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IMAGEM DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NOS JORNAIS ONLINE DA IBERO-AMÉRICA1
GT12: Comunicação para a Mudança Social
Karine Arminda de Fátima Segatto2
Resumo
Por meio da cobertura jornalística de 14 países da Ibero-América sobre o Dia
Internacional das Pessoas com Deficiência, comemorado em 03 de dezembro,
este artigo busca verificar a ocorrência das imagens de “tutela” e “autonomia”
disputando a opinião pública nesse período. O objetivo é visualizar, nos jornais
online mais acessados e acessíveis desses países, as estratégias dos atores
políticos e cívicos para defender seus argumentos na esfera pública, através da
mídia. Para isso, serão analisadas 42 publicações realizadas nos dias 02, 03 e 04
de dezembro de 2013. A reflexão teórica é iniciada com a discussão sobre esfera
pública e o papel da mídia, e segue sob o viés da atualização do debate sobre a
participação da sociedade civil nessa esfera. Com base nas teorias do
agendamento, realiza-se uma leitura qualitativa sobre a imagem das pessoas com
deficiência construída e projetada pela mídia.
Palavras-chave: Pessoas com deficiência; jornalismo; esfera pública;
agendamento midiático
1 Artigo inscrito no GT 12 Comunicación y Cambio Social do XII Congreso de la Asociación Latinoamericana de Investigadores de la Comunicación (ALAIC)2 Aluna do Mestrado em Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Brasil, e-mail [email protected]
Introdução
Indivíduo patético, fardo, incapaz de ter uma vida de sucesso, indisposto a
conviver em sociedade, mau, enfim, alguém que estaria melhor morto. Ou então
alguém com habilidades especiais, uma “super pessoa com deficiência”, mas que
se não estiver superando obstáculos, passa invisível pela mídia, sem voz ou
reivindicações. Parece contradição e exagero, mas seriam essas as oito imagens
ou esteriótipos utilizados pelos veículos de comunicação, de acordo com Julia
Hoffmann, autora de Culture(s) and Belief Systems e utilizada por SAKER como
ponto de partida na análise sobre os estigmas das pessoas com deficiência nos
jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo, no ano de 2008. (SAKER, 2010,
p.63-64)
Dessas oito imagens, SAKER passou a cinco, apresentadas aqui resumidamente
como invisibilidade, pena, incômodo, super pessoa e pessoa com direitos,
observando os períodos que envolviam o Dia Internacional da Pessoa com
Deficiência (03 de dezembro), o Dia Nacional de Luta das Pessoas com
Deficiência (21 de setembro) e Paraolimpíadas de Pequim (06 e 18 de setembro
de 2008). (SAKER, 2010, p.73-80)
Também a título de síntese, parte da conclusão da pesquisa é de que “a
reprodução dos estigmas não parece ser intencional, e sim algo inconsciente, já
enraizado na sociedade como algo comum, uma parte da ideologia social
dominante”. (SAKER, 2010, p.139)
Com objetivo semelhante ao de Saker elencamos o Dia Internacional das Pessoas
com Deficiência em busca de perceber na cobertura jornalística de 14 países da
Ibero-América3, a ocorrência das imagens de “tutela” e “autonomia” disputando a
opinião pública nesse período. A escolha por “tutela” e “autonomia” teve o objetivo
de sintetizar esses esteriótipos encontrados em SAKER e aproximar-se da pauta
dos movimentos das pessoas com deficiência em ser tratados como sujeitos de
direitos e protagonistas da própria vida.
“Nada sobre nós sem nós”, por exemplo, foi um dos lemas do movimento político
das pessoas com deficiência, que no Brasil dos anos 70, defendia a criação de
entidades dirigidas por pessoas com deficiência, ao invés das instituições
assistenciais, para que tivessem capacidade de escolha sobre o que era melhor
para si, contra a tutela que restringia seus direitos civis.
Esse artigo busca então visualizar no contexto da Ibero-América, em 2013, como
os atores políticos e civis mobilizaram-se utilizando-se do Dia Internacional das
Pessoas com Deficiência para ser notícia nos principais jornais online e assim, ser
fonte de informação e participante dos fluxos comunicativos da esfera pública.
Para isso, serão analisadas 42 publicações realizadas nos dias 02, 03 e 04 de
dezembro de 2013.
