( espiritismo) # - biografias # espiritas famosos
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BIOGRAFIAS
INDICE
ADENÁUER NOVAES______________________________________________________________2
ALEXANDRE N. AKSAKOF_________________________________________________________2
ALLAN KARDEC__________________________________________________________________4
AMÁLIA DOMINGO SOLER_______________________________________________________40
AMÉLIA RODRIGUES_____________________________________________________________46
ANÁLIA FRANCO_________________________________________________________________48
ARTHUR CONAN DOYLE_________________________________________________________51
AUTA DE SOUZA________________________________________________________________53
BEZERRA DE MENEZES__________________________________________________________56
BITTENCOURT SAMPAIO_________________________________________________________62
CAÍRBAR SCHUTEL______________________________________________________________69
CAMILLE FLAMMARION__________________________________________________________73
DIVALDO PEREIRA FRANCO______________________________________________________75
EMANUEL VON SWEDENBORG___________________________________________________79
EMMANUEL_____________________________________________________________________82
ERMANCE DUFAUX______________________________________________________________83
EURÍPEDES BARSANULFO_______________________________________________________88
EUSÁPIA PALADINO_____________________________________________________________91
FLORENCE COOKE______________________________________________________________93
FRANCISCO PEIXOTO LINS (PEIXOTINHO)________________________________________97
Sigmar Gama - [email protected] Página 1
ADENÁUER NOVAESADENÁUER NOVAES
Adenáuer Novaes nasceu em 3 de abril de 1955, em Acajutiba, no sertão
da Bahia. Seus pais, Hostílio Freire de Novaes e Maria Terezinha Ferraz
Freire de Novaes tiveram dez filhos e ele foi a quinto.
Seu pai era militar do Exército, natural de Pernambuco e sua Mãe era
Advogada, natural de Sergipe. Ambos já falecidos.
Eles não mediram esforços na educação de seus filhos.
Adenáuer foi muito querido pelos pais, não só por ser o primeiro filho
homem após quatro mulheres, como por ter se revelado uma criança
muito viva e alegre.
Viveu sua infância, até os nove anos, na cidade de Acajutiba, e, em 1964,
seus pais se mudaram para Salvador.
Em 1972 e 73 prestou serviço militar na Escola Preparatória de Cadetes de
Campinas-SP. Formou-se 1981 em Engenharia Civil.
Concluiu o curso superior em Filosofia em 1986 e em Psicologia em 1997.
Em 1976 ingressou, mediante concurso público, no quadro de funcionários
da Caixa Econômica Federal, onde trabalhou por 22 anos.
Teve seu primeiro contato com o Espiritismo na adolescência, quando
freqüentou reuniões do Núcleo de Militares Espíritas na Escola de
Campinas.
Posteriormente, em Salvador iniciou seus estudos com o casal Rosita e
Barradas.
É casado e tem três filhos.
Fundou junto com outros companheiros, em 1994, um Centro Espírita em
Salvador, do qual, atualmente é director.
Trabalha como psicólogo clínico.
Pós-graduou-se em Psicologia Junguiana e ministra cursos nesta área.
É um dos diretores da Fundação Lar Harmonia, instituição filantrópica.
Escreveu vários livros sobre Psicologia e sobre Espiritismo.
ALEXANDRE N. AKSAKOFALEXANDRE N. AKSAKOF
Nasceu em Repievka (Rússia) em 27/05/1832 e desencarnou em S.
Petersburgo (o nome mudou depois para Leningrado), a 04/01/1903. Foi
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um dos grandes cientistas que notabilizou-se na investigação e análise dos
fenômenos espíritas, no século passado. Doutor em Filosofia e conselheiro
íntimo de Alexandre III, Tzar de todas as Rússias.
Sua mocidade sempre tendeu à seriedade, preocupou-se com
investigações sérias o que o levou a enfrentar prolongados anos de
dificuldades espirituais e sociais. Conquistando o pergaminho de doutor,
enveredou pelos árduos caminhos que conduzem ao êxito no campo do
conhecimento, tornando-se professor da Academia de Leipzig, na
Alemanha. Integrando-se resolutamente no campo da investigação
psíquica, tornou-se diretor do jornal Psychische Studiem , órgão publicado
na Alemanha. Não satisfeito com o seu trabalho na direção deste órgão,
lançou em Moscou, em 1891, a revista de estudos psíquicos Rebus , a
primeira do gênero na Rússia. Sustentou viva polêmica com o filósofo
alemão Dr. Von Hartmann, no decurso da qual refutou, com sobeja
superioridade científica e demonstrações irretorquíveis, as explicações do
sábio alemão sobre os fenômenos espíritas, aos quais atribuia um fundo
biológico.
Aksakof realizou numerosas experiências e observações no campo
científico, tendo realizado trabalhos tão profundos, tão interessantes, que
até hoje jamais foram esquecidos em matéria de espiritismo experimental.
Para a consecução dessa finalidade valeu-se do valioso concurso da
célebre médium italiana Eusapia Paladino. Fundamentado nesses
trabalhos publicou na Alemanha o seu famoso livro Animismo e Espiritismo
, em dois volumes, obra insuperável em todo o mundo.
Mais tarde com o valioso concurso dos médiuns Elisabeth D´Esperance e
Politi, além da já mencionada Eusapia Paladino, o grande criminalista
italiano Cesare Lombroso, expõe, de forma definitiva, o resultado das suas
experiências realizadas quinze anos depois. Esse trabalho de Lombroso
fortaleceu de forma decisiva tudo aquilo que Aksakof havia descrito em
sua obra. O livro de Aksakof Animismo e Espiritismo foi uma réplica à
brochura que o célebre filosofo alemão Eduardo von Hartmann -
continuador de Schopenhauer - fez editar em 1885, abordando aspectos
do Espiritismo.
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Escreveu ainda Aksakof, em fevereiro de 1890: Interessei-me pelo
movimento espírita desde 1855 e, desde então, não deixei de estudá-lo
em todas as suas particularidades e através de todas as literaturas. Em
1870 assisti à primeira sessão, em um círculo íntimo que eu tinha
organizado. Não fiquei surpreendido de verificar que os fatos eram reais
adquiri a convicção profunda de que eles nos ofereciam - como tudo o que
existe na Natureza - uma base verdadeiramente sólida, um terreno firme
para a fundação de uma ciência nova que seria talvez capaz, em um
futuro remoto, de fornecer ao homem a solução do problema da sua
existência. Fiz tudo o que estava ao meu alcance para tornar os fatos
conhecidos e atrair sobre o seu estudo a atenção dos pensadores isentos
de preconceitos .
Baseado no livro Personagens do Espiritismo de Antônio de Souza Lucena
e
Paulo Alves Godoy Ed. FEESP - 1ª Ed. - 1982 - SP - BRASIL
ALLAN KARDECALLAN KARDEC
Minhas senhoras, meus senhores:2
Muitas pessoas que se interessam pelo Espiritismo manifestam muitas
vezes o pesar de não possuírem senão muito imperfeito conhecimento da
biografia de Allan Kardec, e de não saberem onde encontrar, sobre aquele
a quem chamamos Mestre, as informações que desejariam conhecer.
Pois é para honrar Allan Kardec e festejar a sua memória que nos achamos
hoje reunidos, e mesmo sentimento de veneração e de reconhecimento
faz vibrar todos os corações. Em respeito ao fundador da filosofia espírita,
permiti-me, no intuito de tentar corresponder a tão legítimo desejo, que
vos entretenha alguns momentos com esse Mestre amado, cujos trabalhos
são universalmente conhecidos e apreciados, e cuja vida íntima e
laboriosa existência são apenas conjeturadas.
Se fácil foi a todos os investigadores conscienciosos inteirarem-se do alto
valor e do grande alcance da obra de Allan Kardec pela leitura atenta das
suas produções, bem poucos puderam, pela ausência até hoje de
elementos para isso, penetrar na vida do homem íntimo e seguí-lo passo a
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passo no desempenho da sua tarefa, tão grande, tão gloriosa e tão bem
preenchida.
1 Seu verdadeiro nome é Hippolyte Léon Denizard Rivail, conforme estudo
de autoria de Zêus Wantuil, inserto em “Reformador” de abril de 1963,
p.p. 95/6, intitulado “Kardec e seu nome civil”. Nota da FEB.
2 Conservamos no presente trabalho a forma de conferência que lhe deu
Henri Sausse, lendo-a por ocasião da solenidade com que os espíritas de
Lião celebraram, a 31 de março de 1896, o 27° aniversário do decesso de
Allan Kardec. - Nota do Tradutor.
Não somente a biografia de Allan Kardec é pouco conhecida, senão que
ainda está por ser escrita. A inveja e o ciúme semearam sobre ela os mais
evidentes erros, as mais grosseiras e as mais impudentes calúnias.
Vou, portanto, esforçar-me por mostrar-vos, com luz mais verdadeira, o
grande iniciador de quem nos desvanecemos de ser discípulos.
Todos sabeis que a nossa cidade se pode honrar, a justo título, de ter visto
nascer entre seus muros esse pensador tão arrojado quão metódico, esse
filósofo sábio, clarividente e profundo, esse trabalhador obstinado cujo
labor sacudiu o edifício religioso do Velho Mundo e preparou os novos
fundamentos que deveriam servir de base à evolução e à renovação da
nossa sociedade caduca, impelindo-a para um ideal mais são, mais
elevado, para um adiantamento intelectual e moral seguros.
Foi, com efeito, em Lião, que, a 3 de outubro de 1804, nasceu de antiga
família lionesa, com o nome de Rivail, aquele que devia mais tarde ilustrar
o nome de Allan Kardec e conquistar para ele tantos títulos à nossa
profunda simpatia, ao nosso filial reconhecimento.
Eis aqui a esse respeito um documento positivo e oficial:
“Aos 12 do vindemiário3 do ano XIII, auto do nascimento de Denizard
Hippolyte-Léon Rivail, nascido ontem às 7 horas da noite, filho de Jean
Baptiste-Antoine Rivail, magistrado, juiz, e Jeanne Duhamel, sua esposa,
residentes em Lião, rua Sala n° 76.
“O sexo da criança foi reconhecido como masculino.
“Testemunhas maiores:
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“Syriaque-Frédéric Dittmar, diretor do estabelecimento das águas
minerais da rua Sala, e Jean-François Targe, mesma rua Sala, à requisição
do médico Pierre Radamel, rua Saint-Dominique n° 78.
3 Veja-se “Reformador” de abril de 1947, pág, 85.
“Feita a leitura, as testemunhas assinaram, assim como o Maire da região
do Sul.
“O presidente do Tribunal,
(assinado) : Mathiou.”
O futuro fundador do Espiritismo recebeu desde o berço um nome querido
e respeitado e todo um passado de virtudes, de honra, de probidade;
grande número dos seus antepassados se tinham distinguido na advocacia
e na magistratura, por seu talento, saber e escrupulosa probidade. Parecia
que o jovem Rivail devia sonhar, também ele, com os louros e as glórias
da sua família. Assim, porém, não foi, porque, desde o começo da sua
juventude, ele se sentiu atraído para as ciências e para a filosofia.
Rivail Denizard fez em Lião os seus primeiros estudos e completou em
seguida a sua bagagem escolar, em Yverdun (Suíça), com o célebre
professor Pestalozzi, de quem cedo se tornou um dos mais eminentes
discípulos, colaborador inteligente e dedicado. Aplicou-se, de todo o
coração, à propaganda do sistema de educação que exerceu tão grande
influência sobre a reforma dos estudos na França e na Alemanha.
Muitíssimas vezes, quando Pestalozzi era chamado pelos governos, um
pouco de todos os lados, para fundar institutos semelhantes ao de
Yverdun, confiava a Denizard Rivail o encargo de o substituir na direção
da sua escola. O discípulo tornado mestre tinha, além de tudo, com os
mais legítimos direitos, a capacidade requerida para dar boa conta da
tarefa que lhe era confiada. Era bacharel em letras e em ciências e doutor
em medicina, tendo feito todos os estudos médicos e defendido
brilhantemente sua tese.4 Lingüista insigne, conhecia a fundo e falava
corretamente o alemão, o inglês, o italiano e o espanhol; conhecia
também o holandês, e podia facilmente exprimir-se nesta língua.
4 Ver “Reformador” de março de 1958, pág. 67.
Denizard Rivail era um alto e belo rapaz, de maneiras distintas, humor
jovial na intimidade, bom e obsequioso. Tendo-o a conscrição incluído para
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o serviço militar, ele obteve isenção e, dois anos depois, veio fundar em
Paris, à rua de Sèvres n° 35, um estabelecimento semelhante ao de
Yverdun.
Para essa empresa se associara a um dos seus tios, irmão de sua mãe, o
qual era seu sócio capitalista.
No mundo das letras e do ensino, que freqüentava em Paris, Denizard
Rivail encontrou a senhorita Amélia Boudet, professora com diploma de 1ª
classe.
Pequena, mas bem proporcionada, gentil e graciosa, rica por seus pais e
filha única, inteligente e viva, ela soube por seu sorriso e predicados fazer-
se notar pelo Sr. Rivail, em quem adivinhou, sob a franca e comunicativa
alegria do homem amável, o
pensador sábio e profundo, que aliava grande dignidade à mais esmerada
urbanidade.
O registro civil nos informa que:
“Amélie Gabrielle Boudet, filha de Julien-Louis Boudet, proprietário e
antigo tabelião, e de Julie Louise Seigneat de Lacombe, nasceu em Thiais
(Sena), aos 2 do Frimário do ano IV (23 de novembro de 1795).”
A senhorita Amélia Boudet tinha, pois, mais nove anos que o Sr. Rivail,
mas na aparência dir-se-ia ter menos dez que ele, quando, em 6 de
fevereiro de 1832, se firmou em Paris o contrato de casamento de
Hippolyte-Léon-Denizard Rivail, diretor do Instituto Técnico à rua de
Sèvres (Método de Pestalozzi), filho de Jean-Baptiste Antoine e senhora,
Jeanne Duhamel, residentes em Château-du-Loir, com Amélie-Gabrielle
Boudet, filha de Julien Louis e senhora Julie Louise Seigneat de Lacombe,
residentes em Paris, 35 rua de Sèvres.
O sócio do Sr. Rivail tinha a paixão do jogo; arruinou o sobrinho, perdendo
grossas somas em Spa e em Aix-la-Chapelle. O Sr. Rivail requereu a
liquidação do Instituto, de cuja partilha couberam 45.000 francos a cada
um deles. Essa soma foi colocada pelo Sr. e Sra. Rival em casa de um dos
seus amigos íntimos, negociante, que fez maus negócios e cuja falência
nada deixou aos credores.
Longe de desanimar com esse duplo revés, o Sr. e Sra. Rivail lançaram-se
corajosamente ao trabalho.
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Ele encontrou e pôde encarregar-se da contabilidade de três casas, que
lhe produziam cerca de 7.000 francos por ano; e, terminado o seu dia,
esse trabalhador infatigável escrevia à noite, ao serão, gramáticas,
aritméticas, livros para estudos pedagógicos superiores; traduzia obras
inglesas e alemãs e preparava todos os cursos de Levy-Alvarès,
freqüentados por discípulos de ambos os sexos do faubourg Saint-
Germain.
Organizou também em sua casa, à rua de Sèvres, cursos gratuitos de
química, física, astronomia e anatomia comparada, de 1835 a 1840, e que
eram muito freqüentados.
Membro de várias sociedades sábias, notadamente da Academia Real
d’Arras, foi premiado, por concurso, em 1831, pela apresentação da sua
notável memória:
Qual o sistema de estudo mais em harmonia com as necessidades da
época?
Dentre as suas numerosas obras convém citar, por ordem cronológica:
Plano apresentado para o melhoramento da instrução pública, em 1828;
em 1829 5, segundo o método de Pestalozzi, ele publicou, para uso das
mães de família e dos professores, o Curso prático e teórico de aritmética;
em 1831 fez aparecer a Gramática francesa clássica; em 1846 o Manual
dos exames para obtenção dos diplomas de capacidade, soluções
racionais das questões e problemas de aritmética e geometria; em 1848
foi publicado o Catecismo gramatical da língua francesa; finalmente, em
1849, encontramos o Sr. Rivail professor no Liceu Polimático, regendo as
cadeiras de Fisiologia, Astronomia, Química e Física. Em uma obra muito
apreciada resume seus cursos, e depois publica: Ditados normais dos
exames na Municipalidade e na Sorbona; Ditados especiais sobre as
dificuldades ortográficas.
5 Houve engano dos biógrafos. Não foi em 1829, mas em 1824. Ver
“Reformador” de 1952, págs. 77 e 79. - Nota da FEB.
Tendo sido essas diversas obras adotadas pela Universidade de França, e
vendendo-se abundantemente, pôde o Sr. Rivail conseguir, graças a elas e
ao seu assíduo trabalho, uma modesta abastança.
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Como se pode julgar por esta muito rápida exposição, o Sr. Rivail estava
admiravelmente preparado para a rude tarefa que ia ter que desempenhar
e fazer triunfar.
Seu nome era conhecido e respeitado, seus trabalhos justamente
apreciados, muito antes que ele imortalizasse o nome de Allan Kardec.
Prosseguindo em sua carreira pedagógica, o Sr. Rivail poderia viver feliz,
honrado e tranqüilo, estando a sua fortuna reconstruída pelo trabalho
perseverante e
pelo brilhante êxito que lhe havia coroado os esforços; mas a sua missão o
chamava
a uma tarefa mais onerosa, a uma obra maior, e, como teremos muitas
vezes ocasião de o evidenciar, ele sempre se mostrou à altura da missão
gloriosa que lhe estava reservada.
Seus pendores, suas aspirações, tê-lo-iam impelido para o misticismo, mas
a educação, o juízo reto, a observação metódica, conservaram-no
igualmente ao abrigo dos entusiasmos desarrazoados e das negações não
justificadas.
Foi em 1854 que o Sr. Rivail ouviu pela primeira vez falar nas mesas
girantes, a princípio do Sr. Fortier, magnetizador, com o qual mantinha
relações, em razão dos seus estudos sobre o Magnetismo.
O Sr. Fortier lhe disse um dia: “Eis aqui uma coisa que é bem mais
extraordinária: não somente se faz girar uma mesa, magnetizando-a, mas
também se pode fazê-la falar. Interroga-se, e ela responde.”
- Isso, replicou o Sr. Rivail, é uma outra questão; eu acreditarei quando vir
e quando me tiverem provado que uma mesa tem cérebro para pensar,
nervos para sentir, e que se pode tornar sonâmbula.
Até lá, permita-me que não veja nisso senão uma fábula para provocar o
sono.
Tal era a princípio o estado de espírito do Sr. Rivail, tal o encontraremos
muitas vezes, não negando coisa alguma por parti pris, mas pedindo
provas e querendo ver e observar para crer; tais nos devemos mostrar
sempre no estudo tão atraente das manifestações do Além.
Até agora, não vos falei senão do Sr. Rivail, professor emérito, autor
pedagógico de renome.
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Nessa época, porém, da sua vida, de 1854 a 1856, um novo horizonte se
rasga para esse pensador profundo, para esse sagaz observador.
Então o nome de Rivail se obumbra, para ceder o lugar ao de Allan Kardec,
que a fama levará a todos os cantos do globo, que todos os ecos repetirão
e que todos os nossos corações idolatram.
Eis aqui como Allan Kardec nos revela as suas dúvidas, as suas hesitações
e também a sua primeira iniciação:
“Eu me encontrava, pois, no ciclo de um fato inexplicado, contrário, na
aparência, às leis da Natureza e que minha razão repelia.
Nada tinha ainda visto nem observado; as experiências feitas em presença
de pessoas honradas e dignas de fé me firmavam na possibilidade do
efeito puramente material; mas a idéia, de uma mesa falante, não me
entrava ainda no cérebro.
“No ano seguinte - era no começo de 1855 - encontrei o Sr. Carlotti, um
amigo de há vinte e cinco anos, que discorreu acerca desses fenômenos
durante mais de uma hora, com o entusiasmo que ele punha em todas as
idéias novas. O Sr.
Carlotti era corso de origem, de natureza ardente e enérgica; eu tinha
sempre
distinguido nele as qualidades que caracterizavam uma grande e bela
alma, mas
desconfiava da sua exaltação. Ele foi o primeiro a falar-me da intervenção
dos
Espíritos, e contou-me tantas coisas surpreendentes que, longe de me
convencerem,
aumentaram as minhas dúvidas. - Você um dia será dos nossos - disse-me
ele. - Não
digo que não, respondi-lhe eu -; veremos isso mais tarde.
“Daí a algum tempo, pelo mês de maio de 1855, estive, em casa da
sonâmbula
Sra. Roger, com o Sr. Fortier, seu magnetizador. Lá encontrei o Sr. Pâtier e
a Sra.
Plainemaison, que me falaram desses fenômenos no mesmo sentido que o
Sr.
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Carlotti, mas noutro tom.
BIOGRAFIA DE ALLAN KARDEC 8
O Sr. Pâtier era funcionário público, de certa idade, homem muito
instruído,
de caráter grave, frio e calmo; sua linguagem pausada, isenta de todo
entusiasmo,
produziu-me viva impressão, e, quando ele me convidou para assistir às
experiências
que se realizavam em casa da Sra. Plainemaison, rua Grange-Batelière n°
18, aceitei
com solicitude. A entrevista foi marcada para a terça-feira6 de maio, às 8
horas da
noite.
“Foi aí, pela primeira vez, que testemunhei o fenômeno das mesas
girantes,
que saltavam e corriam, e isso em condições tais que a dúvida não era
possível.
“Aí vi também alguns ensaios muito imperfeitos de escrita mediúnica em
uma
ardósia com o auxílio de uma cesta. Minhas idéias estavam longe de se
haver
modificado, mas naquilo havia um fato que devia ter uma causa. Entrevi,
sob essas
aparentes futilidades e a espécie de divertimento que com esses
fenômenos se fazia,
alguma coisa de sério e como que a revelação de uma nova lei, que a mim
mesmo
prometi aprofundar.
“A ocasião se me ofereceu e pude observar mais atentamente do que
tinha
podido fazer. Em um dos serões da Sra. Plainemaison, fiz conhecimento
com a
família Baudin, que morava então à rua Rochechouart. O Sr. Baudin fez-
me
Sigmar Gama - [email protected] Página 11
oferecimento no sentido de assistir às sessões hebdomadárias que se
efetuavam em
sua casa, e às quais eu fui, desde esse momento, muito assíduo.
“Foi aí que fiz os meus primeiros estudos sérios em Espiritismo, menos
ainda
por efeito de revelações que por observação. Apliquei a essa nova ciência,
como até
então o tinha feito, o método da experimentação; nunca formulei teorias
preconcebidas; observava atentamente, comparava, deduzia as
conseqüências; dos
efeitos procurava remontar às causas pela dedução, pelo encadeamento
lógico dos
fatos, não admitindo como válida uma explicação, senão quando ela podia
resolver
todas as dificuldades da questão.
6 Esta data ficou em branco no manuscrito de Allan Kardec. - Nota do
Autor.
BIOGRAFIA DE ALLAN KARDEC 9
Foi assim que sempre procedi em meus trabalhos anteriores, desde a
idade de
quinze a dezessete anos. Compreendi, desde o princípio, a gravidade da
exploração
que ia empreender. Entrevi nesses fenômenos a chave do problema tão
obscuro e tão
controvertido do passado e do futuro, a solução do que havia procurado
toda a minha
vida; era, em uma palavra, uma completa revolução nas idéias e nas
crenças; preciso,
portanto, se fazia agir com circunspeção e não levianamente, ser
positivista e não
idealista, para me não deixar arrastar pelas ilusões.
“Um dos primeiros resultados das minhas observações foi que os Espíritos,
não sendo senão as almas dos homens, não tinham nem a soberana
sabedoria, nem a
Sigmar Gama - [email protected] Página 12
soberana ciência; que o seu saber era limitado ao grau do seu
adiantamento, e que a
sua opinião não tinha senão o valor de uma opinião pessoal. Esta verdade,
reconhecida desde o começo, evitou-me o grave escolho de crer na sua
infalibilidade
e preservou-me de formular teorias prematuras sobre a opinião de um só
ou de
alguns.
“Só o fato da comunicação com os Espíritos, o que quer que eles
pudessem
dizer, provava a existência de um mundo invisível ambiente; era já um
ponto capital,
um imenso campo franqueado às nossas explorações, a chave de uma
multidão de
fenômenos inexplicados. O segundo ponto, não menos importante, era
conhecer o
estado desse mundo e seus costumes, se assim nos podemos exprimir.
Cedo,
observei que cada Espírito, em razão de sua posição pessoal e de seus
conhecimentos, desvendava-me uma fase desse mundo, exatamente
como se chega a
conhecer o estado de um país interrogando os habitantes de todas as
classes e
condições, podendo cada qual nos ensinar alguma coisa e nenhum deles
podendo,
individualmente, ensinar-nos tudo. Cumpre ao observador formar o
conjunto, com o
auxílio dos documentos recolhidos de diferentes lados, colecionados,
coordenados e
confrontados entre si. Eu, pois, agi com os Espíritos como teria feito com
os
homens: eles foram, para mim, desde o menor até o mais elevado, meios
de colher
informações e não reveladores predestinados.”
Sigmar Gama - [email protected] Página 13
BIOGRAFIA DE ALLAN KARDEC 10
A estas informações, colhidas nas Obras Póstumas de Allan Kardec,
convém
acrescentar que a princípio o Sr. Rivail, longe de ser um entusiasta dessas
manifestações e absorvido por outras preocupações, esteve a ponto de as
abandonar,
o que talvez tivesse feito se não fossem as instantes solicitações dos Srs.
Carlotti,
René Taillandier, membro da Academia das Ciências, Tiedeman-Manthèse,
Sardou,
pai e filho, e Diddier, editor, que acompanhavam havia cinco anos o
estudo desses
fenômenos e tinham reunido cinqüenta cadernos de comunicações
diversas, que não
conseguiam pôr em ordem. Conhecendo as vastas e raras aptidões de
síntese do Sr.
Rivail, esses senhores lhe enviaram os cadernos, pedindo-lhe que deles
tomasse
conhecimento e os pusesse em termos -, os arranjasse. Este trabalho era
árduo e
exigia muito tempo, em virtude das lacunas e obscuridades dessas
comunicações; e o
sábio enciclopedista recusava-se a essa tarefa enfadonha e absorvente,
em razão de
outros trabalhos.
Uma noite, seu Espírito protetor, Z., deu-lhe, por um médium, uma
comunicação toda pessoal, na qual lhe dizia, entre outras coisas, tê-lo
conhecido em
uma precedente existência, quando, ao tempo dos Druidas, viviam juntos
nas Gálias.
Ele se chamava, então, Allan Kardec, e, como a amizade que lhe havia
votado só
fazia aumentar, prometia-lhe esse Espírito secundá-lo na tarefa muito
importante a
Sigmar Gama - [email protected] Página 14
que ele era chamado, e que facilmente levaria a termo.
O Sr. Rivail, pois, lançou-se à obra; tomou os cadernos, anotou-os com
cuidado. Após atenta leitura, suprimiu as repetições e pôs na respectiva
ordem cada
ditado, cada relatório de sessão; assinalou as lacunas a preencher, as
obscuridades a
aclarar, e preparou as perguntas necessárias para chegar a esse
resultado.
“Até então, diz ele próprio, as sessões em casa do Sr. Baudin não tinham
nenhum fim determinado; propus-me, aí, fazer resolver os problemas que
me
interessavam sob o ponto de vista da filosofia, da psicologia e da natureza
do mundo
invisível.
BIOGRAFIA DE ALLAN KARDEC 11
Comparecia a cada sessão com uma série de questões preparadas e
metodicamente dispostas: eram respondidas com precisão, profundeza e
de modo
lógico. Desde esse momento as reuniões tiveram caráter muito diferente,
e, entre os
assistentes, encontravam-se pessoas sérias que tomaram vivo interesse
pelo trabalho.
Se me acontecia faltar, ficavam as sessões como que tolhidas, tendo as
questões
fúteis perdido o atrativo para o maior número. A princípio eu não tinha
vista senão a
minha própria instrução; mais tarde, quando vi que tudo aquilo formava
um conjunto
e tomava as proporções de uma doutrina, tive o pensamento de o
publicar, para
instrução de todos. Foram essas mesmas questões que, sucessivamente
desenvolvidas e completadas, fizeram a base de O Livro dos Espíritos.”
Em 1856, o Sr. Rivail freqüentou as reuniões espíritas que se realizavam à
rua
Sigmar Gama - [email protected] Página 15
Tiquetone, em casa do Sr. Roustan, com Mlle. Japhet, sonâmbula, que
obtinha como
médium comunicações muito interessantes, com o auxílio da cesta
aguçada7; fez
examinar por esse médium as comunicações obtidas e postas
precedentemente em
ordem. Esse trabalho foi efetuado, a princípio, nas sessões ordinárias; mas
a pedido
dos Espíritos, e para que fosse consagrado mais cuidado, mais atenção a
esse exame, foi continuado em sessões particulares.
“Não me contentei com essa verificação, diz ainda Allan Kardec, que os
Espíritos me haviam recomendado.
Tendo-me as circunstâncias posto em relação com outros médiuns, toda
vez que se oferecia ocasião, eu a aproveitava para propor algumas das
questões que me pareciam mais melindrosas.
Foi assim que mais de dez médiuns prestaram seu concurso a esse
trabalho.
E foi da comparação e da fusão de todas essas respostas, coordenadas,
classificadas e muitas vezes refeitas no silêncio da meditação, que formei
a primeira edição de O Livro dos Espíritos, a qual apareceu em 18 de abril
de 1857.”
7 Arranjada em forma de bico. - Nota do Tradutor.
Esse livro era em formato grande, in-4, em duas colunas, uma para as
perguntas e outra, em frente, para as respostas.
No momento de publicá-lo, o autor ficou muito embaraçado em resolver
como o assinaria, se com o seu nome - Denizard-Hippolyte-Léon-Rivail, ou
com um pseudônimo.
Sendo o seu nome muito conhecido do mundo científico, em virtude dos
seus trabalhos anteriores, e podendo originar uma confusão, talvez
mesmo prejudicar o êxito do empreendimento, ele adotou o alvitre de o
assinar com o nome de Allan Kardec que, segundo lhe revelara o guia, ele
tivera ao tempo dos Druidas.
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A obra alcançou tal êxito que a primeira edição foi logo esgotada. Allan
Kardec reeditou-a em 1858 8 sob a forma atual in-12, revista, correta e
consideravelmente aumentada.
