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Desenvolvimento Rural à Luz da Imprensa Local - Iminência do Desemprego no Setor Sucroalcooleiro Paulista
Resumo
O artigo discute a atuação do Jornal A Voz da Terra face ao processo de implantação da mecanização no setor sucroalcooleiro na região de Assis, interior de São Paulo. Discute a posição política do periódico e, consequentemente, suas conexões com os grupos hegemônicos locais. Evidencia as tensões políticas do passado e traz à luz as relações de poder submersas ao eixo campo-cidade, sobretudo, aquelas envolvendo usineiros e trabalhadores rurais da cultura canavieira. Descortina as ações governamentais, sindicais e os enfrentamentos face a iminência do desemprego no campo. Por fim, a análise do periódico em epígrafe não constatou ênfase aos conflitos no campo, porém exaltou excessivamente a tecnologia empregada no setor sucroalcooleiro e a figura marcante dos proprietários das usinas. Palavras-Chave: imprensa; trabalhador; usineiro; tecnologia.
Rural Development in the Light of Local Press - Imminence Unemployment in Sector Sugar and Alcohol Paulista
AbstractThis article discusses the action of newspaper A Voz da Terra during the process of implementation of mechanization in the sugar cane sector, in the region of Assis, San Paul State. It discusses the position of period and consequently, its connections with hegemonic groups locals. This evinces the politic tensions of past and illumines the inundated power to pivot field-city, especially, the politic tensions that involve factory owners and rural workers of sugar cane. This resulted governmental actions, trade union and confrontations that will result in unemployment in the field. Finally, the analysis of the newspaper in epigraph did not determine emphasis to the confronts int the field, but excessively raised the applied technology in sugar cane sector and the notable figure of the sugar cane and alcohol factory owners. Key-words: Press, workers, factory owners, technology.
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1. O Jornal A Voz da Terra: escritos, história e poder
O artigo procura analisar algumas interfaces dos discursos do Jornal A Voz da
Terra1 trazendo à luz as experiências de lutas dos trabalhadores rurais da cana e tecendo
caminhos que evidenciem como os periódicos se postaram face à implantação da
tecnologia nos campos de duas usinas de açúcar e álcool no interior paulista: Usina Nova
América e Maracaí. A partir de então, realiza-se uma abordagem dos diferentes discursos
construídos por esse meio de comunicação face as tensões iminentes nas áreas
sucroalcooleiras do estado de São Paulo.
Notadamente, observa-se que “o jornal enquanto órgão que tem o papel de relatar a
vida cotidiana de uma sociedade ou de uma comunidade da qual faz parte” (ALVES, 1996,
p.35), acabou não dando tanta visibilidade aos conflitos e confrontos locais onde se
conjugam as duas usinas em apreço. O referido jornal também foi compreendido como
fonte histórica, portanto, lugar de memória que deve ser preservada e estudada no sentido
de fazer aflorar os silêncios promovidos pelos mesmos num determinado contexto histórico.
Por esse viés, destaca-se que
O jornal como fonte histórica não pode ser classificado nem como verdadeiro, nem como falso em si. Pois este é tão somente uma construção que pretende ser verdadeira. No entanto, para a investigação histórica não importa saber se esta fonte é ou não verdadeira, mas sim, como ela foi produzida e quais foram as condições de sua produção (ALVES, 1996, p.35).
O autor assinala a singularidade de se trabalhar com fontes diversificadas na
produção da pesquisa histórica, utilizando inclusive os textos jornalísticos como fonte de
apoio à construção da memória de sujeitos e/ou de grupos sociais. Observa por outro
prisma que o jornal é uma fonte histórica segura e que os preconceitos quanto à veracidade
das informações nele existentes devem ser abolidos (ALVES, 1996, p.35).
O Jornal A Voz da Terra figurou na pesquisa como fonte essencial para as
interpretações das problemáticas que nortearam o tema: Boias-frias face aos
desdobramentos da implantação da mecanização na lavoura canavieira no oeste paulista
no período de 1960 a 2000, período este compreendido pela circulação do jornal em
apreço.
1 O jornal A Voz da Terra encontra-se depositado no Centro de Documentação e Apoio à Pesquisa (CEDAP) da Faculdade de Ciências e Letras da UNESP, campus de Assis.
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Uma das proposições norteadora desse texto pauta-se na prerrogativa das
empresas sucroalcooleiras terem utilizado a imprensa local como mecanismo para formar a
opinião da população da região de Assis a respeito dos possíveis conflitos que a
implantação da mecanização na zona canavieira poderia ocasionar naquela região.
Notadamente, nos adverte Júnior (2013), “se um dado discurso foi publicado num dado
veículo de comunicação é fundamental nos perguntarmos por que isso ocorreu, a que
redes de poder e de interesse está ligado esse órgão de comunicação, que relações este
mantêm com o autor do discurso?”
À luz dessas e de outras questões, assinala-se que nos primeiros anos de
publicação do jornal A Voz da Terra (1963), tornou-se perceptível que circularam em suas
páginas poucas informações a respeito das questões inerentes ao processo de
mecanização das usinas até então citadas. Destaca-se que a postura do periódico sempre
esteve atrelada à premissa de progresso e desenvolvimento para a cidade de Assis e
região, atuando numa linha como defensor destes ideais, tal como é destacado em uma de
suas matérias:
Congresso internacional açucareiroO município de Assis é extremamente agrícola e sua maior cultura é a cana de açúcar; possui 4 usinas que se relacionam com os derivados de álcool e açúcar. Assim, seguem para Cuba os dois empresários Renato de Resende Barbosa e Paulo de Resende Barbosa; estes irão participar de um congresso referente ao setor açucareiro, no qual serão discutidos os fatores sociais e técnicos desse produto (JÚNIOR, 2013, p.238).
Não obstante, destaca-se que ao findar do século XX nos foi legado hipóteses de
que “progresso técnico não conduz automaticamente ao desenvolvimento humano, que a
riqueza gerada não é repartida de modo que minimize a exclusão, as diferenças de rendas
e de capacidades” (DUPAS, 2006, p.74). Nota-se também que a partir do recorte
documental inúmeros artigos jornalísticos foram produzidos por esse jornal enaltecendo
claramente as usinas Nova América e Maracaí, ambas de propriedade da família Resende
Barbosa. A pesquisa evidenciou a ausência de uma preocupação com os conflitos sociais
ocorridos nos campos em que alocam-se estes complexos sucroalcooleiros, pelo menos
em seus primeiros anos de circulação. Consequentemente, observou-se também que o
periódico em questão buscou construir, por meio de suas reportagens e editoriais,
representações que atribuiu destaque aos empresários do açúcar, silenciando, portanto, a
presença e experiências de lutas dos trabalhadores rurais da cana.
Por essa perspectiva, compartilha-se da ideia de que esse sujeito silenciado nas
páginas da imprensa local é uma construção histórica e que isso ocorreu face à sua
exploração nas mais diversas formas de trabalho, suas lutas e outras formas de exclusão
vivenciadas por eles. Nesse aspecto, independentemente de suas representações serem
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evidenciadas ou não por esse ou outro periódico, o trabalhador rural se renova e se refaz
social e historicamente dentro de seus limites e possibilidades.