Disputa na esfera pública
Frente a uma questão de interesse coletivo, grupos encontram-se com objetivo de
debater variadas alternativas do que consideram ser as melhores soluções para a
questão e, por meio da comunicação dos argumentos, buscam chegar a uma
resolução comum. O primeiro espaço para isso seriam os salões e cafés do século
XVIII, onde o filósofo alemão Jürguen Habermas (2003) visualizou o lugar propício
para deliberação da burguesia que avançava em poder econômico, mas não tinha 3 Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Costa Rica, Equador, Espanha, Guatemala, México, Nicarágua, Paraguai, Peru, Portugal e Uruguai são os países da Ibero-América que são signatário da Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência.
influência política, restrita a aristocracia (corte) e a Igreja. A maneira de influenciar
o Estado era a manifestação dos argumentos em discursos e nos jornais políticos
e literários, feitos para defesa de idéias, sem objetivar lucro. Para Habermas,
nesses debates as pessoas estariam em iguais condições, com o mesmo status,
de modo que “a autoridade do argumento pode afirmar-se contra a hierarquia
social”. (HABERMAS, 2003, p.51)
Quando o cenário desses espaços culturais são reconfigurados no século XIX e o
jornal passa a ser um empreendimento comercial e não apenas um instrumento
político, o debate de argumentos teria dado lugar a aclamação, segundo
Habermas, na obra Mudança estrutural da esfera pública, de 1962, já que ao invés
de privilegiar a troca de idéias, a venda de espaços dos jornais teria privilegiados
os grupos de anunciantes.
Habermas estabelece uma distinção entre duas etapas da
relação entre os meios de comunicação e a esfera pública.
Ele destaca que, no início da revolução burguesa, a
imprensa tinha o papel de mediar e estimular o uso que as
“pessoas privadas”, reunidas em um público, faziam de sua
razão. Posteriormente, os meios de comunicação passaram
a condicionar essa troca e a “fabricar” uma opinião “não-
pública” cuja origem não é o processo de troca pública de
razões, mas o resultado da imposição de vontades
particulares. (MARQUES, 2008, p.24)
No entanto, sempre houveram condições para essa troca, mesmo nos cafés e
jornais políticos, já que não é possível apagar as desigualdades sociais para então
começar o debate como se todos fossem iguais. Um dos exemplos das
condicionantes das discussões públicas de idéias é a participação desigual das
mulheres e dos operários nesse período. Em virtude do preconceito, o discurso de
uma mulher não era tão respeitado quanto o de um homem, e na Inglaterra, por
restrições legais, os operários não podiam nem se reunir, direito conquistado
apenas em 1825, mas restrito a discussões sobre salários e condições de
trabalho, sendo que “qualquer coisa fora desses limites era considerado crime”
(BECKER, 2010, p.104).
Habermas faz ressalvas à mídia como mediadora do debate público, em
decorrência de constrangimentos externos, como a influência de poderes políticos
e econômicos, e de constrangimentos internos, como adaptações ao suporte
técnico, valor-notícia e rotina de produção, quando se trata de jornalismo.
Portanto, não se pode dizer que seja um espaço livre para circulação de idéias, e
sim um espaço com características próprias.
De acordo com Marques (2008), nas obras posteriores (1987, 2006), Habermas
não é mais tão pessimista em considerar os meios de comunicação como lugar
somente para a aclamação de idéias dos anunciantes, ao invés do debate público,
e mesmo reafirmando os constrangimentos externos e internos, passa a
posicionar a “atuação dos media na esfera pública (...) como um espaço limítrofe e
poroso entre os diferentes contextos que compõem o centro (reduto da elite
política) e a periferia (movimentos sociais, associações cívicas, cidadãos comuns,
etc.) do sistema político”. (MARQUES, 2008, p.24).
A partir da revisão que Habermas faz de suas teses, a definição de esfera pública
para a ser, de acordo com Becker (2010, p.88), o de “mediação entre a sociedade
civil e o Estado/sistema político”. A sociedade civil para Habermas teria o papel de
intermediadora entre a esfera privada e a esfera pública política, não se
identificaria nem com o Estado, nem com a economia. A sociedade civil traria “os
ecos dos problemas sociais que ressoam nas esferas privadas” (HABERMAS,
1997, p.99), portanto apenas influência e não ação, já que a mudança de leis, por
exemplo, precisa ser deliberada nas instituições democráticas do Estado. Mesmo
afirmando que “diretamente, a sociedade só pode transformar-se a si mesma”,
Habermas ressalta que a influência da sociedade civil pode fazer com que o
Estado se autotransforme. (HABERMAS, 1997, p.105-106)
Assim, para Becker, Habermas coloca a sociedade civil como “uma das fontes –
ao lado dos meios de comunicação – dos fluxos comunicativos que constituem a
esfera pública, instância voltada para o entendimento ou a busca do consenso”.
