal,
principalmente quando se pretende a implantação da humanização nas relações formadas dentro
da sociedade moderna. Assim, resume-se que as atitudes facilitadoras ou o clima facilitador ao
crescimento não são aplicáveis apenas ao contexto da relação psicoterápica, podendo a
Abordagem Centrada na Pessoa se estender para além do consultório psicoterápico e se firmar em
diversos tipos de relações, desde que se paute a dinâmica dialógica dos encontros.
3.4.3 Campos de aplicação da ACP.
A aplicação da Abordagem Centrada na Pessoa indica a utilização de atitudes
facilitadoras que não exigem habilidades inatas dos indivíduos, sendo necessário, tão-somente,
interesse em mediar um encontro de qualidade e em atuar como ajudante no desencadear do
potencial humano, que conduz a pessoa a caminhar em direção ao seu funcionamento pleno.
A ACP trouxe novos conceitos para a Psicoterapia e para o relacionamento
interpessoal existente em todos os contatos da vida social. Como adverte Moreira (2009) esta
abordagem acredita no impulso individual para o crescimento e para a manutenção da saúde;
priorizando os aspectos emocionais e desprezando os conhecimentos intelectuais; focalizando a
situação do aqui-e-agora e não o passado da pessoa e considerando a própria relação como uma
101
experiência para o crescimento. Assegura Rogers (2009) que pessoas inexperientes podem
proporcionar este clima favorável, assim as credenciais são pouco importantes, de modo que
doutorados, licenciados e indivíduos sem graduação estão na mesma condição, pois a pessoa será
um facilitador eficaz na medida em que for verdadeiro em suas interações com os outros.
Assim, não se faz necessário uma graduação em Psicologia para aplicação da
ACP fora do consultório psicoterápico, sendo bastante o conhecimento e o interesse para adoção
das atitudes que qualificam os relacionamentos interpessoais e a confiança no potencial do outro.
Portanto o seu campo de aplicação é extenso e poderá a cada dia ser alargado.
A Abordagem Centrada na Pessoa inicialmente surgida no contexto da
Psicologia e da Educação, vem sendo aplicada na consultoria organizacional, nos diversos
movimentos de grupos e em outros segmentos do convívio sócio-político, como faz referência a
obra “O Poder Pessoal” de Carl Rogers (1989), e constitui uma filosofia de vida que se baseia na
dedicação, no respeito e na consideração pela pessoa.
A aplicação da ACP vem sendo desenvolvida em grupos de terapia desde os
anos quarenta, mas no início da década de sessenta teve o seu campo de atuação ampliado e
apresentou resultados positivos em instituições sociais que se fundamentam nas relações
humanas, como a Educação, tanto para os discentes quanto para os docentes (WOOD, 1983).
Afirma Santos (2004) que esta filosofia provoca mudanças profundas com a
promoção do desenvolvimento, crescimento e aprendizagem pessoais processos que são
bloqueados pelas convenções sociais da modernidade, na sua grande maioria, em virtude da
padronização de comportamentos rotulados de bons e maus.
Sustenta Rogers (1983), que esta abordagem é uma maneira de ver a vida, um
modo de ser, capaz de provocar mudanças na personalidade e que poderá ser utilizada em
qualquer situação em que se pretenda o crescimento de uma pessoa, de um grupo ou mesmo de
uma comunidade, bastando estarem presentes as atitudes de empatia, congruência e aceitação do
outro na sua condição de pessoa. Embora o pensamento de Rogers, assegura Holanda (1994),
tenha sido fundamento para o movimento de grupo de encontro, também influenciou de alguma
maneira a Filosofia da Ciência, as relações interculturais e inter-raciais e as ideias de estudiosos
de Teologia e Filosofia.
As pessoas modernas foram profissionalizadas acreditando no dogma de que
dispõem de poderes para solucionar os problemas dos outros, quando estão no exercício de suas
102
funções. Assim, se mantêm na ilusão de que podem interferir no mundo do outro e comandar as
situações com técnicas assimiladas na profissão. No entanto, quando os profissionais se
inquietam, afastam-se da segurança proporcionada pelo conhecimento técnico e admitem que o
outro que o procura é um ser complexo, único e cheio de mistérios, assim como eles, quando
acreditam que as pessoas somente existem dentro de um contexto, eles podem modificar a
natureza do encontro e permitir que a solução dos problemas flua da decisão da própria pessoa. O
profissional se transmuda da posição de expert para se colocar como mero colaborador,
renunciando ao poder e controle sobre a situação, passando a ver, sentir e ser no lugar do outro
(O’ HARA, 1983).
Analisando o livro da autoria de Carl Rogers (1989) “Sobre o Poder Pessoal”,
é possível encontrar exemplos de aplicação com sucesso da ACP em relacionamentos formados
entre pais e filhos, na relação conjugal, na educação, na política de administração, em solução de
conflitos interculturais e em trabalho com grupos de encontro, com relatos de pessoas que foram
beneficiadas com a abordagem.
Assim, diante dos resultados das pesquisas realizadas por Carl Rogers, que
espelham a força da pessoa no outro e demonstram a possibilidade de um homem servir de
auxiliar no desenvolvimento pessoal do outro, é preciso questionar sobre os dogmas da ciência
moderna e se lançar para novos desafios na prática das profissões que lidam com pessoas em
desarmonia, ansiosas ou em conflito.
Merece destaque o uso da ACP em outros contextos, como é o caso na
modalidade de escuta clínica que funciona em sistema de plantão, para atender às pessoas no
instante de sua necessidade, na urgência psicológica. Este tipo de atendimento foi desenvolvido
na década de 60 e vem sendo adotado no Brasil, com sucesso, em várias instituições como um
meio de promoção de saúde. O plantonista e a pessoa atendida buscam no “momento-já” um
encontro proveitoso que possa desencadear o crescimento pessoal a partir da relação cálida, sem
julgamentos, recheada de escuta ativa e fala autêntica, com autenticidade dos sentimentos e o
interesse genuíno do profissional em proporcionar ajuda, reduzir as ansiedades e as angústias do
atendido. Esta experiência vem sendo desenvolvida em escolas públicas e particulares, hospitais
psiquiátricos, nos Tribunais Regionais do Trabalho, a exemplo do TRT de São Paulo, para
atender aos funcionários e seus dependentes, varas de família, consultórios particulares, Polícia
Militar, complexo da FEBEM, entre outros (TASSINARI, 2009).
103
O grande avanço e a aplicação do plantão psicológico em várias áreas do
convívio social provoca a reflexão sobre a necessidade do homem atual de ser ouvido e de ter a
oportunidade da fala, em um encontro com qualidade, onde seja recebido com calor humano, com
atenção e, acima de tudo, que seja considerado um “Ser Humano”, uma pessoa.
Interessante registrar que os encontros, mesmo de poucas horas, mas de
grande qualidade, vêm demonstrando, como comprovado no plantão psicológico, efeito positivo,
por impulsionar o poder atualizante presente na pessoa e reelaborar o autoconceito dos
envolvidos da relação interpessoal.
Sustenta o autor Carl Rogers (2008, p.52) que as “experiências breves estão
estreitamente ligadas à erupção de “laboratórios” (workshops) intensivos como fórmula bastante
bem sucedida.”. No entanto, embora o próprio psicólogo assegure que são discutíveis os efeitos
“terapêuticos”, com fito em tratamento psicológico, da vivência realizada em curto prazo, afirma
que podem ser produzidas “mudanças” enriquecedoras nas pessoas que se relacionam em um
breve encontro positivo e significante.
Esta descoberta da significância dos breves encontros psicoterapêuticos para
provocar mudanças pessoais estimula a aplicação dos princípios da ACP em outras relações da
vida social. Os longos anos de pesquisa em situações reais, realizados por Carl Rogers,
apresentam-se neste instante para questionar sobre a forma como se vem exercendo as profissões
que lidam com relações humanas, dentro do atual contexto social. Diante disto, não seria coerente
afirmar que os encontros promovidos nas salas de audiências pelo Poder Judiciário, embora de
curta duração, poderiam servir de promotores de mudanças pessoais, se fossem fornecidas as
condições facilitadoras pelos magistrados que dirigem a sessão?
A filosofia adotada na ACP comprovadamente tem implicações em outras
áreas fora da Psicologia, uma vez que seu sucesso é associado a atitudes de fácil aplicação.
Demonstrou o exemplo citado por determinado alergologista que treinou uma pessoa não médica
com as técnicas não-diretivas para registrar as histórias de vida dos pacientes e observou que
estes relatos, na forma captada pela referida pessoa, foram muito mais úteis que os anteriores
anotados pelo próprio médico (ROGERS, 2004). Assim, a ênfase da ACP no processo de
mudança na estrutura interna de referência da pessoa, aliada à afirmação de que o profissional
não sabe mais que a própria pessoa de si, promove uma flexibilidade de se trabalhar com toda a
diversidade humana (CEPEDA & DAVENPORT, 2006). Ainda, esta abordagem pode ser muito
104
bem aproveitada para lidar com conflitos sociais, tanto interpessoais quanto interculturais, e de
grupos, quando se pode chegar a soluções construtivas (ROGERS, 2004).
Destaque especial se oferece ao uso da filosofia da ACP em aconselhamento
terapêutico, uma proposta lançada para ajudar as pessoas aflitas e agitadas, tristes ou desanimadas
a reerguerem o sentido de seu existir de modo relativamente rápido, não pretendendo curar
psicopatologias, mas ao revés, atinge os aspectos saudáveis do ajudado, que se apresenta abalado
psicologicamente em virtude de frustrações ou contrariedades da vida cotidiana, mas que alcança
o mais íntimo do ser. Neste processo o aconselhador se mistura com o cliente, por se considerar
parceiro na existência, e serve de ajudante ao outro que vivencia momentos difíceis e precisa de
ajuda. O aconselhamento foi amplamente difundido nos hospitais, escolas, instituições de
orientação e treinamento de recursos humanos, em serviço social e higiene mental (FORGHIERI,
2007).
É preciso questionar sobre a necessidade de se alargar ainda mais o campo de
atuação destes ensinamentos que tanto melhoram os relacionamentos interpessoais. Será que já
não está em tempo de se experimentar a tão brilhante atuação da ACP em outros segmentos da
sociedade?
A preocupação é com toda a condição humana. O homem depende do
relacionar-se com o outro para o seu bem-estar físico e psíquico, precisa ser cuidado não só pelas
instituições privadas, como a sua família, mas pelos órgãos públicos que se mantêm e se fixam
para lhe prestar serviços.
Segundo afirma Rachel L. Rosemberg:
A dimensão socioeconômica, a dominação tecnológica, a irrelevância da própria vida humana e da participação pessoal nos acontecimentos são marcas registradas de nossa época. Mas há, diz Rogers, algo em todo homem que pode ser preservado, desenvolvido, liberado para além dos elos que se empenham em reduzi-lo a um ser condicionado, conformista, rendido, humilhado e tantas vezes subserviente ou explorado. E a liberação mais autêntica dos indivíduos, quer nas escolas, nas empresas ou na família poderá ser uma das chaves propulsoras para uma sobrevivência mais humanizada do homem (ROSENBERG, 2008, p.5).
Outro modelo de aplicação da ACP pode ser demonstrado através dos grupos
de encontro onde é oportunizada a “fala”, a expressão dos sentimentos e dos pensamentos e que
vem crescendo progressivamente na modernidade em virtude da expansão da desumanização na
cultura ocidental, onde a “pessoa” é desconsiderada e tomada por um número, um documento,
uma assinatura eletrônica.
105
A luta se trava pela ampliação da humanização dos relacionamentos firmados
na sociedade, inclusive da estrutura estatal, que conduzida pela burocratização dos serviços
públicos, reificou o homem e se afastou da sociedade. Será que os órgãos públicos, inclusive o
Poder Judiciário, que pretendem atender a uma comunidade que se recente do seu distanciamento
e da sua indiferença, não precisa rever as suas atitudes no atendimento à população, para mudar o
seu conceito de distante e fechado em si mesmo, como mostrou a pesquisa realizada pela AMB,
já citada no presente trabalho?
3.4.4 O profissional e sua relação com o “outro”.
Os reflexos de um encontro sem qualidade trazem danos não só para os
envolvidos na relação como respingam em toda a sociedade, que passa a lidar com papéis sociais
e não com verdadeiras pessoas, condição favorável para a multiplicação de conflitos.
Deste modo, a atividade profissional precisa ser aperfeiçoada, como explica
Santos (2004), para que o foco de atenção se volte para a mudança de atitudes perante o outro,
permitindo o escutar, ver e sentir de modo ativo, dando atenção às expressões verbais e não-
verbais, importando-se com os sentimentos e se esforçando para entendê-lo profundamente, sem
procurar julgá-lo, pois, durante uma conversa informal, as pessoas escutam as outras, mas não as
ouvem, pois, ocupam-se, interna ou externamente, em tentar mudar a fala do outro ou mesmo em
elaborar respostas contrárias de forma automática.
A pessoa, durante o desenvolvimento de sua atividade profissional, não
precisa se comunicar de forma aparente, apresentando-se como mero ocupante de um papel social
e se afastando do seu “eu”, quando a fala expressa aquilo que “deveria” ser dito por ser
socialmente correto e não o que se sente de genuíno, e a escuta apenas ouve a superficialidade do
“ser”, agindo como autômato, respondendo, simplesmente, aos condicionamentos cultural,
religioso ou político, como se fosse marionete, na ilusão de que está fazendo escolhas ou
tomando decisões sem condicionamentos, mas que não atendem ao seu verdadeiro ser (SANTOS,
2004). Continua Freitas (2009) que o modelo sócio-histórico da contemporaneidade impõe
padrões de conduta que retiram da pessoa sua condição humana de ser livre, instigam as relações
106
de poder com mecanismos de controle da liberdade e esvaziam a intersubjetividade para
privilegiar as normas sociais.
A relação interpessoal torna-se significante quando se experencia a vivência,
posto que os indivíduos se posicionam ou se comportam exatamente da maneira que lhe for
própria, sem a superficialidade da conveniência ou da imposição.
Diversos autores como John Wood (1983), Afonso Henrique Fonseca (1983) e
Maureen O’Hara(1983) sustentam que a proposta rogeriana de terapia, na qual qualidade da
relação é o elemento terapêutico, pode ser aplicada em qualquer encontro onde haja as condições
que conduzam ao crescimento pessoal livre.
É preciso que as atitudes sejam coerentes com a vivência do profissional e
resultado de escolhas conscientes pois, como adverte Freitas (2009), o que o ser humano escolhe
para si, de forma consciente, escolhe para o mundo e constrói sua história e, somente assim,
poderá acontecer o que o filósofo Sartre chama de humanização do mundo. Continua a autora,
que é preciso que se tome a própria consciência como ponto de reflexão, pois, muitas vezes
agimos com a consciência irrefletida, de modo que aceitados determinados conceitos, cujos
significados foram construídos dentro de uma cultura, em que crenças, valores, atitudes são
repetidos e mantidos sem reflexão, perpetuando supostas verdades que não contribuem para a
melhoria do homem.
Interessante é analisar o uso da ACP em encontros onde existe uma relação de
poder. Na atuação profissional, quando se pretende a aplicação desta abordagem, não se luta pela
conquista do poder, pois este já é institucionalmente fornecido, mas pela administração deste,
para que não se fulmine o processo de atualização ou aprendizagem da outra pessoa. O
profissional que atua impondo suas atitudes trabalha para si, na manutenção do seu poder e do
status e não a serviço do sistema social, confundindo a pessoa com o papel profissional; é
resistente às inovações e repudia a crítica, posicionando-se distante da sociedade, além de se
transformar em um opressor; não aceita a mudança de atitudes para viabilizar um contato face-a-
face por temor de uma diminuição do seu poder e do controle sobre o outro, que é aprisionado em
suas ideias e decisões e sofre com angústia e insatisfação (FONSECA, 1983).
Conduzindo a uma reflexão, será que a magistratura, no momento de sua
atuação, principalmente na tentativa de acordo, abdica do seu poder institucional para se
posicionar diante das partes face-a-face, no encontro estabelecido em audiência? Ou será que
107
mantém o controle sobre as partes, impossibilitando a liberdade de “ser”, causando angústias e
insatisfações?
O problema relacionado ao poder, observado na formação dos grupos onde se
implantavam a ACP, demonstrou que quando o facilitador se apropriava do poder institucional,
legitimado pelas suas habilitações ou pela própria iniciativa da criação do encontro; assumia o
comando da dinâmica do grupo; influenciava os participantes para seguirem as suas convicções e
suas necessidades pessoais. As pessoas respondiam de forma automática e estéril a uma cultura
espúria e alienada que atendia somente às necessidades do facilitador (FONSECA, 1983).
A ACP convida todos os profissionais a aprenderem a lidar com o poder, pois
a simplicidade das atitudes facilitadoras pode ser assimilada e funciona na qualificação do
encontro institucionalmente estabelecido; o poder poderá ser racionalmente exercido.
Como defende Fonseca (1983), quando o profissional mantém na consciência
a natureza e a transitoriedade do papel social, e o poder é exercido de forma racional, os
elementos presentes no encontro são o amor e a gratidão e aproximam as pessoas, que se unem
por admiração e estima verdadeira, enquanto que no tipo irracional ocorre o distanciamento em
função da progressiva rigidez da autoridade, e os elementos que se apresentam são a dominação,
o ressentimento, a hostilidade e a frustração, mesmo que escondidos por trás das “máscaras”
sociais institucionalizadas. Neste caso, crescem a superestima e a admiração irracional, muitas
vezes associadas a ódio, sentido pelos mais fracos, que se sentem impotentes diante do outro.
Assim, questiona-se: a atuação da magistratura, nos moldes tradicionais, não
pode ser transformada para que o sentimento predominante nos jurisdicionados seja imbuído de
elementos de admiração, estima e aproximação, ao invés de distanciamento e frieza, conforme
resultado da pesquisa com os jurisdicionados realizada pela AMB?
O propósito da ACP é recriar novos encontros, mais enriquecedores, onde
possa ser respeitado o poder pessoal que pertence a cada cidadão por direito e que, muitas vezes,
é violado ou violentado em virtude do cumprimento de regras ou ordens impostas pelo poder
institucionalizado.
A problemática que se constrói é: os Poderes Públicos da modernidade estão
atuando em seus relacionamentos, dando privilégio ao poder institucional, ou ao poder pessoal de
cada cidadão que o procura? É preciso refletir: é salutar para a sociedade, quando se pretende
uma convivência harmoniosa e pacífica, que se oprima o poder pessoal dos cidadãos?
108
Os Poderes estatais, constituídos ao impor às pessoas contatos obrigatórios
com autoridades institucionalizadas no desempenho das atividades organizacionais da sociedade,
devem reelaborar as suas atitudes para banir de uma vez por todas a autoridade irracional, em
virtude dos males que este poder causa nos relacionamentos, primando pela qualidade das
relações interpessoais. Assegura Fonseca (1983) que o poder institucional também compõe o
fluxo espontâneo da tendência formativa do universo, que deve ser movido pelo poder pessoal de
crítica e de ação transformadora, assim, as pessoas precisam ser livres, criativas e autônomas e
não presas a uma realidade institucionalizada e inquestionável, que não se encontra autocentrada
na humanidade.
O novo modelo social espera muito mais dos profissionais que lidam com
relacionamentos e reclama do distanciamento ou do esfriamento dos contatos face-a-face. Não
mais se tolera a atuação profissional com dominação e opressão, sendo exigidas posturas mais
humanas do próprio Estado que pretende ser “democrático” e “social”.
As instituições públicas também foram invadidas pelo tom impessoal trazido
pela modernidade, que ampliou o vazio interior do homem. Este, a cada dia, precisa mais de
apoio psicológico, por não se encontrar acolhido no trabalho, na igreja, na escola, na universidade
e até no modelo atual de família, o que leva a um desejo inconsciente de relacionamentos mais
próximos e verdadeiros, onde se possam expressar livremente os sentimentos, sejam alegrias,
decepções ou anseios, sem o receio de ser julgado, censurado ou mesmo dominado (ROGERS,
2009).
A ACP, mais uma vez, convida o profissional a se envolver de modo subjetivo
em seus relacionamentos, com a emoção, e se apresentar como uma nova pessoa humana, mais
consciente, autodirigida, exploradora do que se passa no interior do ser humano e questionadora
da passividade das instituições e do dogma da autoridade (ROGERS, 2008).
O grande passo da divulgação da Abordagem de Rogers é estendê-la nos mais
variados campos das relações interpessoais, seja nas atividades das instituições públicas ou
privadas, como na atuação dos órgãos públicos, na Medicina, no casamento e até mesmo na
família, para suprir a necessidade de envolvimento do homem moderno. Rogers (2008) afirma,
que mesmo poucas horas de qualidade, especialmente quando a pessoa se encontra em momentos
críticos de seu desenvolvimento e de sua vivência, evitam conflitos consigo e com os outros com
quem se convive. Relata o autor que o psicoterapeuta centrado no cliente, que se envolve na
109
relação e funciona como um guia, afastando-se da posição de intocável e autoritário para ser mais
atento, sensível e interessado, torna o encontro mais importante para o cliente que a própria
atuação profissional, pois permite que este encontre a si mesmo, na medida em que se sente
compreendido, reconhecido, menos inibido e solitário, menos controlado e infeliz, e passa a
perceber tudo que ocorre na sua vivência, seja o que acontece consigo ou no meio exterior.