Suas experiências de luta se imbricam com os discursos construídos pela imprensa
local e desvelam caminhos ainda ocultados de como os sujeitos sociais participam desta
construção histórica, carecendo trazer à luz novas linguagens, novas formas de
compreender e de se perceber no mundo, momento, aliás, em que o sujeito, ao
transformar-se, assume posição de “sujeito concreto, porta-voz de um amplo discurso
social”, segundo BRANDÃO ( s/d), fazendo notar as múltiplas facetas dos discursos
homogêneos construídos e veiculados pelos mais variados setores de determinados meios
de comunicação no país.
A forma como o periódico em apreço realizou as chamadas das notícias,
salientando que um grupo de empresários está se deslocando para outro país, com objetivo
de verificar as novas técnicas e aquisições de tecnologias empregadas no setor
sucroalcooleiro, explicita que, naquele instante, seu olhar ainda não notava a exclusão de
centenas de trabalhadores rurais no ambiente das usinas produtoras de açúcar e álcool.
Por esse viés, torna-se “interesse do historiador verificar o porquê de um dado
pronunciamento ter sido guardado, arquivado, suas intenções, seus objetivos” (JÚNIOR,
2013, p. 238) e até mesmo o seu silêncio! Na mesma linha de reflexão, a pesquisa
constatou que os materiais produzidos pelo jornal A Voz da Terra revelaram vínculos com
as referidas empresas açucareiras locais, pois tornaram-se exacerbados os discursos
enaltecendo esses complexos sucroalcooleiros em seus editoriais, eximindo-se de
problematizar tensões inerentes aos trabalhadores ocupantes de função nas mesmas
usinas.
Outra questão que chamou a atenção nesta pesquisa foi que, em determinados
momentos dentro do recorte documental, o jornal não divulgou nenhuma matéria a respeito
da existência de conflitos em outras regiões do estado de São Paulo envolvendo os
trabalhadores rurais da cana. A título de exemplificação, chamamos a atenção para o
conflito da cidade de Guariba, também interior de São Paulo, tema da dissertação de
mestrado de Pereira (2001). Face à magnitude do confronto, o tema foi amplamente
divulgado por outros jornais da época como a Folha de S. Paulo, por exemplo.
Notadamente, a afirmação acima indica que a divulgação de tais conflitos pela
imprensa local poderia fomentar outras tensões na região de Assis, sendo mais uma
motivação aos anseios já latentes dos trabalhadores rurais da cana e/ou de outras culturas
ligadas a agricultura, podendo tais tensões comprometer o desenvolvimento do chamado
agronegócio2 em curso na região em questão.
2 Agronegócio é "a soma total das operações de produção e distribuição de suprimentos agrícolas, das operações de produção nas unidades agrícolas, do armazenamento, processamento e distribuição dos produtos agrícolas e itens produzidos a partir deles", segundo João Batista Padilha Junior.
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Conclui-se preliminarmente que os usineiros locais exerceram influências no
posicionamento político do então periódico pelo menos em seus primeiros decênios de
existência. Essa afirmação torna-se possível uma vez que o fato teria sido ignorado pelo
periódico local e teria ganhando relevo nas páginas do jornal Folha de São Paulo. Partindo-
se dessa premissa, “mesclam-se vários interesses particulares” no que se refere a postura
assumida pelo então periódico local, pois é notável a aproximação e distanciamentos de
grupos políticos com este, sendo estes movimentos realizados conforme conveniências do
momento, como bem explicitou Maria Helena Capelato (1984, p.34). Reportando-nos ao
então jornal, nota-se que, por se tratar de uma empresa voltada ao setor econômico,
consequentemente, esta buscava acumular lucros. O periódico em sua essência dependia
da propaganda ou de matérias pagas para a sua sobrevivência e que, muitas vezes,
nessas idas e vindas da economia local, os interesses econômicos nortearam a sua
posição política e ideológica.
Quanto ao discurso de progresso e desenvolvimento para a região de Assis, interior
paulista, o periódico não revelou criticidade face à aquisição de insumos químicos a serem
utilizados nas áreas agrícolas das empresas em discussão como bem demonstra o excerto
abaixo:
Herbicida capina cana muito mais depressa do que o homemEnquanto na maioria das plantações de cana-de-açúcar um homem leva 25 dias para capinar um alqueire paulista, hoje para muitos usineiros isso já é realizado em um dia com o mesmo homem. O segredo está na técnica: antes o capeamento era feito com enxada e em seguida foi substituído pelos herbicidas – produtos químicos que impediam o crescimento do mato – deixando a lavoura protegida por dois meses. O produto chama-se herbicida 2.4-D e é apresentado ao comércio com diversos nomes; vale a pena este sistema de capina química com herbicida, é mais econômico, mais rápido e mais eficiente (A Voz da Terra, 27/11/1970, p. 4).
Conforme o excerto descrito acima, não se demonstra preocupação com a exclusão
que os trabalhadores rurais “boias frias” e outros trabalhadores manuais sofreriam com o
uso maciço da implementação tecnológica no campo, não se preocupa, também, com
outras questões sociais e ambientais que envolviam a biodiversidade e a própria segurança
alimentar da nação.
Nesse aspecto, percebe-se que, nas tessituras do ideal de progresso do então
jornal local e no engenhoso discurso do mesmo face ao desenvolvimento econômico
advindo do setor sucroalcooleiro paulista, a matéria jornalística intitulada: “Herbicida capina
cana muito mais depressa do que o homem” torna cristalino o enaltecimento da tecnologia
a ser absorvida pelas práticas do agronegócio, sinalizando a ideia de que os braços
humanos já não davam mais conta da produção em larga escala, que já não atendia as
http://200.132.139.11/aulas/Agronegocio/A2%200Segundo%20Semestre/Fundamentos%20do%20Agroneg%C3%B3cio/Textos%20obrigat%C3%B3rios%20PROVA/Vis%C3%A3o%20sist%C3%AAmica.pdf Acesso em: 10 de dezembro de 2015.
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necessidades demandadas pelo mercado produtor e consumidor. A questão do
capeamento das ervas daninhas nos campos cultiváveis, que anteriormente era realizada
por braços humanos, fica presente no discurso do jornal o incentivo à sua substituição
trazendo à lume a excessiva valorização do tempo e da produtividade.
Do ponto de vista histórico, essa inclinação da imprensa local e, consequentemente,
dos usineiros no que tange a busca por produtividade em larga escala e substituição de
mão de obra “não é uma questão de técnicas novas a serem usadas, mas de uma
percepção mais aguçada dos empregadores capitalistas empreendedores quanto ao uso
parcimonioso do tempo” como bem observado por Thompson (1998, p. 286).
Nesse interim, o jornal A Voz da Terra dirigiu seu olhar para o desenvolvimento
econômico local sem observar que a região de Assis, interior paulista, não comportava a
demanda de vagas para empregar os trabalhadores rurais oriundos da lavoura canavieira
no setor de serviços nos centros urbanos adjacentes. Nota-se que, mesmo se o mercado
de trabalho absorvesse esses trabalhadores nos centros urbanos da região em questão, os
trabalhadores rurais não apresentariam formação profissional adequada que atendesse o
perfil desejado pelos empregadores urbanos, pois a questão da qualificação profissional
parece não ter sido uma preocupação e/ou prioridade para quem apenas enxergava na
mecanização em larga escala a saída para a produção no setor sucroalcooleiro que viesse
atender as demandas do mercado globalizado como ficou patente nos interstícios dos anos
de 1990 face as políticas econômicas que se pautaram pelo modelo econômico desenhado
pelo neoliberalismo.