(BECKER, 2010, p.101)
Ao observar as 42 publicações da Ibero-América sobre as pessoas com
deficiência utilizadas neste artigo, percebeu-se que a relação entre as entidades
das pessoas com deficiência e os jornais da amostra se assemelha a seguinte
definição de Becker (2010):
Na perspectiva da sociedade civil, pode-se pensar a relação
com os meios de comunicação como relação com a
publicização, visibilidade na sociedade, pressão e
negociação com o Estado, busca de apoio/alianças no
interior da própria sociedade civil e conquista de soluções
favoráveis a um ou outro setor/classe em cada conflito, assim
como a atingir melhores posições na disputa entre os
diferentes projetos societários. (BECKER, 2010, p.106)
Governos da Ibero-America aproveitaram o Dia Internacional das Pessoas com
Deficiência para entregar equipamentos e prêmios. No Peru, um grupo de
estudantes surdos; no Equador, o Movimento “Madera de Guerreo”; no Paraguai,
a ONG “ParIgual e Disability Council Internacional”, a Fundação Saraki e a
Associação Tesape´s Paraguay; no Uruguai, a Fundação Alejandra Forlán; em
Portugal, a Associação Portuguesa de Deficientes e, na Espanha, o CIDEC,
entidade que desenvolve projetos de formação e inovação social, estarão
promovendo eventos e divulgando pesquisas que serão pauta dos jornais online
mais acessados e acessíveis do seu país. Qual a imagem que vão defender?
Procedimentos de análise
Para observar o papel do jornalismo como fonte de imagens e visões de mundo
sobre as pessoas com deficiência nos fluxos comunicativos da esfera pública,
foram selecionados os sítios eletrônicos dos 14 países da Ibero-América4 que
ratificaram a Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência,
organizada pela Organização das Nações Unidas (ONU), pelo compromisso que
demonstram publicamente com as pessoas com deficiência.
Como o tema é a imagem dessa população, a escolha dos sítios eletrônicos
baseou-se nos jornais online mais acessados e mais acessíveis (acessibilidade
web). Foram elencados os três mais acessados, de acordo com o ranking de
tráfego Alexa5. Para a escolha desses três sites, foram selecionados os portais
eletrônicos de jornalismo comercial e de conteúdo generalista, ou seja, não
governamental e não especializado em determinada editoria, como esporte ou
economia, por exemplo.
Em seguida, os três jornais online mais acessados foram avaliados quanto à
acessibilidade web6, por meio do validador automático TAW7, disponível
gratuitamente na internet e baseado no WCAG 2.0 (Web Content Accessibility 4
5 O Alexa – The Web Information Company disponibiliza um ranking dos 500 sites mais acessados do país, através do endereço http://www.alexa.com/topsites/countries. De acordo com informações do Alexa, o site com a maior combinação de visitantes únicos e pageviews no mês anterior é o classificado em primeiro lugar no país.
Guidelines), as Recomendações de Acessibilidade para Conteúdo Web. Essas
recomendações foram lançadas em 2008 pelo consórcio internacional W3C (World
Wide Web Consortium), por meio da WAI (Web Accessibility Initiative) e é o
documento de referência na área de acessibilidade web. (W3C BR, 2008).