Nestes encontros de qualidade acontecem os mistérios inesgotáveis, onde um
indivíduo é semeado no outro e nasce ou renasce; onde são produzidos frutos diferentes na vida
dos envolvidos que poderão, inclusive, nunca mais se verem. São efeitos que transcendem a
compreensão e a razão e que se instalam pelo “mistério de se encontrar”, produzidos pela
disponibilidade de experimentar sensações do próprio ser, que se constitui no aprendizado de
perceber o mundo sensorial que rodeia cada momento vivido. É preciso esvaziar-se e se
disponibilizar para o outro, despojar-se de qualquer saber e ter humildade para se encontrar, pois,
se empoleirar sobre uma posição social, título ou cargo, sem transpor as aparências, somente
permite que se assista a um encontro, mas nunca vivenciá-lo. Mister que se desmontem as
convenções ou as regras para experimentar o mistério de se estar com o outro (CARRENHO,
2009).
No ambiente onde o poder é compartilhado, os indivíduos vistos como dignos
de confiança e capazes de enfrentar seus próprios problemas, as pessoas são fortalecidas, porém
na vida comum, as escolas, o governo, os negociantes agem com poder sobre os outros, pois o
paradigma da cultura ocidental é de que na essência as pessoas são perigosas, por isso precisam
ser ensinadas, guiadas e controladas por uma autoridade superior (ROGERS, 1983).
No momento em que vive a sociedade muito se percebe a necessidade de
reconstruir as suas bases, para confiar na potencialidade positiva do organismo humano e
qualificar os encontros interpessoais, tornando-os significativos e transformadores para todos os
homens.
Imbuído no objetivo de qualificar os relacionamentos interpessoais que se
formam no Poder Judiciário, o presente trabalho se ocupou em realizar uma pesquisa
fenomenológica na Justiça do Trabalho, para buscar desenhar a relação estabelecida entre o
magistrado e os jurisdicionados, e, com os resultados, provocar uma reflexão sobre o
relacionamento firmado em audiência e propor um olhar da instituição que verifique se os
encontros interpessoais proporcionados enquadram-se na condição de significativos e se baseiam
110
na confiança da potencialidade humana para o crescimento pleno, ou se precisam ser qualificados
para se tornarem transformadores e contribuírem para o aperfeiçoamento do convívio da
sociedade, tão marcada pelo individualismo, isolamento e solidão.
3.5 A fenomenologia existencial com perspectiva humanista utilizada na pesquisa científica.
A presente pesquisa se propõe a revelar o sentido da relação estabelecida em
audiência para o magistrado e os jurisdicionados, tal como vivenciado por eles no momento do
encontro, objetivando identificar como a sessão “toca” significativamente os participantes.
A investigação será realizada com a interpretação da fala primeira revelada
pelo juiz e pelas partes, uma vez que os dados foram coletados logo após a sessão. Na análise das
falas serão consideradas todas as nuances para se obter a comunicação da vivência dos referidos
atores na audiência
Pretendendo estudar os acontecimentos com toda a sua riqueza para identificar
o intersubjetivo presente no evento, se foi buscar a inspiração na fenomenologia. Os fatos que
envolvem os seres humanos vão muito além daquilo que se pode ver, para transceder e atingir o
interior de cada participante, de modo que somente um olhar fenomenológico poderá analisar o
significado do vivido presente na relação entre o magistrado e os jurisdicionados, assim, o estudo
dirigiu o seu foco para a experiência, para extrair o sentido e o significado do encontro para cada
um dos pesquisados.
O Mecanicismo instalado na maneira de fazer ciência no sec. XVII, inspirado
nas ideias de Descartes, que destacava do todo as partes estudadas, não percebia o mundo de
forma sistêmica e integrada, não se importando com a intersubjetividade das ações humanas.
Com a influência do pensamento de Darwin sobre o evolucionismo, foi alterado este paradigma
para uma matriz funcionalista da ciência e dos seres vivos, guiando-se por uma visão sistêmica e
organísmica, e o homem passou a ser analisado como um sistema funcional interconectado com
os acontecimentos, o que provocou uma nova compreensão sobre a influência da subjetividade
humana. Essa maneira de observar o mundo se vê nas ideias de Franz Brentano sobre o estudo do
ato, nos quais se afirma que a realidade está na consciência de cada pessoa, na forma como cada
111
um vê, sente, toca, ouve e percebe o mundo, dando início ao estudo da intencionalidade, que é o
ato de dar sentido. No final do séc. XIX, Edmund Husserl aprofundou estas ideias e fundou a
fenomenologia como movimento de pensamento, dando novo sentido ao termo intencionalidade
para compreendê-lo como meio de investigar o retorno às coisas mesmas, o fenômeno (LIMA,
B., 2008).
Fugindo, então, da visão mecanicista do fenômeno e partindo para a análise do
indivíduo dentro do seu contexto, pode-se ter um conhecimento mais amplo dos acontecimentos,
considerando toda a sua riqueza, e um estudo mais aprofundado sobre o próprio ser humano, que
vive e convive com a sua carga valorativa e intencionalidade, pois, os fatos nunca foram estáticos
e o homem nunca foi estranho a suas experiências.
A fenomenologia permite aos cientistas o acesso à experiência para conduzi-
los de volta ao mundo-da-vida, pois a ciência expressava o mundo em pedaços, empobrecendo a
rica realidade do mundo vivido, além de convidar os cientistas a retornarem ao estudo da
experiência, com todos os seus detalhes, possibilitando-os utilizar dos ouvidos, das mãos, dos
sentidos e do coração, assim, fenomenologia significa a forma como olhar para o mundo, ver e
observar os acontecimentos tal como eles se manifestam para acessar a realidade (SRUCHINER,
2007).
Nenhum estudo que se propõe a apreciação de atitudes humanas poderá ser
alheio ao significado que é dado ao evento pelo próprio participante, de modo que somente um
olhar fenomenológico poderá acessar o sentido do acontecimento, tal como experenciado pelas
pessoas que o vivenciaram, para identificar o interior presente na relação que não foi revelado e
provocar a reflexão sobre a ação humana.
Conforme define Amatuzzi (2009), a fenomenologia é o próprio mundo do
vivido; a experiência pré-reflexiva que descreve o mundo antes que se formem conceitos sobre
ele; é o mundo que se apresenta através do relacionamento. Conhecer este mundo é saber o estar
e agir nele, ou seja, é conhecer a relação. E continua afirmando que o contexto da experiência é
interpessoal, pois se nasce dentro de um grupo humano e se vive se relacionando com os outros.
É o estudo deste relacionamento que vai identificar o que o evento significa
para cada participante através do desenho da subjetividade presente na relação e vai retratar o
encontro tal como ele é representado por eles, levando ao conhecimento as posturas adotadas e a
112
visão de mundo de cada um deles, possibilitando que os próprios relacionados tenham ciência do
que vivem e possam aperfeiçoar-se como pessoas que são.
Seguindo as ideias sobre a subjetividade humana, Merleau-Ponty lança a
fenomenologia existencial, que pretendeu compreender a pessoa a partir da sua relação com o
outro, apreendendo-a com sua sensibilidade e mobilidade, com seus hábitos próprios, e
enfatizando a experiência vivida concretamente dentro do contexto histórico-social e psicológico,
no qual o outro não é visto como um objeto externo ao encontro, mas como uma pessoa
individualizada, específica, subjetivada e compreendida através da interpretação da sua fala
expressa por meio da linguagem, pois só assim se alcança o mundo comum, compartilhado e
presente na intersubjetividade do ato de se encontrar (CAPALBO, 2007).
Essa linguagem é analisada através da sua dimensão expressiva, pois, como
afirma Merleau-Ponty (1984), é nela que se cravam as significações e se firma a relação entre o
“eu” e o “outro”, que, através da palavra, modula a maneira sensível de existir. Continua
afirmando que o corpo, o mundo, a linguagem e a intersubjetividade, unidas, demonstram que o
sentido do real vai além de conceitos e dados.
É diante do fluxo vivencial do ser humano que se pretende chegar ao sentido
da relação para todos os participantes, pois se filia ao entendimento de que o homem se constrói
junto com a sua vivência e em seus relacionamentos e se revela através dos seus sentimentos
agrupados em sua subjetividade, na linha de pensamento do existencialismo.
No existencialismo o homem é analisado na realidade de sua vivência, dotado
de crenças e valores, com a consciência influenciada pelo mundo em movimento, de modo que o
homem e o mundo interagem em uma dialética, em que um influencia o outro em uma dicotomia
a que Merleau-Ponty chamou de ambiguidade. O homem é visto, então, como ser-no-mundo e
passa a ser considerado com toda a sua subjetividade, liberdade e responsabilidade por suas
escolhas. O reconhecimento do homem como fenômeno individual e singular, mas que é parte
integrante de um sistema funcional interconectado, permitiu grandes avanços na compreensão da
subjetividade humana, a partir da concepção de que a mente está sempre em relação, não há
objetividade ou subjetividade pura, mas intencionalidade que se constitui no ato de “dar sentido”
(LIMA, B., 2008).
113
Cita Beites (2008), como importante representação do existencialismo, o
filósofo Heidegger, que propõe uma nova ontologia para o homem como “ser-aí”, de modo que
deixa de ser sujeito, substância e espírito para se converter em “existência”.
Através deste sentido da relação para cada uma das pessoas que se encontram,
é possível capturar o tipo de relacionamento que predominou no encontro, pois a subjetividade
poderá revelar a importância do outro para os interlocutores. Poderá ser identificada se a
dimensão de humano foi observada, somente pela análise da fala.
A presença do outro se mostra pela sua fala, pela intenção de seus atos, pela
sua emoção e sentimentos e pode ser compreendida através da presença e da comunicação
mútuas em intersubjetividade. Quando os interlocutores valem mais que as coisas, mais do que
posição social, valem simplesmente pela sua condição de pessoa, a relação interpessoal
posiciona-se na dimensão ética e ressalta a importância da liberdade, respeito e dignidade.
Recentemente, a subjetividade vem sendo introduzida nas teorias da organização, tanto na
administração quanto na teoria do poder, sendo esta compreendida como experiência vivida nos
relacionamentos estabelecidos pelo sistema organizacional, ou seja, como intersubjetividade,
enfatizando a expressão, a participação, as emoções, considerando a pessoa com sua capacidade
de escolhas e de tomar decisões, de analisar suas ações e estratégias e as razões positivas de agir
conforme o seu modo de pensar (CAPALBO, 2007).
Visando uma maior fidelidade aos achados da pesquisa científica que envolve
seres humanos dotados de carga valorativa, juntou-se ao modelo de pesquisa fenomenológica
conhecimentos sobre a própria natureza humana, para oferecer uma clarividência no estudo sobre
esta subjetividade.
Acrescentando-se à fenomenologia existencial a perspectiva humanista,
oferece-se um passo à frente para as pesquisas qualitativas, pois se acredita que o homem é
portador de um poder para se adaptar às influências externas que o afetam, sendo este poder
desencadeado quando existe um contexto dialógico, assim, se confia na autonomia da pessoa e se
afasta da visão determinista do ser humano. Defende-se que, em uma relação humana honesta,
esta autonomia é fecundada, e a pessoa passa a guiar sua própria vida de modo positivo para si e
para a comunidade onde vive. As pesquisas humanistas buscam descrever a subjetividade para
identificar os significados das vivências para os interlocutores e permitir que o profissional, que
114
pretende atuar como facilitador, tenha uma visão mais ampla do homem por considerá-lo dentro
do seu contexto (AMATUZZI, 2009).
Em remate, afastando-se da maneira objetiva como eram realizadas as
pesquisas científicas, com a observação sistemática dos fatos, a pesquisa qualitativa
fenomenológica não recorta os fatos do seu contexto para não mutilar o objeto de estudo, mas o
considera com toda a sua riqueza de detalhe.
O pesquisador, não sendo aniquilado nesta metodologia de pesquisa que
pretende captar o fenômeno tal como ele acontece, precisa estar comprometido com o objeto a ser
estudado e ter cuidado para não se perder no desempenho de suas atividades, uma vez que se
envolve com toda a sua subjetividade, pois, como adverte Sruchiner (2007), a experiência
humana somente pode ser captada com um olhar que aceite os detalhes e a maneira de acontecer
do fenômeno. Para tanto, o fenomenólogo precisa estar atento e ter a capacidade de se admirar e
de se encantar com os acontecimentos, com os seres e com a natureza, mostrando uma abertura
para se envolver com o mundo com humildade, mas na certeza de que não se dar conta da
totalidade.
Neste contexto, a pesquisa fenomenológica foi eleita como metodologia da
presente pesquisa por se pretender estudar o homem e sua relação com o universo que o cerca,
exatamente no momento da ocorrência do fenômeno, analisando sua fala, seus gestos e sua
atuação como ser no mundo.
No exame do movimento fluido do acontecimento, pretende-se captar o
sentido do encontro para as pessoas envolvidas, que será extraído do sentimento revelado pelos
pesquisados através da fala expressa logo após o evento.
Após a coleta dos depoimentos, a análise segue em busca dos eixos de
significados, que identificam o sentido do encontro para cada participante, permitindo uma visão
ampla do fenômeno para possibilitar um estudo mais de dentro do acontecimento, mostrando a
intersubjetividade presente no inter-humano.
Diante disto, considerando o objeto e o tipo de olhar pretendidos neste
trabalho, que busca captar o vivido dos entrevistados através da gravação de suas falas logo após
a sessão de audiência, foi escolhida a pesquisa de caráter qualitativo e exploratório com
inspiração na fenomenologia existencial e perspectiva humanista e, para captar a experiência tal
como ela acontece na percepção das pessoas envolvidas e revelar o sentido da relação
115
estabelecida no encontro entre magistrados e partes, através dos sentimentos relatados, foi eleita a
versão de sentido como instrumento metodológico.
Os significados das experiências serão construídos através das interpretações
das falas que revelam os sentimentos das pessoas logo após o evento. Estas pesquisas Amatuzzi
(2009) descreve como fenomenológicas-hermenêuticas, nas quais o pesquisador estuda os
fenômenos sem ser aniquilado do contexto e, para a captação da fala, utiliza toda a riqueza
proporcionada pela versão de sentido.
3.6 Versão de sentido: um instrumento metodológico para a pesquisa fenomenológica.
Na pesquisa fenomenológica não se pretende descobrir a reação física do
pesquisado durante o evento, mas o sentimento primeiro que o atingiu, antes mesmo da
explicação da razão, por isso é fundamental que se colete os dados logo após o acontecimento
para se evitar o distanciamento da realidade e se alcançar o próprio vivido. Assim, poder-se-á
associar a este tipo de pesquisa o instrumento metodológico de versão de sentido.
A versão de sentido como método atende à proposta da presente pesquisa,
pois, como muito bem afirma Boris (2008, p.176-177), em sua pesquisa para analisar a
supervisão de psicoterapeutas iniciantes, sobre o referido instrumento metodológico: “ é um
importante recurso de acesso e de exploração do mundo existencial do psicoterapeuta e de sua
relação com o paciente”. Afirma, ainda, que este método pode identificar como as sessões
“tocam” o psicoterapeuta iniciante; pode identificar os processos vivenciais dos psicoterapeutas
iniciantes durante a sessão para possibilitar a análise e discussão sobre a atuação, visando
aperfeiçoá-las.
Explorar as versões de sentido significa dar enfoque às vivências dos
magistrados e das partes, com o fito de elucidar as experiências vividas, considerando o contexto;
revelar a qualidade da relação estabelecida para uma visão mais ampla do ser humano e provocar
uma análise e discussão sobre as posturas adotadas na audiência, em direção ao aperfeiçoamento
da atividade do Poder Judiciário do Trabalho da Décima Terceira Região.
116
A versão de sentido é um instrumento metodológico que foi idealizado por
Mauro Amatuzzi em 1989/1990 e se constitui de um relato livre sem pretender objetivar o
fenômeno, mas visa desenhar a reação viva do acontecimento expressada através da fala ou da
escrita construída logo após o encontro. A versão de sentido é fundamentada na fenomenologia
de Martin Buber e Merleau-Ponty e revela com consistência o que aconteceu logo após o
fenômeno, uma vez que a sua imediatidade impede a formulação de respostas para atender aos
questionamentos, e, assim, reflete o sentido do vivido, permitindo conhecer como o
acontecimento foi interpretado e assimilado pelos participantes, pois, somente aquilo que faz
sentido aos pesquisados é relatado (VERCELLI, 2006).
É através dos escritos ou das falas dos pesquisados que será construída a
versão de sentido, ou seja, é no texto elaborado que será registrado tudo que teve algum sentido
significativo para o participante do evento, mesmo que ele não tenha, ainda, percebido o seu
sentimento, de modo que esta revelação pode provocar uma reflexão das atitudes perante o
encontro.
Afirma Amatuzzi (2008) que, para alcançar o significado do encontro para os
participantes, é preciso captar o vivido, expressado através da reação interior que ficou
impregnado na consciência e que se funde ao pensamento, antes da formação do raciocínio ou
dos conceitos; o sentido interior dos envolvidos. Esta coleta dos dados no momento exato em que
acontece o fenômeno pode ser alcançada através da “versão de sentido”, como instrumento para a
obtenção do contato vivo com o sentido atual de um encontro, fundamental para o estudo dos
relacionamentos interpessoais. Os depoimentos colhidos na emergência do evento revelam a fala
autêntica, primeira e espontânea, que desvenda a essência do encontro. Afirma o autor que,
apesar de ser um indicador indireto, não se apresentou, ainda, um outro mais direto que possa
identificar o sentido do encontro na forma como se apresenta na experiência do entrevistado.
Completa Marques (2009) que a versão de sentido se constitui no relato do
vivido que é elaborado logo após o evento e se consubstancia na expressão verbal daquilo que
mais marcou, que chamou a atenção, que foi significativo e que fez sentido ao participante.
Ressalta que é preciso considerar a percepção singular de cada indivíduo, sentida em cada
experiência e na sua maneira particular de se expressar. Na mesma linha segue Souza (2006) ao
afirmar que este instrumento é um recurso apropriado para capturar o sentido do encontro, tal
como percebido e vivido pelo participante na sua relação direta com o acontecimento.
117
A versão de sentido escrita ou gravada espelha o sentido daquela relação
vivida pelo pesquisado, que na maioria das vezes não é identificada com o olhar neutro de um
cientista que pretenda objetivar o evento, abandonando a subjetividade presente na fala. A
aplicabilidade deste instrumento não é dificultosa, pois se consubstancia na coleta do próprio
relato do participante que espontaneamente descreve o seu sentimento, seja através da simples
fala livre ou mesmo em resposta a uma pergunta previamente elaborada pelo pesquisador, mas
somente divulgada no momento da obtenção da resposta, que será colhida imediatamente após o
acontecimento, para revelar o vivido. A coleta da primeira fala dos envolvidos pode ser escrita ou
gravada, feita pelo próprio pesquisador para se obter a intencionalidade, que precisa ser extraída
com a abstração dos padrões coletivos e dos fatores trazidos pela história pessoal do pesquisado.
O pesquisador não deve esquecer que a língua carrega um condicionamento, revela uma reação
ao acontecimento e é atingida pelo emocional, pois traz uma bagagem cultural e um estilo
individual do pesquisado. O pesquisador não pode interferir para influenciar o depoente, as
instruções somente servem para iniciar o relato que pode ser uma resposta a uma pergunta-tipo:
“registre o que foi o encontro para você”. O que for dito se constitui a versão de sentido, que
comunica a existência do depoente com relação ao encontro e mostra aspectos da relação
estabelecida com o outro que estavam escondidos e podem servir de orientação na mudança de
comportamentos distorcidos (AMATUZZI, 2008).
Como dito, a fenomenologia traz o homem ao mundo-da-vida e lhe considera
com todo o seu entorno, sua vida em movimento e sua subjetividade, assim, a versão de sentido
em muito aprimora a pesquisa fenomenológica, por captar o sentimento vivo que é expressado
sem qualquer enfeite produzido pelo raciocínio e que, muitas vezes, marca a significância do
momento para o participante. Assegura Moraes (2008) que o estudo da experiência tal como
vivida, consciente e subjetiva, tem sido realizado com eficácia através da metodologia
fenomenológica e especialmente por meio da entrevista fenomenológica.
No estudo do relacionamento interpessoal, quando se pretende aprimorar o
contato entre as pessoas, é preciso primeiramente desenhar a relação estabelecida com os traços
pessoais dos participantes, ou seja, decifrar como o encontro “toca” o interior destes; como ele é
sentido e se reflete na subjetividade de cada um, para, então, revelar o acontecimento em
movimento e provocar a reflexão sobre o evento.
118
É sabido que, em um encontro, muito de si poderá ser doado, porém, noutros,
somente a superficialidade poderá predominar e prejudicar o contato face-a-face, impedindo o
encontro significativo e transformador do tipo EU-TU; inviabilizando o diálogo genuíno, em que
a fala é autêntica e a escuta se apresenta de forma ativa. Assim, diante da importância do outro na
vida do homem enquanto “ser”, é preciso aprimorar a relação interpessoal e trabalhar para a
implantação de um encontro transformativo e enriquecedor, que somente contribui para a
convivência harmoniosa e para o crescimento do outro.