A pesquisa, portanto, constatou que nos anos de 1990, reportagens feitas pelo
então jornal A Voz da Terra enalteceram de forma exponencial a mecanização, silenciava
as demandas sociais dos trabalhadores, pois as perdas sociais eram percebidas de forma
muito amistosa ou amenizada como bem expressa o excerto a seguir:
Entra a máquina, sai facão na colheita da canaA cana-de-açúcar é uma das últimas culturas a utilizar a colheita mecanizada no Brasil. Após duas tentativas frustradas de introdução efetiva desta tecnologia, nas décadas de 70 e 80, a colheita mecanizada é hoje uma realidade da qual não se pode fugir (...). A colheita mecanizada da cana, que deve antecipar em alguns anos a aposentadoria do facão: a colheita manual. São inúmeras as vantagens da colheita mecanizada quando comparada com a colheita manual, mas a implantação do processo requer tempo e, por isso, deverá ser gradual (...). O rendimento médio diário de cada máquina é de 350 toneladas de cana picada por dia (...) Sempre que se fala em substituição de recursos humanos por máquinas, imediatamente o fato é relacionado com o ônus social decorrente. Neste caso não é diferente, mas pode ser diluído pelo tempo, porque esta alteração não pode ser feita de imediato. Assim como ocorreu na década de 80, quando a mão-de-obra do setor canavieiro migrou em massa para a construção civil, as grandes regiões de cana do estado convivem com o mesmo drama há algum tempo [grifos nossos] (A Voz da Terra, 14-09-1995, p. 12).
O trecho descrito faz parte de uma série de entrevistas realizadas nos campos das
usinas circunvizinhas à cidade de Assis. Mais uma vez no discurso da imprensa local o
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destaque atribuído à manchete da notícia redesenha um trabalhador passivo partilhando
com a máquina o lugar até então ocupado por ele e com o tempo sob seu controle. Os
pontos destacados na matéria revela certa despreocupação frente às repercussões do
processo de implantação da tecnologia nos parques sucroalcooleiros. Quando enfatiza-se
que “cada máquina corta 350 toneladas de cana por dia, o equivalente a substituição de 45
trabalhadores manuais”, e essa questão não é problematizada pelo periódico sem
questionar os espaços que estes trabalhadores iriam ocupar na cadeia produtiva do capital.
A posição do periódico é de naturalizar a questão da exclusão social, assegurando
que “os trabalhadores seriam diluídos na construção civil”. O questionamento feito é sobre
a disponibilidade de postos de trabalho na construção civil capaz de aglutinar todos os
trabalhadores que evadirem das atividades do corte da cana e a consequente mobilidade
destes do eixo campo cidade.
Face a essa questão, observa-se que “novos processos de trabalho emergem, onde
o cronometro e a produção em série e de massa são ‘substituídos’ pela flexibilização da
produção, pela ‘especialização flexível’, por novos padrões de busca de produtividade, por
novas formas de adequação da produção à lógica do mercado” como bem assinala
Antunes (1997, p.32).
Sob outra perspectiva, um sindicalista rural coloca-se a respeito do desemprego nas
páginas do mesmo jornal, segundo este: “para tentar sanar o desemprego, o trabalhador
rural boia fria fica pulando de emprego em emprego, isso é ruim para ele, pois nem se tem
registro em carteira. Outro recurso encontrado é o emprego de ajudante de pedreiro” (A
Voz da Terra, 14/09/1995, p.12). Para Antunes,
O mundo do trabalho não tem enfatizado, ao menos em suas tendências dominantes, especialmente nos órgãos de representação sindicais, disposição de luta com traços anticapitalistas. As diversas formas de resistência de classe encontram barreiras na ausência de direções dotadas de uma consciência para além do capital (ANTUNES, 1997, p.34).
A mecanização por seu turno, tornou-se ingrediente necessário para a produção em
larga escala de derivados da cana, não importando se esta fosse incorporada aos setores
do campo ou das cidades, porém, caminhava-se para a exclusão em massa de homens e
mulheres trabalhadores(as), sem abertura de novas oportunidades de postos de trabalho
na área rural ou em qualquer outra área. Nesse sentido, pode-se assinalar que os
trabalhadores rurais da cana, bem como os trabalhadores urbanos, viviam naquele
momento uma experiência em “migalhas e sob a condição da incerteza, que é permanente
e irredutível”, inclusive na atualidade (LA TAILLE, 2009, p. 97).
Sob a perspectiva do jornal A Voz da Terra, o seu discurso ufanista trouxe à luz no
período compreendido pela pesquisa (1960-2000) indicações de que “a colheita
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mecanizada da cana deveria antecipar em alguns anos a aposentadoria do facão (a
colheita manual)”, sendo justificado posteriormente o processo: “são inúmeras as
vantagens da colheita mecanizada quando comparada com a manual, mas a implantação
do processo da tecnologia no campo requer tempo e, por isso, deverá ser gradual” (A Voz
da Terra, p.12).
O trecho da reportagem não aponta para uma possível recolocação dos
trabalhadores rurais no mercado de trabalho nem tampouco sinaliza melhorias para os
mesmos, pelo contrário, a implantação da automação no campo faz notar que “direitos e
conquistas históricas dos trabalhadores são substituídos e eliminados do mundo da
produção”, segundo (ANTUNES, 1997, p.32), desvelando um discurso apaziguador e
sucumbindo as experiências de lutas ao descortinar outros discursos já esvaziados do
ponto de vista social e político.
Segundo Dupas (2006, p.88), “implantando-se a ilusão do progresso técnico
redentor, a propaganda se encarregou de explicar e legitimar as razões pelas quais, nas
sociedades modernas, um processo de formação democrática da vontade política deve
abdicar de questões práticas que interessam ao cidadão...”.
Notadamente o processo de competitividade foi acentuada por mudanças de hábitos
também no seio das empresas capitalistas agrícolas, especialmente no momento em que
estas buscavam incorporar novas tecnologias aos seus parques de produção, resultando
no saneamento oculto ou visivelmente dos “antigos” trabalhadores manuais de seus postos
de trabalho sazonais ou fixos. Estes trabalhadores rurais muitas vezes não encontraram
espaços em outros setores, assim, sendo substituídos de forma permanente no processo
produtivo pelo aparato tecnológico que não cessava de se desenvolver.
Em 2001, porém, o jornal A Voz da Terra demonstrou-se um pouco mais
sensibilizado face as repercussões da mecanização no campo no interior paulista, cedendo
espaço para avaliações realizadas pelos sindicalistas rurais da região. O jornal fez notar
que representantes de diversos sindicatos teriam se reunido na cidade de Assis para
elaboração e encaminhamento de documentos que visava sensibilizar os usineiros da
região para não adquirirem mais máquinas para o setor sucroalcooleiro.
Mecanização X Desemprego: Sindicatos preparam documento para sensibilizar usineirosSindicato dos Funcionários Públicos Municipais, juntamente com o Sindicato Rural de Assis e a Comunidade Eclesiástica de Base da Diocese de Assis, preocupados com o desemprego e outros problemas na cidade, como roubo, aumento do consumo de drogas, crianças e adolescentes fora da escola, está redigindo um documento para tentar sensibilizar usineiros da região a não comprarem novas máquinas em substituição ao trabalhador na colheita da cana (...) Nesse momento, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Assis, Luiz Carlos Casachi, lembrou que só a Nova América dispensou 1.040 trabalhadores no corte da cana de 1997 até 2000. A situação é cada vez mais drástica para nossa sociedade, uma vez que a cidade não consegue empregar a demanda de trabalhadores braçais que
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estão sendo dispensados do campo (grifos nosso). (...) O que queremos com esse documento é chamar a atenção de quem tem o poder nas mãos para a importância de se combater o desemprego e demais problemas sociais (grifos nossos) e buscar uma sociedade melhor, com menos desigualdade social (A Voz da Terra, 10/04/2001, p. 03).