Tanto o ranking dos mais acessados quanto a avaliação de acessibilidade
ocorreram em 03 de dezembro de 20138. A partir desses resultados foram
escolhidos os seguintes jornais online: da Argentina, o La Nación
(http://www.lanacion.com.ar/); da Bolívia, o La Razón (http://la-razon.com/); do
Brasil, a Folha de S. Paulo9 (http://www.folha.uol.com.br/); do Chile, o El Mostrador
(http://www.elmostrador.cl/); da Costa Rica, o Diário Extra10
(http://diarioextra.com/); do Equador, a Ecuavisa (http://ecuavisa.com); da
Espanha, o El País (http://elpais.com/); da Guatemala, a Prensa Libre
(http://www.prensalibre.com/); do México, o SDP Noticias
(http://www.sdpnoticias.com); da Nicarágua, o El Nuevo Diário
(http://www.elnuevodiario.com.ni); do Paraguai, o ABC Color
(http://www.abc.com.py/); do Peru, o El Comércio (http://elcomercio.pe); de
Portugal, o Público (http://www.publico.pt/); e do Uruguai, o Montevideo
(http://montevideo.com.uy/).6 De acordo com o W3C, acessiblidade envolve “tornar o conteúdo acessível para um amplo grupo de pessoas com deficiência, incluindo cegueira e baixa visão, surdez e baixa audição, dificuldades de aprendizagem, limitações cognitivas, limitações de movimentos, incapacidade de fala, fotosensibilidade e suas combinações”. (W3C, 2008)7 TAW é um serviço online, disponível em http://www.tawdis.net, que permite revisar a acessibilidade de uma determinada URL. É oferecido pela Fundação CTIC, sede do escritorio español do W3C, juntamente com outras feramentação de avaliação e monitoramento de acessibilidade.8 A tabela com o resultado dos mais acessados e mais acessíveis está disponível no Anexo 1 deste artigo.9 A Folha de S. Paulo é o segundo jornal online mais acessível, mas foi escolhida por disponibilizar em cada notícia a opção “ouvir o texto”, um serviço que da mesma forma que os leitores de tela, transforma em áudio os caracteres de texto , facilitando a relação das pessoas com deficiência visual com o conteúdo.10 Os jornais online Diário Extra, Prensa Libre e El Nuevo Diário foram selecionados por possuírem ferramenta de busca de conteúdo no sítio eletrônico, ao contrário dos que eram mais acessíveis, mas não possuíam essa ferramenta.
Com objetivo de encontrar as notícias referentes ao Dia Internacional das Pessoas
com Deficiência, foram inseridas as palavras-chave “pessoas com deficiência”,
“Dia Internacional das Pessoas com Deficiência”, “personas con discapacidad” e
“Día Internacional de las Personas con Discapacidad”, nas ferramentas de busca
de cada jornal online, em 09 de dezembro de 2013. Então, foram selecionadas
para compor a amostra deste artigo o conteúdo jornalístico dos dias 02, 03 e 04 de
dezembro de 2013, encontrando 42 notas, notícias, entrevistas, artigos e editorias
que tinham o tema pessoas com deficiência como assunto principal. Outros sete
textos que apareceram no resultado da busca foram descartados por ter as
pessoas com deficiência apenas como citação ou assunto secundário.
Quanto a quantidade de conteúdo, o ABC Color se destacou na amostra, com 11
notícias, já que a média de publicação dos demais é de 2 a 4 notícias11, sendo que
apenas o El Nuevo Diário, não possuía nenhuma notícia sobre as pessoas com
deficiência no período analisado.
Nas matérias do ABC Color, a Associação ParIgual e Disability Council
Internacional conseguiu ser fonte para três notícias e um editorial. As notícias
traziam o relatório criado pela Associação e divulgado em evento no dia 03, que
denunciava a falta de políticas públicas dirigidas para as meninas e mulheres com
deficiência. Essas são as únicas matérias que trazem o recorte de gênero nos
assuntos sobre deficiência.
Ainda no ABC Color, a Fundação Saraki, por sua vez, conseguiu ser fonte para
duas notícias, onde o foco era a qualificação e o direito ao trabalho, garantido em
legislação. O trabalho também foi o foco da notícia que teve como fonte a
11 Das 42 publicações: Diário Extra, El País e El Comércio apresentaram uma publicação; Folha de S. Paulo e Prensa Libre apresentaram duas publicações; Montevideo e Público apresentaram três publicações; La Nación, La Razón e SDP Notícias apresentaram quatro publicações; Ecuavisa apresentou seis publicações; e ABCColor apresentou 11 publicações.
Associação Tesape´s Paraguay, já que juntamente com a sociedade inclusiva (Lic.
César Martínez) realizou o Congresso Internacional sobre Emprego e Deficiência
no Paraguai, com apoio da OIT (Organização Internacional do Trabalho). Esse
Congresso destacava 2013 como o Ano Ibero-Americano para a inclusão no
mercado de trabalho das pessoas com deficiência. Mesmo sendo o único texto
que mencionava esse marco, o direito ao trabalho foi percebido em um total de
oito notícias, posicionando-se como a segunda demanda por direito mais citada
entre as 42 publicações, ficando atrás apenas da demanda por políticas públicas.