A versão de sentido muito combina com o pensar fenomenológico
caracterizado por Lima, D.( 2008) que se preocupa com o sentido do homem de “ser no mundo”,
que se relaciona com outras pessoas, por se constituir um relato verbal ou escrito que vai revelar
este sentido presente em uma determinada circunstância.
Com outras palavras, afirma Amatuzzi (2009) que a pesquisa fenomenológica
com versão de sentido vai informar a intenção comunicativa existente no íntimo do depoente,
revelando muito além da representação a um papel social. É importante que o pesquisador seja
um partícipe da realidade estudada para que haja uma profunda empatia no instante da
formulação da pergunta e o depoente se identifique com o sentimento com o qual ele entrou em
contato no ato da experiência.
Ratifica Machado (2008) que a versão de sentido é um meio de produção de
sentido para revelar aquilo que foi vivenciado, de modo que registra a subjetividade do processo
terapêutico, da pesquisa ou da supervisão e se constitui em simples anotações referentes ao
evento que acabou de acontecer. Descreve o vivenciado, impregnado de percepções e sensações
sobre a experiência vivida no encontro, que passa a ser percebido e significado. E complementa
aduzindo que a relação interpessoal subjetiva se firma na troca mútua entre subjetividades, que
aparece como uma abertura de mão dupla para as alteridades, afirmando-as. Este instrumento
metodológico é capaz de caracterizar um encontro genuinamente existencial, em que a pessoa
afeta, de alguma maneira, a existência do seu co-partícipe, favorecendo o seu crescimento.
O que se busca é retratar, através da versão de sentido, o encontro firmado em
audiência, tal como experimentado pelo magistrado e pelos jurisdicionados, a fim de
compreender o real sentido de uma audiência judicial para os envolvidos, na intenção de revelar
características da relação estabelecida na reclamação trabalhista, que não são percebidas, para,
119
então, permitir a análise dos comportamentos e quiçá sugerir transformações enriquecedoras para
este relacionamento interpessoal.
A versão de sentido é amplamente utilizada em pesquisas fenomenológicas-
existenciais. Registra-se o uso deste instrumento na pesquisa sobre o Plantão Psicológico a partir
do processo de desenvolvimento do estagiário-plantonista de autoria de Tassinari et al. (sem
data), que elegeu a versão de sentido por pretender captar o movimento do estagiário em sua
aprendizagem e descrever as mudanças acontecidas com a aquisição da experiência na escuta
clínica. Este instrumento também foi aplicado por Lima, D.(2008) no estudo exploratório sobre a
subjetividade de estudantes em suas relações com a escrita, que pretendeu extrair o vivido da
experiência tal como percebida pelos estudantes. Por fim, destaca-se a utilização da versão de
sentido em várias dissertações de mestrado e teses de Doutorados, por exemplo, os trabalhos de
Tassinari (2003); Souza (2006) e Marques (2009).
Este desenho do sentido da relação se mostra de fundamental importância
quando se pretende aprimorar o contato estabelecido no encontro, pois, somente através do
espelho da subjetividade dos pesquisados se poderá encontrar a luz que refletirá a imagem de
cada pessoa presente no evento, para que se possa revelar para si e para os outros o significado da
vivência e provocar uma reflexão sobre cada postura adotada e que firma o relacionamento.
Intencionando investigar o dia-a-dia do magistrado e dos jurisdicionados, que
acontece no contexto de uma audiência judicial, foi eleita a versão de sentido como instrumento
metodológico capaz de capturar o sentido da relação estabelecida na sessão, tal como
experenciado pelos participantes na sua relação com o outro.
As versões de sentido dos jurisdicionados e do magistrado trazem a lume o
movimento do processo relacional ocorrido durante uma audiência de uma reclamação
trabalhista. Considerando a direção tomada para conduzir o presente estudo, no qual se pretende
propor a implantação de uma atitude humanista diante do outro, é mister que se monte o quebra-
cabeça que forma a relação estabelecida entre o magistrado e o jurisdicionado, para que somente
depois seja sugerida a reconstrução da relação sob novos parâmetros e ampla visão.
Em remate, a utilização deste instrumento metodológico, bem como da
pesquisa fenomenológica, serviu para elucidar características presentes na relação entre os
magistrados e os jurisdicionados que estavam acobertadas e revelou o sentido dos encontros para
os referidos atores sociais.
120
PARTE
II
121
1 Objetivo Geral
A presente pesquisa propõe como objetivo geral desenhar o relacionamento
firmado entre os magistrados e os jurisidicionados do Tribunal Regional do Trabalho da Décima
Terceira Região.
2 Objetivos específicos
Pretende a pesquisa atingir como objetivos específicos: a) identificar o sentido
da relação estabelecida em audiência para o magistrado e os jurisidicionados; b) revelar como o
magistrado vivencia a experiência da audiência.
3 Estratégias metodológicas
3.1 Tipo de estudo:
Trata-se de uma investigação descritiva exploratória que utiliza métodos de
análise qualitativos de caráter fenomenológico, realizada através do instrumento metodológico de
versão de sentido.
A presente pesquisa foi devidamente aprovada pelo Comitê de Ética em
Pesquisa com Seres Humanos – CEP do Hospital Universitário Lauro Wanderley da
Universidade Federal da Paraíba, conforme Protocolo CEP/HULW nº 561/10, Folha de Rosto nº
363328 e CAAE nº 0441.0.126.096-10, nos termos da Certidão, em anexo.
122
3.1.1 Universo e Participantes:
O Universo do trabalho é composto de 60 magistrados que atuam na Primeira
Instância do Tribunal Regional do Trabalho da Décima Terceira Região, onde são instaladas 27
Varas do Trabalho, sendo 27 Juízes Titulares e 33 Juízes Substitutos. A população foi constituída
por 18 Juízes do Trabalho do TRT 13ª Região e de 36 jurisdicionados atendidos neste órgão,
sendo 18 reclamantes e 18 reclamados. Os participantes foram escolhidos por conveniência entre
os Juízes e partes que estavam presentes nas 9 Varas do Trabalho de João Pessoa/PB, nas 2 Varas
localizadas em Santa Rita/PB e na totalidade das 5 Varas com Jurisdição na cidade de Campina
Grande/PB no ato da coleta dos depoimentos. Foi desconsiderado o depoimento escrito pela
pesquisadora-participante referente ao relato de um reclamante, em virtude de problemas técnicos
do aparelho MP4 no ato da gravação e um depoimento de magistrado não foi gravado por
deficiência no aparelho gravador digital. A taxa de resposta foi de 100%.
3.1.2 Critérios para a seleção dos participantes:
Os dezoito juízes que presidiam as sessões, os 18 reclamantes e 18 reclamados
que espontaneamente se dispuseram a participar e que estavam presentes no momento da coleta
dos depoimentos foram incluídos na pesquisa. Foram excluídos os juízes, os reclamantes e os
reclamados que não atuavam na oportunidade das coletas dos dados.
3.2 Método de acesso ao fenômeno:
O instrumento metodológico da versão de sentido foi o escolhido para o
acesso ao fenômeno e a obtenção dos recortes de fala, que se consubstanciou nas respostas dos
magistrados e dos jurisdicionados à pergunta: “Como você se sentiu após esta audiência?”. Os
123
depoimentos foram gravados por aparelho MP4, MP3 e gravador digital e abordaram situações
experenciadas na audiência.
3.3 Procedimento de Pesquisa:
O acesso ao fenômeno respeitou as normas dispostas na Lei 196/96 que
regulamentam as pesquisas que envolvem seres humanos, bem como o anonimato e o sigilo das
informações para fins diversos aos que constam no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
devidamente assinado pelos pesquisados, modelo, em anexo.
Primeiro a pesquisadora, com a assistência de duas estudantes de Direito da
Universidade Paraibana de Educação – UNIPÊ, após treinamento com a co-orientadora,
dirigiram-se até o Fórum Maximiano de Figueiredo, instalado no Shopping Tambiá, onde
funcionam as nove Varas do Trabalho de João Pessoa, e realizaram a primeira coleta dos
depoimentos como plano-piloto. Foi solicitada a permissão para a realização da pesquisa ao
membro da magistratura que presidia a sessão de audiência no momento, explicitando o objetivo
do trabalho. Após a permissão concedida, o magistrado (a) fez a apresentação da equipe para as
partes no início da audiência, quando foi passada a palavra à pesquisadora. Neste momento foi
feita a apresentação da equipe, explicada a motivação da coleta dos depoimentos após a sessão e
inquirido sobre a participação espontânea dos entrevistados, o que foi, de plano, aceito.
Finda a sessão, cada pesquisador se isolou em um espaço fornecido pela
instituição e, na posse de um instrumento de gravação, explicou-se para o entrevistado que seria
uma única pergunta e que a resposta deveria ser livre e sem limite de tempo. Realizou-se a
pergunta: “Qual o seu sentimento após esta sessão?”. Para uma das partes que solicitou uma
melhor explicação sobre a pergunta, foi em poucas palavras esclarecida e obtida a resposta, que
foi livre e gravada até o encerramento da fala do entrevistado. Depois dos agradecimentos de
praxe, a equipe se retirou do recinto.
O instrumento metodológico escolhido foi a “versão de sentido”, em virtude
do objetivo da pesquisa, uma vez que a fala gravada logo após a ocorrência do fenômeno revela o
sentido da sessão para cada participante.
124
No turno da tarde, houve o encontro com a co-orientadora, doutora em
Psicologia para que fosse analisada a metodologia de coleta de dados, a conveniência da
pergunta, para a apreciação das posturas adotadas e da consequente utilização do plano-piloto
como parte da pesquisa. Após um rigoroso processo de análise, ficou decidida a alteração da
pergunta para: “Como você se sente após esta audiência?” e adiada a decisão sobre a validade do
plano piloto para um momento posterior.
Nos dias que se seguiram foram feitas as coletas de dados de mais seis Varas
do Trabalho, repetindo o mesmo procedimento, sendo que em determinados momentos as
pesquisadoras, estudantes de Direito, fizeram complementação de uma segunda pergunta do tipo:
“Com relação aos seus sentimentos pessoais, o que você sentiu?”, sempre na tentativa de colher
“sentimentos pessoais”.
Prosseguindo com a parte prática, a equipe se encaminhou até as Varas
Trabalhistas, onde foi realizada, no primeiro dia, a coleta dos depoimentos em 2 Varas do
Trabalho. No dia seguinte foram coletados depoimentos em mais 3 Varas do Trabalho. Encerrada
esta parte de coleta em seis Varas, foi realizada nova reunião com a co-orientadora para dar início
ao tratamento de dados propriamente dito, ficando pendentes duas Varas do Trabalho e a
repetição de outra, uma vez que, por problemas técnicos, não foi gravado o depoimento do
reclamante. Em seguida, a equipe se encaminhou para o Fórum em Santa Rita/PB e fez a coleta
dos depoimentos em uma Vara do Trabalho.
O prosseguimento do trabalho aconteceu na cidade de Campina Grande/PB,
onde foi feita a pesquisa com a coleta dos depoimentos dos Juízes e partes das 5 Varas da cidade.
Mais uma vez, por problemas técnicos, não foi gravado o depoimento do Juiz Titular de uma
Vara. A equipe retornou ao Fórum no dia seguinte, refez a pesquisa na referida Vara, desta vez
com sucesso e retornou à cidade de João Pessoa. Neste momento restava tão-somente uma Vara
do Trabalho de Santa Rita/PB para finalizar a coleta dos depoimentos.
Em seguida, foram feitas as transcrições dos depoimentos por esta
pesquisadora e categorizados os recortes das falas para análise. Foi elaborada uma grelha
referente ao quadro-piloto, contendo os eixos de significados (AMATUZZI, 2009) e o
enquadramento dos recortes da fala.
125
Após finalizada a coleta dos depoimentos com a pesquisa realizada na Vara
do Trabalho de Santa Rita/PB que faltava, no mesmo dia, foi feita a transcrição das falas, para o
enquadramento destas na grelha acima referida.
Na decisão final ficou estabelecido que o plano piloto seria aproveitado para
análise dos dados, sendo os depoimentos utilizados nos resultados e discussão, uma vez que a
primeira pergunta era satisfatória para a obtenção do sentido da relação, e as respostas atendiam
ao objetivo da presente pesquisa. Na sequência da pesquisa foi realizada a análise dos dados que
foram rigorosamente transcritos.
3.4 Análise dos Dados:
Os depoimentos dos magistrados e jurisdicionados, após serem transcritos
com toda a sua riqueza de detalhes, inclusive registrando pausas, indagações e incertezas,
revelaram o sentido da sessão, demonstrando o significado do evento para cada pesquisado logo
após o acontecimento e revelando o movimento fluido ocorrido no encontro.
Dos relatos puderam ser retirados os eixos de significados (AMATUZZI,
2009) que identificavam cada falante; inclusive foi possível relacionar as falas de diferentes
magistrados, que tinham as mesmas significações, nas tematizações (LIMA, D., 2008). Os eixos
de siginificados foram listados conforme as semelhanças dos recortes de fala, para posteriormente
serem discutidas à luz da revisão da literatura atinente ao tema.
Das tematizações ou eixos de significados dos jurisdicionados, puderam ser
extraídas vivências que se comunicavam. Recortes de fala dos reclamados em muito se
identificavam com as falas dos reclamantes, de modo que foram agrupados em uma só
tematização.
Avançando na análise dos dados se pôde ver que alguns dos pesquisados que
ocupavam o polo passivo da reclamação trabalhista revelavam sentimentos peculiares que
permitiram a formatação de tematizações próprias, o mesmo acontecendo com as falas dos
reclamantes que possibilitaram a construção de tematizações específicas para sua condição de
autores da demanda.
126
4 Resultado e Discussão:
4.1 A pesquisa realizada na Justiça do Trabalho da Paraíba.
Esta pesquisa fenomenológica seguiu em busca do sentido da relação firmada
entre as partes e o magistrado em uma reclamação trabalhista na Justiça do Trabalho da Paraíba,
extraído da subjetividade de cada participante, que possibilitou desenhar o tipo de relacionamento
que predominou no encontro firmado na sessão de audiência, demonstrando como os envolvidos
significam um para o outro, pois conforme assegura Capalbo (2007), o outro se revela através da
fala daquele com quem se relaciona, que vai demonstrar a intenção, a emoção e os sentimentos
em um processo de intersubjetividade presente no relacionamento.
A relação somente acontece em uma dimensão ética, com respeito e
dignidade, quando as pessoas são mais consideradas como humano que como um papel social,
por esta razão a intersubjetividade tem sido estudada até mesmo para elaboração das teorias de
poder e organizacionais (CAPALBO, 2007). Complementa Amatuzzi (1989), afirmando que o
significado do encontro é muito importante para o estudo dos relacionamentos interpessoais, pois
revela a essência do encontro para os participantes.
A pesquisa fenomenológica, como afirma Lima, B. (2008), reconhece o
homem como ser individual e singular, mas que é parte do sistema funcional interconectado e
possui uma mente que está sempre em relação e que cria intencionalidade que dá sentido ao
fenômeno.
Visando atingir os objetivos da pesquisa foi escolhido o instrumento
metodológico de “versão de sentido”, pois como afirma Amatuzzi(2008), através deste se pode
extrair do fenômeno, aqui-e-agora, a subjetividade experimentada pelas pessoas presentes no
encontro, demonstrada na fala primeira, verdadeira e autêntica antes mesmo da elaboração pelo
raciocínio, onde pensamento, sentimento e ação da fala se fundem e revelam o que de mais
original acontece naqueles participantes. Se pode obter o contato vivo com o sentido atual do
encontro, essencial para o estudo dos relacionamentos interpessoais, do qual se pretende extrair a
127
intencionalidade que identifica o vivido, abstraindo o condicionamento da língua que carrega a
bagagem cultural e o estilo dos pesquisados.
A pesquisa do vivido permitiu identificar o sentido da relação para os
magistrados e jurisdicionados, a fim de redesenhá-la para provocar uma reflexão sobre a
atividade jurisdicional prestada pelo Poder Judiciário trabalhista da Paraíba e sugerir a
implantação de um processo de humanização.
A extração deste sentido servirá, inclusive, para revelar aos próprios
participantes a sua existência no mundo com relação ao evento, como significa a sessão para si,
mesmo que nunca tenha sido percebida, pois o significado muitas vezes é arrebatado pelo dia-a-
dia sem sequer as pessoas terem se dado conta de percebê-lo, pois, muitas vezes “[...] nos
escondemos atrás do discurso frio e objetivo da ciência, e gradativamente desautorizamos nossas
experiências vividas, e nos dessensibilizamos para a dor e o sofrimento dos nossos semelhantes.”
E prossegue “lidamos com a realidade empobrecida do mundo científico e assim nos
distanciamos do ser, evitamos o contato, a tal ponto que já nem nos lembramos mais disso.”
(STRUCHINER, 2007, sem paginação).
Na elaboração do presente texto foram seguidos os sete passos de uma
pesquisa psicológica fenomenologicamente conduzida, nos termos propostos por Amatuzzi
(2009), resumidamente assim identificados:
1) Delimitação do objeto de estudo que se constitui no campo da experiência,
bem como determinação do olhar pretendido para este estudo;
2) Realização da pesquisa no campo da experiência, representada pela
imersão e convívio com os pesquisados;
3) Análise do material colhido para obtenção de uma visão de conjunto do
material para atingir um sentido global;
4) Extração dos eixos de significados ou elementos significativos;
5) Articulação dos eixos em um texto unificado e consistente;
6) Elaboração de uma interpretação mais abrangente do fenômeno para
construir um texto que vá além das situações particulares dos pesquisados;
7) Comunicação do encontro vivo com a comunidade científica, conectando
os eixos de significados à literatura pertinente.
128
No estudo da subjetividade presente no encontro foram extraídas, das falas
dos pesquisados, as referidas tematizações (LIMA, D., 2008), eixos de significados ou elementos
significativos (AMAUTIZZI, 2009), que foram agrupando os recortes de fala que se
assemelhavam e isolando outros que se mostravam peculiares a cada participante.
Em respeito às normas que regem as pesquisas com seres humanos, Resolução
nº 196/96 do CNS/MS, foi garantido o anonimato e atribuído uma numeração a cada participante
que em nada identificam os falantes.
4.2 Eixos de significados dos magistrados.
A literatura revela que a imagem do Juiz sempre foi associada ao poder,
principalmente na formação do Estado, quando a classe dos juristas desenvolvia uma importante
função dentro da elaboração de normas para a estruturação da organização estatal. A magistratura
era vinculada à política e à elite brasileira, o que ocasionou um destaque dentro da sociedade.
Aliada a isto, a profissionalização da atividade prometia uma neutralidade na atuação, baseada na
crença de que os magistrados poderiam atuar sem as influências dos seus valores e ideologias, o
que os distanciavam ainda mais da realidade social, ampliando o fosso já existente entre a
categoria e o cidadão.
Revela, ainda, a revisão bibliográfica, que, com o passar do tempo, foi se
modificando o perfil da magistratura através da inclusão de pessoas de várias classes sociais e
diferentes valores culturais (VIANNA et al., 1997), de modo que progressivamente vem surgindo
uma nova mentalidade nos ocupantes da profissão.
O processo de redemocratização do Poder Judiciário, impulsionado pela
terceira onda de reforma em direção ao Acesso à Justiça, vem exigindo novas posturas da
magistratura, a fim de aproximar o Judiciário do cidadão, principalmente em um momento em
que conceitos abertos e indeterminados, oferecidos aos Direitos Humanos, cobram do Juiz um
conhecimento mais abrangente e mais perto da realidade social.
129
Assim, a magistratura precisa ser revisitada para aperfeiçoar sua atuação junto
à sociedade moderna já tão complexa e plural, que não mais convive harmoniosamente com
atitudes dos profissionais, neutras e dissociadas dos anseios do cidadão.
Prosseguindo com a pesquisa, foram retirados eixos de significados das falas
dos magistrados, obtidas com as versões de sentido, com o objetivo de desenhar a sua atuação na
sua relação com os jurisdicionados e retratar qual o sentido da sua atividade para si e para a
Instituição, pois como afirma Amatuzzi (2009) as versões de sentido podem ser entendidas em
dois níveis: no primeiro nível se extrai a vivência do autor e, no segundo, transmite o sentido da
relação vivenciada pelo pesquisado e revelada pela sua fala.
Objetivando facilitar a compreensão do conteúdo da pesquisa, os eixos de
significados extraídos das falas dos magistrados foram agrupados no quadro abaixo:
TABELA 1 (MAGISTRADOS)
TEMATIZAÇÃO DEFINIÇÃO
Presença da dimensão humana na relação
estabelecida em audiência.
Envolvimento pessoal no encontro, demonstração
de participação da pessoa como ser humano e não
como papel social no relacionamento O “eu” ou
“sentimentos pessoais” aparecem nas falas nos
depoimentos dos juízes; relatos de sentimentos
pessoais experimentados durante a sessão, como
frustração, indignação, tranquilidade, irritação.
Demonstração de partilha de poder. Demonstração de decisões tomadas em conjunto;
quando se revela a participação ativa dos
jurisdicionados na condução dos trabalhos
acontecidos em audiência; na presença do termo “a
gente” referindo-se ao juiz e às partes ou o uso dos
verbos na primeira pessoa do plural nas falas.