No dia 25 de março de 1856 estava Allan Kardec em seu gabinete de
trabalho, em via de compulsar as comunicações e preparar o “O Livro dos
Espíritos”,
quando ouviu ressoarem pancadas repetidas no tabique; procurou, sem
descobrir, a
causa disso, e em seguida tornou a pôr mãos à obra.
Sua mulher, entrando cerca das dez horas, ouviu os mesmos ruídos;
procuraram, mas sem resultado, de onde podiam eles provir.
Moravam, então, à rua dos Mártires n° 8, no segundo andar, ao fundo.
“No dia seguinte, sendo dia de sessões em casa do Sr. Baudim, escreve
Allan Kardec, contei o fato e pedi a explicação dele.
Pergunta: - Ouvistes o fato que acabo de narrar; podereis dizer-me a
causa dessas pancadas que se fizeram ouvir com tanta insistência?
Resposta: - Era o teu Espírito familiar.
P. - Com que fim, vinha ele bater assim?
R. - Queria comunicar-se contigo.
P. - Poderei dizer-me o que queria ele?
R. - Podes perguntar a ele mesmo, porque está aqui.
8 A 2ª edição foi impressa em 1860, e não 1858. - Nota da FEB.
BIOGRAFIA DE ALLAN KARDEC 13
P. - Meu Espírito familiar, quem quer que sejais, agradeço-vos terdes vindo
visitar-me. Quereis ter a bondade de dizer-me quem sois?
R. - Para ti chamar-me-ei a Verdade, e todos os meses, durante um quarto
de
hora, estarei aqui, à tua disposição.
P. - Ontem, quando batestes, enquanto eu trabalhava, tínheis alguma
coisa de
particular a dizer-me?
R. - O que eu tinha a dizer-te era sobre o trabalho que fazias; o que
escrevias
me desagradava e eu queria fazer-te parar.
Sigmar Gama - [email protected] Página 17
NOTA - O que eu escrevia era precisamente relativo aos estudos que fazia
sobre os Espíritos e suas manifestações.
P. - A vossa desaprovação versava sobre o capítulo que eu escrevia, ou
sobre
o conjunto do trabalho?
R. - Sobre o capítulo de ontem: faço-te juiz dele. Torna a lê-lo esta noite;
reconhecer-lhe-ás os erros e os corrigirás.
P. - Eu mesmo não estava muito satisfeito com esse capítulo e o refiz hoje.
Está melhor?
R. - Está melhor, mas não muito bom. Lê da terceira à trigésima linha e
reconhecerás um grave erro.
P. - Rasguei o que tinha feito ontem.
R. - Não importa. Essa inutilização não impede que subsista o erro. Relê e
verás.
P. - O nome de Verdade que tomais é uma alusão à verdade que procuro?
R. - Talvez, ou, pelo menos, é um guia que te há de auxiliar e proteger.
P. - Posso evocar-vos em minha casa?
R. - Sim, para que eu te assista pelo pensamento; mas, quanto a respostas
escritas em tua casa, não será tão cedo que as poderás obter.
P. - Podereis vir mais freqüentemente que todos os meses?
R. - Sim; mas não prometo senão uma vez por mês, até nova ordem.
BIOGRAFIA DE ALLAN KARDEC 14
P. - Animastes alguma personagem conhecida na Terra?
R. - Disse-te que para ti eu era a Verdade, o que da tua parte devia
importar
discrição; não saberás mais que isto.”
De volta a casa, Allan Kardec apressou-se a reler o que escrevera e pôde
verificar o grave erro que com efeito havia cometido. A dilação de um
mês, fixada
para cada comunicação do Espírito Verdade, raramente foi observada. Ele
se
manifestou freqüentemente a Allan Kardec, mas não em sua casa, onde
durante
Sigmar Gama - [email protected] Página 18
cerca de um ano não pôde este receber nenhuma comunicação por
médium algum e,
cada vez que ele esperava obter alguma coisa, era obstado por uma causa
qualquer e
imprevista, que a isso se vinha opor.
Foi a 30 de abril de 1856, em casa do Sr. Roustan, pela médium Mlle.
Japhet,
que Allan Kardec recebeu a primeira revelação da missão que tinha a
desempenhar.
Esse aviso, a princípio muito vago, foi precisado no dia 12 de junho de
1856, por
intermédio de Mlle. Aline C., médium. A 6 de maio de 1857, a Sra.
Cardone, pela
inspeção das linhas da mão de Allan Kardec, confirmou as duas
comunicações
precedentes, que ela ignorava. Finalmente, a 12 de abril de 1860, em casa
do Sr.
Dehan, sendo intermediário o Sr. Croset, médium, essa missão foi
novamente
confirmada em uma comunicação espontânea, obtida na ausência de Allan
Kardec.
Assim, também, se deu a respeito do seu pseudônimo. Numerosas
comunicações,
procedentes dos mais diversos pontos, vieram reafirmar e corroborar a
primeira comunicação obtida a esse respeito.
Urgido pelos acontecimentos e pelos documentos que tinha em seu poder,
Allan Kardec formara, em razão do êxito de O Livro dos Espíritos, o projeto
de criar
um jornal espírita. Havia-se dirigido ao Sr. Tiedeman, para solicitar-lhe o
concurso
pecuniário, mas este não estava resolvido a tomar parte nessa empresa.
Allan Kardec
perguntou aos seus guias, no dia 15 de novembro de 1857, por intermédio
da Srta. E.
Sigmar Gama - [email protected] Página 19
Dufaux, o que deveria fazer.
BIOGRAFIA DE ALLAN KARDEC 15
Foi-lhe respondido que pusesse a sua idéia em execução e que não se
inquietasse com o resto.
“Apressei-me em redigir o primeiro número, diz Allan Kardec, e o fiz
aparecer no dia 1° de janeiro de 1858, sem nada dizer a pessoa alguma.
Não tinha
um único assinante, nem sócio capitalista. Fi-lo, pois, inteiramente por
minha conta
e risco, e não tive de que me arrepender, porque o êxito ultrapassou a
minha
expectativa. A partir de 1° de janeiro, os números se sucederam sem
interrupção, e,
como o previra o Espírito, esse jornal se me tornou em poderoso auxiliar.
Reconheci, mais tarde, que era uma felicidade para mim não ter tido um
sócio
capitalista, porque estava mais livre, enquanto que um estranho
interessado teria
pretendido impor-me as suas idéias e a sua vontade e poderia embaraçar-
me a
marcha. Só, eu não tinha que prestar contas a ninguém, por mais onerosa
que, como
trabalho, fosse a minha tarefa.”
E essa tarefa devia ir sempre crescendo em labor e em responsabilidades,
em
lutas incessantes contra obstáculos, emboscadas, perigos de toda sorte. À
medida,
porém, que a lide se tornava mais áspera, esse enérgico trabalhador se
elevava,
também, à altura dos acontecimentos, que nunca o surpreenderam; e
durante onze
anos, nessa Revista Espírita, que acabamos de ver como começou tão
modestamente, ele afrontou todas as tempestades, todas as emulações,
todos os
Sigmar Gama - [email protected] Página 20
ciúmes que não lhe foram poupados, como ele mesmo relata e como lhe
fora
anunciado ao ser-lhe revelada a sua missão. Essa comunicação e as
reflexões de que
as anotou Allan Kardec nos mostram, sob um prisma pouco lisonjeiro, a
situação
naquela época, mas fazem também ressaltar o grande valor do fundador
do
Espiritismo e o seu mérito em ter sabido triunfar:
Médium, Mlle. Aline C. - 12 de junho de 1856:
P. - Quais são as causas que me poderiam fazer fracassar? Seria a
insuficiência das minhas aptidões?
R. - Não; mas a missão dos reformadores é cheia de escolhos e perigos; a
tua
é rude; previno-te, porque é ao mundo inteiro que se trata de agitar e de
transformar.
BIOGRAFIA DE ALLAN KARDEC 16
Não creias que te seja suficiente publicar um livro, dois livros, dez livros, e
ficares tranqüilamente em tua casa; não, é preciso te mostrares no
conflito; contra ti
se açularão terríveis ódios, implacáveis inimigos tramarão a tua perda;
estarás
exposto à calúnia, à traição, mesmo daqueles que te parecerão mais
dedicados; as
tuas melhores instruções serão impugnadas e desnaturadas; sucumbirás
mais de uma
vez ao peso da fadiga; em uma palavra, é uma luta quase constante que
terás de
sustentar com o sacrifício do teu repouso, da tua tranqüilidade, da tua
saúde e
mesmo da tua vida, porque tu não viverás muito tempo. Pois bem. Mais de
um recua
quando, em lugar de uma vereda florida, não encontra sob seus passos
senão
Sigmar Gama - [email protected] Página 21
espinhos, agudas pedras e serpentes. Para tais missões não basta a
inteligência. É
preciso antes de tudo, para agradar a Deus, humildade, modéstia,
desinteresse,
porque abatem os orgulhosos e os presunçosos. Para lutar contra os
homens, é
necessário coragem, perseverança e firmeza inquebrantáveis; é preciso,
também, ter
prudência e tato para conduzir as coisas a propósito e não comprometer-
lhes o êxito
por medidas ou palavras intempestivas; é preciso, enfim, devotamento,
abnegação, e
estar pronto para todos os sacrifícios.
“Vês que a tua missão está subordinada a condições que dependem de ti.
Espírito Verdade.”
NOTA - (É Allan Kardec que assim se exprime):
“Escrevo esta nota no dia 1° de janeiro de 1867, dez anos e meio depois
que
esta comunicação me foi dada, e verifico que ela se realizou em todos os
pontos,
porque experimentei todas as vicissitudes que nela me foram anunciadas.
Tenho sido
alvo do ódio de implacáveis inimigos, da injúria, da calúnia, da inveja e do
ciúme;
têm sido publicados contra mim infames libelos; as minhas melhores
instruções têm
sido desnaturadas; tenho sido traído por aqueles em quem depositara
confiança, e
pago com a ingratidão por aqueles a quem tinha prestado serviços. A
Sociedade de
Paris tem sido um contínuo foco de intrigas, urdidas por aqueles que se
diziam a
meu favor, e que, mostrando-se amáveis em minha presença, me
detratavam na
Sigmar Gama - [email protected] Página 22
ausência.
BIOGRAFIA DE ALLAN KARDEC 17
Disseram que aqueles que adotavam o meu partido eram assalariados por
mim
com o dinheiro que eu arrecadava do Espiritismo. Não mais tenho
conhecido o
repouso; mais de uma vez, sucumbi; sob o excesso do trabalho, tem-se-
me alterado a
saúde e comprometido a vida.
“Entretanto, graças à proteção e à assistência dos bons Espíritos, que sem
cessar me têm dado provas manifestas de sua solicitude, sou feliz em
reconhecer que
não tenho experimentado um único instante de desfalecimento nem de
desânimo, e
que tenho constantemente prosseguido na minha tarefa com o mesmo
ardor, sem me
preocupar com a malevolência de que era alvo. Segundo a comunicação
do Espírito
Verdade, eu devia contar com tudo isso, e tudo se verificou.”
*
Quando se conhecem todas essas lutas, todas as torpezas de que Allan
Kardec
foi alvo, quanto ele se engrandece aos nossos olhos e como o seu
brilhante triunfo
adquire mérito e esplendor! Que se tornaram esses invejosos, esses
pigmeus que
procuravam obstruir-lhe o caminho? Na maior parte são desconhecidos os
seus
nomes, ou nenhuma recordação despertam mais: o esquecimento os
retomou e
sepultou para sempre em suas sombras, enquanto que o de Allan Kardec,
o intrépido
lutador, o pioneiro ousado, passará à posteridade com a sua auréola de
glória tão
Sigmar Gama - [email protected] Página 23
legitimamente adquirida.
A Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas foi fundada a 1° de abril de
1858. Até então, as reuniões se realizavam em casa de Allan Kardec, à rua
dos
Mártires, com Mlle. E. Dufaux, como principal médium; o seu salão poderia
conter
de quinze a vinte pessoas. Cedo, aí reuniu ele mais de trinta. Tornando-se,
então,
esse local muito acanhado e não querendo onerar Allan Kardec com todos
os
encargos, alguns dos assistentes se propuseram formar uma sociedade
espírita e
alugar um outro local em que se efetuassem as reuniões. Mas era preciso,
para se
poderem reunir, obter o reconhecimento e a autorização da Polícia.
BIOGRAFIA DE ALLAN KARDEC 18
O Sr. Dufaux, que conhecia pessoalmente o prefeito de polícia de então,
encarregou-se de dar os passos para esse fim, e, graças ao ministro do
Interior, o
general X., que era favorável às novas idéias, a autorização foi obtida em
quinze
dias, enquanto que pelo processo ordinário teria exigido meses, sem
grande
probabilidade de êxito.
“A Sociedade foi, então, regularmente constituída e reunia-se todas as
terçasfeiras,
no local que fora alugado no Palais-Royal, galeria Valois. Aí ficou durante
um ano, de 1° de abril de 1858 a 1° de abril de 1859. Não podendo lá
permanecer
por mais tempo, reunia-se todas as sextas-feiras em um dos salões do
restaurante
Douix, no Palais-Royal, galeria Montpensier, de 1° de abril de 1859 a 1° de
abril de
Sigmar Gama - [email protected] Página 24
1860, época em que se instalou em sede própria, à rua e passagem
Sant’Ana n° 59.”
Depois de haver dado conta das condições em que se formou a Sociedade
e
da tarefa que teve a desempenhar, Allan Kardec assim se exprime
(Revista Espírita,
1859, pág. 169):
“Empreguei em minhas funções, que posso dizer laboriosas, toda a
solicitude
e toda a dedicação de que era capaz; do ponto de vista administrativo,
esforcei-me
por manter nas sessões uma ordem rigorosa e por imprimir-lhe um caráter
de
gravidade, sem o qual o prestígio de assembléia séria teria cedo
desaparecido.
Agora, que a minha tarefa está terminada e que o impulso está dado, devo
inteirarvos
da resolução que tomei, de renunciar de futuro a toda espécie de função
na
Sociedade, mesmo a de diretor dos estudos; não ambiciono senão um
título - o de
simples membro titular, com que me sentirei sempre feliz e honrado. O
motivo da
minha determinação está na multiplicidade dos meus trabalhos, que
aumentam todos
os dias, pela extensão das minhas relações; porque, além daqueles que
conheceis,
preparo outros trabalhos mais consideráveis, que exigem longos e
laboriosos estudos
e não absorverão menos de dez anos; ora, os trabalhos da Sociedade não
deixam de
tomar muito tempo, quer para o preparo, quer para a coordenação e a
passagem a
Sigmar Gama - [email protected] Página 25
limpo. Reclamam assiduidade muitas vezes prejudicial às minhas
ocupações pes
soais, pois que se torna indispensável a iniciativa quase exclusiva que me
tendes
deixado.
BIOGRAFIA DE ALLAN KARDEC 19
É a esse motivo, meus senhores, que eu devo o ter tantas vezes tomado a
palavra, lamentando com freqüência que os membros eminentemente
esclarecidos
que possuímos nos privassem das suas luzes. Desde muito tempo
alimentava o
desejo de demitir-me das minhas funções: manifestei-o de modo muito
explícito em
diversas ocasiões, quer aqui, quer em particular a muitos dos meus
colegas, e
especialmente ao Sr. Ledoyen. Tê-lo-ia feito mais cedo, se não fora o
temor de
produzir uma perturbação na Sociedade. Retirando-me no meado do ano,
poderiam
acreditar em uma deserção, e era preciso não dar esse prazer aos nossos
adversários.
Desempenhei, portanto, a minha tarefa até ao fim; hoje, porém, que esses
motivos
cessaram, apresso-me em vos dar parte da minha resolução, para não
embaraçar a
escolha que fareis. É justo que cada um tenha a sua parte nos encargos e
nas
honras.”
Apressemo-nos a acrescentar que essa demissão não foi aceita e que
Allan
Kardec foi reeleito por unanimidade, menos um voto e uma cédula em
branco.
Diante desse testemunho de simpatia, ele se submeteu e se conservou em
suas
Sigmar Gama - [email protected] Página 26
funções.
Em setembro de 1860, Allan Kardec fez uma viagem de propaganda à
nossa
região, e eis aqui como a ela fez referência na Sociedade Parisiense de
Estudos
Espíritas:
“O Sr. Allan Kardec dá conta do resultado da viagem que acaba de fazer,
no
interesse do Espiritismo, e felicita-se pela cordialidade do acolhimento que
por toda
parte encontrou, especialmente em Sens, Mácon, Lião e Saint-Etienne.
Observou,
em todo lugar em que se demorou, os progressos consideráveis da
doutrina; mas o
que sobretudo é digno de nota, é que em parte alguma viu que dela se
fizesse um
divertimento, mas, que, ao contrário, dela se ocupam de modo sério, e
que por toda
parte lhe compreendem o alcance e as conseqüências futuras. Há, sem
dúvida,
muitos adversários, sendo os mais encarniçados os inimigos interessados,
mas os
motejadores diminuem sensivelmente; vendo que os seus
BIOGRAFIA DE ALLAN KARDEC 20
sarcasmos não colocam do seu lado os gracejadores, e que auxiliam mais
do que
impedem o progresso das novas crenças, começam a compreender que
nada ganham
com isso e que consomem o seu espírito em pura perda, e assim se calam.
Uma frase
muito característica parece ser em toda parte a ordem do dia, e é esta: o
Espiritismo
está no ar; só por si desenha ela o estado das coisas. Mas, é sobretudo em
Lião que
Sigmar Gama - [email protected] Página 27
são mais notáveis os resultados. Os espíritas são, aí, numerosos em todas
as classes,
e na classe operária contam-se por centenas. A Doutrina Espírita tem
exercido sobre
os operários a mais salutar influência, sob o ponto de vista da ordem, da
moral e das
idéias religiosas; em resumo, a propagação do Espiritismo marcha com a
mais
animadora celeridade.”
No decurso dessa viagem, Allan Kardec pronunciou um discurso magistral,
no banquete realizado a 19 de setembro de 1860, do qual eis aqui
algumas
passagens, próprias a nos interessar, a nós que aspiramos a substituir
dignamente
esses trabalhadores da primeira hora:
“A primeira coisa que me impressionou foi o números de adeptos; eu sabia
perfeitamente que Lião os contava em grande escala, mas estava longe
de imaginar
que o número fosse tão considerável, porque é por centenas que eles se
contam, e,
em pouco tempo - eu o espero -, já se não poderão contar mais.
“Se, porém, Lião se distingue pelo número, não o faz menos pela
qualidade, o
que ainda vale mais. Por toda parte não encontrei senão espíritas
sinceros,
compreendendo a doutrina sob seu verdadeiro ponto de vista. Há, meus
senhores,
três categorias de adeptos: uns que se limitam a crer na realidade das
manifestações
e que procuram, antes de tudo, os fenômenos; o Espiritismo é
simplesmente para
eles uma série de fatos mais ou menos interessantes. Os segundos vêem
outra coisa
Sigmar Gama - [email protected] Página 28
nele além dos fatos, compreendem o seu alcance filosófico, admiram a
moral que
deles decorre, mas não a praticam; para eles, a caridade cristã é uma bela
máxima, e
nada mais. Os terceiros, finalmente, não se contentam de admirar a
moral: praticamna
e aceitam-lhe as conseqüências.
BIOGRAFIA DE ALLAN KARDEC 21
Bem convencidos de que a existência terrestre é uma prova passageira,
esforçam-se por aproveitar esses curtos instantes, para marchar na senda
do
progresso que lhes traçam os Espíritos, emprenhando-se em fazer o bem e
em
reprimir as suas más inclinações; as suas relações são sempre seguras,
porque as
suas convicções os afastam de todo pensamento do mal; a caridade é, em
toda
ocasião, a regra da sua conduta: são esses os verdadeiros espíritas, ou,
melhor, os
espíritas-cristãos.
“Pois bem, meus senhores, eu vo-lo digo com satisfação: ainda não
encontrei,
aí, nenhum adepto da primeira categoria; em parte alguma vi que se
ocupassem do
Espiritismo por mera curiosidade, com frívolos intuitos; por toda parte o
fim é grave,
as intenções são sérias; e, a crer no que me dizem, há muitos da terceira
categoria.
Honra, pois, aos espíritas lioneses, por terem, assim, entrado largamente
nessa senda
progressista, sem a qual o Espiritismo não teria objetivo. Este exemplo
não será
perdido, terá suas conseqüências, e não é sem razão - eu o vejo - que os
Espíritos me
Sigmar Gama - [email protected] Página 29
responderam noutro dia, por um dos vossos médiuns mais dedicados,
posto que dos
mais obscuros, quando eu lhes exprimia a minha surpresa: “Por que te
admiras
disso? Lião foi a cidade dos mártires; a fé aí é vivaz; ela fornecerá
apóstolos ao
Espiritismo. Se Paris é a cabeça, Lião será o coração.”
Essa opinião de Allan Kardec, sobre os espíritas lioneses de sua época, é
para
nós grande honra, mas deve ser também uma regra de conduta. Devemos
esforçarnos
por merecer esses elogios, aprofundando por nossa vez as lições do
Mestre e,
sobretudo, conformando com elas o nosso proceder. Noblesse oblige, diz
um adágio;
saibamo-nos recordar sempre disso e conservar alto e firme o estandarte
do
Espiritismo.
Mas, Allan Kardec não se contentava em atirar flores sobre nossos
companheiros; dava-lhes, sobretudo, sábios conselhos, sobre os quais, por
nossa vez,
deveremos meditar.
“Vindo dos Espíritos o ensino, os diferentes grupos, tantos como os
indivíduos, se acham sob a influência de certos Espíritos, que presidem
aos seus
trabalhos, ou os dirigem moralmente.
BIOGRAFIA DE ALLAN KARDEC 22
Se esses Espíritos não se acham de acordo, a questão está em saber qual
é o
que merece maior confiança; será, evidentemente, aquele cuja teoria não
pode
provocar nenhuma objeção séria, em uma palavra, aquele que, em todos
os pontos,
Sigmar Gama - [email protected] Página 30
dá maior número de provas de superioridade. Se tudo nesse ensino é
bom, racional,
pouco importa o nome que toma o Espírito; e a esse respeito a questão de
identidade
é inteiramente secundária. Se, sob um nome respeitável, o ensino peca
pelas
qualidades essenciais, podeis imediatamente concluir que é um nome
apócrifo e que
é um Espírito impostor ou galhofeiro. Regra geral: o nome nunca é uma
garantia; a
única, a verdadeira garantia de superioridade é o pensamento e a maneira
porque é
ele expresso. Os Espíritos enganadores tudo podem imitar, tudo, exceto o
verdadeiro
saber e o verdadeiro sentimento.
“Acontece muitas vezes que, para fazer adotar certas utopias, alguns
Espíritos
fazem alarde de um falso saber e pensam impô-las, escolhendo no arsenal
das
palavras técnicas tudo o que pode fascinar aquele que é facilmente
crédulo. Eles
têm, ainda, um meio mais certo: é afetar as exterioridades da virtude;
com o auxílio
das grandes palavras - caridade, fraternidade, humildade - esperam fazer
passar os
mais grosseiros absurdos e é o que acontece muitas vezes, quando se não
está
precavido. É preciso, pois, evitar o deixar-se seduzir pelas aparências,
tanto da parte
dos Espíritos, quanto da dos homens; ora, eu o confesso, aí está uma das
maiores
dificuldades; mas, nunca se disse que o Espiritismo fosse uma ciência
fácil; tem seus
Sigmar Gama - [email protected] Página 31
escolhos que se não podem evitar senão pela experiência. Para escapar à
cilada, é
preciso, antes de tudo, fugir ao entusiasmo que cega, ao orgulho que leva
certos
médiuns a acreditarem-se os únicos intérpretes da verdade; é preciso que
tudo seja
friamente examinado, maduramente pesado, confrontado, e, se
desconfiamos do
próprio julgamento, o que é muitas vezes mais prudente, é preciso
recorrer a outras
pessoas, segundo o provérbio: que quatro olhos vêem melhor do que dois.
Só um
falso amor próprio ou uma obsessão podem fazer persistir em uma idéia
notoriamente falsa e que o bom-senso de cada um repele.”
BIOGRAFIA DE ALLAN KARDEC 23
Eis os conselhos tão sábios e tão práticos dados por aquele que quiseram
fazer passar por um entusiasta, um místico, um alucinado; e essa regra de
conduta,
estabelecida no começo, ainda não foi invalidada, nem pela observação,
nem pelos
acontecimentos; é sempre a vereda mais segura, mais prudente, a única a
seguir por
aqueles que se querem ocupar do Espiritismo.
Allan Kardec trabalhava, então, em O Livro dos Médiuns, que apareceu na
primeira quinzena de janeiro de 1861, editado pelos Srs. Didier & Cia.,
livreiroseditores.
O mestre expõe a sua razão de ser nos seguintes termos, na Revista
Espírita:
“Procuramos neste trabalho, fruto de longa experiência e de laboriosos
estudos, esclarecer todas as questões que se prendem à prática das
manifestações; ele
contém, de acordo com os Espíritos, a explicação teórica dos diversos
fenômenos e
condições em que eles se podem produzir; mas a parte concernente ao
Sigmar Gama - [email protected] Página 32
desenvolvimento e ao exercício da mediunidade foi, sobretudo, de nossa
parte,
objeto de atenção toda especial.
“O Espiritismo experimental está cercado de muito mais dificuldades do
que
se acredita geralmente, e os escolhos, que aí se encontram, são
numerosos; é o que
produz tanta decepção aos que dele se ocupam sem ter a experiência e os
conhecimentos necessários. O nosso fim foi acautelar os investigadores
contra tais
dificuldades, nem sempre isentas de inconvenientes para quem quer que
se aventure,
com imprudência, por esse novo terreno. Não podíamos desprezar um
ponto tão
capital, e o tratamos com cuidado igual à sua importância.”
O Livro dos Médiuns é, ainda, o vade-mécum de quantos se querem
entregar
com proveito à prática do Espiritismo experimental; nada apareceu de
melhor nem
de mais completo nessa ordem de idéias. É ainda o mais seguro guia de
que nos
podemos servir para explorar, sem perigo, o terreno da mediunidade.
BIOGRAFIA DE ALLAN KARDEC 24
*
No ano de 1861, Allan Kardec fez uma nova viagem espírita a Sens, Mácon
e
Lião, e verificou que em nossa cidade o Espiritismo atingira a maioridade.
“Com efeito, não é mais por centenas, diz ele, que aí se contam os
espíritas,
como há um ano; é por milhares, ou, para melhor dizer, já se não contam,
e pode-se
calcular que, seguindo a mesma progressão, dentro de um ano ou dois
eles serão
Sigmar Gama - [email protected] Página 33
mais de trinta mil. O Espiritismo, aí, tem feito adeptos em todas as
classes, mas é
sobretudo na classe operária que se tem propagado com maior rapidez, e
isso não é
de admirar: sendo essa classe a que mais sofre, volta-se para o lado que
lhe oferece
maior consolação. Se aqueles que clamam contra o Espiritismo lhe
oferecessem
outro tanto, essa classe se voltaria para eles; mas, ao contrário, querem
tirar-lhe
exatamente aquilo que a ajuda a carregar o seu fardo de miséria. E isto
tem sido o
meio mais seguro de perderem as suas simpatias e fazê-la engrossar as
nossas
fileiras. O que vimos com os nossos próprios olhos é de tal modo
característico e
encerra ensino tão grande, que acreditamos dever consagrar aos
operários a maior
parte do nosso relatório.
“No ano passado, só havia um único centro de reunião, o dos Brotteaux,
dirigido por Dijoux, chefe de oficina, e sua mulher; depois, formaram-se
outros em
diferentes pontos da cidade: em Guillotière, em Perrache, em Croix-
Rousse, em
Vaise, em Saint-Just, etc., sem contar grande número de reuniões
particulares.
Então, havia apenas dois ou três médiuns neófitos; hoje os há em todos os
grupos e
muitos são de primeira ordem; em um só grupo vimos cinco escreverem
simultaneamente. Vimos, igualmente, um rapaz muito bom médium
vidente, no qual
pudemos verificar essa faculdade desenvolvida no mais alto grau.
BIOGRAFIA DE ALLAN KARDEC 25
Sigmar Gama - [email protected] Página 34
“Sem dúvida, muito é para desejar que se multipliquem os adeptos, mas o
que
mais vale ainda do que o número é a qualidade. Pois bem, declaramo-lo
bem alto:
não vimos, em parte alguma, reuniões espíritas mais edificantes do que as
dos
operários lioneses, quanto à ordem, ao recolhimento e à atenção que
prestam às
instruções dos seus guias espirituais; há homens, velhos, senhoras,
jovens, crianças
mesmo, cuja atitude respeitosa contrasta com a sua idade; jamais uma
única criança
perturbou por instantes o silêncio das nossas reuniões, muitas vezes
longas;
pareciam quase tão ávidas quanto seus pais, em recolher as nossas
palavras.
“Mas, isto não é tudo: o número das metamorfoses morais é, entre os
operários, quase tão grande quanto o dos adeptos: hábitos viciosos
reformados,
paixões acalmadas, ódios apaziguados, lares tornados tranqüilos, em uma
palavra, as
mais legítimas virtudes cristãs desenvolvidas, e isso pela confiança, de
agora em
diante inabalável, que lhes dão as comunicações espíritas, no futuro em
que não
acreditavam; é uma felicidade para eles assistirem a essas instruções, de
que saem
reconfortados contra a adversidade; muitos chegam a galgar mais de uma
légua, sob
qualquer tempo, inverno ou verão, tudo arrostando para não faltarem a
uma sessão; é
que neles não há a fé vulgar, mas a baseada sobre uma convicção
profunda,
raciocinada e não, cega.”
Sigmar Gama - [email protected] Página 35
Por ocasião dessa viagem, um banquete novamente reuniu sob a
presidência
de Allan Kardec os membros da grande família espírita lionesa. No dia 19
de
setembro de 1860 os convivas eram apenas uns trinta; a 19 de setembro
de 1861 o
número era de cento e sessenta, “representando os diferentes grupos,
que se
consideram todos como membros de uma grande família, entre os quais
não existe
sombra de ciúme e de rivalidade, o que - diz o Mestre -, temos, de
passagem, grande
satisfação em registrar. A maioria dos assistentes era composta de
operários e toda
gente notou a perfeita ordem que não cessou de reinar um só instante. É
que os
verdadeiros espíritas põem sua satisfação nas alegrias do coração e não
nos prazeres
ruidosos.”