Sobre os dias das publicações, a maioria foi divulgada no dia 03 de dezembro (22
publicações), seguida por 04 de dezembro (12 publicações) e 02 de dezembro (08
publicações), mostrando que a data pode ser considerada como uma estratégia
para pautar os jornalistas, tanto que 32 publicações fazem alusão à data e apenas
10 não mencionam o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência.
Sobre o formato das publicações, grande parte (29 publicações) eram notícias e
as demais se dividiam em notas (5), artigos (3), reportagens (2), editoriais (2) e
entrevista (1). Mesmo com a potencialidade proporcionada pela Internet para a
multimidialidade, os textos eram acompanhados apenas por cinco vídeos, sendo
três da Ecuavisa, que já é um canal de TV. Sobre a quantidade de fotografias, a
média é de uma fotografia por matéria e foram criadas apenas duas fotogalerias,
uma com cinco fotos e outra com nove fotos. A tabela com o resumo da análise
das 42 publicações está no anexo 2.
Sobre as editorias das notícias, a maioria estão posicionadas em Local (16
publicações), possivelmente pela realização de eventos nas cidades, como
marchas, apresentações culturais e entrega de equipamentos e prêmios. Sobre os
atores que promoveram os acontecimentos, a proporção entre atores político,
identificados como fontes oficiais, e atores cívicos, identificados como fontes
institucionais foi praticamente igual, com respectivamente 17 e 16 publicações. A
origem da promoção do evento que pode ter influenciado no poder de fala, já que
do total de 80 fontes, a predominância é de fontes populares (25 publicações),
portanto de pessoas com deficiência e seus familiares, sendo que uma
reportagem trouxe sete fontes e dessas cinco eram pessoas com deficiência. O
assunto era a manifestação de um grupo de estudantes surdos e essa reportagem
é intitulada “La intolerancia y discriminación afectan a sordos en calles alteñas”.
Foi produzida pelo La Razón, tem mais de 4,8 mil caracteres e foi a única
classificada como demandando três direitos, educação, transporte e respeito
(combate ao preconceito).
As fontes foram classificadas da seguintes forma:
Oficial - Alguém em função ou cargo público que se
pronuncia por órgãos mantidos pelo Estado e preservam os
poderes constituídos (executivo, legislativo e judiciário), bem
como organizações agregadas (juntas comerciais, cartórios,
companhias públicas etc.). (...)
Empresarial - Representa uma corporação empresarial da
indústria, comércio, serviços ou do agronegócio. (...)
Institucional - É quem representa uma organização sem fins
lucrativos ou grupo social. (...)
Popular - Manifesta-se por si mesmo, geralmente, uma
pessoa comum, que não fala por uma organização ou grupo
social. (...)
Notável - São pessoas notáveis pelo seu talento ou fama,
geralmente artistas, escritores, esportistas, profissionais
liberais, personalidades políticas, que falam de si e de seu
ofício. (...)
Especializada - Trata-se de pessoa de notório saber
específico (especialista, perito, intelectual) ou organização
detentora de um conhecimento reconhecido. (...)
Referência - Aplica-se à bibliografia, documento ou mídia que
o jornalista consulta.(...) (Schmitz, 2011, p.25-27)
Dessa classificação, não foram utlizadas fontes testemunhais. Nas 42 publicações
dessa amostra, foram utilizadas 25 fontes populares, sendo 18 de pessoas com
deficiência e sete de outros, geralmente pais das pessoas com deficiência. Esse
número é significativo frente a percepção do ano de 2008, da pesquisa de SAKER,
quando a voz das próprias pessoas com deficiência foram poucas:
Outro problema, apontado pelo orientador da presente
pesquisa, é a falta da própria pessoa com deficiência se
manifestando na notícia. Não basta noticiar um fato que diga
respeito a este setor social se nenhum representante deste é
ouvido para a elaboração da notícia a ser veiculada; ignorar
os cidadãos com deficiência, vê-los como objeto da
reportagem e não como sujeito, frequentemente leva à
superficialidade dos dados e à ignorância de informações
que poderiam ser mais importantes do que a reportagem que
é efetivamente recebida.” (SAKER, 2010, p.141)
As fontes oficiais aparecem em seguida, em 23 publicações, as fontes
institucionais, portanto representantes dos movimentos das pessoas com
deficiência, tem voz em 11 publicações, proporção próxima a das fontes
especializadas, que estiveram em 8 publicações,.