Participação do encontro como ocupante de um
papel social.
Manifestação de termos técnicos e de
preocupação com os atos do processo,
instrumento da atividade jurisdicional.
Demonstração de monopólio de poder. Manifestação de atuação isolada no encontro,
130
sem a participação das partes, inclusive
expressando o controle da situação.
Atitude isonômica diante das partes Expressão que se dirige de forma equânime
para as duas partes.
A primeira tematização foi presença da dimensão humana na relação
estabelecida em audiência, que se define como envolvimento pessoal no encontro, ou seja,
demonstração de participação da pessoa como ser humano e não como papel social no
relacionamento. O “eu” ou “sentimentos pessoais” aparecem nas falas nos depoimentos dos
juízes. Observem-se os recortes das falas:
“[...] o sentimento de é... às vezes de surpresa, certo, é [...] [...] a princípio a surpresa... de estar de frente a... às circunstâncias... as circunstâncias que deveriam ter sido superadas há muito tempo[...] [...] há realmente uma indignação, eu fico realmente indignado com isso, eu... eu não consigo compreender como depois de mais de vinte, vinte e dois anos que nós temos da Constituição Federal, certo? Em que se fala em direitos sociais, em melhores condições de vida pros nossos trabalhadores, para o povo brasileiro de um modo geral, certo?[...] [...] seria isso, indignação como pessoa e é... surpresa [...]” (JUIZ 9). “Olhe... eu sempre gosto de fazer acordo [...] [...] eu fico muito satisfeita, assim, realizada [...] [...] que é pra mim a melhor solução sempre, as duas partes ficaram satisfeitas e saíram daqui acreditando que a justiça foi realizada.” (JUIZ 7). “Muito bem [...] [...] eu acredito que esta é a melhor solução[...]” (JUIZ 6). “Bem tranquila, hoje foi bem tranquilo [...]” (JUIZ 15).
“[...] dá uma tranquilidade maior pra gente fazer um acordo [...]” (JUIZ 2). “[...] um sentimento meio... é... um pouco frustrante, porque a audiência acabou não se realizando.” (JUIZ 16).
131
“Acho que um pouco, neste caso específico, talvez frustrada [...]” (JUIZ 14). Identifica-se, em mais de um depoimento de Juiz, a participação no evento
como pessoa e não como mero representante do papel social. Os magistrados relatam sentimentos
pessoais experimentados durante a sessão, como frustração, indignação, tranquilidade, irritação.
A relação, então, acontece na dimensão ética, com respeito e dignidade, nos termos citado por
Capalbo (2007), pois se percebe que os magistrados se apresentam no encontro na sua condição
de humano.
A expressão dos sentimentos pessoais na fala dos magistrados, autêntica, sem
elaboração do raciocínio, responde positivamente à afirmação de que é bastante tênue a separação
entre a pessoa-juiz e o juiz-pessoa (NALINI, 2010), mostrando que muitas vezes há uma mistura
destes na sua atuação profissional.
As versões de sentido revelam o transbordar de sentimentos pessoais nos
magistrados durante o encontro com o jurisdicionado, que precisam ser evidenciados e
trabalhados para aperfeiçoar o relacionamento firmado em audiência.
Vejam-se os recortes abaixo :
“É... na verdade a gente tem um sentimento meio... é... um pouco frustrante, porque a audiência não se realizando, se realizou, mas ela teve que ser adiada porque as partes [...] [...] então é um sentimento meio de... às vezes de frustração. [...] a ideia da gente é querer resolver o assunto mais rápido possível.” (JUIZ 16). “cansado, mentalmente cansado [...]” (JUIZ 17). “[...] eu sempre fico um pouco tenso, né? É... em audiência, né? Sempre há uma questão, como envolve conflito [...] [...] foi bastante proveitosa e aí logicamente que eu fico satisfeito com o resultado da audiência.” (JUIZ 18).
Nestes relatos observa-se, ao revés do que foi identificado na pesquisa da
AMB (2004), que alguns magistrados estão próximos dos jurisdicionados, vivem e convivem no
132
mesmo mundo, com sentimentos e sensibilidade, com cansaço, tensão e frustração, preocupando-
se com problemas dos conflitantes.
Revelam, ainda, os relatos que a pessoa do magistrado também precisa ser
cuidada, para que ele possa dar conta de toda subjetividade presente no encontro estabelecido na
sessão de uma ação judicial e possa conviver com tranquilidade com toda essa carga de
sentimentos que afloram na audiência. Este é um dos pontos que dá importância a esta pesquisa.
Percebam-se as falas abaixo:
“[...] um pouco cansado [...] [...]um tanto quanto irritado[...] [...]de certa forma me irrita, não pelo fato da atividade em si, mas pelo fato, de que você acaba gastando uma ex... é... energia em excesso pra produzir pouco[...] [...] confesso, uma certa irritação, um certo desgaste emocional, quanto ao meu aspecto, não é a duração da audiência, mas a forma como eventualmente a audiência é conduzida [...] [...] um misto de frustração de cansaço não é... e de certo até... até certo ponto irritação.” (JUIZ 4). “ [...] talvez frustrada, porque eu acredito que eles não tenham saído satisfeitos [...]” (JUIZ 14).
Os depoimentos analisados direcionam para uma tímida mudança no perfil do
magistrado ao longo dos anos e demonstram que muitos juízes se envolvem como pessoa na
relação estabelecida em audiência, deixando fluir suas emoções, seus sentimentos, refutando a
imagem do juiz como um ser distante, frio e que “vive em um mundo à parte” sendo o Judiciário
uma “caixa preta com segredos que somente seres especiais podem decodificar” como relatado na
pesquisa da AMB (2004).
A demonstração do envolvimento de alguns magistrados na relação processual
contribui para a desconstrução da imagem do juiz “onipresente e onipotente”, no momento em
que uma nova visão de mundo vem ancorada na humanização.
Os depoimentos dos magistrados somente confirmam a necessidade apontada
por Dallari (2008) de que as Universidades de Direito precisam se preocupar mais com a
formação humanística dos profissionais e aprofundar a sua atenção às disciplinas que estudam o
comportamento humano, como a Antropologia, a Sociologia e a Psicologia, a fim de trabalhar o
133
homem-juiz e prepará-lo para a sua atuação, que lida com o conflito, com toda a sua carga
subjetiva.
A inclusão de matérias como Ética, Filosofia, Sociologia e Psicologia nos
concursos para o provimento de cargos da magistratura, iniciativa do Conselho Nacional de
Justiça, através da Resolução 75/2002, foi de grande valia e se mostra essencial para a formação
da magistratura. As matérias supracitadas precisam ser trabalhadas com maior dedicação nos
cursos preparatórios antes e após a aprovação para a ocupação dos cargos de magistrados, pois se
mostram imprescindíveis para a atuação do profissional que lida com as mazelas da sociedade e
se dedicam pessoalmente à solução das contendas.
Em uma segunda tematização pode-se extrair a demonstração de partilha de
poder durante o evento. Esse tipo se conceitua em demonstração de decisões tomadas em
conjunto; quando se revela nos depoimentos a participação ativa dos jurisdicionados na condução
dos trabalhos acontecidos em audiência; na presença do termo “a gente”, referindo-se ao juiz e às
partes ou o uso dos verbos na primeira pessoa do plural nas falas. Demonstram os registros
abaixo:
“[...] felizmente chegamos a um consenso, a um acordo[...]” (JUIZ 2). “[...] tentamos fazer o acordo, não conseguimos [...]” (JUIZ 5) . “[...] as partes chegaram a um acordo [...] [...] aquela solução em que as partes mesmo colocam um fim ao problema, ao litígio que existia entre elas” (JUIZ 6). “ [...] a gente tem um sentimento meio é um pouco frustrante[...] [...] a ideia da gente é querer resolver o assunto o mais rápido possível” (JUIZ 16). “[...] mas aí foi conseguido o acordo, que numa situação desse tipo eu acho que sempre interessante que as partes conciliem [...]” (JUIZ 18). Esta tematização traz a revelação de que parte dos magistrados se relaciona
permitindo a partilha de poder. De modo que se percebem alguns juízes atuando com uma
autoridade racional, o que já se mostra positivo para o crescimento do outro e da humanidade
134
como um todo, pois, como afirma Fonseca (1983), a autoridade racional une de forma equilibrada
o poder pessoal e o poder institucional e mantém a consciência da natureza e da transitoriedade
do papel social. Continua explicando que existem dois tipos de poder: um poder institucional que
se constitui pela organização da sociedade de acordo com a cultura e o sistema; e um poder
pessoal que é a habilidade de cada um para se atualizar continuamente como pessoa por força de
seu potencial humano. Este poder pessoal se forma a partir da potência para “ser”, que se constrói
da interação com os outros e na compatibilidade de suas atitudes com a consciência de ser e
capacita a pessoa para pensar racionalmente e autonomamente; possibilita o aprendizado com a
vida; aguça a intuição; transforma o mundo pela ação a serviço da vida e torna-se um poder
“para” e não “sobre”.
Interessante verificar que, dentre os magistrados que demonstraram um
envolvimento pessoal no encontro, pode-se destacar que quatro deles dirigem os trabalhos com
partilha de poder com as partes, como revelam as falas dos juízes 2, 6, 16 e 18.
“[...] felizmente chegamos a um consenso, a um acordo [...] [...] as partes não estavam com os ânimos muito acirrados [...] [...] deu pra gente conversar, esclarecer alguns pontos [...]” (JUIZ 2).
“[...] aquela solução em que as partes mesmo colocam um fim ao problema, ao litígio que existia entre elas.” (JUIZ 6). “[...] a ideia da gente é querer resolver o assunto o mais rápido possível.” (JUIZ 16). “[...] eu acho sempre interessante que as partes conciliem [...]” (JUIZ 18). Esta postura encontrada nos magistrados, que permite a partilha do poder na
audiência, muito se assemelha à forma de poder sugerida pelos preceitos da Abordagem Centrada
na Pessoa, pois como propõe Rogers (1989), quando esta abordagem fundamenta a estrutura
organizacional de uma entidade, o poder e o controle são sentidos por cada participante do
evento. Há um trabalho conjunto, com responsabilidades divididas. Todos se mostram aptos a
tomar decisões sábias e não uma única pessoa, pois, a liderança é multifacetada.
Os atos processuais têm um ritual próprio a ser seguido, entretanto,
demonstram os relatos que o magistrado poderá guiar o prosseguimento das sessões de audiência
135
com sensibilidade, permitindo a participação ativa das partes, sem muita formalidade, evitando
que se engesse o fluir das falas dos jurisdicionados, se hostilize o ambiente e se mecanize a
atividade jurisdicional.
Na tentativa conciliatória, com maior razão, não se justifica uma autoridade
distribuída unicamente para o magistrado, quando se pretende o consenso entre as partes que se
encontram em litígio e que são as verdadeiras possuidoras dos direitos em questão. Observa-se
que o Juiz 6 deslocou a solução do litígio para os próprios jurisdicionados quando afirma que “as
partes mesmo colocam um fim ao problema, ao litígio que existia entre elas.” Este magistrado
conseguiu que os litigantes chegassem a um consenso em demonstração de partilha do poder.
As tensões advindas do conflito impedem a percepção da realidade dos
contendores e dificultam a aceitação de um acordo, de modo que é preciso habilidade para lidar
com as emoções que nublam a visão dos conflitantes (GARCEZ, 2004). Atitudes que permitam o
fluir da fala, como uma escuta ativa, um comportamento cálido e uma aceitação, muito facilitam
a implantação de um clima psicológico favorável para o desarmamento dos contendores, como
afirma Rogers (1983) que, quando as pessoas se permitem ouvir verdadeiramente, compreender e
respeitar uns aos outros, quando o sentimento de humanidade prevalece sobre o poder, as mais
difíceis tensões e exigências se tornam mais solúveis, sugerindo o autor, inclusive, que é possível
dissolver tensões interculturais e internacionais.
Estas habilidades não são necessariamente inatas, podem ser treinadas, sendo
bastante que haja um interesse em auxiliar na função de conciliador; em conhecer as atitudes
facilitadoras e aplicá-las como medida de contribuir para o crescimento de si e de todos os
participantes e aprimorar o encontro.
Já afirmou Rogers (1989) que, quando a pessoa não é manipulada por outrem
que se diz detentor do poder, poderá voltar-se para si de modo mais expressivo, aceitando mais os
seus sentimentos, sejam eles bons ou maus dentro da dicotomia promovida pelo pensamento
cartesiano de ver o mundo, tornando-se mais humano e sentindo-se “gente”, e nessa humanidade
completa e poderosa, as pessoas tocam umas as outras, ocorre uma comunicação genuína, as
tensões são minimizadas e os relacionamentos se fortalecem, com mais compreensão e aceitação,
pois onde o poder é igualitário, cada participante é promotor de mudanças.
A contrário-senso pode-se observar uma terceira tematização participação do
encontro como ocupante de um papel social, que poderá ser definida pela manifestação de termos
136
técnicos e de preocupação com os atos do processo, mero instrumento da atividade jurisdicional.
Abaixo demonstrado através dos recortes transcritos:
“[...] a coleta dos depoimentos das partes ela sempre revela elementos que muitas vezes não estão constando nas peças dos autos [...] [...]a importância de se escutar sempre as partes[...] [...] aquilo que consta no processo às vezes o resultado sairia totalmente diverso[...] [...]O contato pessoal do juiz, com as partes e com as testemunhas é importante [...]” (JUIZ 1). “[...] ouvimos as testemunhas de acordo como manda a ritualística processual” (JUIZ 5). “[...] a melhor solução para esse processo foi a conciliação”(JUIZ 15). “[...] havia divergências nos depoimentos das testemunhas, o ônus era do reclamante [...] (JUIZ 3) . É possível perceber na fala dos referidos magistrados a sua postura formal
diante das partes, quando em audiência se demonstram preocupados com o rito do processo,
inclusive tendo impregnado em sua consciência a formalidade da linguagem técnica e distante da
realidade vivida pelas partes.
O Juiz 1 menciona em “ coleta dos depoimentos das partes”, “constando nas
peças dos autos”, “ consta no processo”, “ testemunhas”, falas que retratam a impessoalidade no
contato com as pessoas presentes em audiência, não há registro de sentimentos captados na
sessão.
Não se apresentam sentimentos nos recortes das falas, e a subjetividade se
encontra mascarada pela formalidade do processo judicial, centro e foco das atitudes dos
referidos magistrados. Inclusive, o Juiz 15 ressalta a importância da conciliação para o
“processo”, sem mencionar sobre o valor deste meio de solução da desavença para as pessoas que
fazem parte do conflito de interesses.
A fala do Juiz 5, ao se apresentar formalmente no encontro, ao ouvir as
testemunhas como “manda a ritualística processual”, ratifica a informação de Rogers (2009) de
que o tom impessoal da modernidade invadiu as instituições públicas o que só contribui para
137
ampliar o vazio interior das pessoas, que não se sentem acolhidas pelo outro com quem se
relacionam, aguçando o desejo inconsciente de relacionamentos mais próximos e verdadeiros, em
que se permitam vivenciar livremente os seus sentimentos, sem se sentirem dominados.
Seguem os relatos dos magistrados:
“[...] primeiramente, uma sensação de dever cumprido [...] [...] a gente sente que está pondo em prática uma posição, uma prevista na Constituição Federal... uma posição de... de atuação do Estado para tentar fazer a pacificação dos conflitos que nos chegam. [...] a parte principal que me chega... é isso, que a gente faz nosso trabalho pra tentar por em prática aquilo que a Constituição Federal estabelece, no sentido da... da... pacificação dos conflitos que nos chegam” (JUIZ 8). “Eu após essa sessão eu sinto meu trabalho cumprido [...]” “Eu acho que fizemos um bom trabalho, não sei se saiu a contento, mas eu me sinto com a sensação de dever cumprido” (JUIZ 10). “Sensação de dever parcialmente cumprido, uma vez que apenas determinei a realização da prova pericial não consegui resolver o litígio ao seu final [...]” (JUIZ 12). “Eu me sinto como... porque isso é o dia-a-dia da gente [...]” (JUIZ 13). “[...] com a sensação de dever cumprido” (JUIZ 17). “Me sinto como cumprido o meu dever [...]” (JUIZ 3) .
Nestes recortes os magistrados demonstram de forma cristalina que atuam
como representante de uma ocupação social. Refletem as falas a sensação de “dever” cumprido,
deixando transparecer que a ocorrência da sessão de audiência era o papel fundamental a ser
exercido naquele encontro, nada sendo mencionado sobre a presença das pessoas, ou mesmo
sobre o conflito existente no seio social. Inexiste a demonstração do envolvimento pessoal no
relacionamento firmado em audiência com os jurisdicionados, indicando que a subjetividade
encontra-se encoberta pela posição institucionalizada.
138
Mostra-se evidente a necessidade de humanização da atividade jurisdicional e
se evidencia um terreno fértil para a implantação da ACP, aceitando o convite de Rogers (2008)
para que o profissional se envolva subjetivamente nos relacionamentos proporcionados pela vida
moderna, para que atue com a emoção e se encontre com os outros na sua condição de pessoa
humana, tornando o evento mais consciente e contribuindo para a desconstituição do dogma da
autoridade.
É importante mencionar que, quando o profissional se apresenta na relação
com distinção de papel social, esconde-se por trás do argumento da neutralidade e fala como
profissional e não como ser humano, impede o falar-com e o ouvir-participar, omite-se na
presença, atua com um falar-sobre e não permite o diálogo genuíno, não contribui para o
crescimento do outro com quem se relaciona e não favorece o resgate da presença ( AMATUZZI,
1989).
O descrédito e desmoralização do Poder Judiciário não é mérito tão-só da
demora no processo judicial, mas se deve às posturas distantes e insensíveis dos magistrados que
são investidos na função jurisdicional deste Poder de Estado, aliadas ao desconhecimento dos
jurisdicionados do funcionamento deste órgão, conforme se pode concluir das pesquisas
realizadas pela AMB (2004, 2006 e 2007) e UnB (2006) já citadas. A insensibilidade excessiva
mantém uma barreira ao acesso dos jurisdicionados ao Poder Judiciário, na direção contrária às
propostas de democratização do Judiciário e estímulo à conciliação.
O magistrado que pretende ser um conciliador ou facilitador precisa estar
verdadeiramente presente no encontro com os jurisdicionados para vivenciar o sentimento que o
invade no evento, despojando-se de seu papel social, mostrando-se transparente para se
aproximar das partes, dentro de suas limitações e considerando cada situação específica,.
Pretende a proposta que o magistrado seja o juiz-humano, mais do que um
humano-juiz, citando Nalini (2010), sem proteção da máscara social, percebendo o jurisdicionado
como sendo “homem” em sua presença total, sem imposição e com respeito a sua
autodeterminação. O magistrado deve agir como o homem social e não como o homem do poder.
A resposta à tentativa de acordo pelas partes deve ser uma decisão consciente, na qual a
verdadeira fala brote nas partes, fugindo da visão mecanicista do ato em si.
O magistrado se coloca na relação com os jurisdicionados em uma situação
de dominação, então precisa ser habilitado para lidar com o poder e possa atuar com a chamada
139
autoridade racional nos termos definidos por Fonseca (1983), para que a relação proporcione os
sentimentos satisfatórios de afeto e respeito e não o distanciamento provocado pela autoridade
irracional, que engessa o poder pessoal.
Continua Fonseca (1983) que o profissional que atua impondo as suas atitudes
para manter a sua autoridade institucional deixa de funcionar a serviço do sistema social e dos
cidadãos, para servir a si próprio, confundindo a pessoa com o profissional que se fundem. Status
e poder passam a existir para si e não para o sistema social. A pessoa que age com autoridade
irracional não aceita a crítica, é temeroso e resistente à mudança, de maneira que se distancia dos
demais membros da sociedade. É um opressor.
O grande desafio é reconstituir toda a maneira objetiva já cristalizada pela
formação acadêmica do magistrado, que precisa direcionar um novo olhar para as suas atividades
em aceitação a atitudes mais humanizadas. A qualificação da conciliação para uma perspectiva
humanista pressupõe um encontro promissor entre o magistrado e os jurisdicionados, que
significa estar com o outro, afastar-se dos próprios pontos de vista e valores para considerar o que
está sendo dito, adentrando no mundo percebido pelas partes sem preconceitos.
A quarta tematização que se contrapõe à segunda é a demonstração de
monopólio de poder, que se apresenta como manifestação de atuação isolada no encontro sem a
participação das partes, inclusive expressando o controle da situação. Percebem-se magistrados
atuando com monopólio do poder (implícita ou explicitamente) como revelam os recortes:
“[...] consegui tranquilizá-la[...] ...] ter conseguido encontrar a melhor solução para as duas partes[...] [..] é pra mim a melhor solução [...]” (JUIZ 7). “[...] eu sinto meu trabalho cumprido [...]” (JUIZ 10). “[...] apenas determinei a realização da prova pericial e não consegui resolver o litígio até o final” (JUIZ 12). “[...] terminei minha pauta [...]” (JUIZ 15). Demonstram as falas dos juízes um domínio da sessão de audiência. O Juiz 7,
claramente, expõe que a sua postura “conseguiu” tranquilizar a partes e que ele próprio,
140
“sozinho”, conseguiu encontrar a melhor solução para as partes, enfatizando como era importante
a solução para a sua pessoa usando os termos “pra mim”. Não menciona qualquer participação
das partes no relacionamento acontecido no evento da audiência. Os demais recortes revelam a
direção dos comportamentos somente para si, por dominação, por determinação, pela pauta
pessoal ou por não ter conseguido resolver o litígio. Os acontecimentos da audiência se focaram
na postura do magistrado na visão destes recortes de fala.