A reportagem revelou que não durou muito tempo para que a cidade de Assis e
região percebesse e sentisse de fato as repercussões da implementação tecnológica na
lavoura canavieira, fato, aliás, que não foi evidenciado nas inúmeras reportagens
publicadas pelo periódico local.
A fala do representante dos trabalhadores rurais descortina o discurso elaborado
naquele momento pelo jornal, enfatizando que se tornou visível na região à “demissão de
1.040 trabalhadores” com a utilização de poucas máquinas. Sendo assim, pôde-se
perceber que os centros urbanos não dariam conta de incorporar aos seus escassos postos
de trabalho o contingente excessivo de trabalhadores excluídos das áreas rurais em função
da automação no setor sucroalcooleiro. Por outro viés, Thompson (1998) fez notar que as
questões aqui postas remontam uma preocupação dos trabalhadores rurais e lideranças
sindicais
Não apenas no que tange as mudanças nas técnicas de manufatura que exigem maior sincronização de trabalho e maior exatidão nas rotinas do tempo em qualquer sociedade, mas essas mudanças como são experienciadas na sociedade capitalista industrial nascente (THOMPSON, 1998, p.289).
Outra questão que merece destaque é a descrença dos trabalhadores nos órgãos
governamentais superiores: chefe de estado, governadores estaduais e autoridades
municipais quando os integrantes responsáveis pela elaboração do documento acenam
chamando a atenção de “quem tem o poder nas mãos para a importância de combater o
desemprego” (A Voz da Terra, 2001, p. 03). Nota-se nesse trecho de reportagem que “os
donos do poder” aqui identificados pelos trabalhadores e suas lideranças não são os chefes
políticos locais, mas os usineiros locais! Assim, a relação de poder na contemporaneidade
pode ser compreendida sob a perspectiva de Santos (2002) ao ponderar que:
O poder é qualquer relação social regulada por uma troca desigual. É uma relação social porque a sua persistência reside na capacidade que ele tem de reproduzir desigualdade mais através da troca interna do que por determinação externas. As trocas podem abranger virtualmente todas as condições que determinam a ação e a vida, os projetos e as trajetórias pessoais e sociais, tais como bens, serviços, meios, recursos, símbolos, valores, identidades, capacidades, oportunidades, aptidões e interesses (SANTOS, 2002, p. 266-7).
Por outro lado, a ação dos representantes dos trabalhadores rurais desmistifica a
ideia de passividade dos sujeitos representados nas páginas da imprensa local colocando-
lhes em lugar de destaque no mesmo jornal que outrora havia lhes silenciados. Face a essa
questão, “a história torna-se objeto de uma construção cujo lugar não é o tempo
homogêneo e vazio, mas um tempo saturado de ‘agora”, segundo (BENJAMIM, 1994,
p.229).
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Ao recuperar a ideia de autonomia dos jornais, nota-se que a dependência
econômica das empresas jornalísticas face aos interesses de grupos hegemônicos locais
ou regionais torna-se visível, posto que de forma muito clara visualiza-se que “as empresas
jornalísticas estão nas mãos dos anunciantes em função da própria existência dos
periódicos”, assegura Capelato (1986). Para essa autora, “a opinião dos periódicos nos
primórdios dos anos vinte esteve associada a uma competição pelos lucros, quando o
jornal ganhou características de empresa comercial, a dependência dos anunciantes
limitava a liberdade dos mesmos” (CAPELATO, 1986, p.15).
No tocante a estas questões, nos artigos, reportagens e/ou notícias publicadas pelo
então jornal A Voz da Terra, embora não tenha ficado evidente se as matérias que
circularam diariamente mencionando as empresas compunham-se de matérias pagas ou
não, estas sempre trataram as empresas em destaque de forma enaltecedora, sobretudo
seus feitos e suas perspectivas de progresso e desenvolvimento na região.
O trecho de reportagem a seguir focaliza como ocorreu o processo de aquisição de
recursos para implantação de tecnologias na agricultura regional. Não obstante, esta
enaltece a decisão dos governos em sanear recursos para os agricultores, diga-se:
latifundiários. Posteriormente, sinaliza estatisticamente os espaços ocupados pela
mecanização, trazendo à lume a despreocupação com a ausência do trabalhador rural
neste setor e demonstrando, ainda, desinteresse para com o acelerado processo de
desemprego dos trabalhadores rurais da cana na região de Assis.
Aumenta o número de tratores em uso na agricultura brasileiraMedidas tomadas pelos governadores aumentam o número de uso de tratores na produção agrícola, assim, aumenta o no de equipamentos modernos para intensificar a produção agrícola. Com financiamentos e muitas vantagens colocadas pelo governo federal, fica claro que a produção e venda de tratores aumentarão beneficiando os agricultores, calcula-se, portanto, que as vendas e produção de maquinarias terá um aumento superior a 30% da produção realizada em 1969 (A Voz da Terra, 1970, p. 3).
O jornal em questão valoriza excessivamente o investimento do governo feito na
aquisição de tecnologias destinadas a área canavieira, não questionando os financiamentos
dos equipamentos para a agroindústria nacional, no entanto, explicitou em seu discurso a
sua omissão quanto à figura do pequeno produtor da agricultura familiar, bem como dos
trabalhadores sazonais que atuavam como mão de obra na produção da recente
agroindústria que daria lugar nos anos noventa ao agronegócio. Segundo Dupas (2006),
essa é uma das fases do
Capitalismo regulado pela intervenção do Estado, em que este bloqueou por várias décadas do século passado o conflito entre as classes, assegurando a lealdade das massas com gratificações compensatórias evitando conflitos. Durante esse período, apenas nas periferias do sistema capitalista essas tensões permaneceram (DUPAS, 2006, p.89).
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Em outra matéria o jornal evidencia a dimensão e a potencialidade da agroindústria
no que se refere à produção:
Nova América e Maracaí vão produzir um milhão de sacas de açúcarAs Usinas Nova América e Maracaí ampliam seu parque industrial para produção, assim, aumentaria a sua produção de açúcar de 600 mil sacas para 1.000.000 de sacas. Tendo um investimento de 100 milhões de cruzeiros, aumentando o plantio de cana, de 3 mil alqueires na região de Assis, desta forma aumenta-se a oferta de empregos na produção e na indústria (A Voz da Terra, 09/08/1975, p. 6).
A ideia de progresso e desenvolvimento envolve o ideário do jornal local e
concatena-se ao ideal de Brasil almejado pelos governos militares e, consequentemente,
pelos empresários do açúcar e álcool que estavam em sintonia com a então política
econômica nacional, entrando em contradição com informações publicadas a respeito da
oferta de emprego a ser gerada a partir desses novos investimentos em setores
estratégicos das empresas sucroalcooleiras.
Questiona-se a causa da preocupação com empregos nesse momento se na
verdade, em artigos publicados na mesma época pelo periódico em apreço, explicitou-se
uma preocupação maior em se reduzir o número de trabalhadores rurais ativos nos setores
agrícolas, salientando a importância e a eficiência das novas técnicas de produção.