A forte presença da abordagem temática, presente em 33 publicações, também é
um fator positivo, já que através desse eixo foram tratadas ações de governo (09
publicações), relatórios e pesquisas (07), denúncia e problemas (06), ações do
movimento (05), legislação (05) e propostas (01). Apenas cinco publicações
tiveram abordagem episódica e quatro tiveram abordagem personalista.
As imagens das pessoas com deficiência foram classificadas de acordo com
SAKER, que por sua vez baseou-se na obra Culture(s) and Belief Systems:
1) a “invisibilidade”, presente na superficialidade ou na falta
de representação do tema;
2) a imagem da pessoa com deficiência como digna de pena
ou incapaz de viver por conta própria em sociedade;
3) a imagem da pessoa com deficiência como um incômodo
para a sociedade;
4) a imagem da pessoa com deficiência como um ser
excepcional, uma “superpessoa”;
5) a imagem da pessoa com deficiência como um cidadão
detentor de direitos
que devem ser respeitados e especificidades que o
diferenciam mas não o restringem a elas. (SAKER, 2010, p.)
No entanto, para analisar a amostra da Ibero-América foi preciso utilizar uma
representação de Hoffmann que SAKER não utilizou, a de fardo para a sociedade,
que apareceu na notícia da Ecuavisa, intitulada “Varios casos de discapacidad por
consanguinidad parental”. Já a imagem de invisibilidade não apareceu na mostra,
justamente porque as notícias foram selecionadas por ter as pessoas com
deficiência como assunto principal.
A maioria das imagens foram de “pessoas com direitos”, em 30 publicações, e o
restante está classificada como “superpessoa” (04 publicações), pena (04
publicações) e incômodo (01). Foi necessário criar uma imagem para duas
notícias, a de “beneficiário”, já que no relato de ações do governo, as pessoas
com deficiência não eram vistas como sujeitos de direitos, mas como se
estivessem recebendo um favor do poder público.
Considerações finais
A combinação entre equilíbrio nos atores políticos e cívicos que promoveram os
eventos e pautas (17 fontes oficiais e 16 institucionais); a quantidade
representativa de fontes populares, com 17 pessoas com deficiência tendo voz
nas notícias, além das fontes institucionais que na maioria das vezes eram de
pessoas com deficiência também; o posicionamento na editoria de Local (16
publicações), aproximando o acontecimento das causas da cidade; a abordagem
temática das notícias, aprofundando a visão sobre o assunto através de
denúncias, estatísticas, legislação, mas também elencando o que já teve de ações
do governo e o que movimento das pessoas com deficiência está fazendo para
conseguir maiores avanços, pode ser considerado como um conjunto de fatores
que criaram uma imagem das pessoas com deficiência como “pessoa com
direitos”.
Sendo encarada como “pessoa com direitos”, foi posicionada em notícias que
demandavam diversos direitos, mas principalmente todos os necessários, no
sentido da reivindicação por políticas públicas, que apareceu em 14 publicações.
Direitos específicos também tiveram espaço, com destaque para trabalho com 08
publicações, seguido pelo respeito, categorizado como combate ao preconceito
(06), transporte (04), saúde (03), esporte (02), educação (02), combate a violência
contra a mulher (02), comunicação (01) e lazer (01).
Ter voz e demandar direitos fez com que a maioria das publicações fosse
classificada na imagem síntese de autonomia (24 publicações), contra 18
publicações que representavam tutela. A importância de estar em grande parte
das publicações dessa forma é de conseguir aparecer positivamente na esfera
pública, apresentando argumentos para o Estado e afirmando que suas demandas
são direitos e não favores ou presentes.
Não apenas na voz dos movimentos das pessoas com deficiência, mas própria
maneira das fontes oficiais se manifestarem traz muitas vezes esse
reconhecimento. Na notícia da Folha de S. Paulo, intitulada “Durante evento em
SP, ministro diz que o SUS está 'chique'”, frente à fala do ministro da Saúde,
Alexandre Padilha, de que oferecer cadeira de rodas motorizadas para quem
precisa do equipamento é uma demonstração de como o SUS (Sistema Único de
Saúde) está chique, vem a posição do promotor de Justiça Jorge Marum, portanto
também fonte oficial, mas que por atuar nos direitos das pessoas com deficiência,
aparece na notícia para lembrar que “a Constituição garante os equipamentos
motorizados em seu princípio da dignidade humana”. Assim, a cadeira de rodas
motorizadas não seria um presente ou privilégio concedido pelo Governo, mas um
direito de quem dela necessita. A fala do promotor mostra que a sociedade civil
tem influencia em determinadas áreas do Estado, por onde pode fazer pressão por
melhorias.