A ausência de partilha de poder durante a atuação profissional, impede o
crescimento das partes e aprofunda o distanciamento entre o Poder Judiciário e a sociedade e
revela um magistrado opressor, conforme demonstrado nas citações de Fonseca(1983).
Observe-se a fala abaixo:
“[...] o contato pessoal do juiz com as partes e com as testemunhas é importante [...]” (JUIZ 1). Neste relato se pode ver que há um destaque para a importância do contato
pessoal “do juiz” com as partes e as testemunhas, não demonstrando a relevância dos contatos
entre todos os participantes da audiência. Mais uma vez, o centro dos acontecimentos gira em
torno do magistrado.
Seguindo a discussão, percebe-se nos relatos que dentre os 9 magistrados que
se enquadraram na terceira tematização (participação do encontro como ocupante de um papel
social sem envolvimento humano) quatro monopolizavam o poder, os juízes 01, 10, 12 e 15, sem
permitir a participação ativa das partes na sessão de audiência.
Por meio das falas, verifica-se que no quadro do Tribunal Regional do
Trabalho da Décima Terceira Região existem magistrados trabalhistas que atuam na
representação do seu papel social e se afastando da sua condição de humano, agindo de forma
técnica e mantendo-se na posição de ser distante, permanecendo, pois, em um modelo da
profissão que não mais convive harmoniosamente com a modernidade, mas atuam para uma
sociedade de pouco dinamismo e baixa complexidade, tal como o modelo anterior à Revolução
Industrial, no qual são ressaltados os conhecimentos técnico-jurídicos, ratificando a citação de
Dallari (2008) na revisão da literatura.
141
Na contramão do processo de humanização que avança para alcançar os
sistemas que formam a sociedade moderna, ainda se pode encontrar autoridade irracional, que
atua na dominação do poder e no monopólio da tomada de decisão.
Os recortes de fala demonstram que alguns magistrados trabalhistas da
Paraíba contribuem para o perfil desenhado pela pesquisa realizada pela AMB- ASSOCIAÇÃO
DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS (2004) que diagnosticou a “Imagem do Poder
Judiciário” como sendo uma “entidade poderosa e distante, fechada em si mesma e “estática”,
com uma imagem predominantemente negativa”, bem como no que pertine à figura do juiz como
distante do público em geral.
Esta amostragem aponta para a necessidade de aperfeiçoamento dos recursos
humanos das instituições públicas para aproximar mais o magistrado da sociedade, semelhante ao
acontecido na Alemanha, como citado por Dallari (2008) no “Modelo de Stuttgart” que
transformou o processo civil, permitindo um maior envolvimento oral das partes, juízes e
advogados, através de um diálogo ativo sobre os fatos e sobre o direito, no afã de o tornar célere e
melhor compreendido pelas partes.
A reforma do Poder Judiciário perpassa pela mudança na mentalidade do
magistrado que não poderá mais ver o sistema jurídico de modo hierarquizado, com padrões de
dominação em um momento em que acontece a “desestruturação do direito”, para recordar
Capilongo (2005), mas precisa acolher as mudanças da segunda modernidade, para adotar
posturas mais humanas e mais informais, permitindo a divisão do poder com as partes,
utilizando-se de um vocabulário menos técnico para se aproximar da realidade dos
jurisdicionados. Nos dias atuais, ainda mais se clama pela reforma na maneira de agir da
magistratura quando a automação é mais um complicador para afastar as pessoas envolvidas em
uma reclamação trabalhista.
A Justiça do Trabalho, em um momento em que mais se isola o homem e se
depaupera o trabalhador, neste imenso mundo automatizado e capitalista, mais precisa encurtar a
distância que o separa do jurisdicionado, para se aproximar do meio social, conhecer de perto os
fatores que ocasionaram os conflitos, solucioná-los, atingido a verdadeira causa e pacificando a
contenda no seio social.
É sabido que a subjetividade do magistrado vem sendo mais valorizada do que
a formalidade de suas atitudes, como afirmam Calamandrei (2009) e Coelho (1979), inclusive no
142
ato de julgar, no qual o sentimento e a intuição são considerados na elaboração da decisão.
Porém, guiando o estudo para o ato judicial da conciliação logo se percebe que a representação de
um papel social em muito prejudica a tentativa de acordo, pois para um bom mediador ou
conciliador é preciso ser sensível e informal para facilitar a comunicação, conhecer as razões que
insuflam o conflito, controlar as emoções das partes e proporcionar um equilíbrio nos poderes dos
conflitantes (SOUZA, 2004), atitudes que somente com envolvimento humano poderão ser
alcançadas.
Prosseguindo com a análise dos recortes das falas dos magistrados, pode-se
extrair uma importante e significante tematização qual seja: atitude isonômica diante das partes,
que se refere à expressão que se dirige de forma equânime para as duas partes. Observe-se:
“[...] a coleta do depoimento das partes...” “... a importância de se escutar sempre as partes...” “... o contato pessoal do juiz com as partes [...]” (JUIZ 1). “[...] as partes não estavam com os ânimos muito acirrados [...] [...]esclarecer alguns pontos, as partes tanto da empresa quanto do reclamante [...] [...] as partes aparentemente saíram satisfeitas[...] [...] os anseios das partes que nos procuram [...]” (JUIZ 2). “[...] acaba perdendo tempo das partes [...]” (JUIZ 4). “[...] de tentar fazer com que as partes cheguem a uma conciliação” (JUIZ 8). “[...] uma conciliação que já veio é... firmada pelas partes” (JUIZ 15). “[...] as partes mesmo colocaram um fim ao problema, ao litígio que existia entre elas” (JUIZ 6). Nesses recortes pode-se verificar que há um tratamento igualitário, posto que
nenhum dos magistrados enfatizou a preocupação com o tempo ou com os sentimentos tão-só de
um dos litigantes, ressaltando sempre as suas atitudes com relação aos dois polos da demanda.
Veja-se a fala abaixo:
143
“[...] a reclamada realmente era uma pessoa que tá passando dificuldades... ...ela tava pagando o que era justo. [...] de ter conseguido encontrar a melhor solução para as duas partes [...] [...] as duas partes ficaram satisfeitas [...]” (JUIZ 7). Nesse relato pode-se perceber com mais evidência o tratamento igualitário do
magistrado, tanto com o reclamante, quanto com o reclamado, pois retrata uma preocupação com
o reclamado e com os sentimentos das duas partes.
Esta última tematização, extraída das falas dos magistrados, desmistifica a
alegação de que a Justiça do Trabalho somente protege o trabalhador e ratifica a assertiva
demonstrada na revisão da literatura, de que o papel social deste ramo especializado do Poder
Judiciário, na modernidade, constitui-se no equilíbrio da relação Capital/Trabalho, defendendo-a
independente de quem se apresente no polo da ação judicial, tal como afirmado por Bonavides
(2008), Nassif (2005) e Barros (2008).
A Justiça do Trabalho não deve ser mais vista como uma “Justiça do
Trabalhador”, eis que suas decisões são pautadas no equilíbrio da relação firmada entre o
trabalhador e o mundo empresarial, inclusive zelando pela manutenção do aparelho produtivo do
país, tão responsável pela manutenção da qualidade de vida de toda a comunidade. A nova visão
de “Justiça Social” preocupa-se com todo o sistema social e não somente com o trabalhador como
ator partícipe da sociedade.
O desequilíbrio entre o Capital e o Trabalho desestabiliza a sociedade como
um todo, uma vez que serão prejudicados os empresários, com a concorrência na mão-de-obra; os
trabalhadores, que sofrerão com o desemprego; o Estado, que tem como fundamento direitos
sociais na sua Constituição Federal, de modo que todos os sistemas econômicos, sociais e
políticos, estando imbricados, serão atingidos.
Os recortes das falas dos magistrados demonstram que a preocupação da
Justiça do Trabalho é com o equilíbrio da relação Capital/Trabalho e não tão-somente com o
trabalhador, de maneira que as duas partes são tratadas de maneira equitativa pelo juiz do
trabalho, desmistificando que somente o empregado é visto como detentor de direitos, sem
igualdade de condições para com o empregador.
144
Não obstante as falas tenham sido extraídas de magistrados de um Tribunal
Regional do Trabalho do país, são capazes de demonstrar mudanças na categoria do magistrado,
como envolvimento pessoal, partilha de poder e tratamento igualitário entre empregado e
empregador, mas muito ainda precisa ser aperfeiçoado para preparar a Justiça do Trabalho para a
modernidade.
Pretendendo demonstrar o movimento fluido do fenômeno acontecido na
audiência, prossegue-se com a análise dos depoimentos das partes envolvidas no encontro,
quando foram construídos os elementos significativos através dos recortes das falas, objetivando
extrair o sentido da relação.
4.3 Eixos de significados dos jurisdicionados.
Analisando os recortes das falas dos jurisdicionados, pode-se verificar que se
assemelham algumas vivências das partes, quando os sentimentos experimentados tanto pelos
reclamantes como pelos reclamados são coincidentes, de modo que foram agrupados em uma só
tematização.
Por outro lado, observam-se nas falas dos jurisdicionados que existem eixos
de significados que não se comunicam, ou seja, sentimentos experimentados por cada parte em
particular, de modo que foram elaboradas tematizações peculiares a cada participante da relação
firmada na audiência, sejam reclamantes ou reclamados. Da mesma maneira, foram aglutinados
os recortes das falas dos jurisdicionados que se assemelhavam em tematizações, sendo separados
em subtítulos específicos, para viabilizar uma melhor compreensão do texto.
4.3.1 Tematizações que se comunicam nas vivências das partes.
Objetivando aclarar a leitura do conteúdo da pesquisa, tal como aconteceu
com as falas dos magistrados, foi elaborado um quadro com as tematizações dos jurisdicionados
145
que se assemelham. Repete-se que, nestas tematizações, as vivências das partes se comunicam.
Veja a seguir:
TABELA 2 ( JURISDICIONADOS)
TEMATIZAÇÕES QUE SE COMUNICAM NAS
VIVÊNCIAS DAS PARTES
DEFINIÇÃO
Demonstração da necessidade de fala e escuta. Manifestação expressa no próprio dizer ou no
desabafo emocional das partes.
Sentimento de injustiça provocado pela parte
adversa.
Manifestação de indignação ou de constrangimento
com atitudes da parte adversa.
Expectativa de Justiça. Manifestações de que aguarda solução justa
oferecida pela Justiça do Trabalho.
Satisfação com a atuação da Justiça do Trabalho da
Paraíba
Demonstração de bem-estar na sessão de audiência
ou expressão de satisfação com a atuação do
magistrado durante a sessão.
Destacando os recortes das falas dos reclamados, podemos perceber a
existência da tematização de necessidade da fala e da escuta, definida quando existe
manifestação expressa no próprio dizer ou no desabafo emocional das partes, senão veja-se:
“[...] eu aceitei de imediato fazer essa... essa pesquisa pra ajudar vocês porque não é só do outro lado que a gente fica... que a gente tá errada, então não estou errada, estou por oitenta por cento, mas não estou cem por cento errada [...]” (RECLAMADO 18) . Um ponto de destaque que constituiu esta tematização se mostrou presente em
um dos demandados, que aproveitando a entrevista pretendeu “gritar” que não estava errada,
como dito: “não é só do outro lado que a gente fica... que a gente tá errada”, pretendendo
informar à Justiça do Trabalho que não é só a parte “empregadora” que está errada. No interesse
em participar da pesquisa, ficou latente a necessidade que a depoente demonstrava em falar para
o Poder Judiciário.
146
Esta unidade de significação também foi presente nas falas dos reclamantes,
como se vê abaixo:
“Sentimento de que ficaram muitas coisas pra ser ditas[...] [...] eu me senti impotente porque eu não pude dizer isto na hora, então eu me senti como se eu estivesse impotente e não pudesse dizer” (RECLAMANTE 5) . “[...] mas eu acho que deveria se ter discutido um pouco mais sobre o assunto[...] [...] talvez fosse até mais interessante que remarcasse para uma outra oportunidade para que se discutisse o assunto do começo ao final[...] [...] eu acho que deveríamos ter falado mais sobre este aspecto[...]” (RECLAMANTE 6) . [...] nem perguntar nada a mim [...] [...] dialogaram todo mundo, mas não me perguntaram nada é[...]” (RECLAMANTE 16) .
Esta tematização demonstra a necessidade da Justiça do Trabalho abrir mais
espaço para as falas e desabafos dos jurisdicionados. Há reclamos de que muita coisa não pôde
ser dita; da sensação de impotência por não ter dito algo; da vontade de ter ampliado a discussão;
e mais importante ainda, há queixa de não ter sido perguntado nada à parte que não participou do
diálogo.
O reclamante 5 denuncia que “ficaram muitas coisas pra ser ditas[...]”
demonstrando a sua angústia por ter abafado a sua fala e completa “ [...] eu me senti impotente
porque eu não pude dizer isto na hora”, relatando sua necessidade de falar no momento da sessão.
É possível sugerir que o autor não alcançou a sua plenitude como pessoa neste encontro, pois
como adverte Amatuzzi (1989) somente se consegue “ser”, quando se permite o fluir da voz, para
que se diga tudo o que se pretende comunicar.
Na revisão da literatura foi enfatizada a importância da relação com o outro
para o processo de crescimento humano, em resposta a uma tendência organísmica, ressaltando-
se a necessidade de um diálogo genuíno, firmado pela fala autêntica e pela escuta ativa, no qual o
EU e o TU, citando Martin Buber (2009), respeitam a totalidade do ser.
A fala tem uma importância significativa para a própria existência humana
pois, como afirma Freire (1987), o diálogo cria, transforma e representa o meio pelo qual os
147
homens se identificam na sua condição de humano. As partes devem se sentir livres para propor
as suas ideias e não serem subjugadas pelas outras falas, quando acontece uma situação de
dominação. A atividade jurisdicional, para ser humanizada, precisa se constituir em um
verdadeiro diálogo, no qual todos os participantes exerçam o seu direito de falar e refletir, sem
qualquer imposição.
Complementa Amatuzzi (1989) que o “dizer-se” humano se constitui quando
se expressa tudo o que tinha para falar de autêntico e verdadeiro; quando a fala representa um ato
concreto do homem como significante da compreensão da sua existência e não simplesmente
reflete a expressão através da língua, enquanto conjunto de estrutura disponível para a
comunicação. Somente em um encontro onde a fala e a reflexão pela escuta se solidarizam, há
possibilidade de modificação e humanização do mundo, pois permite que cada participante veja e
sinta a presença do outro, em uma conexão que revela a realidade que o cerca e gera atitudes com
consciência e responsabilidade, e o homem se torna partícipe da vida em comunidade, o que não
acontece na situação de dominação, quando a fala do oprimido não revela o verdadeiro “dizer”,
apenas reflete a opinião do opressor.
Na sessão de audiência encontramos um lugar propício para opressão, tanto do
trabalhador, que se encontra duplamente oprimido, pelo seu (ex) empregador e pelo magistrado,
quanto do empregador por este último. A pesquisa comprova que muita coisa ficou para ser dita
através da fala das partes, de modo que muitas vezes não se permitiu o diálogo, em uma autêntica
situação de dominação.
As partes, por outro lado, guardam não só na sua relação entre si, mas no seu
contato com o magistrado, uma gama de sentimentos que precisam antes de tudo serem cuidados.
A maneira mecanizada na qual as pessoas são simples sujeitos ativos ou passivos nas
reclamações trabalhistas, reclamante e reclamado, precisa ser transformada para que as partes
sejam vistas com corpo e alma, como centro da atividade jurisdicional, não somente como um
“nome” ou um “número”, e possam dizer tudo que tinha para ser dito.
Não pretendendo dirigir o trabalho para a conexão das falas dos interlocutores
propiciando uma visão da relação firmada na audiência, mas somente a título de informação
extraordinária aos objetivos do trabalho, comenta-se que a fala entrecortada do reclamante 5
aconteceu na presença do Juiz 5, que atuou como mero representante de um papel social,
utilizando-se da linguagem requintada e técnica.
148
A atividade jurisdicional precisa despertar para seguir as descobertas da
ciência sobre a influência do “outro” na vida de cada indivíduo, “Ser” em constante movimento,
que se desestrutura e se reestrutura conforme seus relacionamentos, em direção ao seu
crescimento pessoal, inclusive, precisa conhecer que encontros desajustados podem bloquear o
funcionamento das pessoas com quem se convive.
Alerta a revisão da literatura a grande valia de um encontro significativo entre
as pessoas, ao mesmo tempo em que demonstra que a modernidade conduz os indivíduos em
direção ao isolamento. Como indica Buber (2009), o contato inter-humano somente acontece
através de um diálogo verdadeiro, quando as pessoas falam um-ao-outro, com toda seriedade,
mas enfatiza o filósofo que o homem moderno está acostumado a falar para o outro, com olhar
analítico e dedutivo.
Informa o reclamante 11 que este inter-humano a que se reporta Martin Buber
não aconteceu na sessão de audiência quando o Juiz sequer dirigiu o olhar para ele, alegando que
dialogaram todos sem a sua participação, ou seja, não se firmou a conexão proveniente de um
diálogo genuíno mencionada por Freire (1987), de modo que a fala e a escuta não se
solidarizaram no encontro. O profissional não se posicionou dentro da relação com este
reclamante, para citar Amatuzzi (1989).
Os recortes de fala aglutinados nesta tematização demonstram a necessidade
de se trabalhar com os recursos humanos da Justiça do Trabalho, para aperfeiçoar a
intersubjetividade que se apresenta na relação, valorizando-a, como propõe o pensamento
humanista, para tornar os encontros significantes e impulsionadores do potencial de crescimento
do homem. Afirma Carl Rogers (1983), o ser humano não pode mais ser tratado como uma
máquina que, diante de uma causa, responde com um efeito determinante.
A literatura já demonstrou que o homem da modernidade se isola e se
desumaniza a cada dia, sendo fundamental cada vez mais valorizar a presença do outro na vida
cotidiana, escutar e falar para se conectar com o mundo e consigo mesmo. A instabilidade e a
impermanência desta Era Tecnológica e Global afastam o ser humano do contato olho-no-olho. A
solidão impede o diálogo verdadeiro e renovador entre as pessoas e conduz ao sofrimento,
angústia e comorbidades.
O turbilhão de transformações da vida moderna arrebatou do homem os seus
valores mais tradicionais e sólidos, para fixá-lo em um território mutante e inconstante, sendo
149
mais urgente a necessidade de laços relacionais mais significativos, para sustentá-lo firme e
seguro no seu caminhar para adiante, em busca de escolhas responsáveis e coerentes consigo
mesmo, pois como comenta Rogers (2008), é no partilhar de experiências que o “eu” consegue
triunfar seguro e confiante, pois harmoniza o ser-no-mundo e o prepara para as múltiplas escolhas
oferecidas pelo mundo moderno.
As instituições sociais, principalmente o Poder Judiciário que luta pela
pacificação da sociedade, precisam reformular suas pautas para dar conta de todas as exigências
proporcionadas pela vida do homem moderno, solitário e conflituoso, reestrutrurando seus
recursos humanos para realinhá-lo para o diálogo genuíno, em que a fala e a escuta são essenciais
e transformadoras.
A presença do outro precisa ser muito mais do que um simples contato
superficial ou representativo de um papel social, para impulsionar o processo de crescimento de
todos os envolvidos em um relacionamento, entregando a cada um a sua cota de responsabilidade
pela condição humana. Assim, o encontro em audiência deverá ser significativo e restaurador,
onde o diálogo ultrapasse o simples soltar de voz e represente um contato que prevaleça a fala
autêntica e verdadeira; onde a relação inter-humana seja essencial do tipo EU/TU e não
EU/ISSO, para citar Martin Buber (2009).
Esse diálogo, a que Amatuzzi (1989) chama de genuíno, precisa acontecer na
sala de audiência para que o magistrado funcione como auxiliar das forças de atualização das
partes. Para tanto, o juiz precisa ser dialógico, firmando sua presença no encontro e permitindo o
ouvir-participar.
Outra tematização foi extraída das falas dos jurisdicionados, o sentimento de
injustiça provocado pela parte adversa, definida como uma manifestação de indignação ou de
constrangimento com atitudes da parte contrária na ação trabalhista. Observe-se:
“[...] não é verdade, então isso assim pra gente é um constrangimento, eu acho assim, você fica magoada [...]” (RECLAMADO 2) . “Injustiçada [...] [...]em momento algum eu quis prejudicá-los, entendeu... então assim... horrível... porque eu sempre agi de boa fé[...] [...] eu não merecia, o que eles fizeram, não merecia [...]”(RECLAMADO 7) .