O discurso do jornal, notadamente revela-se paradoxal. Em igual período circulou
em suas páginas inúmeras propagandas enaltecendo a eficiência e a dinamicidade das
máquinas colheitadeiras de cana. Tais propagandas norteavam a eficiência das novas
tecnologias empregadas nos parques sucroalcooleiros em meados dos anos 70, tomando
para si o discurso de progresso tão propalado pelos agentes dos governos militares.
Afirma-se, também, que as máquinas não foram fabricadas para todos os tipos de solos,
porém tem se tornado cada vez mais flexível, sendo adaptadas aos mais variados aclives
ou declives de solos, como apontado em entrevista pelo gerente de produção da CIA Nova
América, à época, Mário Donizete Chiarelli,
A substituição da colheita manual pela mecanizada demanda tempo e inúmeras alterações, que começam no preparo do solo e passam pelo plantio, transporte, e recepção da cana na indústria. A Nova América está se preparando há dois anos para se adequar às normas exigidas pela mecanização e começou o processo pela parte agronômica, alterando o plantio da cana em algumas áreas e hoje está na etapa seguinte: mudanças no transporte e recepção. (...) O rendimento médio de cada máquina é de 350 toneladas por dia, eliminando o sistema de carregamento e efetuando entrega imediata da matéria-prima bem mais limpa para ser processada. (...) quanto ao solo, segue o seguinte processo: curvas de nível bem menos acentuadas, sulcos mais rasos, linhas de plantio paralelas, topografias planas e pesquisas em variedades de cana com menos palha, além do preparo do operador de máquinas. Neste aspecto, é pontuado pelo gerente que no prazo de 5 a 6 seis anos após o início do processo, é possível mecanizar no Vale do Paranapanema, até 70% da colheita, por ser uma região de topografia privilegiada.3
3 Essa reportagem circulou no jornal A Voz da Terra em 14/09/95, p. 12, com o título “Entra a máquina, sai facão na colheita da cana”. Em 25/05/1996, p. 6, a mesma matéria foi publicada com o seguinte título: “Máquinas e homens começam aos poucos a dividir espaço no canavial”.
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Os discursos do profissional traduzido pelo periódico regional evidencia passividade
dos trabalhadores da cana, silencia suas experiências de lutas e constrói um novo discurso.
O discurso da modernidade sem conflitos, sem tensão entre latifundiários e trabalhadores
manuais, como bem ilustra a manchete desta edição: “Entra a máquina, sai facão na
colheita da cana”. Depois, numa outra tentativa de conciliar interesses diversos, não mais
opondo o trabalhador e a máquina, a própria matéria é reeditada com outra manchete:
“Máquinas e homens começam aos poucos a dividir espaço no canavial”, pretendendo-se
apresentar um clima de relação pacífica e harmoniosa entre trabalhadores rurais, tecnologia
e lideranças do tão propalado agronegócio.
Propagadora de um discurso de passividade entre trabalhadores rurais e anseios dos
usineiros, explicita-se que determinados setores da imprensa tem esse papel, segundo Cruz
(2000), assinalando que essa experiência tende a ser
Valorizada na sua prática social pelos diversos grupos sociais, construindo-se como importante veículo de formulação e difusão dos imaginários sociais. No seu fazer-se a imprensa constitui um campo de disputa extremamente dinâmico de diferentes projetos sociais (CRUZ, 2000, p.165).
Face a essa questão, a representação social do jornal em questão aponta para o
entendimento entre o homem e a máquina, deixando transparecer a ideia de que o
trabalhador rural da cana não enxergava a exclusão vivenciada por ele próprio e pelos
demais agentes de trabalho. A noção de conformismo e/ou conciliação torna-se mais uma
das representações das empresas sucroalcooleiras, anunciadoras do agronegócio, servindo
como mecanismo ideológico para justificar as desigualdades sociais, fazendo circular o tão
propalado ideal de progresso e desenvolvimento para a região de Assis.
Nesse sentido, os periódicos eleitos para essa pesquisa e bibliografia especializada
fizeram notar que no período de 1960 a 2000, “a agricultura brasileira teve como principal
característica a modernização de todas as regiões do país, sobretudo, e de forma
concentrada o estado de São Paulo” (TARTAGLIA; OLIVEIRA, 1988, p.63).
Os anos 60 do século XX revelou que o estado de São Paulo foi considerado um
grande produtor de açúcar e álcool para exportação no país e, anos após, principalmente
com a chegada do Proálcool, deslancham-se as transformações no setor, ocasionando
benefícios para os mais variados grupos econômicos inserindo a produção de açúcar e álcool
ao universo do agronegócio.
Reportando-nos ao Proálcool, a elaboração e execução deste programa de incentivo
à produção de álcool no país receberam críticas de muitos pesquisadores, acentuando-se a
sua inviabilidade para a economia social no país. Por um lado, o programa de incentivos à
produção de açúcar e álcool exigiu dos usineiros a produção em larga escala, propondo a
12
competitividade de mercado pelos grupos econômicos, mas por outro lado, provocou
mudanças bruscas no setor do trabalho rural, ocasionando a extinção de vários postos de
trabalhos como denunciado pelos Sindicatos Rurais de algumas regiões do país.
Face a estas e outras questões, compartilha-se da ideia de que “o Proálcool foi
eficiente sob a ótica da economia privada, tornando-se ineficiente sob a ótica da economia
social”, (TEIXEIRA, 1998, p.259). Reportando-nos à posição do jornal A Voz da Terra, a
respeito do Proálcool, este fez notar por meio de seus escritos acaloradas reportagens
quando este incorporou a seus discursos os anseios dos usineiros, além de ceder espaços a
estes em suas páginas a fim de que os mesmos pudessem clamar em defesa do programa
de valorização do álcool quando anunciado a sua extinção.
A partir dos anos 70, porém, a questão da mecanização já se torna notícia na região
de Assis, ocupando diariamente as páginas do periódico A Voz da Terra, que, por seu turno,
insistia na importância desta para o desenvolvimento econômico da cidade. Seguindo a
costumeira dinâmica do periódico, percebeu-se que ao termino desta década, a questão da
exclusão dos trabalhadores ganhou ímpeto e algumas ideias caminharam para uma possível
reavaliação das consequências que os trabalhadores rurais teriam que enfrentar com a
mecanização.
Técnicos anunciam a mecanização das lavouras de canaEm entrevista o técnico Franz O. Brieger revela que o objetivo dos domínios de novas técnicas no setor canavieiro é o de implementar e racionalizar a cultura na região; assim, a mecanização atenderia às necessidades governamentais para a produção de álcool, o que acelerou as metas tomadas pelo Proálcool, aumentando a produção de cana em mais de 30% em toda região. Assim, a produção de álcool seria muito vantajosa para o país, prevendo o abastecimento de outros mercados. Para o mesmo técnico a expansão da cultura canavieira em Assis e região seria uma medida benéfica para a agricultura. O agrônomo salienta ainda que a implantação da tecnologia mecanizada no seu início causaria um impacto social (grifos nossos), mas com o passar dos anos os trabalhadores iriam se adaptando às novas formas de trabalho e os chamados “boias frias” iriam desaparecendo gradativamente.4
Este engenheiro esteve na cidade de Assis, SP, com o objetivo de esclarecer a
potencialidade da mecanização nos campos das usinas, caso fosse implantada na região. Na
fala do técnico, explicita-se que a implantação da mecanização no setor sucroalcooleiro
atenderia às necessidades de um grupo econômico, em particular dos usineiros, atendendo,
também, aos anseios do governo federal em fabricar álcool carburante em larga escala,
objetivo alcançado nos finais dos anos noventa do século XX e primeira década deste século.