BIOGRAFIA DE ALLAN KARDEC 26
A 14 de outubro do mesmo ano encontramos Allan Kardec em Bordéus,
onde,
como em todas as cidades por que passava, semeava a boa-nova e fazia
germinar a fé
no futuro.
Além das viagens e dos trabalhos de Allan Kardec, esse ano de 1861
permanecerá memorável nos anais do Espiritismo por um fato de tal modo
monstruoso que quase parece incrível. Refiro-me ao auto-de-fé levado a
efeito em
Barcelona, e em que foram queimadas pela fogueira dos inquisidores
trezentas obras
espíritas.
O Sr. Maurício Lachâtre estava nessa época estabelecido como livreiro, em
Sigmar Gama - [email protected] Página 36
Barcelona, em relações e em comunhão de idéias com Allan Kardec.
Assim, pediu a
este que lhe enviasse certo número de obras espíritas, para as expor à
venda e fazer
propaganda da nova filosofia.
Essas obras, em número de trezentas aproximadamente, foram expedidas
nas
condições ordinárias, com uma declaração em ordem do conteúdo das
caixas. À sua
chegada à Espanha, foram os direitos da alfândega cobrados ao
destinatário e
arrecadados pelos agentes do governo espanhol; mas a entrega das
caixas não se fez:
o bispo de Barcelona, tendo julgado esses livros perniciosos à fé católica,
fez
confiscar a expedição pelo Santo-Ofício.
Uma vez que não queriam entregar essas obras ao destinatário, Allan
Kardec
reclamou a sua devolução; mas a sua reclamação foi de nulo efeito, e o
bispo de
Barcelona, erigindo-se em policiador da França, fundamentou a sua recusa
com a
seguinte resposta: “A Igreja Católica é universal, e sendo esses livros
contrários à fé
católica, o governo não pode consentir que eles passem a perverter a
moral e a
religião de outros países.”
E não somente esses livros não foram restituídos, mas também os direitos
aduaneiros ficaram em poder do fisco espanhol. Allan Kardec poderia
promover uma
ação diplomática e obrigar o governo espanhol a efetuar o retorno das
obras. Os
Espíritos, porém, o dissuadiram disso, dizendo que era preferível para a
propaganda
Sigmar Gama - [email protected] Página 37
do Espiritismo deixar essa ignomínia seguir o seu curso.
BIOGRAFIA DE ALLAN KARDEC 27
Renovando os fastos e as fogueiras da idade Média, o bispo de Barcelona
fez
queimar em praça pública, pela mão do carrasco, as obras incriminadas.
Eis aqui, a título de documento histórico, o processo verbal dessa infâmia
clerical:
“Aos nove dias de outubro de mil oitocentos e sessenta e um, às dez horas
e
meia da manhã, na esplanada da cidade de Barcelona, no lugar em que
são
executados os criminosos condenados à pena última, por ordem do bispo
desta
cidade foram queimados trezentos volumes e brochuras sobre o
Espiritismo, a saber:
“A Revista Espírita, diretor Allan Kardec;
“A Revista Espiritualista, diretor Piérart;
“O Livro dos Espíritos, por Allan Kardec;
“O Livro dos Médiuns, pelo mesmo;
“O que é o Espiritismo, pelo mesmo;
“Fragmento de Sonata, ditado pelo Espírito de Mozart;
“Carta de um católico sobre o Espiritismo, pelo Doutor Grand;
“A História de Joanna d’Arc, por ela mesma ditada a Mlle. Ernance Dufaux;
“A realidade dos Espíritos demonstrada pela escrita direta, pelo Barão de
Guldenstubbé.
“Assistiram ao auto-de-fé:
“Um padre revestido de hábitos sacerdotais, trazendo em uma das mãos a
cruz
e, na outra, uma tocha;
“Um tabelião encarregado de redigir o processo verbal do auto-de-fé;
“O escrevente do tabelião;
“Um empregado superior da administração das alfândegas;
“Três mozos (serventes) da alfândega, encarregados de alimentar o fogo;
Sigmar Gama - [email protected] Página 38
“Um agente da alfândega, representando o proprietário das obras
condenadas
pelo bispo;
“Uma multidão incalculável aglomerava-se nos passeios e cobria a
esplanada
em que ardia a fogueira.
“Quando o fogo consumiu os trezentos volumes e brochuras espíritas, o
padre
e os seus ajudantes se retiraram cobertos pelos apupos e as maldições
dos numerosos
assistentes, que gritavam: Abaixo a Inquisição!
BIOGRAFIA DE ALLAN KARDEC 28
“Em seguida muitas pessoas se acercaram da fogueira e apanharam
cinzas.”
Seria diminuir o horror de tais atos, acompanhá-los com a narrativa dos
comentários; constatemos somente que ao clarão dessa fogueira o
Espiritismo tomou
um incremento inesperado em toda a Espanha e, como o haviam os
Espíritos
previsto, conquistou, aí, um número incalculável de adeptos. Só podemos,
pois,
como o fez Allan Kardec, alegrar-nos com o grande reclamo que esse ato
odioso
operou em favor do Espiritismo. A propósito, porém, da propaganda que
nós
mesmos devemos fazer da nossa filosofia, nunca deveremos esquecer
estes
conselhos do Mestre (Revista Espírita, 1863, pág. 367):
“O Espiritismo se dirige aos que não crêem ou que duvidam, e não aos
que
têm fé e a quem essa fé é suficiente; ele não diz a ninguém que renuncie
às suas
crenças para adotar as nossas, e nisto é conseqüente com os princípios de
tolerância
Sigmar Gama - [email protected] Página 39
e de liberdade de consciência que professa. Por esse motivo não
poderíamos aprovar
as tentativas feitas por certas pessoas para converter às nossas idéias o
clero, de
qualquer comunhão que seja. Repetiremos, pois, a todos os espíritas:
acolhei com
solicitude os homens de boa-vontade; oferecei a luz aos que a procuram,
porque com
os que crêem não sereis bem sucedidos; não façais violência à fé de
ninguém, muito
mais quanto ao clero que aos seculares, porque semeareis em campos
áridos; ponde
a luz em evidência, para que a vejam os que quiserem ver; mostrai os
frutos da
árvore e deles dai de comer aos que têm fome e não aos que se dizem
saciados.”
Estes conselhos, como todos os de Allan Kardec, são claros, simples e
sobretudo práticos; cumpre que deles nos recordemos e os aproveitemos
oportunamente.
*
O ano de 1862 foi fértil em trabalhos favoráveis à difusão do Espiritismo.
No
dia 15 de janeiro apareceu a pequenina e excelente brochura de
propaganda: O
Espiritismo em sua mais simples expressão.
BIOGRAFIA DE ALLAN KARDEC 29
“O fim desta publicação, diz Allan Kardec, é apresentar, em quadro muito
resumido, um histórico do Espiritismo e uma idéia suficiente da doutrina
dos
Espíritos, para permitir ser compreendido o seu fim moral e filosófico. Pela
clareza e
simplicidade do estilo, procuramos pô-lo ao alcance de todas as
inteligências.
Sigmar Gama - [email protected] Página 40
Contamos com o zelo de todos os verdadeiros espíritas, para que lhe
auxiliem a
propagação.”- Este apelo foi ouvido, porque a pequena brochura se
espalhou em
profusão, devendo muitos a esse excelente trabalho o terem
compreendido o fim e o
alcance do Espiritismo.
Tendo os nossos predecessores no Espiritismo transmitido a Allan Kardec,
por ocasião do Ano-Novo, a expressão dos seus sentimentos de gratidão,
eis aqui
como respondeu o Mestre a esse testemunho de simpatia:
“Meus caros irmãos e amigos de Lião:
“A manifestação coletiva que tivestes a bondade de transmitir-me, por
ocasião
do Ano-Novo, produziu-me vivíssima satisfação, provando-me que
conservastes de
mim uma boa recordação; mas, o que me causou maior prazer, nesse ato
espontâneo
de vossa parte, foi encontrar, entre as numerosas assinaturas que nele
figuram,
representantes de quase todos os grupos, porque é um sinal da harmonia
que reina
entre eles. Sou feliz por ver que compreendestes perfeitamente o fim
dessa
organização, cujos resultados desde já podeis apreciar, porque deve ser
agora
evidente para vós que uma sociedade única seria quase impossível.
“Agradeço, meus bons amigos, os votos que fazeis por mim; eles me são
tanto
mais agradáveis quanto sei que partem do coração, e são os que Deus
atende. Ficai,
pois, satisfeitos, porque Ele os ouve todos os dias, proporcionando-me a
extraordinária satisfação no estabelecimento de uma nova doutrina, de
ver aquela a
Sigmar Gama - [email protected] Página 41
que me tenho dedicado engrandecer e prosperar, em minha vida, com
uma rapidez
maravilhosa; considero um grande favor do céu ser testemunha do bem
que ela já
produz.
BIOGRAFIA DE ALLAN KARDEC 30
“Esta certeza, de que recebo diariamente os mais tocantes testemunhos,
me
paga com usura todos os meus sofrimentos, todas as minhas fadigas; não
peço a
Deus senão uma graça, e é a de dar-me a força física necessária para ir
até ao fim da
minha tarefa, que longe se encontra de estar concluída; mas, como quer
que suceda,
possuirei sempre a maior consolação, pela certeza de que a semente das
idéias
novas, espalhada agora por toda parte, é imperecível; mais feliz que
muitos outros,
que não trabalharam senão para o futuro, é-me permitido contemplar os
primeiros
frutos.
“Se alguma coisa lamento, é que a exigüidade dos meus recursos pessoais
me
não permita pôr em execução os planos que concebi para um avanço
ainda mais
rápido; se Deus, porém, em sua sabedoria, entendeu dispor de modo
diferente,
legarei esses planos aos nossos sucessores, que, sem dúvida, serão mais
felizes. A
despeito da escassez dos recursos materiais, o movimento que se opera
na opinião
ultrapassou toda a expectativa; crede, meus irmãos, que nisso o vosso
exemplo não
Sigmar Gama - [email protected] Página 42
terá sido sem influência, Recebei, portanto, as nossas felicitações pela
maneira
porque sabeis compreender e praticar a Doutrina.
“No ponto a que hoje chegaram as coisas, e tendo em vista a marcha do
Espiritismo através dos obstáculos semeados em seu caminho, pode dizer-
se que as
principais dificuldades estão superadas; ele conquistou o seu lugar e está
assente
sobre bases que de ora em diante desafiam os esforços dos seus
adversários.
“Perguntam como uma doutrina, que torna feliz e melhor, pode ter
inimigos; é
natural; o estabelecimento das melhores coisas choca sempre interesses,
ao começar.
Não tem acontecido assim com todas as invenções e descobertas que têm
revolucionado a indústria? As que hoje são consideradas como benefícios,
sem as
quais não se poderia mais passar, não tiveram inimigos obstinados? Toda
lei que
reprime um abuso não tem contra si todos os que vivem dos abusos?
BIOGRAFIA DE ALLAN KARDEC 31
Como quereríeis que uma doutrina que conduz ao reino da caridade
efetiva
não fosse combatida por todos os que vivem no egoísmo? E sabeis que
são eles
numerosos na Terra!
“No começo contaram sepultá-la com a zombaria; hoje vêem que essa
arma é
impotente e que, sob o fogo dos sarcasmos, ela prosseguiu o seu caminho
sem
tropeçar. Não acrediteis que se confessem vencidos; não, o interesse
material é
tenaz. Reconhecendo que é uma potência com que é necessário de hoje
em diante
Sigmar Gama - [email protected] Página 43
contar, vão dirigir-lhe assaltos mais sérios, mas que só servirão
diretamente por
palavras e atos, e a perseguirão até na pessoa dos seus adeptos, que eles
se
esforçarão por desalentar a poder de embaraços, enquanto que outros,
secretamente e
por caminhos disfarçados, procurarão miná-la surdamente.
“Ficai prevenidos de que a luta não está terminada; fui avisado de que
eles
vão tentar um supremo esforço. Não tenhais, porém, receio: o penhor da
vitória está
nesta divisa, que é a de todos os verdadeiros espíritas: Fora da caridade
não há
salvação. Arvorai-a bem alto, porque ela é a cabeça de Medusa para os
egoístas.
“A tática, posta já em prática pelos inimigos dos espíritas, mas que eles
vão
empregar com novo ardor, é tentar dividi-los criando sistemas divergentes
e
suscitando entre eles a desconfiança e o ciúme. Não vos deixeis cair no
laço, e tende
como certo que quem quer que procure um meio, qualquer que seja, para
quebrar a
boa harmonia, não pode ter boa intenção. É por isso que vos recomendo
useis da
maior circunspeção na formação dos vossos grupos, não somente para
vossa
tranqüilidade, como no próprio interesse dos vossos labores.
“A natureza dos trabalhos espíritas exige calma e recolhimento. Ora, não
há
recolhimento possível se se está preocupado com discussões e com a
manifestação
de sentimentos malévolos. Não haverá sentimentos malévolos se houver
Sigmar Gama - [email protected] Página 44
fraternidade; não pode, porém, haver fraternidade em egoístas,
ambiciosos e
orgulhosos.
BIOGRAFIA DE ALLAN KARDEC 32
Entre orgulhosos, que se suscetibilizam e ofendem por tudo, ambiciosos
que
se sentirão mortificados se não tiverem a supremacia, egoístas que não
pensam senão
em si, a cizânia não pode tardar a introduzir-se, e com ela a dissolução. É
o que
desejariam os nossos inimigos, e é o que eles procuram fazer.
“Se um grupo quer estar em condições de ordem, de tranqüilidade e de
estabilidade, é preciso que nele reine o sentimento fraternal. Todo grupo
ou
sociedade que se formar, sem ter caridade efetiva por base, não tem
validade;
enquanto que aqueles que forem fundados de acordo com o verdadeiro
espírito da
doutrina olhar-se-ão como membros de uma mesma família que, não
sendo possível
habitarem todos sob o mesmo teto, moram em lugares diferentes. A
rivalidade entre
eles seria um contra-senso; ela não poderia existir onde reina a verdadeira
caridade,
porque a caridade não se pode entender de duas maneiras.
“Reconhecei, pois, o verdadeiro espírita na prática da caridade por
pensamentos, palavras e obras, e persuadi-vos de quem quer que nutra
em sua alma
sentimentos de animosidade, de rancor, de ódio, de inveja ou de ciúme,
mente a si
próprio se tem a pretensão de compreender e praticar o Espiritismo.
“O egoísmo e o orgulho matam as sociedades particulares, como matam
os
novos e a sociedade em geral...”
Sigmar Gama - [email protected] Página 45
Tudo mereceria citação nestes conselhos, tão justos quão práticos; mas é
preciso que nos limitemos, em razão do tempo de que podemos dispor.
*
A pedido dos espíritas de Lião e de Bordéus, Allan Kardec fez, em
setembro
e outubro, uma longa viagem de propaganda semeando por toda parte a
boa-nova e
prodigalizando conselhos, mas somente aos que lhos pediam; o convite
feito pelos
grupos lioneses estava subscrito por quinhentas assinaturas. Uma
publicação
especial deu conta dessa viagem de mais de seis semanas, durante a qual
o Mestre
presidiu a mais de cinqüenta reuniões em vinte cidades, onde por toda
parte foi alvo
do mais cordial acolhimento e se sentiu feliz por verificar os imensos
progressos do
Espiritismo.
BIOGRAFIA DE ALLAN KARDEC 33
A respeito das viagens de Allan Kardec, como certas influências hostis
houvessem espalhado o boato de que eram feitas a expensas da
Sociedade Parisiense
de Estudos Espíritas, sobre cujo orçamento igualmente ele sacava de
antemão todos
os seus gastos de correspondência e de manutenção, o Mestre rebateu,
assim, essa
falsidade:
“Muitas pessoas, sobretudo na província, pensaram que as despesas
dessas
viagens oneravam a Sociedade de Paris; tivemos que desfazer esse erro
quando se
ofereceu a ocasião; aos que ainda o pudessem partilhar, recordaremos o
que
Sigmar Gama - [email protected] Página 46
afirmamos noutra circunstância (número de junho de 1862, página 167,
Revista
Espírita), que a Sociedade se limita a prover às suas despesas correntes e
não possui
reservas; para que pudesse acumular capital, ser-lhe-ia preciso que
tivesse em mira o
número; e isto é o que ela não faz nem quer fazer, porque o seu fim não é
a
especulação e porque o número nada acrescenta à importância dos
trabalhos. Sua
influência é toda moral e está no caráter de suas reuniões, que dão aos
estranhos a
idéia de uma assembléia grave e séria; aí está o seu mais poderoso meio
de
propaganda. Ela, pois, não poderia prover tal despesa. Os gastos de
viagem, como
todos os que as nossas relações reclamam para o Espiritismo, são tirados
dos nossos
recursos pessoais e das nossas economias, aumentadas com o produto
das nossas
obras, sem o qual nos seria impossível prover a todos os encargos, que
são para nós
a conseqüência da obra que empreendemos. Isto é dito sem vaidade e
unicamente
para render homenagem à verdade, e para edificação daqueles aos quais
se afigura
que nós capitalizamos.”
Em 1862 Allan Kardec fez também aparecer uma Refutação às críticas
contra
o Espiritismo9, no ponto de vista do materialismo, da ciência e da religião.
9 Allan Kardec, no livro “Voyage Spirite en 1862” (Ledoyen, Paris, 1862,
Gr.in-8°, 64 p.p.), revela ter
desistido da idéia de publicar o opúsculo que anunciara um ano antes
(Revue Spirite, 1861, dez., p. 371) e
Sigmar Gama - [email protected] Página 47
que seria intitulado “Réfutation des critiques contre le Spiritisme au point
de vue matérialiste, scientifique et
religieux”. - Nota da FEB.
BIOGRAFIA DE ALLAN KARDEC 34
Em abril de 1864 publicou a Imitação do Evangelho segundo o Espiritismo,
com a explicação das máximas morais do Cristo, sua aplicação e sua
concordância
com o Espiritismo. O título dessa obra foi depois modificado, e é hoje O
Evangelho
segundo o Espiritismo.
Aproveitando-se da época das férias, Allan Kardec fez em setembro de
1864
uma viagem a Antuérpia e a Bruxelas. Expondo aos espíritas belgas o seu
modo de
ver acerca dos grupos e sociedades espíritas, recorda o que já havia dito
em Lião, em
1861: “Vale mais, portanto, haver em uma cidade cem grupos de dez a
vinte adeptos,
em que nenhum se arrogue a supremacia sobre os outros, do que uma
única
sociedade que a todos reunisse. Esse fracionamento em nada pode
prejudicar a
unidade dos princípios, desde que a bandeira é uma só e que todos se
dirigem para
um mesmo fim.”
As sociedades numerosas têm sua razão de ser sob o ponto de vista da
propaganda; mas, quanto aos estudos sérios e continuados, é preferível
constituíremse
grupos íntimos.
No dia 1° de agosto de 1865, Allan Kardec fez aparecer uma nova obra - O
Céu e o Inferno ou a Justiça Divina segundo o Espiritismo, na qual são
mencionados numerosos exemplos da situação dos Espíritos, no mundo
espiritual e
na Terra, e as razões que motivaram essa situação.
Sigmar Gama - [email protected] Página 48
Os admiráveis êxitos do Espiritismo, seu desenvolvimento quase incrível,
criaram-lhe inúmeros inimigos e, à proporção que ele se foi
engrandecendo,
aumentou, também, a tarefa de Allan Kardec. O Mestre possuía uma
vontade de
ferro, um poder de combatividade extraordinários; era um trabalhador
infatigável; de
pé, em qualquer estação, desde às 4 horas e meia, respondia a tudo, às
polêmicas
veementes dirigidas contra o Espiritismo, contra ele próprio, às numerosas
correspondências que lhe eram dirigidas; atendia à direção da Revista
Espírita e da
Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, à organização do Espiritismo e
ao
preparo das suas obras.
BIOGRAFIA DE ALLAN KARDEC 35
Esse excesso físico e intelectual esgotou-lhe o organismo, e repetidas
vezes os
Espíritos precisam chamá-lo à ordem, a fim de obrigá-lo a poupar a saúde.
Ele,
porém, sabe que não deve durar mais que uns dez anos ainda: numerosas
comunicações o preveniram desse termo e lhe anunciaram mesmo que a
sua tarefa
não seria concluída senão em nova existência, que sucederia a breve
trecho à sua
próxima desencarnação; por isso ele não quer perder ocasião alguma de
dar ao
Espiritismo tudo o que pode, em força e vitalidade.
Em 1867 faz uma curta viagem a Bordéus, Tours e Orleans; em seguida
põe
novamente mãos à obra, para publicar, em janeiro de 1868, A Gênese, os
milagres e
as predições segundo o Espiritismo. É das mais importantes esta obra,
porque
Sigmar Gama - [email protected] Página 49
constitui, sob o ponto de vista científico, a síntese dos quatro primeiros
volumes já
publicados.
Allan Kardec ocupa-se, em seguida, de um projeto de organização do
Espiritismo, por meio do qual espera imprimir mais vigor, mais ação à
filosofia de
que se fez apóstolo, procurando desenvolver-lhe o lado prático e fazer-lhe
produzir
seus frutos. O objeto constante das suas preocupações é saber quem o
substituirá em
sua obra, porque sente que o desenlace está próximo; e a constituição
que elabora
tem precisamente por fim prover às necessidades futuras da Doutrina
Espírita.
Desde os primeiros anos do Espiritismo, Allan Kardec havia comprado,
com
o produto das suas obras pedagógicas, 2.666 metros quadrados de
terreno na avenida
Ségur, atrás dos Inválidos. Tendo essa compra esgotado os seus recursos,
ele
contraiu com o Crédit Foncier um empréstimo de 50.000 francos para
fazer construir
nesse terreno seis pequenas casas, com jardim; alimentava a doce
esperança de
recolher-se a uma delas, na Vila Ségur, e torná-la-ia depois da sua morte
asilo a que
se pudessem recolher na velhice os defensores indigentes do Espiritismo.
BIOGRAFIA DE ALLAN KARDEC 36
Em 1869 a Sociedade Espírita era reconstituída e tornada sociedade
anônima,
com o capital de 40.000 francos, dividido em quarenta ações, para a
exploração da
livraria, da Revista Espírita e das obras de Allan Kardec. A nova sociedade
devia
Sigmar Gama - [email protected] Página 50
instalar-se no dia 1° de abril, à rua de Lille n° 7.
Allan Kardec, cujo contrato de arrendamento na passagem Sant’Ana
estava
quase a terminar, contava retirar-se para a Vila Ségur, a fim de trabalhar
mais
ativamente nas obras que lhe restava fazer e cujo plano e documentos se
achavam já
reunidos. Estava, pois, em todos os preparativos de mudança de domicílio,
quando a
31 de março a doença de coração que o minava surdamente pôs termo à
sua robusta
constituição e, como um raio, o arrebatou à afeição dos seus discípulos.
Essa perda
foi imensa para o Espiritismo, que via desaparecer o seu fundador e mais
poderoso
propagandista, e lançou em profunda consternação todos os que o haviam
conhecido
e amado.
Hippolyte-Léon-Denizard Rivail - Allan Kardec - faleceu em Paris, rua e
passagem Sant’Ana, 59, 2ª circunscrição e mairie de la Banque, em 31 de
março de
1869, na idade de 65 anos, sucumbindo da ruptura de um aneurisma.
Unânimes sentimentos acolheram a dolorosa notícia, e numerosíssima
concorrência acompanhou ao Père Lachaise10, sua derradeira morada, os
despojos
mortais daquele que fora Allan Kardec, daquele que, através dos tempos,
brilhará
como um meteoro fulgurante na aurora do Espiritismo.
10 Ver “Reformador” de abril de 1957, pág. 93.
BIOGRAFIA DE ALLAN KARDEC 37
Quatro orações foram proferidas à beira do túmulo do Mestre: a primeira,
pelo Sr. Levent, em nome da Sociedade Espírita de Paris; a segunda, pelo
Sr. Camilo
Sigmar Gama - [email protected] Página 51
Flammarion, que não fez somente um esboço do caráter de Allan Kardec e
do papel
que cabe aos seus trabalhos no movimento contemporâneo, mais ainda, e
sobretudo,
um exame da situação das ciências físicas, no ponto de vista do mundo
invisível, das
forças naturais desconhecidas, da existência da alma e da sua
indestrutibilidade. Em
seguida, tomou a palavra o Sr. Alexandre Delanne, em nome dos espíritas
dos
centros afastados; e, depois, o Sr. E. Muller, em nome da família e dos
seus amigos,
dirigiu ao morto querido os últimos adeuses.
A senhora Allan Kardec tinha 74 anos por ocasião da morte de seu esposo.
Sobreviveu-lhe até 1883, ano em que, a 21 de janeiro, se extinguiu, na
idade de 89
anos, sem herdeiros diretos.
Erraria quem acreditasse que, em virtude dos seus trabalhos, Allan Kardec
devia ser uma personagem sempre fria e austera. Não era, entretanto,
assim. Esse
grave filósofo, depois de haver discutido pontos mais difíceis da psicologia
e da
metafísica transcendental, mostrava-se expansivo, esforçando-se por
distrair os
convidados que ele freqüentemente recebia na Vila Ségur; conservando-se
sempre
digno e sóbrio em suas expressões, sabia adubá-las com o nosso velho sal
gaulês em
rasgos de causticante e afetuosa bonomia. Gostava de rir com esse belo
riso franco,
largo e comunicativo, e possuía um talento todo particular em fazer os
outros
partilharem do seu bom-humor.
Todos os jornais da época se ocuparam da morte de Allan Kardec e
Sigmar Gama - [email protected] Página 52
procuraram medir-lhe as conseqüências. Eis aqui, a título de lembrança, o
que a esse
respeito escrevia o Sr. Pagès de Noyez, no Journal de Paris, de 3 de abril
de 1869:
“Aquele que por tão longo tempo ocupou o mundo científico e religioso
sob o
pseudônimo de Allan Kardec, chamava-se Rivail e morreu na idade de 65
anos.
“Vimo-lo deitado num simples colchão, no meio da sala das sessões a que
há
tantos anos ele presidia; vimo-lo com o semblante calmo como se
extinguem aqueles
a quem a morte não surpreende e que, tranqüilos quanto ao resultado de
uma vida
honesta e laboriosamente preenchida, imprimem como que um reflexo da
pureza de
sua alma sobre o corpo que abandonaram.
BIOGRAFIA DE ALLAN KARDEC 38
“Resignados pela fé em uma vida melhor, e pela convicção da
imortalidade da
alma, inúmeros discípulos tinham vindo lançar um derradeiro olhar
àqueles lábios
descorados que, ainda na véspera, lhes falavam a linguagem da Terra.
Mas eles
recebiam já a consolação de além-túmulo: o Espírito de Allan Kardec veio
dizer-lhes
quais haviam sido as suas comoções, quais as suas primeiras impressões,
quais, dos
que o haviam precedido no além-túmulo, tinham vindo ajudar-lhe a alma a
desprender-se da matéria. Se “o estilo é o homem”, aqueles que
conheceram Allan
Kardec em vida não podem deixar de ficar emocionados pela
autenticidade dessa
comunicação espírita.
Sigmar Gama - [email protected] Página 53
“A morte de Allan Kardec é notável por uma coincidência estranha. A
Sociedade fundada por esse grande vulgarizador do Espiritismo acabava
de
desaparecer. Abandonado o local, retirados os móveis, nada mais restava
de um
passado que devia renascer sobre novas bases. No fim da última sessão, o
presidente
fizera as suas despedidas; preenchida a sua missão, retirava-se da luta
cotidiana, para
se consagrar inteiramente ao estudo da filosofia espiritualista. Outros,
mais jovens -
intrépidos - deveriam continuar a obra e, fortes por sua virilidade, impor a
verdade
por sua convicção.
“Para que referir os detalhes da morte? Que importa o modo por que se
partiu
o instrumento, e por que consagrar uma linha a esses fragmentos de ora
em diante
mergulhados no turbilhão imenso das moléculas? Allan Kardec morreu na
sua hora
própria. Com ele terminou o prólogo de uma religião vivaz, que, irradiando
todos os
dias, cedo terá iluminado toda a Humanidade. Ninguém melhor que ele
podia
conduzir a bom termo essa obra de propaganda, à qual era necessário
sacrificar as
longas vigílias que alimentam o espírito, a paciência que educa com o
correr do
tempo, a abnegação que afronta a estultícia do presente, para não ver
senão a
irradiação do futuro.
“Allan Kardec terá, com suas obras, fundado o dogma pressentido pelas
mais
Sigmar Gama - [email protected] Página 54
antigas sociedades. Seu nome, apreciado como o de um homem de bem,
está há
muito tempo vulgarizado pelos que crêem e pelos que receiam. É difícil
praticar o
bem sem chocar os interesses estabelecidos. O Espiritismo destrói muitos
abusos,
reanima muitas consciências doloridas, dando-lhes a certeza da prova e a
consolação
do futuro.
“Os espíritas choram hoje o amigo que os deixa, porque o nosso
entendimento, por assim dizer, material, não se pode submeter a essa
idéia de transição; pago, porém, o primeiro tributo a essa inferioridade do
nosso organismo, o pensador ergue a cabeça e através desse mundo
invisível, que ele sente existir além do túmulo, estende a mão ao amigo,
que já não existe, convencido de que o seu Espírito nos protege sempre.
“O presidente da Sociedade Espírita de Paris está morto; mas o número de
adeptos cresce todos os dias, e os corajosos, os quais pelo respeito ao
Mestre se deixavam ficar no segundo plano, não hesitarão em se
evidenciarem, por bem da grande causa.
“Esta morte, que o vulgo deixará passar indiferente, não deixa de ser, por
isso, um grande fato para a Humanidade.
Não é mais o sepulcro de um homem, é a pedra tumular enchendo esse
imenso vácuo que o materialismo cavara aos nossos pés e sobre o qual o
Espiritismo esparge as flores da esperança.”
Um ponto sobre o qual não atraí a vossa atenção, mas que devo assinalar,
é a caridade verdadeiramente cristã de Allan Kardec; dele se pode dizer
que a mão esquerda ignorou sempre o bem que fazia a direita, e que esta
ainda menos conheceu os botes que à outra atiravam aqueles para quem
o reconhecimento é um fardo excessivamente pesado.