A projeção nos meios de comunicação da imagem de autonomia, pelo menos
durante o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência, colabora para que as
entidades das pessoas com deficiência consigam maior apoio também dentro da
sociedade civil, porque o público que teve acesso a essas publicações e não é
parente ou amigo de alguém com deficiência, vai orientar mais a sua visão de
mundo sobre o tema através da mídia, do que um amigo ou parente, que convive
com essa realidade.
Isso porque o individuo não consegue viver em primeira mão tudo o que acontece
no mundo e muitas vezes fica sabendo do que não experienciou pelas
informações de outros, que se não estavam no lugar do acontecimento, pelo
menos conversaram com quem estava lá. A mídia seria uma grande fornecedora
dessas informações e as impressões que oferece sobre o mundo contribuem para
formar a visão de mundo do público.
Olhando para trás podemos ver o quão indiretamente
conhecemos o ambiente no qual, todavia, vivemos. Podemos
observar que as notícias sobre ele nos chega ora
rapidamente, ora lentamente; mas o que acreditamos ser
uma imagem verdadeira, nós a tratamos como se ela fosse o
próprio ambiente (LIPPMANN, 2008, p.22)
Essa imagem do mundo que o público obtém da mídia colabora para a construção
do que Lippmann chama de “mapas cognitivos” do mundo. A imagem do mundo é
entendida pelo público como o próprio mundo, o que levaria a tratar como
ambiente, o que o autor classifica como pseudoambiente, por ser construído pelos
veículos noticiosos. (MCCOMBS, 2009, p.22)
Aparecer nos fluxos comunicacionais da esfera pública propagando o
pseudoambiente das pessoas com deficiência como protagonistas de suas vidas e
merecedoras de direitos pode facilitar a adesão do publico às causas dos
movimentos e provocar no cotidiano dos indivíduos, mudanças de comportamento,
contribuindo para o combate ao preconceito, por exemplo, ou gerando trabalho,
demandas que colocaram nas notícias.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Becker, M. L. (2010). Sociedade civil, esfera pública e mídia: confrontos e
convergências entre diferentes concepções. In: Cantoia L., & Danuta E.
(orgs.). Sociedade civil e democracia: expressões contemporâneas. São
Paulo: Veras Editora.
Habermas, J. (1997). Direito e democracia: entre facticidade e validade. Vol. II. Rio
de Janeiro: Tempo Brasileir.
Habermas, J. (2003). Mudança estrutural da Esfera Pública: investigações quanto
a uma categoria da sociedade burguesa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro.
Lippmann, W. (2008). Opinião Pública. Petrópolis, RJ: Vozes.
Mccombs, M. (2009). A teoria da Agenda. A mídia e a opinião pública. Petrópolis,
RJ: Vozes.
Marques, Â. C. S. (2008). Os meios de comunicação na esfera pública:
novas perspectivas para as articulações entre diferentes arenas e atores.
Libero, Ano XI, 11,(21), Disponível em
http://www.revistas.univerciencia.org/index.php/libero/article/view/5395/4912
Saker, F. A. S. (2010). Jornalismo e pessoas com deficiência: Construção de
conceitos e superação de estigmas por meio da comunicação. São Paulo:
s.n., Dissertação (Mestrado), Faculdade Cásper Líbero.
Schmitz, A. A. (2011). Fontes de notícias: ações e estratégicas das fontes no
jornalismo. Florianópolis: Combook.
W3C – World Wide Web Consortium – Escritório Brasil. Acesso em: set. 2012.
Disponível em: <http://www.w3c.br/Sobre>.