Naquele momento, o engenheiro foi incisivo, principalmente com relação à questão da
exclusão dos trabalhadores rurais de suas atividades nos canaviais, fazendo a seguinte
afirmação: “A implantação da tecnologia mecanizada no seu início causaria um impacto
social e que com o passar dos anos, os trabalhadores iriam se adaptando a estas
transformações (...), tendendo a desaparecer completamente” (A Voz da Terra, 13/07/1978).
4 Entrevista concedida pelo engenheiro agrônomo Franz O. Brieguer ao jornal A Voz da Terra, 13/07/1978.
13
É oportuno lembrar que no discurso deste profissional quanto a sua previsão, esta
não se confirmou, tornando-se equivocada, uma vez que a exclusão dos trabalhadores
tornou-se visível e estes, por seu turno ainda não encontraram novas formas de adaptação
no complexo “mundo do trabalho”, Antunes (1997, p.34). Segundo o autor, as transformações
oriundas dos processos tecnológicos têm demonstrado que “há um processo que tanto
qualifica, quanto desqualifica a força humana de trabalho, conhecido como processualidade”.
Nota-se que o trecho da notícia acima abriu discussão em torno dos rumos que o uso
da tecnologia em larga escala tomaria com o passar dos anos, ficando explícito na fala do
engenheiro agrônomo que a tecnologia, além de ser uma necessidade para a agroindústria
competir no mercado econômico nacional e internacional, atenderia também aos interesses
crescentes dos usineiros locais. A partir de então, percebe-se que a questão da mecanização
é delineada pelo profissional como medida benéfica ao setor sucroalcooleiro, o que não pode
ser contestado, porém, a hipótese de exclusão e anulação das experiências de lutas dos
trabalhadores rurais dos canaviais tornou-se inevitável, sendo mencionada por este
profissional sem apresentar sugestão para o problema.
2. Imprensa e Trabalhadores Rurais: silêncio, desemprego e experiências
Até então foram enfatizados trechos do impresso regional que se referiam de forma
positiva ao processo de mecanização nas zonas sucroalcooleiras da região de Assis, interior
paulista. Porém, já nos anos 80 do século XX, o periódico A Voz da Terra começou a abrir
novas incursões acerca da inserção de novos temas em sua agenda diária, pelo menos em
momentos específicos, mostrando-se com uma postura diferente daquela assumida em seus
dez primeiros anos, assumindo em seus artigos, editoriais e reportagens postura um tanto
mais crítica face as políticas econômicas adotadas até então pelo governo.
Boia fria: problema sem soluçãoA população periférica de Assis, em sua maioria é de boias frias. Em algumas estradas da cidade com acesso à favela do Lucrécio percebe-se que o progresso ocorre com pequeno tráfico durante o dia, principalmente em sua aurora e ao cair da noite. As estradas são tomadas por caminhões transportando mais de 1.000 de boias frias assisenses para o campo. Desta forma são detectados inúmeros acidentes com este meio de transporte e de várias formas, assim, a cidade enfrenta sérios problemas, condizentes a migração que aportam diariamente mais de 70 pessoas. Sendo que estes manifestam desejo de fixarem-se na área rural, mais não sendo englobados na lavoura modernizada e não possuindo qualificação para tal são rotulados como “nômades rurais” [grifos nossos] (A Voz da Terra, 13/06/1983, p. 1).
A manchete da reportagem sugere que se pense na extinção do trabalhador rural
manual, uma vez que este se tornava “um problema sem solução” sob a perspectiva do
jornal. As questões assinaladas pelo periódico expressam opinião favorável a mecanização.
Atenta-se às questões sociais de grande monta no cotidiano dos trabalhadores rurais, porém
14
não se sugere mudanças no seio das usinas empregadoras, possibilitando a visão de que
não se opõe à exploração vivida pelos trabalhadores rurais cognominados de “boias frias”.
A respeito desta situação, muitas questões sociais que antes eram silenciadas
passam a figurar nas páginas do periódico com frequência na década de 80. São inúmeras
as tensões desencadeadas nesse processo e, que de certa maneira acabou prejudicando os
trabalhadores rurais que figuram nesta reportagem, como bem mostra o trecho em destaque
no qual a ideia do “trabalhador permanecer no campo é fato impossível”, sendo percebido
como desqualificado para realizar as atividades que a área rural demandava a partir dos
investimentos tecnológicos até então empregados pelas empresas.
Em uma outra frente, a pesquisa apurou que houve por parte do periódico em apreço
a denúncia de que menores estariam sendo ocupados nos canaviais da região de Assis, nas
atividades rurais da cana. Esta prática sempre existiu nas imediações da cidade e sempre foi
feita nos canaviais de todo o país, porém é nesse instante que a denúncia foi concretizada na
região por este jornal.
Aumenta o número de menores na atividade agrícolaSão aproximadamente 60 pessoas em cada caminhão, que saem todos os dias em direção as fazendas de Assis ou Norte do Paraná para ocupar o trabalho na agroindústria canavieira; sendo que estes apresentam problemas maiores que é o grande número de crianças no corte de cana, sendo que estes em sua maioria possuem menos de 14 anos de idade, sendo impossibilitados de frequentarem qualquer tipo de escola. Por outro lado os pais justificam a presença das crianças nas lavouras de cana. Se estes não possuem tempo para estudar, também não ficam soltos nas ruas, evitando-se, portanto, sua marginalidade (grifos nossos); em geral os garotos do canavial são analfabetos, embora tenham vontade de estudar e aprender outra profissão, ajudar a família naquele momento é mais importante e sua perspectiva de futuro é quase nenhuma (A Voz da Terra, 27/11/1977, p. 1).
A matéria jornalística alertava para a presença de menores trabalhando no canavial
nas áreas circunscritas às usinas, denunciando a impossibilidade destes estudarem,
culpabilizando sempre os trabalhadores e os pais, vistos como omissos com relação à
educação dos filhos. Entretanto, o fato dos jovens e adolescentes não poderem frequentar a
escola é uma questão social mais complexa, tornando-se também consequência das
transformações sociais existentes no eixo campo-cidade que tem reduzido cada vez mais as
possibilidades de proporcionar a toda a família de trabalhadores rurais condições dignas de
vida e de sobrevivência.
A reportagem não explorou as questões sociais que subjazem ao fato de menores
estarem trabalhando na cana, ao invés de estarem frequentando a escola, como determina a
legislação até então vigente no país. Apenas o fato é levantado e noticiado, porém sem as
devidas análises dos motivos que levaram a acontecimentos dessa envergadura. As
condições cada vez mais excludentes e opressoras de trabalho passam desapercebidas.
Pode-se pensar que há um uso dos próprios pais para justificarem a não frequência dos filhos
à escola: inocentemente estes relatam que se evita a marginalidade através do trabalho. Por
15
essa via, percebe-se que mais uma vez no curso da história, o trabalho aparece como o
redentor da boa conduta dos pobres e tendo um papel por si só disciplinador. Já para outras
classes sociais, o trabalho não é mencionado nesta etapa da vida, a infância, que se ocupa
com a educação e o lazer.