Cartas anônimas, insultos, traições, difamações sistemáticas, nada foi
poupado a esse intrépido lutador, a essa alma grande e varonil que
penetrou integralmente na imortalidade.
O despojo mortal de Allan Kardec repousa no Père Lachaise, em Paris, sob
modesta lápide erigida pela piedade dos seus discípulos; é aí que se
Sigmar Gama - [email protected] Página 55
reúnem todos os anos, desde 1869 11, os adeptos que têm guardado
fidelidade à memória do Mestre e conservam preciosamente no coração o
culto da saudade.
E já que um sentimento análogo nos reúne hoje, repitamos bem alto,
minhas senhoras, meus senhores:
Honra! Honra e glória a Allan Kardec!12
Henri Sausse.
11 Ver “Reformador” de abril de 1957, pág. 93.
12 Recomendamos, aos que o desejarem, a leitura da obra “ALLAN
KARDEC” (Meticulosa Pesquisa Biobibliográfica e Ensaios de
Interpretação), de Zêus Wantuil e Francisco Thiesen, em três volumes, na
qual se encontram valiosos subsídios para o conhecimento da vida e obra
do Mestre Allan Kardec. - Nota da FEB.
AMÁLIA DOMINGO SOLERAMÁLIA DOMINGO SOLER
Amália Domingo Soler nasceu na cidade de Sevilha, na região da
Andaluzia, Espanha. Sua cidade natal, cujo simbolo é a "Torre da Giralda",
antigo minarete mouro transformado em campanário (com um ornamento
em seu topo que gira com o vento: La Giralda), tem brilhante participação
na história da Espanha e do Ocidente.
Durante a idade média foi uma das principais cidades de Al-Andalus e um
dos focos mais brilhantes da civilização árabe medieval, a fama de seu rei
poeta Almotamid permanece como testemunho de uma época de
esplendor. Após a reconquista, foi importante centro de transmissão da
cultura muçulmana para seus novos senhores cristãos. O Alcazar de
Sevilha e a própria Giralda são testemunhos vivos desta mescla que
marca até nossos dias o povo da Andaluzia.
Durante os séculos em que o sol não se punha no vasto império espanhol -
que cobria as Américas e se estendia pelo Pacifíco - a cidade, onde Amalia
nasceu, era o principal porto de acesso aos territórios de além-mar.
Riquezas de todos os cantos fluiam por seus armazens e dalí seguiam para
financiar as incontáveis guerras que travaram seus reis. Foi justamente
após o desmoronar desse império, ferido mortalmente pelas guerras
napoleônicas e pela perda da maioria de suas colônias americanas, que
Sigmar Gama - [email protected] Página 56
nasceu Amalia, em 10 de dezembro de 1835. Estava no trono da Espanha
uma criança, a rainha Isabel II (proclamada em 24 de outubro de 1833),
com sua mãe - Maria Cristina - como regente.
Este reinado tornou-se um período extremamente conturbado, marcado
por ministérios de curta duração, crises religiosas (supressão da
Companhia de Jesus e extinção de diversos conventos), epidemias e uma
guerra civil - as guerras Carlistas (Don Carlos, cunhado de Maria Cristina
não reconheceu Isabel II como rainha, contando com o apoio de parte do
clero, grandes proprietários e parte do exército) - cujas sequelas ainda se
fariam sentir no século seguinte. Conseqüência direta de tantas
dificuldades foi a penuria econômica que caracterizou a vida de grande
parcela da população. Devido a miséria e a anarquia, esta também foi a
época dos "bandoleros andaluzes" (aprox. 1817 a 1850), grupos de
bandidos, que a partir da Serra Morena aterrorizavam os campos
andaluzes.
Alguns destes bandidos se transformaram em figuras do folclore e foram
imortalizados em canções populares. É neste cenário conturbado que se
passa a infância de Amalia Domingo Soler. Infância que não pode ser
considerada feliz. Já antes de nascer, tem sua primeira grande perda, pois
seu pai parte em uma longa viagem e nunca mais retorna. Aos oito dias
de idade fica cega, sendo curada aos três meses por um farmaceútico.
Problemas com a vista a seguiriam por toda a vida, sempre ameaçando-a
com a cegueira. Os anos seguintes de sua vida passam em relativa
segurança, amparada pela mãe, com quem tinha grande afinidade:
"Em meus olhos, que ficaram muito imperfeitos, não sei o que via, mas o
certo é que se consagrou em absoluto a mim e não teve outro afã senão o
de tornar-me feliz, zelando para não se descuidar, nem de leve com minha
educação; basta dizer que quando completei dois anos começou ela a
tarefa penosa de ensinar-me a ler, obtendo como prêmio de seu afã que
aos cinco anos eu lesse corretamente, fazendo-me ler em voz alta duas
horas por dia.
Nossos espíritos se uniram de um modo tão admirável que só no olhar
Sigmar Gama - [email protected] Página 57
adivinhávamos os nossos pensamentos". Amalia Domingo Soler, Minha
Vida. Amalia escreveu suas primerias poesias aos dez anos de idade e aos
18 publicou seus primeiros versos. Uma de suas poesias, recorda os
melhores dias de sua juventude, de seus passeios com a mãe e os amigos
nos jardins do Alcazar de Sevilha:
A una Rosa
Flor de hermosura ideal,
Bella y delicada rosa,
Yo te contemplé orgullosa
En un jardín oriental.
Hubo un ser que compreendió
Que admiraba tu hermosura;
Temerário te arrancó:
En mi mano te dejó,
Y le miré con ternura.
Otra vez nos encontramos
Y en memoria de la rosa
Cariño eterno juramos;
De amistad pura y preciosa
Un santo lazo formamos.
Hoy tus hojas sin color
Las contemplo y bendigo;
Pues me dieron un amigo
Que es una ignorada flor.
Amalia Domingo Soler
Memorias de una Mujer
Esta poesia, escrita em sua juventude, foi-lhe relembrada, muitos anos
depois, pelo espírito do amigo citado. Amalia não chegou a casar-se e aos
vinte cinco anos, com o falecimento de sua mãe, começou a fase mais
dificil de sua existência. Os recursos que sua mãe dispunha, praticamente
se esgotaram no tratamento de sua saúde e as relações com seus
familiares - parentes do pai - não eram das melhores.
Assim, além da solidão, começaram para Amalia dias de grande penuria.
As soluções propostas por seus familiares lhe foram impossiveis de
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aceitar: entrada no convento ou casamento arranjado com um senhor de
muito mais idade, em boa situação financeira. Assim ela se dirigiu a
Madrid, capital do país, na esperança de encontrar melhores condições de
sobreviver, com suas poesias e com um trabalho modesto. Suas
dificuldades foram imensas, até fome passou e teve de recorrer a
instituições de caridade, pois raríssimas as possibilidades de trabalho
honrado para uma moça pobre e desamparada. Nesse período, no
desespero da fome e da solidão, pensa até em matar-se.
Em uma noite de grande amargura, em que tinha perdido até mesmo a
noção de Deus e debatia-se na duvida do destino de sua mãe, esta lhe
aparece e causa-lhe viva impressão. Impressionada pela visão de sua
mãe, recorda-se da religião e busca reconforto nas igrejas. É porém junto
a uma igreja luterana que encontra o apoio que procura. A palavra de seus
pastores e a convicção de seus fiéis lhe trazem de novo a fé e o consolo
da confiança em Jesus. O esforço de escrever versos, dos pequenos
trabalhos de costura, unidos a dificil condição em que vivia, lhe pioraram
significativamente a vista e somente graças ao tratamento feito por um
médico homeopata, salvou-se da cegueira.
Foi também este médico que lhe fala pela primeira vez de uns "loucos",
adeptos de uma novidade chamada Espiritismo, e lhe empresta um
exemplar do jornal espírita "El Critério". O curioso é que o médico era
materialista e lhe fala do Espiritismo para consola-la de suas aflições. É
lendo um artigo deste jornal - reproduzido nas suas memórias - que ela se
convence da verdade do Espiritismo e busca maiores informações. Estuda
o que lhe chega as mãos sobre o Espiritismo e para poder ter acesso as
revistas espíritas, começa a escrever artigos para elas. O primeiro de seus
trabalhos espíritas é uma poesia para o jornal "El Critério", que embora
não tenha sido publicada, lhe valeu uma carta do editor - Visconde de
Torres Solanot - com um livro espírita de sua autoria (Preliminares del
Espiritismo).
É no periódico espírita "La Revelación", da cidade de Alicante, que pela
primeira vez sai publicado um texto de Amalia Domingo Soler, uma
poesia. Seu primeiro artigo doutrinário, "La Fe Espiritista" sai pelo "El
Critério", em seu número 9, de 1872. Seus artigos chamaram a atenção e
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aos poucos integra-se ao movimento espírita espanhol, participando de
reuniões. Foi em 31 de março de 1875 - aniversário da desencarnação de
Allan Kardec - que no salão da Sociedad Espiritista Española, diante dos
membros desta sociedade, Amalia lê sua poesia "A la Memoria de Allan
Kardec" e - como registra em suas memórias - passa a fazer parte das
fileiras dos propagandistas da Doutrina Espírita. Grande escritora, com
textos que falam tanto ao coração como a razão, e de espírito tão
extraordinário como seu talento com as letras, conquistou totalmente as
simpatias dos espíritas espanhóis. Fernandes Colavida a presenteia com a
coleção das obras de Allan Kardec.
Os espíritas de Alicante a convidam a ficar junto a eles, sob sua proteção,
dedicando-se exclusivamente a divulgação da Doutrina. Junto aos espíritas
de Murcia permanece 4 meses recuperando-se de uma enfermidade.
Amalia, firmemente acreditando que seria errado viver do Espiritismo,
continua a trabalhar de dia e escrever de noite. Permance em Madrid até
que se muda para Barcelona, em 10 de agosto de 1876, convidada pelo
grupo espírita "Circulo La Buena Nueva" e com a esperança de encontrar
melhores condições de trabalho na capital Catalã, já então cidade
empreendedora e de grande atividade econômica. Três meses após
chegar a Barcelona, novamente os problemas de visão voltaram a
atormentar Amalia e quase cega encontrou amparo na familia de Luís
Lach, presidente do Circulo. Lhe deram abrigo e condições de dedicar-se
integralmente ao Espiritismo. Nas reuniões do Circulo, Amalia veio a
conhecer Miguel Vives, médium extraordinário, através do qual recebeu
mensagens de sua mãe.
Também entre os espíritas barcelonenses conheceu o médium sonâmbulo
Eudaldo, que se tornou seu colaborador e através do qual recebeu grande
número de mensagens, incluse as que foram reunidas no livro "Memórias
del Padre German". O Padre Germano, guia espiritual de Amalia, se
apresentou pela primeira vez em 9 de maio de 1879 e a publicação de
suas memórias foi feita em partes a partir de 29 de abril de 1880. Além de
publicar artigos em periódicos espíritas, Amalia também refutou ataques
ao Espiritismo em jornais como a "Gaceta de Cataluña", ficando célebre
sua polêmica com o orador católico Vicente de Manterola. Em 1878,
Sigmar Gama - [email protected] Página 60
Vicente iniciou uma série de conferências combatendo o Espiritismo, as
quais Amalia assistia e respondia em artigos na "Gaceta de Cataluña". O
mesmo orador chegou a publicar, em 1879, um livro intitulado "El
Satanismo, o sea la Catédra de Satanás, combatida desde la Cátedra del
Espíritu Santo - Refutación de los errores de la Escuela Espiritista". Este foi
refutado em uma série de 46 artigos de Amalia, reunidos posteriormente
no livro "El Espiritismo refutando los errores del Catolicismo". Em 22 de
maio de 1879 sai o primeiro número do periódico "La Luz del Porvenir",
dirigido por Amalia Domingo Soler. O periódico surgiu devido a insistência
de Luís Lach e do editor Juan Torrents que convenceram-na a aceitar a
tarefa de criar um periódico direcionado a "mulher espiritista".
No primeiro número saiu o artigo "La idea de Dios" que foi denunciado as
autoridades e provocou a suspensão do periódico por 42 semanas (voltou
a ser publicado antes devido a um decreto do rei Alfonso XII). Durante a
suspensão do periódico, foi publicado um substituto "El Eco de la Verdad",
que chegou a ser denunciado por outro artigo ("Los Obreros" de Cándida
Sanz) e absolvido. Importante notar que estas denuncias - embora uma
reação de setores religiosos que se sentiam ameaçados pelo Espiritismo -
não são tão dificeis de se compreender, se considerarmos o clima geral da
época de Alfonso XII. Este rei subiu ao trono com 17 anos em 29 de
dezembro de 1874, em meio a uma crise politica que levou a abdicação de
sua mãe, a rainha Isabel II. A Espanha vivia um clima de extremismos,
com o governo tendo que defender-se tanto contra os "Carlistas", que
retomam a guerra civil, quanto contra os republicanos que querem o fim
da monarquia. Reformas liberais necessarias a modernização do pais,
misturavam-se com manifestos militares, crises politícas e novas guerras
na África. O Catolicismo é a religião oficial do estado e procura reagir com
todas as suas forças as mudanças liberalizantes que podem comprometer-
lhe essa posição.
O periódico "La Luz del Porvenir" foi publicado até 1899 e muitos dos
artigos de Amalia Domingos Soler publicados durante este período -
incluindo "La Idea de Dios" - foram, a partir de 1972, reunidos por
Salvador Sanchís Serra nos livros "La Luz del Porvenir" e "La Luz del
Sigmar Gama - [email protected] Página 61
Camino", distribuidos gratuitamente por ele e pelo grupo espírita "La Luz
del Camino" de Orihuela, Alicante. As memórias de Amalia Domingo Soler
foram escritas em 1891, sob orientação do Padre Germano. Até aquela
data ela tinha escrito 1286 artigos, que foram publicados em periódicos na
Espanha e no exterior: "El Critério" e "El Espiritismo", de Madri; "La Gaceta
de Cataluña", "La Luz del Porvenir" e a "Revista de Estudos Psicológicos"
de Barcelona;" La Revelación", de Alicante; "El Espiritismo", de Sevilha;
"La Ilustración Espirita", do México;" La Ley del Amor", de Mérida de
Yucatán; "La Revista Espiritista", de Montevidéu; "La Constancia", de
Buenos Aires; os" Annali dello Spiritismo" na Italia;" El Buen Sentido", de
Lérida e outros dos quais não há mais registro.
Em 29 de abril de 1909, de Barcelona, Amalia retornou ao plano espiritual,
o que não significa que se afastou de seu labor em pról do Espiritismo. Em
10 de julho de 1912, por intermédio da médium Maria - que colaborou com
ela em vida, substituindo Eudaldo - completou suas memórias e,
recentemente, nas viagens do médium Divaldo Pereira Franco à Espanha,
tem transmitido mensagens de orientação e encorajamento aos espíritas
espanhóis. O Espiritismo na Espanha continuaria a progredir até as
vespéras da Guerra Civil de 1936-1939, quando o conflito latente desde a
regência de Maria Cristina entre uma Espanha que queria ser moderna e
uma que sonhava com o passado, transformou-se em uma sangrenta
guerra civil.
As proporções do conflito, se hoje não causam espanto, é porque foram
eclipsadas pela II Guerra Mundial, imediatamente posterior. Ao final desta
guerra civil, a Espanha mergulhou nos 40 anos da ditadura do General
Franco, que tudo fez para abafar qualquer idéia que não se enquadrasse
na visão de mundo de seu regime. O Espiritismo, perseguido e jogado na
clandestinidade, porém voltou a surgir imediatamente ao fim do regime
franquista, em uma Espanha nova, liderada por políticos mais maduros e
por um rei esclarecido e humano, Juan Carlos I.
O balanço da obra de Amalia Domingo Soler é dificil de se fazer, pois os
seus frutos ainda continuam surgindo. O movimento espírita espanhol do
final do século XIX, obra de Amalia e de outros grandes pioneiros, como
Fernandes Colavida e Miguel Vives y Vives, abrigou o primeiro congresso
Sigmar Gama - [email protected] Página 62
espírita internacional em 1888, influenciou os movimentos nascentes nos
vários países de lingua espanhola da América Latina e - como precedente
histórico - é a base para o atual renascimento do espiritismo espanhol.
Seus artigos são hoje, como foram ontem, exposições claras e diretas do
Espiritismo. Fieis interpretes da Doutrina Espírita codificada por Allan
Kardec. Lidos e veiculados pelos meios de comunicação modernos, entre
eles a Internet.
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Bibliografia
A Serviço do Espiritismo (Divaldo Pereira Franco na Europa), Nilson de
Souza Pereira e Divaldo Pereira Franco, editora Leal, Bahia, Brasil;
Historia de España, Jose Terrero, Editorial Ramón Sopena, Barcelona,
España;
Historia de Sevilha, José Maria de Mena, Plaza & Janes Editores, Barcelona,
España;
La Luz del Camino, Amalia Domingo Soler, Editora Espírita Allan Kardec,
Málaga;
La Luz del Porvenir, Amalia Domingo Soler, Editora Espírita Allan Kardec,
Málaga;
Memórias de una Mujer, Amalia Domingo Soler, Editora Amelia Boudet,
Barcelona, Espanha;
Memórias del Padre Germán, Amalia Domingo Soler, Editora Amelia
Boudet, Barcelona, Espanha;
Minha Vida, Amalia Domingo Soler (trad. das Memórias por Isolina Bresolin
Vianna e Wallace Leal V. Rodrigues), Casa Editora O Clarim, Matão, Brasil;
Reencarnação e Vida, Amalia Domingo Soler (trad. do livro "Hechos que
Prueban" por Jurema de Castro), Instituto de Difusão Espírita, Araras,
Brasil;
AMÉLIA RODRIGUESAMÉLIA RODRIGUES
Amélia Augusta do Sacramento Rodrigues foi, quando encarnada, notável
poetisa, professora emérita, escritora consagrada, teatróloga, legítimo
expoente cultural das Letras da Bahia. Nasceu na Fazenda Campos,
Sigmar Gama - [email protected] Página 63
Freguesia de Oliveira dos Campinhos, Município de Santo Amaro da
Purificação, Estado da Bahia em 26 de maio de 1861.
Qualquer de seus conterrâneos, por mais jovem que seja, conhece a vida
dessa extraordinária mulher e seu esforço a fim de atingir os seus ideais.
Estudou com o cônego Alexandrino do Prado, em seguida foi aluna dos
professores Antônio de Araújo Gomes de Sá e Manuel Rodrigues M. de
Almeida. Sua vocação para o magistério era inata. A par disso, matriculou-
se no colégio mantido pela professora Cândida Álvares dos Santos e
começou a lecionar no Arraial da Lapa. Posteriormente lecionou em Santo
Amaro da Purificação por oito anos consecutivos.
Em 1891, graças à sua capacidade para lecionar e ao seu amor à causa do
ensino, foi transferida para Salvador e lotada na Escola Central do Bairro
Santo Antônio. Um de seus alunos, adolescente ainda, em 1905, foi
selecionado para lecionar inglês pelo sistema do filósofo Spencer. Amélia
Rodrigues não só o ajudou a compreender o pensamento daquele filósofo,
como complementou o seu aprendizado. Disse a ele: "O jovem precisa de
educação moral, que é o princípio fundamental da disciplina social; sem
apelar para o coração, educar é formar no homem as mais duradouras
forças da ordem social."
O pensamento de Amélia Rodrigues se identifica com o pensamento de
Fénelon, contido em "O Evangelho Segundo o Espiritismo": "Educar é
formar homens de Bem, e não apenas instruí-los". Aposentada, não
abdicou de seu ideal de ensinar. Retornou ao magistério de forma ainda
mais marcante. Fundou o Instituto Maternal Maria Auxiliadora, que mais
tarde transformou-se na "Ação dos Expostos." Dedicou-se ao jornalismo
como colaboradora das publicações religiosas "O Mensageiro da Fé", "A
Paladina" e "A Voz". Escreveu algumas peças teatrais, entre as quais
"Fausta" e "A Natividade". É autora dos poemas "Religiosa Clarisse" e
"Bem me queres". Produziu ainda obras didáticas, literatura infantil e
romances. Desencarnou em Salvador em 22 de agosto de 1926.
No Plano Espiritual, continuou seu trabalho esclarecedor e educativo,
baseado principalmente no Evangelho de Jesus, fonte inspiradora de suas
obras quando encarnada. Encontrou na Espiritualidade - seara infinita da
imortalidade - maior expansão para seu espírito sequioso de
Sigmar Gama - [email protected] Página 64
conhecimento e faminto de amor, dando vazão aos anseios mais nobres.
Aprofundou-se na mensagem de Jesus e, na atualidade, participa da
falange de Joanna de Ângelis, mentora de Divaldo Pereira Franco. Pela
psicografia do abnegado medianeiro, vem trazendo páginas de beleza
intraduzível, que abordam os mais variados assuntos sobre o Evangelho,
seu tema predileto, de onde extrai lições edificantes para aqueles que
estão cansados e sobrecarregados, necessitados de orientação e de
consolo.
ANÁLIA FRANCOANÁLIA FRANCO
Nascida na cidade de Resende, Estado do Rio de Janeiro, no dia 10 de
fevereiro de 1856, e desencarnada em S. Paulo, no dia 13 de janeiro de
1919. Seu nome de solteira era Anália Emília Franco. Após consorciar-se
em matrimônio com Francisco Antônio Bastos, seu nome passou a ser
Anália Franco Bastos, entretanto, é mais conhecida por Anália Franco.
Com 16 anos de idade entrou num Concurso de Câmara dessa cidade e
logrou aprovação para exercer o cargo de professora primária. Trabalhou
como assistente de sua própria mãe durante algum tempo. Anteriormente
a 1875 diplomou-se Normalista, em S. Paulo.
Foi após a Lei do Ventre Livre que sua verdadeira vocação se exteriorizou:
a vocação literária. Já era por esse tempo notável como literata, jornalista
e poetisa, entretanto, chegou ao seu conhecimento que os nascituros de
escravas estavam previamente destinados à "Roda" da Santa Casa de
Misericórdia. Já perambulavam, mendicantes, pelas estradas e pelas ruas,
os negrinhos expulsos das fazendas por impróprios para o trabalho. Não
eram, como até então "negociáveis", com seus pais e os adquirentes de
cativos davam preferência às escravas que não tinham filhos no ventre.
Anália escreveu, apelando para as mulheres fazendeiras. Trocou seu cargo
na Capital de São Paulo por outro no Interior, a fim de socorrer as
criancinhas necessitadas. Num bairro duma cidade do norte do Estado de
S. Paulo conseguiu uma casa para instalar uma escola primária. Uma
fazendeira rica lhe cedeu a casa escolar com uma condição, que foi
frontalmente repelida por Anália: não deveria haver promiscuidade de
crianças brancas e negras.
Sigmar Gama - [email protected] Página 65
Diante dessa condição humilhante foi recusada a gratuidade do uso da
casa, passando a pagar um aluguel. A fazendeira guardou ressentimento à
altivez da professora, porém, naquele local Anália inaugurou a sua
primeira e original "Casa Maternal". Começou a receber todas as crianças
que lhe batiam à porta, levadas por parentes ou apanhadas nas moitas e
desvios dos caminhos.
A fazendeira, abusando do prestígio político do marido, vendo que a sua
casa, embora alugada, se transformara num albergue de negrinhos,
resolveu acabar com aquele "escândalo" em sua fazenda. Promoveu
diligências junto ao coronel e este conseguiu facilmente a remoção da
professora.
Anália foi para a cidade e alugou uma casa velha, pagando de seu bolso o
aluguel correspondente à metade do seu ordenado. Como o restante era
insuficiente para a alimentação das crianças, não trepidou em ir,
pessoalmente, pedir esmolas para a meninada. Partiu de manhã, à pé,
levando consigo o grupinho escuro que ela chamava, em seus escritos, de
"meus alunos sem mães". Numa folha local anunciou que, ao lado da
escola pública, havia um pequeno "abrigo" para as crianças
desamparadas. A fama, nem sempre favorável da novel professora,
encheu a cidade.
A curiosidade popular tomou-se de espanto, num domingo de festa
religiosa. Ela apareceu nas ruas com seus "alunos sem mães", em bando
precatório. Moça e magra, modesta e altiva, aquela impressionante figura
de mulher, que mendigava para filhos de escravas, tornou-se o escândalo
do dia. Era uma mulher perigosa, na opinião de muitos. Seu afastamento
da cidade principiou a ser objeto de consideração em rodas políticas, nas
farmácias. Mas rugiu a seu favor um grupo de abolicionistas e
republicanos, contra o grande grupo de católicos, escravocratas e
monarquistas.
Com o decorrer do tempo, deixando algumas escolas maternais no
Interior, veio para S. Paulo. Aqui entrou brilhantemente para o grupo
abolicionista e republicano. Sua missão, porém, não era política. Sua
preocupação maior era com as crianças desamparadas, o que a levou a
fundar uma revista própria, intitulada "Álbum das Meninas", cujo primeiro
Sigmar Gama - [email protected] Página 66
número veio a lume a 30 de abril de 1898. O artigo de fundo tinha o título
"Às mães e educadoras". Seu prestígio no seio do professorado já era
grande quando surgiram a abolição da escravatura e a República. O
advento dessa nova era encontrou Anália com dois grandes colégios
gratuitos para meninas e meninos. E logo que as leis o permitiram, ela,
secundada por vinte senhoras amigas, fundou o instituto educacional que
se denominou "Associação Feminina Beneficente e Instrutiva", no dia 17
de novembro de 1901, com sede no Largo do Arouche, em S. Paulo.
Em seguida criou várias "Escolas Maternais" e "Escolas Elementares",
instalando, com inauguração solene a 25 de janeiro de 1902, o "Liceu
Feminino", que tinha por finalidade instruir e preparar professoras para a
direção daquelas escolas, com o curso de dois anos para as professoras de
"Escolas Maternais" e de três anos para as "Escolas Elementares".
Anália Franco publicou numerosos folhetos e opúsculos referentes aos
cursos ministrados em suas escolas, tratados especiais sobre a infância,
nos quais as professoras encontraram meios de desenvolver as faculdades
afetivas e morais das crianças, instruindo-as ao mesmo tempo. O seu
opúsculo "O Novo Manual Educativo", era dividido em três partes: Infância,
Adolescência e Juventude.
Em 10 de dezembro de 1903, passou a publicar "A Voz Maternal", revista
mensal com a apreciável tiragem de 6.000 exemplares, impressos em
oficinas próprias.
A Associação Feminina mantinha um Bazar na rua do Rosário n.o. 18, em
S. Paulo, para a venda dos artefatos das suas oficinas, e uma sucursal
desse estabelecimento na Ladeira do Piques n.o. 23.
Anália Franco mantinha Escolas Reunidas na Capital e Escolas Isoladas no
Interior, Escolas Maternais, Creches na Capital e no Interior do Estado,
Bibliotecas anexas às escolas, Escolas Profissionais, Arte Tipográfica,
Curso de Escrituração Mercantil, Prática de Enfermagem e Arte Dentária,
Línguas (francês, italiano, inglês e alemão); Música, Desenho, Pintura,
Pedagogia, Costura, Bordados, Flores artificiais e Chapéus, num total de
37 instituições.
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Era romancista, escritora, teatróloga e poetisa. Escreveu uma infinidade
de livretos para a educação das crianças e para as Escolas, os quais são
dignos de serem adotados nas Escolas públicas.
Era espírita fervorosa, revelando sempre inusitado interesse pelas coisas
atinentes à Doutrina Espírita.
Produziu a sua vasta cultura três ótimos romances: "A Égide Materna", "A
Filha do Artista", e "A Filha Adotiva". Foi autora de numerosas peças
teatrais, de diálogos e de várias estrofes, destacando-se "Hino a Deus",
"Hino a Ana Nery", "Minha Terra", "Hino a Jesus" e outros.
Em 1911 conseguiu, sem qualquer recurso financeiro, adquirir a "Chácara
Paraíso". Eram 75 alqueires de terra, parte em matas e capoeiras e o
restante ocupado com benfeitorias diversas, entre as quais um velho
solar, ocupado durante longos anos por uma das mais notáveis figuras da
História do Brasil: Diogo Antônio Feijó.
Nessa chácara fundou Anália Franco a "Colônia Regeneradora D.
Romualdo", aproveitando o casarão, a estrebaria e a antiga senzala,
internando ali sob direção feminina, os garotos mais aptos para a Lavoura,
a horticultura e outras atividades agropastoris, recolhendo ainda moças
desviadas, conseguindo assim regenerar centenas de mulheres.
A vasta sementeira de Anália Franco consistiu em 71 Escolas, 2 albergues,
1 colônia regeneradora para mulheres, 23 asilos para crianças órfãs, 1
Banda Musical Feminina, 1 orquestra, 1 Grupo Dramático, além de oficinas
para manufatura de chapéus, flores artificiais, etc., em 24 cidades do
Interior e da Capital.
Sua desencarnação ocorreu precisamente quando havia tomado a
deliberação de ir ao Rio de Janeiro fundar mais uma instituição, idéia essa
concretizada posteriormente pelo seu esposo, que ali fundou o "Asilo
Anália Franco".
A obra de Anália Franco foi, incontestavelmente, uma das mais salientes e
meritórias da História do Espiritismo.
ARTHUR CONAN DOYLEARTHUR CONAN DOYLE
Sigmar Gama - [email protected] Página 68
Segundo escreveu o saudoso Prof. José Herculano Pires, prefaciando a
obra de Arthur Conan Doyle, "História do Espiritismo", é um nome
conhecido e lido no mundo inteiro.
Dotado Conan Doyle de fértil imaginação, comunicabilidade natural de seu
estilo, a espontaneidade de suas criações tornaram-no um escritor
apreciado e amado por todos os povos.
Em nosso país a série Sherlock Holmes, a série Ficção Histórica e a série
Contos e Novelas Fantásticas aqui estão para comprovar a afirmação feita
em favor do extraordinário escritor.
Entretanto, é bom que se diga que ele não apenas se destacou naquelas
linhas compostas com três séries, pois além de historiador, pregou o uso
de métodos científicos na pesquisa policial, destacou-se também como um
lúcido escritor espírita em todo o mundo, revelando notável compreensão
do problema espírita in-totum (como ciência, filosofia e religião).
Então, além daquelas séries enumeradas no início destas considerações
existem mais duas séries: a de História e a do Espiritismo.