Anexo 1 - Resultado do ranking de sítios eletrônicos mais acessados por país e da avaliação de problemas de acessibilidade do Alexa
País Posição Alexa
Jornal online
URL Problemas TAW
Argentina 9 La Nación http://www.lanacion.com.ar/ 70
11 Clarin www.clarin.com 343
32 Infonews www.infonews.com 327
Bolívia 8 El Deber http://eldeber.com.bo/ 392
12 Los Tiempos http://www.lostiempos.com/ 213
13 La Razón http://la-razon.com/ 156
Brasil 6 Globo http://www.globo.com/ 59
26 Folha* http://www.folha.uol.com.br/ 154
31 r7 http://www.r7.com/ 604
Chile 40 El Mostrador http://www.elmostrador.cl/ 71
14 La Tercera http://www.latercera.com/ 434
32 Cooperativa http://www.cooperativa.cl/ 320
Costa Rica 10 CR HOY http://www.crhoy.com/ 53
21 Diário Extra** http://diarioextra.com/ 117
9 Nación http://www.nacion.com/ 195
Equador 16 Ecuavisa http://ecuavisa.com 116
11 El Universo http://www.eluniverso.com/ 131
18 El Comercio http://elcomercio.com/ 139
Espanha 12 El País http://elpais.com/ 163
43 20 minutos www.20minutos.es/ 234
30 ABC http://www.abc.es/ 361
Guatemala 105 El
Queltzalteco
http://elquetzalteco.com.gt/ 36
13 El Periódico http://elperiodico.com.gt/ 153
11 Prensa
Libre**
http://www.prensalibre.com/ 579
México 50 SDP Noticias http://www.sdpnoticias.com 143
34 Milenio http://www.milenio.com/ 166
15 El Universal http://www.eluniversal.com.mx/ 476
Nicarágua 22 Confidencial http://www.confidencial.com.ni/ 67
6 La Prensa http://www.laprensa.com.ni 213
7 El Nuevo
Diário**
http://www.elnuevodiario.com.ni 303
Paraguai 5 ABColor http://www.abc.com.py/ 162
8 Ultima Hora http://www.ultimahora.com 222
53 La Nacion http://lanacion.com.py/ 388
Peru 8 El Comércio http://elcomercio.pe 198
11 RPP http://www.rpp.com.pe 206
18 Peru21 http://peru21.pe/ 239
Portugal 17 Público http://www.publico.pt/ 174
41 Diário de
Notícias
http://www.dn.pt 406
24 Jornal de
Notícias
http://www.jn.pt 622
Uruguai 21 Montevideo http://montevideo.com.uy/ 59
7 El País http://www.elpais.com.uy/ 328
11 El
Observador
http://elobservador.com.uy/ 713
* A Folha de S. Paulo é o segundo jornal online mais acessível, mas foi escolhida
por disponibilizar em cada notícia a opção “ouvir o texto”, um serviço que da
mesma forma que os leitores de tela, transforma em áudio os caracteres de texto ,
facilitando a relação das pessoas com deficiência visual com o conteúdo.
** Os jornais online Diário Extra, Prensa Libre e El Nuevo Diário foram
selecionados por possuírem ferramenta de busca de conteúdo no sítio eletrônico,
ao contrário dos que eram mais acessíveis, mas não possuíam essa ferramenta.
Anexo 2 - Tabela com resumo do resultado da AnáliseElementos Editoria Promot
or
Fonte Abordagem Direitos Imagem Image
m
síntese
Fotogaleri
a – 2
5 Subedito
rial - 1
Não
identific
ado - 1
Empresarial
- 2
Personalista - 4 Indefinid
o - 1
Incômod
o - 1
Tutela -
18
9
Fotografias - 36 Empreg
os &
Carreira
s - 1
Empresa
rial - 2
Notáveis - 3 Episódico - 5 Lazer - 1 Fardo -
1
Autono
mia -
24
Vídeos- 5 Política
- 1
Especial
ista - 2
Não
identificada
- 3
Temát
ico -
33
Propostas - 1 Comunic
ação - 1
Benefici
ário - 2Legislação - 5
Ações do
movimento - 5
Denúncia/
problemas - 6
Relatórios/
pesquisas - 7
Ações do
governo - 9
Texto
- 42
Entrevist
as - 1
Cotidian
o - 1
Notáveis
- 4
Referência -
5
Combate
a
violência
contra a
mulher -2
Pena - 4
Reportag
em - 2
Editorial
- 2
Artigo -
3
Nota - 5
Notícia -
29
Saúde -
2
Instituci
onal - 16
Especializad
a - 8
Educação
- 2
Superpe
ssoa - 4
Esportes
- 2
Oficial -
17
Institucional
- 11
Esporte -
2
Pessoa
com