Por outro prisma, o jornal assinala a necessidade de se qualificar mão de obra para
trabalhar nos parques industriais sucroalcooleiros na região de Assis, conforme assinalado no
trecho a seguir:
Técnico em álcool-mercado de trabalho é amploA necessidade de se qualificar a mão-de-obra para o trabalho neste setor surgiu a partir da crise do petróleo em 73 e o condicionamento do álcool carburante na substituição da gasolina no funcionamento de veículos; isto veio de encontro com a preparação de mão-de-obra especializada para acompanhar o processo de produção (A Voz da Terra, 30/11/1977, p. 1).
O excerto citado não revela ser preocupação com a qualificação de todos os
trabalhadores, mas tão somente com os profissionais que preencheriam postos específicos
de trabalho que a agroindústria demandava naquele momento, uma vez que o foco da
discussão se pautava pelo investimento maciço no setor sucroalcooleiro, especificamente na
produção de álcool. O jornal em análise passa a impressão de que, sendo o mercado de
trabalho promissor (como fixa a manchete), tem-se a ilusão de que dará conta de empregar
em outros setores os milhares de trabalhadores que foram expurgados dos postos de
trabalho naquele período, processo, aliás, que se intensifica na década de 90, em função da
invasão de equipamentos pesados nos parques sucroalcooleiros de todo o país ramificando-
se para outros setores da agricultura e, também nos setores produtivos da zona urbana,
sendo estas observadas como demandas do capital globalizado.
Mais que isso, o potencial revolucionário do campo pode impulsionar a cidade. Em muitos casos, os trabalhadores rurais e urbanos não só estão em contato, mas mesclam-se e confundem-se. Nos grandes centros urbanos e industriais, há contínuo afluxo e refluxo de trabalhadores oriundos do mundo rural. Mais do que nas ‘cidades e aglomerações de grande vulto’, é nos ‘centros urbanos menores’ que os contatos e as ligações podem favorecer a organização política do conjunto (IANNE, 2004, p. 74).
Em reportagens feitas pela Folha de S. Paulo de 08/01/97 e Gazeta Mercantil de 16 a
20/10/2000 confirma-se o número de trabalhadores dispensados em função do processo de
ampliação da modernização das áreas agrícolas em todo o país. Segundo a FSP, desde os
anos de 1974, período da implantação do Proálcool, 19 mil postos de trabalho foram extintos
em função da automação no setor canavieiro. A fonte indicou que “Nos últimos 22 anos, a
mecanização eliminou 19 mil postos de trabalho na colheita da cana, o que representa em
média, 863 vagas extintas por safra”.
Face as mais variadas demandas sociais dos sujeitos envolvidos nos processos de
exclusão, “aos poucos, nos vaivéns da história, os trabalhadores da cidade e do campo se
constituem em forças sociais com potencial revolucionário” (IANNI, 2004, pp.73-74),
16
desejosos de romper por meio de suas experiências de lutas com os discursos hegemônicos
que os colocam como seres a-históricos e passivos face aos processos de transformações
sociais, culturais e políticos pelos quais o Brasil e o mundo vem sendo palco, extrapolando as
fronteiras do regional.
Já para o jornal Gazeta Mercantil, a “Mecanização da colheita de cana avançava e já
atingia 41% no estado de São Paulo”. Em suas matérias figurou informação de que a
mecanização tornou-se fator favorável ao usineiro, uma vez que esta reunia várias
vantagens, como: “hoje, o custo da colheita mecânica é, em média, 25% mais barato do que
a manual e há usinas que chegam a economizar até 50%, a diminuição da queima de cana
foi outro fator que acelerou a mecanização” em todo o país. Nesse sentido, o governo
aspirava à ampliação e criação de parques sucroalcooleiros em todo o Brasil, tornando fato
concreto a implantação de centenas de usinas de açúcar e álcool, bem como a expansão das
áreas canavieiras em todo o país como bem anotado por Andrade (1994, p.42).
Em outra matéria, o jornal A Voz da Terra atenta-se à questão de irregularidades na
produção e distribuição do álcool no país.
Álcool mais uma fraudeCom a elevação súbita do preço do álcool, o governo está acreditando na falência do programa do álcool; em Assis, qualquer uma das destilarias sobem os preços finais do custo do produto, esquecendo o triste episódio do fim da desnacionalização do petróleo, surge, porém, a oportunidade do país se garantir na produção de combustível líquido através do álcool carburante, talvez esse fosse o mais importante passo da economia brasileira nos últimos dez anos. Portanto, tudo o que foi feito com objetivos diferentes, só merecerá o nosso repúdio, quando a população já não tem mais o que perder, nem tampouco temer a repressão [grifos nossos] (A Voz da Terra, 27/09/1980, p. 2).
A crítica aos produtores de álcool e distribuidoras é assinalada pelo jornalista que
repudia tal atitude, pontuando com precisão que “a sociedade já não tem mais o que temer,
inclusive a repressão”. A crítica é direcionada aos proprietários de destilarias, mesmo que os
nomes das empresas não tenham sido evidenciados na reportagem. A fraude ocorrida contra
o programa governamental do álcool traz à luz a importância que o Proálcool desempenhou
na economia local, regional e nacional, segundo alguns dos seus defensores. Do ponto de
vista político, a sua ressignificação não se restringia aos empresários do açúcar, oferecendo
oportunidades também aos trabalhadores rurais da cana, mesmo que de forma mais restrita.
No trecho da reportagem a seguir, destaca-se a figura de Renato Resende Barbosa
como mais um dos protagonistas do programa do álcool na região, clamando a opinião
pública a necessidade de manutenção do Proálcool e a exigência de novos investimentos
para o setor sucroalcooleiro, fazendo notar que a sua influência política ultrapassava as
cercas de suas propriedades agrícolas.
17
Proálcool: apesar dos defeitos um benefício histórico para AssisEm 1977, temia-se a expansão da cultura canavieira em região totalmente produtora de grãos; hoje em 1982, a certeza de que a cana convive muito bem com outras culturas; sendo esta a única que investe em assistência social, normas estas estabelecidas pelo IAA-Proálcool, (grifos nossos) afirma ainda que a expansão da cana na região é benéfica e graças ao Proálcool pelo menos na área social. E para avaliar o Proálcool, não seria possível agora, uma vez que esta estava apenas em seu começo. Portanto, precisava-se de no máximo uns 50 anos para avaliar sua eficiência. Esta afirmação é do Usineiro Roberto de Resende Barbosa (grifos nossos), Diretor Superintendente da Usina Nova América no município de Assis. Este afirma ainda que substituiu suas pastagens por cana, alegando que fez uma ótima opção e acredita que o álcool é interessante como combustível e para a economia do país (A Voz da Terra, 5/8/1982, p.3).
A fala do usineiro expressa a necessidade de permanência do programa de
valorização do álcool, porque na sua concepção o Proálcool imprimia benefícios sociais à
população do campo. De acordo com as pesquisas realizadas acerca dessa temática é
provável que o empresário estivesse equivocado naquele momento, uma vez que o programa
exigia mudanças bruscas no setor sucroalcooleiro, inclusive a substituição da força de
trabalho manual por máquinas mais potentes e eficientes do ponto de vista de logística de
produção, o que se concretizaria numa tarefa difícil para o trabalhador rural “boia fria” da
cana quanto à sua absorção pelo mercado do trabalho.