Ao ser lançada a primeira edição da obra "História do Espiritismo", a
revista inglesa "Light" destacou o equilíbrio e a imparcialidade com que o
assunto foi abordado. Uma extensa Nota assinada por D.N.G. destacou
que os críticos haviam sido "agradavelmente surpreendidos", porque
Conan Doyle, conhecido como ardoroso propagandista do Espiritismo, fora
de uma imparcialidade a toda prova. E o articulista da revista "Light"
continuava: "Uma obra de história, escrita com preconceitos favoráveis ou
contrários, seria, pelo menos, antiartística, pecado jamais cometido pelo
autor de - The White Company -, em nenhum de seus trabalhos".
O próprio Autor define aquele critério ao falar do desejo de contribuir para
que o Espiritismo tivesse sua história e o objetivo da obra não era o de
fazer propaganda de suas convicções, mas o de historiar o movimento
espírita. Daí, colocar-se imparcial e serenamente como observador dos
fatos que se desenrolam aos seus olhos, através do tempo e do espaço.
(Ipsis litteris).
Reconhecendo a magnitude e amplitude do trabalho que se propôs
realizar pediu auxílio a outras pessoas e encontrou em Mrs. Leslie Curnow
Sigmar Gama - [email protected] Página 69
uma dedicada e eficiente colaboradora e com essa ajuda prosseguiu
investigações até concluir a obra.
Reconheceu não haver realizado um trabalho completo porque não
dispunha de recursos necessários e tempo, mas, com satisfação verificou
que fez o que era possível no momento, diante da enorme extensão e
complexidade do assunto, além das condições de dificuldades do próprio
movimento espírita da época. Arthur Conan Doyle nasceu em 22 de maio
de 1859, em Edimburgo, faleceu em 7 de julho de 1930, em Cowborough
(Susex), após viver 71 anos bem proveitosos.
Em junho de 1887 escreveu uma carta ao Editor da revista "Lìght"
explicando as razões de haver se convertido ao Espiritismo. Tal carta foi
publicada na edição de 2 de julho de 1887 da referida revista e
republicada na edição de 27 de agosto de 1927. Em 15 de julho de 1929 a
"Revista Internacional do Espiritismo", de Matão, São Paulo, dirigida por
Cairbar Schutel, publicou no Brasil a primeira tradução integral daquela
carta, documento importante, onde o jovem médico em 1887 revelava
ampla compreensão do Espiritismo e a importância da Mensagem que a
Doutrina trazia para o mundo inteiro.
Conan Doyle ainda escreveu um pequeno livro traduzido por Guillon
Ribeiro e sob o título "A Nova Revelação", que descreve em detalhes como
se deu sua conversão. Outras obras doutrinárias de grande mérito,
revelando perfeito entendimento do problema religioso do Espiritismo,
afirmando a condição essencialmente psíquica da religião espírita, "A
Religião Psíquica".
A doutrina da reencarnação determinou o aparecimento de uma
divergência entre aquilo que se estabeleceu chamar Espiritismo Latino e
Espiritismo Anglo-Saxão. Estes, particularmente os ingleses e americanos,
embora aceitassem a Doutrina Espírita não admitiam o Princípio
Reencarnacionista e tal motivou os ataques e críticas ao Espiritismo.
Embora a resistência mantida na Inglaterra e nos Estados Unidos contra o
Princípio Reencarnacionista, Conan Doyle e outros espíritas americanos e
ingleses, de renome, admitiam a reencarnação.
Na obra "A Nova Revelação", Conan Doyle declara que "muitos estudiosos
têm sido atraídos ao Espiritismo, uns pelo aspecto religioso, outros pelo
Sigmar Gama - [email protected] Página 70
científico, mas, até agora ninguém tentou estabelecer a exata relação que
existe entre os dois aspectos do problema". Tal foi escrito entre 1927 e
1928, sessenta anos após a desencarnação de Kardec.
Sabemos que Kardec definiu e solucionou aquele problema ao apresentar
o Espiritismo como Doutrina sob tríplice aspecto: filosófica, científica e
religiosa.
E Conan Doyle identificava-se com o pensamento de Kardec, aguardando
que a codificação kardequiana aparecesse, sem perceber que ela já existia
e estava ao seu lado, para lá do Canal da Mancha.
AUTA DE SOUZAAUTA DE SOUZA
Nasceu em Macaíba, então Arraial, depois cidade do Rio Grande do Norte
a 12 de setembro de 1876, era magrinha, calada, de pele clara, um
moreno doce à vista como veludo ao tato. Era filha de ELOI CASTRICIANO
DE SOUZA, desencarnado aos 38 anos de idade e de Dona HENRIQUETA
RODRIGUES DE SOUZA, desencarnada aos 27 anos, ambos tuberculosos.
Antes dela ter completado 3 anos ficou órfã de mãe e aos 4 anos de pai. A
sua existência, na terra foi assinalada por sofrimentos acerbos. Muito cedo
conheceu a orfandade e ainda menina, aos dez anos, assistiu a morte de
seu querido irmão IRINEU LEÃO RODRIGUES DE SOUZA, vitimado pelo fogo
produzido pela explosão de um lampião de querosene, na noite de 16 de
fevereiro de 1887.
Auta de Souza e seus quatro irmãos foram criados em Recife no velho
sobrado do Arraial, na grande chácara, pela avó materna Dona SILVINA
MARIA DA CONCEIÇÃO DE PAULA RODRIGUES, vulgarmente chamada
Dindinha e seu esposo FRANCISCO DE PAULA RODRIGUES, que
desencarnou quando Auta tinha 6 anos.
Antes dos 12 anos, foi matriculada no Colégio São Vicente de Paulo, no
bairro da Estância, onde recebeu carinhosa acolhida por parte das
religiosas francesas que o dirigiam e lhe ofereceram primorosa educação:
Literatura, Inglês, Música, Desenho e aprendeu a dominar também o
Francês, o que lhe permitiu ler no original: Lamartine, Victor Hugo,
chateubriand, Fénelon.
Sigmar Gama - [email protected] Página 71
De 1888 a 1890, a jovem Auta estuda, recita, verseja, ajuda as irmãs do
Colégio, aprimora a beleza de sua fé, na leitura constante do Evangelho.
Aos 14 anos, ainda no Educandário Estância, em 1890, manifestaram-se
os primeiros sintomas da enfermidade que lhe roubou, em plena
juventude, o viço e foi a causa de sua morte, ocorrida na madrugada de 7
de fevereiro de 1901 - Quinta-feira à uma hora e quinze minutos, na
cidade de Natal, exatamente com 24 anos, 4 meses e 26 dias de idade. Os
médicos nada puderam fazer e Dindinha retornou com todos para a terra
Norte-Rio Grandense. Ei-los todos em Macaíba. Foi sepultada no cemitério
do Alecrim e em 1906, seus restos mortais foram transladados para o
jazigo da família, na Igreja de Nossa Senhora da Conceição, em Macaíba,
sua terra natal.
O forte sentimento religioso e mesmo a doença não impediram de ter uma
vida absolutamente normal em sociedade.
Era católica, mas não submissa ao clero. Ela não se macerou, não sarjou
de cilícios a pele, não jejuou e jamais se enclastou. Era comunicativa,
alegre, social. A religiosidade dela era profunda, sincera, medular, mas
não ascética, mortificante, mística. Seu amor por Jesus Cristo, ao Anjo da
Guarda, não a distanciaram de todos os sonhos das donzelas: Amor, lar,
missão maternal. Com 16 anos, ao revelar o seu invulgar talento poético,
enamorou-se do jovem Promotor Público de Macaíba, João Leopoldo da
Silva Loureiro, com a duração apenas de um ano e poucos meses. Dotada
de aguda sensibilidade e imaginação ardente dedicava ao namorado amor
profundo, mas a tuberculose progredia e seus irmãos convenceram-na a
renunciar. A separação foi cruel, mas apenas para Auta. O Promotor não
demonstrou a menor reação.... É verdade que gostava de ouvi-la nas
festas caseiras a declamar com sua belíssima voz envolvente, aveludada e
com ela dançar quadrilhas, polcas e valsas, mas não era o homem
indicado para amar uma alma tão delicada e sonhadora como Auta de
Souza. Faltava-lhe o refinamento espiritual para perceber o sentimento
que extravasava através dos olhos meigos da grande Poetisa.
Essa sucessão de golpes dolorosos, marcou profundamente sua alma de
mulher, caracterizada por uma pureza cristalina, uma fé ardente e um
profundo sentimento de compaixão pelos humildes, cuja miséria tanto a
Sigmar Gama - [email protected] Página 72
comovia. Era vista lendo para as crianças pobres, para humildes mulheres
do povo ou velhos escravos, as páginas simples e ingênuas da "História de
Carlos Mágno", brochura que corria os sertões, escrita ao gosto popular da
época.
A orfandade da Poetisa ainda criança, o desencarne trágico de seu irmão,
a moléstia contagiosa e a frustração no amor, esses quatro fatores
amalgamados à forte religiosidade de Auta, levaram-na a compor uma
obra poética singular na História da Literatura Brasileira "Horto", seu único
livro, é um cântico de dor, mas, também, de fé cristã. A primeira edição do
Horto saiu do prelo em 20 de Junho de 1900.
O sofrimento veio burilar a sua inata sensibilidade, que transbordou em
versos comovidos e ternos, ora ardentes, ora tristes, lavrados à sombra da
enfermidade, no cenário desolador do sertão de sua terra.
Em 14 de novembro de 1936, houve a instalação da Academia Norte-Rio
Grandense de Letras, com a poltrona XX, dedicada a Auta de Souza.
Livre do corpo, totalmente desgastado pela enfermidade, Auta de Souza,
irradiando luz própria, lúcida e gloriosa alçou vôo em direção à
Espiritualidade Maior. Mas a compaixão que sempre sentira pêlos
sofredores fez com que a poetisa em companhia de outros Espíritos
caridosos, visitasse, constantemente a crosta da terra. Foi através de
Chico Xavier, que ela, pela primeira vez revelou sua identidade,
transmitindo suas poesias enfeixadas em 1932, na primeira edição do
"PARNASO DE ALÉM TÚMULO", lançado pela Federação Espírita Brasileira.
Em sua existência física, Auta de Souza foi a AVE CATIVA que cantou seu
anseio de liberdade; o coração resignado que buscou no Cristo o consolo
das bem-aventuranças prometidas aos aflitos da terra. Além do túmulo, é
o pássaro liberto e feliz que, tornado ao ninho dos antigos infortúnios, vem
trazer aos homens a mensagem de bondade e esperança, o apelo à FÉ e a
CARIDADE, indicando o rumo certo para a conquista da verdadeira vida.
A Campanha de Fraternidade Auta de Souza, idealizada pelo companheiro
Nympho de Paula Corrêa e aprovada em 3 de fevereiro de 1953, pelo
Departamento de Assistência Social da Federação Espírita do Estado de
São Paulo, então dirigido pelo saudoso confrade José Gonçalves Pereira, é
uma bela homenagem à nossa querida Poetisa, AUTA DE SOUZA.
Sigmar Gama - [email protected] Página 73
BEZERRA DE MENEZESBEZERRA DE MENEZES
Sigmar Gama - [email protected] Página 74
Adolfo Bezerra de Menezes nasceu na antiga Freguesia do Riacho do
Sangue (hoje Jaguaretama), no Estado do Ceará, no dia 29 de agosto de
1831, desencarnando no Rio da Janeiro, no dia 11 de abril de 1900.
No ano de 1838 entrou para a escola pública da Vila do Frade, onde, em
dez meses apenas, preparou-se, suficientemente, até onde dava os
conhecimentos do professor que dirigia a primeira fase de sua educação.
Muito cedo revelou a sua fulgurante inteligência, pois aos 11 anos de
idade iniciava o curso de Humanidades e, aos 13 anos, conhecia tão bem
o latim que ele próprio o ministrava aos seus companheiros, substituindo o
professor da classe em seus impedimentos.
Seu pai, o capitão das antigas milícias e tenente- coronel da Guarda
Nacional, Antônio Bezerra de Menezes, homem severo, de honestidade a
toda prova e de ilibado caráter, tinha bens de fortuna em fazendas de
criação. Com a política, e por efeito do seu bom coração, que o levou a dar
abonos de favor a parentes e amigos, que o procuravam para explorar- lhe
os sentimentos de caridade, comprometeu aquela fortuna. Percebendo,
porém, que seus débitos igualavam seus haveres, procurou os credores e
lhes propôs entregar tudo o que possuía, o que era suficiente para
integralizar a dívida. Os credores, todos seus amigos, recusaram a
proposta, dizendo- lhe que pagasse como e quando quisesse.
O velho honrado insistiu; porém, não conseguiu demover os credores
sobre essa resolução, por isso deliberou tornar- se mero administrador do
que fora sua fortuna, não retirando dela senão o que fosse estritamente
necessário para a manutenção da sua família, que assim passou da
abastança às privações.
Animado do firme propósito de orientar- se pelo caráter íntegro de seu pai,
Bezerra de Menezes, com minguada quantia que seus parentes lhe deram,
e animado do propósito de sobrepujar todos os óbices, partiu para o Rio de
Janeiro a fim de seguir a carreira que sua vocação lhe inspirava: a
Medicina.
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Em novembro de 1852, ingressou como praticante interno no Hospital da
Santa Casa de Misericórdia. Doutorou- se em 1856 pela Faculdade de
Medicina do Rio de Janeiro, defendendo a tese "Diagnóstico do Cancro".
Nessa altura abandonou o último patronímico, passando a assinar apenas
Adolfo Bezerra de Menezes. A 27 de abril de 1857, candidatou-se ao
quadro de membros titulares da Academia Imperial de Medicina, com a
memória "Algumas Considerações sobre o Cancro encarado pelo lado do
Tratamento". O parecer foi lido pelo relator designado, Acadêmico José
Pereira Rego, a 11 de maio de 1857, tendo a eleição se efetuado a 18 de
maio do mesmo ano e a posse a 1.o. de junho. Em 1858 candidatou- se a
uma vaga de lente substituto da Secção de Cirurgia da Faculdade de
Medicina. Por intercessão do mestre Manoel Feliciano Pereira de Carvalho,
então Cirurgião- Mor do Exército, Bezerra de Menezes foi nomeado seu
assistente, no posto de Cirurgião- Tenente.
Eleito vereador municipal pelo Partido Liberal, em 1861, teve sua eleição
impugnada pelo chefe conservador Haddock Lobo, sob a alegação de ser
medico militar. Com o objetivo de servir o seu partido, que necessitava
dele para ter maioria na Câmara, resolveu afastar-se do Exército. Em
1867, foi eleito Deputado Geral, tendo ainda figurado numa lista tríplice
para uma carreira no Senado.
Quando político, levantaram-se contra ele, a exemplo do que sucede com
todos os políticos honestos, rudes campanhas de injuria, cobrindo seu
nome de impropérios entretanto, a prova da pureza de sua alma, deu-a,
quando deliberou abandonar a vida publica e dedicar-se aos pobres,
repartindo com os necessitados o pouco que possuía. Corria sempre ao
casebre do pobre onde houvesse um mal a combater, levando ao aflito o
conforto de sua palavra de bondade, o recurso da sua profissão de médico
e o auxilio da sua bolsa minguada e generosa.
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Afastado interinamente da atividade política, dedicou-se a
empreendimentos empresariais criou a Companhia Estrada de Ferro
Macaé/Campos, na então província do Rio de Janeiro. Posteriormente,
empenhou-se na construção da via férrea de Santo Antônio de Pádua,
pretendendo levá-la ate o Rio Doce, desejo que não conseguiu realizar. Foi
um dos diretores da Companhia Arquitetônica que, em 1872 abriu o
Boulevard 28 de Setembro , no então bairro de Vila Isabel. Em 1875, foi
presidente da Companhia Carril de São Cristóvão. Voltando a política, foi
eleito vereador em 1876, exercendo o mandato ate 1880. Foi ainda
presidente da Câmara e Deputado Geral pela Província do Rio de Janeiro,
no ano de 1880.
O Dr. Carlos Travassos havia empreendido a primeira tradução das obras
de Allan Kardec e levara a bom termo a versão portuguesa de "O Livro dos
Espíritos". Logo que esse livro saiu do prelo levou um exemplar ao
deputado Bezerra de Menezes, entregando- o com dedicatória. O episódio
foi descrito do seguinte modo pelo futuro Médico dos Pobres: "Deu- mo na
cidade e eu morava na Tijuca, a uma hora de viagem de bonde.
Embarquei com o livro e, como não tinha distração para a longa viagem,
disse comigo: ora, adeus! Não hei de ir para o inferno por ler isto... Depois,
é ridículo confessar- me ignorante desta filosofia, quando tenho estudado
todas as escolas filosóficas. Pensando assim, abri o livro e prendi- me a
ele, como acontecera com a Bíblia. Lia. Mas não encontrava nada que
fosse novo para meu Espírito. Entretanto, tudo aquilo era novo para
mim!... Eu já tinha lido ou ouvido tudo o que se achava no "O Livro dos
Espíritos". Preocupei- me seriamente com este fato maravilhoso e a mim
mesmo dizia: parece que eu era espírita inconsciente, ou, mesmo como se
diz vulgarmente, de nascença".
Sigmar Gama - [email protected] Página 77
Demonstrada a sua capacidade literária no terreno filosófico, que pelas
replicas, quer pelos estudos doutrinários, a Comissão de Propaganda da
União Espirita do Brasil incumbiu Bezerra de Menezes de escrever, aos
domingos, no O Paiz , tradicional órgão da imprensa brasileira, dirigido por
Quintino Bocaiúva, uma serie de artigos sob o titulo O Espiritismo -
Estudos Filosóficos . Os artigos de Max , pseudônimo de Bezerra de
Menezes, marcaram a época de ouro da propaganda espirita no Brasil.
Esses artigos foram publicados, ininterruptamente, de 1886 a 1893.
Da bibliografia de Bezerra de Menezes, antes e após a sua conversão do
Espiritismo, constam os seguintes trabalhos: "A Escravidão no Brasil e as
medidas que convém tomar para extingui-la sem dano para a Nação",
"Breves considerações sobre as secas do Norte", "A Casa Assombrada", "A
Loucura sob Novo Prisma", "A Doutrina Espírita como Filosofia Teogônica",
"Casamento e Mortalha", "Pérola Negra", "Lázaro -- o Leproso", "História
de um Sonho", "Evangelho do Futuro". Escreveu ainda várias biografias de
homens célebres, como o Visconde do Uruguai, o Visconde de Carvalas,
etc. Foi um dos redatores de "A Reforma", órgão liberal da Corte, e redator
do jornal "Sentinela da Liberdade".
No dia 16 de agosto de 1886, um auditório de cerca de duas mil pessoas
da melhor sociedade enchia a sala de honra da Guarda Velha, na rua da
Guarda Velha, atual Avenida 13 de Maio, no Rio de Janeiro, para ouvir em
silêncio, emocionado, atônito, a palavra sábia do eminente político, do
eminente médico, do eminente cidadão, do eminente católico, Dr. Bezerra
de Menezes, que proclamava a sua decidida conversão ao Espiritismo.
Sigmar Gama - [email protected] Página 78
Bezerra de Menezes tinha o encargo de medico como verdadeiro
sacerdócio por isso, dizia: Um medico não tem o direito de terminar uma
refeição, nem de escolher hora, nem de perguntar se e´ longe ou perto,
quando um aflito qualquer lhe bate a porta. O que não acode por estar
com visitas, por ter trabalhado muito e achar-se fatigado, ou por ser alta
noite, mau o caminho ou o tempo, ficar longe ou no morro o que,
sobretudo, pede um carro a quem não tem com que pagar a receita, ou
diz a quem chora a porta que procure outro, esse não e´ medico, e´
negociante de medicina, que trabalha para recolher capital e juros dos
gastos da formatura. Esse e´ um infeliz, que manda para outro o anjo da
caridade que lhe veio fazer uma visita e lhe trazia a única esportula que
podia saciar a sede de riqueza do seu Espirito, a única que jamais se
perdera nos vais-e-vens da vida.
No ano de 1883, reinava um ambiente francamente dispersivo no seio do
Espiritismo no Brasil, e os que dirigiam os núcleos espiritas do Rio de
Janeiro sentiam a necessidade de uma união mais estreita e indestrutível.
Os Centros Espiritas, onde se ministrava a Doutrina, trabalhavam de forma
autônoma. Cada um deles exercia sua atividade em um determinado
setor, despreocupado em conhecer as atividades dos demais. Esse estado
de coisas levou-os a fundação da Federação Espirita Brasileira (FEB).
Nessa época, já existiam muitas sociedades espiritas, porem as únicas que
mantinham a hegemonia eram quatro: a Acadêmica, a Fraternidade, a
União Espirita do Brasil e a Federação Espirita Brasileira. Entretanto, logo
surgiram entre elas rivalidades e discórdias. Sob os auspícios de Bezerra
de Menezes, e acatando importantes instruções, dadas por Allan Kardec,
através do médium Frederico Júnior, foi fundado o famoso Centro Espirita
porem nem por isso deixava Bezerra de dar a sua cooperação a todas as
outras instituições.
O entusiasmo dos espíritas logo se arrefeceu, e o velho seareiro se viu
desamparado dos seus companheiros, chegando a ser o único
freqüentador do Centro. A cisão era profunda entre os chamados
"místicos" e "científicos", ou seja, espíritas que aceitavam o Espiritismo
em seu aspecto religioso, e os que o aceitavam simplesmente pelo lado
científico e filosófico.
Sigmar Gama - [email protected] Página 79
Em 1893, a convulsão provocada no Brasil pela Revolta da Armada,
ocasionou o fechamento de todas as sociedades espíritas ou não. No Natal
do mesmo ano Bezerra encerrou a série de "Estudos Filosóficos" que vinha
publicando no "O Paiz".
Em 1894, o ambiente demonstrou tendências de melhora e o nome de
Bezerra foi lembrado como o único capaz de unificar a família espírita. O
infatigável batalhador, com 63 anos de idade, assumiu a presidência da
Federação Espirita Brasileira.
Iniciava- se o ano de 1900, e Bezerra de Menezes foi acometido de
violento ataque de congestão cerebral, que o prostrou no leito, de onde
não mais se levantaria.
Verdadeira romaria de visitantes acorria à sua casa. Ora o rico, ora o
pobre, ora o opulento, ora o que nada possuía.
Ninguém desconhecia a luta tremenda em que se debatia a família do
grande apóstolo do Espiritismo. Todos conheciam suas dificuldades
financeiras, mas ninguém teria a coragem de oferecer fosse o que fosse,
de forma direta. Por isso, os visitantes depositavam suas espórtulas,
delicadamente, debaixo do seu travesseiro. No dia seguinte, a pessoa que
lhe foi mudar as fronhas, surpreendeu- se por ver ali desde o tostão do
pobre até a nota de duzentos mil reis do abastado!...
Desencarnou em 11 de abril de 1900. Ocorrida a sua desencarnação,
verdadeira peregrinação demandou sua residência a fim de prestar- lhe a
última visita.
No dia 17 de abril, promovido por Leopoldo Cirne, reuniram- se alguns
amigos de Bezerra, a fim de chegarem a um acordo sobre a melhor
maneira de amparar a sua família, tendo então sido formada uma
comissão que funcionou sob a presidência de Quintino Bocaiúva, senador
da República, para se promover espetáculos e concertos, em benefício da
família daquele que mereceu o cognome de "Kardec Brasileiro".
Sigmar Gama - [email protected] Página 80
Digno de registro foi um caso sucedido com o Dr. Bezerra de Menezes,
quando ainda era estudante de Medicina. Ele estava em sérias
dificuldades financeiras, precisando da quantia de cinqüenta mil réis
(antiga moeda brasileira), para pagamento das taxas da Faculdade e para
outros gastos indispensáveis em sua habitação, pois o senhorio, sem
qualquer contemplação, ameaçava despejá-lo.
Desesperado -- uma das raras vezes em que Bezerra se desesperou na
vida -- e como não fosse incrédulo, ergueu os olhos ao Alto e apelou a
Deus.
Poucos dias após bateram- lhe à porta. Era um moço simpático e de
atitudes polidas que pretendia tratar algumas aulas de Matemática.
Bezerra recusou, a princípio, alegando ser essa matéria a que mais
detestava, entretanto, o visitante insistiu e por fim, lembrando- se de sua
situação desesperadora, resolveu aceitar.
O moço pretextou então que poderia esbanjar a mesada recebida do pai,
pediu licença para efetuar o pagamento de todas as aulas
adiantadamente. Após alguma relutância, convencido, acedeu. O moço
entregou- lhe então a quantia de cinqüenta mil réis. Combinado o dia e a
hora para o início das aulas, o visitante despediu- se, deixando Bezerra
muito feliz, pois conseguiu assim pagar o aluguel e as taxas da Faculdade.
Procurou livros na biblioteca pública para se preparar na matéria, mas o
rapaz nunca mais apareceu.
No ano de 1894, em face das dissensões reinantes no seio do Espiritismo
brasileiro, alguns confrades, tendo à frente o Dr. Bittencourt Sampaio,
resolveram convidar Bezerra a fim de assumir a presidência da Federação
Espírita Brasileira.
Em vista da relutância dele em assumir aquele espinhoso encargo, travou-
se a seguinte conversação:
-- Querem que eu volte para a Federação. Como vocês sabem aquela
velha sociedade está sem presidente e desorientada. Em vez de trabalhos
metódicos sobre Espiritismo ou sobre o Evangelho, vive a discutir teses
bizantinas e a alimentar o espírito de hegemonia.
Sigmar Gama - [email protected] Página 81
-- O trabalhador da vinha, disse Bittencourt Sampaio, é sempre amparado.
A Federação pode estar errada na sua propaganda doutrinária, mas possui
a Assistência aos Necessitados, que basta por si só para atrair sobre ela as
simpatias dos servos do Senhor.
-- De acordo. Mas a Assistência aos Necessitados está adotando
exclusivamente a Homeopatia no tratamento dos enfermos, terapêutica
que eu adoto em meu tratamento pessoal, no de minha família e
recomendo aos meus amigos, sem ser, entretanto, médico homeopata.
Isto aliás me tem criado sérias dificuldades, tornando- me um médico
inútil e deslocado que não crê na medicina oficial e aconselha a dos
Espíritos, não tendo assim o direito de exercer a profissão.
-- E por que não te tornas médico homeopata? disse Bittencourt.
-- Não entendo patavinas de Homeopatia. Uso a dos Espíritos e não a dos
médicos.
Nessa altura, o médium Frederico Júnior, incorporando o Espírito de S.
Agostinho, deu um aparte:
-- Tanto melhor. Ajudar-te-emos com maior facilidade no tratamento dos
nossos irmãos.
-- Como, bondoso Espírito? Tu me sugeres viver do Espiritismo?
-- Não, por certo! Viverás de tua profissão, dando ao teu cliente o fruto do
teu saber humano, para isso estudando Homeopatia como te aconselhou
nosso companheiro Bittencourt. Nós te ajudaremos de outro modo:
Trazendo- te, quando precisares, novos discípulos de Matemática . . .
BITTENCOURT SAMPAIOBITTENCOURT SAMPAIO
Francisco Leite de Bittencourt Sampaio, filho de um negociante português
do mesmo nome e de D. Maria de Santa Ana Leite Sampaio, nasceu em
Laranjeiras, localidade da então Província de Sergipe, no dia 1o. de
Fevereiro de 1834, e desencarnou no Rio de Janeiro a 10 de Outubro de
1895.
Foi jurisconsulto, magistrado, político, alto funcionário público, jornalista,
literato, renomado poeta lírico e excelente médium espírita.
Tendo principiado seus estudos de Direito na Faculdade do Recife,
continuou-os na Academia de São Paulo (atual Faculdade de Direito),
Sigmar Gama - [email protected] Página 82
fazendo parte da turma de Bento Luis de Oliveira Lisboa, Manoel Alves de
Araújo, Eleutério da Silva Prado e outros nomes notáveis da política e da
jurisprudência brasileiras. Interrompeu, em 1856, o seu curso acadêmico
para acudir os conterrâneos enfermos, por ocasião da epidemia de cólera.
Por esses serviços, a que se entregou desinteressadamente, foi
condecorado pelo Governo Imperial com a Ordem da Rosa, que não
aceitou por incompatível com suas idéias políticas.
Bastante querido pelos seus colegas, colaborou na revista "O Guaianá"
(1856), dos estudantes de Direito, e em outras publicações literárias de
São Paulo, como em "A Legenda", nos "Ensinos Literários" do Ateneu
Paulistano, na "Revista Mensal do Ensaio Filosófico Paulistano", no
"Correio Paulistano", etc...
O ilustre jornalista, político e historiador professor Dr. Almeida Nogueira,
que o conheceu de perto, deixou-nos, em rápidas pinceladas, esta
descrição de sua figura: "Alto, louro, pálido, olhos azuis, encovados e
muito expressivos, cabelos crescidos e atirados para trás, descobrindo-lhe
a fronte iluminada pelo talento e pela inspiração. Fisionomia romântica e
extremamente simpática."
No "O Kalidoscópio", jornal acadêmico de 1860, publicação do Instituto
Acadêmico Paulista, um estudante, que se assinava Sandoval, assim
retratou Bittencourt Sampaio aos 26 de maio de 1860:
"Contam que Buffon não escrevia uma só das admiráveis páginas da
História dos Animais, sem que estivesse de casaca bordada, e chapéu de
pasta ao lado; O Sr. Bittencourt Sampaio não rima uma quadra sem que
tenha envergado sua casaca azul, de botões amarelos, e um boné a
mesma fazenda na cabeça. O Hino Ao Sol foi escrito assim, sob os
auspícios dos heróicos botões amarelos da casaca azul."
"Ele começa uma poesia: - se lhe falta um termo para completar um verso,
atira a pena, e vai passear. "Ainda não é tempo"- diz, muito senhor de si.
Ele já sabe o que lhe vai pelo espírito e pelo papel, quando a inspiração o
subjuga. Ao terminar a Ode à Liberdade, às seis horas da tarde, de 7 de
Setembro de 1857, tremia que nem vara verde. Se quiseram ouvi-la, foi
preciso que um dos amigos presentes lha arrebatassem das mãos."
Sigmar Gama - [email protected] Página 83
"Era então bem restrito o número de seus íntimos. Destes só me lembra o
Sr. Tavares Bastos. Conversava-se sobre arte, discutiam-se as teorias dos
contrastes de Victor Hugo, bebia-se champagne, assentavam-se as bases
do futuro literário da Pátria, e fumava-se um cigarro de Campinas, no meio
de bons ditos e dos propósitos sisudos."