150
“[...] ele quer reclamar algo que ele não tem direito, isso realmente deixa a gente constrangido... ... a empresa paga tudo correto, tudo certinho e de repente você vê uma pessoa reclamando algo que não tem direito [...]” (RECLAMADO 16) . “Imagine, né, minha filha... a gente quer ajudar as pessoas, mas os mais prejudicados são as pessoas, né? O cara chega pedindo ajuda a você, de repente ele trai você [...] [...] pessoas que num quer trabalhar, só quer infernizar a sua vida [...]” (RECLAMADO 14) . “ [...] eu me senti um pouco injustiçada, porque não tinha provas é... materiais para é... provar realmente o que constava naquele processo, por exemplo eu sempre fui uma pessoa que paguei com os meus direitos, a reclamante fez que eu não pagava os salários e eu pagava, que eu não pagava décimo terceiro, tudo bem, eu pagava décimo terceiro e pagava os salários [...] [...] então eu me senti injustiçada [...]” (RECLAMADO 18) . À semelhança dos reclamados, esta tematização se apresenta nos recortes de
falas dos reclamantes, que revelam atitudes consideradas injustas pelo autor e praticadas pela
parte reclamada. Como se pode ver das falas abaixo:
“[...] aí ficava muito rim pra o trabalhador, né? Sem receber nada trabalhando num canto longe, e num receber nada [...]” (RECLAMANTE 2) . “Não, infelizmente eu me senti muito... ... atingida, não... assim, é lesada, eu me senti muito lesada, porque eu trabalhei em uma função, acabaram dizendo que eu trabalhei em outra, assim, me chamando de mentirosa... ... eu me senti muito lesada” (RECLAMANTE 5) . “[...] no momento tô me sentindo prejudicado, porque a empresa faz uma propaganda tão grande... ... e tratam os funcionários tão mal [...] [...] trata os funcionários como se tratava numa escravidão no século passado [...] [...] principalmente com termos de tratar as pessoas, eles acham que são da região sul, são melhores do que os nordestinos e humilham muito com palavras que chegam a deixar a sua moral lá em baixo [...] [...] eles tratavam lá os funcionários como se tratam um cachorro, eu acho que nem um cachorro é tratado do jeito que eles tratam... ... porque você sofrer ameaças constantemente de um supervisor é... ser proferido com palavras de baixos escalões, como nordestino preguiçoso, nordestino burro [...]” (RECLAMANTE 10) .
151
“Eu acho que eu me senti um pouco prejudicado, né? Porque eu pensei em ganhar alguma coisa, e ao mesmo tempo fui prejudicado, porque fiz um acordo sem lógica, sem nada, pra receber uma mixaria daqui a dois meses ainda. Não achei muito legal, não, não fui muito de acordo [...]” (RECLAMANTE 14) . “[...] tô sendo vítima, mas foi justamente por isso que eu estou, fiquei indignado, porque já que eu tô sendo acusado de uma coisa que não fiz [...]” (RECLAMANTE 16) . A gama de sentimentos encontrados nos recortes das falas dos jurisdicionados
somente revelam a subjetividade presente no encontro firmado em audiência. Encontram-se
reclamos de injustiças, mágoas, constrangimentos e humilhação. Corroborando o que aduziu
Macedo Júnior (1999), que o procedimento de investigação dos fatos realizado através do
processo, inevitavelmente, provoca o acirramento dos ânimos, por promover um reavivamento
dos acontecimentos que ocasionaram o conflito. A ouvida dos depoimentos, tanto das partes
como das testemunhas, traz outros dissabores e desgastes, dificultando cada vez mais o
desempenho do papel do Estado de pacificação.
É visível a carga emotiva encontrada nas falas das partes durante uma sessão
de audiência, que muitas vezes nublam a percepção dos reais motivos da contenda e dificultam o
alcance da solução. Neste momento, é imprescindível o interesse do magistrado em atuar na
obtenção da solução amigável da contenda, posto que, estando de fora do conflito, poderá
perceber, após a instalação de um diálogo genuíno, onde a fala e a escuta são verdadeiras, os
motivos que impulsionam a contenda e que estão escondidos (MACEDO JÚNIOR, 1999).
Destaca-se a fala do reclamante 14 que revela os seus sentimentos após ter
firmado uma conciliação judicial, manifestando-se que se sentiu prejudicado e alega ter feito um
acordo “sem lógica, sem nada, pra receber uma mixaria daqui a dois meses ainda. Não achei
muito legal, não, não fui muito de acordo”. Essa fala demonstra que a conciliação precisa ser
mais discutida com as partes, para que todos os pontos fiquem esclarecidos e não se permita que
seja firmado o acordo sem a inteira satisfação dos conflitantes, que saem da sessão com
sentimentos desfavoráveis, que somente maculam a imagem do Poder Judiciário.
152
Destaca-se mais uma vez a fala do reclamante 5 que se sentiu injustiçada pela
parte demandada, além de ter se sentido impotente por não ter falado tudo que precisava ser dito.
Estes recortes provocam uma reflexão sobre toda a carga emotiva que invadiu esta pessoa
atendida pela Justiça do Trabalho e que saiu da sessão com tantos sentimentos negativos, e já
apontam a necessidade urgente de humanização no Poder Judiciário do Trabalho.
Quiçá toda essa carga valorativa expressada nos sentimentos das partes seja
reflexo da ausência de oportunidade para a fala e para a escuta, findando a sessão com todas as
sensações para serem expressadas pelos jurisdicionados. A pesquisa se mostrou como o espaço
para o desabafo das partes.
A Expectativa de Justiça também constituiu uma tematização nas falas dos
reclamados e dos reclamantes que se conceitua nas manifestações de que aguarda a solução justa
oferecida pela Justiça do Trabalho. Demonstram:
Reclamado 12 “[...] então eu tô me sentindo bem, confiando que a justiça será feita” (RECLAMADO 12) . “[...] primeiro a necessidade de que seja feita a justiça efetivamente... ... que se apure realmente a verdade dos fatos e que a Justiça seja feita no sentido de que se apure efetivamente o que consta nos autos... ... De que a Justiça seja feita conforme princípio maior” (RECLAMADO 3) . “... e eu só aguardo desfecho favorável aquilo que eu apresentei, junto com documentos, advogado e testemunhas” (RECLAMADO 5) .
Observem-se nas falas dos reclamantes que os mesmos sentimentos são
expressados e que se coadunam com a presente tematização:
“Sentimento que seja feito justiça, né?... Feito a coisa certa” (RECLAMANTE 1) . “[...] o meu objetivo maior é identificar a resposta da Justiça diante de um fato como este [...]” (RECLAMANTE 6) .
153
“[...] então eu tenho certeza que vai solucionar o meu problema.” (RECLAMANTE 9) . “Tô um pouco ansioso para a determinação do Juiz, pra o que vai me acontecer... ...tô ansioso pra ter, querer os meus direitos, não é? Perante a empresa, não é?” (RECLAMANTE 12) . “Estou me sentindo bem, porque eu tô atrás de um direito meu, né? Que a empresa não pagou, e eu tô me sentindo bem por isso, né? Eu tô me sentindo bem, é, eu tô torcendo pra que dê certo e a lei permite” (RECLAMANTE 13). “Muito favorável, muito favorável, muito boa e tudo indica que eu vou ganhar [...]” (RECLAMANTE 17) . As falas das partes coincidem quando exprimem manifestações de expectativa
de justiça na atuação do Estado-juiz, reforçando a função pacificadora do Poder Judiciário e
confirmando o entendimento de Faria (2005) que as partes ainda aguardam no Judiciário a
solução dos seus conflitos e que, como assegura Nalini (2010), a sociedade atual ainda associa o
juiz à “imagem de justiça”.
O modelo atual do Estado contemporâneo convive com a promoção da plena
realização dos valores humanos e sociais, como referido por Dinamarco (2009), assim, precisa-se
trabalhar o magistrado responsável pela função jurisdicional de pacificação dos conflitos com
justiça, para que os anseios da sociedade sejam respondidos.
É importante ressaltar o que adverte Vianna et al. (1997) que o
constitucionalismo moderno trouxe consigo a incorporação do ideal de Justiça, capaz de orientar
os valores que formam o sistema político e as expectativas da sociedade, e que se firmam nos
princípios que compõem a ordem jurídica.
A espera no Poder Judiciário se harmoniza com a literatura que afirma que os
jurisdicionados confiam nas decisões deste poder para solução dos seus conflitos. Ainda resta
confiança no magistrado como capaz de resolver as contendas do meio social com Justiça.
Em pesquisa realizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros, em que
se pretendeu identificar a “Imagem das Instituições Públicas Brasileiras”, realizada em setembro
154
de 2007, obteve-se como resultado que 45,5% dos entrevistados confiam nos juízes, enquanto
que 41,1% não confiam. Quanto ao Poder Judiciário, 41,8% confiam na instituição, em
contraponto a 50% que não confiam (AMB, 2007).
Estes achados são preocupantes por revelar uma imagem negativa do Poder
Judiciário e de seus magistrados perante a sociedade já tão conflituosa. A confiança no Poder
Judiciário é uma condição essencial para a harmonia da sociedade, que precisa, antes de tudo,
acreditar no Estado, representado pelo juiz, sob pena de se instalar o caos e a desordem. É
importante registrar que poucos jurisdicionados conhecem o trabalho e a função deste órgão do
Estado, o que contribui para a sua desconfiança.
Outro olhar junto ao cidadão revelado pela pesquisa da AMB (2006),
intitulada como “Barômetro de Confiança das Instituições Brasileiras”, demonstra que apenas 8%
dos entrevistados conheciam bem o funcionamento do Poder Judiciário, sendo que 45%
afirmaram que conheciam “mais ou menos” e 46% apenas de “ouvir falar” ou “não conhecem”.
A confiança neste órgão perpassa pelo grau de conhecimento das atividades jurisdicionais, eis
que 44% dos que confiam conhecem o funcionamento, enquanto que 45% dos que não confiam
estão enquadrados no segundo tipo de entrevistados, que apenas ouviram falar ou não conheciam.
Diante dos percentuais acima, pode-se concluir que há necessidade de maior
esclarecimento sobre a função do Poder Judiciário, objetivo que poderá ser atingido através de
uma aproximação com a sociedade, da informalidade de suas atividades e do aperfeiçoamento do
relacionamento com os jurisdicionados.
Nos achados da pesquisa fenomenológica realizada neste trabalho, pode-se ver
uma tímida aproximação do magistrado trabalhista com a sociedade paraibana, quando se reflete
nas falas dos jurisdicionados sentimentos positivos quanto à atuação do Tribunal Regional do
Trabalho da Décima Terceira Região. Vejam-se os relatos abaixo transcritos que formam outra
tematização.
Assemelham-se nos jurisdicionados a tematização satisfação com a atuação
da Justiça do Trabalho da Paraíba, definida através dos recortes de fala que demonstram um
bem-estar na sessão de audiência ou expressão de satisfação com a atuação do magistrado
durante a sessão. Comentou-se:
“Eu me senti confortável, o Juiz deixou plenamente aberto, nós, não houve pressão nenhuma [...]” (RECLAMADO 5) .
155
“[...] me sinto bem, sou muito bem recebido aqui graças a Deus, quando eu venho, tá entendendo? Saí satisfeito (risos) [...]” (RECLAMADO 16) . “Não, foi tranquila a audiência [...]” (RECLAMADO 10) .
Os autores da demanda apresentam em seus recortes de fala a mesma
tematização de satisfação com a atuação da Justiça do Trabalho da Paraíba, que se caracteriza
através de expressões de satisfação, de tranquilidade ou de alívio com a atuação da instituição.
Verifique-se:
“Eu achei o Juiz ele teve realmente uma iniciativa muito boa, muito boa, tá? Ele foi realmente imparcial, mas ele exerceu a função com bastante é... categoria.[...] [...] isso aqui é show de bola, porque eu fui ser testemunha de um amigo meu em Recife, que ele me convidou pra ser testemunha dele... ... a Justiça de lá, com relação ª... ... se a gente for fazer um comparação, aqui realmente a coisa tá bem mais organizada, bem mais estruturada, bem mais na frente, lá a coisa tá muito no papel [...]” (RECLAMANTE 6) .
“[...] o desempenho da audiência foi bom, o Juiz e o pessoal, as perguntas que foram feitas foram claras e eficientes [...] (RECLAMANTE 9) .
“[...] o Juiz excelente.” (RECLAMANTE 17) .
As posturas adotadas pelos magistrados referidos nos recortes de fala atendem
às exigências da democratização do Poder Judiciário, pois demonstram uma certa aproximação
com o público e, consequentemente, com a vida social, no dizer de Vianna et al.(1997).
Estes profissionais contribuem para o processo de humanização das ciências,
posto que permitem um bom relacionamento interpessoal com os jurisdicionados e semeiam um
terreno fértil para a implantação de um diálogo verdadeiro do tipo EU/TU, para citar
Buber(2009).
As falas dos reclamantes não registram a presença de um magistrado
dominador, arrogante ou opressor, que pretende apenas a manutenção do poder, ao revés, a
156
satisfação das partes comunica que estes profissionais trabalham a serviço do sistema social e
atuam com autoridade racional, como definido por Fonseca(1983).
Os recortes identificam que, na atuação da Justiça do Trabalho paraibana,
existem alguns magistrados caminhando na direção do Acesso à Justiça, na medida em que
estabelecem um bom relacionamento com as partes, mas muito ainda precisa ser feito para
reduzir a distância entre este órgão e a sociedade e para aperfeiçoar os seus recursos humanos
para atender às novas exigências da modernidade.
4.3.2 Peculiaridades das vivências dos jurisdicionados.
Analisando os sentimentos extraídos das falas dos jurisdicionados, pode-se
delimitar elementos significativos peculiares aos demandados, enquanto que outros eixos se
apresentaram tão-somente nas vozes dos reclamantes, de modo que foram isoladamente
identificados.
No primeiro subtítulo seguem os eixos de significados apresentados nas falas
dos reclamados, das quais foram extraídas as tematizações específicas e enquadrados os
respectivos recortes, bem como foi elaborada a tabela para facilitação da apreciação do teor dos
resultados apresentados nesta pesquisa.
.
4.3.2.1 Eixos de significados específicos do reclamado.
Com o olhar direcionado para os reclamados, foi possível captar dos
depoimentos tematizações peculiares aos que ocupam o polo passivo das reclamações
trabalhistas. Demonstra o quadro abaixo as tematizações dos reclamados:
TABELA 3 (RECLAMADOS)
TEMATIZAÇÕES DEFINIÇÃO
157
Atitude técnica diante do encontro estabelecido em
audiência.
Manifestação de ocupação do papel social de
representante da empresa, falas que exprimem
atitudes técnicas, sem envolvimento humano.
Demonstração de satisfação com a conciliação
como meio de resolução do conflito de interesses.
Definida como manifestação de sentimentos com o
acordo realizado em audiência como meio de
solução da contenda de Direito Material.
Dos depoimentos dos empregadores, muitas vezes representados por seus
prepostos, pode-se perceber uma tematização relacionada a estes, a atitude técnica diante do
encontro estabelecido em audiência, como se mostra através da manifestação de ocupação do
papel social de representante da empresa, falas que exprimem atitudes técnicas, sem
envolvimento humano:
“Muito tranquilo, eu acho que, por conta até do exercício da função, de vez em quando eu participo de audiência, e essa é mais uma” (RECLAMADO 3) . “Eu fiz a minha obrigação, meu trabalho é esse, só” (RECLAMADO 9) . “Bem, normal eu tô acostumada a vir pra audiência, sempre fui preposta da empresa” (RECLAMADO 13) . “Bem, né, porque todo dia a gente faz acordo... ... se num fizer, também, né? Num... eu sou preposto” (RECLAMADO 15) . “Não, normal, como eu já tô acostumada a vir sempre pra audiência, é mais uma [...] ” (RECLAMADO 16) . Esta atuação técnica dos reclamados poderá prejudicar o relacionamento inter-
humano e a qualidade do encontro, pois a simples representação de um papel social impede que a
outra parte seja vista como “humano”, o que dificulta a instalação de um verdadeiro diálogo.
Como sustenta Amatuzzi (1989), na atuação profissional não acontece o diálogo verdadeiro
quando se enfatiza o papel social, se representa e se isola em uma posição inabalável e se fala
158
como profissional e não como humano sob o argumento da neutralidade, o que se aceita é uma
neutralidade; na linha do respeito e não uma ausência da presença.
No diálogo genuíno as pessoas precisam se apresentar de forma autêntica e
verdadeira e não como mero papel social para poder falar ao outro. Continua Amatuzzi (1989),
que a fala deve ser dirigida “a” para chegar ao outro “pessoa” e revelar o seu centro; somente
assim o outro com quem se relaciona se constitui como pessoa e não tão-somente como uma
“instância fictícia”, que resume sua existência ao fato de escutar.
Dirigindo a pesquisa para o ato da conciliação judicial, tal como manifestado
na análise das tematizações dos magistrados, a atuação do reclamado como simples representante
de um papel social dificulta ainda mais a obtenção de uma solução amigável entre as partes, pois
impede o fluir da fala autêntica e a escuta ativa na condição de pessoa, sendo expresso no
momento da conversa apenas um palavreado, para recordar Buber (2009), uma voz revelada
através de sons, sem significados, que não identifica a vontade real do falante e que torna o
encontro superficial.
Diante deste tipo de encontro, mais se exige do magistrado na sua atuação
como pacificador do conflito, mais se mostra evidente a necessidade de se habilitar o juiz com
conhecimentos da Psicologia para atravessar estas barreiras impostas pela institucionalização da
relação acontecida em audiência.
A representação da empresa por um preposto, simples ocupante de uma
posição institucionalizada, dificulta a atuação de um conciliador por, muitas vezes, este
representante se encontrar alheio aos problemas do outro. Mas, com habilidade e sensibilidade, o
magistrado poderá trazê-lo para o encontro e mobilizá-lo para dialogar, permitindo uma
participação da empresa naquele evento, através da presença ativa do preposto.
Extrai-se das falas dos reclamados outra tematização relacionada à
demonstração de satisfação com a conciliação judicial como meio de resolução do conflito de
interesse, definida como manifestação de sentimentos com o acordo realizado em audiência,
como meio de solução da contenda de Direito Material. Observe-se:
“[...] a gente pensou no acordo para tentar resolver logo o conflito [...]” (RECLAMADO 2) .
159
“Tranquilo, porque eu gosto muito de... não de briga, mas de acordo, qualquer pendência, qualquer problema que eu participo da resolução dele eu sempre busco logo resolvê-lo de forma que as duas partes saiam satisfeitas [...]” (RECLAMADO 6) . “Bem, foi um acordo já feito antes, tá entendendo? E graças a Deus eu gosto muito de trabalhar de uma maneira que não deixe inimizade, que não deixe atrito, que não deixe nenhuma dúvida[...]” (RECLAMADO 16) . “[...] a gente tá aqui pra que tudo dê certo em ambas as partes... ... que tudo fique tranquilo entre as duas pessoas[...]” (RECLAMADO 17) .
A satisfação com a solução encontrada voluntariamente através da conciliação
confirma a assertiva já tão defendida pela literatura de que o acordo é a melhor solução para o
conflito, principalmente quando oriunda da vontade espontânea das partes, sem imposição do
Estado-juiz.
Comenta o reclamado 6 que, com o acordo as duas partes saem satisfeitas. No
mesmo sentido afirma o reclamado 16, que o acordo não deixa inimizade, nem atrito entre os
litigantes, corroborando a assertiva de que a conciliação, quando é produto da vontade das partes,
soluciona o litígio na sua origem, ou seja, no seio social, o que tem uma força pacificadora
concreta.
Sustenta Souza (2004) que a conciliação, como meio alternativo de solução
dos conflitos, apresenta resultado mais justo e adequado aos interesses dos conflitantes. Além do
mais, evita o reviver dos fatos e o desgaste emocional proporcionado pela instrução processual,
como bem comenta Macedo Júnior (1999). Este desgaste provoca inclusive um rasgo na relação
entre os litigantes, que muitas vezes impede a convivência harmoniosa após a solução imposta
pelo Estado-juiz.
Deste modo, a conciliação judicial deve ser estimulada como medida de
solução dos conflitos e aprimorada para obter um resultado satisfatório e que atenda às
expectativas dos conflitantes, proporcionando uma pacificação na origem da contenda, refletindo
no convívio social.
Confirma, ainda, a posição do Ministro Cesar Peluso (2010), quando afirma
que a conciliação é um meio de solução dos conflitos mais pacificador, por ser resultado do
160
diálogo entre as partes, bem como indica a direção certeira do novo Código de Processo Civil,
que privilegia este ato judicial.
É importante registrar que a conciliação deve ser vista muito mais do que um
simples redutor do número de processos que tramitam no Poder Judiciário, para significar um
meio importante para a pacificação da sociedade moderna que se encontra tão marcada pela alta
conflituosidade.
O Poder Judiciário poderá contribuir na reconstrução dos relacionamentos
interpessoais, humanizando a atividade jurisdicional, principalmente a conciliação, que pretende
o consenso e a pacificação do conflito de interesses no seio social.
4.3.2.2 Eixos de significados peculiares aos reclamantes.
Seguindo a mesma direção, foram encontrados eixos de significados
específicos nas falas dos autores das reclamações trabalhistas, como demonstra o quadro abaixo:
TABELA 4 ( RECLAMANTES)
TEMATIZAÇÃO DEFINIÇÃO
Sentimentos relacionados à conciliação firmada. Manifestação de sentimentos de satisfação ou
insatisfação com o acordo firmado na audiência.