ÁlcoolCom discurso nacionalista em Assis, Renato de Resende Barbosa proferiu uma discussão sobre a fraude do álcool, este fala da importância do Proálcool para a economia e segurança do país, salientou também dos efeitos sociais do Proálcool, enfocando os benefícios da assistência social ao trabalhador do campo. Salienta também a importância da divulgação do Proálcool, justificando que faltam esclarecimentos para que as pessoas viessem a substituir seu veículo a gasolina por um outro a álcool. Informa também que se alguém sabotar o álcool com água este procedimento é uma questão de segurança nacional; argumenta: Cadê as forças de repressão, fiscalização, polícia e exército? Isso é uma desmoralização do programa e acima de tudo do país [grifos nosso] (A Voz da Terra, 8/5/1982, p.2).
Torna-se compreensível a preocupação em repudiar as atitudes de alguns de seus
concorrentes, uma vez que o jornal local não havia mencionado as destilarias desses
empresários como responsáveis pelas fraudes do álcool ocasionadas na região. Num outro
aspecto, o governo federal já estava sendo orientado para observar que o Proálcool
apresentava questões de enormes proporções políticas, econômicas e sociais para as
regiões sucroalcooleiras, inclusive a exclusão dos trabalhadores rurais manuais. Porém, na
visão dos usineiros o programa deveria ser avaliado somente após cinquenta anos de sua
implantação, ou seja, só em 2024. A título de exemplificação, esse é o mesmo período
estipulado pelo governo para que toda área canavieira do país estivesse mecanizada, isso
quer dizer, que a partir daí não se utilizaria mais a prática da queimada para a colheita da
cana.
O discurso nacionalista da imprensa regional alinhado aos anseios do usineiro local,
quando ocupou a tribuna da Câmara Municipal da cidade de Assis para clamar “as forças
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repressivas do governo” para conter a situação, deve ser levado em consideração,
principalmente porque o Brasil vivia os momentos finais da ditadura civil e militar, quando o
processo político-democrático do país revelava, ainda tensões que implicava na abertura
política.
Em um outro editorial o jornal, explicita mais uma vez a presença dos usineiros local
realizando e anunciando um possível relançamento do Proálcool no país. Observa-se o poder
persuasivo que o então integrantes do grupo econômico Nova América apresentava naquele
momento para a economia regional e até mesmo nacional, utilizando-se da imprensa local
mais uma vez como porta-voz de seus anseios. Não obstante, por várias vezes esses
discursos foram proferidos em sessão plenária da Câmara Municipal de Assis, portanto, o
setor público tornava-se extensão do ambiente privado dos empresários do açúcar e álcool
na região de Assis.5
Na ocasião o grupo de usineiros da região de Assis chegou a elaborar um documento
de abaixo-assinado junto a população local, solicitando da Presidência da República a não
extinção do Proálcool. Proálcool será relançado, anuncia Renato de Resende BarbosaEm sua opinião, o Proálcool é o mais sério projeto de substituição dos derivados do petróleo do mundo. Acredita-se no êxito do Proálcool, e entende que a indústria automobilística nacional precisa desenvolver uma tecnologia adequada para o consumo de álcool. O usineiro entende que não houve boicote ao programa, e sim a falta de investimento em tecnologia para que os automóveis consumissem o produto (grifos nossos). Resende, pioneiro na fabricação de álcool, não admite que dispondo de todas as condições para substituir a gasolina, inclusive custos mais elevados. Finaliza o usineiro, o Brasil tem espaço, domina a tecnologia agrícola e industrial da produção de álcool, assim não dá para desprezar as vantagens do álcool (...).6
Torna-se significativo o abaixo assinado elaborado pelo representante majoritário da
Usina Nova América, reivindicando o prosseguimento do Proálcool. No texto, publicado na
íntegra pelo periódico em apreço, destaca-se:
Assis luta pelo Proálcool,Mais de mil assisenses deverão assinar documento destinado ao Conselho Nacional de Energia, com objetivo de manter diferencial entre gasolina e álcool. Assim, se mantém o Proálcool. A iniciativa foi da Usina Nova América, sendo que no documento consta: na condição de consumidor de álcool, destacamos a presente eficiência deste produto, graças a evolução técnica obtida pelos fabricantes de veículos e produtores de álcool. A nós consumidores, o álcool é um combustível mais vantajoso economicamente e tem uma preocupação social com o homem do campo. Entendemos, por fim, que este é um combustível vantajoso por excelência para a nação e para a economia do país [grifos nossos] (A Voz da Terra, 26/11/1988, p. 3).
Os excertos do jornal expressam de forma singular os objetivos que os usineiros
locais almejavam para o setor sucroalcooleiro, privilegiando seus interesses, claro! Ou
5 Os proprietários dos complexos Nova América e Maracaí sempre receberam honras ao Mérito dos vereadores da cidade. Geralmente as cerimônias de honrarias eram realizadas na Câmara Municipal da Cidade, local observado como Centro de Decisões do Município, consequentemente, lugar de poder. 6 Entrevista com Renato Resende Barbosa ao jornal A Voz da Terra, 13/04/1982, p. 4.
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melhor, o Programa do álcool realmente era considerado uma ótima opção para eles, sem
pontuar as preocupações com os trabalhadores rurais, embora em seus discursos estes
tivessem figurado como justificativa para manutenção das políticas de incentivos fiscais ao
setor por parte do governo.
3. Considerações Finais
A importância das duas usinas para a região de Assis, interior paulista tornou-se
inegável à luz do discurso construído pelos periódicos em questão, porém a falta de uma
política social para a manutenção dos trabalhadores rurais da cana na respectiva região
tornou-se inexistente, por parte do poder público nas três esferas de poder: municipal,
estadual e federal, sem contar com os empecilhos colocados pelas usinas capitalistas na
hora da contratação de trabalhadores cortadores de cana para atuar no setor.
Ao cotejar as ideias assinaladas pelo periódico A Voz da Terra, comparando-as
condições da população rural, não apenas no interior de São Paulo, mais no país como um
todo, evidenciou-se a distância entre os discursos positivos acerca da automação no campo e
sua efetivação na prática, principalmente quando se questionou a falta de programas sociais
(quase que inexistentes para esse seguimento da sociedade). Os trechos dos materiais
produzidos pelo jornal em questão, revelaram as representações que cercavam as usinas,
vistas como fator essencial do progresso e desenvolvimento regional, o qual não ponderava
as necessidades dos trabalhadores rurais cortadores de cana.
Quanto à postura do jornal A Voz da Terra, de acordo com a datação das reportagens
citadas no texto, estas revelaram mudanças no que tange à posição política do jornal a partir
dos anos 80 e 90, possivelmente momento em que o jornal teria alcançado maior autonomia
econômica face as mudanças ocorridas no pais em igual período, como o grupo Folha, por
exemplo.
Enfim, Ianni (2004, p. 33), observa-se que “o povo, enquanto coletividade de
cidadãos, continuava a ser uma ficção política” do ponto de vista da análise dos materiais
publicados pelo então jornal A Voz da Terra. O discurso presente nos trechos dos jornais
analisados neste artigo evidenciou a distância entre a pretensão dos usineiros e as condições
efetivas de vida de homens, mulheres e crianças trabalhadoras no setor sucroalcooleiro,
sendo estes percebidos como figurantes da trama social da vida rural que o jornal e os
usineiros locais insistiam em silenciar.
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