"Enquanto isto, as casuarinas sussurravam, e abriam aquelas boas noites,
que o poeta depois cantou num metro delicado, numa canção de
extasiar."
"E esses tempos não voltarão mais..."
"Às vezes some-se. Ninguém sabe dele. Em casa não está. O que anda
fazendo aquele doido? Perguntam os seus íntimos. Ora, o que anda
fazendo? Anda sonhando, conversando a Natureza, fazendo devaneios. E
tudo isso com tanta habilidade e paixão, como a George Sand fazia seus
doces ao forno, nas horas que não trabalhava em Lélia, ou na Indiana."
"Não visita a muita gente. Vai pouco ao espetáculo. Mas ama a
conversação, como ama as mulheres e as flores, e a poesia e a musica.
Toca violão, e canta lundus da Bahia: é uma das suas boas horas."
Declara Spencer Vampré que Bittencourt Sampaio se celebrizou na
Academia de Direito não pelos seus versos ingênuos e bucólicos, mas pelo
hino – "A Mocidade Acadêmica", "cujos acentos entusiásticos e arrojadas
hipérboles, não parecem condizer com um sereno e risonho contemplador
da Natureza." E continua Vampré: "Escreveu a musica, verdadeiramente
inspirada, do Hino Acadêmico, o gênio de Carlos Gomes, que assim legou
à mocidade do Brasil uma das suas mais emocionantes criações. Quem
quer que tenha percorrido, estudante, os sombrios corredores do velho
Convento de São Francisco, ouve, sempre, com redobrada emoção, as
estrofes cheias de fé, e a música cheia de arrancos heróicos, do Hino
Acadêmico."
Bacharelando-se em 1859, Bittencourt Sampaio exerceu a promotoria
publica em Itabaiana e Laranjeiras, em 1860-1861, trabalhando ainda
como inspetor do distrito literário na primeira dessas comarcas. Em março
de 1861, retirou-se da Província de Sergipe, vindo para a antiga Corte do
Rio de Janeiro, onde abriu banca de advogado, que freqüentou por muitos
anos.
Sigmar Gama - [email protected] Página 84
Por essa época, o jornalista, critico e ensaísta fluminense José Joaquim
Pessanha Povoa conheceu Bittencourt Sampaio na republica de Macedo
Soares, situada na Rua do Ouvidor, e onde se reuniam, por vezes, os
estudantes de Direito, entre eles Belisário S. de Souza, Melo Matos, G.
Pinto Moreira, afinal, "a boêmia literária daquele quarteirão latino". E eis
como Pessanha Povoa se refere ao primoroso artista de "Flores Silvestres":
"Sempre cheio de alegrias íntimas, simpático, traquinas como um colegial
em hora de recreio, de casaca azul de botões amarelos, chapéu branco,
luvas e calçado parisienses, ora em passeio pelos arrabaldes, ora nos
teatros ou em diversas reuniões de estudantes, era estimado e seu
coração justamente recompensado na lealdade com que servia aos seus
amigos".
E, mais adiante, lembrava ainda:
"Era a alegria da casa, o iniciador de divertimentos úteis, de saraus
literários e musicais. Não desperdiçava seus talentos no emprego de horas
consagradas à crápula dos lupanares, ao assassino regaço das camélias.
Nunca amesquinhou a sua individualidade, nem aviltou sua inteligência."
Na sessão fúnebre celebrada em 1858, em homenagem ao Dr. Gabriel
José Rodrigues dos Santos, lente catedrático da Academia de Direito,
profunda sensação apoderou-se de todo o auditório quando, ao assomar à
tribuna, Bittencourt Sampaio recitou comovente poesia, iniciada pelo
tocante quarteto:
Morte! palavra que traduz mistério!
Sombra nas trevas a vagar perdida!
Pálido círio de clarões funéreo!
Negro fantasma que se abraça à vida!
Esta quadra – diz-nos Armindo Guaraná – por muito tempo serviu de
epígrafe às noticias fúnebres e aos discursos necrológicos.
Militando na política, filiou-se ao Partido Liberal. Eleito, pela sua Província,
deputado à Assembléia Geral Legislativa, nas legislaturas de 1864-1866 e
1867-1870, foi, nesse último período, Presidente do Espírito Santo,
nomeado por carta imperial de 29 de setembro de 1867, cargo que
Sigmar Gama - [email protected] Página 85
exerceu até 26 de abril de 1868, para voltar ao desempenho do mandato
legislativo na Corte.
Em 1870, abraçando as idéias republicanas, desligou-se do partido a que
pertencia e fez-se ardoroso propagandista da República. Nessa qualidade,
assinou, ao lado de Saldanha da Gama, Quintino Bocayuva e outros, o
célebre Manifesto de 3 de Dezembro de 1870, que tão larga repercussão
teve, tornando-se importantíssimo documento histórico. Como político,
colaborou ativamente em "A Reforma", órgão do Partido Liberal da Corte,
e em algumas folhas mais, entre elas "A Republica", da qual era um dos
redatores. Com Aristides Lobo, Alfredo Pinto, Pompílio de Albuquerque e
outros, foi um dos fundadores do Partido Republicano Federal, em 12 de
Janeiro de 1873.
Jornalista, não só era deputado pelo brilho de seus artigos, mas também,
grandemente respeitado pela elevação, sinceridade e firmeza com que
sustentava e defendia seus ideais políticos.
Proclamada a Republica, foi comissionado para inventariar todos os papéis
existentes na Câmara dos Deputados, cargo que deixou para exercer o de
redator dos debates na Assembléia Constituinte, em 1890. Foi o primeiro
administrador da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro a gozar do titulo
oficial de Diretor, já que até ao fim do Império os titulares a dirigiam como
"bibliotecários". Nomeado a 12 de Dezembro de 1889, empossou-se dois
dias depois, tendo exercido o cargo até 15 de Outubro de 1892.
Entre os poetas de sua geração, destacou-se tanto, que Silvio Romero
disse a seu respeito:
"Em Bittencourt Sampaio predomina o lirismo local, tradicionalista,
campesino, popular. Por este lado é um dos melhores poetas do Brasil; é
mais natural e espontâneo do que Dias carneiro, Trajano Galvão e Bruno
Seabra, e é mais elevado e artístico do que Juvenal Galeno. Rivaliza com
Joaquim Serra e Melo Moraes Filho."
Elogiando as verdadeiras jóias de "Flores Silvestres", Silvio Romero
salientou:
"Há nelas duas qualidades de composições: as de inspiração local e
sertaneja e as de inspiração mais geral. Numas e noutras os dotes
principais do poeta são - a melodia do verso, a graciosidade que o faz
Sigmar Gama - [email protected] Página 86
primar em pequenos quadros, e certa nostalgia pelas cenas, pela vida
simples, fácil, descuidada das regiões sertanejas e campesinas."
No "Compêndio da História da Literatura Brasileira" (1906), de Silvio
Romero e João Ribeiro, de novo é enaltecida, nas paginas 221 a 223, a
obra poética de Bittencourt Sampaio.
Macedo Soares, por sua vez, num estudo crítico, lhe deu, entre os líricos
brasileiros, o primeiro lugar, logo depois de Gonçalves Dias.
Citemos algumas das principais obras, em prosa e verso, que lhe
granjearam tão elevada reputação como prosador e poeta em que desde
cedo se patenteara o "filósofo idealista": Harmonias Brasileiras – Poesias
de Bittencourt Sampaio, Macedo Soares e Salvador de Mendonça,
publicadas em São Paulo, 1859; Flores Silvestres; Lamartinianas (tradução
de poesias de Lamartine); Poemas da Escravidão (versos originais e
tradução de versos de Longfellow); A Bela Sara (tradução das "Orientais",
de Victor Hugo); A nau da liberdade (poema épico); Hiawatha (versos);
Cartas de Além Túmulo (publicadas no "Cruzeiro" e na "Gazeta da Tarde"
do Rio de Janeiro); Nossa Senhora da Piedade (legenda publicada no
"Monitor Católico"); Dicionário da Língua Indígena; além de inéditos.
Valentim Magalhães disse, a propósito dos "Poemas da Escravidão", que
Bittencourt Sampaio "foi um dos mais admiráveis talentos da nossa
literatura no período de transição; dir-se-ia que conhecia os segredos das
supremas tristezas humanas e foi o representante dedicado da escola
criada por Goeth, Byron...".
Reveladores de inteligência superior e invulgar, de uma cultura vastíssima
e de uma alma que já dos paramos espirituais descera enamorada dos
sublimados ideais que inspiram as grandes e imorredouras obras, os
trabalhos que vimos de mencionar, muitos deles, senão todos, dignos de
figurar nas seletas que os estudantes manuseiam nas escolas.
Entretanto, a relação acima não se acha completa, pois que um, deixamos
intencionalmente de incluir ali, para realçá-lo, porque, dentre todos, é o
que, ao nosso ver, mais avulta, não somente pelo fulgor inexcedível da
forma, como, sobretudo, pela "A Divina Epopéia de João Evangelista
originalidade do assunto cuja altitude imprime à obra valor inestimável.
Sigmar Gama - [email protected] Página 87
Aludimos à sua" (Rio de Janeiro, Tipografia Nacional, 1882), única, cremos,
no gênero, em todo o mundo.
Dos que compõem a presente geração de espíritas, poucos hão de ser,
provavelmente, os que saibam o que seja essa Divina Epopéia, cumprindo-
nos, portanto, dizer-lhe que é o quarto Evangelho, o de João, posto em
versos decassílabos, soltos, metro empregado sempre nas composições
épicas, por ser sem dúvida o que melhor lhes imprime a grandiosidade
que as deve caracterizar e que sobreleva na obra a que aludimos.
E não é tudo: essa composição poética ele a completou, escrevendo para
o volume uma segunda parte, em prosa, na qual o que em cada um dos
cantos se contém é explicado à luz da Revelação Espírita, precedidas tais
explicações de longa "Prefação", onde exuberantemente explanada se
acha a questão da divindade de Jesus.
Salientou Almeida Nogueira que, "quanto ao merecimento literário da
obra, foi objeto de justa admiração da crítica a felicidade com que o poeta
reproduziu em belos versos o texto quase literal da epopéia do discípulo
amado."
Armindo Guaraná, no seu "Dicionário Bio-Bibliográfico Sergipano",
escreveu que A Divina Epopéia "é talvez a melhor obra deste autor".
Colaborou em vários jornais e revistas de São Paulo e do Rio, havendo
nessas cidades ruas como o nome de Bittencourt Sampaio. Do Rio,
podemos citar, afora as publicações já relacionadas aqui, a "Revista
Popular", a "Revista Brasileira", "O Cruzeiro", a "Gazeta da Tarde", etc.
Por ocasião da visita de Bittencourt Sampaio a Ouro Preto (Minas Gerais),
em 1875, o grande poeta e romancista Bernardo Guimarães (1825-1884)
dedicou-lhe "Estrofes", poesia datada de Novembro de 1875, e que assim
se inicia (Poesias Completas de Bernardo Guimarães), organização,
introdução, cronologia e notas por Alphonsus de Guimaraens Filho, INL,
Rio, 1959,pp.328 a 340:
"Eu te saúdo, ó cisne de outras margens,
que o vôo teu abates.
Por um momento nestas fundas vargens
Ninho de ilustres vates,
Sigmar Gama - [email protected] Página 88
cujo canto até hoje inda inspira
na viração, que pelos montes gira".
Não se sabe quando ele entrou para o Espiritismo, mas em 2 de Agosto de
1873 já fazia parte da Diretoria do "Grupo Confúcio", primeira sociedade
espírita surgida em terras cariocas. Lá desenvolveu sua mediunidade
receitista, curando muitos doentes com remédios homeopatas. Assinala
Almeida Nogueira que Bittencourt Sampaio foi atraído pelo Espiritismo
pelos fenômenos, assunto este que ele estudou profundamente, mas foi a
parte moral que mais impressionou o poeta-filósofo.
Funda, em 1876, a "Sociedade de Estudos Espíritas Deus, Cristo e
Caridade", presidindo-lhe os trabalhos, nos quais era parte importante o
estudo dos Evangelhos à luz do Espiritismo.
Fundado, em 1880, o "Grupo Espírita Fraternidade", a ele Bittencourt
Sampaio também empresta sua valiosa colaboração.
O respeitável vulto do Espiritismo Cristão no Brasil, Dr. Antônio Luís Saião,
que se convertera graças à mediunidade curadora de Bittencourt
Sampaio, reúne então os médiuns da referida sociedade no "Grupo
Ismael", por ele criado e até hoje existente, e ali Bittencourt Sampaio se
constituiu num dos intermediários de belas e instrutivas mensagens de
Espíritos Superiores.
Quando do falecimento de José Bonifácio, o Moço, em 26-10-1886,
choraram a sua morte os mais belos talentos da época: Machado de Assis,
Valentim Magalhães e Bittencourt Sampaio, entre os poetas, Rui Barbosa,
entre os prosadores. Bittencourt escreveu esses versos de espírita:
Sim! Ele entrou, de bênçãos radiante,
Pelo portão de luz da eternidade,
Qual águia, que, dos céus na imensidade,
Livre revoa, tão de nós distante!
Declara o "Reformador" de 15 de Outubro de 1895, que Bittencourt "se
preparava para escrever a Divina Tragédia do Gólgota, quando, fruto
maduro, foi colhido pela mão do celeste jardineiro".
Sigmar Gama - [email protected] Página 89
Depois de sua desencarnação, o Espírito de Bittencourt Sampaio escreveu,
pelo médium Frederico Junior, as seguintes obras: "Jesus Perante a
Cristandade", "De Jesus para as Crianças", e "Do Calvário ao Apocalipse".
Tais, em ligeiro e imperfeito escorço, a personalidade humana e a
individualidade espiritual daquele que se chamou, entre nós, Francisco
Leite de Bittencourt Sampaio e que, desde quando volveu à vida de
Espírito livre, se constituiu, entre os eleitos do Senhor, guia indefeso,
protetor caridoso e clarividente orientador da Federação Espírita
Brasileira, que nunca deixou de lhe sentir o braço potente a ampará-la,
nos momentos difíceis ou graves, que bastas vezes tem ela atravessado,
no transcurso da sua existência de quase um século.
CAÍRBAR SCHUTELCAÍRBAR SCHUTEL
Nascido na cidade do Rio de Janeiro, a 22 de setembro de 1868 e
desencarnado em Matão, Estado de S. Paulo, no dia 30 de janeiro de 1938.
No dealbar do século XX, quando eram ensaiados os primeiros passos no
grandioso programa de divulgação do Espiritismo, e quando a Doutrina
dos Espíritos era vista como uma novidade que vinha abalar os conceitos
até então prevalecentes sobre a imortalidade da alma e a
comunicabilidade dos Espíritos, dentre os pioneiros da época, surgiu um
vulto que se destacou de forma inusitada, fazendo com que a difusão da
nova Doutrina tivesse uma penetração até então desconhecida.
O nome desse seareiro era Caírbar de Souza Schutel, nome esse que se
impôs, em pouco tempo, ao respeito e consideração de todos. Ele jamais
esmoreceu no propósito de fazer com que a nova revelação, que vinha
fazer o mundo descortinar novos horizontes e prometia restaurar, na
Terra, as primícias dos ensinamentos legados por Jesus Cristo quase vinte
séculos antes, pudesse conquistar os corações dos homens, implantando-
se na face do nosso planeta como uma nova força cujo objetivo básico era
de extirpar o fantasma do materialismo avassalador.
Biografar um vulto dessa estirpe não é fácil tarefa, uma vez que as suas
atividades não conheciam limitações nem eram bitoladas por
conveniências de grupos ou de pessoas. Conseqüentemente, tudo aquilo
que se disser sobre Caírbar Schutel não passa de uma súmula muito
Sigmar Gama - [email protected] Página 90
apagada de uma vida cheia de lutas, de percalços e sobretudo de ardente
idealismo.
Registraremos, entretanto, alguns dados biográficos desse insigne
batalhador espírita:
Caírbar de Souza Schutel, aos nove anos de idade, ficava orfão de pai e,
seis meses após, de mãe. Seu avô, Dr. Henrique Schutel, interessou- se
pela sua educação, matriculando- o no Colégio Nacional, depois Colégio D.
Pedro II, onde estudou durante dois anos.
Animado de novos propósitos, abandonou os estudos e a casa do avô,
passando a trabalhar como prático em farmácia, o que fez com que, aos
17 anos de idade já se tornasse respeitaável profissional desse ramo.
Nessa época abandonou a antiga Capital Federal e rumou para o Estado
de S. Paulo, onde se localizou primeiramente em Piracicaba e logo após
em Araraquara e Matão. Esta última cidade era então um lugarejo muito
singelo, com poucas casas e dependendo quase que exclusivamente do
comércio de Araraquara, a cujo município pertencia.
Nessa humilde cidade, Caírbar Schutel acalentou o propósito de servir à
coletividade, o que fez com que batalhasse arduamente para que Matão
subisse à categoria de Município. Conseguindo colimar esse desiderato, foi
eleito seu primeiro Prefeito.
Homem dotado de ilibado caráter, de ampla visão e de grande humildade,
conseguiu conquistar os corações de todos. Na política não enfrentava
obstáculos. Deve- se a ele a edificação do prédio da Câmara Municipal, o
que fez com seus próprios recursos financeiros.
A política, no entanto, não era o seu objetivo, por isso, tão logo ele teve a
sua Estrada de Damasco, representada pela sua conversão ao Espiritismo,
abandonou esse campo, passando a dedicar- se inteiramente à nova
Doutrina.
Conheceu o Espiritismo através de Manoel Pereira do Prado, mais
conhecido por Manoel Calixto, que na época era um dos poucos e o mais
destacado espírita do lugar. Embora não sendo profundo conhecedor dos
princípios básicos da Codificação Kardequiana, Manoel Calixto conseguiu
impressionar o futuro apóstolo, com uma mensagem mediúnica de
elevado cunho espiritual, recebida por seu intermédio.
Sigmar Gama - [email protected] Página 91
Em seguida a esse episódio, Caírbar integrou- se no conhecimento das
obras fundamentais da Doutrina Espírita e, tão logo se sentiu
compenetrado daquilo que ela ensina, fundou, no dia l5 de julho de 1904,
o primeiro núcleo espírita da cidade e da zona, denominando- o "Centro
Espírita Amantes da Pobreza".
Não satisfeito com essa arrojada realização, no mês de agosto de 1905,
lançou a primeira edição do jornal "O Clarim", órgão esse que vem
circulando desde então e que se constituiu, de direito e de fato, num dos
mais tradicionais e respeitáveis veículos da imprensa espírita.
Numa época quando pontificava verdadeira intolerância religiosa e
quando o Espiritismo e outras religiões sofriam o impacto da ação
exercida pela religião majoritária, Caírbar Schutel também teve o seu
Calvário: um sacerdote reacionário e profundamente intolerante, resolveu
promover gestões no sentido de fechar as portas do Centro Espírita,
usando como arma ardilosa uma campanha persistente no sentido de
fazer com que a farmácia de Caírbar fosse boicotada pelo povo.
Com o apoio do delegado de polícia, conseguiu deste a ordem para o
fechamento do Centro onde se difundia o Espiritismo. Caírbar Schutel, no
entanto, não era dos que se intimidam e, contra o padre e o delegado,
levantou a barreira da sua autoridade moral e da sua coragem. A ordem
do delegado não foi respeitada por atentar contra a letra da Constituição
Federal de 1891, e o valoroso espírita foi à praça pública protestar contra
tamanho desrespeito. O padre, não tolerando aquela manifestação
promovida por Caírbar, também promoveu uma passeata de desagravo.
Outros sacerdotes, nessa época, já estavam em Matão, apregoando a
necessidade de se manter o "herético" circunscrito, de nada se adquirirem
sua farmácia, e, sobretudo proibindo a todos a freqüência ao Centro
Espírita.
Em face da tremenda pressão exercida, Caírbar anunciou que falaria ao
povo em praça pública, refutando ponto por ponto todas as acusações
gratuitas que lhe eram atribuídas pelos sacerdotes. O delegado proibiu- o
de falar. Caírbar não acatou a proibição do delegado e, estribando- se na
Constituição, dirigiu- se para a praça pública, falando aos poucos que, não
temendo as represálias do padre, tiveram a coragem de lá comparecer.
Sigmar Gama - [email protected] Página 92
Este, por sua vez, expressou a idéia de que, se a liberalíssima Constituição
brasileira permitia esse direito a Caírbar, a Igreja de forma alguma
consentiria e, aliciando um grupo de homens fanatizados, marchou para a
praça pública, cantando hinos e cantorias fúnebres, portando, além disso,
vários tipos de armas. O objetivo da procissão noturna era de abafar a voz
do orador e atemorizar o povo.
Essa barulhenta manifestação provocou a repulsa de algumas pessoas
cultas da cidade, as quais, dirigindo- se à praça, pediram a aquiescência
do orador para, de público, manifestarem a desaprovação àquelas
manifestações e responsabilizando o padre pelas conseqüências danosas
daquele desrespeito à Carta Magna, afirmando que o orador tinha todo o
direito de falar e de se defender. Diante dessa reação, o padre ficou
assombrado e decidiu dispersar os acompanhantes, o que possibilitou a
Caírbar prosseguir na defesa dos seus direitos e dos seus ideais.
Caírbar sabia ser amigo até dos seus próprios inimigos. Sempre inspirava
simpatia e respeito. Sempre feliz no seu receituário, tornou- se, dentro em
pouco, o Médico dos Pobres e o Pai da Pobreza, de Matão. Além de
prescrever o medicamento, ele o dava gratuitamente aos necessitados.
Sua residência tomou- se um refúgio para os pobres da cidade. Muitas
pessoas eram socorridas pela sua generosidade. Muitos recebiam socorros
da mais variada espécie, em víveres, em roupas e sobretudo assistência
espiritual.
O sentimento de amor ao próximo teve nele incomparável paradigma.
Estava sempre solícito e pronto para socorrer um enfermo ou um
obsediado. Atos de renúncia e de desapego eram comuns em sua vida.
Sua residência chegou a ser transformada em hospital de emergência
para doentes mentais e obsediados. Em vista do crescente número de
enfermos, em 1912 alugou uma casa mais ampla, na qual tratava com
maiores recursos e com mais liberdade todos aqueles que apelavam para
a sua ajuda fraternal.
No dia 15 de fevereiro de 1925, lançou o primeiro número da "Revista
Internacional de Espiritismo", órgão que desde então vem circulando sem
solução de continuidade.
Sigmar Gama - [email protected] Página 93
Quando foi rasgada a Constituição ultra- liberal de 1891, Caírbar Schutel
foi à praça pública apoiando a Coligação Nacional Pró- Estado Leigo,
entidade fundada no Rio de Janeiro pelo Dr. Artur Lins de Vasconcelos
Lopes. Nesse propósito combateu sistematicamente a pretensão,
esposada por alguns grupos, de se introduzir o ensino religioso obrigatório
nas escolas. Certa vez programou uma reunião num cinema de cidade
vizinha para abordar esse tema. Na hora aprazada ali estavam apenas
alguns dos seus amigos, dentre eles José da Costa Filho e João Leão Pitta.
Caírbar não se perturbou. Mandou comprar meia dúzia de foguetes e
soltou- os à porta do cinema. Daí a 20 minutos o recinto estava repleto.
Foi pioneiro no lançamento de programa espírita pelo rádio, pois em 1936
inaugurou, pela PRD- 4 -- Rádio Cultura de Araraquara, uma série de
palestras que mais tarde publicou num volume de 206 páginas.
Como jornalista escreveu muito. Durante muito tempo manteve uma
secção de crônicas e reportagens no "Correio Paulistano" e na "Platéia",
antigos órgãos da imprensa leiga.
Sua bibliografia é bastante vasta, dela destacamos as seguintes obras:
"Espiritismo e Protestantismo", "Histeria e Fenômenos Psíquicos", "O Diabo
e a Igreja", "Médiuns e Mediunidade", "Gênese da Alma", "Materialismo e
Espiritismo", "Fatos Espíritas e as Forças X", "Parábolas e Ensinos de
Jesus", "O Espírito do Cristianismo", "A Vida no Outro Mundo", "Vida e Atos
dos Apóstolos", "Conferências Radiofônicas", "Cartas a Esmo" e
"Interpretação Sintética do Apocalipse".
Fundou também a Empresa Editora "O Clarim", que passou a editar livros
de outros autores.
Caírbar Schutel foi um homem de fé, orador convincente, trabalhador
infatigável, dinâmico, realizador e portador dos mais vivificantes exemplos
de virtude cristã.
CAMILLE FLAMMARIONCAMILLE FLAMMARION
Nascido em Montigny- Le-Roy, França, no dia 26 de fevereiro de 1842, e
desencarnado em Juvissy no mesmo país, a 4 de junho de 1925.
Flammarion foi um homem cujas obras encheram de luzes o século XIX.
Ele era o mais velho de uma família de quatro filhos, entretanto, desde
Sigmar Gama - [email protected] Página 94
muito jovem se revelaram nele qualidades excepcionais. Queixava- se
constantemente que o tempo não lhe deixava fazer um décimo daquilo
que planejava. Aos quatro anos de idade já sabia ler, aos quatro e meio
sabia escrever e aos cinco já dominava rudimentos de gramática e
aritmética. Tornou- se o primeiro aluno da escola onde freqüentava.
Para que ele seguisse a carreira eclesiástica, puseram- no a aprender
latim com o vigário Lassalle. Aí Flammarion conheceu o Novo Testamento
e a Oratória. Em pouco tempo estava lendo os discursos de Massilon e
Bonsuet. O padre Mirbel falou da beleza da ciência e da grandeza da
Astronomia e mal sabia que um de seus auxiliares lhe bebia as palavras.
Esse auxiliar era Camille Flammarion, aquele que iria ilustrar a letra e a
significação galo- romana do seu nome -- Flammarion: "Aquele que leva a
luz".
Nas aulas de religião era ensinado que uma só coisa é necessária: "a
salvação da alma", e os mestres falavam: "De que serve ao homem
conquistar o Universo se acaba perdendo a alma?".
Foi dura a vida dos Flammarions, e Camille compreendeu o mérito de seu
pai entregando tudo aos credores. Reconhecia nele o mais belo exemplo
de energia e trabalho, entretanto, essa situação levou- o a viver com
poucos recursos.
Camille, depois de muito procurar, encontrou serviço de aprendiz de
gravador, recebendo como parte do pagamento casa e comida. Comia
pouco e mal, dormia numa cama dura, sem o menor conforto; era áspero
o trabalho e o patrão exigia que tudo fosse feito com rapidez. Pretendia
completar seus estudos, principalmente a matemática, a língua inglesa e o
latim. Queria obter o bacharelado e por isso estudava sozinho à noite.
Deitava- se tarde e nem sempre tinha vela. Escrevia ao clarão da lua e
considerava- se feliz. Apesar de estudar à noite, trabalhava de 15 a 16
horas por dia. Ingressou na Escola de desenho dos frades da Igreja de São
Roque, a qual freqüentava todas as quintas- feiras. Naturalmente tinha os
domingos livres e tratou de ocupá-los. Nesse dia assistia as conferências
feitas pelo abade sobre Astronomia. Em seguida tratou de difundir as
associações dos alunos de desenho dos frades de São Roque, todos eles
Sigmar Gama - [email protected] Página 95
aprendizes residentes nas vizinhanças. Seu objetivo era tratar de ciências,
literatura e desenho, o que era um programa um tanto ambicioso.
Aos 16 anos de idade, Camille Flammarion foi presidente da Academia, a
qual, ao ser inaugurada, teve como discurso de abertura o tema "As
Maravilhas da Natureza". Nessa mesma época escreveu "Cosmogonia
Universal", um livro de quinhentas páginas; o irmão, também muito seu
amigo, tomou- se livreiro e publicava- lhe os livros. A primeira obra que
escreveu foi "O Mundo antes da Aparição dos Homens", o que fez quando
tinha apenas 16 anos de idade. Gostava mais da Astronomia do que da
Geologia. Assim era sua vida: passar mal, estudar demais, trabalhar em
exagero.
Um domingo desmaiou no decorrer da missa, por sinal, um desmaio muito
providencial. O doutor Edouvard Fornié foi ver o doente. Em cima da sua
cabeceira estava um manuscrito do livro "Cosmologia Universal". Após ver
a obra, achou que Camille merecia posição melhor. Prometeu- lhe, então,
colocá-lo no Observatório, como aluno de Astronomia. Entrando para o
Observatório de Paris, do qual era diretor Levèrrier, muito sofreu com as
impertinências e perseguições desse diretor, que não podia conceber a
idéia de um rapazola acompanhá-lo em estudos de ordem tão
transcendental.
Retirando- se em 1862 do Observatório de Paris, continuou com mais
liberdade os seus estudos, no sentido de legar à Humanidade os mais
belos ensinamentos sobre as regiões silenciosas do Infinito. Livre da
atmosfera sufocante do Observatório, publicou no mesmo ano a sua obra
"Pluralidade dos Mundos Habitados", atraindo a atenção de todo o mundo
estudioso. Para conhecer a direção das correntes aéreas, realizou, no ano
de 1868, algumas ascensões aerostáticas.
Pela publicação de sua "Astronomia Popular", recebeu da Academia
Francesa, no ano de 1880, o prêmio Montyon. Em 1870 escreveu e
publicou um tratado sobre a rotação dos corpos celestes, através do qual
demonstrou que o movimento de rotação dos planetas é uma aplicação da
gravidade às suas densidades respectivas. Tornando- se espírita convicto,
foi amigo pessoal e dedicado de Allan Kardec, tendo sido o orador
Sigmar Gama - [email protected] Página 96
designado para proferir as últimas palavras à beira do túmulo do
Codificador do Espiritismo, a quem denominou "o bom senso encarnado".
Suas obras, de uma forma geral, giram em torno do postulado espírita da
pluralidade dos mundos habitados e são as seguintes: "Os Mundos
Imaginários e os Mundos Reais", "As Maravilhas Celestes", "Deus na
Natureza", "Contemplações Científicas", "Estudos e Leitura sobre
Astronomia", "Atmosfera", "Astronomia Popular", "Descrição Geral do
Céu", "O Mundo antes da Criação do Homem", "Os Cometas", "As Casas
Mal- Assombradas", "Narrações do Infinito", "Sonhos Estelares", "Urânia",
"Estela", "O Desconhecido", "A Morte e seus Mistérios", "Problemas
Psíquicos", "O Fim do Mundo" e outras.