Manifestação de dificuldade de comunicação na
audiência.
Relato ou demonstração de incompreensão com os
atos processuais praticados na sessão e no processo
do trabalho.
Manifestação de sentimento de desrespeito com
o jurisdicionado, em virtude da burocracia do
Poder Judiciário Trabalhista.
Toda e qualquer demonstração de insatisfação
com a atuação da máquina judiciária que
ocasionou uma sensação de prejuízo.
Dos reclamantes, pessoas que ocupam o outro lado da relação processual,
pode-se destacar uma tematização referente ao acordo, sentimentos relacionados com a
161
conciliação firmada, que se define como manifestação de sentimentos de satisfação ou
insatisfação com o acordo firmado na audiência. Mostram os depoimentos:
“[...] eu fiz acordo com ele, a gente deu certo pra nós dois [...]” (RECLAMANTE 11) . “[...] fiz um acordo com ele. Aí, ambas as partes ficou satisfeito, umas satisfeito, né? E outra nem tanto satisfeito” (RECLAMANTE 14) . “[...] e perdeu o empregado e só ganhou com isso o empregador” (RECLAMANTE 6) . Este é um aspecto da pesquisa que merece ser identificado, pois marca a
presença de conciliações firmadas sem a real satisfação dos litigantes, o que causa angústias e
frustrações com a atuação do Poder Judiciário. Alerta o magistrado para a necessidade de melhor
trabalhar os motivos da contenda, inclusive permitir um maior diálogo entre os litigantes, para
esclarecer os pontos de ajuste no acordo.
Reporta-se à fala do reclamante 6 que embora tenha firmado o acordo, saiu
acreditando que somente foi satisfatório para o empregador. O mesmo sentimento se vê na
manifestação do reclamante 14, que menciona que somente um dos litigantes saiu satisfeito, e
outro nem tanto.
Muitas vezes a conciliação é firmada tendo o magistrado a visão de que outra
solução poderia ser nefasta para as duas partes, porém não abrindo espaço para que os litigantes
pudessem vislumbrar esta decisão e a adotassem espontaneamente, sem qualquer imposição do
magistrado.
Afirma Rogers (1989) que quando se confia no poder da própria pessoa para
avaliar suas escolhas, após compreender-se a si mesma e sua relação com o mundo exterior,
decide-se de modo coerente a sua vontade e com responsabilidade.
É imprescindível esclarecer que quando a parte não tem a certeza de que a
melhor solução é o acordo e aceita o ajuste por razões outras, que não a sua decisão voluntária,
resultado da sua plenitude como pessoa, fica impregnada em sua consciência a insatisfação com a
atuação do Poder Judiciário, e não partindo de si a aceitação ou rejeição da proposta, tende a
162
responsabilizar o Estado pela sua frustração, trazendo sentimentos negativos quanto ao
magistrado e ao próprio órgão estatal.
Assim, a escolha das partes, seja pela aceitação ou recusa dos termos do
acordo, somente será assumida quando as pessoas envolvidas no conflito puderem vivenciar a
experiência no momento em que ela acontece, ou seja, o magistrado precisa contribuir para que
os jurisdicionados se integrem com o encontro e tenham consciência da sua oportunidade de
escolha, tenham ciência do sentido concreto desta, para que assumam com responsabilidade a sua
opção.
As partes, estando em contato com a experiência de forma plena, encontrarão
um ambiente propício para o desabrochar das falas autênticas e serão responsáveis pela sua
decisão que atingirá a consciência. Ao magistrado não interessará impor sua decisão e mascarar a
intenção das partes, uma vez que também estará vivenciando plenamente aquela fase processual
que será convergente com a sua consciência e sua fala.
Nessa perspectiva humanista, a decisão da parte refletirá exatamente a sua
vontade, não se submetendo a qualquer imposição, seja do magistrado ou da parte-oponente, de
modo que não ficará submetido à avaliação dos outros. A rejeição ou aceitação do acordo será
consciente, e o seu resultado plenamente assumido pelas partes; não ocorrerá a transferência da
responsabilidade para a Justiça do Trabalho.
Do contrário, em uma relação de dominação, sem que as partes vivam a
concretude do evento e façam suas escolhas conscientes, na hipótese da aceitação passiva da
decisão imposta, acontece a transferência da responsabilidade para o opressor, maculando toda a
imagem da instituição. A parte que se submeteu à decisão não toma consciência dela, então a
desaprovação por quem quer que seja lhe causará uma repulsa pelo opressor, a quem culpa pela
decisão. Assim, para uma opção consciente, faz-se imprescindível a mobilização da atualização
das partes.
Outra tematização, que também contribui para o afastamento do cidadão do
Judiciário e dificulta, em muito, uma conciliação satisfatória, refere-se à manifestação de
dificuldade de comunicação na audiência, definida como relato ou demonstração de
incompreensão dos atos praticados na sessão e no processo do trabalho. Veja-se:
163
“[...] cinco não sei, se do mês que vem, não sei o motivo... ... eu acho que poderia ter terminado, mas não sei... ... eu fiquei chateado[...]”,“[...] é questão de chegar aqui e não dá em nada, nem olhar pra mim, eu acho que isso é um descaso de toda jurisdição[...] [...}não entendo muito essas coisas de lei, mas eu acho que essa... quando chegasse ali... já teria, que o advogado passaria tudo para o Juiz, acho que foi a primeira, passou os papéis todos para ele, não sei, acho que ele vai olhar, mas pelo menos saber de mim também alguma coisa, trouxe as testemunhas hoje que era pra trazer, não sei, porque não fizeram nada, se fosse pra só pra isso, eu não deveria nem trazer agora [...] (RECLAMANTE 16) . “[...] eu entendo pouco do assunto, eu sou leigo... ... eu não posso falar de uma coisa que eu desconheço, essa é que é a verdade, mas eu estou falando dentro da esfera de raciocínio que eu consigo atingir [...]” (RECLAMANTE 6) . “[...] o Tribunal do Trabalho ele deveria olhar mais essas empresas, fiscalizar mais a forma deles trabalharem e incentivar os funcionários que são péssimos [...] [...] então o TST deveria procurar melhor antes dessas empresas se locomoverem a outros Estados pois eles deveriam analisar melhor. O meu entendimento é esse [...]” (RECLAMANTE 10) . É destaque dentre as tematizações dos reclamantes a dificuldade de
comunicação diante dos termos técnicos utilizados pelo magistrado e pelos advogados, o que
impedem uma participação efetiva na audiência.
Estes relatos ratificam a posição de Macedo Júnior (1999) de que a
formalidade e a linguagem especializada, utilizadas pelos magistrados e advogados na sessão de
audiência, tornam o evento frustrante para os jurisdicionados que, constrangidos, não conseguem
participar ativamente dos diálogos, quando na verdade deveriam ser os mais integrados, eis que
são os seus direitos que estão sendo discutidos.
A oralidade a que menciona a doutrina trabalhista envolve os elementos da
fala e da compreensão dos atos praticados em audiência, principalmente quando se pretende
conciliar o conflito com a pacificação das partes.
Destaca, ainda, Macedo Júnior (1999) que a oralidade é essencial para a
conciliação satisfatória, pois é na fala e na escuta que devem ser expostas as condições do acordo
ou qualquer outro evento acontecido em audiência. Além do mais, comenta sobre a necessidade
164
de adaptação do ambiente para a conciliação, de modo que proporcione uma situação de
igualdade entre o magistrado e as partes, inclusive no que pertine à comunicação.
A pessoa litiga pelos seus direitos e precisa compreender sobre o tema em
discussão. O Poder Judiciário não pode deixar que as vozes se percam, que haja um palavreado,
no dizer de Martin Buber (2009). É preciso que se instale um diálogo genuíno e que a linguagem
conotativa que advém da legislação trabalhista ou mesmo do trâmite processual seja decifrada
para as partes, para que as maiores interessadas não fiquem alheias ao encontro.
A pesquisa, assim, ratifica a posição acima apontada, de Macedo Júnior
(1999), sobre o desconforto provocado pela realização da sessão de audiência, em virtude dos
rituais formais que confundem os jurisdicionados, por não compreenderem a prática, a linguagem
especializada e a formalidade dos atos processuais, fazendo com que saiam da sessão, muitas
vezes, sem conseguir entender o que se passou no encontro.
Interessante ressaltar o depoimento do reclamante 10, que demonstra uma
falta de comunicação da Justiça do Trabalho com a sociedade, quando se vê no depoimento um
desconhecimento da função jurisdicional exercida pelos órgãos que compõem este ramo do
Judiciário. O reclamante se ressente da ausência de fiscalização das empresas pelo TRT e pela
atuação do TST, contextos em que refogem a competência dos referidos órgãos, revelando o
desconhecimento do funcionamento do Poder Judiciário, o que contribui para a falta de confiança
no mesmo, como demonstrou a pesquisa realizada pela AMB, em 2006.
Assim é possível afirmar que não acontece uma comunicação entre os
envolvidos na relação processual, uma vez que não é facilitada a compreensão da linguagem
falada ou escrita. Como afirma Amatuzzi (1989) a “fala” não é simplesmente o ato de pronunciar
palavra, pois precisa antes penetrar no mundo de quem escuta para ser compreendida e só assim
acontecer a comunicação. O “dizer” do magistrado é coerente com o mundo em que ele vive e
tem muito de tecnicismo, o que dificulta o compreender, perdendo-se o sentido da fala que é a
comunicação. Faz parte da atuação do juiz se fazer compreender ao se relacionar com o
jurisdicionado.
O magistrado, como condutor da sessão de audiência, precisa ser mais atento
para se fazer compreender pelas pessoas que atende, tentando levar ao conhecimento das partes
quais são os seus direitos e os seus deveres, fazendo acontecer o diálogo genuíno entre as pessoas
que formalizam o encontro em audiência.
165
Afirma Souza (2004) que o Poder Judiciário se encontra fragilizado não só
pela morosidade na atividade jurisdicional, mas também pelo distanciamento com a sociedade,
fatos que foram ratificados pelos depoimentos dos reclamantes atendidos pela Justiça do
Trabalho da Paraíba.
Noutro aspecto, a pesquisa demonstra uma terceira tematização com relação
aos reclamantes, manifestação de sentimento de desrespeito com o jurisdicionado em virtude da
burocracia do Poder Judiciário Trabalhista, conceituada como toda e qualquer demonstração de
insatisfação com a atuação da máquina judiciária, que ocasionou uma sensação de prejuízo. Os
recortes das falas apresentam estes sentimentos:
“[...] foi uma... um período grande de espera, porque pra... a Justiça... quando diz que a Justiça é lenta, a gente percebe isso realmente quando se vai fazer um processo... quando se vai entrar com um processo. [...] ontem eu tinha uma audiência também que foi... eu tava aguardando ela desde março e ontem ela foi cancelada devido ao jogo, foi remarcada pra daqui a trinta dias, então isso gera expectativa, gera ansiedade e às vezes interfere no resultado... porque algumas questões são momentâneas, são temporais, você entra com um pedido por alguma coisa que tá acontecendo num período leva seis meses pra ser julgado e você não está mais naquela situação e o Juiz vê que não tem mais o porquê de ser julgado aquilo, ele entende que você tá sofrendo aquilo, mas ele não analisa que na época você entrou, você passava por aquilo, ele vivencia o hoje... ... o Juiz vivencia o hoje... ... o desdobramento seria diferente se fosse ágil [...] ” (RECLAMANTE 3) . “[...] na verdade nem teve, para mim na verdade nem teve... ...passou pra o dia cin[...] [...] eu vim eu acho... eu disponibilizei de tempo, de horário, de tem... acho que o Juiz tem que ver isso a gente tá aí, batalhei ontem o dia todo pra poder trazer três testemunhas, fui atrás, corri atrás, acordei cedo e cheguei aqui[...] [...] é questão de chegar aqui e não dá em nada [...] [...]eu acho que isso é um descaso de toda jurisdição[...] [...] eu acho que era pra tá tudo em pauta do Juiz [...]” (RECLAMANTE 16) . “[...] é um tanto confuso, porque a... tava marcada essa audiência para nove horas da manhã, já são mais de três da tarde, não almoçamos, isso também gera uma certa dificuldade na... na parte de você... é entender, de mexer com a cabeça porque você não sabe, tem o emocional também[...] [...] quanto ª.. esse tempo, foi realmente... complicado, pra mim é uma perca, porque eu vim preparado e com isso me desconcentrei. [...] tava eu e o advogado, e aí ele foi embora... e ele ainda é muito jovem também, terminei sendo prejudicado,
166
porque o outro já tinha outro compromisso dentro desse horário, que se era pras nove, digamos que a coisa acontecesse às onze horas e no máximo uma hora da tarde[...] [...] fiquei de certa forma desassistido porque quem estudou todo o processo foi o outro, é isso disciplina por inteiro, não apenas dentro do ambiente jurídico. Se existe um horário e se esse prazo não dá pra ser cumprido, a gente remarca, a gente vê uma segunda [...] [...] pra ter tempo pra você se reprogramar... ... gostaria muito de acreditar na Justiça, mas diante desses fatos eu vejo que... fica difícil” (RECLAMANTE 6) .
Os recortes das falas dos reclamantes também demonstram sentimentos de
desrespeito da Justiça do Trabalho para com os jurisdicionados, confirmando o ressentimento da
sociedade com a burocratização exagerada, que gera atrasos no atendimento ao público e que
vem fomentando uma desconfiança da sociedade em relação à “Justiça”, conforme demonstra a
pesquisa realizada pela UnB- UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA sobre a “Imagem do Judiciário”
e informada pelo Conselho Nacional de Justiça (2006) durante a proposta do projeto “Conciliar é
Legal”.
O reclamante 3 se ressente da lentidão da Justiça e do adiamento da sessão,
inclusive mencionando que este atraso vai influenciar na decisão do Juiz. O reclamante 16 se
sentiu indignado, pois, também teve a sua audiência adiada, inclusive afirma que “ é um descaso
de toda jurisdição”.
Interessante é destacar a fala do reclamante 6 que se sentiu prejudicado e
desassistido pelo seu advogado, embora tenha firmado um acordo, mas se sentiu desconcentrado
e afirma claramente que sentiu certa dificuldade pelo atraso em muitas horas para a ocorrência da
sessão, o que “mexeu” com a sua cabeça, ressaltando que “tem o emocional também”.
Os depoimentos relatam prejuízos e abalos no emocional em virtude da
burocratização da máquina judiciária e agravados pela falta de comunicação dos magistrados com
as partes. Corroboram os depoimentos a necessidade de serem adotadas posturas menos
burocráticas para não fulminar a credibilidade no Poder Judiciário, bem como confirmam, que na
sociedade atual, o sistema jurídico precisa ser repensado para se estruturar sempre procurando
superar a burocracia, aproximar-se da complexidade da realidade social, prevalecendo a
praticidade sobre o tecnicismo e aplicando a justiça ao caso concreto (CAPILONGO, 2005).
Mais uma vez, comprova-se a necessidade e a urgência em se reelaborar, nos
Planos de Gestão, aparelhos judiciários menos burocráticos, principalmente destinados à
167
conciliação judicial, para que acordos não sejam firmados pela pressão do sistema e sem a
satisfação plena dos litigantes.
Em remate, retrata-se na pesquisa como as emoções estão presentes em cada
momento processual, desde o contato inicial com o magistrado, em audiências onde apenas
aconteceram adiamentos da sessão, quando houve a coleta dos depoimentos e principalmente na
ocorrência da conciliação judicial.
Embora se possa extrair das falas das partes uma satisfação com a atuação do
Poder Judiciário trabalhista da Paraíba, tendo sido destacada a presença de sentimento de
tranquilidade e bem-estar por dois reclamados na sessão de audiência, e nos depoimentos dos
reclamantes comentários sobre a imparcialidade do magistrado, seu bom desempenho na
condução dos trabalhos e na excelência de sua atuação, muito ainda poderá ser feito para
aperfeiçoar a atividade jurisdicional, preparando o magistrado para lidar com toda a subjetividade
presente no encontro da audiência, principalmente quando se pretender aprimorar a tentativa
conciliatória.
Mostra-se, então, tal como já apresentado na literatura, que lidar com a
subjetividade já é uma exigência da sociedade contemporânea, para com o novo modelo estatal
conhecido como pós-social, conforme comenta Capilongo (2005). O Poder Judiciário do Estado
pós-social precisa responder rápido e efetivamente ao grande número e complexidade dos
conflitos e, para tanto, deve aparelhar-se não só com automação, mas com mudanças de posturas
dos magistrados, que além da formação técnico-profissional devem se munir de novos
conhecimentos multidisciplinares, inclusive da Psicologia, para trabalhar com a subjetividade.
Os presentes resultados demonstram a necessidade urgente de se trabalhar o
profissional do Direito, a fim de que seja mais preparado para lidar com o momento em que se
tenta o acordo judicial, pois como assegura Macedo Júnior (1999), o magistrado precisa ter um
interesse autêntico na solução dos conflitos para atingir uma conciliação com justiça. A atuação
interessada é orientação da proposta humanista, que prepara o juiz para atuar como facilitador na
busca pela solução dos conflitos de interesse. Por estar posicionado fora da relação conflituosa, o
magistrado facilitador terá mais serenidade de identificar os reais problemas que estão por trás do
conflito e conseguirá ajudar na busca da solução, pois o emocional das partes ofusca a percepção
e dificulta a tomada de decisão.
168
Os relatos dos reclamantes apresentam um envolvimento pessoal quase que
integral, em que a subjetividade transborda a versão de sentido; percebe-se a necessidade da fala
e da escuta, até mesmo se pode ver em um depoimento, o reclamo de que o magistrado não dirige
o seu olhar para a parte, tendo sido interpretado como um descaso do Poder Judiciário.
Este enfoque aprofunda a necessidade de aperfeiçoamento do magistrado para
lidar com a intersubjetividade, principalmente em um momento em que se busca a solução dos
conflitos por meio de um acordo entre as partes, quando se torna evidente a preparação para
conter e lidar com as tensões e emoções advindas dos conflitantes.
Analisando o momento atual de tentativa conciliatória na Justiça do Trabalho,
percebe-se que o volume de trabalho que assoberba os fóruns nesta Era, a que se chama de pós-
modernidade, impede que muito tempo seja despendido para o acordo judicial. Além do mais, os
magistrados não dispõem de nenhum conhecimento sistematizado para orientá-los neste ato
processual, e a atividade segue na forma mecanizada e sem qualquer expectativa de melhora.
Nesse círculo, a que se ousa chamar de vicioso, onde o excesso de trabalho
serve de cortina para mascarar a face da atividade jurisdicional, perde-se o “homem”, juiz,
empregado e empregador, e se depara com uma crise institucional, na qual o Poder Judiciário é
visto como o mais distante da sociedade, condição incompatível com um órgão “público” na sua
essência e legitimado pela função social, tal como a Justiça do Trabalho.
Em suma, observa-se que as falas das partes e dos magistrados capturadas na
pesquisa fenomenológica realizada junto ao Tribunal do Trabalho da Paraíba demonstram
sentimentos de indignação, injustiças, frustrações, desconfiança, cansaço, irritação e revelam a
intersubjetividade presente na relação firmada em audiência, de modo que o magistrado precisa
ser trabalhado para lidar com toda essa carga valorativa e se preparar para buscar cada vez mais a
aproximação com a sociedade. Os jurisdicionados não podem ser vistos como simples sujeitos da
relação, de forma objetivada, mas precisam ser tratados com corpo e alma, como centro da
atividade jurisdicional e não somente como um “número” de uma demanda judicial.
Esse homem, que se fez parte ou juiz em uma reclamação trabalhista, pode ser
encontrado em sua completude através da força que move um diálogo verdadeiro. A ausência de
máscaras na condução de um diálogo, bem como a necessidade de se ver o outro tal como ele é, e
aceitá-lo, são condições essenciais para que se favoreça o crescimento de todos os interlocutores
e para impulsioná-los em direção à autorealização.
169
O magistrado não obstante se encontre investido na sua função social, não
precisa se colocar por trás da sua “persona” ou máscara social para lidar com as partes em
conflito. Ao revés, precisa ser ele mesmo, com toda sua subjetividade e intelectualidade, respeitar
a parte, compreendendo-a no seu contexto e aceitá-la, para fluir o diálogo genuíno e impulsionar
o seu crescimento pessoal. É preciso resgatar o humano para qualificar o encontro, permitindo
que cada participante, juiz ou jurisdicionado, consiga ser ele próprio, fazendo escolhas coerentes
com a sua vontade, vivencie cada momento como parte de sua história de vida, e não se deixe
simplesmente navegar sem sentido por caminhos desconhecidos, não contribuindo em nada para
o melhoramento da humanidade, e terminem por adoecer em futuro bem próximo.
Comenta-se, portanto, que os magistrados do Tribunal Regional do Trabalho
da Décima Terceira Região convivem diariamente com a subjetividade existente no inter-humano
presente no encontro firmado em audiência, sendo que parte dos ocupantes do cargo afasta-se dos
seus sentimentos, atuando de forma técnica, enquanto que outros se envolvem pessoalmente no
evento. Os reclamados, na sua grande maioria, agem em atendimento a um papel social, sendo
poucas pessoas envolvidas emocionalmente. Assim, diante de toda carga emotiva presente no
encontro firmado em audiência, precisa-se de um Poder Judiciário com atendimento mais
humano para dar conta destes sentimentos.