Camille Flammarion, segundo Gabriel Delanne, foi um filósofo enxertado
em sábio, possuindo a arte da ciência e a ciência da arte.
Flammarion--"poeta dos Céus", como o denominava Michelet -- tornou- se
baluarte do Espiritismo, pois, sempre coerente com suas convicções
inabaláveis, foi um verdadeiro idealista e inovador.
DIVALDO PEREIRA FRANCO DIVALDO PEREIRA FRANCO
DIVALDO PEREIRA FRANCO nasceu em 05 de Maio de 1.927, na cidade de
Feira de Santana, Bahia, Brasil.
Filho de Francisco Pereira Franco e Ana Alves Franco, falecidos.
Cursou a Escola Normal Rural de Feira de Santana, onde recebeu o
diploma de Professor Primário, em 1.943. Desde a infância que se
comunica com os espíritos.
Quando jovem, foi abalado pela morte de seus dois irmãos mais velhos, o
que o deixou traumatizado e enfermo, sendo conduzido a diversos
especialistas, na área da Medicina, sem contudo, lograr qualquer resultado
satisfatório.
Apareceu, então, em sua vida, D. Ana Ribeiro Borges, que o conduziu à
Doutrina Espírita, libertando-o do trauma e trazendo consolações, tanto
para ele como para toda a familia. Dedicou-se, então, ao estudo do
Espiritismo, ao tempo em que foi aprimorando suas faculdades
mediúnicas, pelo correto exercício e continuado estudo do Espiritismo.
Sigmar Gama - [email protected] Página 97
Transferiu residência para Salvador no ano de 1.945, tendo feito concurso
para o IPASE(Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do
Estado), onde ingressou a 05 de Dezembro de 1.945, como escriturário.
Espírita convicto, fundou o Centro Espírita"Caminho da Redenção", em 07
de Setembro de 1.947, que mantém, atualmente vários departamentos:
"Mansão do Caminho" – Lar de crianças carentes, fundado em 15.08.1952;
"A MANJEDOURA" - Creche para crianças de 02 meses até 03 anos de
idade;
Escola de 1º Grau "Jesus Cristo"(níveis I e II), fundada em Março de 1.950;
Escola "Allan Kardec", fundada em 1965. Escola de 1º Grau (Nível I);
Jardim de Infância "Esperança", fundado em Fevereiro de 1.971.
Atendendo crianças na faixa etária de 3 a 6 anos de idade em tempo
integral;
Escola de Datilografia "Joana de Ângelis";
Escola de Evangelização para crianças;
Juventude Espírita "Nina Arueira" - para formação moral-espírita de jovens;
Caravana "Auta de Souza" - Organização que ampara inúmeras famílias
irrecuperáveis socialmente;
Assistência "Lourdes Saad" - setor de distribuição diária de sopa e pão;
Casa da Cordialidade - Organização que ampara uma quantidade enorme
de famílias socialmente recuperáveis;
Abulatório Médico "J. Carneiro de Campos";
Gabinete Odontológico "J.J. Silva Xavier";
Laboratório de Análises Clinicas;
Sala de Fisioterapia;
Livraria Espírita "Alvorada" - Editora e Gráfica;
Diversas mensagens foram escritas pelo seu intermédio, sob a orientação
dos Benfeitores Espirituais, até que um dia, recebeu a recomendação para
que fosse queimado o que escrevera até ali, pois não passavam de
simples exercícios.
Com a continuação, vieram novas mensagens assinadas por diversos
Espíritos, dentre eles, Joana de Ângelis, que durante muito tempo
apresentava-se como "Um Espírito Amigo", ocultando-se no anonimato, à
espera do instante oportuno para se fazer conhecida.
Sigmar Gama - [email protected] Página 98
Joana revelou-se como sua Orientadora Espiritual, escrevendo inúmeras
mensagens, num estilo agradável, repassado de profunda sabedoria e
infinito amor, que conforta aos mais diversos leitores e necessitados de
diretriz espiritual.
Em 1.964, Joana de Ângelis selecionou várias das mensagens de sua
autoria e enfeixou-as num livro, que recebeu o sugestivo título de "Messe
de Amor". Foi o primeiro livro que o médium publicou. Logo em seguida,
Rabindranath Tagore ditou "Filigranas de Luz". E vários outros vieram a
lume, conforme listagem ao final da Biografia.
A seu respeito, foram escritos os seguintes livros:
"Divaldo, médium ou gênio?" - pelo jornalista Fernando Pinto;
"Moldando o Terceiro Milênio - Vida e obra de Divaldo Pereira Franco" -
pelo jornalista Fernando Worm;
"Viagens e entrevistas" - Obra organizada por Yvon ª Luz, relacionando
algumas viagens e entrevistas de Divaldo;
Divaldo, desde jovem, teve vontade de cuidar de crianças. Educou mais de
600 filhos, hoje emancipados, a maioria com família constituída e a
própria profissão, no magistério, contabilidade, serviços administrativos e
até medicina, tem 200 netos. Na década de 60 iniciou a construção de
escolas oficinas profissionalizantes e atendimento médico. Hoje a Mansão
do Caminho é um admirável complexo educacional que atende 3.000
crianças e jovens carentes, na Rua Jaime Vieira Lima, 01 – Pau de Lima,
um dos bairros periféricos mais carentes de
Salvador; tem 83.000 m2 e 43 edificações. A obra é basicamente mantida
com a venda de livros mediúnicos e das fitas gravadas nas palestras.
Como Orador começou a fazer palestras em 1.947, difundindo a Doutrina
Espírita, codificada por Allan Kardec e hoje apresenta uma histórica e
recordista trajetória de orador no Brasil e no exterior, sempre atraindo
multidões, com sua palavra inspirada e esclarecedora, acerca de
diferentes temas sobre os problemas humanos e espirituais.
Há vários anos, viaja em média 230 dias por ano, realizando palestras e
Sigmar Gama - [email protected] Página 99
também seminários no Brasil e no mundo.
Em levantamento preliminar, sua atuação é a seguinte:
BRASIL: Esteve em mais de 1.000 cidades, onde realizou mais de 8.000
palestras, concedeu mais de 970 entrevistas de rádio e TV, em cerca de
300 emissoras e retransmissoras, tendo recebido cerca de 200
homenagens da maioria dos Estados do País, possuindo 68 títulos de
cidadania honorária de vários estados e municípios brasileiros, concedidos
por unanimidade de votos. Já falou em várias Universidades e nos
principais teatros e auditórios do País.
AMÉRICAS: Esteve em 18 países, em mais de 119 cidades, onde realizou
mais de 1.000 palestras, concedeu mais de 180 entrevistas de rádio e TV
para cerca de 113 emissoras, inclusive por 3 vezes na Voz da América, a
maior cadeia de rádio do continente. Recebeu cerca de 50 homenagens de
vários países, destacando-se o honorífico título de Doctor Honoris Causa
em Humanidades, concedido pela Universidade de Concórdia em Montreal,
no Canadá, em 1.991. Por 3 vezes fez palestras na ONU, no departamento
de Washington e fez conferências em mais de 12 Universidades do
continente.
EUROPA: Esteve em mais de 20 países, em mais de 80 cidades, onde
realizou mais de 500 palestras, concedeu mais de 50 entrevistas de rádio
e TV para cerca de 40 emissoras, tendo recebido homenagens de vários
países; fez conferência em cerca de 10 Universidades européias e, por 2
vezes, na ONU, departamento de VIENA.
ÁFRICA: Esteve em mais de 5 países, em 25 cidades, realizando 150
palestras, concedeu mais de 12 entrevistas de rádio e TV, em 11
emissoras; recebeu 4 homenagens.
ÁSIA: Esteve em mais de 5 países, em 10 cidades, realizando mais de 12
palestras.
O médium Divaldo, desde jovem apresentou diversas faculdades
mediúnicas, de efeitos físicos e de efeitos intelectuais. Destaca-se a
psicografia, que representa um fenômeno editorial pois em 31 anos de
médium publicou 150 títulos, totalizando mais de quatro milhões e
quinhentos mil exemplares, onde se apresentam 211 Autores Espirituais,
muitos deles ocupando lugar de destaque na literatura, no pensamento e
Sigmar Gama - [email protected] Página 100
na religiosidade universal; destas obras, houve 80 versões para 13
idiomas (alemão, castelhano, esperanto, francês, italiano, polonês, tcheco,
braille, etc....). Os livros possuem uma grande variedade de estudos
literários, como prosa, romances, narrações e etc., abrangendo temas
filosóficos, doutrinários, históricos, infantis, psicológicos e psiquiátricos.
EMANUEL VON SWEDENBORG EMANUEL VON SWEDENBORG
Swedenborg nasceu na Suíca e foi educado pela nobreza de sua pátria,
deslocando-se para Londres onde iniciou-se a sua "iluminação", porquanto
desde o dia de sua primeira visão até a sua morte, 27 anos após, esteve
ele em contínuo contato com o mundo espiritual de maneira ostensiva.
Naquela noite, diz ele, o mundo dos espíritos, do céu e do inferno abriu-se
convincentemente para mim e aí encontrei, muitas pessoas do meu
conhecimento e de todas as condições. Desde então diariamente o Senhor
abria os olhos do meu espírito para ver, perfeitamente desperto, o que se
passava no outro mundo e para conversar, em plena consciência, com os
anjos e espíritos.
Swedenborg, considerado como precursor do Espiritismo, foi antes de tudo
um homem de gênio, cuja genialidade empolgada o fez perder-se em
algumas interpretações, naquilo que lhe era dito ou mostrado. Aceitava a
Bíblia como obra de Deus, com significação diferente de seu óbvio sentido
e que ele, só ele, ajudado pelos anjos seria capaz de transmitir aquele
verdadeiro sentido. Essa pretensão é intolerável e por causa dela a sua
obra tornou-se contraditória e nem sempre inteligível como simples e
compreensíveis são os ensinamentos dos missionários quando têm por
missão divulgar as leis divinas.
Swedenborg era certamente em sua época, o homem que mais
conhecimentos detinha em seu possante cérebro. Era um grande
engenheiro de minas e uma autoridade em metalurgia. Foi o engenheiro
militiar que mudou a sorte de uma das muitas campanhas de Carlos XII,
da Suécia. Era uma grande autoridade em Física e em Astronomia, autor
de importantes trabalhos sobre as marés e sobre a determinação das
Sigmar Gama - [email protected] Página 101
latitudes. Era zoologista e anatomista. Financista e político, antecipou-se
às conclusões de Adam Smith. Finalmente, era um profundo estudioso da
bíblia, procedimento este que lhe marcou de maneira negativa a obra
fenomenal que realizou no campo intelectual.
Em suas visões o médium falava de uma espécie de vapor que exalava
dos poros do seu corpo, que sendo aquoso e muito visível caía no solo
sobre o tapete. É uma perfeita descrição do ectoplasma utilizado nos
efeitos físicos. Em uma dessas visões Swedenborg descreveu um incêndio
em Estocolmo, a 300 milhas de distância, com perfeita exatidão. Estava
ele em um jantar acompanhado de 16 pessoas que serviram como
testemunhas do evento, investigado pelo grande filósofo Kant. A partir de
então ele teve o privilégio de examinar várias esferas do outro mundo e,
conquanto as suas idéias sobre teologia tivessem marcado as suas
descrições, por outro lado a sua imensa cultura lhe permitiu excepcional
poder de comparação e de observação.
Eis alguns fatos por ele observados em suas jornadas: verificou que o
outro mundo, para onde vamos após a morte, consiste de várias esferas,
representando outros tantos graus de luminosidade e de felicidade; cada
um de nós ir para aquela a que se adapta à nossa condição espiritual.
Somos julgados automaticamente, por uma lei espiritual das similitudes; o
resultado é determinado pelo resultado global de nossa vida, de modo que
a absolvição ou o arrependimento no leito de morte têm pouco proveito.
Nessas esferas verificou que o cenário e as condições deste mundo eram
reproduzidas fielmente, do mesmo modo que a estrutura da sociedade.
Viu casas onde viviam famílias, templos onde praticavam culto, auditórios
onde se reuniam para fins sociais, palácios onde deviam morar os chefes.
A morte era suave, dada a presença de seres celestiais que ajudavam os
recém-chegados na sua nova existência. Esses recém-vindos passavam
imediatamente por um período de absoluto repouso. Reconquistavam a
consciência em poucos dias, segundo a nossa contagem. Havia anjos e
demônios, mas não eram de ordem diversa da nossa: eram seres
Sigmar Gama - [email protected] Página 102
humanos, que tinham vivido na terra e que ou eram almas retardatárias,
como demônios, ou altamente desenvolvidas, como anjos.
De modo algum mudamos com a morte. O homem nada perde pela morte:
sob todos os pontos de vista é ainda um homem, conquanto mais perfeito
do que quando na matéria. Leva consigo não só as suas forças, mas os
seus hábitos mentais adquiridos, as suas preocupações, os seus
preconceitos. Todas as crianças eram recebidas igualmente, fossem ou
não batizadas. Cresciam no outro mundo; jovens lhes serviam de mães,
até que chegassem as mães verdadeiras.
Não havia penas eternas. Os que se achavam nos infernos podiam
trabalhar para a sua saída, desde que sentissem vontade. Os que se
achavam no céu não tinham lugar permanente: trabalhavam por uma
posição mais elevada.
Havia casamento sob a forma de união espiritual no mundo próximo, onde
um homem e uma mulher constituíam uma unidade completa. É de notar-
se que Swedenborg jamais se casou.
Não havia detalhes insignificantes para a sua observação no mundo
espeitual. Fala de arquitetura, do artesanato, das flores, dos frutos, dos
bordados, da arte, da música, da literatura, da ciência, das escolas dos
museus, das academias, das bibliotecas e dos esportes. Nada lhe fugia a
observação, embora que algumas vezes tenha enxertado ao ensinamento
recebido as suas convicções pessoais amortecendo o brilho da revelação.
Todavia, Swedenborg foi o primeiro e, sob vários aspectos, um grande
médium, sujeitos aos erros e acertos decorrentes da mediunidade quando
não devidamewnte educada. Seu trabalho foi de imenso valor, no que
tange aos ensinos que seriam confirmados pelo Espiritismo, e pode-se
dizer que, pondo-se de lado a sua exegese bíblica, a sua obra foi um
marco, um porto seguro, no imenso oceano de superstições e fanatismo
em que viviam os homens de sua época.
Sigmar Gama - [email protected] Página 103
EMMANUEL EMMANUEL
Emmanuel é o nome do espírito que vem tutelando a atividade mediúnica
de Franscisco Cândido Xavier, o maior médium psicógrafo de sempre, hoje
com mais de 350 obras psicografadas.
Ao tempo da passagem de Jesus pela Terra, chamou-se Públio Lentulus -
senador romano -, e, ao que se sabe, foi a única autoridade que efetuou
perfeito descrição Dele, através da célebre carta, publicada em numerosas
línguas, autêntica obra-prima do gênero pessoalmente, encontrou-O,
solicitando-Lhe auxílio para a cura de sua filha Flávia, que, supomos,
estaria leprosa desencarnou em Pompeia, no ano 79, vítima das lavas do
Vesúvio, encontrando-se na altura invisual anos depois, reencarnaria como
judeu na Grécia, em Éfeso, já não mais sob a toga de orgulhoso senador
romano, mas sim na estamenha de modesto escravo Nestório, que, na
idade madura, participava das reuniões secretas dos cristãos nas
catacumbas de Roma.
Podemos ficar com melhor conhecimento da história dessse espírito
através das suas obras: Há Dois Mil Anos e Cinquenta Anos Depois ,
transmitidas mediunicamente através de Chico Xavier. Estas obras
constituem verdadeiras obras primas de literatura mediúnica e histórica.
O dr. Elias Barbosa diz-nos que Emmanuel, o mentor espiritual que todos
respeitiamos, foi a personalidade de Manol da Nóbrega, renascido em 18
de Outubro de 1517, em Sanfins, Entre Douro e Minho, Portugal, quando
reinava D. Manuel I, o Venturoso . Inteligência privilegiada, ingressou na
Universidade de Salamanca, Espanha, aos 17 anos, e, com 21, inscreve-se
na Faculdade de Cânones da Universidade de Coimbra, frequentando
aulas de Direito Canónico e Filosofia a 14 de Junho de 1541, em plena
mocidade, recebe a láurea doutoral, sendo, então, considerado
doutíssiomo Padre Manoel da Nóbrega , pelo doutor Martim Azpilcueta
Navarro.
Mais tarde, a 25 de Janeiro de 1554, seria um dos principais fundadores da
grande metrópole São Paulo. Foi também o fundados da cidade de
Salvador, Bahia, a primeira capital do Brasil.
A informação de que Emmanuel teria sido o Padre Manoel da Nóbrega, foi
Sigmar Gama - [email protected] Página 104
dada pelo próprio Emmanuel em várias comunicações através da
mediunidade idónea e segura de Francisco Cândido Xavier.
No início da actividade mediúnica de Chico, nos anos trinta, ainda sem se
identificar, disse-lhe que gostaria de trabalhar com ele durante longos
anos, mas que necessitaria de três condições básicas para o fazer: 1ª
disciplina, 2ª disciplina e 3ª disciplina. O que Chico cumpriu até hoje. Foi
um modesto funcionário público do Ministério da Agricultura que jamais
misturou a sua actividade profissional com o exercício da mediunidade.
Não poderemos deixar de registrar, sob pena de cometermos grave
omissão, que, durante as décadas que esteve ao serviço do Estado, nunca
- não obstante a sua precária saúde e o trabalho doutrinário, fora das
horas de serviço - deu uma única falta ou gozou qualquer tipo de licença,
conforme documentos facultados pelo M.A. Também no início da sua
nobre missão, Emmanuel disse-lhe que se alguma vez ele o aconselhar a
algo que não esteja de acordo com as palavras de Jesus e Kardec, deverá
procurar esquecê-lo, permanecendo fiel a Jesus e Kardec.
Emmanuel fez também parte da falange do Espírito da Verdade que
trouxe à Terra o Cristianismo restaurado, definição sua da Doutrina
Espírita. No Evangelho Segundo o Espiritismo , Allan Kardec inseriu uma
mensagem de Emmanuel, recebida em Paris, 1861, intitulada O Egoísmo
(Cap. XI - 11)
Para além dos dois livros históricos citados, temos ainda várias dezenas de
outros, dos quais destacamos: Paulo e Estevão , obra que, segundo
Herculano Pires, justificaria, por si só, a missão mediúnica de Francisco
Cândido Xavier Ave, Cristo e Renúncia , livros estes que, juntamente com
os citados anteriormente, ajudam-nos a entender o nascimento do
Cristianismo e, depois, à sua gradual adulteração este cinco livros são
baseados em factos históricos verdadeiros. Foi considerado o 5º
evangelista, pela superior interpretação do pensamento de Jesus
analisemos os seus livros: Caminho, Verdade e Vida , Pão Nosso , Vinha de
Luz e Fonte Viva .
Visto ser completamente impossível, num trabalho deste gênero, falar de
toda a sua obra transmitida através de Chico Xavier, gostaríamos, no
entanto, de registrar os livros: A Caminho da Luz , que nos relata uma
Sigmar Gama - [email protected] Página 105
História da Civilização à Luz do Espiritismo e Emmanuel , livro constituído
por diversas dissertações importantes sobre Ciência, Religião e Filosofia,
que preocupam a Humanidade.
ERMANCE DUFAUXERMANCE DUFAUX
Ermance De La Jonchére Dufaux nasceu em 1841, na cidade de
Fontainebleau, França. Próxima a Paris, abrigava a residência oficial de
Napoleão III e de outros nobres. O pai de Ermance, rico produtor de vinho
e trigo, era um deles. Tradicional, a família Dufaux residia num castelo
medieval, herança de seus antepassados.
Em 1853, a filha dos Dufaux começou a apresentar inquietante
desequilíbrio nervoso e a fazer premonições. Por causa desse problema,
seu pai procurou o célebre médico Cléver De Maldigny.
Pelo relato do Sr. Dufaux, o médico disse que Ermance parecia estar
sofrendo de um novo distúrbio nervoso, que havia feito diversas vítimas
na América e que, agora, estava chegando à Europa. As vítimas da doença
entravam numa espécie de transe histérico e começavam a receber
hipotéticas mensagens do Além.
O médico aconselhou o Sr. Dufaux a trazer Ermance a seu consultório, o
mais rápido possível. Assim foi feito. Alguns dias depois, a mocinha
comparecia à consulta.
Maldigny colocou um lápis na mão da menina e pediu que ela escrevesse
o que lhe fosse impulsionado. Ermance começou a rir, gracejando, mas, de
súbito, seu braço tomou vida própria e começou a escrever sozinho. Ao
ver-se dominada por uma força estranha, Ermance assustou-se, largou o
lápis e não quis continuar a experiência.
Maldigny examinou o papel e confirmou seu diagnóstico. Os pais de
Ermance ficaram extremamente preocupados. Como a família era famosa
na corte, a notícia logo se espalhou em Paris e Fontainebleau, chegando
aos ouvidos do Marquês de Mirvile, famoso estudioso do Magnetismo.
Sigmar Gama - [email protected] Página 106
O Marquês visitou o castelo dos Dufaux e pediu para examinar Ermance.
Os pais aquiesceram, mas a mocinha teve que ser convencida. Por fim,
Ermance colocou-se em posição de escrever e Mirvile perguntou ao
invisível:
- Está presente o Espírito em que penso? Em caso positivo, queira
escrever seu nome por intermédio da garota.
A mão de Ermance começou a se mover e escreveu:
- Não, mas um de seus parentes remotos.
- Pode escrever seu nome?
- Prefiro que meu nome venha diretamente à sua cabeça. Pense um
instante.
- São Luís, rei de França (1), primo do primeiro nobre de minha família?
- Sim, eu mesmo.
- Vossa Majestade pode dar-me um prova de que é realmente o nosso
grande rei?
- Ninguém nesta casa sabe que você e seus parentes me consideram o
Anjo da Guarda da família.
Se Maligny via o caso de Ermance como doença, o Marquês também tinha
suas explicações preconcebidas. Na sua opinião, ela apenas captava as
idéias e pensamentos presentes no ambiente. Isso na melhor das
hipóteses. Na pior, a jovem estava sendo intérprete do Diabo, pois, como
católico, ele não acreditava que os mortos pudessem se comunicar. Uma
análise conclusiva deveria ser feita pela Academia de Ciências de Paris.
O Sr. Dufaux, no entanto, não levou o caso adiante. Embora também fosse
católico, ele preferiu acreditar que sua filha não era doente ou possessa,
mas apenas uma intermediária entre os vivos e os mortos. A família foi se
acostumando com o fato e a faculdade de Ermance passou a ser vista
como uma coisa natural e positiva.
Os contatos com São Luís passaram a ser frequentes. Sob seu influxo, ela
escreveu a autobiografia póstuma do rei canonizado, intitulada "A história
de Luís IX, ditada por ele mesmo". Em 1854, esse texto foi publicado em
livro, mas a Censura do Governo de Napoleão III proibiu a sua distribuição.
Sigmar Gama - [email protected] Página 107
Os censores acharam que algumas passagens podiam ser entendidas
como críticas ao Imperador e à Igreja.
O posicionamento favorável dos Dufaux ao neo-espiritualismo
(spiritualisme) gerou retaliações. Numa confissão, Ermance recusou-se a
negar sua crença nos Espíritos, atribuindo suas mensagens a Satanás, e
foi proibida de comungar. A Imperatriz também esfriou seu
relacionamento com a família. No entanto, o Imperador Napoleão III ficou
curioso e pediu para conhecer a Srta. Dufaux.
Ela foi recepcionada no Palácio de Fontainebleau e recebeu uma
mensagem de Napoleão Bonaparte para o sobrinho. A mensagem
respondia a uma pergunta mental de Luís Napoleão e seu estilo
correspondia exatamente ao de Bonaparte.
Com o tempo, os Espíritos também começaram a falar por Ermance. Em
1855, com 14 anos, Ermance publica seu segundo livro "spiritualiste" (na
época, não existiam os termos espírita, mediunidade, etc). O primeiro a
ser distribuído e vendido: "A história de Joana D'Arc, ditada por ela
mesma" (Editora Meluu, Paris).
Segundo Canuto Abreu, a família Dufaux conheceu Allan Kardec na noite
do dia 18 de abril de 1857. O Codificador teria dado uma pequena
recepção em seu apartamento e os Dufaux foram levados por Madame
Planemaison, grande amiga do professor lionês.
No final da reunião, Ermance recebeu uma belíssima mensagem de São
Luís, que, a partir dali, tornaria-se uma espécie de supervisor espiritual
dos trabalhos do Mestre. Segundo o ex-rei, Ermance, assim como Kardec,
era uma druidesa reencarnada. Os laços entre os dois se estreitaram e ela
se tornou a principal médium das reuniões domésticas do Prof. Rivail.
No final de 1857, Kardec teve a idéia de publicar um periódico espírita e
quis ouvir a opinião dos guias espirituais. Ermance foi a médium escolhida
e, através dela, um Espírito deu várias e ótimas orientações ao Mestre de
Lion. O órgão ganhou o nome de "Revista Espírita" e foi lançado em
Sigmar Gama - [email protected] Página 108
Janeiro do ano seguinte.
Como o apartamento de Allan Kardec ficou pequeno para o grande
número de frequentadores da sua reunião, alguns dos participantes
decidiram alugar um local maior.
Para isso, porém, precisavam de uma autorização legal. O Sr. Dufaux
encarregou-se de obter o aval das autoridades, conseguindo em quinze
dias o que, normalmente, levaria três meses. Conquistada a liberação, o
Codificador e seus discípulos fundaram a Sociedade Parisiense de Estudos
Espíritas, em Abril de 1858. Ermance foi uma das sócias fundadoras.
Durante o ano de 1858, Ermance recebeu mais duas autobiografias
mediúnicas. Desta vez, os autores foram os reis franceses Luís XI e Carlos
VIII. O Codificador elogiou o trabalho da Srta. Dufaux (2) e transcreveu
trechos das "Confissões de Luís XI" na Revista Espírita(3). Nesse mesmo
ano, Kardec divulgou três mensagens psicografadas pela jovem sensitiva
(4). Não temos notícia sobre a possível publicação das memórias de Carlos
VIII.
Canuto Abreu revelou que Rivail a utilizou como médium na revisão da 2ª
edição de O Livro dos Espíritos.
Em 1859, Ermance não é mais citada como membro da SPEE nas páginas
do mensário kardeciano. Isso leva-nos a crer que ela teria saído da
Sociedade. Outro indício dessa suposição é que São Luís passou a se
comunicar através de outros sensitivos (Sr. Rose, Sr. Collin, Sra. Costel e
Srta. Huet). Não há, igualmente, registros da continuidade do seu trabalho
em outros grupos.
O que teria acontecido com Ermance? Teria casado e deixado a militância,
como Ruth Japhet e as meninas Baudin? Teria se desentendido com
Kardec? Teria mudado da França? Teria desanimado com o Espiritismo?
São perguntas que só ela poderia responder. Seja como for, o Codificador
continuou a divulgar seu trabalho. Em 1860, ele noticiou a reedição de "A
história de Joana D'Arc ditada por ela mesma", pela Livraria Lendoyen de
Paris.
Sigmar Gama - [email protected] Página 109
Em 1861, enviou vários exemplares desse livro, junto com suas obras,
para o editor francês Maurice Lachâtre, que se encontrava exilado em
Barcelona, Espanha. O objetivo era a divulgação do Espiritismo em solo
espanhol. Esses volumes acabaram confiscados e queimados em praça
pública pela Igreja
Católica no famoso Auto-de-fé de Barcelona.
"A história de Luís IX ditada por ele mesmo", foi liberada pela Censura e
finalmente publicada pela revista La Verité de Paris em 1864. No início de
1997, a editora brasileira Edições LFU traduziu "A história de Joana D'Arc"
para o português.
NOTAS: (1) Rei francês, filho de Luís VIII e Branca de Castela, nascido em
1215, coroado em 1226 e morto em 1270. Luís IX teve um reinado
bastante conturbado. Até 1236 enfrentou a Revolta dos Vassalos e a
Guerra dos Albigenses. Venceu duas batalhas contra os ingleses em 1242.
Em 1249, organizou uma Cruzada, foi vencido e aprisionado. Resgatado,
ficou na Palestina até 1252, quando voltou à França. Empreendeu mais
uma Cruzada e morreu de peste ao desembarcar em Tunis. Foi canonizado
pela Igreja em 1297.
(2) Página 30 do Volume 1858, EDICEL.
(3) Páginas 73, 148 e 175, ibidem.
(4) Páginas 137, 167 e 317, ibidem.
BIBLIOGRAFIA: O LIVRO DOS ESPÍRITOS E SUA TRADIÇÃO HISTÓRICA E
LENDÁRIA, Silvino Canuto Abreu, Edições LFU, São Paulo, 1992.
- OBRAS PÓSTUMAS, Allan Kardec, FEB, Rio de Janeiro, 1993.
- COLEÇÃO DA REVISTA ESPÍRITA, Allan Kardec, EDICEL, São Paulo.
EURÍPEDES BARSANULFOEURÍPEDES BARSANULFO
Nascido em 1º de maio de 1880, na pequena cidade de Sacramento,
Estado de Minas Gerais, e desencarnado na mesmo cidade, aos 38 anos
de idade, em 1o. de novembro de 1918.
Logo cedo manifestou- se nele profunda inteligência e senso de
responsabilidade, acervo conquistado naturalmente nas experiências de
vidas pretéritas.
Sigmar Gama - [email protected] Página 110
Era ainda bem moço, porém muito estudioso e com tendências para o
ensino, por isso foi incumbido pelo seu mestre- escola de ensinar aos
próprios companheiros de aula. Respeitável representante político de sua
comunidade, tornou- se secretário da Irmandade de São Vicente de Paula,
tendo participado ativamente da fundação do jornal "Gazeta de
Sacramento" e do "Liceu Sacramentano". Logo viu- se guindado à posição
natural de líder, por sua segura orientação quanto aos verdadeiros valores
da vida.
Através de informações prestadas por um dos seus tios, tomou
conhecimento da existência dos fenômenos espíritas e das obras da
Codificação Kardequiana. Diante dos fatos voltou totalmente suas
atividades para a nova Doutrina, pesquisando por todos os meios e
maneiras, até desfazer totalmente suas dúvidas.
Despertado e convicto, converteu- se sem delongas e sem
esmorecimentos, identificando-se plenamente com os novos ideais, numa
atitude sincera e própria de sua personalidade, procurou o vigário da
Igreja matriz onde prestava sua colaboração, colocando à disposição do
mesmo o cargo de secretário da Irmandade.
Repercutiu estrondosamente tal acontecimento entre os habitantes da
cidade e entre membros de sua própria família. Em poucos dias começou
a sofrer as conseqüências de sua atitude incompreendida.
Persistiu lecionando e entre as matérias incluiu o ensino do Espiritismo,
provocando reação em muitas pessoas da cidade, sendo procurado pelos
pais dos alunos, que chegaram a oferecer- lhe dinheiro para que voltasse
atrás quanto à nova matéria e, ante sua recusa, os alunos foram retirados
um a um.
Sob pressões de toda ordem e impiedosas perseguições, Eurípedes sofreu
forte traumatismo, retirando- se para tratamento e recuperação em uma
cidade vizinha, época em que nele desabrocharam várias faculdades
mediúnicas, em especial a de cura, despertando- o para a vida
missionária. Um dos primeiros casos de cura ocorreu justamente com sua
própria mãe que, restabelecida, se tornou valiosa assessora em seus
trabalhos.
Sigmar Gama - [email protected] Página 111
A produção de vários fenômenos fez com que fossem atraídas para
Sacramento centenas de pessoas de outras paragens, abrigando- se nos
hotéis e pensões, e até mesmo em casas de famílias, pois a todos
Barsanulfo atendia e ninguém saía sem algum proveito, no mínimo o
lenitivo da fé e a esperança renovada e, quando merecido, o benefício da
cura, através de bondosos Benfeitores Espirituais.
Auxiliava a todos, sem distinção de classe, credo ou cor e, onde se fizesse
necessária a sua presença, lá estava ele, houvesse ou não condições
materiais.
Jamais esmorecia e, humildemente, seguia seu caminho cheio de
percalços, porém animado do mais vivo idealismo. Logo sentiu a
necessidade de divulgar o Espiritismo, aumentando o número dos seus
seguidores. Para isso fundou o "Grupo Espírita Esperança e Caridade", no
ano de 1905, tarefa na qual foi apoiado pelos seus irmãos e alguns
amigos, passando a desenvolver trabalhos interessantes, tanto no campo
doutrinário, como nas atividades de assistência social.
Certa ocasião caiu em transe em meio dos alunos, no decorrer de uma
aula. Voltando a si, descreveu a reunião havida em Versailles, França, logo
após a I Guerra Mundial, dando os nomes dos participantes e a hora exata
da reunião quando foi assinado o célebre tratado.
Em 1o. de abril de 1907, fundou o Colégio Allan Kardec, que se tornou
verdadeiro marco no campo do ensino. Esse instituto de ensino passou a
ser conhecido em todo o Brasil, tendo funcionado ininterruptamente desde
a sua inauguração, com a média de 100 a 200 alunos, até o dia 18 de
outubro, quando foi obrigado a cerrar suas portas por algum tempo,
devido à grande epidemia de gripe espanhola que assolou nosso país.
Seu trabalho ficou tão conhecido que, ao abrirem- se as inscrições para
matrículas, as mesmas se encerravam no mesmo dia, tal a procura de
alunos, obrigando um colégio da mesma região, dirigido por freiras da
Ordem de S. Francisco, a encerrar suas atividades por falta de
freqüentadores.
Liderado a pulso forte, com diretriz segura, robustecia- se o movimento
espírita na região e esse fato incomodava sobremaneira o clero católico,
passando este, inicialmente de forma velada e logo após, declaradamente,
Sigmar Gama - [email protected] Página 112
a desenvolver uma campanha difamatória envolvendo o digno missionário
e a doutrina de libertação, que foi galhardamente defendida por
Eurípedes, através das colunas do jornal "Alavanca", discorrendo
principalmente sobre o tema: "Deus não é Jesus e Jesus não é Deus", com
argumentação abalizada e incontestável, determinando fragorosa derrota
dos seus opositores que, diante de um gigante que não conhecia
esmorecimento na luta, mandaram vir de Campinas, Estado de S. Paulo, o
reverendo Feliciano Yague, famoso por suas pregações e conhecimentos,
convencidos de que com suas argumentações e convicções infringiriam o
golpe derradeiro no Espiritismo.
Foi assim que o referido padre desafiou Eurípedes para uma polêmica em
praça pública, aceita e combinada em termos que foi respeitada pelo
conhecido apóstolo do bem.
No dia marcado o padre iniciou suas observações, insultando o Espiritismo
e os espíritas, "doutrina do demônio e seus adeptos, loucos passíveis das
penas eternas", numa demonstração de falso zelo religioso, dando assim
testemunho público do ódio, mostrando sua alma repleta de intolerância e
de sectarismo.
A multidão que se mantinha respeitosa e confiante na réplica do defensor
do Espiritismo, antevia a derrota dos ofensores, pela própria fragilidade
dos seus argumentos vazios e inconsistentes.
O missionário sublime, aguardou serenamente sua oportunidade, iniciando
sua parte com uma prece sincera, humilde e bela, implorando paz e
tranqüilidade para uns e luz para outros, tornando o ambiente propício
para inspiração e assistência do plano maior e em seguida iniciou a defesa
dos princípios nos quais se alicerçavam seus ensinamentos.
Com delicadeza, com lógica, dando vazão à sua inteligência, descortinou
os desvirtuamentos doutrinários apregoados pelo Reverendo, reduzindo- o
à insignificância dos seus parcos conhecimentos, corroborado pela
manifestação alegre e ruidosa da multidão que desde o princípio confiou
naquele que facilmente demonstrava a lógica dos ensinos apregoados
pelo Espiritismo.
Sigmar Gama - [email protected] Página 113
Ao terminar a famosa polêmica e reconhecendo o estado de alma do
Reverendo, Eurípedes aproximou- se dele e abraçou- o fraterna e
sinceramente, como sinceros eram seus pensamentos e suas atitudes.
Barsanulfo seguiu com dedicação as máximas de Jesus Cristo até o último
instante de sua vida terrena, por ocasião da pavorosa epidemia de gripe
que assolou o mundo em 1918, ceifando vidas, espalhando lágrimas e
aflição, redobrando o trabalho do grande missionário, que a previra muito
antes de invadir o continente americano, sempre falando na gravidade da
situação que ela acarretaria.
Manifestada em nosso continente, veio encontrá-lo à cabeceira de seus
enfermos, auxiliando centenas de famílias pobres. Havia chegado ao
término de sua missão terrena. Esgotado pelo esforço despendido,
desencarnou no dia 1o. de novembro de 1918, às 18 horas, rodeado de
parentes, amigos e discípulos.
Sacramento em peso, em verdadeira romaria, acompanhou- lhe o corpo
material até a sepultura, sentindo que ele ressurgia para uma vida mais
elevada e mais sublime.
EUSÁPIA PALADINO EUSÁPIA PALADINO
Eusápia Paladino foi a primeira médium de efeitos físicos a ser submetida
a experiências pelos cientistas da época, tais como César Lombroso,
Alexandre Aksakof, Charles Richet e muitos outros.
Nasceu em Nápoles, Itália, em 31 de janeiro de 1854, e desencarnou em
1918, com a idade de sessenta e quatro anos.
Sua mãe morrera quando ela nasceu e o pai quando ela alcançou a idade
de doze anos.
As primeiras manifestações de sua mediunidade consistiram no
movimento e levitação de objetos, quando ainda muito jovem, pois
contava apenas quatorze anos.
Esses fenômenos eram espontâneos e se verificavam na casa de um
amigo com quem ela morava.
Somente aos vinte e três anos é que, graças a um espírita convicto, Signor
Damiani, ela conheceu o Espiritismo.
Sigmar Gama - [email protected] Página 114
Por volta do ano 1888 é que Eusápia tornou-se conhecida no mundo
científico em virtude de uma carta do Prof. Ércole Chiaia enviada ao
criminalista César Lombroso, relatando detalhadamente as experiências já
realizadas por ele com a médium, carta essa publicada no jornal "Il
Fanfulla dela Domênica".
Entre outras coisas, dizia o missivista: "A doente é uma mulherzinha de
modestíssima condição social, com cerca de trinta anos, robusta, iletrada
e cujo passado, porque vulgaríssimo, não merece esquadrinhado; que
nada apresenta de notável, a não ser as pupilas de fascinante brilho e
essa potencialidade, que os criminalistas diriam irresistível."
Em outro trecho da carta , dizia: "Quando quiserdes, essa mulherzinha
será capaz de, encerrada numa sala, divertir durante horas, por meio de
surpreendentes fenômenos, todo um grupo de curiosos mais ou menos
céticos, ou mais ou menos acomodatícios".
Através dessa carta, convidava, também, o célebre alienista, a investigar,
diretamente, os fenômenos por ele constatados na médium.
Três anos mais tarde, em 1891, Lombroso aceitou o convite, realizando,
com Eusápia, uma série de sessões.
Esses trabalhos foram seguidos pela Comissão de Milão, integrada pelos
professores Schiaparelli, diretor do Observatório de Milão; Gerosa,
Catedrático de física; Ermacora, Doutor em Filosofia, de Munique, e o prof.
Charles Richet, da Universidade de Paris.
Além dessas sessões, muitas outras foram realizadas, com a presença de
homens de ciência, não só da Europa, como também da América.
Lombroso, diante da evidência dos fatos, converteu-se ao Espiritismo,
tendo declarado: "Estou cheio de confusão e lamento haver combatido,
com tanta persistência, a possibilidade dos fatos chamados espíritas."
A conversão de Lombroso deveu-se também ao fato de o Espírito de sua
mãe haver-se materializado em uma das sessões realizadas com Eusápia.
Antes de encerrarmos esta ligeira exposição sobre a preciosa mediunidade
de Eusápia Paladino, convém citarmos um trecho do relatório apresentado
pela Comissão de Milão que diz: "É impossível dizer o número de vezes
que uma mão apareceu e foi tocada por um de nós.
Basta dizer que a dúvida já não era possível.
Sigmar Gama - [email protected] Página 115
Realmente, era uma mão viva que víamos e tocávamos, enquanto, ao
mesmo tempo, o busto e os braços da médium estavam visíveis e suas
mãos eram seguras pelos que achavam a seu lado."
Como se vê, a Comissão que ofereceu este relatório era constituída por
homens de ciência, o que não deixa dúvida quanto à veracidade dos
fenômenos por eles constatados.
O prof. Charles Richet, em 1894, também realizou várias sessões
experimentais em sua própria casa, obtendo levitações parciais e
completas da mesa, além de outros fenômenos de efeitos físicos.
Sir Oliver Lodge, prof. de Filosofia Natural do Colégio de Bedford,
Catedrático de Física da Universidade de Liverpool, Reitor da Universidade
de Birmingham, e que foi, também, por longos anos, presidente da
Associação Britânica de Cientistas, após as experiências realizadas com
Eusápia, apresentou um relatório à Sociedade de Pesquisas da Inglaterra,
dizendo, entre outras coisas, o seguinte: "qualquer pessoa, sem invencível
preconceito, que tenha tido a mesma experiência, terá chegado à mesma
larga conclusão, isto é, que atualmente acontecem coisas consideradas
impossíveis... O resultado de minha experiência é convencer-me de que
certos fenômenos geralmente considerados anormais, pertencem à ordem
natural e, como um corolário disto, que esses fenômenos devem ser
investigados e verificados por pessoas e sociedades interessadas no
conhecimento da natureza".
Eis aí, em linhas gerais, o que foi a excepcional mediuni-dade de Eusápia
Paladino, figura de destaque na história do Espiritismo, que veio à Terra
para cumprir a sublime missão de demonstrar a sobrevivência do Espírito,
após a desencarnação.
Fonte: ABC do Espiritismo de Victor Ribas Carneiro.
FLORENCE COOKEFLORENCE COOKE
Os primeiros pormenores da vida de Florence são fornecidos por ela
própria, em carta dirigida a Mr. Harrison em maio de 1872.
Diz a carta: "Tenho 16 anos de idade. Desde a minha infância vejo os
espíritos e ouço-os falar. Tinha o costume de sentar-me a sós e conversar
com eles. Eles me cercavam e eu os tomava por pessoas vivas. Como
Sigmar Gama - [email protected] Página 116
ninguém os via nem ouvia, meus pais procuraram inculcar em mim a idéia
de que tudo era produto de minha imaginação.
Todavia não conseguiram modificar o meu modo de pensar a respeito do
assunto e foi assim que passei a ser considerada como uma menina
excêntrica. Na primavera de 1870 fui convidada a visitar uma amiga de
colégio.
Ela me perguntou se eu já ouvira falar de Espiritismo, acrescentado que
seus pais e ela se reuniam em torno de uma mesa. Nessa situação
obtinham certos movimentos; disse que, se eu consentisse, ainda naquela
tarde ensaiariam uma experiência comigo".
Miss Cook pediu permissão a sua mãe e, em seguida, realizaram a
primeira sessão, obtendo-se a comunicação de um espírito que se dizia ter
sido a sua tia.
Mais tarde, quando a jovem ficou em pé junto a mesa, esta se ergueu a
uma altura de 4 pés.
Miss Cook dá continuidade ao seu relato: "Na segunda sessão os espíritos
nos deram provas de identidade, mas não chegamos a ficar de todo
convencidas. Por fim, recebemos por tiptologia, uma comunicação
orientando-nos para que deixássemos o aposento em penumbra.
Eles me ergueriam e dariam comigo volta à sala. Não consegui conter o
riso. Aquilo não era possível.
Entretanto, decidiu-se apagar a luz. Apesar disso, a claridade que entrava
pela janela não deixou a sala inteiramente às escuras.
De imediato senti que alguém me tirava da cadeira, e, no instante
seguinte, fui erguida até o teto, fato que todas as pessoas presentes na
sala puderam ver.
Sob meu espanto, transportaram-me sobre as cabeças dos assistentes,
até que fui posta sobre uma mesa existente no extremo da sala. Minha
mãe indagou se podíamos obter esse fenômeno.
A mesa respondeu que sim, visto que eu era médium. Reunimo-nos em
nossa casa. Os espíritos quebraram a nossa mesa e duas cadeiras,
fazendo ainda outros estragos.
Em vista disso, resolvemos que, de modo algum tornaríamos a realizar
sessões. Então os espíritos começaram a nos atormentar, atirando sobre
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mim livros e outros objetos; as cadeiras passeavam sozinhas pela sala, a
mesa se erguia violentamente, enquanto fazíamos as refeições, e fortes
ruídos eram ouvidos durante a noite, fazendo-nos estremecer de medo.
Por fim nos vimos obrigadas a nos reunirmos em torno da mesa e a tentar
um diálogo com eles. Os espíritos disseram que fôssemos a Navarino
Street, 74" onde existia uma sociedade espírita.
O endereço estava certo. Lá encontramos Mr. Thomas Blyton que nos
convidou a assistir a uma sessão onde entrei em transe e, por
incorporação, uma entidade disse aos meus pais que, se contássemos
com o auxílio de Mr. Herne e Mr. Williams, obteríamos comunicações de
valor.
Reunimo-nos várias vezes e, finalmente, obtivemos os fenômenos
prometidos. O espírito que dirigiu a sessão disse chamar-se Katie King".
No dia 21 de abril de 1872, em sessão organizada para estudos de sua
mediunidade, conforme ata publicada no "The Spiritualist", ouviu-se um
bater de vidros da janela sem que ninguém descobrisse a causa.
Então ouviu-se a voz de um espírito que disse: "Mr. Cook, é preciso que
façais desobstruir o canal da calha, se desejais evitar que os alicerces da
casa sofram".
Surpresos, os presentes procederam a exame imediato, havendo a
confirmação do que fora dito.
No dia seguinte, em outra sessão, o espírito Katie King se materializou
parcialmente pela primeira vez.
Katie mostrou-se na abertura da cortina e falou durante alguns minutos,
ocasião em que os presentes puderam acompanhar o movimento de seus
lábios.
Florence Cook foi a primeira médium entre os médiuns ingleses a obter
materializações integrais em plena luz.
Com o avanço das experiências, Florence, que antes, nas materializações
parciais permanecia consciente, passou a cair em transe à medida que
Katie King ia adquirindo domínio da situação e conseguindo-se mostrar
mais perfeitamente.
Seu rosto a princípio dava a impressão de ser oco por trás.
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Mais tarde preencheu-se, os crepes ectoplásmicos se tornaram menos
abundantes e, um ano depois, ela já conseguia caminhar do lado de fora
da cabine.
Quando lhe pediram para se deixar fotografar à luz de flashes, observou-
se que a sua semelhança com Florence era muito grande.
Era um problema, e, para provar que era um ser distinto de Miss. Cook, ela
alterou a cor de sua face para tons de chocolate e azeviche.
Em uma experiência feita logo em seguida, a médium foi amarrada
apertadamente pelos assistentes no interior do gabinete.
Depois foi observada toda uma gradação de diferenças entre ela e a
médium.
Estava reservado a Sir William Crookes fornecer as provas definitivas de
que Katie King tinha uma existência à parte da de Miss Cook.
É preciso consignar que foi a própria Florence quem procurou o professor
Crookes a fim de solicitar-lhe que investigasse a sua mediunidade.
Eis como ela narra o episódio: Fui à casa de Mr. Crookes sem dizer nada
aos meus pais nem aos meus amigos. Ofereci-me como um sacrifício
voluntário perante a sua incredulidade. Pouco antes se dera o
desagradável incidente com Mr. Volckman.
Os que não conheciam o fenômeno dirigiam palavras cruéis contra mim.
Mr. Crookes fizera um comentário que me atormentava e foi por isso que
me decidi a ir procurá-lo.
Ele me recebeu e eu lhe disse:
- Já que acreditais que sou uma impostora, se quiserdes virei submeter-me
a experiências em vossa própria casa.
Vossa esposa poder vestir-me como quiserdes e deixarei convosco o que
tiver trazido.
Podereis vigiar-me como vos aprouver; submeter-me-ei às experiências
que desejardes, de modo que vos contenteis em todos os sentidos.
Só imponho uma condição: se verificardes que sou agente de uma
mistificação, denunciai-me publicamente; mas se vos certificardes de que
os fenômenos são reais e de que eu mais não sou que o instrumento de
forças invisíveis, isso direis ao público de modo que todo o mundo tome
conhecimento da verdade.
Sigmar Gama - [email protected] Página 119
William Crookes aceitou o repto, disso resultando um dos mais
tumultuosos e dramáticos episódios da História do Espiritismo.
Após da despedida do espírito Katie King, a mediunidade de Miss Florence
foi utilizada por outra entidade que dizia chamar-se Marie, a qual, por
mostrar-se cantando e dançando, foi denominada Marie, a dançarina.
Em 1899, atendendo a um convite da Sphiny Society, de Berlim, Miss Cook
já então Mrs. Corner pelo casamento, assentiu em realizar algumas
sessões, nas quais Marie se materializou e produziu fenômenos
sensacionais.
Por essa altura Florence já se havia casado, em 1874, com um cavalheiro
chamado Elgie Corner e vivia em Usk, no País de Gales, onde teve vários
filhos.
Em 1904, William Crookes recebeu uma carta, datada de 24 de abril, na
qual era-lhe comunicado o falecimento de Mrs. Corner.
Ele respondeu expressando viva simpatia e declarando ainda que a vida
post-mortem muito devia, quanto à sua certeza, à mediunidade da antiga
Miss Florence Cook.
Com esse episódio se encerra uma vida que conheceu tanto
sensacionalismo quanto o das grandes atrizes da atualidade.
A Doutrina Espírita deve eterna gratidão à menina de 15 anos, que,
sacrificando sua juventude nos laboratórios dos sábios, prestou os mais
relevantes serviços à comprovação científica da imortal obra de Allan
Kardec.
FRANCISCO PEIXOTO LINS (PEIXOTINHO) FRANCISCO PEIXOTO LINS (PEIXOTINHO)
Nasceu na cidade de Pacatuba, Estado do Ceará, no dia 1º de fevereiro de
1905, desencarnando na cidade de Campos, Estado do Rio de Janeiro, 16
de junho de 1966.
Seus pais foram Miguel Peixoto Lins e Joana Alves Peixoto.
Bem cedo ficou órfão de pai e mãe e passou a conviver com seus tios
maternos, em Fortaleza, Estado do Ceará, onde fez o curso primário.
Em seguida matriculou-se no Seminário Católico, de acordo com o desejo
de seus tios, que desejavam vê-lo seguir a carreira eclesiástica.
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No Seminário sofreu várias penas disciplinares por manifestar a seus
educadores dúvidas sobre os dogmas da Igreja.
Observando as desigualdades humanas, tanto no campo físico como no
social, ficou em dúvida no tocante à paternidade e bondade de Deus.
Se todos eram seus filhos, por que tantas diversidades? Indagava.
Por que razões insondáveis uns nascem fisicamente perfeitos e outros
deformados?
Uns portadores de virtudes angelicais e outros acometidos de mau
caráter? Dizia então: “Se Deus existe, não é esse ser unilateral de que fala
a religião católica.” Desejava saber e inquiria os seus confessores, os
quais, diante das indagações arrojadas do menino, usavam o castigo e a
penitência como corretivo.
Aos 14 anos de idade desistiu do Seminário e, com a permissão dos tios,
transferiu-se para o Estado do Amazonas, em busca de melhores dias,
enfrentando os trabalhos árduos dos seringais. Ali trabalhou cerca de dois
anos, resolvendo voltar para Fortaleza. Nessa fase de sua vida, nele se
manifestaram os primeiros indícios de sua extraordinária mediunidade,
sob a forma de terrível obsessão. Envolvido por espíritos menos
esclarecidos, era tomado de estranha força física, tornando-se capaz de
lutar e vencer vários homens, apesar de Ter menos de 18 anos e ser
fisicamente franzino. Esse estado anômalo acontecia a toda hora e
Peixotinho, temendo conseqüências mais graves, deliberou não mais sair
de casa. Ali ficou acometido de nova influenciação dos espíritos trevosos,
ficando desprendido do corpo cerca de 20 horas, num estado cataléptico,
quase chegando a ser sepultado vivo, pois seus familiares o tinham dado
como desencarnado.
Depois desse episódio, sofreu uma paralisia que o prostrou num leito de
dor durante seis meses. Nessa fase, um dos seus vizinhos, membro de
uma sociedade espírita de Fortaleza, movido de íntima compaixão pelos
seus sofrimentos, solicitou permissão à sua família, para prestar-lhe
socorro espiritual, com passes e preces. Ninguém em sua casa tinha
conhecimento do Espiritismo e seus familiares também não atinavam com
o verdadeiro estado do paciente, uma vez que o tratamento médico a que
se submetia não lhe dava qualquer esperança de restabelecimento. O seu
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vizinho iniciou o tratamento com o Evangelho no Lar, aplicando-lhe passes
e dando-lhe a beber água fluida. A fim distrair-se, Peixotinho começou a
ler alguns romances espíritas e posteriormente as obras da Codificação
Kardequiana. Em menos de um mês apresentava sensível melhora em seu
estado físico e progressivamente foi libertando-se da falsa enfermidade.
Logo que conseguiu andar, passou a freqüentar o Centro Espírita onde
militava o grande tribuno Vianna de Carvalho, que na época estava
prestando serviço ao Exército Nacional em Fortaleza. A terrível obsessão
foi a sua Estrada de Damasco. O conhecimento da lei da reencarnação
veio equacionar os velhos problemas que atormentavam a sua mente,
dirimindo todas as dúvidas que o Seminário não conseguira desfazer.
Passou assim a compreender a incomensurável bondade de Deus, dando a
mesma oportunidade a todos os seus filhos na caminhada rumo à
redenção espiritual.
Orientado pelo major Vianna de Carvalho, Peixotinho iniciou o seu
desenvolvimento mediúnico. Tornou-se um dos mais famosos médiuns de
materializações e efeitos físicos. Por seu intermédio produziram-se as
famosas materializações luminosas e uma série dos mais peculiares
fenômenos, tudo dentro da maior seriedade e nos moldes preceituados
pela Doutrina Espírita.
Em 1926, foi convocado para o serviço militar e transferido para o Rio de
Janeiro, sendo incluído em um batalhão do exército, na cidade fluminense
de Macaé. Ali se dedicou com amor à prática do Espiritismo e, com um
grupo de abnegados companheiros, fundou o Centro Espírita Pedro,
instituição que por muito tempo se tornou a sua oficina de trabalho.
Em 1933, consorciou-se com Benedita Vieira Fernandes, de cujo
matrimônio tiveram vários filhos. Por força da sua carreira militar, foi
transferido várias vezes, servindo em Imbituba, Santa Catarina; Santos,
São Paulo; no antigo Distrito Federal e em Campos, Rio de Janeiro. Onde
chegava, procurava logo servir à causa espírita.
No ano de 1945, na cidade do Rio de Janeiro, encontrou-se com vários
confrades, dentre eles Antônio Alves Ferreira, velho companheiro no
Grupo Espírita Pedro, de Macaé. Nessa época passou a freqüentar o Culto
Cristão no Lar, realizado sistematicamente na residência daquele
Sigmar Gama - [email protected] Página 122
confrade. Posteriormente, unindo-se a Jacques Aboab e Amadeu Santos,
resolveram fundar o Grupo Espírita André Luiz, que inicialmente funcionou
na Rua Moncorvo Filho, 27, onde se produziram, pela sua mediunidade, as
mais belas sessões de materializações luminosas, as quais ensejaram ao
Dr. Rafael Ranieri a oportunidade de lançar um livro com esse mesmo
título. Peixotinho prestava também o seu valioso concurso como médium
receitista e curador.
No ano de 1948, encontrando-se pela primeira vez com o médium
Francisco Cândido Xavier, na cidade de Pedro Leopoldo, teve a
oportunidade de propiciar aos confrades daquela cidade, belíssimas
sessões de materializações e assistência aos enfermos.
Em 1949 foi transferido definitivamente para a cidade de Campos, onde
participou dos trabalhos do Grupo Joana D’Arc.
Fundou também o Grupo Espírita Araci, em homenagem ao seu guia
espiritual.
Peixotinho sofria de broncopneumonia, enfermidade que lhe causava
muitos dissabores, porém ele suportava tudo com estoicismo, o mesmo
podendo-se dizer das calúnias de que foi vítima, como são vítimas todos
os médiuns sérios que se colocam a serviço do Evangelho de Jesus, dando
de graça o que de graça recebem.
FRANZ ANTON MESMERFRANZ ANTON MESMER
Mesmer foi o médico austríaco criador da teoria do magnetismo animal conhecido pelo nome de mesmerismo. Nasceu a 23 de maio em Iznang, uma pequena vila perto do Lago Constance. Estudou teologia em Ingolstadt e formou-se em medicina na Universidade de Viena. Provido de recursos, dedicou-se a longos estudos científicos, chegando a dominar os conhecimentos de seu tempo, época de acentuado orgulho intelectual e ceticismo. Era um trabalhador incansável, calmo, paciente e ainda um exímio músico.
Em 1775, após muitas experiências, Mesmer reconhece que pode curar mediante a aplicação de suas mãos. Acredita que dela desprende um fluido que alcança o doente; declara: "De todos os corpos da Natureza, é o próprio homem que com maior eficácia atua sobre o homem". A doença seria apenas uma desarmonia no equilíbrio da criatura, opina ele. Mesmer, que nada cobrava pelos tratamentos, preferia cuidar de distúrbios ligados ao sistema nervoso. Além da imposição das mãos sobre os doentes, para estender o benefício a maior número de pessoas, magnetizava água, pratos, cama, etc., cujo contato submetia os enfermos.
Mesmer praticou durante anos o seu método de tratamento em Viena e em Paris, com evidente êxito, mas acabou expulso de ambas as cidades pela inveja e incompreensão de muitos. Depois de cinco tentativas para conseguir exame judicioso do seu método de curar, pelas academias, é que publica, em 1779, a "Dissertação sobre a descoberta do magnetismo animal", na qual afirma
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que este é uma ciência com princípios e regras, embora ainda pouco conhecida. A sua popularidade prosseguiu por muitos anos, mas outros médicos o taxavam de impostor e charlatão. Em 1784, o governo francês nomeou uma comissão de médicos e cientistas para investigar suas atividades. Benjamin Franklin foi um dos membros dessa comissão, que acabou por constatar a veracidade das curas, porém as atribuíram não ao magnetismo animal, mas a outras causas fisiológicas desconhecidas.
Concentrado no alívio à dor, Mesmer não chegou a perceber a existência do sonambulismo artificial, que seu ilustre e generoso discípulo, conde Maxime Puységur, descobre (inclusive a clarividência a ele associada), o qual se desenvolve durante o transe magnéticos em certas pessoas.
Em 1792, Mesmer vê-se forçado a retirar-se de Paris, vilipendiado, e instala-se em pequena cidade suiça, onde vive durante 20 anos sempre servindo aos necessitados e sem nunca desanimar nem se queixar. Em 1812, já aos 78 anos, a Academia de Ciências de Berlim convida-o para prestar esclarecimentos, pois pretendia investigar a fundo o magnetismo. Era tarde; ele recusa o convite. A Academia encarrega o Prof. Wolfart de entrevistá-lo. O depoimento desse professor é um dos mais belos a respeito do caridoso médico:
"Encontrei-o dedicando-se ao hospital por ele mesmo escolhido. Acrescente-se a isso um tesouro de conhecimentos reais em todos os ramos da Ciência, tais como dificilmente acumula um sábio, uma bondade imensa de coração que se revela em todo o seu ser, em suas palavras e ações, e uma força maravilhosa de sugestão sobre os enfermos."
No início de 1814, ele regressou para Iznang, sua terra natal, onde permaneceria os seus últimos dias até falecer em 05/03/1815.
Assim foi Mesmer. Durante anos semeou a cura de enfermos doando de seu próprio fluido vital em atitude digna daqueles que sacrificam-se por amor ao seu trabalho e a seus irmãos. Suas teorias atravessaram décadas e seu exemplo figura luminoso entre os missionários que sob o açoite das críticas descabidas e as agressões da calúnia, passam incólume escudado pelo dever retamente desempenhado. Seu nome jamais se desligar do vocábulo "fluido" e sua vida valiosa pelos frutos que gerou, jamais ser esquecida por aqueles cuja honestidade de propósitos for o ornamento de seus espíritos. A sua obra foi decisiva para demonstrar a realidade da imposição das mãos como meio de alívio aos sofrimentos, tal como a utilizavam os primeiros cristãos antigamente e os espíritas atualmente.
Sigmar Gama - [email protected] Página 124