A imagem do Poder Judiciário desenhada pela pesquisa realizada pela
Associação dos Magistrados Brasileiros, divulgada em 2004, que revelou um Judiciário estático,
moroso, distante e formado por seres “especiais”, foi insatisfatória para um Poder Judiciário que
pretende ingressar na terceira onda mundial de Reforma do Judiciário na busca do Acesso à
Justiça, que pretende uma maior participação do jurisdicionado, uma aproximação com a
sociedade e a obtenção de uma prestação jurisdicional justa, efetiva e rápida, em que os meios
alternativos de solução dos conflitos, principalmente a conciliação judicial, sejam estimulados e
valorizados.
Diante desta imagem negativa do Poder Judiciário, visualiza-se um paradoxo
entre a necessidade de conciliação nos processos judiciais e um perfil da magistratura com
características de distante, insensível e dominador, o que conduziu ao interesse em se realizar
uma pesquisa fenomenológica junto à Justiça do Trabalho da Paraíba, para se saber qual o sentido
da relação estabelecida em audiência para os participantes e revelar como a sessão de audiência
“toca” significativamente cada um.
170
Os resultados desta pesquisa realizada na Justiça do Trabalho da Paraíba
revelam que ainda existem juízes e partes que se posicionam no encontro estabelecido em
audiência em representação ao seu papel social, afastando-se da dimensão humana no evento.
Identificou- se, ainda, a necessidade da fala e da escuta para aprimorar a
relação entre o magistrado e os jurisdicionados, inclusive tendo ficado registrada a dificuldade de
compreensão da linguagem requintada e técnica inerente à atividade jurisdicional.
Os recortes das falas retratam a necessidade de adoção de medidas mais
humanizadoras dentro da instituição, para qualificar a relação interpessoal e contribuir para uma
melhor imagem do Poder Judiciário na sociedade, afastando-o do estigma de distante e frio.
A revisão da literatura demonstra que o contato com o “outro” é de
fundamental importância para a existência dos participantes, que se aperfeiçoam como pessoas,
havendo um crescimento mútuo a partir de um encontro qualificado.
A imagem do juiz como pessoa que “vive em um mundo à parte” tem na
história a sua resposta e precisa ser desmistificada, principalmente em um momento em que a
sociedade se ressente do distanciamento do Poder Judiciário, como mostra a pesquisa realizada
pela AMB (2004).
A Justiça do Trabalho, com maior razão, por ocupar um papel fundamental
dentro do sistema produtivo e do desenvolvimento do país; por ser responsável pelo equilíbrio da
relação Capital/Trabalho, que vive tensionada e é produtora de muitos conflitos, precisa se
aproximar do jurisdicionado para melhor conhecer as necessidades da sociedade e defender a
razão social que a legitima, desempenhando a contento a missão de pacificadora da tão
conflituosa e complexa modernidade.
A sociedade não mais convive em paz com este Poder que não acredita em
seus cidadãos e responde com a desconfiança em sua atuação. É preciso que ideias inovadoras
desafiem estes dogmas que construíram os pilares da organização estatal, para que se possa
mudar o perfil dos Poderes Constituídos e adequá-los às novas exigências da conflituosa
modernidade.
Medidas de solução de conflitos são extremamente estimuladas dentro
deste panorama de alta conflituosidade, entretanto, mostra-se necessário aperfeiçoar os recursos
humanos, principalmente os magistrados, para prepará-los para as funções de conciliadores.
171
A mediação já percebeu a necessidade de qualificação e se apropriou de
conhecimentos da Psicologia para se aperfeiçoar, porém a população brasileira ainda não foi
estimulada a eleger este meio alternativo de solução de conflito, aguardando e confiando no
Poder Judiciário a resolução das suas querelas conforme demonstrado na pesquisa da UnB
informada pelo Conselho Nacional de Justiça (2006). Neste sentido, sugere-se que o Estado
também se aprimore buscando conhecimentos da Psicologia para habilitar os magistrados e
consiga resolver as ações judiciais através da qualificação da conciliação.
Não é demais registrar que a proposta de acordo, muitas vezes, vem sendo
imposta às partes, em uma real demonstração de manipulação, criando-se uma ilusão da
autonomia. À parte não é oferecida a condição de decidir como resultado de sua própria
atualização, sendo sua decisão produto da imposição, seja do magistrado, seja da outra parte. E é
nesse momento em que se pretende humanizar a atividade da proposta conciliatória. O que
ordinariamente acontece na conciliação é a objetivação da parte pelo magistrado, e por isso, na
maioria dos casos, o magistrado funciona apenas como um portador das informações, instalando-
se um monólogo.
Ousa-se propor um novo olhar para a prática da magistratura, para que seja
mais humana e construtiva. É a humanização da magistratura que se propõe com a adoção da
Abordagem Centrada na Pessoa, para aperfeiçoar a relação com os jurisdicionados e inovar a
atividade jurisdicional, principalmente a conciliação, propondo que o magistrado mude o foco da
atenção no desempenho de suas atividades e valorize o indivíduo que está por trás do litígio,
proporcionando um ambiente psicológico favorável e impulsionando os poderes para que o
jurisdicionado possa se atualizar e tomar suas decisões de forma consciente e responsável.
Como afirma Rogers (1989) focalizando a pessoa se promove um impulso
individual para o crescimento, saúde e ajustamento social, removendo os obstáculos e permitindo
que caminhe para frente. A ACP sustenta-se na confiança do organismo humano para avaliar
situações externas e internas e, após compreender a si mesmo na sua interação com o mundo,
consegue decidir por escolhas construtivas e realistas que lhe guiarão em direção a sua harmonia
consigo e com os outros, minimizando a possibilidade de conflitos sociais. Em contraponto, as
organizações estatais adotam o entendimento de que não se deve confiar no homem e, portanto,
ele deve ser guiado, instruído, recompensado, punido e controlado por pessoas que são mais
172
sábias ou possuem status superior. A democracia defende a ideia de que todo poder está investido
no povo, mas se constrói através de dogmas de que o homem é essencialmente violador de regras.
O magistrado, implantando o tão mencionado clima psicológico favorável,
servirá como “auxiliar das forças mobilizadoras” (AMATUZZI, 2009) dos conflitantes e
permitirá que eles experenciem cada momento vivido, com consciência, de modo que todas as
suas escolhas serão coerentes com as suas vontades, ou seja, com aquilo que eles próprios
acreditam.
Fazendo-se um paralelo com as situações postas, afirma-se que a relação
magistrado-jurisdicionado, imposta pelo Poder Judiciário, poderá caracterizar-se como um tipo
Eu-Tu, para citar Martin Buber (2009), quando houver as condições para um diálogo genuíno,
momento em que haverá a mobilização do centro da pessoa e o desenvolvimento do potencial de
autorealização, de modo que o juiz será um verdadeiro “auxiliar das forças de atualização”.
O que se pretende é que nasça uma conversação genuína entre magistrado e
partes, propiciando um crescimento mútuo nestas pessoas, permitindo que a parte decida por si
só, ou melhor, consciente, e se encontre na sua própria decisão. O juiz precisa fornecer a
oportunidade da parte, inclusive, de se contrapor as suas propostas de acordo, respeitando a
vontade do outro como pessoa. É nesse inter-humano que precisa ser qualificada a atividade
jurisdicional na tentativa do acordo, para que a conciliação seja genuína e produto de uma
decisão da parte, em uma verdadeira relação interpessoal de mutualidade e reciprocidade.
Os conhecimentos do psicólogo Carl Rogers sistematizados na Abordagem
Centrada na Pessoa, mostram-se favoráveis para aperfeiçoar o relacionamento interpessoal
formado perante o Poder Judiciário, na medida em que propõe um novo olhar para o homem e se
utiliza de atitudes simples e sem uso de alta tecnologia, apenas convida as pessoas para se
voltarem para dentro de si mesmas, na procura de decisões e escolhas conscientes e coerentes
com seus valores e crenças, quando irão se transformar para se tornarem mais produtivas.
Esta Abordagem vem colaborando com grande sucesso para novas diretrizes
da educação, das teorias de poder e organização sociopolítica, trazendo novos conceitos sobre
poder e revelando a importância da força interna existente dentro de cada pessoa humana, capaz
de transformá-la, promovendo um crescimento pessoal para transpor novos desafios, bem como
propondo que todos os indivíduos que mantenham uma relação de poder, afastem-se das posturas
ortodoxas, rígidas e distantes, e se posicionem como meros facilitadores no processo de
173
desenvolvimento do outro, na medida em que transfiram para o outro com quem se relacionam a
força para fazer suas escolhas com mais satisfação.
Diante da proposta acima e como contribuição para a melhoria da qualidade
do encontro, a Abordagem Centrada na Pessoa, ousa-se dizer, do jurisdicionado, será o ponto de
partida para que se inicie um novo olhar para a atitude do magistrado trabalhista durante a
proposta conciliatória, demonstrando que a modificação na atuação profissional contribuirá para
o crescimento pessoal não só das partes, mas do juiz e resgatará a função pacificadora do Poder
Judiciário.
A nova visão de mundo caminha para a integração do homem com o meio que
o cerca e na modernidade os domínios culturais se engajam em um processo de busca da saúde do
corpo e da mente. O Direito, como ramo do conhecimento científico, não poderá seguir à margem
dessa batalha, devendo contribuir para o desenvolvimento do “eu interior” e para o crescimento
do homem. Como contribuição para o engajamento da ciência jurídica, propõe-se a adoção da
Abordagem Centrada na Pessoa como guia na atividade jurisdicional.
Por tudo que foi exposto, seria importante refletir sobre a necessidade do
magistrado qualificar o relacionamento estabelecido na reclamação judicial para se associar a este
movimento de resgate da saúde do homem ao permitir um encontro com qualidade, no qual cada
um dos participantes vivencie a experiência concreta e possa livremente atuar com seu “Ser” na
solução dos litígios, fazendo escolhas conscientes e se responsabilizando pela sua decisão, sem
transferi-la para o Estado-juiz.
É preciso crer que o homem possui um potencial que o conduz ao crescimento
pessoal, direciona-o para a compreensão de si e o impede agir como autômato. Este impulso para
adiante dos recursos internos é promovido na presença de atitudes facilitadoras que permitem a
implantação de um clima psicológico favorável, que diante de uma escuta ativa e interessada,
deixa fluir a fala autêntica e coerente com o “Ser” do falante. O facilitador precisa ser autêntico e
sincero em suas atitudes, aproximando-se das pessoas sem máscaras, vivenciando o sentimento
que lhe domina no encontro de forma transparente, pois assim transbordará confiança e
segurança. Atitudes de aceitação, interesse ou consideração incondicional, além da empatia,
permitirão que o outro se sinta presente no encontro e experencie seus sentimentos verdadeiros.
O magistrado, ao desenvolver uma escuta ativa, isto é, ao permitir que as
partes revelem seus sentimentos, ou mesmo falem o que pretendem desabafar, sem que as
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condene ou critique e ao se colocar no lugar delas, poderá promover o clima psicológico
favorável a que menciona a ACP.
Assim, a utilização desta abordagem pelo Poder Judiciário poderá contribuir
para o crescimento tanto do magistrado como do jurisdicionado, colaborando para desenvolver a
motivação, impulsionando a criatividade e a confiança em si próprio e em suas decisões.
A pessoa que busca o Judiciário para dirimir os seus conflitos, confia e espera
uma solução com justiça, como demonstrou a pesquisa fenomenológica realizada no presente
trabalho, e quando provoca o Estado através de um processo judicial, aguarda uma decisão que o
alivie de suas angústias. O juiz, com a sua formação jurídica, dotado, pois, de uma gama de
conhecimentos técnicos e assoberbado pelo volume de trabalho, tem dificuldade em perceber que
a sua atividade lida com a intersubjetividade advinda dos conflitos “humanos”. A sua atuação se
traduz em manuseios de folhas de papel ou de páginas eletrônicas, e os fatos se transformam em
mais uma história lida, que terá inevitavelmente sua solução extraída dos registros frios dos
autos.
A imagem negativa do Poder Judiciário captada pelas pesquisas da AMB, em
2004, 2006 e 2007, ressalta o distanciamento e a insensibilidade dos magistrados, mas, ainda
assim, não se conhece, nos planos de gestão administrativa dos órgãos do Poder Judiciário,
projetos para aproximar os magistrados da sociedade, não há previsões de treinamentos para
preparar o magistrado para lidar com o conflito interpessoal que se encontra por trás dos autos
processuais, cristalizados e sem vida. Desse modo, mais e mais o Judiciário se afasta da
sociedade por não se conectar com os anseios dos jurisdicionados, que são vivos e reais. A frieza
da atuação do Juiz tem na sua formação acadêmica a sua origem e na estrutura da máquina
judiciária a sua manutenção.
O desenvolver do processo de autorealização imanente à condição humana
deve ser o foco da atenção do trabalho dos profissionais que lidam com os seres humanos,
principalmente, os magistrados que se envolvem em uma relação patológica da sociedade. Os
conflitos são submetidos à apreciação do Poder Judiciário com o objetivo de serem solucionados
da forma mais pacífica possível, sendo a conciliação a melhor opção, quando alcançado o seu fim
último de “acordo entre as partes”, quando a fala revelar o sentido exato da intenção dos
acordantes, em uma autêntica conciliação humanista.
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Interessante registrar que as atitudes da ACP, principalmente a empatia,
podem ser desenvolvidas através de treino, vários profissionais podem ser treinados a se tornarem
empáticos, não sendo produto de um “dom”, podendo ser apreendidas em pouco espaço de
tempo. A atitude empática se revela quando se aceita o outro sem julgamento ou críticas, para
confirmá-lo como pessoa e valorizá-lo na sua identidade.
É na busca dessas atitudes empáticas na atividade do magistrado durante a
proposta conciliatória que se segue na esperança de que o jurisdicionado se sinta “pessoa” que é,
sem julgamentos ou avaliações; que se confirme com a sua própria identidade.
Relata Carl Rogers (1989) que várias experiências já foram implementadas do
uso da Abordagem Centrada na Pessoa em empresas, e os resultados obtidos demonstraram que
os empregados receberam mais confiança dos chefes, o grau de respeito mútuo entre os
empregados foi extraordinariamente elevado, o relacionamento interpessoal foi melhorado tanto
na comunicação vertical e horizontal, na distribuição de responsabilidades, de escolha e de
tomada de decisão.
A larga experiência da aplicação da ACP poderá comprovar a eficiência de
sua prática em vários campos do relacionamento humano, deste modo se sugere que, dentro de
uma relação estabelecida em um litígio, o juiz possa servir de facilitador, atuando de forma
empática no conduzir de suas atividades.
É provável que muitas resistências sejam encontradas na adoção das medidas
facilitadoras, posto que há uma aparente diminuição do sentimento de poder que o magistrado
detém na sua atividade, mas a possibilidade de ganho para o crescimento do ser humano é a mola
motriz que envolve esta pesquisa dentro das ciências jurídicas.
O magistrado, de um modo geral, inclusive o trabalhista, está treinado a
manter-se no controle e poder da situação perante as partes conflitantes, entretanto, esta postura é
paradoxal à conciliação que pressupõe a vontade livre das partes de acordarem e chegarem a um
consenso sobre o conflito. O juiz, ao homologar uma conciliação, qualificada com atitudes mais
humanas e que resultou da vontade consciente e responsável dos acordantes, estará mais próximo
de alcançar a verdadeira função pacificadora do Estado, atingindo o escopo social da jurisdição
através de uma conciliação humanista.
Conclui-se, a partir das análises das versões de sentido, que os ensinamentos
da Psicologia, não só são necessários, como são essenciais para preparar os magistrados para
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melhor lidar com a intersubjetividade que se apresenta no encontro firmado em audiência e que
se esconde por trás de um conflito.
O resultado da pesquisa poderá servir de luz para a Administração do Tribunal
Regional do Trabalho da Décima Terceira Região repensar a sua atuação junto à sociedade
paraibana e construir novos projetos e planos de gestão, uma vez que oferece subsídios que
poderão contribuir para as discussões da atividade jurisdicional no âmbito interno da instituição.
Nesta pesquisa estão pormenorizados os caminhos percorridos em direção aos
objetivos traçados, assim como os resultados encontrados, que foram discutidos à luz da revisão
da literatura produzida pela comunidade científica. Sem pretender esgotar o tema, propõe-se, ao
revés, novos questionamentos para mobilizar um processo de renovação da atividade
jurisdicional, não só na Justiça da Paraíba, mas como extensão para os demais Estados da
Federação, inclusive em outros ramos do Poder Judiciário, como Justiça Estadual e Justiça
Federal, em todos os seus graus de jurisdição.
Os resultados da pesquisa e a discussão conduzem ao interesse de seguir os
estudos teórico e prático, através de pesquisas com laboratórios, em busca do aperfeiçoamento da
atuação do Poder Judiciário para, em seguida, elaborar-se um projeto de pesquisa sistematizando,
com definição, indicação de atitudes facilitadoras e procedimento, uma teoria sobre a Conciliação
Humanista no âmbito do Poder Judiciário.
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CONCLUSÕES:
O estudo realizado através dos elementos trazidos pela comunidade científica
demonstra um grande distanciamento entre os juízes e a sociedade, o que já aponta para uma
necessidade de uma humanização dentro do Poder Judiciário. Por outro lado, a onda de Acesso à
Justiça exige posturas que minimizem a burocracia e estimulem a resolução pacífica dos
conflitos, principalmente a conciliação como meio de solução das ações judiciais.
Demonstra a revisão da literatura que, para o alcance de uma conciliação
satisfatória, são necessários critérios para a habilitação de um conciliador ou facilitador, que
precisa criar um ambiente psicológico satisfatório, para desarmar os conflitantes e permitir o agir
com consciência e responsabilidade pelas escolhas e decisões.
O facilitador, utilizando-se da Abordagem Centrada na Pessoa, agindo com
empatia, consideração positiva incondicional e autenticidade, atua como auxiliar das forças de
atualização dos contendores, implanta o mencionado clima psciológico favorável e aperfeiçoa o
relacionamento interpessoal.
Os achados da pesquisa fenomenológica junto ao Tribunal Regional do
Trabalho da Décima Terceira Região, que desenhou o relacionamento firmado em audiência entre
juízes e partes, conduzem as seguintes conclusões:
1 Existem no quadro funcional do TRT 13ª Região magistrados que atuam como representantes
de um papel social.
2 Há magistrados que se apresentam na relação estabelecida em audiência na sua dimensão
humana, revelando seus sentimentos, angústias e frustrações.
3 Os reclamantes se envolvem pessoalmente no relacionamento formado entre juízes e partes.
4 Há reclamados que se apresentam na relação como meros representantes de um papel social.
5 Identificou-se a necessidade de fala e escuta dentro da Justiça do Trabalho da Paraíba,
revelada pelos jurisdicionados.
6 Registrou-se a presença da subjetividade experimentada pelas partes, seja no experenciar de
sentimento de injustiça, na expectativa de justiça, na insatisfação com a burocracia ou na
satisfação com a atuação do Judiciário trabalhista paraibano.
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7 Revelou-se a importância para os jurisdicionados da conciliação como meio de solução da
contenda.
8 Evidenciou-se a dificuldade de comunicação entre os participantes, em virtude da linguagem
técnica e especializada do Poder Judiciário.
9 Há magistrados no órgão pesquisado que vivenciam a experiência em audiência com
monopólio de poder.
10 Existem, no referido quadro funcional, juízes que atuam com partilha de poder, permitindo a
participação ativa das partes na sessão de audiência.
11 Demonstrou-se a imparcialidade nas vivências dos magistrados, não havendo diferenciação
de tratamento entre o reclamante e o reclamado, refutando o estigma da Justiça do Trabalho
como parcial para o trabalhador.
Assim, observou-se que há, de forma tímida e incipiente uma mudança no
perfil da magistratura trabalhista do Tribunal Regional do Trabalho da Décima Terceira Região,
quando se percebe a presença de magistrados que permitem uma aproximação com os
jurisdicionados, atuam de forma humana, com partilha de poder e permitindo a atuação das partes
na sessão, indicando um terreno fértil para a implantação de propostas humanizadoras na Justiça
do Trabalho da Paraíba, principalmente na conciliação, que se mostrou importante para os
conflitantes e gerou satisfações e frustrações, precisando, pois, ser aperfeiçoada.
A implantação da proposta humanista no Poder Judiciário, neste momento, na
Justiça do Trabalho, harmoniza-se com um movimento mundial de humanização das instituições
sociais e se associa à luta no combate à mecanização das atitudes provocadas pela burocratização
e automação, que dificulta a comunicação com os jurisdicionados, impede o fluir da fala e da
escuta ativa e provoca insatisfação.
O presente trabalho poderá instigar novas pesquisas, posto que aqui se
apresenta tão-somente um primeiro olhar sobre o sentido da relação estabelecida em audiência,
para as pessoas envolvidas em uma reclamação trabalhista e sugere a preparação da magistratura
com conhecimentos da Abordagem Centrada na Pessoa para habilitar o juiz como facilitador,
preparando-o para conciliar os conflitos advindos do novo perfil da sociedade moderna, plural e
complexa, através de uma conciliação humanista.
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